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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO (CEPAE)


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA (PPGEEB)

EDINA FARIA DE ALMEIDA

Leitura de poesia e formação do leitor literário na educação


básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

GOIÂNIA
2022
EDINA FARIA DE ALMEIDA

Leitura de poesia e formação do leitor literário na educação


básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da
Universidade Federal de Goiás, para obtenção do título de
Mestre em Ensino na Educação Básica.

Área de Concentração: Ensino na Educação Básica.

Linha de Pesquisa: Concepções-metodológicas e práticas


docentes.

Orientadora: Profa. Dra. Célia Sebastiana Silva.

GOIÂNIA
2022
Dedico este trabalho a todos que concebem a literatura como força
humanizadora e que acreditam na contribuição da leitura literária - em
específico, da leitura de poesia - para a formação do leitor nas escolas.
AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida e pela oportunidade de ampliar meus conhecimentos.


Aos participantes desta pesquisa, pela disponibilidade e contribuição.
À professora Dra. Célia Sebastiana Silva, que fez diferença em minha formação
acadêmica, especialmente por me mostrar novas possibilidades de trabalhar com a leitura
literária para jovens leitores na educação básica.
Aos docentes do Programa de Pós-Graduação do CEPAE-UFG, que deixaram
contribuições muito ricas ao longo desta caminhada de estudo e pesquisa.
Aos meus pais (in memoriam), que sempre me ensinaram a caminhar com coragem e
determinação.
Aos meus irmãos, pelo incentivo e apoio.
Aos amigos Alencar e Lázaro, pela amizade e trocas de saberes.
E, em especial, à unidade escolar onde realizei a coleta dos dados, pela confiança em
mim depositada.
Sinto que sou a abelha no seu artesanato.
Meus versos têm cheiro dos matos, dos bois e dos
currais.
[...]
Sou árvore, sou tronco, sou raiz, sou folha,
sou graveto, sou mato, sou paiol
e sou a velha tulha de barro
[...]
Minha identificação com a gleba e com a sua
gente.
Mulher da roça eu o sou. Mulher operária,
doceira,
abelha no seu artesanato, boa cozinheira, boa
lavadeira.
A gleba me transfigura, sou semente, sou pedra.
Pela minha voz cantam todos os pássaros do
mundo.
Sou a cigarra cantadeira de um longo estio que se
chama Vida.
Sou a formiga incansável, diligente, compondo
seus abastos.
Em mim a planta renasce e floresce, sementeia e
sobrevive.
[...]

A gleba me transfigura, em Vintém de Cobre.


Cora Coralina
ALMEIDA, Edina Faria de. Leitura de poesia e formação do leitor literário na educação
básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula. 2022. 165f. Dissertação
(Mestrado em Ensino na Educação Básica) – Programa de Pós-Graduação em Ensino na
Educação Básica, Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, Universidade Federal de
Goiás, Goiânia, GO.

RESUMO

Esta dissertação encerra uma investigação do processo de formação do leitor de poesia na


escola e como se constitui a relação leitor, texto e autor, com ênfase especial no jovem
adolescente leitor da poesia da escritora Cora Coralina. O corpus de análise é composto pelo
livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, pelo conjunto da obra da poeta e pelos
dados amostrais obtidos a partir da intervenção pedagógico-metodológica feita em uma turma
de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de Goiás.
Objetivou-se investigar como a leitura da poesia de Cora Coralina, sob a perspectiva da
memória e da identidade, pode contribuir para a formação leitora do jovem aluno dos anos
finais do ensino fundamental e despertar nele o gosto pela poesia. O estudo teve como
fundamento teórico, entre outros autores, Antonio Candido (1965), Annie Rouxel et. al.
(2013), Zilberman e Magalhães (1987), Rildo Cosson (2019), Tzvetan Todorov (2010),
Vicent Jouve (2012) e Maria Tereza Andruetto (2017). Para a consecução do objetivo
proposto, realizaram-se a pesquisa bibliográfica e a pesquisa-ação com intervenção
pedagógica. A mediação direta com o jovem estudante e leitor visou, como resultado, ao final
do processo, a um produto educacional – um documentário - intitulado Cora Coralina: entre
poemas e memórias, que buscou mesclar as linguagens acadêmica, pedagógica e poética, com
vistas a evidenciar a composição dos poemas e vivências de Cora Coralina na criação e na
perspectiva subjetiva do aluno em meio a lugares poetizados da cidade de Goiás. O produto
educacional foi desenvolvido durante o Mestrado Profissional em Ensino na Educação Básica
do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do CEPAE/UFG, a partir dos registros feitos
durante a aplicação das sequências didáticas. O produto está disponível nos apêndices e no
canal do You Tube, no seguinte endereço: https://youtu.be/fYUQXF4tiVc. Durante a
aplicação das Sequências Didáticas (SD), com a mediação e intervenção da pesquisadora, os
alunos aprimoraram a leitura e a escrita poéticas. Produziram vídeos com a leitura dos poemas
dos Becos de Goiás e Estórias Mais, que foram motivadores do produto final. Os vídeos que
mediaram a constituição do produto estão disponíveis em https://youtu.be/80YNMdv5bcU.
Dessa maneira, os resultados foram expressivos quanto ao processo de desenvolvimento da
leitura da poesia de Cora Coralina em sala de aula.

Palavras-chave: Ensino. Literatura. Leitura de poesia. Formação de leitor.


ALMEIDA, Edina Faria de. Poetry Reading and Literary Reader Training in Basic
Education: Cora Coralina's Poetic Production in the Classroom. 2022. 135f. Dissertation
(Masters in Teaching in Basic Education) – Postgraduate Program in Teaching in Basic
Education, Center for Teaching and Research Applied to Education, Federal University of
Goiás, Goiânia, GO.

ABSTRACT

This dissertation concludes an investigation of the process of formation of the poetry reader at
school and how the reader, text and author relationship is constituted, with special emphasis
on the young adolescent reader of the poetry of the writer Cora Coralina. The corpus of
analysis is composed of the book Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, the set of the
poet's work and the sample data obtained from the pedagogical-methodological intervention
carried out in a group of students from the 8th year of Elementary School of a school public in
the city of Goiás. The objective was to investigate how the reading of Cora Coralina's poetry,
from the perspective of memory and identity, can contribute to the reading formation of
young students in the final years of elementary school and awaken in them a taste for poetry.
The study was based on, among other authors, Antônio Cândido (1965), Annie Rouxel et. al.
(2013), Regina Zilberman and Magalhães (1987), Rildo Cosson (2019), Tzvetan Todorov
(2010), Vicent Jouve (2012) and Maria Tereza Andruetto (2017). To achieve the proposed
objective, bibliographic research and action research with pedagogical intervention were
carried out. Direct mediation with the young student and reader aimed, as a result, at the end
of the process, at an educational product - a documentary - entitled Cora Coralina: between
poems and memories, which sought to merge academic, pedagogical and poetic languages,
with a view to to evidence the composition of the poems and experiences of Cora Coralina in
the creation and in the subjective perspective of the student in the midst of poetized places in
the city of Goiás. The educational product was developed during the Professional Master's in
Teaching in Basic Education of the Stricto Sensu Postgraduate Program at CEPAE/UFG,
based on the records made during the application of the didactic sequences. The product is
available in the appendices and on the You Tube channel at the following address
https://youtu.be/fYUQXF4tiVc. During the application of the Didactic Sequences (DS), with
the mediation and intervention of the researcher, the students improved their poetic reading
and writing. They produced videos with the reading of poems from Becos de Goiás and
Estórias Mais, which motivated the final product. The videos that mediated the constitution of
the product are available at https://youtu.be/80YNMdv5bcU. In this way, the results were
expressive regarding the development process of reading Cora Coralina's poetry in the
classroom.

Keywords: Teaching. Literature. Poetry reading. Reader training.


LISTA DE FIGURAS, QUADROS E GRÁFICOS

Figura 1 – Criação poética de participantes da pesquisa ……................................................38


Figura 2 – Texto de Carlos Drummond de Andrade ao Jornal do Brasil ...............................88
Figura 3 – Fragmento do livro Só entre nós: Abelardo e Heloisa, de Júlio E. Braz ..............88
Figura 4 – Mensagens trocadas entre os participantes da pesquisa ...................................89-90

Quadro 1 – Atividade e encontros realizados .........................................................................62


Quadro 2 – Questionário respondido de acordo com a vivência e experiência diária dos
alunos .......................................................................................................................................92
Quadro 3 – Questionário respondido de acordo com as vivências e experiências, após a
leitura do livro de Cora Coralina Poemas dos becos e estórias mais .......................................93

Gráfico 1 – Primeiro questionário do 8º ano ...........................................................................94


Gráfico 2 – Segundo questionário do 8º ano ...........................................................................94
Gráfico 3 – Você lê poesia na escola? ....................................................................................96
Gráfico 4 – Você gosta de poesia? ..........................................................................................96
Gráfico 5 – A leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, contribuiu para uma
formação leitora mais consciente e significativa? ....................................................................98
Gráfico 6 – Comparativo entre os questionários .....................................................................98
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

DC-GO Documento Curricular para Goiás.


UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
CEPMG Colégio Estadual da Polícia Militar de Goiás.
TALE Termo de Assentimento Livre e Esclarecido.
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
CEPAE Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação.
COVID-19 É a junção de letras que se referem a (co)rona (vi)rus (d)isease, o que na
tradução para o português seria "doença do coronavírus". Já o número 19 está ligado a 2019,
quando os primeiros casos foram publicamente divulgados.
SARS-CoV-2 Sigla do inglês que significa coronavirus 2 da síndrome respiratória aguda
grave, cuja doença recebeu a denominação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de
COVID-19 (do inglês coronavirus disease 19).
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13

1 LEITURA, LEITOR LITERÁRIO E POESIA NA ESCOLA ..............................18


1.1 Formação do leitor literário na educação básica: reflexões teóricas .....................18
1.2 A leitura literária e a construção da subjetividade .................................................24
1.3 A poesia na escola: função e processo humanizador ...............................................28
1.4 A Poesia e o jovem aluno: ler para melhor perguntar e melhor se entender
...................................................................................................................................................34

2 CORA CORALINA: POESIA, CIDADE, BECOS E ESTÓRIAS MAIS ............42


2.1 Cora Coralina: considerações sobre a autora e sua obra .......................................42
2.2 Apontamentos sobre o corpus da pesquisa: Poemas dos Becos de Goiás e Estórias
Mais .........................................................................................................................................47
2.3 A poesia de Cora no contexto da cidade de Goiás ...................................................52

3 A POESIA NA SALA DE AULA: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E


ANÁLISE DE DADOS ..........................................................................................................59
3.1 Mediação entre leitor, texto e autora: as metodologias, intervenções e análise de
dados ........................................................................................................................................59
3.2 Leitura de poesia na escola antes e depois: os dados dos questionários ...............92

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................101

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................103

APÊNDICES .........................................................................................................................109
13

INTRODUÇÃO

Cada palavra uma folha no lugar certo.


Uma flor de vez em quando no ramo aberto.
Um pássaro parecia pousado e perto.
Mas não: que ia e vinha o verso pelo universo.

Cecília Meireles

A literatura, como aportado por Candido (2004, p. 174), “aparece claramente como
manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há
homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma
espécie de fabulação”. Por isso, a preocupação acerca da inserção da literatura na formação
dos jovens leitores, em específico no ensino fundamental. Em comunhão com Candido,
Bachelard (1978, p. 188), ao analisar a importância do gênero poesia, considera:

Assim a imagem que a leitura do poema nos oferece faz-se verdadeiramente nossa.
Enraíza-se em nós mesmos. Recebemo-la, mas nascemos para a impressão de que
poderíamos criá-la, de que deveríamos criá-la. A imagem se transforma num ser
novo de nossa linguagem, exprime-nos fazendo-nos o que ela exprime, ou seja, ela é
ao mesmo tempo um devir de expressão e um devir de nosso ser. No caso, ela é a
expressão criada do ser.

Então, esta pesquisa pretende mostrar a relevância de se trabalhar com poesia na sala
de aula com ênfase na relação leitor, texto e autor, destacando o leitor – sujeito em formação.
Pensar na importância da leitura, numa sociedade em constante transformação, principalmente
com o avanço tecnológico invadindo e ocupando todos os seus setores, é um desafio para o
professor.
Segundo Vicent Jouve, “a leitura se apresenta como parte interessada de uma cultura.
Recebido fora de seu contexto de origem, o livro se abre para uma pluralidade de
interpretações: cada leitor novo traz consigo sua experiência, sua cultura e os valores de sua
época” (JOUVE, 2002, p. 24).
Para tanto, a obra Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina
(2014), será uma possibilidade de o jovem leitor perceber que a leitura está em tudo quanto há
vida e que é inerente às relações humanas, como também ressalta Jouve: “a leitura é, portanto,
ao mesmo tempo, uma experiência de libertação (“desengaja-se” da realidade) e de
preenchimento (suscita-se, imaginariamente, a partir dos signos do texto, um universo
marcado por seu próprio imaginário)” (JOUVE, 2002, p. 107). Aqui, então, se fundamenta a
necessidade de realçar o trabalho de leitura nas escolas de educação básica, quando os
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adolescentes, que trazem em si várias interrogações, demonstram o interesse pelo percurso


traçado pelo texto poético, confrontando-o com situações inéditas que poderão modificar seu
olhar sobre coisas e lugares.
Se anuirmos que uma obra literária é sempre inacabada e que sua completude advém
da presença do leitor, perceberemos que este lhe empresta elementos de seu universo pessoal,
formando uma conexão entre texto, autor e leitor. Para Bartolomeu Campos Queirós,

A escola não percebe que a literatura exige do leitor uma mudança, uma
transferência movida pela emoção. Não importa o que o autor diz mas o que o leitor
ultrapassa. E a literatura é feita de palavras, e é necessário um projeto de educação
capaz de despertar o sujeito para o encanto das palavras (QUEIRÓS, 2012, p. 160).

Isso reforça a importância de se levar a poesia para a sala de aula. No caso desta
pesquisa, a poesia que se propõe é a de uma poeta – Cora Coralina – que ocupa o imaginário
dos jovens alunos como a “poeta da cidade”, aquela que projeta a cidade de Goiás para o
cenário da cultura nacional. Em Minha cidade, por exemplo, a poeta Cora Coralina aponta
para uma imbricação entre poesia, memória e identificação com as próprias raízes, numa
personificação poética.

Eu sou a dureza desses morros,


revestidos,
enflorados,
lascados a machado.
lanhados, lacerados,
Queimados pelo fogo.
Pastados.
Calcinados
e renascidos.
Minha vida,
meus sentidos,
minha estética,
todas as vibrações
de minha sensibilidade de mulher,
têm, aqui, suas raízes.

Eu sou a menina feia


da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha. (CORALINA, 2014, p. 36).

Como vimos, a ênfase principal desta pesquisa está na mediação da leitura literária e,
em específico, na leitura de poesia na escola. A partir desse enfoque, há algumas hipóteses a
serem analisadas: De que forma a leitura da poesia de Cora Coralina em uma turma de oitavo
ano do ensino fundamental pode contribuir para a formação do leitor de poesia na escola? Em
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que medida ler uma poeta, cujo cenário poético seja familiar e próximo dos alunos, pode
contribuir para uma identificação entre texto, autor e leitor?
Estudos realizados acerca da leitura da poesia e formação do leitor demonstram que a
compreensão do leitor, nesse universo de linguagens, remonta ao entendimento de que o texto
literário é a figura do homem em si e “é resultado de práticas sociais, portanto, práticas
históricas” (SILVA; COSTA, 2012, p. 32).
Segundo Anne Rouxel et. al. (2013, p. 208), “a identidade do leitor é desconstruída e
reconstruída a cada leitura e, no entanto, ela é, da parte do leitor, objeto de uma busca
infinita”. A escolha dessa autora e de seus poemas como possibilidade de formação do leitor e
o papel significativo que a poesia representa nesse processo se deram devido à própria
identificação da autora com seus poemas. É difícil separar Cora-mulher e Cora Coralina
escritora – é uma construção interna e constante. Essa identificação é um aspecto importante
na formação do adolescente-leitor: encontrar-se no texto.
Esta pesquisa tem como objetivo geral investigar como o diálogo entre o leitor, a
poesia e o autor pode contribuir para o processo de formação do leitor literário na Educação
Básica por meio da leitura da obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora
Coralina.
Dentro dessa proposta, os objetivos centram-se, especificamente, em investigar a
possibilidade metodológica da leitura de poemas que instigue a relação leitor-poesia; conhecer
e apreciar os textos poéticos de Cora Coralina; descobrir, na leitura dos poemas, o ritmo e a
entonação sonora adequada; contextualizar os poemas Dos Becos de Goiás e Estórias Mais à
realidade do aluno, com maior enfoque na memória e identidade; finalmente, relatar a
experiência desenvolvida em sala de aula e analisar os resultados obtidos durante a pesquisa.
Esta dissertação consiste em uma pesquisa–ação, de cunho qualitativo, com a
intervenção da leitura dos poemas de Cora Coralina em turmas de alunos do oitavo ano do
ensino fundamental. Segundo Cosson (2019, p. 120), “o ensino de literatura passa a ser o
processo de formação de leitor capaz de dialogar no tempo e no espaço com sua cultura,
identificando, adaptando ou construindo um lugar para si mesmo”.
Na esteira de David Tripp (2005, p. 445-446) sobre a utilização da pesquisa-ação na
condição de uma investigação autorreflexiva, temos:

É importante que se reconheça a pesquisa-ação como um dos inúmeros tipos de


investigação-ação, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um
ciclo no qual se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da
prática e investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-
se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do
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processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação.

Além disso, serão usados métodos de observação do desenvolvimento dos alunos ao


longo da aplicação da sequência didática, aplicação de questionários inicial e final,
depoimentos, entrevistas, exposição de textos, visita ao Museu Cora Coralina.
As atividades consistem na leitura do corpus de trabalho – a obra Poemas dos Becos
de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina -, atividades em sala de aula e um vídeo
documental com gravações de alguns poemas pelos alunos leitores em locais específicos da
cidade.
O lócus da pesquisa é o CEPMG – João Augusto Perillo, uma escola pública estadual
da cidade de Goiás, localizada à rua Marechal Abrantes, s/n. Trata-se de uma escola militar,
com nove anos de funcionamento. Os participantes da pesquisa são, em média, 35
adolescentes de uma turma de oitavo ano do ensino fundamental com idade entre 12 e 14
anos.
O projeto de pesquisa se desenvolveu durante um trimestre, a começar com aulas
semanais, enfocando a leitura literária e as experiências dos adolescentes com os textos, já
direcionados à leitura do livro literário. Para tanto, o trabalho percorreu vários poemas,
oportunizando ao leitor se identificar com algum texto para posterior trabalho mais subjetivo.
Quanto a benefícios, a pesquisa buscou a aproximação do aluno com o texto poético
com vistas a contribuir para uma formação leitora mais consistente e efetiva, propiciando
maior autonomia, criticidade e criatividade. Os riscos da pesquisa foram e são mínimos. No
máximo, um ou outro aluno se sentiu constrangido quando instado a fazer a leitura em voz
alta ou quando foi gravar algum videopoema.
A dissertação é organizada em três capítulos, mais apêndices. O primeiro capítulo se
subdivide em quatro partes e aborda a leitura, o leitor literário e a poesia na escola,
pressupondo que a literatura amplia o conhecimento do homem, sua relação consigo mesmo e
com o mundo e sua relação com os outros. E que o acesso à literatura através da escola é um
componente essencial para a formação do leitor literário, segundo Antonio Candido (2004),
Rildo Cosson (2019) e Annie Rouxel et. al. (2013), com reflexões acerca da formação do
leitor literário na educação básica, sustentadas, sobretudo, por Tzevan Todorov (2010),
Regina Zilberman e Ligia Cademartori Magalhães (1987) e María Tereza Andruetto (2017).
Foram feitas reflexões teóricas acerca da formação do leitor literário na educação
básica, o alcance da leitura literária como contribuição na construção da subjetividade do
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aluno e a função do texto poético no contexto escolar, ressaltando-se o poder humanizador da


poesia.
A última análise desse primeiro capítulo é a poesia como aporte para o jovem leitor ler
para melhor perguntar e melhor se entender. Nesse sentido, para Andruetto (2017, p. 9): “A
literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro aos lugares comuns, ser o
contrário do que dela se espera e, ainda, ‘não dar respostas, mas gerar perguntas’”.
O segundo capítulo destina-se à apresentação da poetisa Cora Coralina, sua vida e sua
obra, ressaltando sua ligação com a cidade de Goiás, cidade que foi inspiração para muitos de
seus poemas. Também, apresenta apontamentos sobre o corpus da pesquisa Poemas dos
Becos de Goiás e Estórias Mais, uma das obras de Cora Coralina, seguidos de considerações
sobre a poesia de Cora no contexto da cidade de Goiás.
O terceiro e último capítulo descreve a pesquisa: uma pesquisa-ação, de trato
qualitativo, que propõe a discussão da formação leitora do jovem na escola a partir da leitura
de poesia, conceituando-a e delimitando o seu lócus. Da mesma forma, descreve os 35
participantes desta investigação. Os procedimentos metodológicos são minuciosamente
relatados e é feita a análise de dados com base no material aplicado em sala de aula e
recolhido.
Finalmente, nos apêndices, encontram-se: TCLE (Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido) e TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido); a sequência didática,
com a descrição das aulas executadas neste estudo e os questionários aplicados.
18

1 LEITURA, LEITOR LITERÁRIO E POESIA NA ESCOLA

1.1 Formação do leitor literário na educação básica: reflexões teóricas

A literatura nos proporciona sensações


insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar
mais pleno de sentido e mais belo.

Todorov

A literatura pressupõe diálogos entre vozes diferentes, estabelecendo relações: consigo


mesmo e com o mundo, e sua relação com os outros. O acesso à literatura através da escola é
um componente essencial para a formação do leitor literário. A leitura literária pode ser vista
como uma atividade humana que proporciona ao leitor a capacidade de perceber que, no
texto, há mais do que o que se diz explicitamente. Segundo Andruetto (2017, p. 87-88),

Para que um jovem se converta em leitor inovador, capaz de ir além do consumo de


um relato, mais do que livros de qualidade, ele necessita de ajuda. Para muitas
crianças e muitos jovens, a escola é o único espaço onde se pode encontrar essa
ajuda, o único espaço possível de contato com a cultura literária. Por isso, a escola
precisa garantir a presença de determinados livros e ajudar sua leitura no contexto,
reconhecê-los como introduzidos numa tradição, imersos num sistema literário, no
marco de uma cultura e de uma língua.

Dessa forma, para Coelho (2002, p. 17): “hoje, esse espaço deve ser, ao mesmo tempo,
libertário e orientador para permitir ao ser em formação chegar ao seu autoconhecimento e a
ter acesso ao mundo da cultura que caracteriza a sociedade a que ele pertence”. Portanto,
quanto mais explícito ficar para o professor-mediador a importância da leitura literária como
poderosa fonte de formação de sensibilidades, de alargamento e criticidade de nossa visão de
mundo mais significante será nossa contribuição na formação do jovem leitor. Andruetto
(2017, p. 10), aprofunda esse argumento, enfatizando que a escola é uma igualadora social,
pois reduz a brecha entre as crianças que provêm de lares onde o livro está presente e de lares
onde o livro está ausente. Nesse sentido, reforça a urgência da leitura literária na sala de aula e
que toda criança tenha acesso e condições de permanência na escola.
Destarte, Andruetto (2017, p. 35) recorre a Candido para ressaltar que:

A literatura deve ser equitativa e acessível a todos, um bem que não pode ser negado
a ninguém, pois corresponde a necessidades profundas do ser humano. A literatura
não só é instrumento poderoso de instrução e de educação, mas ainda é fator de
19

perturbação e de risco, um caminho que não corrompe nem edifica, mas humaniza
em sentido profundo, porque faz viver.1

Sendo assim, o ponto de partida da escola para um trabalho sólido de leitura literária é a
escolha de obras adequadas à idade e aos interesses dos alunos, o que acrescenta muito ao seu
repertório de leituras e à sua capacidade de análise crítica dos textos. Assim, as escolhas que
fizermos dos livros de literatura a serem apresentados aos estudantes e a forma de leitura que
propusermos são o que vão determinar a nossa contribuição para um processo de leitura
literária, com chances de durar para além da escolarização.
Segundo Cosson (2019, p. 40), “aprender a ler é mais do que adquirir uma habilidade, e
ser leitor vai além de possuir um hábito ou atividade regular. Aprender a ler e ser leitor são
práticas sociais que medeiam e transformam as relações humanas”. Então, a leitura é uma
construção contínua. Nesse sentido, reitera Todorov (2010, p. 8), “o perigo que hoje ronda a
literatura é o de não ter poder algum, o de não mais participar da formação cultural do
indivíduo, do cidadão”. Para o autor, o perigo está na forma como a literatura tem sido
oferecida aos jovens, desde a escola primária até a faculdade, com a falta de contato com a
literatura propriamente dita e com o fato de ser ela mais uma matéria escolar a ser aprendida
em sua periodização do que um agente de conhecimento sobre o mundo, os homens, as
paixões, enfim, sobre a vida íntima e a pública.
Dessa maneira, para a escritora Annie Rouxel et. al. (2013, p. 62), “a leitura não é
somente a ocasião de enriquecer o saber sobre o mundo; ela permite também aprofundar o
saber sobre si”. Pois cada um possui sua história de vida, seu repertório de leituras, uma
trajetória cultural e social, e se insere em determinada comunidade. O contato direto com o
texto literário, partindo do diálogo texto, leitor e autor pode levar o estudante a construir
autonomia e visão crítica, tendo a leitura como a maior aliada.
O processo de formação de leitor supracitado, que abarca leitor, texto e autor, é uma
afirmativa de que a literatura é necessária nas escolas por oportunizar aos estudantes inúmeros
conhecimentos, tornando-os leitores críticos. A partir do contato significativo com o texto, o
aluno consegue atribuir sentido ao que leu, começa a despertar interesse por outros textos e
leituras de maiores complexidades.
A diretriz atual do ensino de literatura, nas séries finais do ensino fundamental, aborda
uma orientação centrada no texto, considerando os gêneros textuais em uma perspectiva

1
In: ANDRUETTO, Maria Tereza. A leitura, outra revolução. Trad. Newton Cunha. São Paulo: Sesc, 2017, p.
35.
20

enunciativo-discursiva da linguagem, conforme a proposta do DC-GO Ampliado/2020


(Documento Curricular do Estado de Goiás):

O texto não pode ser concebido somente como uma unidade de estudo gramatical, é
necessário, primeiramente, que ele seja estudado, analisado e compreendido, em sua
totalidade e em suas partes, envolvendo os eixos da Língua Portuguesa, ou seja, as
práticas de linguagem de leitura, oralidade, análise linguística/semiótica e produção
de textos (GOIÁS. DC-GO, 2020, p. 562).

Ligado, portanto, a todo esse processo, segundo Andruetto (2017), os livros nos
colocam diante de nós mesmos e diante do mundo do qual fazemos parte e nos convidam a
trabalhar arduamente para tornar efetivas as possibilidades que teremos. Assim,

A literatura nos propõe inquietação, insatisfação, intempérie. Como sabemos, seu


território não é o geral, mas o particular. Nela, não está a palavra infalível nem a
palavra uniforme que suprime a indecisão e a dúvida; muito pelo contrário, em seu
mundo vivem a dúvida, as indecisões, as dificuldades de compreensão, que são
todas estratégias necessárias para pensarmos por nós mesmos, coisa sempre tão
difícil. Enfim, a literatura não nos leva à simplificação da vida, e sim à sua
complexidade, evitando o pensamento global, uniforme, para ir em busca da
construção de um pensamento próprio (ANDRUETTO, 2017, p. 79-80).

