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ESTUDO DAS RELAÇÕES

ÉTNICO-RACIAIS PARA O
ENSINO DE HISTÓRIA E
CULTURA AFRO-BRASILEIRA,
AFRICANA E INDÍGENA
AULA 1

Prof. Elston Americo Junior e Iziquel Antônio Radvanskei


CONVERSA INICIAL

Para a análise da situação atual da desigualdade indígena, faz-se


necessário olhar para os antecedentes históricos que construíram as visões
estereotipadas desses povos, acarretando genocídios, preconceitos e
marginalização do indígena brasileiro. Assim, esta aula fará com que você,
estudante, olhe para o passado do Brasil e reflita sobre algumas teorias e
práticas do Estado e da sociedade brasileira sobre os povos tradicionais dessa
terra.
Você irá perceber as teorias raciais evolucionistas e discriminatórias, vai
entender as práticas de aculturamento, na tentativa de eliminar culturas, e vai
analisar as políticas nacionais sobre tais povos. Cabe ressaltar que indígenas,
para nós, são os povos que apresentam culturas tradicionais,
independentemente se residem em ambientes rurais ou urbanos (Castro, 2006).
Veremos, adiante, que o estereótipo do indígena como um ser selvagem faz
parte das teorias racistas dos séculos passados.

TEMA 1 – A CONSTRUÇÃO DO PRECONCEITO

O preconceito contra os povos indígenas faz parte de processos históricos


com objetivos claros de dominação. Entretanto, tais processos não foram
realizados apenas de maneira arbitrária, mas tiveram teorias que sustentaram
práticas de dominação. A primeira questão diz respeito ao ideal de raça, ou seja,
definir os indígenas como seres inferiores na escala evolutiva, tipificando-os
como animais. Legitima-se, assim, a exploração dos brancos sobre os índios
(Baniwa, 2006).
Outro fundamento estava na perspectiva religiosa, ao entender que o
índio não possuía alma, sendo, assim, um não humano. Sabemos, por outro
lado, que todos esses fundamentos foram forjados com o intuito de ocupar as
terras indígenas. Os colonizadores não se reconhecem como invasores
enquanto entendem que os índios não são humanos. Percebe-se, então, que o
estereótipo do indígena como um ser selvagem não passa de uma teoria racista,
na busca de subjugar, dominar tais povos.

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TEMA 2 – A CHEGADA NO BRASIL E A SOBREVIVÊNCIA INDÍGENA

A chegada dos portugueses às terras brasileiras fazia parte de um projeto


de expansão territorial, na busca de terras férteis e matérias-primas. No caso
brasileiro, a descoberta, para os portugueses, do pau-brasil foi fundamental para
a colonização, uma vez que seria importante sua extração para a tintura na
produção dos tecidos. Para maximizar a extração dessa madeira, os
portugueses utilizaram mão de obra indígena, por meio da servidão desses
povos, um processo que foi realizado com diversas estratégias, desde a invasão
de comunidades até as práticas de catequização dos índios, nos aldeamentos
jesuítas (Schwarcz; Starling, 2015).
Em clara tática de aculturamento, os jesuítas “ensinavam” os costumes
europeus enquanto eliminavam a cultura dos povos tradicionais. Essa prática
etnocida tem efeito até hoje, o que fundamenta a demarcação de terras e a
garantia de direitos desses povos na busca de diminuir a situação de violência a
que eles foram historicamente subjugados.

TEMA 3 – POLÍTICAS PÚBLICAS INDIGENISTAS: O PRINCÍPIO TUTELAR

A visão do indígena como um ser sem alma, inferior e membro da fauna


perdurou no decorrer dos anos e teve grande influência nas políticas públicas do
século XX, no Brasil. A criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910,
tinha por princípio demandar tutela para os indígenas. Ainda em uma perspectiva
evolucionista de raça superior e civilizada, o Estado criou políticas sem qualquer
consulta aos interesses indígenas. No fim, tais políticas foram marcadas por
invasões de territórios indígenas, exterminando muitos grupos, física e
culturalmente.
Após denúncias internacionais de graves violações de direitos humanos,
foi extinto o SPI e fundada a Fundação Nacional do Índio (Funai), que, na teoria,
iria trabalhar de maneira democrática, porém suas práticas continuaram a
corroborar para eliminação dos indígenas (Schwarcz; Starling, 2015). Percebe-
se, assim, que teorias seculares de inferiorização do indígena resultaram em
políticas modernas de sujeição e tutela dos indígenas.

