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Sob o signo da síncopa:

a misturada geral dos gêneros


(o lundu, a polca, o tango brasileiro,
o choro e o maxixe)

Say, have you seen the Carioca?


du /onjpoSiteun If s not a foxtrot or a

N.SARRABLO
polka It has a litlle bit of new
rhythm A blue rhythm that
sighs
It has a meter that is trick
A bit of wicked wack y-wick

Edward Eliscu/Gus Kahn/Vicent Youmans


The carioca, 1933

Instituto

BREGEIRO Moreira
Salles

Ernesto NAZARETII
M . SA RRAB LO Y C LAVE R
O
É D I TE U R - CO M II f SSION N AI R E
60, Boulevar’d dG C rLiy Ü
P A- R I S BR%

Sobrecapa de edição brasileira do tango Btejeiro,


de lir nesto Nazareth, vendida em Paris
França, c. 1509
Acervo Chiquinha Gonzaga sflAT/
O compositor francês Darius Mílhaud
anotou em seu livro de memó rias, Notes
sans musique, uma passagem reveladora
sobre o significado da síncopa na mú sica bra-
sileira. A respeito da mú sica que se tocava
na cidade do Rio de Janeiro no início do
século passado, ocasiã o em que esteve no
Brasil (precisamente em 1917), em missã o
diplomática como secretá rio do poeta Paul
Claudel, o compositor registrou a seguin- te
impressã o:

[...] os ritmos dessa música popular me


intrigavam e fascinavam. Havia na síncopa
uma imperceptivel suspensão, uma
respira(ão displicente, uma pequena parada
que me era mui- to difícil de captar. Comprei
então uma quantidade de maxixes e tangos;
e me apliquei em tocà-los com suas síncopas
que passavam de uma mão a outra. Meus
esforços foram recom pensados e eu pude
enfim exprimir e analisar esse “pequeno
nada” tipicamente brasileiro.‘

