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Etnomusicologia: Teoria e Método

Aula 9

Maria do Rosário Pestana


13 de novembro de 2018
DIA 20
• trabalho com o conceito deFluxo estabelecido por Mihaly
Csikszentmihalyi (1975).
• questionário durante a aula da próxima terça-feira dia 20 de
novembro, às 9 horas da manhã. A escala é composta por 36 itens
com formato de resposta do tipo Likert de cinco pontos, que variam
entre 1 (discordo totalmente) e 5 (concordo totalmente) e demora em
média 4 ~ 5 minutos para ser respondida.
FADO
O fado é uma prática musical e poética urbana, amplamente difundida pelos
media e pelos circuitos transnacionais de produção musical, cujos principais
contextos de memória continuam a ser os espaços relacionais face-a-face das
casas de fado, das tascas e restaurantes, assim como das Sociedades
Recreativas e de eventos como A Grande Noite do Fado. Foi nesse contexto
que se iniciaram fadistas com grande projeção no século XXI, como Camané,
Raquel Tavares ou Ricardo Ribeiro. Nesses lugares, um fadista (feminino ou
masculino) canta acompanhado pela(s) a(s) guitarra(s) portuguesa(s) de seis
ordens duplas de cordas metálicas, viola(s) (designação émica da guitarra
clássica de seis cordas simples) e por vezes pela viola baixo (de 4 cordas).
• Apesar de os textos melódico e poético serem previamente compostos, o papel
do fadista na interpretação do fado é crucial, distinguindo-se a sua performance
pelo seu modo de estilar (designação émica da improvisação melódica
individual) e de dividir o texto (alteração do ritmo das palavras, com pausas,
suspensões, respirações). Os contracantos da guitarra reforçam o papel central
do fadista, que nas grandes salas de espetáculo se coloca à frente do grupo
instrumental. As guitarradas, fados exclusivamente instrumentais, pontuam uma
performance de fado. Guitarristas como Armandinho (1891-1946) compuseram
fados e criaram variações que foram difundidas pela indústria fonográfica,
integrando hoje o repertório do fado. De igual modo, performances de grandes
fadistas como Alfredo Marceneiro ou Amália Rodrigues, que foram imortalizados
pelas tecnologias de gravação e reprodução, são referências incontornáveis na
iniciação de jovens fadistas nesta prática. Os passos seguintes passam pela
definição de uma interpretação personalizada, um repertório próprio de fados,
com composições escritas especialmente para si, e por vezes pela composição de
músicas ou letras de fado.
• A estrutura poética e musical distingue os tipos principais do fado. No
fado-fado (também designado clássico, castiço, rigoroso, ou
tradicional), considerado mais antigo, a melodia varia ligeiramente a
cada nova estrofe, segundo uma forma bipartida, num esquema
harmónico I-V, como no fado Mouraria (em tonalidade maior) ou no
fado menor (em tonalidade menor), publicados em fontes
oitocentistas ou do início do século XX. Sobre os padrões melódico-
rítmicos destes e de outros fados estróficos, os fadistas constroem
diferentes interpretações e compõe-se novos poemas. Já o fado
canção, com refrão e coplas, é uma variante provavelmente
desenvolvida a partir da introdução do fado no teatro de revista, em
finais do século XIX (ver Castelo-Branco 1998).
Fontes históricas
• Nas fontes setecentistas não há referências.
• [Brasil: 1818-1827]: Dança “de negros”, “do campo”, “danças
populares”, “voluptuosas”.
• [Lisboa: finais de setecentos]: Lundum (dança afro-brasileira)
• [finais XVII/início XVIII]: modinha, canção sentimental, em português,
com acompanhamento ao piano [nos salões] .
Início do século XIX
• Novembro 1807, invasão das tropas napoleónicas/fuga da família real
para o Brasil)
• 1820, revolução liberal
• 1821, regresso de D. João VI
• 1828-1834: guerras liberais
• 1830: casas de fado = destino/sina: “espaços de boémia e prostituição
lisboetas” (Nery 2004: 40).
• 1840: no palácio do conde Vimioso
Circulação no meio aristocrático
• [c. 1840] “o conde de Vimioso mandando entrar a Severa e pedindo a
Roberto Camello que a acompanhasse na guitarra, nos deu uma
audição de Fado até então desconhecido da maior parte, senão de
todos os ouvintes”.
Das tabernas da Madragoa para o
palácio do conde de Vimioso
Conde de Vimioso (liberal) Maria Severa Honofriana (n. 1829; m 1846)

• (José Malhoa)
Romantismo
• Culto da mulher perdida e da morte precoce
• 1848, Dama das Camélias (Alexandre Dumas)/Traviata (Verdi)
• Camilo Castelo-Branco refere a Severa, em 1879, no romance Eusébio
Macário.
• Difusão do Fado da Severa e do Fado do Vimioso
Fado cantado e dançado
• A letra do Fado do Vimioso é esclarecedora relativamente ao facto de
estes fados serem dançados: “dançar o fado com rigor desconhecido”,
“batendo forte”.
Histórias do fado