Na sala de aula, cabe ao professor ser o mediador, adotar estratégias e metodologias de


ensino que conduzam o aluno a perceber os sentidos que o texto literário pode proporcionar,
interagindo substancialmente com o texto.
Segundo Zilberman e Magalhães, (1987, p. 7), “a literatura se vê assolada pela crise de
ensino, somada agora a uma crise particular – a da leitura que extravasa o espaço da escola, na
medida em que se depara com a concorrência dos meios de comunicação de massa”. Isso,
continua ela, justifica “uma reflexão coletiva a respeito tanto do significado quanto da
finalidade do incentivo à leitura na escola, com o propósito de inventar as estratégias de que o
professor pode se valer se tem em vista estimular a frequência do aluno à obra literária”.
Nesse sentido, Todorov (2010, p. 11), reivindica:

Que o texto literário volte a ocupar o centro e não a periferia do processo


educacional (e, por conseguinte, da nossa formação como cidadãos), em especial nos
cursos de literatura. A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando
estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros
seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar
a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma;
porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a
cada um de nós a partir de dentro.
21

A literatura é o caminho das indagações, da liberdade e da construção subjetiva. Nesse


contexto de abstração, conforme Andruetto (2017, p. 29), “o direito à literatura não está
garantido para todos e, por isso, ganha maior relevância a concepção da leitura como bem
público, como um direito que deve ser de todos”. A autora não vê formação de leitores
distante da literatura:

Não creio em livros nem em literatura fora dos leitores; para que um livro não seja,
para uma criança ou para um adulto, um objeto inerte, mas um artefato que
interroga, interpela e se aprofunda em nossa condição de vida, essa criança ou esse
adulto deve se converter em leitor. Onde houver um leitor, houve antes outros
leitores, uma família, um professor, um bibliotecário, uma escola, outros que
estenderam pontes. Nossos esforços devem se voltar à construção e à qualidade
dessas pontes (ANDRUETTO, 2017, p. 29).

Consequentemente, o professor de literatura age junto ao jovem leitor, como mediador,


um agente capaz de contribuir para a construção dessas pontes em que o leitor permite que o
texto o afete em seu próprio ser, em seu íntimo, e o leve por novos caminhos do
conhecimento.
Mas, para que um jovem caminhe por essa ponte construída e se converta em leitor
crítico, inovador, perspicaz, capaz de ir além das páginas de um livro, ele precisa de ajuda. A
sala de aula pode, muitas vezes, ser o único espaço em que o aluno tem acesso à leitura
literária. Então, a leitura não deve ficar reduzida aos textos do livro didático, muitas vezes,
fragmentados.
Complementar a essa ideia da leitura literária na escola e sua contribuição na formação
do leitor jovem, Bartolomeu Campos Queirós (2012, p. 81) acrescenta uma outra preocupação
muito pertinente ao trabalho com a leitura literária nas escolas que “A escola é servil. Ela está
a serviço de determinadas causas e ideologias. A literatura (arte) não é servil. Ela só existe em
liberdade, e seu compromisso é para com a revelação. Para tanto persegue a beleza”.
A literatura na escola, hoje, precisa ter função emancipatória, criar leitores capazes de
traçar suas próprias trilhas e segui-las com criticidade. Ainda, de acordo com Queirós, é
preciso pensar na contribuição de criar leitores para, independentes, inteirarem-se da cultura
existente. Vai saber do mundo e do sentimento do homem diante dele.
Segundo Todorov (2010, p. 12), o texto literário tem grande contribuição na formação
do jovem leitor como sujeito em construção:

Para que o próprio leitor não morra como leitor, a arte poética e ficcional deve ser
apresentada em primeiro lugar em seu estranho poder imprevisto, encantador,
emocionante, de forma a criar raízes profundas o suficiente para que nenhum corte
analítico ou metodológico venha a podar sua presença criadora, para que nenhuma
22

de suas partes essenciais seja amputada antes que ela aprenda a se mover e nos
acompanhe pelos sentidos que damos à vida à medida que vivemos.

Assim, o escritor enfatiza que o texto literário tem o poder de mostrar ao leitor outros
mundos e outras vidas e, se a ficção ou a poesia não tiverem mais o poder de enriquecer a
vida e o pensamento, então, a literatura está em perigo. Sobre esse papel construtor e
humanizador da literatura, especificamente sobre a humanização, Candido (2004, p. 180) diz:

Entendo por humanização (já que tenho falado tanto nela) o processo que confirma
no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a
aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das
emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso de beleza, a
percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor.

Além disso, a leitura literária estimula o crescimento do ser humano em seu todo, pois,
além de desenvolver aspectos cognitivos, também impulsiona o imaginário, aprimora as
emoções, conscientiza sobre a diversidade histórica e cultural e abre possibilidades de
entendimento de valores tradicionais, subjacentes e novos da sociedade. Ela nos auxilia na
capacidade de ver e ler situações de modo mais compreensível. Uma visão que vai além do
visível, que consegue adentrar a subjetividade, perceber algo que não se mostra de imediato,
mas que é essencial.
Para essa mesma conjuntura, Jouve (2002, p. 119) enfatiza que ler é uma entrada
insólita em outra dimensão que, na maioria das vezes, enriquece a experiência: o leitor que,
num primeiro tempo, deixa a realidade para o universo fictício, num segundo tempo, volta ao
real nutrido da ficção. Entretanto, o leitor não é um indivíduo isolado na sociedade, é parte de
um conjunto que vive, constantemente, em relação com o outro. A experiência transmitida
pela leitura desenvolve um papel na evolução global da sociedade.
A obra literária é um objeto inacabado, pois sua construção depende daquilo que cada
leitor projeta de si próprio - é uma construção coletiva. Portanto, essa construção depende da
ponte (comparação feita por Andruetto), a fim de despertar no jovem o interesse pela leitura.
Nesse intento, o poeta usa as palavras no sentido de transportar o leitor de um lado a outro e
retornar ao anterior modificado. Jouve (2002, p. 127) acrescenta:

Existem sempre, portanto, duas dimensões na leitura: uma comum a todo leitor
porque determinada pelo texto; a outra, infinitamente variável, porque dependente
daquilo que cada um projeta de si próprio.
O leitor só pode extrair uma experiência de sua leitura confrontando sua visão de
mundo com que a obra implica. A recepção subjetiva do leitor é condicionada pelo
efeito objetivo do texto.
23

Nesse contexto, é possível afirmar que a leitura leva o leitor a integrar a visão do texto à
sua própria visão, isto é, o que acontece é uma atitude ativa entre texto, autor e leitor. O leitor,
através da leitura, estabelece uma compreensão significativa. Jouve (2002) conclui que existe,
de um lado, uma simples compreensão do texto e, de outro, o modo como cada leitor reage
pessoalmente a essa compreensão. A significação é o momento da retomada do sentido pelo
leitor, de sua efetuação na existência.
Nesse mesmo sentido, Cecília Meireles (2002) acrescenta que a literatura não é como
tantos supõem, um passatempo. É uma nutrição. Podemos dizer que nutre e abre caminhos
para um olhar profundo e significativo. Portanto, torna-se inegável e necessário que a leitura
literária ocupe o centro das aulas de Língua Portuguesa na educação básica e, em relevo, a
poesia. Carlos Drummond de Andrade, em A educação do ser poético, inicia com uma
interrogativa que pode ser entendida como uma provocação em relação à leitura poética:

Por que motivo as crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo, deixam de
sê-lo?
Será a poesia um estado de infância relacionada com a necessidade de jogo, a
ausência de conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos
de viver – estado de pureza da mente, em suma?
Acho que é um pouco de tudo isso, se ela encontra expressão cândida na meninice,
pode expandir-se pelo tempo afora, conciliada com a experiência, o senso crítico, a
consciência estética dos que compõem ou absorvem poesia (DRUMMOND, 1974,
s/p).

É uma indagação pertinente a do poeta: se, na meninice, a poesia aflora; no adulto, na


maioria dos casos, há a ausência da poesia. Terá a escola contribuído na supressão poética que
é possível evidenciar na formação do jovem estudante?
Adorno et. al., em conferência sobre lírica e sociedade, iniciam seu texto enfatizando
que uma poesia parte necessariamente de uma subjetividade: ela expressa algo fundamental
da experiência vivida por uma pessoa, seja um pensamento, uma imaginação ou uma ação.
Mas essa experiência deve conter algo de sua relação com a sociedade. Só entende o que diz o
poema aquele que divisa na solidão deste a voz da humanidade” (ADORNO et. al., 1975, p.
202).
Essa supressão entre meninice, poesia e vida adulta não deve ser permissiva na escola,
pelo contrário. Drummond, ainda em A educação do ser poético, segue afirmando que a
escola precisa reparar em seu ser poético (do aluno), atendê-lo em sua capacidade de viver
poeticamente o conhecimento e o mundo. Não dar ênfase somente aos conteúdos sistemáticos
de matemática, gramática, geografia e outras disciplinas, mas cultivar o núcleo poético da
pessoa humana.
24

Jouve (2002) também comunga dessa ideia e enfatiza a valoração da leitura literária na
escola, acrescentando que a leitura, ao levar o leitor a integrar a visão do texto à sua própria
visão, não pode ser encarada como uma atitude passiva. O leitor vai tirar de sua relação com o
texto não somente um “sentido”, mas também uma “significação” (JOUVE, 2002, p. 128).
Jouve continua refletindo que a simples compreensão do texto dialoga com o modo
como cada leitor reage a essa compreensão. A significação é o momento da retomada do
sentido pelo leitor, de sua efetuação na existência. Essa ideia, segundo Roland Barthes (1971),
é de um prolongamento concreto da leitura, quando ele evoca a transmigração do texto para a
vida do sujeito:

Às vezes, o prazer do Texto cumpre-se de forma mais profunda (e é nesse momento


que se pode dizer realmente que há Texto): quando o texto “literário” (o livro)
transmigra para nossa vida, quando uma outra escrita (a escrita do Outro) consegue
escrever fragmentos de nossa própria cotidianidade, enfim, quando se produz uma
coexistência (BARTHES, 1971, p. 128).

A implicação da leitura literária na vida do jovem leitor é mais real do que podemos
imaginar. Muitas vezes, pode levar à criticidade, à transformação do sujeito e até dar coragem
para enfrentar alguns paradigmas impostos pela sociedade.

1.2 A leitura literária e a construção da subjetividade

Mas a vida, a vida, a vida,


a vida só é possível
reinventada.

Cecília Meireles

Na contemporaneidade, com a urgência de trabalhar, em sala de aula, com novos


gêneros textuais que atendam à demanda de uma sociedade digital, como hipertexto, e-mails,
blogs, sites, homepages..., o trabalho com a leitura literária na escola passou a ser um
exercício de reinvenção, tomando de empréstimo o termo de Cecília Meireles (2002). E é
preciso também reinventar, com criatividade, entusiasmo e significação, a leitura literária na
escola; reinventar para contribuir para a construção da subjetividade do aluno como leitor.
Isso demanda uma mediação eficaz e persistente por parte da equipe escolar e, especialmente,
do professor.
Para Andruetto (2017, p. 16), “a literatura nos propõe uma das mais profundas imersões
em nós mesmos e na sociedade da qual somos parte”. É uma consciência dialogando com o
mundo. Então, para a autora, ler recebeu uma nova roupagem: “nunca mais li de outra
25

maneira, a não ser entendendo que as subjetividades de quem escreve e de quem lê são
sempre caixas de ressonância do social, e que toda palavra individual é um concerto de ecos e
de dissidências com a palavra social” (ibidem, p. 21). Assim, o mundo que o autor e o leitor
habitam não é restrito à rua onde moram, mas extravasam esse ambiente particular.
Intrínseco a esse ato de leitura, como aliada na contribuição da autonomia e da visão
crítica do jovem leitor, é primordial que o professor seja um leitor com vivência nesse tipo de
formação e a escola tenha espaço e disposição para efetivar a leitura literária com
receptividade. E isso demanda tempo para o aluno familiarizar com texto literário e
estabelecer um diálogo expressivo com o que o texto diz. Para Jouve (2012, p. 53), a leitura é
um retorno a si:

Toda leitura tem em si, como se sabe, uma parte constitutiva de subjetividade. Para
muitos, trata-se de uma realidade negativa a implicação pessoal do leitor no texto, a
qual contém em germe todos os desvios possíveis, indo do simples erro de leitura ao
contrassenso mais flagrante.

Ainda ressalta o autor que, com efeito, cada um projeta um pouco de si na sua leitura.
Por isso a relação com a obra não significa somente sair de si, mas também retornar a si. A
leitura de texto literário também é sempre leitura do sujeito por ele mesmo, constatação que,
longe de afastar o interesse pelo ensino literário, pode – e muito – aproximar dele o jovem
leitor. (JOUVE, 2012, p. 53)
Em concomitância com Jouve, Ricardo Azevedo (2004), em Formação de leitores e
razões para a literatura, realça que a leitura literária com significação e construção da
subjetividade pressupõe treino, capacitação e acumulação. É importante salientar que, para
formar o leitor da leitura literária, é imprescindível que se estabeleça um diálogo entre a
pessoa que lê e o texto. Outrossim, requer do leitor um esforço que se justifica pela
aproximação entre eles, estabelecendo uma ideia de comunhão baseada no prazer, na
identificação, no interesse e na liberdade de interpretação.
Em torno da triangulação leitor, texto e autor, segundo Rouxel et. al. (2013, p. 55),
“aquilo que a leitura faz ressurgir, por meio de uma palavra, de uma frase ou de uma
descrição, não vem do nada, mas do passado do leitor”. O leitor é, então, o cerne dessa
triangulação (a intertextualidade é feita por ele) e não o texto, pois, para a autora, ler é
realizar, sem preocupação com a cronologia, todas as conexões possíveis entre os textos. Para
Rouxel et. al., a reapropriação subjetiva do texto pode ser legítima ou acidental, mas o fato é
que sua importância na leitura é considerável. Ela explica por que a relação com a obra é,
sempre e ao mesmo tempo, exploração do sujeito por ele mesmo. Isso representa sair para o
26

texto e voltar para si, talvez, em uma reconstrução interna. Para tanto, o ato de ler requer
tempo, pausa, retorno para que o encontro texto e autor seja profundo e único. A autora
acrescenta que, quando a subjetividade é acidental, a experiência da volta a si é mais
impactante. O leitor é então levado a refletir sobre o que o conduziu a projetar no texto aquilo
que não estava lá.
A leitura literária é de grande importância na constituição do sujeito em formação,
corroborando a construção da identidade pessoal. Segundo Rouxel et. al. (2013, p. 91),
“nenhuma forma de identidade, nem mesmo a identidade pessoal, é concebida sem uma
relação com o outro e com o mundo”. Em comunhão com Rouxel et. al., Andruetto (2017)
ressalta sempre a importância da construção de pontes, o passar e o retornar para si. Que o
leitor faça pausa, levante a cabeça, reflita e retome a leitura, porque a leitura voraz deixa no ar
muitas interrogações. Então, na constituição do jovem leitor, é preponderante a presença do
mediador, quer na família, na escola, quer entre amigos.
Lídia Jorge, em seu texto Nascidos para ler (2007), também retoma a leitura literária
como contribuição na constituição da subjetividade do aluno leitor. Para ela, a leitura literária
está fortemente associada à construção da identidade.

Em que dia nos transformamos em leitores para sempre? Cada um de nós lembrará a
sua história. Recordará um colo, um abraço, um livro colocado na mão de alguém,
uma estante, um professor, uma certa noite, um certo dia. Aquele momento e aquela
hora em que se associou uma voz humana com a capacidade de multiplicar imagens
infinitas dentro da cabeça, e de permeio estavam folhas escritas. Alguém que depois
nos coloca diante duma estante e nos diz – Aqui tens, tantos seres humanos quanto
as lombadas, tantos filmes quantas as páginas. És um homem livre (JORGE, 2007).

Transformar-se em leitor, libertar-se de si mesmo, tornar-se um outro, desfazer muito


mais do que fazer para depois se encontrar. O que Rouxel et. al. (2013, p. 208) deslinda
assim: “a identidade do leitor é desconstruída e reconstruída a cada leitura e, no entanto, ela é,
da parte do leitor, objeto de uma busca infinita”.
Todorov (2010, p. 61) inteira que “a leitura, de fato, longe de ser uma recepção passiva,
apresenta-se como uma interação produtiva entre o texto e o leitor”. O que Bakthtin
denominou de dialogismo. Fiorin (2008), em seus estudos sobre Bakthin, ressalva que um
enunciado é justamente uma unidade da comunicação em relação dialógica com outros
enunciados, como réplicas dialógicas, e os limites entre enunciados não estão em sua
dimensão, mas na alternância entre os falantes. Um enunciado está pronto quando se abre a
uma resposta de outro enunciado e, por isso, ele não existe fora das relações dialógicas. “Nele
27

estão sempre presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele
refuta, confirma, completa, pressupõe e assim por diante” (FIORIN, 2008, p. 21).
Destarte Yunes (2002, p. 32) também afirma que:

Enquanto o leitor que alcançou a condição comunicante de uma escritura não


reconhecer no interlocutor um outro eu, isto é, não solidarizar-se com seu direito de
dizer, pensar e querer, mesmo diversos dos seus, as práticas de leitura não servirão
para mais que notas e ilustrações, sem efeito transformador da tendência à inercia no
social dominante. Ler é solidarizar-se pela reflexão, pelo diálogo com o outro a
quem altera e que o altera.

Cabe enfatizar, nesse contexto, a necessidade da presença do professor leitor como


mediador do processo de iniciação do jovem leitor, facilitando a construção da relação entre o
livro e o leitor, para que haja uma aproximação mais estreita entre ambos. Dentro desse
escopo, Andruetto (2017, p. 79) acrescenta que a literatura não nos oferece soluções, mas nos
sugere perguntas, porque problematizar o que nos foi naturalizado é uma das funções
fundamentais da arte; questionar o aceito, receber nossas sombras, os riscos da vida que
vivemos e da sociedade na qual transitamos. Para a autora, os livros nos põem diante de nós
mesmos e diante do mundo do qual fazemos parte e nos convidam a trabalhar arduamente
para tornar efetivas as possibilidades que nos são oferecidas.
Dessa forma, o professor precisa ser leitor, conhecedor de algumas obras, não deve se
limitar ao estímulo somente da leitura indicada. Deve proporcionar um leque de
possibilidades de leitura, abertura a demandas de textos e títulos sugeridos pelos alunos,
ofertar leituras posteriores mais complexas e que implicam uma aproximação maior entre o
texto e leitor.
Tereza Colomer (2003, p. 133) releva a importância da leitura literária para secundar a
subjetividade do aluno leitor:

O principal derivado deste enfoque educativo é que a literatura oferece uma maneira
articulada de reconstruir a realidade, de gozar dela esteticamente, de explorar os
pontos de vistas próprios através da apresentação de outras alternativas ou de
reconciliar-se com os conflitos através de uma experiência pessoal e subjetiva, o
papel do professor deveria ser, principalmente, o de questionar e enriquecer as
respostas, o de esclarecer a representação da realidade, que a obra pretendeu
construir, mais do que o de ensinar princípios ou categorias de análise.

Complementar às colocações de Colomer, Annie Rouxel et. al. (2013, p. 70) destaca
que “leitura das obras é, antes de tudo, uma leitura para si da qual o sujeito tira o que lhe é
necessário para formar seu pensamento e sua personalidade”. Aprofunda seus estudos acerca
do que a noção de identidade literária supõe, numa espécie de equivalência entre si e os
textos: textos de que eu gosto, que me representam, que, metaforicamente, falam de mim, que
28

me fizeram ser o que sou, que dizem aquilo que eu gostaria de dizer, que me revelaram a mim
mesmo.
Nesse sentido, a relação mútua entre escritor e leitor é necessária, pois dessa comunhão
surge a possibilidade da reapropriação parcial, que, segundo Jouve (2012), o leitor (aluno) faz
do texto, evidenciando o retorno a si provocado pela leitura. Pensamento similar ao de Sartre
(2015):

Portanto, em que medida a passagem ao conhecimento objetivo se faz por meio da


subjetividade, sendo a subjetividade simplesmente o nosso próprio ser, isto é, a
nossa obrigação de ter-de-ser nosso ser, e não apenas de sê-lo passivamente. O
verdadeiro problema está de fato em saber como, em um conhecimento objetivo do
real, nós nos superamos para ter, nós que existimos subjetivamente, uma relação
com a realidade. Conhecer-se é modificar-se e, sobretudo, passar de um estatuto para
outro (SARTRE, 2015, p. 64-65).

Nesse contexto, Andruetto (2017, p. 127) retoma a importância do mediador: “o


professor é uma ponte indispensável, pois um bom mestre transmite, além de conhecimentos
específicos, um modo de estar no mundo, uma concepção de vida, e pode deixar uma marca
profunda, pode deixar o seu sinal: ensinar, em seu sentido mais essencial”.
E Annie Rouxel et. al. (2013, p. 207) ainda enfatiza que a identidade do leitor é
desconstruída e reconstruída a cada leitura e, no entanto, ela é, da parte do leitor, objeto de
uma busca infinita.

1.3 A poesia na escola: função e processo humanizador

Aprender a ler e ser leitor são práticas sociais que


medeiam e transformam as relações humanas.

Rildo Cosson

A poesia interliga as emoções do leitor consigo mesmo, revela um universo


desconhecido de sentimentos, concebe nova percepção sobre as experiências -
particularidades que se tornam um desafio instigante para o professor trabalhar com poesia em
sala de aula. Para Octavio Paz (1982, p. 138), “a poesia é metamorfose, mudança, operação
alquímica, e por isso confina com a magia, a religião e outras tentativas para transformar o
homem e fazer ‘deste’ ou ‘daquele’ esse ‘outro’ que é ele mesmo”. E continua, emitindo que
poesia coloca o homem fora de si e, simultaneamente, o faz regressar ao ser original: volta-o
para si. O homem é sua imagem: ele mesmo e aquele outro. Através da frase que é ritmo, que
29

é imagem, o homem – esse perpétuo chegar a ser – é. A poesia é entrar no ser. Dessa forma,
Candido (2004, p. 175) reitera que:

Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de


acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas,
a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles.
Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso
de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como
equipamento intelectual e afetivo.

A essência da poesia requer um certo modo de ver as coisas, captar algo que não se
mostra de imediato, que está implícito, mas que carrega a essência do texto. No entanto, o
trabalho com poesia em sala de aula requer que o professor esteja aberto para acolher a leitura
do aluno, retornar ao texto como mediador para o que o texto infere, se colocar em um
caminho inusitado e plural, já que um poema é carregado de significações, o que pode ser um
estranhamento para o aluno. Afinal, o texto poético, por condensado que é, em termos de
linguagem, acaba por concentrar mais os sentidos e desafiar mais o leitor. Conforme
Andruetto (2017, p. 53), “a poesia é algo que excede a escrita”.
Assim sendo, é um olhar mais penetrante que o poema requer, desvendando a magia
da palavra poética, dependendo do olhar do leitor. A valorização da poesia em sala de aula
coincide com um modo de ver o mundo, a autodescoberta do eu em relação ao outro. Também
desenvolve a capacidade de ler e de suscitar o gosto pela leitura de poemas.
Mário Quintana, em Os poemas, compartilha da ideia de Andruetto no sentido de o
poema ir além da escrita:

Os poemas são pássaros que chegam


não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti... (QUINTANA, 2013, p. 19).

Nos últimos versos, Quintana parece dialogar com Paz (1982), que afirma que “a
linguagem do poema está nele e só nele se revela. A revelação poética pressupõe uma busca
interior”.
Averbuck (1985, p. 64), em A Poesia e a escola, destaca que “a poesia entra na escola
marginalmente e os contatos que as crianças estabelecem com os textos poéticos são tão
30

raros...” Isso, sem dúvida, distancia o aluno do texto poético e reforça o predomínio dos
gêneros narrativos como os mais trabalhados em sala de aula. Outro aspecto salutar é que a
leitura do texto poético em sala de aula se depara com uma aparente ausência de gosto de
alguns alunos pela poesia estabelecendo, às vezes, uma dificuldade de o mediador intervir
junto ao aluno para que ele consiga chegar ao texto. Isso se justifica na pouca afinidade com o
gênero da parte do aluno; ou na formação acadêmica do mediador, para quem não houve
disponibilidade de acesso às obras poéticas e faltou o incentivo da escola no trabalho com a
poesia. Dessa forma, a prosa triunfa, despertando o interesse da maioria dos alunos. O aluno
parece ligar a prosa diretamente à contação de história, que é mais recorrente em grande parte
das práticas culturais de quaisquer grupos sociais. Talvez esteja aí a afinidade. Tudo isso
distancia o aluno do texto poético. Hoje, podemos dizer que o trabalho com poemas em sala
de aula vem com uma nova perspectiva, que Andruetto (2017, p. 92) define como olhar o
mundo com olhos alheios, tentar entrar em outras condições de vida para compreender um
pouco mais a condição humana.
Ressalte-se que a poesia sempre esteve atrelada ao homem, desde o seu nascimento por
meio de canções, mitos ou outras expressões poéticas. Paz (1982, p. 83), nesse sentido,
evidencia:
A prosa é um gênero tardio, filho da desconfiança do pensamento ante as tendências
naturais do idioma. A poesia pertence a todas as épocas: é a forma natural de
expressão dos homens. Não há povos sem poesia, mas existem os que não têm
prosa. Portanto, pode-se dizer que a prosa não é uma forma de expressão inerente à
sociedade, ao passo que é inconcebível a existência de uma sociedade sem canções,
mitos ou outras expressões poéticas.

O escritor Hélder Pinheiro (2012, p. 91), no tecido do texto Diga um verso bem bonito,
complementa Paz, reforçando o elo poesia e história de vida de cada um:

Despertar nas crianças vivências com a poesia oral constitui uma atividade/atitude
da maior importância no sentido de formar leitores de poesia. É necessário, portanto,
refletir sobre o lugar da poesia em nossa vida. Embora a maioria das pessoas não se
torne leitor de poesia, praticamente todos são capazes de lembrar com emoção o
encantamento lírico de certas brincadeiras de infância. Parlendas, trocadilhos,
cantigas de ninar, brincadeiras de roda, brincadeiras com palavras buscando rimas
são partes deste rico arsenal que se modifica de região para região.

Dessa forma, Paz (1982) continua enfatizando como é estreita a ponte entre o leitor e o
poema, dizendo que o poema nos faz recordar o que esquecemos: o que somos realmente.
Depois acrescenta que a linguagem indica, representa e que o poema não explica nem
representa: apresenta. Não alude à realidade; pretende – e, às vezes, consegue – recriá-la.
Portanto, a poesia é um penetrar, um estar ou ser na realidade.
31

Além das reservas existentes em despertar o jovem leitor para a leitura de poemas, nas
escolas de ensino básico deparamos, muitas vezes, com o pouco acervo de obras com poemas
destinados ao público juvenil. As existentes muitas vezes estão distantes do mundo do
adolescente. Também, afirma Cosson (2019, p. 23), que a função essencial da literatura é de
construir e reconstruir a palavra que nos humaniza. Contudo, o poema precisa fazer parte do
cotidiano escolar.
A eficácia do trabalho com poesia em sala de aula passa, primeiramente, em o professor
ter claras as funções sociais da poesia, para que possa despertar o senso poético nos alunos.
Também, é indispensável que o professor seja realmente um leitor, que tenha uma experiência
significativa de leitura. Nesse sentido, o escritor Hélder Pinheiro, em Condições
(indispensáveis) para o trabalho com a poesia, menciona que:

Um professor que não é capaz de se emocionar com uma imagem, com uma
descrição, com o ritmo de um determinado poema, dificilmente revelará na prática,
que a poesia vale a pena, que as experiências simbólicas condensadas naquelas
palavras são essenciais em sua vida. Creio que sem um mínimo de entusiasmo,
dificilmente poderemos sensibilizar nossos alunos para a riqueza semântica da
poesia (PINHEIRO, 2007, p. 26).