moxixes et cIe tangos; je m’effor(ei óe les jouet ocec ferm syncopes


qui passent ó’une moin à l’autre. Mes efforte furenI re-

gue. Patis: Julliard, 1949, pp. 80 81 ( traduçõo minha),


Milhaud foi direto ao ponto: a presença da síncopa na mú SiCa brasileira, entre Ruim esquisito: um não-sei-que indefinível
o final do século xxx e o início do XX, surge como um fenó meno ao mesmo tempo
singular e recorrente no conjunto dos gêneros dançantes praticados nas três Américas.
O fato é que durante o processo de adaptaçã O das danças européias ao Novo Mundo,
Em 1940, num artigo publicado em O Estado de S. Paulo, Mario de Andrade vol-
principalmente a contradança e a polca, ocorrer um processo de deslocamento rít-
ta a desenvolver a mesma idéia sobre o enigma da celebridade de Ernesto Nazareth, que
mico comum que resultou na criaçã o de novos gêneros musicais: o rogiirne na já havia sugerido na conferência de 1926. Agora o contexto é um pouco mais genéri-
América do Norte, o donzõ n na América Central, e o tnnxize e os tontos brosi lei ro e
co, o crítico comenta o termo “pianeiro”, cunhado por Brasílio Itiberê para descrever
argentino no Cone Sul, para não ir muito longe nas variaçõ es dos novos gêneros ame- os mú sicos que interpretavam ao piano o repertó rio da mú sica coreogrfifica “nos as-
ricanos. Todos, aliá s, sob o signo da síncopa, embora em diferentes modalidades. A sustados da pequena burguezia e em seguida na sala de espera dos primeiros cinemas’!z
primeira hipó tese sobre o fenó meno surgiu na historiografia específica tambétTi CO- Tentando caracterizar melhor esses “pianeiros”, acaba indicando a relaçã o entre
mo um fato recorrente: a acentuaçã o do tempo fraco do compaSSO dos gêneros dan- os gêneros musicais de dança praticados durante o século xix no Rio de Janeiro:
çantes europeus, cuja denominaçã o técnica é a síncopa, foi invariavelmente atribut-
da à influência da cultura musical negra ou africana durante o processo de colonizaçã o Gente semiculta, de execução muito desmazelada como caracter interpretativo, foram na
realidade esses pianeiros os factores daquella enorme misturada rhytmico-melodica em
dessas regiões. desejo da caracte- que lundú s e fados dansados das pessoas do povo do Rio de Janeiro do Primeiro Império,
No caso brasileiro, esse tipo de interpretaçã o fundiu-se com contaminaram as polkas e havaneiras importadas. Como resultado de tamanha mistura-
o 1920. No entanto,
rizaçá o de uma identidade musical nacional, a partir da década de
a idéia de identidade nã o dá conta dos mOdos de manifestaçã o complexos da mú sica da, surgiram os maxixes e tangos que de 1880 mais ou menos foram a manifestação ca-
racterística da dansa carioca, até que o novo surto do samba dos morros os desbancou,
desse período, se pensarmos que identidade é um termo que tem por nú cleo a perma-
com muito maior caracter e verdade popular.'
nência do mesmo, aquilo que se reconhece por continuar igual. Vimos, no capítulo 1,
que a singularidade do jovem Nazareth no processo de sincopaçã o do ritmo dançante
Tanto Brasííio Itiberé como Má rio de Andrade viram nos pianeiros o caldo cultu-
da polca européia trouxe luz pró pria para um percurso marcado por contradiçõ es e ral de onde surgiu Nazareth. Mas os dois críticos deixaram claro que o nosso compo-
descontinuidades: a polca adquiriu sotaque diferente por aqui, num contexto forma- sitor extrapolava essa caracterizaçã o:
do por uma ttama complexa de mediaçõ es entre as chamadas culturas erudita e po-
pular. Assim, a idéia de singularidade traz a marca do que é diferente, peculiar, sem car- Proveniente da arte semi-erudita dos'pianeiros' dos assustados, mais estudioso e maís cul-
regar demais no peso “genético” da identidade, que privilegia mais o está vel do que o to que elles, familiar de Chopin, Ernesto Nazareth quintessenciou, nos seus tangos admi-
imprová vel. Indo além, a noçã o de singularidade carrega consigo ao mesmo tempo a rá veis, a atte dos pianeiros cariocas.’
definiçã o de mutabilidade e a disposiçã o (positiva ou negativa) para a transformaçã o,
o que parece descrever com mais precisã o o espaço contraditó rio e complexo dacuL Entretanto, o que nos interessa nesse momento é a “tamanha misturada” dos gê-
tura musical brasileira do que o conceito de identidade, o qual costuma supor umaes- neros do século xix. Mário de Andrade focalizou bem o problema: lundus e fados mis-
sência primordial originadora da cultura. turados com polcas e “havaneiras parecem ser a origem dos tangos e maxixes. Mais
fi dentro dessa ordem de problemas que proponho olharmos para os significados do que uma equaçã o linear, surge daí um problema terminoló gico. E da necessidade
que a síncopa vem assumindo para a cultura musical brasileira. N.ao é ã toa que em de dar nome às coisas passa-se inevitavelmente para o topos da identidade. A reflexã o
1962, no I Congresso Nacional do Samba, a síncopa tenha sido definida como o ele- sobre a formação de uma mú sica nacional vinha ocorrendo de forma difusa entre
mento de identidade do samba, género musical que naquela altura já havia se tornado os pró prios compositores (de mú sica escrita) do Segundo Império. Contudo, é no
sinó nimo de Brasil. Mais do que uma definiçã o da musicologia, a síncopa caiu na bo- início da Primeira Repú blica que os gêneros populares-eruditos praticados desde a
ca do povo sob o apelido de “brasileirinho”, “teleco-teco”,“ziriguidum” enfim, tudo que segunda metade do século xlx tornaram-se um problema de terminologia para a
dé a idéia de molejo ou requebro. A expressão “samba sincopado” tornou se corriquei- nascente mu- sicologia nacional. No momento em que se buscava uma idéia de naçâ o
ra, nã o é preciso ser musicó logo para compreendê-la. moderna pa-
O fato é que, se enxergamos a síncopa como um signo de identidade cultural, caí-
mos na armadilha da descrição de um fenô meno genérico e uniforme. E perdemos de
vista aquele “pequeno nada” obser vado por Milh‹iud que nos identifica (“tipicamente
brasileiro”) e nos distinsue: nossa sinsularidade, o seu modo irredutivel. Singularidade lb dem
que só é possível graças à pluralidade, como veremos.
ra o Brasil republicano, enxergou-se na rica música coreográfica de tradição urbana Essa diferença entre os olhares estrangeiros é exemplar para compreendermos a
do Rio de janeiro traços que poderiam caracterizar nossa identidade como uma nação complexidade das forças envolvidas que giram em torno do topos da identidade nacio-
nova e original na ordem mundial. Mas como eleger aquilo que é nacional? Como nal da música brasileira. Também indica aquilo que já sabemos: o pensamento de
iden- tificar aquilo que é genuíno? Foi sob o eco desses problemas que o pioneiro Mãrio de Andrade é contraditório e complexo demais para se prestar a reduçÕes sim-
Guilherme Theodoro Pereira de Mello publicou A música no Brasil, em 1908; o plificadoras (ao contrário, por exemplo, de Oneyda Alvarenga ou Renato de Almeida).
italiano Vicenzo Cernichiaro, a Storín dell musica ref Brostíe, em 1926; e Mario de Dito isso, podemos seguir adiante no Ensaio sobre a música brasileira:
Andrade, o Ensaio sobre a música brasileira, em 1928. Na realidade, quem atacou o
problema de frente foi Ma£ÍO. OS Cflticos anteriores somente mapearam os eventos Um livro como éste não comporta discussão de problemas gerais do ritmo. Basta verificar
musicais nacionais distin- guindo, sob a orientação metodológica da musicologia que estamos numa fase de predominancia ritmíca. Neste capítulo o principal problema
européia do século Xlx, a alta Ctiltura (música erudita) e a baixa cultura (música para nós é o da síncopa.’
popular/folclórica), sendo esta pra-
ticamente descartada da história. Mário entendia que a síncopa, do modo como ela se dava aqui, muitas vezes des-
Porém, já em 1928, Mário de Andrade abordou o tema de modo específico: crevia movimentos rítmicos diferentes dos do conceito tradicional de síncopa européia.
Em primeiro lugar, ocorreu uma padronização da síncopa nacional no acompanhamen-
Na obra de José Maurício e mais fortemente na de Carlos Gomes, Levy, Glauco Velasquez, to dos gêneros de música de dança impressa, durante o século Xlx, que a fixou sob
Miguez, a gente percebe um não-sei-qué indefin(vel, um rúim que não é rúim propriamen- o signo de característica:
te, é um rú 'm esquisito pra me utilizar de uma frase de Manuel Bandeira. Ê sse nã o-sei-quê
vago mas geral é uma primeira fatalidade de raça badalando longe. Ent*o fia lirica de
Nepomuceno, Francisco Braga, Henrique OsWald, Barroso Neto e outros, se percebe um
parentesco psicológico bem forte já. Que isto baste prà gente adquirir agora já o critério
les ítimo de música nacional que deve ter uma nacionalidade evolutiva e livre.’ Lembremos que, dois anos antes do Ensaio..., em 1926, Mário já tinha definido o
seu uso sistemático na cultura musical brasileira como uma “entidade rítmica absolu-
Parece que a sina do indefinível nos persegue (a expressão “ruim esquisito”, a fO- ta”, em sua conferência sobre Ernesto Nazareth, como vimos no capítulo 1. Para ele, a
pósito, foi usada por Manuel Bandeira para avaliar a própria poesia do jovem Mlrio). síncopa européia transformara-se, de um simples “contratempo matemático”— um re-
Contudo, Mário assume esse não-sei-quêvago (um“ruim esquisito” ) como critério le- curso de exceção —, em uma entidade com “personalidade” aqui nas Américas, tradu-
gítimo para a caracterização da música nacional. fi no mínimo sur preendente a afír- zindo-se, desse modo, em norma de escrita. Porém, o foco de atenção do crítico
mação do crítico para a época, mas vimos que o estrangeiro Darius Milhaud compar- nesse momento não era a síncopa característica do acompanhamento rítmico, mas as
tilhou, em outro contexto, mas em período próximo, a mesma impressão: o pequeno suas nuances melódicas. Mário lançou a hipótese de que a singularidade da síncopa
nada que a nossa síncopa esconde nos tangos e maxixes era, para o compositor, um tra- brasi- leira estaria no encontro das prosódias portuguesa, ameríndia e africana:
ço tipicamente brasileiro. De certo modo a síncopa brasileira soaVa ã£à O CO£n OS1tO£
europeu paradoxalmente como algo vago e característico, talvez um “ruim esquisito”. Me parece possivel afirmar que se deu um conflito grande entre as nossas tendencias e a
SCm dúvida, Milhaud não fazia parte daqueles estrangeiros que Mário identificava co- ritmíca já organizada e quadrada que Portugal trouxe da civilização européia para cá. Os
mo caçadores de “exotismo divertido”: amerindios e possivelmente os africanos tambem se manifestaram numa rit mica provin-
da diretamente da prosodia, coincidindo pois em muitas manifestações com a ritmica dis-
Como a gente não tem grandeza social nenhuma que nos imponha ao velho mundo, nem cursiva do gregoriano. ( .. .] Ora êsses processos de ritmica oratoria, desprovido de valores
filosofica que nem a Ãsia, nem economica que nem a américa do Norte, o que a Europa de tempo musical contrastavam com a música por tuguesa afeiçoada ao mensuralismo tra-
tira da gente são elementos de exposição universal: exotismo divertido. Na música, dicional europeu. Se deu pois na música brasileira um conflito entre a ritmica diretamen
mes- mo os Europeus que visitas
• sCn '° r e rSever am nessa procura do exquis ito te musical dos portugueses e a prosodica das músicas amerindias, tambem constante nos
apimentado. africanos aqui.'
Si escutam um batuque brabo muito que bem, estão gosando, porém se é modinha sem
síncopa ou certas efusoes líricas dos tanguinhos de Marcelo Tupinambà, J33o é rnÚ5tCfi itfi-
HOMO! Falam de cara enjoada.‘
7. JêiJcm, p, 29.
8. Ibidem, y9. 30-31.
5 éNOMDE, Mã rio de. Ensaio sobre a mítsica 6r#s joejra. Sâ o Paulo: M‹ir time, 1972, Q. 17.
6. Ibidam, p. 16
A hipó tese é checada com alguns exemplos que no fundo demonstram o abiSlTlO legÍtimas e reconhecíveis. Acontece que a padronizaçä o da síncopa característica pelas
que separava a síncopa escrita da síncopa executada ao vivo na nossa mú sica. Mais do casas editoras de partituras do final do Oitocentos criou uma equivalência entre os gê-
que concordarmos ou nã o com a hipó tese histó rica de Mário, o que nos importa é R neros sincopados sob o signo nacional. Na coleçä o de partituras da Biblioteca Nacional,
percepçäo que levou o crítico a especular sobre esse tema. Mário estava tentando ex- no Rio de Janeiro, existem fartos exemplos de coletà neas de peças (lundus, ta• 6os bra-