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TEMA 4 – NOVAS NOÇÕES DE POLÍTICAS PÚBLICAS: A BUSCA POR
AUTONOMIA E PARTICIPAÇÃO

A noção tutelar de políticas públicas acabou preservando as violações


seculares dos direitos indígenas. Extermínios, estupros e servidão foram alguns
exemplos dessas violações. Com a promulgação da Constituição Federal, em
1988, os grupos indígenas foram reconhecidos, ao menos na letra da lei, como
cidadãos com direito a conviver e preservar suas culturas (Brasil, 1988).
Com isso, surgiu a questão da demarcação de terras indígenas. Como foi
visto em relação às políticas anteriores, além das violações físicas, o grande
interesse do Estado foi invadir e tomar as terras de propriedade indígena. Agora,
há a reivindicação dos povos indígenas por suas terras de origem, o que entra
em contraste com os interesses econômicos da utilização dessas terras. É por
esses motivos que o movimento indígena, nos últimos anos, se debruçou por
lutar pela sua autodeterminação, na perspectiva de quebrar a tutela do Estado e
buscar direitos, por meio de sua participação e autonomia (Cunha, 2012).

TEMA 5 – SOBRE A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO

Darcy Ribeiro (2006), na obra O povo brasileiro: a formação e o sentido


do Brasil, inaugura um tema que marcou as ciências humanas. Argumentando
que a identidade brasileira é fruto da miscigenação racial entre brancos, negros
e índios, o sociólogo busca explicar que os brasileiros são todos iguais na nação
e, assim, devem se respeitar. No entanto, Darcy Ribeiro (2006), ao realizar essa
explicação puramente com base biológica, acaba esquecendo as maneiras
como foram realizadas tais mestiçagens – a maioria através de violências
sexuais – e toda a instituição de poder desigual na tríade entre brancos, negros
e índios.
Como foi visto anteriormente na análise das políticas indigenistas e será
visto posteriormente em relação às políticas escravocratas, a cultura branca
esteve em situação de dominação, o que salienta uma nova análise da
identidade brasileira: se, racialmente, há uma miscigenação, culturalmente há
um preconceito escondido, ainda que claramente visível ao se observar a
desigualdade social.

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NA PRÁTICA

Em 1879, Pedro Peres pintou a obra denominada Elevação da cruz em


Porto Seguro1. Nela, o autor tentou retratar o momento em que os portugueses
cravam a cruz nas terras brasileiras, como forma de situar tais terras como
“descobertas” e cravar, consequentemente, a cultura europeia nesse “Novo
Mundo”. O que chama a atenção nessa tela, sobretudo em relação ao tema
estudado nesta aula, diz respeito à posição dos índios na representação:
estáticos, omissos e satisfeitos (MNBA, 2015).
Lembrando que essa tela, por muito tempo, figurou em livros didáticos e
fez parte da história oficial do Brasil, cabe a você, aluno, discutir a relação dessa
imagem, ao representar um indígena “dominado” e “sem posicionamento”
(MNBA, 2015), e a situação atual da questão indígena, sobretudo no debate
sobre participação e construção cidadã. Afinal, o indígena é omisso na
participação ou as estruturas políticas e sociais afastam-no da participação
democrática?

FINALIZANDO

Como vimos, teorias seculares de negação do povo indígena levaram a


práticas de sujeição, extermínio e eliminação cultural. Percebemos que essas
teorias foram forjadas mediante uma racionalidade “superior”, de caráter
eurocêntrico, que na realidade tinha objetivos de dominação, invasão e
colonização de terras que não eram europeias.
Posteriormente, com um povo brasileiro já formado e miscigenado, as
ações do Estado sobre os índios não foram diferentes. Observamos que, no
século XX, as políticas públicas de caráter tutelar foram permeadas por visões
de sujeição dos indígenas, acarretando novamente extermínios e eliminações
culturais. A participação e a autonomia dos grupos indígenas é recente, bem
como noções de identidade e preservação cultural, que, como foi visto com base
em Darcy Ribeiro (2006), fazem parte da formação de todos os brasileiros, ainda
que devamos considerar a desigualdade existente nessas relações étnico-
raciais.

1 Obra localizada no museu nacional de belas artes, no Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://mnba.gov.br/portal/component/k2/item/186-elevacao-da-cruz-em-porto-seguro.html>.
Acesso em: 13 nov. 2019.
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REFERÊNCIAS

BANIWA, G. dos S. L. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os


povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC, 2006.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário


Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso
em: 4 nov. 2019.

CASTRO, E. V. de. “No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é”. In:
ISA – Instituto Socioambiental. Povos indígenas no Brasil 2001/2005. São Paulo,
2006. Disponível em:
<https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/No_Brasil_todo_mund
o_%C3%A9_%C3%ADndio.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2019.

CUNHA, M. C. da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo:


Claro Enigma, 2012.

MNBA – Museu Nacional de Belas Artes. Elevação da cruz em Porto Seguro.


Rio de Janeiro, 13 maio 2015. Disponível em:
<https://mnba.gov.br/portal/component/k2/item/186-elevacao-da-cruz-em-porto-
seguro.html>. Acesso em: 4 nov. 2019.

RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:


Companhia das Letras, 2006.

SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo:


Companhia das Letras, 2015.

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