A leitura de poesia na sala de aula envolve sentimentos, conteúdo, história de vida e


atividades que proporcionem ao aluno interesse por um texto poético que fale dele próprio;
que desperte a curiosidade; no plano pedagógico, que acrescente o seu conhecimento sobre o
mundo e também um olhar sobre si mesmo. É sair e retornar ao ponto de partida, um tripé
perpassando o estado interior, exterior e interior. O que, para Rolando Barthes (2012, p. 26),
“é ser essa leitura, ao mesmo tempo irrespeitosa, pois que corta o texto, e apaixonada, pois
que a ele volta e dele se nutre”. E, para Antonio Candido (2004, p. 179): “as produções
literárias, de todos os tipos e todos os níveis, satisfazem necessidades básicas do ser humano,
sobretudo através dessa incorporação, que enriquece a nossa percepção e a nossa visão do
mundo”. Nessa perspectiva, o trabalho com o texto poético em sala de aula tem eficácia
insubstituível.
Alargando a visão sobre a importância da leitura literária, em destaque a poética, nas
salas dos anos finais do ensino fundamental, é interessante ressaltar a riqueza progressiva em
relação à leitura de poemas, o que, para Cosson (2019, p. 35), significa que “crescemos como
leitores quando somos desafiados por leituras progressivamente mais complexas”. O que não
podemos deixar de enfocar é que, desse encontro com o texto mais elaborado, pode derivar
uma leitura significativa que é uma forma de prazer.
32

Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque
possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa, mas, sim, e sobretudo,
porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura, os instrumentos necessários para
conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem, como relata Cosson, (2019, p.
30). Acreditamos que devemos levar aos nossos alunos textos novos, no sentido de atuais e no
sentido de novidade (desconhecidos, podendo ser de outra época), que poderão integrar seu
universo de leitura. Contudo, esse alargamento de visão do que está sendo vivido pelo aluno
pode proporcionar uma descoberta de outras possibilidades de vivência afetiva.
Acurada a importância da leitura poética na sala de aula, se fazem necessários alguns
apontamentos agregando a função e o processo humanizador da poesia. Sobre isso, primeiro,
temos dois pontos centrais para reflexão: a função social e o caráter humanizador, que é
preciso estar atento a possíveis interferências ideológicas e particulares que o poeta quer
impelir à sua obra. Segundo Hélder Pinheiro (2007, p. 23), “a função social da poesia, é bom
lembrar, não é mensurável dentre modelos esquemáticos. Trata-se de uma experiência íntima
que muitas vezes captamos pelo brilho do olhar de nosso aluno na hora de uma leitura, pelo
sorriso, pela conversa de corredor”.
É preciso atentar para o fato de a leitura do texto poético ter peculiaridades, requerendo
uma leitura mais minuciosa e cuidadosa. Antonio Candido (2004, p. 173) alerta para o fato de
“que cada época e cada cultura fixam os critérios de incompressibilidade, que estão ligados à
visão da sociedade em classes, pois, inclusive a educação pode ser instrumento para
convencer as pessoas de que o que é indispensável para uma camada social não o é para
outra”. Voltamos ao início das colocações, que, sutilmente, mencionam não usar a poesia, a
literatura como meio instrutivo de interesse particular, isto é, o texto poético não deve servir
de pretexto moralizante. Vale ressaltar sempre a importância de o mediador enfatizar o valor
estético do poema e a sua capacidade de contribuir com o crescimento humano do leitor,
principalmente do jovem em formação.
Além disso, Antonio Candido (2004, p. 176-177) aprofunda a função da literatura:

A função da literatura está ligada à complexidade da sua natureza, que explica


inclusive o papel contraditório mas humanizador (talvez humanizador porque
contraditório). Analisando-a, podemos distinguir pelo menos três faces: (1) ela é
uma construção de objetos autônomos com estrutura e significado; (2) ela é uma
forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e
dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação
difusa e inconsciente.
Em geral pensamos que a literatura atua sobre nós devido ao terceiro aspecto, isto é,
porque transmite uma espécie de conhecimento, que resulta em aprendizado, como
se ela fosse um tipo de instrução. Mas não é assim. O efeito das produções literárias
é devido à atuação simultânea dos três aspectos, embora costumemos pensar menos
33

no primeiro, que corresponde à maneira pela qual a mensagem é construída; mas


esta maneira é o aspecto, senão mais importante, com certeza crucial, porque é o que
decide se uma comunicação é literária ou não.

Diante das três faces supracitadas, o autor menciona que a produção literária tira as
palavras do nada e as dispõe como um todo articulado. Este é o primeiro nível humanizador,
ao contrário do que geralmente se pensa. A organização da palavra comunica-se ao nosso
espírito e o leva, primeiro, a se organizar; em seguida, a organizar o mundo. Isso ocorre desde
as formas mais simples, como a quadrinha, o provérbio, a história de bichos, que sintetizam a
experiência e a reduzem a sugestão, norma, conselho ou simples espetáculo mental
(CANDIDO, 2004, p. 177). Esse “todo articulado” é o que ocorre, por exemplo, no poema
Minha cidade, de Cora Coralina - que faz parte do corpus selecionado para essa pesquisa -,
em que a presença da anáfora, da repetição, dos assíndetos e polissíndetos vão se organizando
de um modo que o leitor vai percebendo a identificação/fusão do sujeito lírico com a cidade
natal da poeta.
Ainda pensando na função social e humanizadora da poesia, Osakabe acrescenta que:

A poesia produz no leitor, como qualquer obra de arte, uma percepção nova sobre
determinada experiência, ou constitui ela própria uma experiência sempre renovada
como se guardasse sempre o frescor de sua criação. Ora, é essa particularidade que a
coloca como um desafio para o leitor, como se fossem inesgotáveis suas
possibilidades significativas (OSAKABE, 2008, p. 49).

Quando o leitor está realizando uma leitura literária com significação, há um amálgama
da mensagem com a organização textual. Se ocorre uma ação de identificação do leitor com o
texto, isso foi a ordenação do autor que a produziu. Essa riqueza expressiva, de acordo com
Candido, é uma ação da forma sobre o conteúdo:

Em palavras usuais: o conteúdo só atua por causa da forma, e a forma traz em si,
virtualmente, uma capacidade de humanizar devido à coerência mental que se
pressupõe e que sugere. O caos originário, isto é, o material bruto a partir do qual o
produtor escolheu uma forma, se torna ordem; por isso, o meu caos interior também
se ordena e a mensagem pode atuar. Toda obra literária pressupõe esta superação do
caos, determinada por um arranjo especial das palavras e fazendo uma proposta de
sentido (CANDIDO, 2004, p. 178).

Podemos perceber essa construção de forma e conteúdo em um dos poemas de Cora


Coralina, O poeta e a poesia, que compõe a obra Vintém de cobre – Meias confissões de
Aninha, de 1983. Temos aqui as primeiras estrofes:

Não é o poeta que cria a poesia.


E sim, a poesia que condiciona o poeta.
34

Poeta é a sensibilidade acima do vulgar.


Poeta é o operário, o artífice da palavra.
E com ela compõe a ourivesaria de um verso.

Poeta, não somente o que escreve.


É aquele que sente a poesia,
se extasia sensível ao achado
de uma rima, à autenticidade de um verso.

Poeta é ser ambicioso, insatisfeito,


procurando no jogo das palavras,
no imprevisto texto, atingir a perfeição inalcançável.
(CORALINA, 1983).
Criaram uma ordem definida que serve de padrão para todos e, desse modo, a todos
humaniza, isto é, permite que os sentimentos passem do estado de mera emoção para o da
forma construída, que assegura a generalidade e a permanência (CANDIDO, 2004, p. 179).
O trabalho com o texto poético em sala de aula, para que contribua com a construção
humana do aluno, tem como primeira condição imprescindível que o professor seja realmente
um leitor, que, nos primeiros momentos, a leitura do poema seja feita por ele, dado que ele
tem a familiaridade e a experiência significativas que a leitura requer. Assim, o jovem leitor
sente toda a carga emotiva do texto e esse é o começo da construção de pontes que
contribuem para a constituição humana através do texto poético.
Nesse contexto, reforça Candido acerca do aspecto humanizador da literatura.

Entendo aqui por humanização (já que tenho falado tanto nela) o processo de
confirmar no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da
reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento
das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a
percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura
desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais
compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (CANDIDO,
2004, p. 180).

Por isso, é imprescindível efetivar, nas salas de aulas, a leitura literária, principalmente
a da poesia, que pode ser uma poderosa contribuição para a formação humana do leitor
iniciante. A poesia desperta o senso poético do aluno: não qualquer poesia e de qualquer
modo, mas buscando a sensibilidade dos alunos; em contrapartida, a escola perde muito ao
repelir a poesia de seu cotidiano. Cora Coralina escreveu no poema Ressalva (2014, p. 27):
“Este livro:/ Versos...Não./ Poesia...Não./ Um modo diferente de contar velhas estórias”.

1.4 A Poesia e o jovem aluno: ler para melhor perguntar e melhor se entender
35

A leitura é um instrumento de intervenção sobre o


mundo que nos permite pensar, tomar distância,
refletir; a leitura também é uma possibilidade
esplêndida para dar lugar a perguntas, à
discussão, ao intercâmbio de percepção e à
construção de um juízo próprio.

Maria Tereza Andruetto

A literatura se apropria do patrimônio comum que é a linguagem e esse patrimônio


regressa, em algum momento, para nos pedir que voltemos a cabeça para os outros, olhemos e
escutemos com atenção, com imprudência, com desobediência, não para dar respostas, mas
para gerar perguntas (ANDRUETTO, 2017). Assim, a autora evidencia que a leitura tem um
importante papel na construção subjetiva do jovem aluno, que, no período da adolescência e
juventude, acentua a busca do autoconhecimento e das inquietações sobre o cotidiano e sobre
si próprio.
Nesse contexto, a autora Marlèn Lebrun (2013, p. 8), em Um leitor singular fazendo
parte integrante de uma comunidade de leitores em formação, diz que a leitura é uma
aventura textual da qual não se conhece o final, da qual se pode sair transformado ou não. O
leitor singular entra no texto com sua representação do mundo e do outro, e a confronta com
as representações do mundo e do outro trazidas pelo texto. Continua Lebrun, explicitando o
processo de construção do leitor através da leitura que procura um instrumento de construção
de si. Para tal, ela recorre a Michel de Certeau, que diz:

O leitor singular se descobre: a descoberta do mundo e do outro lhe permite


definitivamente ir ao encontro de si. É graças a tudo isso que a leitura se torna
interessante para o adolescente, que procura um instrumento de construção de si e
não uma ocasião de afirmação social. Mas, se ler é também ligar, o leitor tem
necessidade de uma comunidade que favoreça as trocas sobre as leituras comuns e as
que virão (CERTEAU apud LEBRUN, 2013, p. 138).

Dessa forma, a leitura literária, principalmente a do poema, é essencial à vida. É uma


forma de despertar emoções, sentimentos que, muitas vezes, estão quiescentes. Segundo Paz
(1982, p. 234), o “poema é uma obra sempre inacabada, sempre disposta a ser completada e
vivida por um novo leitor”. Assim, a poesia tem grande importância como contribuição
formadora do leitor, proporciona uma leitura crítica e reflexiva, retrata o ser humano
envolvido por conflitos existenciais em meio às transformações e os problemas do cotidiano.
É nessa relação subjetiva que o leitor se constitui, e o cotidiano do jovem pode se modificar
depois de algum contato com a poesia, porque ela dirige sempre o leitor à busca de si. Ligado
a todos esses processos, também Michéle Petit acrescenta que “a leitura tem o poder de
36

despertar em nós regiões que estavam até então adormecidas” (PETIT, 2013, p. 7). Para
Andruetto (2017, p. 9), “a literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro
aos lugares comuns, ser o contrário do que dela se espera e, ainda, ‘não dar respostas, mas
gerar perguntas’”. As indagações são ricas e geram incômodos no leitor, o que leva à busca
constante por respostas que são contribuições ímpares para o crescimento do leitor jovem em
formação.
Nesse sentido, pensando na poesia e no jovem aluno leitor, que Andruetto assevera:
“quem escreve compreende (e cedo ou tarde compreenderá seu leitor) que o que parecem
verdades incontestáveis são construções sociais, vantajosas para uns e prejudiciais para
outros, e que essas construções podem ser postas em discussão” (ANDRUETTO, 2017, p.
137). À medida que vai descobrindo o texto, o aluno vai construindo, lentamente, condições
para que se comece um diálogo entre texto e autor. É o início da construção que,
posteriormente, retorna a si própria como leitura subjetiva. A leitura de poemas em voz alta,
nesse caso, torna-se muito pertinente, eleva a expressividade e proporciona a descoberta do
texto de forma mais significativa.
O aluno, no primeiro contato com o texto poético, faz uma leitura contemplativa e
despreocupada. Muitas vezes, sente vontade de reler, como se quisesse ter certeza de sua
leitura e, quando o leitor é sensibilizado pelas impressões e emoções trazidas do texto, temos
um processo de leitura e prazer. Isso ficou evidenciado durante a pesquisa, quando o
momento era voltado para a vocalização dos poemas de Cora Coralina.
Nessa trilha, Octavio Paz (1982, p. 231) agrega à leitura de poemas: “não é tanto aquilo
que o poeta diz, mas o que vai implícito em seu dizer, sua dualidade íntima e irredutível, que
outorga às suas palavras um gosto de libertação”. E vai além: acerca da poesia, diz que cada
leitor procura algo no poema. E não é insólito que o encontre, porque já o trazia dentro de si.
A escritora goiana Leodegária de Jesus, em seu poema Ao meu livro predileto,
evidencia a estreita relação entre texto, autor e leitor e a leitura como contribuição subjetiva
na formação do sujeito leitor.
Ao meu livro predileto

Tu, caro livro, que hoje sobre a mesa


Em que trabalho, guardo com cuidado,
Como um tesouro – livro idolatrado,
Dás-me conforto à íntima tristeza.

Não porque em ti, encontre essa beleza


De um fulgurante estilo aprimorado;
És como qualquer livro encadernado
E a qualquer outro igual em singeleza.
37

Se após a luta, à noite te procuro,


Como quem busca um bálsamo seguro,
Se em ti feliz o meu olhar descansa...

É que julgo todo o carinho


Daquele belo coração de arminho
Que te legou a mim, como lembrança.

(DE JESUS, 2014).

A relação estabelecida entre a poesia e o leitor, a ação transformadora através da


literatura e leitura para a descoberta ou para construção de si se destacaram devido às
mudanças ocorridas na sociedade. Cabe ressaltar que, no passado, cada um construía sua
própria identidade, como destaca Michéle Petit:
Nas sociedades tradicionais, para dizer em poucas palavras, os jovens reproduziam,
na maior parte do tempo, a vida de seus pais. As mudanças demográficas, a
urbanização, a expansão do trabalho assalariado, a emancipação das mulheres, a
reestruturação das famílias, a globalização da economia, as evoluções tecnológicas
etc., evidentemente desordenaram tudo isso. Perderam-se muitas referências que, até
então, davam sentido à vida. Acredito que uma grande parte dessa preocupação
venha da impressão da perda de controle, do medo diante do desconhecido. A
juventude simboliza este mundo novo que não controlamos e cujos contornos não
conhecemos bem (PETIT, 2013, p. 16).

Sobre estes tempos novos, com novo jeito de viver, tempos de inquietudes, de
indagações – em todos os setores houve mudanças, porque a sociedade vive com outros
valores: a comunicação, o comércio, as informações chegam, em um curto espaço de tempo, a
todos os lugares, Petit aprofunda dizendo que:

A aceleração das mudanças na época contemporânea fez com que se transformassem


ou desaparecessem todos os moldes nos quais a vida se desenrolava. Muitas pessoas
tiveram suas raízes cortadas sem terem podido adquirir outra cultura. Os modelos
familiares são frequentemente debilitados, às vezes, desestruturados. E o sentido da
vida não decorre mais, em nossa era de fim das ideologias, de um sistema total que
dirá a última palavra, a razão de ser de nossa presença sobre a terra (PETIT, 2013, p.
12).

O ensino da literatura não pode ficar enraizado no tempo. Os jovens de hoje têm outras
perspectivas, angústias, conflitos, sonhos, perguntas e a leitura literária pode acrescentar
muito nesse sentido. São jovens com muita informação obtida através das mídias, que estão
sempre conectados em algum aparelho eletrônico, que é também uma possibilidade de leitura
virtual.
Nesse ambiente, a literatura pode contribuir muito com a formação dos jovens, porque
possui um discurso carregado de situações, emoções, vivência íntima e profunda, que desperta
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no leitor a vontade de prolongar essas vivências e renová-las, constituindo a junção homem e


mundo.
Por isso, a leitura de poemas na escola precisa ocupar lugar de destaque e está aí um
desafio ao professor mediador, já que esse jovem se apropria de leituras virtuais de interesse
imediato. É necessário despertar o aluno para o livro – a leitura literária – mesmo como um
caminho paralelo às diversas leituras feitas por ele. Petit (2013) ressalta quão importante é o
livro na formação do jovem aluno:

Na adolescência ou na juventude – e durante toda a vida – os livros também são os


companheiros que consolam e às vezes neles encontramos palavras que nos
permitem expressar o que temos de mais secreto, de mais íntimo. Pois a dificuldade
para encontrar um lugar neste mundo não é somente econômica, mas também
afetiva, social, sexual e existencial (PETIT, 2013, p. 74).

É oportuno, nesse momento, apresentar os textos Em busca de encontrar seu lugar, de


A. L. P. S. e Eu mesma, de B. L. N. S., exercício de criação poética dos jovens leitores
participantes dessa pesquisa, em intertextualidade com poemas de Cora Coralina, que
expressam muito da subjetividade das autoras e parecem verdadeiro grito de socorro
existencial e de busca da identidade. Para além de todo o aspecto humanizador, já aqui
referido, fica evidente que a leitura e a escrita têm também esta função: libertar. Como diz
Bartolomeu Campos Queirós (2012, p. 73), a literatura abre porta, mas a paisagem está
aninhada no coração do leitor. “A imaginação é privilégio de todos os indivíduos. Insisto em
construir um texto capaz de possibilitar aos jovens a conquista de maiores alturas. Quero um
texto que tenha ressonância, capaz de provocar ecos, ir além da linha do horizonte”. Em
alguma medida, a leitura da poesia de Cora Coralina, proposta nessa pesquisa, provocou ecos
nos participantes como comprovam as produções a seguir expostas:
Figura 1 – Criação poética de participantes da
pesquisa
Em busca de encontrar seu lugar

Vive dentro de mim


Uma alma feliz
Com seus desejos
E com sua longa história.

Vive dentro de mim


Uma alma com medo
Com seus olhos cheios de lágrimas
Com seus piores pesadelos.

Vive dentro de mim


Uma alma sem direção
Sem identidade de gênero
39

Com seus sonhos e com seus pesadelos.

E se juntar tudo dentro de um corpo


Temos uma pessoa
Que está tentando encontrar seu lugar
A. L. P. S.
Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

A necessidade de transcrever a produção no original advém do fato de ser a primeira


produção da aluna, que se identificou muito com o trabalho literário e cujo texto a retrata de
maneira profunda. É uma estudante introspectiva, que se esconde em seu mundo interior, e
com grande capacidade de produção escrita. É possível vê-la na imagem traçada no poema.
Para Bachelard (1978, p. 243), “toda grande imagem é reveladora de um estado de alma”.
Nesse escopo, é importante ressaltar que cada leitor recebe o mesmo texto de maneira
diferente, como afirma Jouve (2002, p. 61): “a leitura, de fato, longe de ser uma recepção
passiva, apresenta-se como uma interação produtiva entre o texto e o leitor”.
Em Eu mesma, a voz lírica da aluna é corajosa, grita contra essa sociedade
preconceituosa:
Eu mesma

Vive dentro de mim uma pequena criança,


daquelas que não gostam de rosa, porque é "diferente" das outras
- Dane-se o patriarcado!
Que não sonham com príncipe,
Muito menos com filhos...
Daquelas que "ninguém a entende"
e que está sempre brava por isso.

Vive dentro de mim a "adolescente rebelde"


Que está sempre a reclamar de tudo.
A "egoísta", "chata", "nojenta"....
Vê tudo de forma pessimista.
E não sossega nunca!
Vive dentro de mim a pequena artesã empreendedora,
Massa de E.V.A.
Biscuit caseiro.
Corantes e tintas.
Mesinha "bagunçada",
Mas uma bagunça até que bonita...
Com cheirinho, gostinho de "eu amo fazer isto"
Produtos bem feitos...
Cheio de amor e carinho!
Tão lindinhos aos meus olhos.
Mãe de todos eles.

Vive dentro de mim quem eu realmente sou,


escondida dentro de uma crosta.
Fingindo ser quem não é,
40

por agrado público.

Vive dentro de mim a menina sem frescura,


Que não liga se o trabalho é "masculino".
E não quer ajuda.
Apenas quer fazê-lo e se sentir suficiente.
Menina que comemora sozinha cada vitória
E que se entristece a cada derrota.
Sempre sozinha,
Pois estão sempre exigindo cada vez mais dela.
Sem ver tudo o que passa...
Cada lágrima.
Gritos e surtos internos.
E não pede ajuda,
pois não quer ser mais um fardo.

Vive dentro de mim eu mesma


passando por uma de suas piores fases.
B. L. N. S.

Encontrar um lugar neste mundo é importante para todos, principalmente para o jovem,
e o diálogo com a poesia traz, muitas vezes, as dificuldades e os anseios vividos pelos jovens
implícitos em seus versos. É preciso que o jovem compreenda que a constituição do texto
poético condensa o imaginário com a realidade, numa fusão que leva os leitores a serem
observadores de si mesmos. O aluno perceberá que o poema vai além do texto, que significa,
entre outras coisas, novas relações, que é salutar deixar que a poesia invada os seus recônditos
mais íntimos, para poder compreender melhor o mundo que o cerca. A literatura é uma arte
que pode ser vista como atividade humana que transforma o mundo, desperta um novo jeito
de olhar as peculiaridades da relação do homem com o mundo assim como os modos de ser
do homem no mundo - a poesia traz implícita essa capacidade de despertar algo adormecido,
conforme Andruetto:
Quanto a mim, gostaria de chegar ao coração de quem me lê, levá-lo a sentir e a
pensar, porque, contra o puro entretenimento e o adormecimento da consciência, a
literatura nos propõe uma das mais profundas imersões em nós mesmos e na
sociedade da qual somos parte. A escrita se dirige à sociedade da qual viemos
porque se constrói com um bem social e se alimenta dos relatos que essa sociedade
gera (ANDRUETTO, 2017, p. 16).

A poesia é um jeito peculiar de viver o mundo. O poema, além de proporcionar ao leitor


maior capacidade de leitura, de perguntar e melhor se entender, é uma comunicação, por meio
dos sentidos, com os acontecimentos que nos circundam. Nessa época de constante
transformação, de tanta fragmentação e imediatismos a toda prova, viver o estado poético é
um meio de resistência, é uma luta ininterrupta contra a sociedade em que a subjetividade está
em processo de mecanização e coisificação, que destrói a essência do ser humano. Zilberman
41

(1988) ressalta que é exatamente como espaço de resistência, como libertação de


dogmatismos, que a presença dos textos literários pode ser fecunda numa prática escolar que
não se queira autoritária. Para isso, continua, torna-se fundamental que o professor não dilua a
ambiguidade e a abertura do texto na obrigatoriedade de certas atitudes a serem manifestadas
a propósito dele, o texto.
A poesia como gênero torna plausível ao aluno encontrar consigo mesmo e com o outro.
Os professores precisam se conscientizar de que trabalhar com o gênero poema é uma
possibilidade de desenvolver a sensibilidade poética no jovem aluno. Andruetto (2017, p. 86)
acrescenta que o leitor é como um detetive que fareja entre as frases, nos interstícios entre
uma palavra e outra, retirando camadas e camadas, em busca de um certo grau de revelação,
para que apareça o que está ali, mas escondido, reconstruindo o edifício que é a obra. E,
segundo Paz (1982, p. 47), a “linguagem que sustenta o poema possui duas características: é
viva e comum. Isto é, usada por um grupo de homens para comunicar e perpetuar suas
experiências, paixões, esperanças e crenças”.
Entretanto, para o professor desenvolver um trabalho construtivo com o gênero poema é
preciso acreditar que a poesia é essencial à vida. E que, como diz Antonio Candido,

A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob
pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à
visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza
(CANDIDO, 2004, p. 186).

Se o acesso a ela é uma necessidade universal, só isso já fundamenta um motivo de se


trabalhar com poemas em sala de aula com os jovens leitores. Se depois o jovem aluno irá se
tornar um leitor de poesia não podemos determinar, mas, como educadores, temos o dever de
levá-lo a ter contato com textos poéticos. A poesia consegue amainar os anseios e as dúvidas
do jovem leitor, tão intensa nessa fase da vida. Nesse sentido, Osakabe (2008, p. 44) enfatiza
que “a arte é a única das produções humanas capaz de aproximar o homem dele mesmo”. Essa
aproximação de si próprio já fermenta a necessidade de trabalhar a poesia com os
adolescentes na escola.
42

2 CORA CORALINA: POESIA, CIDADE, BECOS E ESTÓRIAS MAIS

2.1 Cora Coralina: considerações sobre a autora e sua obra

Vive dentro de mim


uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.

CORA CORALINA

Ler é um ato operatório. Por meio da leitura toda a nossa intimidade, mesmo a mais
secreta, vem à tona – em liberdade – para desvendar o que as palavras nos reservam. Pela
leitura, nossa liberdade mais profunda é buscada para participar dessa prosa. Diante do texto
literário, nos revelamos e nos abrimos para paisagens até então insuspeitadas. É assim que o
escritor Bartolomeu Campos de Queirós descreve a leitura em O ato de ler (2012, p. 86). A
leitura também fez parte da vida da poeta Cora Coralina: como leitora, foi prosadora como
muitos escritores; como escritora, cantou sua cidade em sua poesia - como podemos ver em
seu poema Minha cidade (2014, p. 34): “Goiás, minha cidade.../Eu sou aquela amorosa/De
tuas ruas estreitas,/curtas,/indecisas /entrando,/saindo/uma das outras./Eu sou aquela menina
feia da ponte da Lapa./Eu sou Aninha”. A cidade como símbolo exerce uma espécie de
magnetismo não só na poesia goiana, comumente, mas também na literatura brasileira.
Com esse jeito peculiar de contar estórias, como escreveu em Poemas dos becos de
Goiás (2014, p. 27) - “Este livro:/Versos...Não./Poesia...Não./Um modo diferente de contar
velhas estórias” – nesse limiar entre contar e cantar as coisas simples do cotidiano com
sensibilidade se tece a poesia de Cora Coralina, nascida em 1889 como Ana Lins dos
Guimarães Peixoto, mais tarde Bretas, e falecida em 1986, na Cidade de Goiás. O conjunto de
sua obra é composto dos livros Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (1965), Meu livro
de cordel (1976), Vintém de cobre – Meias confissões de Aninha (1983), Estórias da casa
velha da ponte (1985), Meninos verdes (1986), Tesouros da casa velha da ponte (1989),
sendo A moeda que o pato engoliu (1997), Villa Boa de Goyaz (2001) e O prato azul
pombinho (2002) de publicação póstuma.
A autora também publicou crônicas em jornais, como escreveram Clóvis Carvalho
Britto e Rita Elisa Seda (2009):
43

Seus primeiros escritos foram publicados no jornal “O Paiz” e elaborados em suas


temporadas na fazenda Paraíso. A partir de 1905, quando regressou à Casa Velha da
Ponte, Cora Coralina integrou de corpo inteiro a vida literária goiana. Frequentava o
Gabinete Literário Goiano, dirigiu “A Rosa2” e enviou colaborações para jornais da
cidade e do país. Um dos acontecimentos que impulsionou sua produção literária no
período foi a criação do Grêmio (Clube) Literário Goiano, em 1906, cuja sede
funcionava no Sobrado dos Vieiras, nas imediações da Ponte da Lapa. Sobre o
clube, o que se sabia até o momento era o que a própria Cora Coralina havia
publicado em Poemas dos becos de Goiás, no poema “Velho Sobrado” (BRITTO;
SEDA, 2009, p. 79).