plicar aquele “pequeno nada” que tanto dificultou o entendimento da nossa síncopa, sileiros e polcas) para piano que circulavam entre a elite fluminense em seus saraus par-
por exemplo, para o europeu Darius Milhaud. Acontece que a síncopa que Milhaud ticulares. O contexto é o mesmo que vimos nos capítulos anteriores sobre o jovem
ouvia was ruas, ou nas salas de espera de cinemas, nä o era a mesma que estava escrita Nazareth e da personagem Pestana, de Machado de Assis: é como se as polcas
nas partituras dos gêneros dançantes que circulavam pelO RiO de Janeiro do início do euro- péias fossem envenenadas involuntariamente por uma síncopaçäo irresistível. Nesse
século xx. Daí vem a precisa intuiçã o de Mário de Andrade: emborä decantada sob O sen- tido, a síncopa característica estava domada pela forma européia da mú sica de
signo de caraetenstica,a síncopa brasileira traz consigo uma displicência arredia ao men- salñ o, escrita para o desfrute da elite imperial-nacional.
suralismo da quadratura rítmica européia que definia a forma dos gêneros dançantes É por essa razão que Má rio de Andrade descarta essa síncopa como objeto de aná-
(a polca, a mazurca, a valsa, o schottisch, o tango e, por contigü idade, o maxixe). E aqui lise para o entendimento da singularídade da dicçã o musical nacional. Má rio enxer-
Mãrio parece acertar o tiro enxergando na prosó dia nacional uma cultura singular do gou na síncopa qrie aparecia principalmente nas melodias da tradiçã o do lundu e da
uso da síncopa, que se estende para a mú sica instrumental: modinha a assimetria que contradizia a ló gica da rítmica européia." E aÍ está o nó e o
xis do problema:
O cantador aceita a medida ritmica justa sob toò os os pontos-de-vista a que a gente cha-
ma de Tempo mas despreza a medida injusta (puro preconceito teó rico as mais das vezes) Ora pois, se nos faltam dados positivos de fó rmulas de datas como estabelecer prioridade de
chamada compasso. Epela adiçäo de tempos, talequal fizeram os gregos na matavilhosa cria- criaçäo de imposiçă o na América e no Brasil, de certas manifestaçõ es rítmicas e meló dicas
çã o ritmica deles, e não por subdivisão que nem fizeram os europeus ocidentais com o com- já agora definitivamente nossas? Quem foi o influenciador? Quem oiníluènciado? Ou se deu
passo, o cantador vai seguindo livremente, inventando movimentos essencialmente me- apenas coincidências de fó rmulas lusas e africanas que contaminaram-se e deram por isso
ló dicos (alguns antiprosodicos até) sem nenhum dos elementos dinamogenicos da sínco á origem a fó rmulas que nasceram sob os auspícios da Amér tea [que] podemos chamar ame-
e sõ aparentemente sincopados, até que num cer to ponto (n sera1no mm da estrofe ou ricanas? Esta ííltima hipó tese, nem o é. A contammaçă o se deu e por ele se criaram fó rmu-
do refrä o) coincide de novo com o metro (no sentido grego da palavra) que pra êle nã O las de cantar jfi especificamente americanas. Porém esta afirmativa não basta. O problema
provêm duma teorizaçäo mas é de uma essencia puramente fisiologíca. Coreográfica até. das origens permanece intricado e sem bases atuais com que possa ser resolvido."
Săo movimentos livres determinados pela fadiga. Sã o movimentos livres desenvolyidos pe-
la fadiga. São movimentos livres especificos da moleza da prosodia brasileira. São movi- Apesar do exemplar cuidado de Mario no trato com o tema, a tradiçá o da musi-
mentos livres nä o acentuados. Sä o movimentos livres acentuados por fantasia musical, vir- cologia nacional assumiu de forma simplista e genérica a síncopa característica como
tuosidade pura, on por precisão prosodica. Nada tern com o conceito tradicional da sínCopà uma influência direta da cultura africana na formaçä o do nosso ethos musical. Esse pen-
e com o efeito de contratempado dela. Criam uin compromisso subtil entre o recitativo e samento aparece explicitamente em Renato de Almeida e Oneyda Alvarenga, e indire-
o canto estró fico. Säo movimentos livres que tornaram-se especifico6 da fliú sica national.’ tamente em Andrade Muricy, Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, Vasco Mariz, Mozart de
Araú jo, Brasííio ltiberé, Baptista Siqueira, sobrando ecos até mesmo em José Ramos
A idéia de que a síncopa brasileira ocorre por um processo de adiçäo de tempos e Tinhorã o, cuja abordagem se propõ e menos técnico-musical e mais socioló gica.’z
não pela divisã o, como na estrutura rítmica européia tradicional, talvez seja a mais im-
pottante contribuição de Mario sobre o assunto. Mas ele sabia, e disse explicitamente
no £nsaio. . ., que a mú síca brasileira sincopada se realiza no frá gil equilÍbrio entre a 10. Sobre a sincopa$ao das modinhas, ver: Lłlvt i, Edilson. Ay moJinfi6s do B+’Ceil. Sao Paulo: fid usp, 2001, pp, 45-46.
vocaçã o da síncopa traditional (divisã o de tempos) e a vOcaçăo da síncopa “livre” (adi- 1 ï . x 0in\up, Min i’io de. D icionăr iu nJ usicaÍ brflsiÍeiro. Eielo Ho rizon te/8rasília/Silo Ï?a ulo: ï Ła tinia/Minc we Edns
1989, p. 477.
çă o de tempos). k como se a mú sica brasileira fosse construída sob uma estrutura rít- 12. If i,v bip,\, Renato. Disiória du rn S,ic‹s hmm íeîro. 2 ed. Rio de Janeiro: F. ßriguiet, 1942i arvskflNc , Oneyd a. “A
mica movediça que ao mesmo tempo contradiz e fascina a teoria musical européia. influéncia negrii na música brasileira” Bolt tim Lotino-Anieticano de Músice. Rio de Janeiro, ano vI, n. 1, 1946, pp. 357-
Entretanto, esse é um problema para os musicó logos, isto é, um problema de nomea- 407; nIUric\, Joié C‹andido de Andrade. “Ernesto Nazareth” Codernos Brasileiros. l tio de Janeiro, an0 5, n. 3, 1963; Ayrvr-
DO, Łtjiz Heitor Corrêa de. 150 nans be mńsirn nc Brasil {I800- 1950). Rio de ]ar eiro: José Olympio, 1956i MRiz, Vasco.
çżo. Porque no cotidiano, para quem praticava essa mú sica, as variaçö es da síncopa eram Histúrio dv müsirn no Krosií. Rio de Janeiro: Civilizaçăo Brasileira, 1994; AeÚIo, Ìvlozart de. “Ernesto Nazareth” Sevisra
Boostleira d¢ Culture. Rio de Janeiro, ano 4, n. 14, 1972; I tiiiPk, ßrasiI io. “firnes to Nazareth na música
brasileira” Boletim Letino-y mericano de Múisico.Õ o de Janeiro, abr. 1946; stqUüi o, Baptis ia. Erncsio Name Beth na
9. Jùidem, p. 3‹i. mîisica bmsilei- rö. Rio de Janeiro' Ediçâo do an tor, 1967; e rluuooo, José Ramos. 0s sons negros no Brasí 1. São Paulo:
Art, 1988.
Recentemente, Carlos Sandroni" acrescentou uma importante contribuiçä o para o
Batuque: todos os gèneros num só ou o lugar nenhum
assunto trazendo a sua experiència em etnomusicologia. Para o pesquisador, já que não
existem as fontes materiais para reconstrução histó rica da influência africana na mú SiCã
americana, e especificament e brasíleira, pode-se pelo menos questionar o conceito eu- Em 1901, Ernesto Nazareth compô s o tango caracterísl ico Batuque, publicado so-
ropeu da síncopa quando utilizado fora do seu sistema. Na realidade, $androni demons- mente em l9t3 pela Casa Sampaio Araú jo e Cia. Como venho demonstrando, no iní-
tra, apoiado na musicologia africanista moderna, aquilo que Má rio de Andrade já tinha cio do século XX a síncopa já estava decantada na cultura musical brasileira de ta1 mo-
observado de modo nã o sistematizado sobre a nossa mú sica: a convivéncia de um mo- do que dois novos gêneros musicais haviam st:rgido sob o seu signo: o tango brasileiro
delo rítmico que se faz por adiçäo de tempos (suposta tradiçã o africana) com outro que e o maxìxe. Nesse sentido, do ponto de vista estritamente musical, enquanto o maxixe
se realiza pela divisâo dOs tempos (tradiçâo européia). A discussão ganha nova perspec-
e o tango brasileiro demonstrariam certa equivaléncia e reversibílidade, em suas repre-
tiva com os conceitos de “cometricidade” e “contrametricidade” de Mieczyslaw Kolinski
sentaçõ es socioculturais serä o opostos: o primeiro estará associado ä cultura periféri-
trazidos à baíla por Sandroni. A concepçäo de divisã o dos tempos da mú sica européia
ca da Cidade Nova, tocado, dançado e ouvido pelos pobres; o segundo terá passapor-
trata como exce@o toda articulaęä o rítmica que não ocorra dentro de uma divisä o bi-
te livre para transitar pela elite fluminense da belle époque — na sala de espera dos
nária do compasso (por isso o conceito da divisão de tempos0, pOiS compasso está sem-
cinemas, nas operetas ou nos saraus particulares, mas no espaço pú blico destinado aos
pre estruturado num tempo par que pode ser subdividido, a rigor, infìnitamente). KOlillSki
concertos sua entrada será mais problemá tica." Contudo, o ponto em comum entre os
(e Simha Arom) demonstrou que na mú sica centro-africana a estrutura rítmica é pen- dois gêneros serã a síncopa e sua forma musical (na forma ABACA), que continuarä eu-
sada com base em um fundo métrico ú nico que permite, pelo processo da adiçao, ñ SO-
ropéia, nă o se distinguindo em nada da estrutura tripartite da polca. Forma-se, desse
breposiçã o de tempos ímpares e pares, cujo resultado é a criaçä o de ciclos rítmicos COtn
modo, sob o signo da síncopa aquela “misturada geral”, a que Mário de Andrade se re-
diferentes tamanhos. Portanto, os ritmos podem confirmar ou contradìze£ 0 fundo mé- feria: no fundo, tanto o maxixe quanto o tango serã o, do ponto de vista cultural, re-
trico constante, isto é, poò em ser"cométricos” ou “contramétricos”, criando, desse mo-
presentaçõ es de imagens do universo afro-brasileìro, mas, cada um, sob a perspectiva
do, um complexo jogo de “paridades” e “imparidades” rítmicas. O ganho imediatO CO£n
de seu estrato social. Nessa perspectiva, tanto faz que fossem maxixes, tangos brasilei-
esses conceitos é a neutralidade em relação à idéia de normalidade e exceção implíCftOS
ros, polcas, lundus on choros, porque, na realidade, eram gêneros permeá veis, difusa-
na teoria musical européia. Como na musicologia africanista› poderíamos excliiir do nos- mente confundidos, com fronteiras pouco definidas e com variaçÕ es de inflexõ es so-
sO vocabiilfirio técnico- musical o termo síncopa; pois, se no caso dñ cultura musical bra- ciais e instrumentais (em sua prä tica e difusã o).
sileira a síncopa é constantemente presente como uma “entidade rítmica absoluta”, seria Veremos como tudo isso se manifesto numa peça exemplar: em cada uma das par-
um equívoco descrevê-la com um conceito europeu que lhe atribui a idéia de exceçäo. tes de Batuque ô esfilam as diferentes inflexõ es dos gêneros em questä o, escritas num
Porém, sabemos que a cultura musical do período caracterizava-se principalmen te pela refinado estilo pianístico de concerto. Este tango característico será , portanto, o nosso
diversidade, em que elementos da cultura européia, negra africana e ameríndia forma- guia e porto seguro no intricado debate sobre o assunto. Aliás, durante a colonizaçä o,
vam uma imbricada e Complexa trama de relaçõ es. Portanto, se, por um lado, o sacolejo o termo “batuque” desigń ou de forma genérica os ritmos praticados pelos negros. Nã o
sincopado que as polcas foram ganhando no final do século XIX talvez faça parte, diga— é ă toa que Nazareth chamou o men Batuque de tango caracteristico. Queria dizer que
mos, de um inconsciente rítmico africano que se manifestos de modo residual na m(t- era mais do que um tango brasiłeiro, género que vinha praticando desde 1892 inicia-
sica americana, por outro, ele se realizava em uma forma européia (cuja origem está , por do com Rayon d’or. E parece que, para o compositor, o batuqi:e seria um traço singu-
exemplo, no rondó clä ssico- barroco, como vimos no capítulo 1). Mário de Andrade já larizador dessa característica. De seus 98 tangos, somente cinco foram batizados sob a
haYia advertido sobre isso, e Carlos Sandroni corrobora a consciência do crítico de que rubrica do gênero característico: Turuna (1899), Batuque (1913), Mesquitinha (1914),
banir do vocabulà tİO da musicologia brasíleira a palavra síncopa seria, no minimo, per- Sustenta a. . . nota. . . (1919) e Digo ( 1922).
der metade da nossa cultura musical. Em suma, Mário abriu e encerrou o assunto: O títiilo fiatuqHe jä havia sido usado por pelo menos dois compositores anterio-
res a Nazareth: Henrique Alves de Mesquita ( 1830-1906) compò s na década de 1870 o
"lal como é emp °s•da na mú sica popular nã o temos que discutir 0 Vä lor da sincopa. E inú - tango para piano Batuque, que se transformon numa peça obrigató ria no repertó rio
til discutir uma formação inconsciente. Em todo caso afirmo que tnl como é reØfiZ0dO ná dos chorõ es da belle époque; e Alberto Nepomuceno (1864- 1920) compô s, também pa-
execução e mo como está grafaò o no populario impresso, o sincopzdo brasileir° e *i** "