As primeiras referências ao fado datam dos anos 1830-40. Situam-no nas tabernas,
bordeis, nos retiros (casas de pasto) dos bairros lisboetas e da periferia da cidade, nas
esperas de touros. Maria Severa Onofriana (1820-1846), a fadista mítica que funda a
origem do fado nas casas de prostituição dos bairros portuários da cidade de Lisboa,
cantava e tocava fado. O seu romance com o conde de Vimioso ilustra a presença do
fado nos meios boémios da aristocracia e alta burguesia e foi imortalizado em
operetas, revistas e inclusive no primeiro filme sonoro do realizador Leitão de Barros,
intitulado A Severa, de 1931. Já as primeiras publicações de fados (acompanhamento
para piano e poesia) datam da segunda metade do século XIX, destacando-se o Álbum
de músicas Nacionais de João Ribas, de 1858[1860] e o Cancioneiro de Músicas
Populares de César das Neves e Gualdino de Campos (1893, 1895 e 1898).
Argumentos principais relativos à
origem [especulativos]
• Na música árabe -Teófilo Braga
• Na lírica trovadoresca - Carolina Michaelis de Vasconcelos
• Nas caravelas quinhentistas – TINOP
• Gonçalo Sampaio chama a atenção para as proximidades entre o fado
e as cantigas ao S. João.
Ernesto Vieira, 1890, Dicionário Musical
• “O carácter essencialmente melancólico do fado, a sua grande popularidade e a circunstância dele
prevalecer sempre sobre todas as outras cantigas das ruas, cuja existência é efémera, tornam-no digno de
algumas investigações [...] // Na falta dessas investigações têm-se levantado conjecturas que lhe atribuem
uma grande antiguidade, dando-lhe por origem alguma melodia dos árabes popularizada no tempo em
que ele dominaram o país. Mas tais conjecturas, por muito verosímeis que pareçam, não podem ser
aceites como verdades históricas, tanto mais que têm contra si os seguintes factos comprovados:
• 1- O fado só é popular em Lisboa; para Coimbra levaram-nos os estudantes, e nem nos arredores destas
duas cidades ele é usado pelos camponeses, que têm as suas cantigas especiais e muito diferentes.
• 2- Nas províncias do sul, onde os árabes se conservaram por mais tempo e os seus costumes e tradições
são ainda hoje mais vivos, o fado é quase desconhecido, principalmente entre a gente do povo.
• 3- Nenhum livro ou escrito anterior ao actual século faz a menor referência a esta música popular
• 4- A poesia com que, invariavelmente, se canta o fado, é uma quadra glosada em décimas, dorma poética
duma antiguidade pouco remota, de uma origem nada popular e sem relação alguma com a poesia”.
Fontes musicais
• 1852, João António Ribas Album de Músicas Nacionais Portuguesas....
1852 [fazer ver que foram coligidas no Centro e Norte]: Fado atroador
e Fado Rigoroso. [piano]
• Cancioneiro de Músicas Populares, 1893, “Fado choradinho, Canção
da desgraçada” 1850/Lisboa: dos mais antigos, por onde e moldaram
outros que posteriormente apareceram” [piano]
Na segunda metade do século XIX, o fado aparece documentado no
centro-norte do país (Ribas 1858/1860), tendo no contexto estudantil
da universidade de Coimbra adquirido desenvolvimentos particulares
com a canção de Coimbra. Estas publicações revelam a expansão dos
contextos performativos e o alargamento social do fado aos sectores da
burguesia. Datam deste período os primeiros argumentos sobre as
origens do fado (ver Nery 2011).
Temas e assuntos
• Amor
• Noticioso
• Anti-aristocrático
• Progressista
• Sátira
• Narrativa de crimes, escândalos
• “Há quarenta anos, já se fazia fados especiais, ou para narrar crimes ou algum escândalo amoroso, satirizar
homens célebres ou políticos importantes, ou para rebaixar homens altamente colocados, ou para
ridicularizar corporações respeitáveis, ou para descompor qualquer sujeito. Eis um exemplo: o falecido
jornalista e poética satírico Urbano Loureiro, comparando um dia, no seu jornal A Lucta, os versos de um
escritor nosso contemporâneo, aos fados do Marcolino (um pobre músico ambulante, improvisador de
fados), este sabendo da comparação, procurou o jornalista num estabelecimento da rua de Santo António,
que ele costumava frequentar e deixou-lhe o seguinte recado: - ‘Diga a esse sr. Urbano Loureiro que se me
torna , na sua gazeta, a comparar a esse outro sr. Poeta, eu faço-lhe um fado que o ... Arraso’”.
Fadistas
• Carlota Scarniccia (Escarniche), piano e guitarra
• Custódia Maria, compôs o Fado da Custódia
• A engomadeira Cesária, que deu nome ao Fado da Cesária
• José Norberto (o saloio de Campolide)
• Sales (o Patuscão, presumível autor do Fado do Vimioso)
• Paixão (cantor e guitarrista)
• António Maria Eusébio/Eusébio ‘Calafate’
Cordofones de mão
• Guitarras:
• “Guitarra inglesa” (10-12 cordas) caixa em forma de pêra.
• “Guitarra portuguesa” (12 cordas/6 ordens duplas; 12-17 trastes -3,5 oitavas-; cravelhame
em pá de madeira ou com sistema de chapa em leque. Polegar e indicador (hoje unhas
postiças). Afinada em Dó maior (sol, mi, dó); “afinação do fado” (si, lá, mi, si, lá, ré). Guitarra
de Coimbra (caixa maior, afinada um tom abaixo.
• Violas:
• Viola ( 5 ordens de cordas duplas)
• Vilola francesa ( 5 corda simples)
• Viola/violão (guitarra espanhola, 6 ordens simples): afinação mi, si, sol, ré, lá, mi.
• Viola baixo (4 cordas, mi, lá, ré, sol).
O Fado em palco; edições de fados;
• 1869, Teatro da Trindade, a comédia Ditoso Fado [para um público pequeno-burguês, os ‘fadistas’ são
actores], exige-se “decoro e respeitabilidade” e não a “liberdade característica dos espaços performativos
tradicionais do Fado”.
• Revista e teatro musical, espectáculos nos casinos.
• Em texto: A partir dessa data edita-se um número por estimar de poemas [folhetos] e/ou músicas [piano]de
fados, destinadas sobretudo ao consumo doméstico.
No século XX publicações periódicas como O Fado, conquistam um número crescente de leitores
aficionados. É a partir desses anos que se radicaliza a discussão em torno do fado como canção
nacional.