Apesar de ter iniciado sua literatura ainda na juventude com publicações em jornais, sua
obra só se concretizou, publicamente, no tardar da sua vida, como podemos ver em seu poema
Ressalva: “Este livro foi escrito/ por uma mulher/ que no tarde da Vida/ recria e poetiza sua
própria/ Vida” (2014, p. 27). A autora publicou o seu primeiro livro com 76 anos pela editora
Olympio e já trazia consigo sua história de vida, suas dificuldades, seus filhos crescidos.
Antiga moradora da casa velha da Ponte, onde nasceu, a ela retornou depois de 45 anos, o que
emociona os visitantes que vêm em busca de sua literatura e se encantam com sua história de
doceira e poetisa.
Cora Coralina se tornou “a poeta da cidade de Goiás”, sua representante expressiva,
aquela que projetou a cidade de Goiás para o cenário da cultura nacional. A autora, que, em
suas produções, utilizou o verso livre e o tom da prosa, cantou a infância, a solidão, os becos,
a noite, a cidade e reverenciou o meio ambiente. Nesse sentido, Britto e Seda (2009, p. 44)
escrevem que o mundo da autora se expandiu para o grande quintal que atravessava todo o
terreno até se encontrar com o beco da Vila Rica. O quintal, com seus muros divisórios
entreabrindo jardins, horta, pomar e a biquinha de aroeira, constituía um oásis, onde a
pequena Ana Lins dava asas à sua imaginação: entrava em contato com a terra, brincava com
as formigas, com os pássaros e plantas.
Também, a autora pode ser vista como poeta das minorias, dos excluídos, dos
renegados, dos relegados, dos solitários, pois sua criação poética abarca muitas vozes -
podemos dizer que sua poesia é irmã da prosa, i.e., um modo diferente de contar estórias – e
também é um texto polifônico.
Goiandira Ortiz (1999), em seu artigo Poesia e memória em Cora Coralina3, recorre a
Emil Staiger (1969) para enfatizar que o recordar em sua poesia é apenas um instante de
recolhimento subjetivo de outras vozes, às quais, para melhor serem acolhidas e acomodadas
no reduto da sua própria voz lírica, Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas cria a poetisa

2
A Rosa, jornal literário considerado pela crítica como veículo das ideias da intelectualidade goiana da época.
3
Artigo apresentado originalmente como comunicação no VIII Seminário Nacional Mulher e Literatura,
realizado em Salvador, no ano de 1999, por Goiandira de F. Ortiz de Camargo.
44

Cora Coralina. Esta, por sua vez, concede voz à Aninha, a menina feia da Ponte da Lapa que
assina um dos seus principais livros, Vintém de cobre – meias confissões de Aninha. Cora
Coralina e Aninha são refúgios de criação, de ficcionalização e de tentativa de afastamento do
puramente biográfico e da historicidade circunstancial e privada. Nesse sentido, essa
aproximação entre Ana Lins, Cora Coralina e Aninha se estendeu em vários “eus” no sentido
de dar voz àqueles que são silenciados pela sociedade.
Segundo Yi-Fu Tuan (2012, p. 144), “A consciência do passado é um elemento
importante no amor pelo lugar. A retórica patriótica sempre tem dado ênfase às raízes de um
povo”. Concomitantemente, Britto e Seda (2009) enfatizam que:

Um dos seus maiores insights foi a eleição dos becos como lugares privilegiados de
sua lírica, locais periféricos, marginalizados e, ao mesmo tempo, indispensáveis à
vida na cidade. Tão importantes que os escolheu para intitular seu primeiro livro. A
vida na cidade é traduzida pela vida nos becos, nos personagens que ali residem e
circulam. O beco se contrapunha ao largo e aos monumentos. Enquanto os largos
eram ligados pelas ruas principais, onde viviam as famílias da sociedade
reconhecida, os becos eram construções para facilitar o acesso às ruas, geralmente
surgindo na confluência dos quintais e funcionando como depósito daquilo que a
sociedade desejava evitar. O beco se tornou o espaço das vidas obscuras
privilegiadas em sua poesia (BRITTO; SEDA, 2009, p. 267).

A criação poética de Cora Coralina foi escrita, praticamente toda, na casa velha da
Ponte: a autora colocava no papel todas as inspirações sem se preocupar com sua estrutura
poética; depois, voltava fazendo os acertos necessários. A infância sofrida adquiriu
centralidade em suas reminiscências poéticas: a mestra Silvina - sua única professora e quem
lhe apresentou o mundo da leitura; a fazenda Paraíso – fazenda dos sonhos de infância e
adolescência, uma grande contribuição imagética para os seus primeiros escritos. Yokozawa,
em seu artigo Confissões de Aninha e Memórias dos Becos, realça que Cora Coralina tornou-
se herdeira mnemônicas de três velhas matriarcas:

Só o que merece ser amado entra no país da saudade, de modo que, em Coralina, são
dignas desses sentimentos, sobretudo: Mãe Didi, a ex-escrava que a amamentou e
lhe contava estórias de encantamento, a quem a poeta dedica um poema em Meu
Livro de Cordel; a bisavó, uma das principais fontes memoriais e afetivas de sua
poesia; e mestra Silvina, presença constante na poesia coralineana, a quem a autora
dedica Vintém de Cobre... Silvina Ermelinda Xavier de Brito foi a única professora
de Aninha, a menina que sentava no banco das mais atrasadas, aquela que,
aprendendo a ler e a escrever através da dedicação da velha mestra, um dia se
desencantaria em Cora Coralina (YOKOZAWA, 2005, p. 4).

Para Ecléa Bosi (1994, p. 47), pela memória, o passado não só vem à tona das águas
presentes, misturando-se com as percepções imediatas, como também empurra, “desloca”
estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece como força
45

subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora. Continua
Bosi (1994, p. 418): “cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que
permanecem como pontos de demarcação em sua história”. Retornando à criação poética de
Cora Coralina, a memória retratada em suas obras vai além do eu lírico de Ana Lins, antes
atinge a coletividade, refere-se a acontecimentos históricos, pessoas, lugares que fazem parte
da história da cidade de Goiás. No poema Antiguidades, a autora faz referência a muitos
moradores da cidade que frequentavam a casa velha da Ponte:

Até os nomes, que não se percam: /D. Aninha com Seu Quinquim. /D. Milécia,
sempre às voltas/ com receitas de bolo, assuntos/ de licores e pudins./ D. Benedita
com sua filha Lili./ D. Benedita – alta, magrinha./ Lili – baixota, gordinha./ Puxava
de uma perna e fazia crochê./ E, diziam dela línguas visperinas:/ ‘- Lili é a bengala
de D. Benedita’./ Mestra Quina, D. Luisalves,/ Saninha de Bili, Sá Mônica. /Gente
do Cônego Padre Pio...” (CORALINA, 2014, p. 38).

Para a poetisa, o fundamental era buscar inspiração na realidade. Portanto, são vozes
que ecoam seus versos e seus escritos. Contudo, sua produção é carregada de linguagem
ideológica, em que as situações do cotidiano ganham um limiar poético. Cora Coralina
evidencia também o contato do homem com a terra, como em seu poema Ode a Londrina
(2014, p. 197-199): “Homens pioneiros /chegaram de longe/ cheios de Fé. /Na terra
vermelha,/ no seio da mata,/ na cova profunda/ plantaram café/.../O trigo dourando a terra/
padrão”/. No período em que foi moradora de Andradina, publicou a crônica O homem e a
terra, em 19 de março de 1944, um cântico pelos mais necessitados.
Para Britto e Seda (2009), Cora Coralina, além de poetisa, era uma cidadã ativa:

Dona Cora estabeleceu-se como agricultora. Conseguiu, com muita luta, vencer as
dificuldades. Jacyntha e Vicência visitavam a mãe e passeavam em Alfredo
Castilho, encontros que lhe renderam muitas lembranças: “passando por um local
onde se realizava uma reunião política, resolveu entrar no momento em que um
deputado influente da época pedia votos. Ela (Cora) pediu licença e tomou a
palavra para afirmar que o povo não queria só votar, queria principalmente
enxadas, foices, arados, pás e demais utensílios para suas lavouras, objetos que
faltavam no mercado”. Fato que a marcou ao ponto de décadas depois, escrever o
poema “A Enxada” (BRITTO; SEDA, 2009, p. 208).

Cora Coralina tinha um olhar peculiar e a sensibilidade para transformar o cotidiano e


situações inaceitáveis em poesia-denúncia. Há uma forma de grito por meio de seus poemas -
uma denúncia silenciosa, o eu lírico como a voz da minoria. Recebeu inúmeras homenagens,
diplomas, honrarias e prêmios. Seu nome identifica várias ruas, escolas, biblioteca, creche e
praças.
Ao ler os poemas de Cora Coralina, é visível a presença do eu lírico ora criança, ora
anciã, ambos trazendo para o cenário poético sujeitos de posições sociais periféricas. A
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criança, em sua infância, lenta, inzoneira, molenga – papel de pouca relevância na sociedade;
a anciã, retrato da velhice centrada na capacidade. Esse sujeito criança ou anciã retratado a
partir da casa (morada) e fora da casa (mundo), com o seu olhar para o passado e para os
valores culturais e sociais. Para Britto e Seda (2009), Anna Lins criou duas máscaras líricas de
tons confessionais: Aninha e Cora Coralina. Cora é a voz da maturidade, aquela que revive o
passado e reencontra a infância, ao reinventar liricamente suas memórias, entre a
multiplicidade de eus de sua tessitura poética. Aninha é um dos personagens centrais. De
raízes notadamente biográficas, a escritura de Anna Lins dá vida à Aninha e, ao mesmo
tempo, oferece pistas para que possamos espreitar sua vida nos reinos da Ponte da Lapa
(BRITTO; SEDA, 2009, p. 31).
Segundo Bachelard (1978, p. 201), abordando as imagens da casa com o cuidado de
não romper a solidariedade da memória e da imaginação, esperamos fazer sentir toda a
elasticidade psicológica de uma imagem que nos comove a graus insuspeitos de profundidade.
Pelos poemas, talvez mais do que pelas lembranças, tocamos o fundo poético do espaço da
casa. Assim, segue Bachelard:

Assim, a casa não vive somente o dia-a-dia, no fio de uma história, na narrativa de
nossa história. Pelos sonhos, as diversas moradas de nossa vida se interpenetram e
guardam os tesouros dos dias antigos. Quando, na nova casa, voltam as lembranças
das antigas moradias, viajamos até o país da Infância Imóvel, imóvel como
Imemorial. Vivemos fixações, fixações de felicidade. Reconfortamo-nos revivendo
lembranças de proteção. Alguma coisa fechada deve guardar as lembranças
deixando-lhes seus valores de imagens. As lembranças do mundo exterior nunca
terão a mesma tonalidade das lembranças da casa. Evocando as lembranças da casa,
acrescentamos valores de sonho; nunca somos verdadeiros historiadores, somos
sempre um pouco poetas e nossa emoção traduz apenas, quem sabe, a poesia perdida
(BACHELARD, 1978, p. 201).

A casa velha da Ponte representa o passado, o presente e o futuro. As memórias da


poetisa são verdadeiros tesouros da casa e, hoje, são possibilidades de leitura aos visitantes
para, amanhã, serem legado aos jovens, recebendo a casa dinamismos diferentes.
Segundo Todorov (2010, p. 24), “a literatura nos proporciona sensações insubstituíveis
que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo”. Cora Coralina, em suas
produções poéticas, deposita esperanças na geração futura - dos jovens. Nesse sentido, não
podemos deixar de mencionar as várias cartas que a autora recebeu de grandes escritores e
que muito contribuíram para suas posteriores publicações. Carlos Drummond de Andrade
(2013, p. 239), com admiração pela poesia de Cora, escreveu uma carta à Editora
Universitária, já que não possuía o endereço da autora:
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Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as
deposite em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de
graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu lirismo tem a força e a delicadeza
das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá
alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora
Coralina.
Todo o carinho, toda a admiração do seu Carlos Drummond de Andrade.

Em 10 de abril de 1985, Anna Lins do Guimarães Peixoto Brêtas faleceu. E a sua casa,
nascida das águas do rio, permaneceu com seus filhos que a venderam para a municipalidade
sob o compromisso de que a doaria para um grupo de amigos e vizinhos da escritora munidos
de um ideal: manterem vivos os espaços, compartilhar e divulgar a poesia, sonhos e as
propostas de sua última moradora. Em 20 de agosto de 1989, no dia do centenário de
nascimento da poetisa, o Museu Casa de Cora Coralina abriu suas portas e, até hoje, recebe,
diariamente, dezenas de pessoas dispostas a conhecerem a herança de Cora Coralina, que
também é a herança de toda uma cidade: os significados se entrelaçam. E, assim, a casa foi
devolvida à gente dos reinos de Goiás (BRITTO; SEDA, 2009).
Para Cora Coralina (2014), existir é uma maneira de resistir, coexistir, transistir.

2.2 Apontamentos sobre o corpus da pesquisa: Poemas dos Becos de Goiás e Estórias
Mais

Vive dentro de mim


a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.

Cora Coralina

Cora Coralina, aos 76 anos, escreve o seu primeiro livro publicado em 1965 pela José
Olympio, Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, uma criação artística de cunho
documental, retratando o cotidiano peculiar da cidade de Goiás, de seus moradores – e de sua
infância, também revendo os costumes da época.
O escritor Alexandre Pilati, no livro Poesia na sala de aula (2018, p. 93), acentua que
uma das funções da poesia é a de criar “autonomia” por meio das palavras ordenadas na
tensão entre o particular do texto e a tradição consolidada do gênero. Nesse gesto, o poema
concretiza um abandono do mundo exterior que, na verdade, é um reencontro intenso com a
densidade da dinâmica histórica. Assim, o grande desafio e o grande prazer da leitura estão
em fruir essa multiplicidade de mundos que o pequeno mundo do poema nos entrega. Ler a
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poesia de Cora Coralina na sala de aula de uma turma do ensino básico, na cidade natal da
poeta, é, em certa medida, resgatar um pouco da própria vivência da memória e da história de
cada aluno na memória e história que a poeta apresenta em seus poemas, o que parece tornar
bem mais significativa a experiência leitora de uma poesia, ao mesmo tempo lida e
vivenciada.
Para Oswaldino Marques (2014, p. 15), as produções reunidas em Poemas dos becos de
Goiás e estórias mais podem ser classificadas, grosso modo, sob duas rubricas: documentos e
criações líricas. São documentos à medida que funcionam como traslado dos gestos e dos
vínculos ritualizados do grupo social, no seu frontear intersubjetivo.
Nesse sentido, a produção poética de Cora mantém um diálogo bem próximo com a
prosa, com poemas bastante longos, muitos deles em tom narrativo, versos ora muito longos,
ora muito curtos, mas sempre secos, em tom prosaico, entrecortados por períodos curtos,
formados por uma, duas palavras, ou por um período longo, marcados também por anáforas,
assíndetos e polissíndetos. É considerável salientar, em relação à produção literária, como
Cora vê a poesia. Na transcrição de Clóvis Britto e Rita Seda:

Eu só me libertei da dificuldade poética depois do modernismo de 22, mas não


acompanhei o movimento. Não sei como – não posso explicar como - me achei
dentro daquela mudança. Em primeiro lugar, poesia para mim é comunicação: em
segundo lugar é invenção, porque só o gênio cria. Hoje nós temos que achar a poesia
na realidade da vida e a vida toda é poesia. Porque onde há vida, há poesia. Poesia
para mim é um ato visceral. É um impulso que vem de dentro e, se eu não obedecê-
lo [sic], me sinto angustiada (BRITTO; SEDA, 2009, p. 143).

De acordo com a poetisa, onde há vida, há poesia. Assim, para Antonio Candido (2004,
p. 175), “se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e
da poesia, a literatura concebida no sentido universal a que me referi parece corresponder a
uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito”.
Segundo Britto e Seda (2009, p. 88), a literatura goiana teve de aguardar muitas décadas
para ver o primeiro livro de Cora Coralina publicado. Quando regressou à sua terra e viu o
abandono em que se encontrava o sobrado onde funcionou o Grêmio Literário, escreveu um
canto de amor e o publicou em seu primeiro livro. Hoje, sabemos que o poema Velho Sobrado
extrapola a preocupação com um imóvel destruído pela ação do tempo. Com ele se foi
também um pedaço da história de Cora Coralina e da vida literária goiana, de um tempo de
sonhos e rosas, de mulheres e livros, que merece ser devidamente reencontrado. Aqui uma
estrofe do poema Velho Sobrado (2014, p. 84):

Abandono. Silêncio. Desordem.


49

Ausência, sobretudo.
O avanço vegetal acoberta o quadro.
Carrapateiras cacheadas.
São-caetano com seu verde planejamento,
pendurado de frutinhas ouro-rosa.
Uma bucha de cordoalha enfolhada,
Berrante de flores amarelas
Cingindo tudo.
Dá guarda, perfilado, um pé de mamão-macho.
No alto, instala-se, dominadora,
Uma jovem gameleira, dona do futuro.
Cortina vulgar de decência urbana
Defende a nudez dolorosa das ruínas do sobrado
- um muro.

O poema compõe a obra Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, entre tantos que
esboçam a vida e a cidade da autora. Para Michael Pollak (1992, p. 201), “a memória parece
ser um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa”. Ele recorre a
Maurice Halbwachs, que, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a memória deve ser
entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um
fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças
constantes (POLLAK, 1992, p. 201), tal como Cora faz nesse poema Velho sobrado, ao
resgatar parte da memória cultural e intelectual da Cidade de Goiás, retirando-se de uma
memória de âmbito íntimo e colocando-a no coletivo.
Em 1978, saiu a segunda edição de seu livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais
pela imprensa da Universidade Federal de Goiás; a terceira, em 1980, desta vez pela editora
da UFG, dentro da Coleção Documentos Goianos. Segundo Britto e Seda (2009), após o
lançamento de Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais, Cora Coralina enfrentou grandes
dificuldades para promover seus textos no campo literário. Nesse momento, muitos jornalistas
e críticos, principalmente no estado de Goiás, silenciaram sobre ou menosprezaram o legado
da poetisa goiana, obscurecendo sua obra e focalizando a idade da escritora.
Do período em que a autora se dedicou de corpo inteiro à fabricação de doces, podemos
ler em Britto e Seda (2009):

Doces eu não faço mais porque me falta destreza para trabalhar com o tacho de
cobre. Preciso de duas mãos para segurá-lo, e outra para segurar minha muleta. Mas
a doceira continua tão viva quanto a literata. Não sou uma ex-doceira, sou uma
doceira e considero melhores meus doces do que os meus versos. Sou poeta por
acaso e doceira por convicção e necessidade.

Em Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, Cora escreve aos leitores e tem um
olhar especial para os jovens – a nova geração. Assim,
50

Alguém deve rever, escrever e assinar os autos do Passado antes que o Tempo passe
tudo a raso. É o que procuro fazer para a geração nova, sempre atenta e enlevada nas
estórias, lendas, tradições, sociologia e folclore de nossa terra. Para gente moça, pois
escrevi este livro de estórias. Sei que serei lida e entendida (CORALINA, 2014, p.
25).

A autora, em sua poesia, traz para o eu lírico todas as vidas obscuras e silenciadas,
como evidencia seu poema Todas as vidas (2014): “Vive dentro de mim uma cabocla velha de
mau olhado,../ Vive dentro de mim/ a lavadeira do Rio Vermelho... / Vive dentro de mim/ a
mulher cozinheira../Vive dentro de mim/ a mulher do povo... /Vive dentro de mim/ a mulher
roceira.../ Vive dentro de mim/ a mulher da vida... /Todas as vidas dentro de mim:/ Na minha
vida –/ a vida mera das obscuras”. Segundo Ebe Maria de Lima Siqueira (2018), a poesia de
Cora Coralina aspira ao lírico, modela as coisas, o sentimento e o mundo a partir dela própria,
nos recônditos de sua subjetividade e individualidade. E, para Goiandira Ortiz de Camargo
(2016), Cora Coralina tem dificuldade de se desgarrar de si mesma. Assim, é o lírico que dá o
tom de sua voz.
Cora Coralina acredita em um mundo melhor, diferente deste em que vivemos e, com
sabedoria, deposita nas gerações futuras mudanças advindas da criatividade, do trabalho para
além do óbvio. Em Ode às Muletas, que também compõe sua obra Poemas dos becos de
Goiás e estórias mais, Cora, em uma de suas estrofes, faz referência às mudanças que ainda
virão: “A sala de cirurgia inapelavelmente branca. / Mesa estreita operatória./ Até o dia muito
breve /da cirurgia eletrônica”.
Para Ebe Maria de Lima Siqueira (2018), por todos os fatos implicados na sua biografia,
a poeta tem a necessidade e o propósito de contar a história de sua vida e de sua cidade na
primeira pessoa, com a escrita recebendo todas as vibrações desse lugar de escrita, que é o seu
eu.
A segunda edição de Poemas dos becos de Goiás e estórias mais foi acrescida de uma
parte com 11 poemas: “As tranças da Maria”, “Ode às muletas”, “Ode a Londrina”. “Mulher
da vida”, “A lavadeira”, “O cântico da terra”, “A enxada”, “A outra face”, “Menor
abandonado”, “Oração do pequeno delinquente” e “Oração do presidiário” e foi decorrência
do Departamento de Práticas Educacionais e da ilustre Diretora da Faculdade de Educação,
Professora Nancy Ribeiro de Araújo e Silva, que, percebendo a significativa mensagem
contida nas obras da consagrada escritora Cora Coralina, houve por bem solicitar ao então
Magnífico Reitor da UFG, Prof. Paulo de Bastos Perillo, a reedição de um de seus livros –
Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. A iniciativa, prontamente atendida pela
compreensão do Prof. Paulo de Bastos Perillo e do atual Reitor, Prof. José Cruciano de
51

Araújo, culminou na solenidade em que o público recebeu a segunda edição ilustrada pelo
engenho artístico de Maria Guilhermina (BRITTO; SEDA, 2009, p. 339).
Segundo Oswaldino Marques (2014), é necessário destacar no livro o Poema do Milho e
a Oração do Milho, a mais pura poesia.

Merece referência à parte o magnífico “Poema do Milho”, precedido de “Oração do


Milho”, ambos de esplêndida concepção e fatura, a reter em sua unida teia imagética
alto teor de poesia. A “Oração” é, como convém, devocional repassada de um toque
bíblico. Inscreve-se em sua textura um lapidar verso: “Não me pertence a hierarquia
tradicional do trigo”. O “Poema do Milho” é antológico, indiscutivelmente a obra-
prima de Cora Coralina (MARQUES, 2014, p. 17).

E continua dizendo que só uma mulher encharcada da labuta das roças, mas
conservando intacta a sua feminilidade, poderia, num passe de mágica, descerrar a nossos
olhos o desenvolvimento gestatório do milho. A poetisa, além da exaltação à terra como mãe
universal, dá vida aos becos, que, por muito tempo, foi referência dos marginalizados. Assim,
em O beco da escola (2014, p. 110): “Poetas e pintores/românticos, surrealistas, concretistas,
cubistas,/eu vos conclamo./ Vinde todos cantar, rimar em versos,/ bizarros coloridos,/ os
becos da minha terra”.
A literatura de Cora Coralina volta-se também para o sistema penitenciário brasileiro.
“Na década de 1970, além da situação do menor e das escolas de ofício, outra preocupação de
Cora Coralina era com o sistema penitenciário brasileiro. No natal de 1977, escreveu e
publicou um folheto com a “Oração do Presidiário”, enviando-o para vários presídios como
um apelo de regeneração e fraternidade humana” (BRITTO; SEDA, 2009, p. 335). Isso
porque, sob essa perspectiva, para Pilati (2018), toda grande poesia é uma crítica do mundo
como ele está posto diante do poeta.
Segundo Britto e Seda (2009, p. 341), a reedição de Poemas dos becos de Goiás e
estórias mais ocorreu dois anos após a publicação de Meu livro de cordel, fator que
possibilitou à poeta uma maior interação na vida literária de Goiás. A partir da década de
1970, e após a edição dos livros, além das homenagens promovidas pela Academia Feminina
de Letras e Artes de Goiás, Cora começou a receber algumas homenagens.
Foi nesse ínterim, em 14 de julho em 1979, após conhecer os escritos literários da poeta,
que o escritor Carlos Drummond de Andrade, impressionado com seu lirismo, enviou uma
carta (já mencionada) à Editora Universitária, destinada a Cora Coralina, na expectativa de
chegar às mãos da escritora.
Segundo Pilati (2018), o texto literário é uma interpretação do mundo, lê-lo não deve
ser iludir-se, mas entregar-se, conscientemente, a um processo de conhecimento do mundo
52

através do conhecimento íntimo da arquitetura do texto. Logo, na próxima sessão, se fará um


recorte cuidadoso da poesia de Cora Coralina no contexto da cidade de Goiás, apontando
como muito de sua poesia tem raízes na casa velha da Ponte.

2.3 A poesia de Cora Coralina no contexto da cidade de Goiás

Todas as vidas dentro de mim:


Na minha vida –
A vida mera das obscuras.

Cora Coralina

Para o escritor Carlos Drummond de Andrade (2001), “o mundo é grande e cabe nesta
janela sobre o mar”; quem sabe se, para Cora Coralina, o mundo era grande e cabia na janela
sobre o rio Vermelho, rio que lhe foi espectador e inspiração poética. Assim, temos:

Rio Vermelho – meu rio.


Rio que atravessei um dia
(Altas horas. Mortas horas.)
há cem anos...
Em busca do meu destino.

Da janela da casa velha


todo dia, de manhã,
tomo a bênção do rio:
- “Rio Vermelho, meu avozinho,
Dá sua bença pra mim...”.
(CORALINA, 2014).

Para Ebe Maria de Lima Siqueira (2018), “a poeta tem como principal propósito contar
a história de sua cidade. Contudo, embora não se conte uma história em um poema lírico, é
possível a uma voz lírica se constituir em narrativa”. E, nos escritos poéticos da autora, o
leitor se depara com um eu lírico conhecedor das nuanças da antiga Vila Boa. Como a própria
escritora registrou: “Todas as vidas dentro de mim:/ na minha vida - / A vida mera das
obscuras” (CORALINA, 2014, p. 33). Nesse sentido, Clóvis Britto e Rita Seda escreveram
em Raízes de Aninha:
Afinal ela era Aninha, Anna Lins, Cora Coralina, Cora Brêtas, dona Cora...todas em
uma só. Aquela que superou vários obstáculos, lutou e venceu. Aninha que vivia
conversando com as formigas, com as rolinhas e com o rio Vermelho. A menina feia
da Ponte da Lapa transformou-se em uma sitiante que via a terra com um místico
amor consagrado (BRITTO; SEDA, 2009, p. 230).
53

A cidade de Goiás, antiga Vila Boa de Goiás, foi seiva primordial para a poesia da
escritora, principalmente seus becos - matéria que transformaram em imagem-poema as
memórias de Cora Coralina. As pedras da cidade, enquanto permanecem, sustentam a
memória. Cora trouxe, em seus versos sobre a sua cidade, a terra como mãe universal. Nesse
sentido, Pilati (2018, p. 30) enfatiza que poemas, ao falarem do eu, da natureza e da fantasia,
falam também do mundo social. O mundo social é o que reconhecemos como o mundo das
relações humanas, o mundo construído pelo trabalho dos homens, o tecido comunitário onde a
vida humana se desenvolve.
É necessário ressaltar que a história de Cora Coralina com a cidade, principalmente com
a casa velha da Ponte, vem desde tempos muito idos. Além de ter nascido e vivido sua
juventude nesse lugar, segundo Britto e Seda:

Casa da Ponte é uma das primeiras construções da cidade. Morada que se debruça
no Rio Vermelho espreita o largo onde os bandeirantes construíram a Igreja de
Nossa Senhora da Lapa, protetora dos caminhantes, destruída na enchente de 19 de
fevereiro de 1839. Rio volumoso ao ponto de comportar pequenas embarcações,
seria margeado por um cais e costurado por uma ponte que, devido à proximidade
com a extinta igreja, ficou alcunhada de Ponte da Lapa. Foi nessa região que
Bartolomeu Bueno da Silva Filho implantou a célula da cidade, legando vasta
descendência. Dentre os descendentes do Anhanguera Filho figura Vicência Pereira
de Abreu (Goiás, 17 de julho de 1823 – 19 de maio de 1923), uma de suas
tataranetas e bisavó de Cora Coralina (BRITTO; SEDA, 2009, p. 17).