Janeiro: 15. Lembremos daqt ele episó dio em qtie certos setores da elite pro testaram, em 1922, quando Luciano Gal1ei in-
tou pelos padrõ es estéticos europeus. z’ Batuque é uma peça que se destaca das demais
ra piano, a peça “dança dos negros” em 1888 (que depois seria incorporada COIMO
unto com
ara orquestra, escrita em 1891)", dando início, J de Nazareth. A primeira leitura, talvez o compositor quisesse, imbuído do “espírito na-
Qotuqoe, na “Série brasileira” p cionalista”, nos moldes de Nepornuceno, alçar vô os mais altos, escrevendo uma peça
Alexandre Levy (1864-1892$ historiograf ia um
ã criaçã o de comotepertó rio pianístico
nacionais”
com característi-
) em relação aO rfi Odelo u “erudita” a partir de temá ticas do “folclore urbano” (os ritmos sincopados). A dedica-
c singulares (atribuída pela tó ria seria a legitimação dessa ambi(âo (mesmo sendo para Henrique Oswald, porque,
da estética romàntica européia. Mesquita (oi um dos primeiros compositores que tive-
dfã o aperfeiçoamento na Europa. Dedicou-se prin- de todo modo, ele representava a produção da mú sica erudita nacional da época, as-
ram bolsa do imperador d. Pedro II (escritas sob a influência da habanera cu- sim com seus colegas “nacionalistas”, Levy e Nepomuceno). Porém, o depoimento do
cipalmente à Criaçã o de operetas sincopadas tango o gênero de sua peça Oihos cronista Gastão Penalva sobre o momento em que Nazareth dedicou a peça desfaz es-
p a primeira veZ COITIO
bana) e, em 1871, TáfoCt e l sa impressã o, ou melhor, traz uma camada a mais na complexa relaçã o entre a ntnfii-
formação européia, transitou
da exclusivamen-
mritadores." Nepomucen o, taiTibém COIT1 de destaque chalTlàdã Il-
(ão e a vocação do compositor. Penalva, como outras figuras da sociedade da belle épo-
compositor
te pelo ambfCnte erudito, tornando-se um brasileira. temperamento ené s'- que carioca, costumava apreciar Nazareth tocando piano na sala de espera do cinema
meira geração nacionalista da mú sica erudita em 1895 seu famoso lema: Odeon, portanto o evento relatado deve ter ocorrido entre 1910 e 1913, período em
da elite nacional“ao criar que trabalhou para a empresa:
co, arrumori conflitos com setores
'nã o tem pá tria um povo que não canta em sua língua”'" contraponto interesseentre
tantoos
nodois
am-
o das elites das sa- Um dia, quando cheguei, avistei um senhor de idade, de pé junto ao piano, embevecido
compositores é indicativo: O tema “batuque” já havia despertado
eretas quanto no europeizado espaç na contemplação do artista. Nazareth executava com mais cuidado e mais alrria. Quem se-
biente popular dOS teatros de op
Có os batuques foram escritos sob o signo da sínco-
las de co ncerto. E, tanto l COITIO afro-brasileiro que envolve palavra batuque ria elle? De certo um “diletante" ilustre, um mestre, um crítico de nomeada. Apresentou-
o
apa. Nesse sentido, o escorregadi universo sociais,
me. Era Henrique Oswald. O fino compositor de I/ neige. Jà lá estava há uma hora a delei
de diferentes “lttgares” e interesses tar-se com o mágico do Brinque.Saimos juntos. Ernesto havia acabado de offerecer ao
lança um tema complexo e delicado, vindo da “identidade nacional” na rriÚSlCá mestte a sua obra-prima.
qrie aponta, ainda de mOdO dllSO, JATO a busca aocompositor
brasileira no nisso
período."
tudo é o fato de fintt oque de Nazareth ser dedicado E Oswald a dizer-me com sua falla macia de quem tem passado a vida nos prados flores-
Curioso
ã o de Nepomuceno no circuito da mú sica eru- 1 centes onde viceja a arte: — É admirável esse moço. Que música elle faz! Eu mesmo seria
Henrique Oswald, companheiro diferente
de geral incapaz de interpretal-a com aquella maestria, aquelle prodígio de rithmo. E aqui, perdi-
dita brasileira do períOdo. Mas, nã o se preocupava em pesqui-
deste, Oswaldcompositor que sempre se orien- do nessa indifferença. .."
r ma linguagem especificamente nacional, era um
Sé U
Nazareth nâo fazia parte do circuito dos compositores eruditos brasileiros, por-
tanto o seu Batuque vinha de outra inspiraçã o. Vinha, acredito, da prática de um mú
16. cOERM, Sú rgÍo Alvim A f§Rtto Nepoinucerio - 5¢ralogo geral Rio de J"°°*'°' sico profissional que circulava livremente pelas várias camadas sociais que compunham
17. Cf. erbete “Henrique Alves de Mesquita”. In. z belle époque carioca. Assim, enquanto o Batuque de Nepomuceno é programá tico, o
Editora, 1998, p. 507.
i 8. cont.a, Sérgio Alvim. Op. 6'*! p 8 de Nazareth é espontâneo, mais pró ximo ao de Henrique Alves de Mesquita. E carre-
nesse per iodo his tórico é c0m-
i9. O ‹ampo que el YOIYD “identidade nacional “cultota popular” e “cultura erudita” py pouco mais claro na ga aquela sincopação, um“pequeno nada tipicamente brasileiro”, difícil de se captar pe-
um processo sirrtilar que se torna
vo
plexo e pi0blemático. Mas, de todo modo, é indicati los mú sicos eruditos presos ao conceito europeu da síncopa, compreendida como ex-
,amba, por exemplo. Sobre o assunto, Her md DO
de
década d6 1940, e lança luz sobre o período anterior, corri o e°°°'°
tp#q tq¡gma da transformaçã o ritmo originalmente segres •do ceção e nã o incorporada como norma — tanto para o estrangeiro Darius Milhaud como
ohzia]zm,i1nbo|o
des88 (literal Um dOS C8minho8 a
absoluro d9 nacionalidade brnsileira' para o erudito (e esteticamente estrangeiro) Henrique Oswald.
mente un ontados pelo antf0- elite nacionat, qrie paS,SOIJ, a par tir da
obra A proximidade de Nazareth com Mesquita ocorre também pelo gênero. iVlas antes
a figura do mes tipo coJO Uma contrth ui do cult ural
§¿ ,qç tece tjue a ra tes dessa !8fi disso, é preciso lembrar que Mesquita era mulato e, apesar de ter escrito ó peras e mis
Primeiro Império. Múf 10 d6 Andrade de- sas durante sua estada em Paris, foi como diretor do Teatro Fénix Dram‹atica, a partir
enero musa‹al ii»‹op,õ o pçb3Jye}mente intto4Uzido pelos escravos de de 1869, que se tornou célebre como compositor de operetas. Ali, ele difundiu um rit-
monstro '1"° * hindu, s Angola, 6an§DO. Ú T IOU 8 ›
U originglmenteu
colt url dos salõ es imper'a's " istur ando-se com a mo8 inha, ganhou a for ma
desse modO, O gén6ro ^}*" ),}pi c1jdmav;i at7acronicame8" " “ de dança com espirito marcÍal f0i ganhando sin-
impori°, "in °s com *"chad°
copação e rec}uebr Os a QOC IO Ü* considerado com* ar tis s enuinam ¢nte emb é como a classe do-
888
itmo com forte p ficar esse fato dentro 80 CF. Verbete “Henrique Oswald’! In: uz«counzs, Marcos António (ed.). Op. cit., y. 6 93.
de civiii›açio européia, articulou• ‘"' retó'i* "" 21 csJ zioé, Luiz António de. Cu rnyúo çoe sen re. Man uscrito original, p. 89.
mir'ante naciona1, >*!+• * P° ideal
*“"
tango). Era um ritmo sin
mo da moda que concorria com a polca: a habanera (ot1 o o primeiro crítico a aler tar para o fato de que a influência da fiabnnei a foi historica-
copado, diferentemente da polca, que se espalhou pelas AmériCaS e foi Utilizado no BraSíl mente muito mais fraca do que a da polca na cultura musicalbrasileira.* Da nossa par-
sob a seguinte forma de acom panhamento: te, vimos no capítulo 1 como a polca estava profunddmente enraizada na cultura mu-
sical carioca. Sobram, aliás, exemplos que comprovam isso. E Carlos Sandroni, seguindo
Tinhorão, esmiuçou o problema a fundo:

2 que o grande argumento dos defensores da ü«bnnero não é hist‹àrico, mas formal: é a
partir da contra- presença da fórmula de acompanhamento colcheia pontuada-semicolcheia-duas colcheias.
Esse ritmo surgiu possivelmen te em Cuba, na década de 1830, a
a, apareceu no contexto do Como esta fórmula é considerada por definição como “ritmo de habanera”, sua presença
dança etiropéia. Assim como a nossa sin copa característic
habanera foi a de- passa a ser considerada como prova suficiente da influência em questão. Trata-se do mes-
cruzamento das culturas afro-americanas. Segundo Alejo Carpentier, mo argumento falacioso que levou Adolfo Salazar a afirmar, como vimos antes, que qua-
metrópole espanhola, para o rit-
nominação estrangeira, especialmente atribuída pela se toda música sul-americana derivou do tango andaluz. Atribui-se a “patente” de um de-
amem
iTlO crioido que era praticado nessa colónia, ritmo este também chamado de dnrZo terminado ritmo (ou fórmula a que se resume esse ritmo quando anotado em par titura)
ido na Andaluzia
ricena, americanas ou tango.” O termo “tans ”. em especial, teria surg a certo género localizado no tempo e no espaço: habanera (isto é, a canção de La Habana),
o monopólio do
espanhola, na época em que a cidade de Cádiz detinha praticament e tango andaluz. Em seguida, quando se encontra o mesmo ritmo (ou fórmula) em outro
Siqiieira
comércio com as Américas (entre 1717 e 1778). No Brasil, Baptista lugar, conclui se pela influência necessária do seu suposto dono.“
década
o tango teria chegado junto com as companhias de zarzuelas espanholas na
tango OffiOS mO- Parêntese: a essa linha de pesquisa musicológica, que se apega mais à forma do que
1850.°’ Como já foi dito, Henrique Alves de Mesquita, em 1871, CO££1 O
ereta Afi-Babó, à história, filiam-se os recentes trabalhos sobre a obra de Nazareth: mais diretamente
fatores, inaugurou o ritmo no Brasil, embora só com o sucesso da sua op
apresentada em 1872, que o género ganhou maior evidência. O COm Ositor, com sua a pesquisa de Antonio Adriano Nascimento, e de forma mais difusa as de Marcello Verzoni
experiência cosmopolita, talvez tivesse conhecido o tango andaluz ou o tango ameri- e Paulo Roberto Peloso Augusto.”
cano em Paris. Porém, quem o desenvolveu e o rebatizou sob o nome de tango braSi- Sandroni também apresenta vários exemplos de que gêneros como a polca, o lun-
leiro foi Nazareth. du, o maxixe, e até mesmo o samba, em algum momento foram chamados de tangos,
ou o contrário. A própria obra de Ernesto Nazareth é recheada por polca-tango, polca-
Contudo, é neste ponto que começam a surgir as confusões de terminologia. Mfirio
de 1926, sugeriu uma idéia que lundu, tango brasileiro com estilo de habanera, tango estilo milonga, tango-fiohnnern e
de Andrade, na conhecida conferência sobre NaZaT€!th, tango carnavalesco. Comprovação maior é a peça inédita do compositor intitulada Polca
se tornou uma máxima para a tradição miisicológica posterior: para mâo esquerda, em cujo manuscrito está escrito, na segunda página,“Tango para mão
esquerda’'“ Portanto, quando aparecia impresso um desses gêneros na capa de qualquer
O que o brasileiro chamou um tempo de tango, não tem relação propriamente nenhuma
ção brasileira dessa dança partitura do final do século mx, o comprador podia ter certeza que encontraria música
COIM O tango argentino. fi antes a hnbnnern e a primitiva adapta
pela andatura, com sincopada, música feita para o requebro, o que representaria certa imagem da
cubana. [.. .] Foi da fusão da haban era, pela ritmica, e da polca, cultura afro-brasileira. Nesse sentido, Carlos Sandroni sintetizou com precisão o
adam-
itnfirogfio:
tação da síncopa afro-lusitana, que originou-se o maxix. e
a maIS
A idéia de que a habanera é influenciadora dO maxixe reverber Outra noção
r es
ampla, segundo a qual a habanera seria o grande ritmo formado das singularidad
nossa musicologia acei-
¥ÍtrniCãS flacionais americanas.“ Até JOSe Vamos Tinhorão, a 25. rin iodo, José Ramos. Peqtie rie úiiióri« da ci úsica popoíu r (úo inadinúc õ caoyno de protesto). Petró polis: Vozes,