• Em disco: gravação sonora comercial, 1904 (1902?), firma alemã ODEON, de Ricardo Lemos, no Porto. 1910,
as portuguesas Luzofone e Chiadofone. Maior colecção de fados a do inglês BRUCE BASTIN.
• 1ºs jornais do fado: 1910: O Fado; A alma do Fado.
Estudos século XX
• 1903, A História do Fado (João Pinto de Carvalho, Tinop)
• 1904, A Triste Canção do Sul, Alberto Pimentel
• 1912, O Fado e os seus Censores, Avelino de Sousa
Bibliografia
• Brito, Joaquim Pais de (coord.). 1994. Fado Vozes e Sombras. Lisboa: Museu nacional de Etnologia
• Castelo-Branco, Salwa. 1997. Voix du Portugal. Paris: Cité de La Musique/Actes Sud.
• Elliot, Richard. 2016. Fado and the Palce of Longing. Loss, Memory and the City. London and New Yoork:
Routledge.
• Grey, Lila Ellen. 2013. Resounding Fado. Affective politics and urban life.Durham and London: Duke
University Press.
• Losa, Leonor. 2013. Machinas Fallantes. A música gravada em Portugal no início do século XX. Lisboa:
Tinta-da-China.
• Nery, Rui Vieira. 2010. “Fado” and “Amália Rodrigues”. Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX,
coord. Salwa Castelo-Branco, pp. 433-453 and 1132-38. Linda-a-Velha: Círculo de Leitores.
• Nery, Rui. 2012. A history of portuguese fado. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.
• Nery, Rui Vieira. 2010a. “Fado”. Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, coord. Salwa Castelo-
Branco, pp. 433-453. Linda-a-Velha: Círculo de Leitores.
• Nery, Rui. 2010b. Pensar Amália. Lisboa: Tugaland.
Bibliografia
• Blanco, Pedro (1912) “La Musique Populaire Portugaise” Revue de la Société International de Musique. 8 (2): 41-47
• Carvalho, Ruben (1994) As músicas do fado. Portto: Campo das Letras.

• Nery, Rui Vieira (2004) Para uma História do Fado. Público, Comunicação Social, SA & Corda Seca, Edições de Arte, SA.
• Neves, César Augusto Pereira das e Campos, Gualdino de
(1893) Cancioneiro de Músicas Populares. Porto: Empresa César Editores.
(1895) Cancioneiro de Músicas Populares. Porto: Empresa César Editores.
(1898) Cancioneiro de Músicas Populares. Porto: Empresa César Editores.
• Ribas, João António (1857) Álbum de Músicas Nacionais portuguesas, constando de cantigas e Tocatas usadas nos diferentes
Distritos e Comarcas das Províncias da Beira, Trás-os-Montes e Minho, estudadas minuciosamente e transcritas nas respectivas
localidades. Porto: C. A. Vila Nova
• Sampaio, Gonçalo (1939) “As origens do fado” Águia. 3ª série. Nº 9-10
• TINOP (Pinto de Carvalho) ([1ª ed. 1903]1994) História do Fado. (col. Portugal por Perto Biblioteca de Etnografia e Antropologia).
Lisboa: Publicações Dom Quixote

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