Nessa casa, Aninha nasceu e cresceu, passou a infância entre seus cômodos e quintal, ao
lado do Rio Vermelho. Além da casa natal, a ponte interligava dois outros ambientes em seus
primeiros anos: a Igreja do Rosário e a Escola da Mestra Silvina. Assim, nesse contexto,
seguem Britto e Seda (2009, p. 46):

A Mestra Silvina tinha sido professora da mãe de Aninha. Já aposentada, continuou


lecionando para os filhos de suas ex-alunas em sua residência à rua Direita, número
13, atual Moretti Foggia. Não se sabe ao certo se Aninha cursou dois ou três anos da
escola primária. As informações existentes são as registradas em sua lírica e nos
informam que foi levada à casa-escola, do outro lado da Ponte da Lapa, quando
completou 5 anos de idade. Aninha estudava em dois períodos, das 8 às 11 e das 13
às 16 horas, na escola onde não existiam recreio, férias, exames e merenda, mas em
que a palmatória sempre comparecia.

A poesia de Cora Coralina possui um fio narrativo devido à imbricação existente entre
Ana Lins e a poetisa Cora, a vida da menina da casa da Ponte como a fonte geradora dos seus
escritos poéticos.
Nesse sentido, a cidade de Goiás e suas histórias têm visibilidade em seus poemas.
Britto e Seda (2009) comentam a volta da poetisa à sua terra natal em um paralelismo com seu
ancestral Bartolomeu Bueno:
54

Como seu ancestral Bartolomeu Bueno, que demorou 40 anos para retornar a Villa
Boa de Goyaz, Cora Coralina voltou 45 anos depois. Bartolomeu voltou à procura
do ouro – seu tesouro; Cora voltou por causa da Casa Velha da Ponte, esse era seu
maior tesouro. Durante sua permanência no estado de São Paulo, em sua lembrança,
manteve aceso o fogo do fogão à lenha, o porão cheio de antiguidades, conversa
com as formigas do quintal, sonora a biquinha d’água e a porta da rua sempre aberta
(BRITTO; SEDA, 2009, p. 237).

Esse estreitamento entre sua poesia, lugares e elementos que constituem a cidade em
que nasceu, dando vozes aos eus imperceptíveis à sociedade, conforma o que Marc Augé
(2003, p. 52) assevera dos lugares, que podem ser definidos levando-se em consideração três
fatores. Eles se “pretendem identitários”, relacionais e históricos. Ao se referir ao lugar
identitário, o autor francês confirma a importância do ambiente de nascimento, pois o lugar de
nascimento constitui a identidade individual. A segunda característica alude à teoria de
Michel de Certeau, para quem o lugar apresenta uma ordem pela qual os elementos são
distribuídos em relações de coexistência, numa configuração instantânea de posições. Dessa
forma, comenta Augé, “num mesmo lugar, podem coexistir elementos distintos e singulares,
sem dúvida, mas sobre os quais se proíbe pensar nem as relações nem a identidade partilhada
que lhes confere a ocupação do lugar comum”. Por fim, o lugar é histórico porque conjuga
identidade e relação e obtém uma estabilidade mínima. O lugar antropológico é histórico na
exata proporção que escapa à ciência. É histórico para aqueles que o habitam, que têm algum
contato com o passado. É o lugar que os antepassados construíram e que os mortos “povoam
de signos que é preciso saber conjurar ou interpretar”.
Em vários recortes da poesia da escritora, percebemos essa fusão entre identidade,
relação e história. Em seu poema O Prato Azul-Pombinho4, um de seus mais importantes
escritos, é possível identificar um pouco do que comenta Augé: Minha bisavó – que Deus a
tenha em glória - sempre contava e recontava em sentidas recordações de outros tempos a
estória de saudade daquele prato azul-pombinho.

Era uma estória minuciosa.


Comprida, detalhada.
Sentimental.
Puxada em suspiros saudosistas
e ais presentes.
E terminava invariavelmente,
depois do caso esmiuçado:
” – Nem gosto de lembrar disso…”
É que a estória se prendia

4
CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 23ed. São Paulo: Global, 2014. p. 66.
55

aos tempos idos em que vivia


minha bisavó
que fizera deles seu presente e seu futuro.
Voltando ao prato azul- pombinho
que conheci quando menina
e que deixou em mim
lembrança imperecível.
Era um prato sozinho,
último remanescente, sobrevivente,
sobra mesmo, de uma coleção,
de um aparelho antigo
de 92 peças.
Isto contava com emoção, minha bisavó,
que Deus haja.
[...]

A poesia de Cora Coralina realmente tem sua raiz geradora no contexto da cidade de
Goiás: enquanto menina, seus primeiros escritos; depois, suas crônicas para os jornais;
finalmente. Seu retorno à cidade – já com seus poemas com a cidade em seus versos. Em
Raízes de Aninha, Britto e Seda (2009, p. 246) registraram um escrito em que ela dizia ter
saído da cidade de Goiás cheia de vida, a face brilhante, os olhos de paz, os cabelos lisos,
negros. E, quando voltou, vinha vestida já da média dos anos, mas trazia dentro de si uma
soma, um depósito enorme, de coisas da sua terra e alguma coisa, muito pouca, de fora,
porque ela nunca se apaulistou e se ausentou. Que sua ida para São Paulo, em 1911, demorou
16 dias a cavalo de Goiás a Araguari, dois dias de trem de Araguari a São Paulo e a sua volta
demorou 45 anos. E, quando ia, já voltava. Voltava nas patas do caranguejo: um passo para
frente e dois para trás.
E Cora trouxe para sua poesia não apenas os encantos da cidade, mas, como enfocam
Britto e Seda (2009, p. 268): “optou por cantar não apenas as belezas de sua terra natal.
Descreveu o cheiro nojento das baratas, a galinha morta nos becos, a vida mera das mulheres
pobres. Efetuou um canto solidário com os excluídos ao ponto de dizer que todas essas vidas
viviam dentro de si”. Não podemos deixar de ressaltar que esse canto do não belo traz a
fealdade com beleza poética e, em sua poesia, desenha a vida obscura dos becos. Lemos em
Becos de Goiás5:

Beco da minha terra...


Amo tua paisagem triste, ausente e suja.
Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.
Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.
E a réstia de sol que ao meio-dia desce, fugidia,
e semeia polmes dourados no teu lixo pobre,

5
Ibidem. p. 92-93.
56

calçando de ouro a sandália velha,


jogada no teu monturo.

Amo a prantina silenciosa do teu fio de água,


descendo de quintais escusos
sem pressa,
e se sumindo depressa na brecha de um velho cano.
Amo a avenca delicada que renasce
na frincha de teus muros empenados,
e a plantinha desvalida, de caule mole
que se defende, viceja e floresce
no agasalho de tua sombra úmida e calada.

[...]

Amo e canto com ternura


todo o errado da minha terra.

Becos da minha terra,


discriminados e humildes,
lembrando passadas eras...
[...]

Segundo Ecléa Bosi (1994, p. 56), “o instrumento decisivamente socializador da


memória é a linguagem. Ela reduz, unifica e aproxima, no mesmo espaço histórico e cultural,
a imagem do sonho, a imagem lembrada e as imagens da vigília atual”. Nesse sentido, os
poemas de Cora Coralina podem ser vistos como uma prosa sobre o seu cotidiano, resgatado
pela memória na forma de poesia. Um acréscimo cultural. Para Yi-Fu Tuan (2013, p. 355), “a
cultura é desenvolvida unicamente pelos seres humanos. Ela influencia intensamente o
comportamento e os valores humanos”.
No poema Palácio dos Arcos, um entre tantos da coletânea Becos de Goiás e estórias
mais, o eu lírico volta à sua terra nativa, e, segundo Britto e Seda (2009, p. 298), esse poema
pode ser concebido como uma metáfora da vida de Cora Coralina, que deixou sua cidade,
viveu novas experiências em São Paulo e, sentindo o chamado ancestral, refez a marcha para
o oeste, atraída pela força da terra.
Nesse contexto de escritos poéticos que evidenciam sua cidade, o seu cotidiano, dar
vozes aos que vivem na periferia da sociedade, quase invisíveis a muitos olhos, é válido
ressaltar a presença de uma Maria, entre tantas moradoras da cidade: a Maria da Purificação –
Maria Grampinho, como ficou conhecida, e que não foi apenas criação poética da casa velha
da Ponte. Britto e Seda (2009) dizem, em suas pesquisas, que Maria era uma andarilha negra,
pobre que dormiu todas as noites, durante 29 anos, no quintal da casa da Ponte. Maria ganhou
espaço não só na casa da Ponte, mas também na poesia de Cora e nela se imortalizou.
57

A cidade de Goiás, desde 2001, foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela
UNESCO, devido à importância do seu conjunto arquitetônico formado por casas, igrejas e
monumentos históricos da antiga capital do estado de Goiás. O museu Casa de Cora Coralina,
que guarda todo o acervo da poetisa, é o que atrai muitos turistas para a cidade. Além de
visitar a casa velha da Ponte, o turista tem a oportunidade de estar mais próximo da terra, da
natureza e da vida simples de uma cidade do interior. Segundo Yi- Fu Tuan (2012, p. 139): “a
vida moderna, o contato físico com o próprio meio ambiente natural é cada vez mais indireto
e limitado a ocasiões especiais. Fora da decrescente população rural, o envolvimento do
homem tecnológico com a natureza é mais recreacional do que vocacional”. E a poesia de
Cora celebra o amor à terra, exalta a beleza da natureza e permite resgatar um pouco do
primitivismo na relação do homem com a natureza. Em O cântico da Terra (2014, p. 210),
temos:

Eu sou a terra, eu sou a vida.


Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.


Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
E certeza tranquila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
E a mim voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
[...]

Segundo Britto e Seda (2009), entre 1973 e 1974, Cora escreveu o seu epitáfio,
explicitando sua ligação com a Grande Mãe, e mandou confeccionar, ainda em vida, sua pedra
tumular. Não apenas nos versos do poema “Meu Epitáfio”, publicado em jornais e acomodado
em livro por ocasião do lançamento de Meu livro de cordel, em 1976, mas, em outros poemas
e entrevistas, manifestou sua alquimia com a terra.
Epitáfio6:
Morta… serei árvore
Serei tronco, serei fronde
E minhas raízes
Enlaçadas às pedras de meu berço

6
CORALINA, Cora. Meu livro de Cordel, 1976, p. 95.
58

são as cordas que brotam de uma lira.

Enfeitei de folhas verdes


A pedra de meu túmulo
num simbolismo
de vida vegetal.

Não morre aquele


que deixou na terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos.

Após estudo e considerações sobre a poeta goiana, suas obras, especificamente Poemas
dos becos de Goiás e estórias mais, realçando a sua poesia no contexto da cidade de Goiás,
passaremos, no capítulo seguinte, à descrição dos procedimentos metodológicos com ênfase
no leitor, texto e autor e, por conseguinte, às intervenções e análise de dados do material
coletado durante o processo da leitura de poesia na sala de aula.

3 A POESIA NA SALA DE AULA: PROCEDIMENTOS


METODOLÓGICOS E ANÁLISE DE DADOS DA PESQUISA

3.1 Mediação entre leitor, texto e autora: as metodologias, intervenções e a análise de


dados
59

Este livro pertence mais aos leitores do que a


quem o escreveu.
(...)
Que possa ultrapassar as cidades e alcançar a
alma sertaneja, levando minha presença-terra aos
enxadeiros e boiadeiros que tanto me ensinaram.
(...)
Possa valer pelo seu conteúdo, sempre encontrado
em bancas populares e em balcões de livrarias –
seu preço ao alcance de um leitor modesto.
(...)
Vai, meu pequeno livro. Que possa sobreviver à
autora e ter a glória de ser lido por gerações que
hão de vir de gerações que vão nascer.

Cora Coralina – Este livro

A pesquisa proposta neste estudo elenca a leitura literária de poesia na sala de aula
como contribuição para a formação do jovem leitor e tem como corpus de análise a obra
Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, de Cora Coralina. A escolha desse objeto surgiu
de uma afinidade pessoal em trabalhar a leitura de poemas em sala de aula e por acreditar que
a poesia pode contribuir para a construção da subjetividade e a identidade do jovem aluno e
levá-lo a melhor perguntar e melhor se entender. Logo, o trabalho desenvolvido em sala de
aula com a poesia de uma escritora goiana teve o intuito de familiarizar o jovem leitor com a
cultura, a poesia produzida em sua própria cidade, ressaltando que, grande parte das vezes,
essa geração desconhece essa produção e até mesmo a sua conterrânea famosa. Tem o intuito
também de promover aos participantes da pesquisa uma maior proximidade entre texto, leitor
e autora, visando a uma formação leitora ativa, crítica e significante. Os poemas da obra
escolhida, uma das mais importantes da poetisa - Poemas dos becos de Goiás e estórias mais
-, ao mesmo tempo em que apresentam uma visão muito particular sobre a cidade de Goiás
com seus becos, casas encostadas umas nas outras e figuras simples do mundo do trabalho,
pessoas marginalizadas, excluídas (como a lavadeira, a prostituta, as benzedeiras) circulando
pela cidade, também levam o leitor a penetrar nas tessituras significantes dos seus versos, por
meio de uma identificação com a memória e o cunho autobiográfico dos versos. A poesia de
Cora Coralina desvenda o cotidiano, proporciona possibilidades de reviver memórias
adormecidas ou perdidas pelo tempo e suscita anseios e dúvidas no jovem leitor, melhor
dizendo, adolescente. A busca da identidade pessoal é angústia inerente à adolescência e é um
tema que desperta o interesse dos jovens. Os poemas de Cora são verdadeiras reminiscências
que favorecem essa identificação.
60

Quanto à metodologia de investigação, o estudo se pauta em uma pesquisa-ação de


cunho qualitativo. Nesse escopo, segundo Thiollent (2011, p. 30), a pesquisa-ação, do ponto
de vista científico, é uma proposta metodológica e técnica que oferece subsídios para
organizar a pesquisa social aplicada sem os excessos da postura convencional ao nível da
observação, processamento de dados, experimentação etc. Com ela se introduz uma maior
flexibilidade na concepção e na aplicação dos meios de investigação concreta. O autor ressalta
que:

O planejamento de uma pesquisa-ação é muito flexível. Contrariamente a outros


tipos de pesquisa, não se segue uma série de fases rigidamente ordenadas. Há
sempre um vaivém entre várias preocupações a serem adaptadas em função das
circunstâncias e da dinâmica interna do grupo de pesquisadores no seu
relacionamento com a situação investigada (THIOLLENT, 2011, p. 55).

Na pesquisa-ação, mediada por uma visão reconstrutiva, a concepção das atividades


pedagógicas e educacionais não é vista como transmissão ou aplicação de informação. A
concepção possui uma dimensão conscientizadora. Na investigação associada ao processo de
reconstrução, elementos de tomada de consciência são levados em consideração nas próprias
situações investigadas, em particular entre os professores e na relação professores/alunos
(THIOLLENT, 2011, p. 86).
Assim, a pesquisa-ação, de acordo com o autor, é uma estratégia metodológica da
pesquisa social com aspectos específicos, como:

a. há uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na


situação investigada;
b. desta interação resulta a ordem de prioridade dos problemas a serem pesquisados
e das soluções a serem encaminhadas sob forma de ação concreta;
c. o objeto de investigação não é constituído pelas pessoas e sim pela situação social
e pelos problemas de diferentes naturezas encontrados nesta situação;
d. o objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos, em esclarecer os
problemas da situação observada;
e. há, durante o processo, acompanhamento das decisões, das ações e de toda a
atividade intencional dos atores da situação;
f. a pesquisa não se limita a uma forma de ação (risco de ativismo): pretende-se
aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento ou o “nível de
consciência” das pessoas e grupos considerados (THIOLLENT, 2011, p. 23).

Ao levarmos algum tipo de investigação problematizada para a sala de aula, ofertamos


aos estudantes a oportunidade de desenvolver habilidades e competências do fazer e pensar,
como se propõe neste trabalho com a leitura da poesia de Cora Coralina.
No Brasil, o termo problematização ganhou dimensões socioeducacionais a partir de
Paulo Freire, cujos propósitos de alfabetização de adultos se solidificaram em seu livro
Pedagogia do oprimido e hoje são conhecidos como método Paulo Freire. Nesse sentido,
61

olhando para a sala de aula, problematizar consiste em abordar questões reconhecidamente


conflitantes da vida e do meio do estudante e investigar, para entender melhor a situação e
desencadear uma análise crítica e reflexiva para que ele perceba a necessidade de mudanças.
A leitura literária de poemas, a priori, faz com que o leitor pare e reflita sobre determinadas
situações. A escritora Maria Tereza Andruetto (2017, p. 90-91), em seu texto Elogio da
dificuldade: formar um leitor de literatura, faz a seguinte afirmativa:

Por isso, a pergunta hoje não é se se lê mais ou menos do que antes: a pergunta e o
desafio são como fazer para ler melhor e como fazer com que outros leiam melhor,
ou seja, mais seletiva e profundamente. O que podemos fazer para melhorar a
qualidade dos leitores? A escola não é um bloco monolítico, em seu interior
convivem todas as contradições que habitam a sociedade.

Após situar e caracterizar teoricamente a pesquisa deste estudo, vamos à descrição


estrutural do trabalho. A pesquisa compreende 35 alunos participantes do oitavo ano A, turno
vespertino, do Ensino Fundamental II, do CEPMG- Unidade João Augusto Perillo – uma
escola militar localizada na cidade de Goiás, hoje sob a direção do Capitão Adinan José
Santana.
Os critérios de inclusão dos participantes na pesquisa foram: estar regularmente
matriculado na escola, ser do oitavo ano, turma A, ter idade entre doze e quatorze anos e ser
signatário do TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido) e os pais do TCLE (Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido). A pesquisa teve como benefícios a promoção da
leitura de poesia de uma poeta goiana – Cora Coralina – e, consequentemente, pelo menos em
tese, mais próxima da realidade dos alunos, já que foi uma moradora da cidade de Goiás e sua
antiga residência, a casa velha da Ponte, é hoje um museu de visitação aos turistas.
Houve o cuidado de inserir o livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, de Cora
Coralina, escolhido como corpus de análise deste trabalho, à lista de materiais dos estudantes
entregue no início do ano letivo, como a leitura literária do terceiro bimestre de 2021, já que o
gênero poemas contempla o corte temporal do oitavo ano. Posteriormente, foi feita a
apresentação do projeto à coordenadora da escola, no intuito de esclarecê-la quanto à
pesquisa, deixá-la ciente das etapas que seriam percorridas, da duração até então prevista para
a execução do projeto, e de sua aplicação, que ocorreria nas aulas de Literatura, as quais,
comumente, acontecem durante todo o bimestre com a leitura literária indicada.
Os encontros foram realizados no período de 02 de setembro a 01 de outubro de 2021.
As sequências didáticas encontram-se no Apêndice 2. O Quadro 1 a seguir faz uma síntese
dessas atividades realizadas e suas respectivas datas.
62

Quadro 1 - Atividades e encontros realizados


Datas Sequência Procedimentos metodológicos
didática
1º encontro Conversa informal sobre o projeto de pesquisa; informações contidas no
Duas aulas TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido) e TCLE (Termo de
02/09/2022 Consentimento Livre e Esclarecido); comentário sobre o produto educacional;
entrega do 1º questionário; leitura do texto As tranças de Maria, de Cora
Coralina (primeiro contato com o texto da autora em estudo).
2º encontro Verificação de dúvidas sobre o preenchimento e assinatura do TALE e TCLE
Duas aulas e também sobre o questionário e a produção do documentário, devido à
modalidade do ensino híbrido; comentários sobre o corpus Poemas dos becos
11/09/2022 de Goiás e estórias mais, de Cora Coralina; contextualização da autora; vídeo
Museu Casa de Cora Coralina; trailer oficial Caminhos de Pedras e leitura
dos poemas Todas as vidas e Minha cidade, de Cora Coralina, estabelecendo
relações leitor, autor e texto.
3º encontro Comentário sobre o cineasta Lázaro Ribeiro; documentário Maria Macaca de
14/09/2022 Duas aulas sua autoria; leitura dos textos Poemas de Mário Quintana e Ressalva de Cora
Coralina; produção de texto poético, retratando a cidade, memórias e
identidades.
4º encontro Leitura do poema O Palácio dos arcos e A lavadeira, de Cora Coralina; filme
21/09/2022 Duas aulas A infância de Aninha, de Rosa Berardo; orientação da gravação de um vídeo –
atividade extraclasse.
5º encontro Leitura dos poemas Escola da Mestra Silvina e O Prato Azul-Pombinho,
Duas aulas ambos da poetisa Cora Coralina; produção textual: carta; leitura da carta que
28/09/2022 Carlos Drummond de Andrade escreveu a Cora Coralina; comentários sobre a
gravação do vídeo, os sentimentos, as dificuldades e a interação; entrega do
segundo questionário.
01/10/2022 6º encontro Questionário respondido; leitura dos textos Cora Coralina, de Goiás, de
Duas aulas Carlos Drummond de Andrade e Só entre nós: Abelardo e Heloisa, de Júlio
Emílio Braz; produção de texto: e-mails; conclusão e apreciação do projeto.
11/10/2022 Semana de Leitura do roteiro do curta-metragem; gravação das cenas com os alunos
15/10/2022 gravação do participantes do projeto.
documentário
Fonte: Dados coletados durante a pesquisa, 2021.

Após as sequências didáticas executadas e a produção do roteiro do documentário como


produto educacional desta pesquisa, a sua gravação ocorreu no período de 11a15 de outubro.
É válido ressaltar que 2021 foi um ano peculiar. Em 26 de fevereiro de 2020, teve início
a pandemia de COVID-197 no Brasil, após a confirmação de que um homem de São Paulo, de
61 anos, que retornara da Itália, testara positivo para o SARS-CoV-2, causador da COVID-19.
Desde então, até 11 de maio de 2022, confirmaram-se 30.594.388 casos, segundo o Ministério
da Saúde, causando 664.390 mortes. O número de pessoas recuperadas da doença é de
29.681.120. A transmissão comunitária foi confirmada para todo o território nacional8.

7
A pandemia de COVID-19, também conhecida como pandemia de coronavírus, é uma pandemia em curso de
COVID-19, uma doença respiratória causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-
CoV-2). O vírus tem origem zoonótica e o primeiro caso conhecido da doença remonta a dezembro de 2019, em
Wuhan, na China.
8
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pandemia_de_COVID-19
63

Então, o período de execução do projeto foi ainda com algumas medidas preventivas
recomendadas, incluindo distanciamento social, uso de máscaras faciais em público,
ventilação, lavagem das mãos, cobertura da boca... Assim, respeitando as recomendações,
demos início à aplicação do projeto.
O primeiro momento de exposição do projeto Leitura de poesia e formação do leitor
literário na educação básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula aos
alunos do oitavo ano foi por meio do ensino híbrido. Nesse encontro, foram comentadas as
ações da pesquisa, a importância dos instrumentos TALE e TCLE, os questionários e as
atividades escritas. Também comentamos que, ao concluir o projeto, faríamos um produto
educacional: um vídeo documental, cuja base seria o tripé leitor, texto e autora. [É importante
salientar que, em razão da imbricação entre a pesquisadora e o objeto (por ser uma pesquisa-
ação), usaremos, daqui para frente, a primeira pessoa do plural para descrever o estudo
realizado].
Em seguida, houve um diálogo sobre a escritora Cora Coralina e seus poemas para
perceber a aceitação da turma. Já fazendo a intervenção pedagógica, inserimos os dados
biográficos da autora, perpassando alguns dados relevantes do contexto social da época. Foi o
momento de reforçar a importância do conhecimento sobre literatura goiana e de Cora
Coralina como parte do cenário vilaboense. Também porque sentíamos a necessidade de
incluir a cultura local na leitura literária, especialmente a poesia, na sala de aula. Nesse
momento, alguns alunos leitores que conheciam poemas da autora livremente, falaram alguns
versos e estrofes que lembravam.
Nesse contexto, e, segundo David Tripp (2005, p. 448-449), a pesquisa-ação é pró-ativa,
então vale ressaltar que:

Como a pesquisa-ação ocorre em cenários sociais não manipulados, ela não segue os
cânones de variáveis controladas comuns à pesquisa científica, de modo que pode
ser chamada mais geralmente de intervencionista do que mais estritamente
experimental.
Outra característica do relacionamento recíproco entre pesquisa e prática aprimorada
é que não apenas se compreende a prática de modo a melhorá-la na pesquisa-ação,
mas também se ganhe uma melhor compreensão da prática rotineira por meio de sua
melhora, de modo que a melhora é o contexto, e meio e a finalidade principal da
compreensão.
Após o momento de apresentação do projeto aos alunos, passamos para o diagnóstico
do estudo realizado. Inicialmente, analisamos as observações das aulas de literatura
concernentes à exploração da poesia de Cora Coralina e à recepção por parte dos alunos no
decorrer de cada sequência didática, instante em que verificamos os diferentes olhares acerca
da poetisa em estudo e sua produção literária. Dessa forma, apresentamos alguns recortes de
64

atividades executadas em sala de aula, tecendo considerações e análise das percepções dos
alunos sobre o trabalho com a poesia de Cora em sala de aula e como isso pode contribuir
com as aulas de literatura, criando um ambiente de aprendizagem propício ao despertar do
interesse da leitura literária.
Esse primeiro contato com os alunos do oitavo ano A, do turno vespertino, concernente
à execução do projeto, se deu no dia 02/09/2021, com duas aulas consecutivas de literatura,
vez que somos a professora regente da turma, o que favoreceu a execução da sequência
didática.
No geral, os alunos se mostraram entusiasmados com a participação no estudo,
sobretudo pelo fato de que as atividades desenvolvidas e produzidas seriam utilizadas na
produção de um documentário. Foi feito o repasse quanto ao questionário semiestruturado
(Apêndice 3) que seria respondido pelos alunos participantes em casa, devido ao formato das
aulas, e que estaria disponível para retirada na recepção do colégio e, também, ao final do
processo. Em seguida, houve explicação sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
– TCLE para a assinatura dos pais, que, no documento, contém as explicações necessárias
para preenchimento e esclarecimento da necessidade da autorização dos responsáveis para o
bom desenvolvimento do trabalho. Na oportunidade, também houve esclarecimento da
importância do TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido). Ambos -TCLE e TALE-
e o primeiro questionário foram inseridos em envelopes e disponibilizados aos alunos.
Após a conversa informal sobre o projeto de pesquisa, as informações contidas no
TALE e TCLE e sobre o primeiro questionário, foi feita a leitura do texto As tranças da
Maria, de Cora Coralina, como primeiro contato com o texto da autora em estudo. A escolha
desse poema deveu-se ao fato de ser um poema de cunho narrativo, instigante e imagético, e
também pouco trabalhado nas escolas. Segundo Maria Tereza Andruetto, o texto leva o leitor
a expandir os limites de sua existência.

Os leitores (adultos ou crianças) valem-se da ficção para expandir os limites de sua


existência, pois necessitamos ter acesso a outras vidas e outros mundos, e as ficções
são uma construção de mundos, uma instalação de outro tempo e de outro espaço no
qual vivemos. Esses mundos construídos são artifícios cuja leitura ou escuta
interrompem nossas vidas e nos obrigam a perceber outras (ANDRUETTO, 2017, p.
137).