ti va essa afit ma çá 1975, pp. 72-73.


O fato. "I’inhorão fOi
o mesmo sem doc mentação que cO1i1 tOVRSSC 26. 55ND Roy g Car}os. O jetrigo dera ri te — F'uus/o rm u(pee do afro - brositoirisin o ri‹s mnsicõ poyiila r. d'ese de do u torado.
tl Universidade de Tou i's, Tours, 1997, p. 146 (ver›ie brasileira) .
27. CF nasClMEN I'O, AritOnÍO Adrian o. Z inJI uência dn habanera rios tangos de Ernesto Nazai’etli. Disser taçiao de mes-
trado. Escola de Comunicações e Artes da Universidade de Sao Paulo (eca-Usr), São Patilo, 1990; VERZON1, M‹ircelO.
Emeste Nota beth e o ta rigo t'rosiíeiro. Disser ta§ào tle mestrado. Depar ta mento de Mús ica da Universidade 2edera1 do
Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Rio de Janeiro, 1996; e AucUsro, Paulo Rober to Peloso. fungos braeileiros - I(io de
23. 6íQU8J RA, Baptista. Op. cit., yy. ${-82. Inteiro: 8707J 920.Tese de dou fora do. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu na anas da Universidade de $ão Paulo
(rrrcri uso), Sao Paulo, 1996.
’°• geogr^ fico del Nueco Con tin eri t , i myn %stti nd° -se °° • '’gupl pu1onda ” 28 if. análise desta peça no capítulo 6 deste livro, pp.153 157.
{...) a recorréncia da situação mostra que não se tratava de “erros” ou de “confusõ es”, mas Contudo, vamos seguir a ampla narrativa que Nazareth propÕ e em Batuque e nos
do simples fato de que na segunda metade do século xix, e até um pouco mais tarde, a jo- deixar perder em seus labirintos, como quem explora uma cidade, para que as obser-
hanera e todos os outros gêneros mencionados podiam mesmo scr chamados de tangos, vaçõ es ganhem concretude:
de pleno direito e sem que isso implicasse em confusão."tango, de acordo com os testemu-
nhos da época que temos consultado, era um nome genérico para canção e dança consi-
derados de iníluéncia negra ou mestiça, no quadro do mundo ibero-americano [src].'9
Moderado

O tema não é simples e musicó logos como Mozart de Araú jo deixaram-se enre-
dar pela armadilha da “misturada geral” a que Màrio de Andrade se referiu anterior-
mente, chegando a criar uma arvore genealó gica dos gêneros puramente especulativa:

Derivados do mesmo tronco - do tango espanhol, da ú aú erem, da polca e do lundu - não


é difícil observar que a dosagem de tango e àahnnero é bem maior no tango brasileiro do
que no maxixe. Neste, em escala inversa e decrescente, a dosagem preponderante é de lun-
du, polca, habunera e tango."