E As tranças da Maria foi uma leitura assertiva. Os alunos leitores encantaram-se com a
saga de Izé da Badia, teceram comentários apreciativos ao poema e escritora. Um aluno
comentou não saber que Cora Coralina escrevia poemas interessantes assim. Nesse sentido,
em Caminhos para a formação de leitores, Renata Junqueira (2004, p. 81) reitera que o gosto
65

pela leitura se constrói por meio de um longo processo em que sujeitos desejantes encontram
nela uma possibilidade de interlocução com o mundo. Por isso, espera-se que o professor seja
um agente fundamental na mediação entre alunos e suportes textuais, um impulsionador e
guia no sentido de um contato cada vez mais intenso e desafiador entre o leitor e a obra a ser
lida.
Vejamos o poema As tranças da Maria, de Cora Coralina:

AS TRANÇAS DA MARIA dos joelhos vinham abaixo.


Dos tornozelos passavam. Ao demais, seu Malaquias
O caso do Izé da Badia... viu o sujo dela detrás do toco do
Era do que a gente falava Duas tranças bem trançadas embiruçu
Era só o que se ouvia. - rédea dos corações. e lá no embrejado, tejuco amassado,
Izé da Badia, moço, vaqueiro de fama e a porca de seu Ricardino
O Izé ficou leso, atoado pelos campos.. amarrado para sempre que deixou as crias...
Perdeu sua fé de vaqueiro no sedenho de Maria.
Consagrado nas vaquejadas. Conversas. Seu Malaquias
Não mais seu canto violeiro, A mãe de Maria é caçador, conta estórias...
seu chamado boiadeiro. novenou a Santo Antônio. metê medo a menino.
O aboio do seu berrante Reza nova emprazou: A porca de seu Ricardino
que a gente ouvindo distante Menino de Jesus de Praga. era varadeira de cerca.
dava a pinta do ponteiro: Foi no Centro de Kardec, levou tiro, urubu comeu.
lá evai o Izé da Badia, fez grandes inovações.
o rei dos vaqueiros. A velha calou. Invocou Nossa Senhora,
Baixou o Espírito Guia: São Marcos. Almas Benditas...
Chamava, o boi escutava. - Maria desencarnada, Hão de mostrar, mais dia menos dia.
Falava, o zaino entendia. Espírito limpo no espaço.
Cantava, as moças sorriam. Fizessem suas boas preces. O pai de Maria bateu estradas,
E agora... Tanta moça pelo mundo Não mais chorassem por ela. vizinhança, corrutela.
e ele à procura de Maria. Indagou de sua filha.
Maria que sumiu Sinalassem, pediu a Mãe. Ninguém deu sinal dela.
buscando seu pote d’água Sinais, teriam a seu tempo.
no corgo de vista a casa. Resumiu o Guia pela boca do aparelho. Entrou em cidade grande
O pote cheio, já no barranco. com juiz, delegado e praças.
A rodilha posta de lado. Maria com seu pote de barro
A cuia se balançando. buscando água no riachinho. Procurou a autoridade
O pote cheio já no barranco. E fez a queixa no usual
E Maria...Aonde foi Maria? A rodilha posta de lado. dando todos os sinais.
Na garupa de um vaqueiro A cuia se balançando. Maria das Graças de nome.
desconhecido dali E Maria nunca mais voltou. Registrada no Civil.
buscando boi de arribada. Ninguém viu nada. batizada no Cristã.
Falavam rindo as comadres Ninguém ouviu nada. Moça feita. Igualdada de bons dentes
pelas portas, conversando. O mato guardou seus segredos escuros. sem falha nem ponto de ouro.
Moça não tem pensar...
Noiva do Izé da Badia. Maria se foi na garupa Nem alta nem baixa.
Memória já no dedo. de um vaqueiro, desconhecido dali, Meiã de altura.
Bragal bordado na arca. buscando boi na arribada. Cintura fina de duas mãos abarcar.
Tagarelavam as comadres Boas cores de sadia. Moça da roça
Vestido branco rendado. nos fuxicos de terreiro assinando o nome,
Vestido de damacê. pelas portas conversando. lendo por cima.
Banhos já recorridos. Seu sinal maior:
Casamento certo, marcado Falou a velha Ambrosina: duas tranças bem fornidas
no dia da Santa assunção, - No mato tem bicho ruim.. alcançando a barra da saia,
sendo padrinho o patrão A triste sorte da moça barrendo o chão.
dono de campos e gado. fora dessas conversas...
O escrivão anotou em livro
E agora...aquela armada. Tia s’tá caducando.. e prometeu no vago: providenciar.
A moça no seu sumiço. um corguinho desses nada O pai seguiu seu destino.
O Izé leso sem mais ideias tem bicho fera nenhum... Andou em ruas de arrabaldes.
pelos campos sem destino Isso sim cabeceiras altas, encarou com tanta moça
à procura de Maria. volumes de água lagoas...pode sê. pensando ser sua filha.
Galhofa dos companheiros... Não esse Corguinho, coisinha Entrou em “Casa de Mulheres”
“Cadê o sedém da Maria, Izé?”... tão à toa!... marcadas de luz vermelhas.
Os sedenhos da Maria... Tem brecho nas cabeceiras... Deu todos os seus sinais
Seus cabelos ondulados. Catando lenha eu vi sem esquecer as tranças negras.
Manto solto se penteava. o espojeiro da bicha, Na sua angústia de Pai,
Nua, encobria as formas. faz tempo, ninguém me tira... mesmo que fosse ali
Basta cabeleira negra Voltei lá mais não. queria encontrar sua filha.
66

As mulheres assanhadas - Caçadores de onça. pelos troncos.


ouviam compenetradas, Pediram suas carecidas informações, O caçador cortou a trela.
penalizadas do Pai. gente de longe... Um pastor morto, quebrado.
Uma ria, outra chorava. Ouviram pela milésima vez a estória O pastor vivo em tremuras de pavor,
Ninguém tinha visto Maria. do sumiço da Maria. arrepiado, vertendo inconsciente se
- Que havia de voltar – disseram – arrastando, acovardado.
Foi na cartomante compadecidos
acreditada. e filhos para os velhos apadrinhar. A gente do sítio correu no rumo dos
Contou seus pesares, suas penas. tiros.
O escuro daquele caso Provera a Deus, responderam Viram a fera morta em contorções
pediu para clarear. consabidos na sua magra esperança. reflexas.
A verdade as cartas podiam contar. Falou o caçador: vocês daí, salvem o
O baralho baralhado. Tomado o café da hospitalidade couro p’ra nós.
Cortado e recortado em cruz. sertaneja Na volta apanhamos, aproveitem o
Veio o naipe de espada. voltaram às suas montadas. resumo p’ra sabão
Valete de paus. - Caçadores de onça... que essa bicha tem graxa.
A dama de luto, o rei do agouro. Suas trelas ansiosas, vivas, E se foram. Caçadores de onça...
saltitantes, alçadas, sentindo O dia se fazia alto. Campos e matas
A cartomante fechada, cerrada, e pressentindo a caça em todos eram todo um alagado de sol.
atuada, invocava as fontes os cheiros novos da terra, dos ares
da Cabala... e das matas. A gente do sítio arrastou o tronco rola-
Pouca esperança. Luto presente... rolando
Se consolasse com o destino de sua Tinham que atravessar o corguinho para o descampado. Estiraram,
filha. com sua água de prata correndo em palmearam.
Sinais?...Teriam a seu tempo. areia Dezoito palmos bem medidos!
branca e lajedo claro.
O Pai voltou. Aquietou. No barranco, a cruz, o pote, a Por que razão obscura teria aquela
Lavrou tosca cruz de aroeira. lamparina. besta-fera
Fincou no barranco ao lado do pote. Luz pequenina, se desgarrado do seu grupo longínquo e
Acendeu lamparina-dia-e-noite mal divulgada na grande luz do dia. vencendo
rogando os avisos do destino de sua Lume, vago, pisca-piscando, as sombras do dia e o escuro da noite
filha. invocando as Almas no escuro da noite. vindo se aninhar naquelas cabeceiras
Na corrente os animais bebiam em inocentes?...
Izé da Badia se refez. sorvos
Voltou a vaquejar. pelas cambas dos freios. Os homens na esfola em conversas,
Levar e trazer boiadas, Os cães sedentos, arfantes, pilhérias e risadas.
sertão adentro, estradas afora. respingantes, Estaquearam o couro como sabe fazer a
O aboio de seu berrante refrigerados., gente da roça.
que se ouvia distante conversavam do ouvido avivado Viraram o debulho. Arrancaram os
era um chamado constante à vista do pote e da cruz. pulmões,
da sua noiva Maria. enormes, desconformes.
Uma trela onceira farejou Cortaram, espostejaram.
Já o cego desvalido seguindo o curso d’água. Já as mulheres vinham com seus
pedinte das romarias Levantou pouco distante. baldes, bacias e gamelas,
tinha posto moda, Caça grossa!...Ali!... recolher os pedaços daquela carne
rimado versos e traçado na viola branca e gordurosa
a romança da Maria. Paca, anta, capivara, seria... para o sabão caseiro. Os cães
Decidido, a trela perdia o faro. disputavam, rosnando,
Juntava gente nas feiras, agressivos, pedaços de bofe.
abria uma grande roda. Os caçadores meio atentos,
Trovadores no desafio displicentes, Findo o trabalho alguém se lembrou de
violeiros na viola. queimavam seus palheiros. romper o
Sempre a triste e chorada estória Do mato vinha o acuo resguardado. [bucho
do sumiço da Maria. alongado.
Um caçador chamou na trompa. E o que estava ali, senhor?
Até crianças de sítio Respondeu o ganido desesperado do Numa barrela escura, repulsiva
nos folguedos de terreiro, cão ferido. espumosa – as
nos seus brinquedos de roda, O uivo agoniado da matilha atacada. [tranças de
uma ou outra se escondia. Maria
Iam todas procurar Os caçadores desmontaram. -Bem falou a velha Ambrosina.
no faz de conta Maria. Engatilhadas suas armas embaladas, A cartomante do baralho. O Guia do
seguiram no rumo certo. centro de Kardec...
O tempo fez o seu giro. Haviam de ter a seu tempo o destino de
As estações se trocaram. No fundo do mato, na trama Maria.
Passou o rolo compressor verde da ramaria cipoal, samambaias,
nas estradas consertando. no escuro do embrejado uma cena Epílogo como nas estórias bem
Também nos corações. inesperada. contadas:
o compressor do tempo apagando. Rolo negro, movediço, assanhado,
enlaçado ao pastor onceiro, quebrava E o que foi feito das tranças?
Foi depois de tudo isso passado, os ossos ao primeiro. Deram ao Izé da Badia.
contado e recontado que vieram E o que fez delas o Izé?
os caçadores e suas matilhas de caça. O outro, preso à trela, gania Mandou trançar duas rédeas bem
em ânsias de escapar. trançadas para seu cavalo
Pararam na porteira do sítio. Um, dois tiros. E o rolo negro, libuno, crinudo, espadas romanas
Tomaram chegada. compressor, cruzadas, cabo negro,
Sentaram, conversaram. cedeu nos seus volteios se rebolcando cavalo de vaquejadas.
67

em prata fina banhado. E o Izé tinha In: CORALINA, Cora. Poemas dos
Duas tranças primazia. Macias de luva- nas mãos, Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.
mão, todos os dias, o sedenho da sua noiva São Paulo: Global, 2014. p.179-190.
presas às cambas de seu freio Maria.
niquelado.

No momento da leitura, foi oportuna a intervenção, no sentido de ler o texto de forma


receptiva para acolher o que o texto traz em seu contexto semântico. Vale ressaltar que o texto
poético foi projetado em data show e sua leitura realizada pela professora mediadora. A
leitura, com sua carga de emoção, também faz a diferença. Assim, finalizamos as duas
primeiras aulas com os alunos percebendo que ler com significado requer um mergulho no
interior do texto. Para Bordini e Aguiar (1993, p. 15), em Literatura: a formação do leitor –
alternativas metodológicas: “ao ler o texto, o leitor entra nesse jogo, pondo de lado a sua
realidade momentânea, e passa a viver, imaginativamente, todas as vicissitudes das
personagens da ficção. Dessa forma, aceita o mundo criado como um mundo possível para
si”.
Na segunda reunião, que se deu em 11/09/2021, também com duas aulas seguidas de
literatura, retomamos o projeto de leitura. Novamente, verificando se havia alguma dúvida em
relação ao preenchimento dos documentos TALE e TCLE, o questionário e a produção do
documentário, ressaltamos o dia da entrega de todos à recepção do colégio. Nesse encontro, já
estávamos com um número maior de alunos nas aulas presenciais. Começamos relembrando o
poema As tranças da Maria e, de acordo com os comentários, foi possível perceber a boa
aceitação da leitura literária de Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, de Cora Coralina.
Indagamos se algum estudante havia realizado a leitura de algum poema da obra em casa, vez
que, em sala de aula, não seria possível a leitura de todo o livro. Para o momento, foi
solicitado que continuassem lendo os poemas da coletânea e, dentre eles, escolhessem o de
maior identificação pessoal para um posterior trabalho mais subjetivo.
No sentido de contextualizar os alunos sobre a autora Cora Coralina e suas produções
poéticas, propusemos assistir aos vídeos Conhecendo Museus - Ep. 02: Museu Casa de Cora
Coralina, https://www.youtube.com/watch?v=xkqA_TIPqm4 e o trailer oficial Caminho de
Pedras https://www.youtube.com/watch?v=bFGZmlV5YCQ, pois, com a pandemia COVID-
19 e com os cuidados que o momento requeria, a visita presencial ao museu tornara-se
inviável. O documentário supracitado é muito interessante e foi um jeito diferente de visitar o
museu. Os alunos gostaram, mencionaram já terem feito a visitação presencial em séries
anteriores com seus colegas e professores. Essa oportunidade de conhecer o universo de
criação da autora, seus escritos, sua moradia, sua inspiração contribuiu para uma leitura mais
68

significativa. Segundo Thiollent (2011, p. 28), a pesquisa-ação não é constituída apenas pela
ação ou pela participação. Com ela é necessário produzir conhecimentos, adquirir experiência,
contribuir para a discussão ou fazer avançar o debate acerca das questões abordadas.
Então, depois da visitação virtual, foram elencadas as leituras dos poemas Todas as
vidas e Minha cidade, de Cora Coralina, estabelecendo relações entre leitor, autor e texto, e
buscando a interação dos estudantes. Ambos os textos compõem a coletânea de poemas da
autora em estudo.
A partir do momento em que o estudante conheceu a casa da Ponte, a vivência dessa
parte biográfica de Cora Coralina estabeleceu uma maior aproximação entre o leitor e a autora
e todos puderam fruir com maior familiaridade os poemas Todas as vidas e Minha cidade, de
Cora Coralina, a seguir transcritos:

TODAS AS VIDAS Pimenta e cebola. Trabalhadeira.


Quitute bem feito. Madrugadeira.
Vive dentro de mim Panela de barro. Analfabeta.
uma cabocla velha Taipa de lenha. De pé no chão.
de mau-olhado, Cozinha antiga Bem parideira.
acocorada ao pé do borralho, toda pretinha. Bem criadeira.
olhando pra o fogo. Bem cacheada de picumã. Seus doze filhos,
Benze quebranto. Pedra pontuda. Seus vinte netos.
Bota feitiço... Cumbuco de coco.
Ogum. Orixá. Pisando alho-sal. Vive dentro de mim
Macumba, terreiro. a mulher da vida.
Ogã, pai-de-santo... Vive dentro de mim Minha irmãzinha...
a mulher do povo. tão desprezada,
Vive dentro de mim Bem proletária. tão murmurada...
a lavadeira do Rio Vermelho. Bem linguaruda, Fingindo alegre seu triste fado.
Seu cheiro gostoso desabusada, sem preconceitos,
d'água e sabão. de casca-grossa, Todas as vidas dentro de mim:
Rodilha de pano. de chinelinha, Na minha vida —
Trouxa de roupa, e filharada. a vida mera das obscuras.
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano. Vive dentro de mim In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de
Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
a mulher roceira.
Global, 2014. p.31-33.
Vive dentro de mim — Enxerto da terra,
a mulher cozinheira. meio casmurra.

MINHA CIDADE Eu sou aquela mulher


que ficou velha, Eu sou aquele teu velho muro
Goiás, minha cidade... esquecida, verde de avencas
Eu sou aquela amorosa nos teus larguinhos e nos teus onde se debruça
de tuas ruas estreitas, becos tristes, um antigo jasmineiro,
curtas, contando estórias, cheiroso
indecisas, fazendo adivinhação. na ruinha pobre e suja.
entrando, Cantando teu passado.
saindo Cantando teu futuro. Eu sou estas casas
uma das outras. encostadas
Eu sou aquela menina feia da Eu vivo nas tuas igrejas cochichando umas com as outras,
ponte da Lapa. e sobrados Eu sou a ramada
Eu sou Aninha. e telhados dessas árvores,
e paredes. sem nome e sem valia,
69

sem flores e sem frutos, E renascendo. minha estética,


de que gostam todas as vibrações
a gente cansada e os pássaros Eu sou a dureza desses morros, de minha sensibilidade de mulher,
vadios. revestidos, têm, aqui, suas raízes.
Eu sou o caule enflorados,
dessas trepadeiras sem classe, lascados a machado, Eu sou a menina feia
nascidas na frincha das pedras lanhados, lacerados. da ponte da Lapa.
Bravias. Queimados pelo fogo. Eu sou Aninha.
Renitentes. Pastados.
Indomáveis. Calcinados In: CORALINA, Cora. Poemas dos
Cortadas. e renascidos. Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.
Maltratadas. Minha vida, São Paulo: Global, 2014. p.33.
Pisadas. meus sentidos,

Nesse escopo, para Andruetto (2017, p. 29-30), “escrever (e ler) é olhar intensamente e
seguir uma personagem em sua transformação, num caminho que não sabemos aonde nos
levará”. Em As tranças da Maria, ficou evidente, nas atitudes dos alunos, a ação de seguirem
atentos toda a trajetória da personagem Izé da Badia com empatia e curiosidade. Como os
alunos gostaram muito desse texto e perceberam o viés narrativo da autora no poema, foi
possível perceber uma recepção mais entusiasmada para os demais textos. Então, Todas as
vidas e Minha cidade, que também foram lidos pela professora mediadora, tiveram um
enfoque significativo para os estudantes, pois eles estavam estabelecendo seu diálogo com o
texto.
No terceiro encontro, que se deu em 14/09/2021, também com duas aulas de literatura
ainda no processo de ensino híbrido devido a pandemia de COVID-19, foi o momento de
conhecer um pouco do cineasta Lázaro Ribeiro, pesquisador e estudioso da literatura goiana,
também morador da cidade de Goiás, que participa do projeto em descrição como editor do
documentário preparado para ser o produto educacional desta pesquisa. Nesse primeiro
momento, as informações foram emitidas pela professora, pois o cineasta não estava presente.
Alguns alunos disseram conhecê-lo na cidade e estavam receptivos com a possibilidade de
gravação do documentário - algo novo, que ultrapassava as paredes da sala de aula. Segundo
Todorov (2010, p. 29),

Em sua aula, na maior parte do tempo, o professor de literatura não pode se resumir
a ensinar, como lhe pedem as instruções oficiais, os gêneros e os registros, as
modalidades de significação e os efeitos da argumentação, a metáfora e a
metonímia, a focalização interna e externa etc. Ele estuda também as obras.

A produção do documentário é uma forma de leitura para além da sala de aula e pode
ser considerada uma produção artística com o compromisso de explorar a realidade. Não tem
o objetivo de reproduzi-la; é uma performance parcial e subjetiva da realidade. O fato de essa
aula enfocar a produção do documentário como produto educacional resultante da leitura
literária dos Poemas dos becos de Goiás e estórias mais e de o aluno perceber que ele, como
70

leitor, o texto e a autora seriam a base desse produto, foi um estímulo para o trabalho, pois é
uma forma de sair de si para o texto e o retorno para si depois do texto. O que para Todorov,
em regra geral,

O leitor não profissional, tanto hoje quanto ontem, lê essas obras não para melhor
dominar um método de ensino, tampouco para retirar informações sobre as
sociedades a partir das quais foram criadas, mas para nelas encontrar um sentido que
lhe permita compreender melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma
beleza que enriqueça sua existência; ao fazê-lo, ele compreende melhor a si mesmo.
O conhecimento da literatura não é um fim em si, mas uma das vias régias que
conduzem à realização pessoal de cada um (TODOROV, 2010, p. 33).

Nesse sentido, os estudantes queriam entender como esse trabalho de leitura literária
resultaria em um documentário que partiria de suas leituras e produções. Primeiramente,
assistimos ao documentário Maria Macaca (cujo link de acesso é
https://www.youtube.com/watch?v=Kn9X_qMq7WA.), que também foi uma moradora da
cidade de Goiás em tempos idos e produzido pelo cineasta Lázaro Ribeiro. Os alunos
perceberam que, para a construção de um documentário que transita entre leitor, poesia e
autora, a leitura literária com significação funcionaria como intertexto e foi oportuno reforçar
que os poemas do livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais precisariam de leitura
aprofundada.
Para os adolescentes, conhecer Maria Macaca, que foi moradora da cidade e que
projetava um pouco dos hábitos, costumes e crenças goianas – uma das tantas mulheres
coralinas da cidade de Goiás –, foi motivador.
Nesse ambiente de futura produção cultural, a partir da leitura da poesia de Cora e para
entender mais os seus poemas, já que ela possui um jeito peculiar de escrever, foram
projetados em data show dois textos: Poemas, de Mário Quintana, e Ressalva, de Cora
Coralina, um dos poemas que compõem Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. Vejamos
os poemas.

Poemas

Os poemas são pássaros que chegam


não se sabe de onde e pousam
no livro que lês,
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
71

que o alimento deles já estava em ti...

In: QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. p. 19.

Ressalva

Este livro foi escrito


por uma mulher
que no tarde da Vida
recria e poetiza sua própria
Vida.

Este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da
Montanha da Vida
removendo pedras
e plantando flores.

Este livro:
Versos...Não.
Poesia...Não.
Um modo diferente de contar velhas estórias.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
Global, 2014. p.27.

Os dois textos foram lidos por dois alunos voluntários, já no sentido de trabalhar a
entonação que os poemas pedem e para enfatizar que a leitura vocalizada requer ritmo,
entonação, pausas e produção de sentido pela própria voz e que todos podem e conseguem ler
com proficiência, desde que haja exercício, repetições, ensaio e erro.
A escolha de Mário Quintana com o texto Poemas veio da simplicidade de sua lírica
poética: temas simples, versos livres, irregulares e sem preocupação com a existência de
rimas, mas com ritmo bem demarcado. Ele define com poucas palavras que os poemas não
têm pouso nem porto, alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. Para Cora
Coralina, é um modo diferente de contar velhas estórias e, como os alunos já tinham
observado em As tranças da Maria que a autora contava uma história, não teria como não
fazer tal ressalva. Ebe Maria de Lima (2018, p. 109) já apontava a poesia de Cora Coralina
como uma poesia da oralidade. Seus poemas são longos, caudalosos, parecendo mais uma
conversação, pelos protocolos da fala, do que uma escrita.
Finalmente, foi feita uma nova leitura dos poemas depois dos comentários, percebendo
realmente o que os textos dizem, e associando-os ao que Vincent Jouve (2002, p. 15) disse a
partir de M. Otten, que propõe apreender a atividade de leitura por meio de três campos
nitidamente circunscritos: o do texto para ler, o texto do leitor, a relação do texto com o leitor.
Seguidamente, passamos à indagação sobre a ligação do poema Ressalva, de Cora Coralina,
72

com o próprio título da obra – o que anteriormente já fora comentado devido aos temas e o
seu modo de escrever bem próximos da prosa.
Posteriormente, solicitamos aos estudantes uma primeira produção. Como comando, foi
passado na lousa para todos o seguinte: “Produzir um texto poético retratando sua cidade,
memórias, identidades, enfim, como você a vê e se vê como morador de uma cidade histórica,
cheia de história e poesia. Para isso, retomar os poemas Todas as vidas e Minha cidade, de
Cora Coralina”.
Destarte, leitura e escrita se complementariam. Andruetto, no artigo denominado Elogio
da dificuldade: formar um leitor de literatura, diz que bons livros são construções de
mundos:

Os bons livros são construções de mundos, artifícios que nos obrigam a perceber
outras vidas, imaginar outros caminhos humanos; essa é uma das razões mais
fascinantes de escrever e de ler: olhar o mundo com olhos alheios, tentar entrar em
outras condições de vida para compreender um pouco mais a condição humana.
Uma das razões mais poderosas de escrever e de ler é, sem dúvida, o desejo de
compreender os demais, espelho, por sua vez, do desejo de compreendermos a nós
próprios. Leitura e escrita como caminho de conhecimento (ANDRUETTO, 2017, p.
92).

Nesse contexto, como pesquisadora e mediadora do projeto de leitura literária com


adolescente, o ler e o escrever sobre o seu mundo e outros mundos são uma contribuição para
o autoconhecimento. Todorov (2010, p. 92-93), em A Literatura em perigo, reforça que,
sendo o objeto da literatura a própria condição humana, aquele que a lê e a compreende se
tornará não um especialista em análise literária, mas um conhecedor do ser humano.
Conhecer um pouco mais de si: essa é uma busca de todo adolescente. Portanto, a
proposta de produção de texto após a leitura dos primeiros textos de Poemas dos becos de
Goiás trazia intrínseca essa visão de outros mundos.
Nesse panorama, vejamos então poemas e fragmentos das percepções descritas pelos
participantes, com ênfase em memórias, identidades: como se vê e também como se percebe
como morador de uma cidade histórica, cheia de história e poesia.

Várias vidas em uma só

Há várias versões de mim


Muitas partes de uma só
Vários sentidos em uma única pessoa
Traços da formação de alguém.

Eu sou a menina sorridente


Calma,
Sensível,
73

Flexível.

Eu sou a força do meu pai


A determinação de minha mãe
O carinho de meu irmão
O cuidado dos meus avós.

Sou muitas vidas


Todas as vidas em minha vida
E minha vida em todas as vidas
Eu sou uma em várias vidas.
A. E. de F.

De todas as outras
Eu sou a presente
No cheiro da serra
Sozinha e protetora
Cheia de marcas
Cicatrizes e memórias.

Eu sou as ruas de pedras


Valorizadas e esquecidas
Trago em minha pele
O saber e o falar.

Eu sou o cheiro e o sabor


Do pequi colhido na época
Certamente, também sou
A música e o canto das araras.
H. K. R. S.

O poema Várias vidas em uma só, de A.E. de F. possui um tom ancestral. O eu lírico é
enfático em sua formação, que vem de traços de outras vidas, como nas duas últimas estrofes
e em destaque no último verso: “Eu sou uma em várias vidas”, que fundamenta quem se é:
parte das vidas de sua família. É possível perceber que a aluna trabalhou seu poema tendo
como referência Todas as vidas, de Cora Coralina. É uma adolescente com maturidade leitora
e que consegue se colocar no texto também em formação. A estudante H.K.R.S. também
conseguiu se esboçar no poema, usando o tempo presente e recorrendo a elementos da
natureza e da cidade onde mora – um artifício muito usado pela poeta em estudo.
A proposta de produção sintetiza o autoconhecimento e a capacidade de criação
artística. Segundo Andruetto, em seu artigo Em busca de uma língua ainda não ouvida,
“literatura e construção de leitores são duas faces da mesma moeda, cuja dialética alimenta e
sustenta o desenvolvimento subjetivo de um povo”. Isso é possível perceber nas produções
supracitadas (ANDRUETTO, 2017, p. 41).
74

Nessa atividade de produção, a subjetividade dos leitores ficou evidenciada em vários


textos. No poema Quem sou?, o eu lírico está em busca incessante do seu próprio mundo
interior. Começa se colocando como a nossa poetisa Cora Coralina em suas produções: “Eu
sou a curiosa destes morros/ as casas que cochicham/ os becos que se encontram...”; não se
esquece de dar vozes àqueles que a sociedade insiste em não enxergar: “Nos becos que se
encontram estão/ Todas as gentes desse mundo/As mulheres abusadas/As crianças órfãs e
desamparadas/Os idosos abandonados à própria sorte/Os loucos e deficientes excluídos pela
normalidade...”. Segue o poema,

Quem sou eu?

Eu sou a cacheada destas ruas de pedra


Eu sou a curiosa destes morros
As casas que cochicham
Os becos que se encontram.

Em meus cachos vivem


As águas que correm sob a ponte
O vento que balança as árvores
Os pássaros que cantam ao fim da tarde.

Nas curvas dos meus morros estão


Os índios Goyazes sacrificados pelo ouro
Os escravos trabalhadores forçados
E as vidas exploradas
que se tornaram histórias de forças e resistências.

Nos becos que se encontram estão


Todas as gentes desse mundo
As mulheres abusadas
As crianças órfãs e desamparadas
Os idosos abandonados à própria sorte
Os loucos e deficientes excluídos pela normalidade.

Mas nas casas que cochicham


Há reza e oração
Há esperança e identidade
Todos se tornam um
E se mantém de pé diante da vida.
C. O. S.

A literatura é imprescindível na vida do adolescente, segundo Andruetto (2017, p. 88).


Por isso, a escola precisa garantir a presença de determinados livros e ajudar a sua leitura no
contexto, reconhecê-los como introduzidos numa tradição, imersos num sistema literário, no
marco de uma cultura e de uma língua. Em Vidas, de M.S.F.O., e Goiás, minha cidade, de L.
75

L. F. D., as estudantes valorizaram as gerações passadas, colecionaram sonhos na cidade


pequena em que vivem e dão vida à beleza da cidade.

Vidas

Vive dentro de mim uma garota apaixonada


por novos mundos,
uma pequena leitora que ama a fantasia
e as histórias tradicionais contadas pela avó.

Vive dentro de mim uma menina sonhadora,


que não costuma criar expectativas,
mas coleciona sonhos.

Vive dentro de mim o amor pela natureza,


pelas flores e pelo vento que vem das árvores de manhã,
pelos campos e os animais
e pelo belo pôr do sol de cada entardecer.

Vive dentro de mim a criança que ama a cidade,


que com olhos sinceros percebe
que a cidade é pequena
mas que está te vendo crescer
e por isso sempre irá guardá-la no coração.
M. S. F. O.

Goiás, minha cidade

A minha cidade é aquela das ruas de pedras


Que carrega uma história em cada esquina
Em seus escuros becos e verdes morros.
A minha cidade é aquela com coloridos ipês
Que dão cor a Serra Dourada e ao cerrado seco
Aquela em que o céu a noite brilha
Como os dourados fios de ouro nos rios.
A minha cidade é repleta de lendas e histórias admiráveis
Daqueles que sempre regressaram
Após saciarem suas sedes nas luminosas fontes da Carioca
Até os que creem na presença de uma deslumbrante indígena
Sobre o morro.
Tenho pena daqueles que não conhecem a minha cidade
A cidade que amparou a nossa pátria
E carrega consigo muitas histórias
A minha cidade, Goiás.
L. L. F. D.

O encontro seguinte aconteceu no dia 21/09/2021, referente à quarta sequência didática.


O trabalho começou como sempre, retomando o trabalho anterior com comentários feitos pela
professora mediadora, incentivando os estudantes na linha de que ler faz a diferença e que os
textos produzidos no encontro anterior ficaram belos e profundos.
76

Em seguida, foram projetados os poemas O palácio dos arcos e A lavadeira, ambos de


Cora Coralina. Leitura intercalada feita pela professora mediadora e os estudantes, sempre
direcionando para o que o texto está dizendo. Segundo Anne Rouxel et. al. (2013, p. 70), a
noção de identidade literária supõe, pois, uma espécie de equivalência entre si e os textos:
textos de que eu gosto, que me representam, que, metaforicamente, falam de mim, que me
fizeram ser o que sou, que dizem aquilo que eu gostaria de dizer, que me revelaram a mim
mesmo. Continua a autora enfatizando que o desejo de ler nasce de mediações cuja natureza,
às vezes, é imponderável. Rouxel et. al. recorre a Michèle Petit para apontar que a leitura é
uma arte que se transmite mais do que se ensina. Nesse contexto de leitura, alguns alunos
comentaram a estrofe de que mais gostaram e de qual poema. Houve uma identificação maior
com o poema O Palácio dos arcos, em que o índio Carajá se enche de saudade e desejo de
voltar para o seu povo. Esse atavismo emocionou muitos alunos.
O texto A lavadeira, um dos poemas mais conhecido da autora, foi lido por uma aluna
que solicitou a sua leitura, dizendo que, até o momento, era o seu texto predileto.
Nesse contexto de possibilidades de leituras, foi projetado o filme de animação A
infância de Aninha, de Rosa Berardo, ganhador do prêmio Goiano de Cinema e Vídeo de
Curta Metragem – Edital de concurso 002/2012. Momento de percepção de como Rosa
Berardo leu a obra de Cora Coralina. Pilati (2018, p. 57) salienta que, em uma sala de aula
criadora, não poderia haver separação rígida entre “atores” e “espectadores”. Todos deveriam
estar comprometidos com um processo no qual, agindo e observando, constroem, ativa e
criativamente, leituras de textos literários. E continua afirmando que não cabe ao professor
entregar leituras; cabe a ele estimular a inquietação, a curiosidade, a formulação de
interrogações, convidando os alunos a partilharem de uma imersão em um “jogo”, que é o
texto literário (PILATI, 2018, p. 59).
A leitura não deve chegar à sala de aula pronta e moldada pela professora; é necessário
proporcionar abertura para a leitura partilhada dos alunos, que pode ser uma leitura oposta à
do professor e que não deixa de ser um momento de aprofundar no que o texto está dizendo.
Como atividade extraclasse, solicitou-se o término da leitura Poemas dos Becos de
Goiás e Estórias Mais, pedindo atenção à escolha de um poema ou estrofe com que mais se
identificassem, e gravar um vídeo (som e imagem) de uma situação pensada que representasse
o encontro do aluno (leitor) com o texto. Algo simples, curto e original. Uma oportunidade de
ser criativo, pensar no texto e em sua vivência literária. O vídeo gravado deveria ser enviado
pelo WhatsApp para a professora e pesquisadora, antes do encontro seguinte. Caso
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preferissem, poderia ser feito em dupla ou trio, desde que atendesse a todos os cuidados
relevantes à pandemia COVID-19.
Vejamos os poemas da leitura literária:

O SOLDADO CARAJÁ de uma tribo muito mansa do Araguaia, Levantou-se um pé de vento,


tinha vindo pequenino pra Goiás. redemoinho.
O palácio dos Arcos Foi criado bem-criado Um cheiro forte de terra.
tem estórias de valor numa casa de família. Um cheiro agreste de mato.
que não quero aqui contar. Ninguém nunca contou Um cheiro de aguada distante.
Vou contar a estória do soldado carajá. dondé que ele tinha vindo.
Era mesmo filho de família. O soldado carajá, sabe lá o que sentiu.
Era uma vez em Goiás Era igual aos meninos da cidade. Acordou dentro de si
um soldado, carajá civilizado. uma grande nostalgia.
Sabia ler e contar. Andou na escola. Aprendeu leitura. Uma dura rebeldia.
Estimado no quartel. Subiu nos morros, apanhou pequi. O grito da sua raça.
Tinha boa disciplina, Nadou no rio, fisgou cascudo. Chamados da sua taba.
divisas de furriel. Pinchou pedra. Quebrou vidraça. Aquela mudança de tempo
Vendeu tabuleiro de bolo de arroz. despertou os seus heredos.
Um dia...era o mês de outubro. Jogou bete na rua. Acordou seus atavismos.
A cidade estava baça Empinou arraia.
de fumaça das queimadas. Lançou corsário. Certo foi que o soldado carajá
Fazia calor medonho. Brigou na regra. Embolou no aloite. (bugre civilizado, sabendo ler e contar)
O povo clamava chuva. Escreveu indecência nas paredes. encostou sua comblém (era no tempo
Cresceu. Se fez homem de bem. das combléns).
O soldado carajá Sentou praça na Polícia. Descalçou a reiuna-canguru
dava guarda no Palácio Vestiu fardão escuro, botão dourado, legítima, ringideira.
aquele dia. daquele tempo. Baixou o quepe, correame,
Calçou bota reiuna-canguru legítima, mochila, refle-baioneta.
De repente, ouviu um trovão surdo ringideira. Sacou da túnica.
rolar Botou correame, quepe, mochila, Desceu as calças e o mais que havia,
do lado da Santa Bárbara. cinturão, refle-baioneta. Saiu correndo pelas ruas,
Rolou outro atrás do primeiro. Encostou fuzil no ombro. Nu?
Levantou-se um pé de vento, Fazia sentinela. Dava ronda. Vestido com seus atavismos.
redemoinho. Rendia guarda, marchava, desfilava. Coberto com seus heredos.
Um cheiro forte de terra. Era estimado no quartel. Alcançou a Barreira do Norte
e sumiu-se no rumo do Araguaia...
Um cheiro agreste de mato. Tinha boa disciplina,
Um cheiro de aguada distante. divisas de furriel. Na poeira do bárbaro
O soldado carajá, Um dia (era no mês de outubro) atuado pelas forças cósmicas e
ninguém sabe o que sentiu. andavam de noite fogaréus vermelhos ancestrais,
Acordou dentro de si queimando os morros. ouvia-se o grito selvagem:
uma dura rebeldia. A cidade estava baça de fumaça ...uirerê!...uirerê!...uirerê!...
Uma rude nostalgia. das queimadas.
O grito de sua raça. Fazia um calor medonho. E era uma vez em Goiás
Chamados de sua taba. O povo clamava chuva. um soldado de guarda,
Aquela mudança de tempo O soldado carajá dava guarda no civilizado carajá!
despertou os seus heredos. Palácio.
De repente, ouviu um trovão surdo
Acordou seus atavismos. rolar In: CORALINA, Cora. Poemas dos
Certo foi... do lado da Santa Bárbara. Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.
O bugrinho carajá, Rolou outro atrás do primeiro. São Paulo: Global, 2014. p. 120-124.

A LAVADEIRA Unhas enrugadas. vestindo o quaradouro


Córneas. de cores multicores.
Essa Mulher... Unheiros doloridos
Tosca. Sentada. Alheada... passaram, marcaram. Essa mulher
Braços cansados No anular, um círculo metálico tem quarentanos de lavadeira.
descansando nos joelhos... barato, memorial. Doze filhos
olhar parado, vago, Seu olhar distante, crescidos e crescendo.
perdida no seu mundo parado no tempo.
de trouxas e espuma de sabão À sua volta Viúva, naturalmente.
- é a lavadeira. - uma espumarada branca de sabão Tranqüila, exata, corajosa.
Inda o dia vem longe
Mãos rudes, deformadas. na casa de Deus Nosso Senhor Temente dos castigos do céu.
Roupa molhada. o primeiro varal de roupa Enrodilhada no seu mundo pobre.
Dedos curtos. festeja o sol que vai subindo Madrugadeira.
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Salva a aurora. na vasca, no gramado. branca de sabão.


Espera pelo sol. No arame e prendedores. Às lavadeiras do Rio Vermelho
Abre os portais do dia Na tina d’água. da minha terra,
entre trouxas e barrelas. De noite – o ferro de engomar. faço deste pequeno poema
meu altar de ofertas.
Sonha calada. Vai lavando. Vai levando. In: CORALINA, Cora. Poemas dos
Enquanto a filharada cresce Levantando doze filhos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.
trabalham suas mãos pesadas. Crescendo devagar, São Paulo: Global, 2014. p. 205-207.
enrodilhada no seu mundo pobre,
Seu mundo se resume dentro de uma espumarada

O encontro seguinte aconteceu no dia 28/09/2021 referente à quinta sequência didática.


Momento de leitura dos Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais concluída, os vídeos
gravados e enviados. O início foi meio tenso, devido à expectativa dos alunos para assistir a
alguns vídeos e ouvir o comentário sobre sua produção. É válido ressaltar que foi o momento
de dialogar com os leitores sobre como foi a gravação, os sentimentos, as dificuldades e a
interação. Comentários dos aspectos percebidos nos vídeos, as escolhas, a criação artística, a
identificação e as memórias retratadas.
Como sempre, predominou o cuidado e o zelo pela leitura do outro, principalmente na
produção do vídeo. O modo particular de cada aluno ver o mundo e o texto. Segundo Pilati
(2018, p. 67),
Nosso dever de educadores é não apenas o de propiciar o contato dos alunos com a
leitura da literatura, mas o de fazer o possível para que a qualidade desse contato
seja complexificada a cada nova leitura, a cada novo texto trabalhado, num processo
que faça o aluno desvencilhar-se da reprodução de leituras pasteurizadas dos textos.

E foi assim, pensando nessa complexidade positiva, no sentido de incomodar o leitor,


instigá-lo à produção que foi pensada, à ação de compartilhar alguns vídeos em sala,
respeitando a permissão do produtor, que realizamos as audições. [Os vídeos aqui elencados
estão nomeados como Vídeos: produção dos alunos e disponíveis no seguinte endereço
https://youtu.be/80YNMdv5bcU, sendo eles a base do produto educacional].
O primeiro vídeo de A.L.P.S. é uma leitura com animação do poema O Palácio dos
Arcos (2014, p. 120), de Cora Coralina. Começa aos 0:15"até 0:57". Que se ressalte as várias
possibilidades de leitura, no caso, a estudante é muito criativa e seu vídeo fala por si. O
trabalho com uma dinâmica que foge do tradicional pode até trazer mais significado e valor à
literatura na escola. É também uma atividade que desperta o interesse do leitor: os jovens têm
muita familiaridade com a tecnologia, pode-se dizer que possibilita uma aproximação literária
dos alunos com os textos.
O segundo é uma leitura encenada do poema As lavadeiras, de Cora Coralina (2014, p.
205), que se inicia em 0:59" e segue até 1':56", da aluna leitora H.K.R.S.: momento de
empatia com o texto, é visível o dialogismo do leitor, texto e autora. Diante de leituras tão
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distintas e desenvolvidas por jovens estudantes ainda em formação, Petit (2013, p. 26)
assevera que, na realidade, os leitores apropriam-se dos textos, lhes dão outro significado,
mudam-lhes o sentido, interpretam-nos à sua maneira, introduzindo seus desejos entre as
linhas: é toda a alquimia da recepção. Não se pode jamais controlar o modo como um texto
será lido, compreendido e interpretado.
A estudante E.R.C. contou com a beleza inigualável da cultura rural, lendo o poema
Evém boiada!, de Cora Coralina (2014, p. 130), que se inicia em 2':00" indo até 2':49". É uma
projeção do cotidiano do vaqueiro, como se o mundo da fazenda passasse diante de seus
olhos. Posteriormente, a leitora C. O. S. também retratou o lugar onde vivia, o eu lírico dando
vida ao poema Minha cidade, de Cora Coralina (2014, p. 34). O seu canto da cidade se inicia
em 2':50" até 3':13". A leitura depende muito da subjetividade do leitor – um mesmo poema
pode manifestar-se diferentemente em vários leitores. Para Petit (2013), os escritores nos
ajudam a nomear os estados pelos quais passamos, a distingui-los, a acalmá-los, a conhecê-los
melhor e a compartilhá-los. Graças às suas histórias, escrevemos a nossa, por entre as linhas
A cidade de Goiás é um reduto de estórias e lendas. Nesse sentido, as alunas L. L. F. D.,
L.M.S. e B.L.N.S. trouxeram A Procissão das Almas, uma história que se agrega ao folclore
goiano e também aparece nas criações de Cora Coralina. O vídeo produzido começa em 3':16"
até 3':47". Depois, a estudante L. S.T. se senta no cais do Rio Vermelho, invade com sua
leitura a casa velha da Ponte. O poema Rio Vermelho compõe a coletânea Becos de Goiás
(CORALINA, 2014, p. 79) e a produção da aluna começa em 3':48" até 4':28". Finalmente, o
estudante H.M.F. estabelece um diálogo com o texto poético As tranças da Maria, também de
Cora Coralina (2014, p. 179). Foi o texto que introduziu o projeto de formação de leitores de
poesia na sala de aula. O estudante ficou encantado com o texto. Não poderia ser diferente:
seu vídeo é uma contação de história, leitura literária, diálogo e desenho, que começa em
4':28" até 6':14". É notável a percepção dos alunos de que a literatura de Cora Coralina traz
muito da cultura goiana. Bakhtin assevera:

A literatura, inseparável da cultura, não pode ser entendida fora do contexto pleno de
toda a cultura de uma época. É inaceitável separá-la do restante da cultura e, como
se faz constantemente, ligá-la imediatamente a fatores socioeconômicos, por assim
dizer, passando por cima da cultura. Esses fatores agem sobre a cultura no seu todo e
só através dela e juntamente com ela influenciam a literatura (BAKHTIN, 2011, p.
360).

Bakhtin ainda acrescenta que uma obra não pode viver nos séculos futuros se não reúne
em si, de certo modo, os séculos passados. Se ela nascesse toda e integralmente hoje (isto é,
em sua atualidade) e não desse continuidade ao passado ou não mantivesse com ele um
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vínculo substancial, não poderia viver no futuro. Tudo o que pertence apenas ao presente
morre juntamente com ele.
Diante disso, a obra Poemas dos Becos de Goiás pode ser lida como atemporal, pois
traz o passado e, com ele, o leitor compreende melhor o presente com suas nuanças. Pensando
assim, o documentário foi construído a partir da leitura e realidade dos estudantes, dialogando
com o texto não para oferecer respostas, mas para instigar perguntas, o que, para Andruetto, é
tarefa do texto: “A literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro aos
lugares comuns, ser o contrário do que dela se espera e, ainda, “não dar respostas, mas gerar
perguntas” (ANDRUETTO, 2017, p. 9).
Depois dos vídeos, foram projetados os poemas A Escola da Mestra Silvina e O Prato
Azul-Pombinho, ambos da poetisa Cora Coralina. A leitura foi intercalada entre os alunos e a
mediadora, juntamente com uma análise oral compartilhada. Foi a oportunidade de despertar a
atenção dos leitores para os recursos expressivos e linguísticos utilizados pela autora. Foram
dois textos trabalhados com muita receptividade. A leitura intercalada, com pausas para
comentários, foi também muito positiva nesses encontros. É perceptível o interesse do aluno
para o que o texto está dizendo, principalmente no caso dos poemas de Cora Coralina, que
trazem um forte viés narrativo.
Seguem os poemas:

A ESCOLA DA MESTRA Tinha dia certo de argumento


SILVINA Vinham depois: com a palmatória pedagógica
Primeiro, segundo, em cena.
Minha escola primária... terceiro e quarto livros Cantava-se em coro a velha
Escola antiga de antiga mestra. do erudito pedagogo tabuada.
Repartida em dois períodos Abílio César Borges —
para a mesma meninada, Barão de Macaúbas. Velhos colegas daquele tempo...
das 8 às 11, da 1 às 4. E as máximas sapientes Onde andam vocês?
Nem recreio, nem exames. do Marquês de Maricá.
Nem notas, nem férias. A casa da escola inda é a mesma.
Sem cânticos, sem merenda... Não se usava quadro-negro. -Quanta saudade quando passo ali?
Digo mal — sempre havia As contas se faziam Rua Direita, nº 13.
distribuídos em pequenas lousas Porta da rua pesada,
alguns bolos de palmatória... individuais. escorada com a mesma pedra
A granel? da nossa infância.
Não, que a Mestra Não havia chamada
era boa, velha, cansada, e sim o ritual Porta do meio, sempre fechada.
aposentada. de entradas, compassadas. Corredor de lajes
Tinha já ensinado a uma geração “-Bença, Mestra...” e um cheirinho de rabugem
antes da minha. dos cachorros de Samélia.
Banco dos meninos. À direita – sala de aulas.
A gente chegava "— Bença, Banco das meninas. Janelas de rótulas.
Mestra." Tudo muito sério. Mesorra escura
Sentava em bancos compridos, Não se brincava. toda manchada de tinta
escorridos, sem encosto. Muito respeito. das escritas.
Lia alto lições de rotina: Leitura alta. Altos na parede, dois retratos:
o velho abecedário, Soletrava-se. Deodoro, Floriano.
lição salteada. Cobria-se o debuxo.
Aprendia a soletrar. Dava-se a lição. Num prego de forja, saliente na
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parede, estirava-se a palmatória. João de Araújo, Rufo. Luisita e Fani.


Porta de dentro abrindo Apulcro de Alencastro, Nicoleta e Olga Bonsolhos.
numa alcova escura. Vítor de Carvalho Ramos. Laura Nunes.
Um velhíssimo armário. Hugo das Tropas e Boiadas. Adélia Azeredo.
Canastras tacheadas. Benjamim Vieira. Minha irmã Helena.
Um pote d'água. Antônio Rizzo. (Eu era Aninha.)
Um prato de ferro. Leão Caiado, Orestes de Carvalho. Velhos colegas daquele tempo.
Uma velha caneca, coletiva, Natanael Lafaiete Póvoa. Quantos de vocês respondem
enferrujada. Marica. Albertina Camargo. esta chamada de saudades
Minha escola da Mestra Silvina... Breno — "Escuto e tua voz vai e se lembram da velha escola?
Silvina Ermelinda Xavier de Brito. se apagando com um dolente ciciar
Era todo o nome dela. de prece". E a Mestra?...
Alberico, Plínio e Dante Camargo. Está no Céu.
Velhos colegas daquele tempo, Guigui e Minguito Tem nas mãos um grande livro de
onde andam vocês? de Totó dos Anjos. ouro
Zoilo Remígio. e ensina a soletrar
Sempre que passo pela casa Zelma Abrantes. aos anjos.
me parece ver a Mestra, Joana e Mariquinha Milamexa.
nas rótulas. Marica. Albertina Camargo.
Mentalmente beijo-lhe a mão. Zu, Maria Djanira, Adília. In: CORALINA, Cora. Poemas dos
“-Bença, Mestra.” Genoveva, Amintas e Teomília. Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.
E faço a chamada de saudade Alcides e Magnólia Craveiro. São Paulo: Global, 2014. p. 61-65.
dos colegas: Pequetita e Argentina Remígio.
Juca Albernaz, Antônio, Olímpia e Clotilde de Bastos.

O PRATO AZUL-POMBINHO Pombos sobrevoando.


Era um prato original,
muito grande, fora de tamanho, Minha bisavó
Minha bisavó – que Deus a tenha um tanto oval. traduzia com sentimento sem
em glória- Prato de centro, de antigas mesas igual,
sempre contava e recontava senhoriais a lenda oriental
em sentidas recordações de família numerosa. estampada no fundo daquele prato.
de outros tempos De faustos casamentos e dias de Eu era toda ouvidos.
a estória de saudade batizado. Ouvia com os olhos, com o nariz,
daquele prato azul-pombinho. com a boca,
Pesado. Com duas asas por onde com todos os sentidos,
Era uma estória minuciosa. segurar. aquela estória da Princesinha Lui,
Comprida, detalhada. Prato de bom-bocado e de mães- lá da China – muito longe de Goiás
Sentimental. bentas. –
Puxada em suspiros saudosistas De fios de ovos. que tinha fugido do palácio, um
e ais presentes. De receita dobrada dia,
E terminava invariavelmente, de grandes pudins, com um plebeu do seu agrado
depois do caso esmiuçado: recendendo a cravo, e se refugiado num quiosque muito
“– Nem gosto de lembrar disso…” nadando em calda. lindo
É que a estória se prendia com aquele a quem queria,
aos tempos idos em que vivia Era, na verdade, um enlevo. enquanto o velho mandarim – seu
minha bisavó Tinha seus desenhos pai –
que fizera deles seu presente e seu em miniaturas delicadas: concertava, com outro mandarim
futuro. Todo azul-forte, de nobre casta,
em fundo claro detalhes complicados e
Voltando ao prato azul- pombinho num meio – relevo. cerimoniosos
que conheci quando menina Galhadas de árvores e flores de seu casamento com um príncipe
e que deixou em mim estilizadas. todo-poderoso,
lembrança imperecível. Um templo enfeitado de lanternas. chamado Li.
Era um prato sozinho Figuras rotundas de entremez.
último remanescente, sobrevivente, Uma ilha. Um quiosque Então, o velho mandarim,
sobra mesmo, de uma coleção, rendilhado. que aparecia também no prato,
de um aparelho antigo Um braço de mar. de rabicho e de quimono,
de 92 peças. Um pagode e um palácio chinês. com gestos de espavento e cercado
Isto contava com emoção, minha Uma ponte. de aparato,
bisavó, Um barco com sua coberta de decretou que os criados do palácio
que Deus haja. seda. incendiassem o quiosque
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onde se encontravam os fugitivos aquele último como ser presente,


namorados. que, em raros dias de cerimônia comecei a chorar
ou festas do Divino – que chorona sempre fui.
E lá estavam no fundo do prato, figurava na mesa em grande
– oh, encanto de minha meninice! pompa, Foi o bastante para ser apontada e
– carregado de doces secos, acusada
pintadinhos de azul, variados, de ter quebrado o prato.
uns atrás dos outros – atravessando muito finos, Chorei mais alto, na maior tristeza,
a ponte, encimados por uma coroa comprometendo qualquer tentativa
com seus chapeuzinhos de bateia alvacenta e macia de defesa.
e suas japoninhas largas, de cocadas-de-fita. De nada valeu minha fraca
cinco miniaturas de chinês. negativa.
Cada qual com sua tocha acesa Às vezes, ia de empréstimo Fez-se o levantamento de minha
– na pintura- à casa da boa tia Nhorita. vida pregressa
para por fogo no quiosque E era certo no centro da mesa de menina
– da pintura. de aniversário, com sua montanha e a revisão de uns tantos processos
de empadas, bem tostadas. arquivados.
Mas ao largo do mar alto No dia seguinte, voltava. Tinha já quebrado – em tempos
balouçava um barco altivo conduzido por um portador alternados,
com sua coberta de prata, que era sempre o Abdênago, preto três pratos, uma compoteira de
levando longe o casal fugitivo. de valor, estimação,
de alta e mútua confiança. uma tigela, vários pires e a tampa
Havia, como já disse, de uma terrina.
pombos esvoaçando. Voltava com muito-obrigados
E um deles levava, numa argolinha e, melhor – cheinho Meus antecedentes, até,
do pé, de doces e salgados. não eram muito bons.
mensagem da boa ama, Tornava a relíquia para o relicário Com relação a coisas quebradas
dando aviso a sua princesa e dama, que no caso era um grande e velho nada me abonava.
da vingança do velho mandarim. armário, E o processo se fez, à revelia da ré,
alto e bem fechado. e com esta agravante:
Os namorados então -“Cuidado com o prato azul- tinha colado no meu ser magricela,
na calada da noite, pombinho” de menina,
passaram sorrateiros para o barco, dizia minha bisavó, vários vocativos
driblando o velho, como se diz cada vez que o punha de lado. adesivos, pejorativos:
hoje. inzoneira, buliçosa e malina.
E era aquele barco que balouçava Um dia, por azar,
no mar alto da velha China, sem se saber, sem se esperar, Por indução e conclusiva,
no fundo do prato. artes do salta-caminho, era eu mesma que tinha quebrado o
partes do capeta, prato azul-pombinho.
Eu era curiosa para saber o final da fora do seu lugar, apareceu
estória. quebrado, Reuniu-se o conselho de família
Mas o resto, por muito que feito em pedaços – sim senhor- e veio a condenação à moda do
pedisse, o prato azul-pombinho. meu tempo:
não contava minha bisavó. Foi um espanto. Um torvelinho. uma boa tunda de chineladas.
Dali pra frente a estória era Exclamações. Histeria coletiva.
omissa. Um deus nos acuda. Um rebuliço. Aí ponderou minha bisavó
Dizia ela – que o resto não estava Quem foi, quem não foi?… umas tantas atenuantes a meu
no prato favor.
nem constava do relato. O pessoal da casa se assanhava. E o castigo foi comutado
Do resto, ela não sabia. Cada qual jurava por si. para outro, bem lembrado, que
E dava o ponto final recomendado. Achava seus bons álibis. melhor servisse a todos
” -Cuidado com esse prato! Punia pelos outros. de escarmento e de lição:
É o último de 92″ Se defendia com energia. trazer no pescoço por tempo
Minha bisavó teve “aquela coisa” indeterminado,
Devo dizer – esclarecendo, (Ela sempre tinha “aquela coisa” amarrado de um cordão,
esses 92 não foram do meu tempo. em casos tais”) um caco do prato quebrado.
Explicava minha bisavó Sobreveio o flato.
que os outros – quebrados, O dito, melhor feito.
sumidos, Arrotando alto, por fim, até Logo se torceu no fuso
talvez roubados – chorou… um cordão de novelão.
traziam outros recados, outras Encerado foi. Amarrou-se a ele um
legendas, Eu (emocionada), vendo o pranto caco, de bom jeito,
prebendas de um tal Confúcio de minha bisavó, em forma de meia-lua.
e baladas de um vate lembrando só E a modo de colar, foi posto em
chamado Hipeng. da princesinha Lui- seu lugar,
que já tinha passado a viver no isto é, no meu pescoço.
Do meu tempo só foi mesmo meu inconsciente Ainda mais
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agravada a penalidade: direitinho,


proibição de chegar na porta da Chorei sozinha minhas mágoas de a estória, tão singela,
rua. criança. do prato azul- pombinho.
Era assim, antigamente. Depois, me acostumei com aquilo.
no fim, até brincava com o caco
Dizia-se aquele, um castigo pendurado In: CORALINA, Cora. Poemas
atinente, E foi assim que guardei dos Becos de Goiás e Estórias
de ótima procedência. Boa no armarinho da memória, bem Mais. 23 ed. São Paulo: Global,
coerência. guardado, 2014. p. 66-74.
Exemplar e de alta moral. e posso contar aos meus leitores,

A liberdade de expressão referente à leitura realizada extraclasse e também aos


poemas compartilhados em sala foi relevante para que o leitor percebesse diferentes olhares
sobre a mesma obra.
Nesse contexto de leitura dos poemas de Cora Coralina, foi passada na lousa a seguinte
proposta de produção a partir de uma situação discursiva (fictícia), com o objetivo de
perceber, de modo mais crítico-avaliativo, a percepção dos alunos sobre a poesia de Cora
Coralina e, em específico, o ponto de vista sobre o livro lido.
Assim:
Situação discursiva:

PRODUÇÃO TEXTUAL:
A. Suponha que um grupo de brasileiros e estrangeiros pertencentes a um
grande CLUBE DE LEITURA pretende visitar a cidade de Goiás para
conhecer melhor a poesia de Cora Coralina. Você como leitor/a da poeta e
como morador(a) da mesma cidade dela poderá ajudá-lo. Para tal, escreva
uma carta para lhes entregar na Ponte da Lapa (antes de eles entrarem na
Casa Museu).
B. Escrever uma carta para Cora Coralina, como se ela ainda vivesse na casa
velha da Ponte, falando de sua criação poética, sua percepção diante da
leitura do livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. Pode citar
alguns versos ou estrofes, usar recursos linguísticos para deixar sua escrita
mais elaborada. É o momento de soltar a imaginação, pois trata-se de uma
carta fictícia e você pode ser criativo ao escrever o seu texto.