Resolvido e terraplenado o tema dos gêneros, podemos olhar para a singularida-


de do Batuque de Nazareth.
Nesse tango, o compositor apresentou um desfile de ritmos e gêneros subenten-
didos de modo absolutamente natural e orgânico. Lembra, de certo modo, o Álbum pi-
toiesco e musical, coleção de danças pata piano, ilustrado com gravuras, publicado em
1856, no Rio de Janeiro, no qual cada dança estrangeira estava associada a uma gravu-
ra que representava um bairro da cidade: Gló ria, polca; São Cristó vão, schonisch (xo-
te); Jardim Botà nico, valsa; Boa Viagem, redova (polca russa) etc." Nesse sentido,
Bathque sugere nm passeio pelo Rio de Janeiro da belle ekoque: como se pudéssemos Esta introduçã o é um p1‹acido começo para a narrativa. Dois planos destacam-se
enxergar a complexa configuração sociocultural da cidade em imagens fdtradas pela com clareza: 1) a mã o esquerda realizando um baixo ostinato com sincopaçã o singu-
mú sica do compositor. E qiie Batuque tem um forte poder narrativo e imagético. Por lar, e 2) a mã o direita preenchendo todas as semicolcheias dos compassos, num movi-
essa razão, a sua forma é ampliada: introdução (16 compassos); seção (oito compaS- mento pendular, cujo resultado é a criação de uma leve textura, pianlstica por excelên-
sos, com repetição); seçã o B (Oito compassos, com repetiçã o); ponte n>A (oito com- cia, harmonizada com intervalos que alternam dissonàncias (segundas e quartas) e
passos); repetição da seçéo ; seção C (oito compassos, com repetição); ponte c>D (qua- consonàncias (terças e sextas). A sincopaçã o singular da mão esquerda é traduzida nu-
tro compassos); seção D (16 compassos, com repetição); repetição da seção C; ponte ma ihflexã o que altera a figura rítmica que a musicologia latino-americana convencio-
c>x (oito compassos); repetiçã o da seçã o A e coda. Além de ser um atípico tango de uou chamar de tresillo ( }. J, ):” é um tresillo suspenso (ou condensado) com a
quatro partes (com introduçã o), existem “pontes” de oito compassos que ligam uma omissã o do ú ltimo acento ( J ). A ló gica de construçã o dessa figura revela um
seçá o à outra. As pontes nada mais são do que um recurso formal para o conflito en-
tre as amarras que a rigidez da forma rondó da polca submete o compositor e a poten-
cialidade narrativa do seu discurso musical. Dentro do formato da polca (e do tango),
o autor é obrigado a terminar a sua idéia musical, para manter a regularidade da dan-
ça, em períodos de quatro, oito, 16 ou 32 compassos. O rompimento disso sera movi- 32. Sobre a sincopa@o do baixo vale uma observado técnica: o tresillo, assim como a síncopa característica o ti o ritmo
mentos de expressividade estranhos à prática coreográfica. haboriva, sâo sincopaçõ es que ocorrem deJjtro do compasso. Esse é a grande característica das sjncopas que s•' s' •• a , gros-
so ciodo, na música popuJar-ertjdifa das Américas durante o século xlx. Nesse sentido, apesar de serem siJacopas, isto é, ar-
ticulaçoes ritmicas que sugerem suspensão, elas são conclusivas e estão presas à qu‹idratur« desses gêneros. Aliás, essa evi-
dê ncia levou o pesquisador Carlos Sandroni a argumentar tecnicamente a equivalê ncia entre os gêneros em questã o: na
29. swNnsosi, Ca flo5. Oh. cit., }997, p. 138. realidade, a síncopa característica e o ritmo de habanart sáo variantes de uma mesma matriz que a musicologia latino-ame-
30. euro, !vtozart de. Oh. cii.› p. 25. ricana convencionou chamar de ocs'iIo (colcheia pontu:ida-colcheía po+ituada-cotcheia), razão pela qual sã o intermmbiá -
31. p All, Lorenzo. Qarfos ‹Somes. S?ao Paulo: Publifolha, 2001, p. 22. veis. Nesse sentido, o pesquisador, preocupado em entender as diferenças entre as articulaçõ es ritmicas na mú sics popular
0 m sono ‹rrmr-sono «ou, u«x«un uão.uscioosaur 125

Caso de imparidade rítmica: os oitos tempos do compasso binário subdivididOS em$c- Enquanto a mã o esquerda segue com a mesma síncopa da introdução em ostras-
micolcheias (1/8) apresentam-se divididos em dois grupos de figuras ímpares 5+5) to com a função de pedal, a mã o direita desenha uma melodia entrecortada acéfala.
A mão direita, ao contrá rio, tem a subdivisã o do seu compasso em dOiS grupos de fi- Embora a rítmica seja aparentemente constante (pela seqü ência de semicolcheias), ocor-
TãS JESS (41-4), constituindo-se, portanto, num caso de paridade rltmica. O contras- re um movimento similar ao que vimos em Cru k erigo!: a síncopa oculta mostra-se
te entre a ttnparidade, da mã o esquerda, e a paridade, da mã o direita, provoca um pr presente por um contraste timbrístico nos saltos de intervalo (de sextas e terças, no pri-
radoxal efeito de levitaçã o e assentamento. meiro compasso) promovendo htm molejo característico, movimentando dialetica-
EsSã if ltrodtlçã o, como num pra s de uma narrativ ã , Aproxima-se serenamen- mente a relaçã o entre os dois planos dados pela mão esquerda e mã o direita. Somente
te, cercada de um difuso mistério, do foco central do enredo. Quase um chamamento: no quinto compasso a harmonia que estava parada caminha junto com a inflexão me-
como se estivéssemos chegando silenciosamente à cidade do Rio de Janeiro do come- ló dica. Nesse momento, aquele baixo estático que nos dava a sensação paradoxal de sus-
ço do século xx. pensão e assentamento parece se acomodar sob a rubrica do ritmo de habanera. Mas
$ob esta atmosfera, a primeira parte apresenta-se un poco an| l'ttOlOl o movimento é breve, e voltamos em seguida para a repetiçã o do motivo inicial. Os
dois ú ltimos compassos da primeira seção, depois de sua repetiçã o, acenam para fim
movimento que se direciona para uma finalização tensa (ainda suspensiva): a melodia
ascende, o baixo desce cromaticamente e ambos se encontram num acorde nâo reso-
lutivo. Surge, assim, a seçã o B como resposta:

bfasileira entre a segunda metade do sé cttlo xix e a primeira metade do xx, especificamen te sob o género do safoba, ÍO•
ao compasso, re8tiltd-
8o da mú sica c• "°6 8fica algo-americana do século mx; e 2) paradigma do Está cio, segundo o qual a síncopa realiza-se
DO mV10 dO compasso, resultado, gen s modo, de uma gestualidade oral típica da can9ãO do sécttl0 xx. No caso de Nazareth,
nà O Vale a pena pensarmos SOb 6 macro orientação dos paradigmas, pois, como tento de1n0nSÍ1'ar, o enigma de
ce
Ac bars as ambigüldades. Melodia e harmonia caminham juntas por motivos A sensação de estarmos ouvindo uma polquinha anacrónica, no contexto da pe-
lulares. A resposta an clíma difuso da seção anterior é graciosa e realiza-se
numame-
ça, ocorre porque a melodia da mäo direita é reta e tern vocação estrófico-discursiva.
lodia haimonizada por intervalos que nos faz lembrar a introdução. Mas, aO contrá- Como ela näo segue ou recorta ritmicamente o acompanhamento, o ritmo de habene-
caminho
rio desta, a mão esquerda segue rigorosamente o ritmo da habanerD, e o ra deixa de se caracterizat como ta1 e passa a ser uma simples variante da clássica figu-
melódiCO Ó ãfiFmativo e direto. Pensando-se na continuidade da narrativa inicial, ra do acompanhamento da polca (colcheia-duas semicolcheias-dnas colcheias). Sob a
aquela a fOXimílĘãO calma, ambígua e misteriosa da cidade cede lugar a um prazero- óptica da nossa narrativa, é como se nessa seç‹ao o cenário fosse transportado para um
so passeio "civi1izado’\ A singular síncopa da introduçäo foi substituída por uma sín- teatro onde assistiriamos a um quadro, com sabor algo nostálgico, de uma opereta
copa resolutiva, conhecida e decantada na cultura da belle époque: uma síncopa in- ou revista. O problema seria achar um born teatro, porque, nessa época, os teatros do
corporada, “normatizada” e sistematizada em gênero. O cenário é algo como o Rio de Segundo Império estavam se transformando em cinemas e music-halls, em razäo do
Janeiro do prefeito“ bota- abaixo” Pereira Passos — o qtia1 reconstruiu o centro da ca- modismo das novas tecnologias. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o teatro Fêníx
pital da Primeiro República sob o mesmo modelo da reforma de Haussmann, na PariS
Dramática, dirigido, como já falamos, por Henrique Alves de Mesquita na década de
do Segundo lmpério: gtandes bulevares cercados por ptaças e fino cornétCÎO. AliáS
de cinema on num café, talvez, o ritmo da habanera poderia ser 1870, e, após a reforma do centro da cidade, reaberto como cinema na década de
ouvido tanto lá como cá. t9t0.”
A terceira parte surge com uma modulaçäo. A melodia torna-se homofònica e té- A passages para a nova seçäo (parte D) realiza-se com uma “ponte” de quatro com-
t¡cá e, por esse motivo, o acompanhamento em ritmo de #«únners ganha destaque. passos aDsolritamente misteriosa:
carźter singelo da melOdia colabora para qiie ouçamos o acompanhamento como uma
antiga polca:

here sapateado
A estranha passagem que se inicia soturna e vai ganhando luminosidade até de- xual do lundu). No início do século Xx, surge o maxixe como uma dança que, em seu
sembocar na última seção, cuja indicaçäo de intençäo é clara: “bem sapateado”. Ora, aspecto geral, tern o acompanhamento musical externo similar ao da polca e passa a
trata-se d0 um maxixe. O cenário desloca-se para a Cidade Nova. Lá se concentrava par- ocupar o lugar do lrindu no imaginário nacional como dança mestiça. Nesse caso, as-
te da população pobre do Rio de Janeiro e, ao que tudo indica, foi onde surgiu a dan- sim como em Machado e a polca, seus contemporâneos estabeleceram uma relaçäo
ça do maXixe. O principal e talvez ú nico documento sobre o assunto é o livro de Jota com- plexa com o assunto. Jota Efegê mostra, na pesquisa em perió dicos, como uma
Efege, u xixe, a donna excomungada.“ parce la da populaçäo elegera o maxixe como dança nacional mestiça, enquanto a
Ma›, voltando para o Batuque de Nazareth, nessa ú ltima seçã o, a melodia é nova- contraditó ria burguesia da belle époque tratava-o como um caso de polícia, ao mesmo
mente harmonizada em bloco. O motivo melódico é simples (caminha sob a repctição tempo em que se via atraída pelo “batuque” estilizado. No cerne desses problemas, e
da mcsma nota em gran conjunto). Há uma inversäo em relação ä seçäo anterior: en- que nos diz res- peito particularmente, está a síncopa, soterrada por camadas sociais,
quanto na polquinha a mäo esquerda cumpria a funçäo ritmo-harmónica, agora, no culturais e musi- coló gicas. Tudo isso pulsa como recalque e paixã o no Batuque de
yyixe, ela volta ă suspensä o da síncopa da íntroduçä o, assumindo ainda a funçâ o de Nazareth. On, se pre- ferirmos, como ambi(ăo e vocaçáo do célebre compositor.
contraponto na regiä o grave (mimetizando as “baixarias” que o violäo fazia no trio de
p m-e-cOt da). A mão direita, como na introdução, cria texturas harmònico- melódicas
que pontuäm ritmicamente com semicolcheias a síncopa da outra mäo. Portanto, o suin-
gue do maxixe realiza-se nessa complementaridade das mäos. E importante apontar,
ainda, que essa ú ltima seção tern o dobro do tamanho das anteriores, de modo que, no
contexto geral da peça, o maxixe final soa como a sestrosa apoteose de “batuque”.
Volto a pensar, depois disso tiido, na idéia de que a síncopa particulariza o signi-
ficado mais geral da polca como intermediário cult ural na mú sic‹a popular-erudita des-
se período. Sob o seu signo, os gêneros em questão podem ser întercambiáveis e tam-
bém singulares. Exemplo disso é a complexa relaçăo de Nazareth com o maxixe.”
Em suma, MÁflO de Andrade enxergou no lundu de saläo do século xix a primei-
ra expressão singular de nacionalidade, numa dança que se fazia com pares separados
e cujo acompanhamento musical externo apresentava uma sincopação específica que
criava km determinado imaginário da herança colonial negra (com temática humo-
i:stica e alusões aos intercursos sexuais entre senhores e escravos).“ E essa interpreta-
çã o do critico modernista só foi possível porque, antes de Gilberto Freyre, ele já ValO-
rizava a mestiçagem como aspecto positivo na nossa formaçã o nacional. No fnal
do N«olo xix, a polca introduziii a dança européia, com par enlaçado, que em pouco
tem- po foi ganhando sincopação e, a partir daí, identificaçäo por seus contemporâneos
co- py produto legitimamente nacional (e o exemplo da crô nica de Machado de Assis
de
1887, como vimos no capítulo 2, mostra a continuidade da temática humorística e se-

3 çtÿøg, Jota. Mexize, a Inc(n exrom u ngndu. ltio de Janeiro: Conquisia, 1974.
35 5¢ø droø¡ ha, um comentà rio significativo: “Nao é de c espantar que Nazareth năo gostasse de ver suas compo-
tjç,52t ¢jj Jøądas a5sim ț murine] , quaiJclo se sabe 9ue, por volta de 1886, o vocàbulo servia, em re outros fins, ‘para cle-
,¡gøt qualqper coisa ruim, de iná qualidade’. Mas como pretender que’năo teri‹i jamais entrevisto a significaçăo afro-
l›rasileira’ de stias nOm OS*çôes um autor cuja priineir; peça leva indicaçáo do género: polea-hindu, e do qual mrna dos
bt i-mp ima s ‹La ma Buiu9ue* O verdadeii'o eni6ma em torno das indicaçõ es de gënero de Nazareth é arites a una-
øim¡dade dş crítica em negar-the a realidade” sznsuoui, Carlos. Op. cit., 2001, p. 79.
3b. of. xD+ or, Mãrio de. Colinù 6 imyeriais. São Paulo: Martins, 1964.

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