Seu texto deve ser convincente, portanto, apresente o seu principal livro, que
é Poemas dos becos de Goiás e Estórias Mais, os poemas importantes que
lhe tenham chamado a atenção, fale de seu sentimento/orgulho em relação ao
fato de morar na mesma cidade dela e das sensações possíveis com a leitura
dos poemas.

Para motivar a produção, a professora mediadora leu a carta que Carlos Drummond de
Andrade escreveu a Cora Coralina:

Rio de Janeiro, 14 de junho,


1979

Cora Coralina
84

Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de


que ele as deposite em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que
vive em estado de graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu lirismo
tem a força e a delicadeza das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de
Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá alegria na gente saber que existe bem no
coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina.
Todo o carinho, toda a admiração do
seu
Carlos Drummond de Andrade

Como atividade extraclasse, os estudantes levaram o segundo questionário estruturado


para ser respondido e entregue no próximo encontro, para via de análise e comparação com o
primeiro. Alguns alunos estavam em sala presencial e outros on-line. Para estes, o
questionário estava à disposição na recepção do colégio.
É relevante salientar que, segundo Pilati (2018), os parâmetros metodológicos
empregados no trabalho com a poesia em sala de aula podem ser ligados a quatro elementos
essenciais na leitura crítica que são:

1. a mensagem que o poema nos apresenta e a ressonância disso em nossa própria


subjetividade;
2. os elementos propriamente textuais de que o poema se compõe;
3. a relação que se estabelece entre esses elementos;
4. os dados da realidade exterior ao poema que a sua dinâmica interna convoca
(PILATI, 2008, p. 76).

Para o autor, uma leitura completa de um texto literário deveria articular,


dinamicamente, esses quatro componentes essenciais do ato de leitura. Isso, é claro, se a
intenção do leitor é a de respeitar a especificidade estética do texto e de avaliá-lo criticamente
(PILATI, 2018, p. 77).
Nesse ambiente de contato direto com o gênero carta, iniciou-se o sexto encontro (dia
01/10/2021) com a entrega do segundo questionário respondido, disponibilizando tempo para
as possíveis dúvidas obtidas ou comentários a seu respeito, para que, posteriormente, o início
da leitura de algumas cartas e sua apreciação ocorresse num ambiente propício à atividade.
A situação de produção partiu do leitor, morador da cidade de Goiás, para um grupo de
brasileiros e estrangeiros pertencentes a um grande CLUBE DE LEITURA que pretendia
visitar a cidade de Goiás para conhecer melhor a poesia de Cora Coralina. E a outra situação,
a escrita de uma carta à própria escritora como se ela ainda vivesse na casa velha da Ponte.
Os participantes escreveram a carta obedecendo à estrutura textual do gênero, algumas
vezes recorrendo à linguagem mais poética; outras, a uma mais informativa.
Os fragmentos das cartas a seguir confirmam tais considerações:
85

(...) Que bom que vocês vieram visitar a nossa cidade formada por versos da
nossa querida poetisa Cora Coralina. Cada pequeno espaço dessa cidade
canta ao vento seus poemas escritos com tanta beleza e simplicidade... (M. S.
F. O.)

Aos turistas que desejam se aventurar nesse mundo de lembranças (,..) Tudo
contado de maneira tão intrigante, tão interessante, que em um mísero
instante, você se sente da cidade, dessa cidade de mistérios, e cheia de
antiguidades, cidade bem pequena, porém, minha cidade. (H. M. F.)

Querida Cora, que apresentou a cidade de Goiás ao Brasil com seus lindos
poemas. Eu fico feliz por ler o seu livro Poemas dos Becos de Goiás e
Estórias Mais e também fico feliz por morar na mesma cidade que você
morou.... (G. N. F)

(...) Sinto muito orgulho de fazer parte dessa cidade onde a senhora eternizou
a sua história de vida como mulher batalhadora, doceira e poetisa.... (D. S.
F.)

(...) Sinto-me agraciada por poder expressar minha admiração através do


embalo dessas palavras. Após a leitura de sua belíssima obra Poemas dos
Becos de Goiás Estórias Mais me pego pensando e repensando nas palavras
e oceanos de conhecer e vivências... (H. K. R. S.)

(...) Cora Coralina, você soube guardar suas histórias da casa velha da Ponte
como uma parte de você... (H. S. D.)

É oportuno ainda relatar, na íntegra, algumas cartas produzidas pelos participantes


jovens leitores que conseguiram uma junção significativa de leitor, texto e autor, trabalhando
a sua subjetividade no entremeio da carta. Cartas que também contemplam a produção do
documentário. Segundo Ecléa Bosi (1994, p. 426),

Tal como as plantas, que na estação da seca se imobilizam e brotam nas primeiras
chuvas, certas lembranças se renovam e em certos períodos dão uma quantidade
inesperada de folhas novas. Como planta que se fortalece com a enxertia – outros
ramos se nutrem de suas raízes e frutificam com vigor renovado, chamando para si a
seiva dos galhos originais – a enxertia social não deixa que as lembranças se
atrofiem.

Os alunos leitores, ao escrever poemas, cartas ou textos de outros gêneros já começam a


trabalhar esse ato de fertilização. A seguir, são transcritas duas cartas escritas pelos alunos e
que também compuseram o documentário abrindo e fechando-o, respectivamente. Assim diz a
primeira:

Goiás, 29 de setembro de 2021.

Cara Cora Coralina,


86

Hoje me peguei pensando em como é maravilhoso chegar a velha Casa da


Ponte e já de longe avistá-la, admirando as mais lindas cores refletidas nas
águas do Rio Vermelho. Como é mágico lhe encontrar em cada verso, dos
mais diversos poemas por ti criados.
O mundo se encanta com cada detalhe escrito de forma tão apaixonada,
contando tradições de um povo sofrido, de forma a apresentar para o mundo
nossas lavadeiras, nossos becos e a nossa humilde cidade. Dá gosto conhecer
Goiás de sua infância!
"Eu sou aquela mulher que ficou velha, esquecida", através das poesias
conheço o passado tão lindo e por todos os cantos do mundo recontado pela
"menina feia da ponte da Lapa". Através das diversas linhas tenho orgulho
em conhecer tão valiosa mulher e poetisa, a pequena "Aninha", "Contando
teu passado, contando teu futuro". É assim que agradeço, querida Cora
Coralina, por apresentar as simples belezas do nosso Goiás para o mundo.

Com carinho,
L. E. C. B. M. F.

Goiás, 28 de setembro de 2021.

Querida Cora,

Eu escrevo a você essas palavras porque você, mulher, é especiaria entre as


outras, carrega em suas palavras força e atitude de uma mulher guerreira,
trabalhadora e que não se cansa de ver a vida em suas diversas maneiras, me
apaixonei pelos seus olhos, que enxergam tudo com poesia.
Seus poemas dos Becos de Goiás mostram vida, a vida que não vemos e não
valorizamos, vida que você viveu. Cora, de limpar casa e lavar roupa, até
nisso você mostra beleza.
Cora, que graça existe em você? Não posso mais ser a mesma, seus textos
transformam e inspiram, você é viva, viva em sua casa, viva em seus doces,
viva na cidade e viva em nós.

De sua leitora,
E. R. C.

São duas cartas que demonstram que os alunos leitores escrevem de forma sensível,
expressiva, crítica e madura, trazendo, nas palavras, sentimentos profundos relativos aos
Becos de Goiás e estórias mais, o que, para Carlos Drummond de Andrade (2013, p. 45), em
seu texto Poesia, evidencia essas inquietações do sujeito lírico vinculadas ao caráter
introspectivo.

Poesia
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
87

inunda minha vida inteira.

A estudante e leitora E. R. C., em “Não posso mais ser a mesma, seus textos
transformam e inspiram, você é viva, viva em sua casa, viva em seus doces, viva na cidade e
viva em nós”, traz esse momento referido por Drummond de inundar a vida inteira.
A produção escrita de carta motivou as mais variadas criações artísticas: de memórias a
poemas todos foram tecidos de maneira criativa. Aqui, temos:

Cora Coralina,

Delineou os traços de sua vida, guardou suas raízes e escreveu sua


história. Por mais inesperado que lhe tenha parecido o seu objetivo, hoje da
forma mais delicada e valiosa seu propósito inspira outras pessoas em forma
de palavras.
Em seu principal livro, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, você
soube preservar os tesouros da humanidade que são nossas raízes, nossa
cidade, não só em poesia, mas em emoções, em histórias, contadas por você
"que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando
flores."

Com muito carinho,

L. M. G. C.

Cora,
Aqui deixo esta carta
Que caminha entre os morros e pisa sobre pedras.
Amo-ti como água que corre no rio
Como a lavadeira usa seu anil.
Tua poesia é de iluminar os olhos
Tu és a mulher à frente de seu tempo
Desejo-te todas as flores da primavera
Todas as sementes que caem, enraizam, crescem e florescem.
Desejo-te o canto dos passarinhos livres,
E o encanto dos enamorados
Desejo que tua poesia seja ouvida
E levante a voz de outras mulheres
Para que elas sejam donas de si e de seus caminhos
Assim como você soube tão bem fazer.
Com a saudade de quem ti conhece pelos versos.
C. O. S.

Posteriormente, foram projetados os textos “Cora Coralina, de Goiás”, de Carlos


Drummond de Andrade, e um trecho do livro Só entre nós: Abelardo e Heloisa, de Júlio
Emílio Braz. Vejamos as Figuras 2 e 3:
88

Figura 2 - Texto de Carlos Drummond de Andrade ao Jornal do Brasil

Fonte: Jornal do Brasil, 1980.9


Figura 3 - Fragmento do livro Só entre nós: Abelardo e Heloisa, de Júlio Emílio Braz

Legenda: A história Só entre nós: Abelardo e Heloísa é, na maioria das vezes, narrada a partir do ponto de
vista de Carlos Abelardo Peçanha Filho, vulgo Abelardo, que tenta suprimir sua solidão e tristeza através de
cyber amizades, vivia viajando em busca de um amigo, até que surge este anúncio.
Fonte: BRAZ, Júlio Emílio. Só entre nós: Abelardo e Heloísa, Saraiva, 2005.

9
Disponível em: https://pt-br.facebook.com/218303838230682/photos/carlos-drummond-de-andrade-
descortinou-o-talento-de-cora-coralina-com-a-cr%C3%B4nica-/551581544902908/
89

Houve também um momento de comentários sobre a possibilidade de estabelecer troca


e-mails/cartas referentes à leitura da poesia de Cora Coralina com outros estudantes de
instituição de ensino e cidade diferentes. Eles acolheram a ideia como interessante, mas
inseguros pelo fato de a mediação ser com uma turma de nono ano. O enunciado que foi
passado na lousa para todos os alunos é o que se segue.

Falar da possibilidade de interagir com outros adolescentes também leitores das obras de Cora
Coralina. Fazer amizades, trocar ideias, sentimentos e impressões acerca de seus poemas. A carta,
por muito tempo, foi portadora de emoções. Hoje, no mundo contemporâneo, temos o e-mail, que
encurtou a distância e o tempo. Então, vamos trocar cartas reais por e-mail com os estudantes-
leitores do nono ano do CEPAE – Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, uma interação
e diálogo através da leitura literária de Cora Coralina.

Nesse escopo, começou a esboçarem-se os e-mails com troca de ideias entre os colegas.
Devido ao tempo, o término da produção textual ficou como atividade extraclasse e que fosse
enviada ao aluno correspondente do CEPAE que também estava lendo uma das obras de Cora
Coralina, Meu livro de Cordel. A mediação foi estabelecida entre as duas turmas leitoras de
Cora Coralina. Nesse sentido, Tereza Colomer (2007, p. 70) acrescenta que é conveniente
propor atividades que mobilizem a capacidade de raciocinar, que permitam aprender enquanto
se realizam os exercícios, de maneira que as crianças/jovens entendam mais a obra quando
terminam a tarefa. Devido às dificuldades advindas do ensino on-line, alguns estudantes não
concretizaram a troca de e-mail de acordo com a proposta. Vejamos algumas mensagens que
foram trocadas:

Figura 4 – Mensagens trocadas entre os participantes da pesquisa


90

Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

Os alunos gostaram da experiência de troca de mensagens com jovens de outra cidade,


de outra escola e de outro ano escolar. Os adolescentes vivem conectados às redes sociais,
mas têm pouca experiência com troca de e-mails. Foi uma proposta de criação literária
diferente e ambas as partes pareceram mais espontâneas para expor suas impressões de
leitura. Sem dúvida, a atividade, fundamentada na proposta bakhtiniana de um ensino de
língua que parta de uma prática social, pareceu muito eficaz tanto do ponto de vista
linguístico quanto de formador de opinião sobre a cultura literária e seu espaço social.
O próximo encontro aconteceu do dia 11/10/2021 a 15/10/2022, semana de gravação do
documentário. O início se deu com a explicação sobre o roteiro do curta-metragem, momento
de sanar as dúvidas, familiarizar os alunos com o cenário de gravação. Foram encerrados os
91

trabalhos em sala de aula com os alunos eufóricos e entusiasmados com a nova atividade de
leitura literária e produção do filme.
O primeiro set de filmagem foi na biblioteca e nas dependências do colégio do CEPMG.
Nos dias seguintes, os sets de filmagem passaram pelo Largo da Carioca, Palácio Conde
dos Arcos, ruas e becos da cidade, finalizando na ponte e porta do Museu Casa de Cora
Coralina.
É oportuno ressaltar que o roteiro do documentário foi idealizado a partir das produções
e vídeos gravados pelos estudantes durante as aulas e a execução da sequência didática de
literatura (Apêndice 2).
Todo o trabalho foi planejado e desenvolvido no período da pandemia COVID-19 e,
pois, as dificuldades foram muitas devido aos cuidados necessários para a não contaminação.
Mas o resultado foi muito positivo. Era perceptível a alegria dos alunos nos sets de gravação.
Na oportunidade, enfatizamos que um documentário também é uma forma de leitura, dado
que, conforme Bordini e Aguiar (1993, p. 14-15), constrói-se, na obra literária, um mundo
possível, no qual os objetos e processos nem sempre aparecem totalmente delineados. Esse
mundo, portanto, envolve lacunas que são automaticamente preenchidas pelo leitor de acordo
com sua experiência. O mesmo acontece com os documentários.
Assim, concluiu-se a leitura literária dos Poemas dos becos de Goiás e estórias mais
com os estudantes do oitavo ano do CEPMG-Unidade João Augusto Perillo e alguns
pressupostos estão hoje claros: primeiro, a leitura não pode ser desvinculada da realidade do
aluno; segundo, a figura do mediador é importante na construção da ponte que liga o leitor
iniciante ao texto. Segundo Jouve (2002, p. 109-110), uma das experiências mais
emocionantes da leitura consiste em proferir mentalmente ideias que não são nossas; depois, a
implicação do leitor no universo textual pode adquirir formas muito diferentes. Depende, em
grande parte, da distância histórica que o separa da obra lida; e, quando o leitor está separado
da obra por uma grande distância temporal, o mediador deve cuidar sobretudo de reconstruir a
situação histórica do texto.
Assim, o trabalho do professor mediador com adolescentes inseridos numa sociedade
digital é um grande desafio. A proposta de trabalho com a leitura literária, no caso o poema,
precisa sair da tradicional sala de aula e interagir com a realidade do aluno.
A construção do documentário implicou leituras além dos Poemas dos becos de Goiás:
o texto poético suscitava a direção e o cenário para o set de gravação extrapolava as
informações trazidas pela obra.
92

Como o ano 2021 foi muito peculiar por causa das restrições sanitárias em razão da
pandemia de COVID 19, os alunos tiveram acesso ao documentário pronto em 2022, já como
alunos do nono ano, o que não implicou dificuldades, pois ainda somos a professora
mediadora dos estudantes da série em foco. O produto educacional acabou sendo uma ponte
da leitura literária de 2021 para 2022 e, a partir daí, os alunos foram motivados para novos
textos.

3.2 Leitura de poesia na escola antes e depois: os dados dos questionários

O estudo acerca dos questionários semiestruturados está descrito propositalmente depois


das sequências didáticas para estabelecer um quadro comparativo do acesso dos alunos ao
mundo literário antes e depois do projeto de leitura. A análise de dados requerer antes um
planejamento sério e a avaliação de todos os dados obtidos na pesquisa. Segundo David Tripp
(2005, p. 453), deve-se planejar tanto para a mudança na prática quanto para a avaliação dos
efeitos dessa mudança na prática. Isso é importante na pesquisa-ação, porque o planejamento
de como avaliar esses efeitos é, no geral, mais rigoroso do que em muitos outros tipos de
investigação-ação.
Destarte, Zilberman (1988, p. 53) aponta para a maturidade de leitor, construída ao
longo da intimidade com muitos e muitos textos: leitor maduro é aquele para quem cada nova
leitura desloca e altera o significado de tudo o que já leu, tornando mais profunda sua
compreensão dos livros, das gentes e da vida.
O primeiro questionário foi aplicado no início das sequências didáticas, para perceber a
recepção da leitura de poemas na escola. Foram cinco questões norteadoras. O segundo
questionário foi disponibilizado ao término do projeto de leitura literária. A própria Cora
Coralina esboçou, em um de seus escritos, que a caminhada percorrida é de singular
importância, pois dela se pode despertar, mais tarde, um leitor de poema. Os Quadros 2 e 3
contêm as perguntas dos dois questionários semiestruturados.

Quadro 2 - Questionário respondido de acordo com a vivência e experiência diária dos alunos
Questões:
93

1.Você lê poesia na escola?


2. Você gosta de poesia?
3. Cora Coralina é conhecida como a “poeta da cidade de Goiás”, aquela que projeta a cidade
para um cenário da cultura nacional. Você conhece algum poema da autora? Seria capaz de
lembrar de seu título ou de alguns versos?
4. Como considera importante a leitura de poemas de Cora Coralina nas escolas?
5. Você acha que a leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, pode contribuir para
uma formação leitora mais consistente e significativa? Justifique sua resposta.

Fonte: Dados coletados da pesquisa, 2021.


Quadro 3 – Questionário respondido de acordo com as vivências e experiências, após a leitura do livro
de Cora Coralina Poemas dos becos de Goiás e Estórias Mais
Questões:
1. Você gosta de poesia?
2. Depois de conhecer um pouco mais da produção de Cora Coralina, como foi a sua
proximidade com os poemas da autora?
3. Trabalhar com poemas de uma autora que faz parte do cenário de sua cidade e de sua história
foi capaz de estimular em você a curiosidade para conhecer outros poetas? Justifique sua
resposta.
4. Na sua opinião, a leitura literária dos poemas de Cora Coralina em sala de aula deve fazer
parte da rotina escolar?
5. Você acha que a leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, contribuiu para uma
formação leitora mais consistente e significativa? Justifique sua resposta.
Fonte: Dados coletados da pesquisa, 2021.

O trabalho com poesia em sala de aula foi muito significativo e isso foi perceptível
principalmente nas atividades de leitura dos poemas, na gravação dos vídeos e na produção do
documentário. Tivemos, inclusive, alunos incentivando a leitura do colega durante as
gravações no sentido de acrescentar o que o poema dizia. Isso é resultado de ler o que o texto
traz. Segundo Thiollent (2011, p. 28), a pesquisa-ação não deixa de ser uma forma de
experimentação em situação real, na qual os pesquisadores intervêm conscientemente. Os
participantes não são reduzidos a cobaias e desempenham um papel ativo.
É evidente que, ainda que o projeto tenha mostrado diversas características positivas, é
inquestionável a ausência de um projeto sólido e permanente de incentivo à leitura literária de
poesia nas escolas e, neste caso, de apreciação à poesia de Cora Coralina, de valorização da
literatura goiana e da cultura local. Também é notável que essa ausência cria em alguns
alunos efeitos indesejáveis, como a falta de interesse pela leitura de escritores de tão perto.
Nesse sentido, segue Thiollent:

Uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando houver realmente uma
ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação. Além
disso, é preciso que a ação seja uma ação não trivial, o que quer dizer uma ação
problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida
(THIOLLENT, 2011, p. 21).
94

Nessa linha, os primeiros resultados foram satisfatórios: a maioria reconheceu que a


leitura de poemas de Cora Coralina tem muito a acrescentar na formação dos estudantes. A
leitura literária pode nos preparar para uma transformação, e a transformação final tem,
primeiro, caráter subjetivo para, depois, atingir o mundo externo.
Vejamos a representação gráfica dos questionários 1 e 2.

Gráfico 1 - Primeiro questionário do 8º ano

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Gráfico 2 - Segundo questionário do 8º ano

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Ficou relevante que a literatura pode contribuir para a formação leitora dos jovens
estudantes, porque houve unanimidade em relação à importância da leitura dos poemas de
Cora Coralina em sala de aula.
Vejamos como alguns alunos veem essa contribuição de acordo com o questionário 1:

“Eu acredito que sua importância se dá pelas suas raízes, pelo resgate do
conhecimento de um tempo, cultura e vivência, que aos poucos vai se
95

modificando, mas não se perde, pois nunca deixa de ser o que um dia foi.”
(A. E. F.).
“Muito importante, principalmente em nossa cidade, já que Cora é um
símbolo desta e muitos moradores não se interessam por seus poemas.” (B.
L. N. S.),
“A leitura de poemas de Cora é importante não só nas escolas, mas para
todos, pois com eles conhecemos uma infância sofrida dessa “cabocla velha
de mau olhado”, que construiu as histórias da cidade.” (L. M.G. C.).
“Eu considero a leitura dos poemas de Cora Coralina nas escolas importante
tanto pela cultura e também pelo fato dela ter sido uma poetisa da cidade de
Goiás” (M. C. S. O.).
Para Andruetto (2017, p. 29), a poesia é carregada de possibilidades e, no ato de ler,
um livro se recolhe de sua condição de objeto que tem dono para se converter num ser vivo,
capaz de nos interrogar, de nos perturbar e de nos ensinar a olhar zonas ainda não
compreendidas de nós mesmos.
Na oportunidade, vários alunos já conheciam alguns poemas da autora em estudo pelo
fato de ser uma escritora da cidade e a cidade acolher turistas para visitação do Museu Casa
de Cora Coralina. As escolas da cidade de Goiás tentam desenvolver um trabalho de leitura
dos poemas de Cora, apesar de ainda não terem alcançado um trabalho de excelência. Talvez
a inserção nas escolas advenha do fato de a cidade promover o nome da autora em vários
contextos sociais, como “As coralinas”, que são mulheres que divulgam o artesanato local e a
criação literária da autora; e o artesanato “Cabocla criações” - um projeto de mulheres
bordadeiras que se encontram em regime de cárcere na prisão da cidade, que bordam, nas
peças, versos da poetisa Cora Coralina. E a cidade contém o diferencial de ter estudiosos e
pesquisadores da literatura coralineana preocupados com seu alcance à sala de aula. A
pergunta 3 oportuniza o conhecimento e a lembrança de algum poema da autora. É notável
que os alunos conhecem os poemas mais populares da autora:

“Conheço, posso citar o nome de alguns poemas, como: Rio Vermelho e


Becos de Goiás. Também posso citar dois versos de um de seus poemas: ‘Eu
sou aquela menina feia da Ponte da Lapa/Eu sou Aninha’”. (B. L. N. S.);
“Sim, a estória do aparelho azul pombinho”. (H. M. F.); [e somente uma
estudante citou um diferente]
“Conheço muitos poemas da autora, porém tenho um preferido e será dele
que vou falar: “Mulher da vida”; ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais torpes sinônimos; indestrutíveis,
sobreviventes” (L. M. G. C.).

Era esperado que alguns não se lembrassem e que os poemas fossem os mais
conhecidos.
96

Visivelmente, o dado que requer mais atenção é o do predomínio do acesso de leitura


literária na escola, que muitas vezes, o texto poético é pretexto para outros fins, distanciando-
se como obra literária.
A representação gráfica das perguntas “Você lê poesia na escola?” e “Você gosta de
poesia?” – foi como abaixo.

Gráfico 3 - Você lê poesia na escola?

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Gráfico 4 – Você gosta de poesia?

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Ainda referente ao primeiro questionário, na pergunta 2 - “Você gosta de poesia?” -


os 35 alunos disseram que sim, com boa fundamentação:

“Sim. Poesia é um gênero textual que me encanta por ser expressiva e


conseguir passar para o leitor muito mais que um conjunto de palavras
97

bonitas e sim sentimentos e emoções que se adaptam aos pensamentos e


geram transformações.” (H. K. R. S.);
“Sim, porque transmite sentimentos em simples letras, a arte da poesia nos
toca de uma forma transformadora que nos humaniza com singelas
palavras.” (C. O. S.);
“Sim, a poesia é importante para mim, pois percebo que nela é possível
expressar o que sentimos de forma profunda, as palavras em poesia sempre
nos tocam mais.” (L. M. G. C.).

No questionário 2, a mesma pergunta obteve um número menor de alunos que


“gostavam de poesia”. Atribuo isso ao fato de o conhecimento que tinham até o momento ser
atribuído à leitura declamada em datas comemorativas e de, quase sempre, o poema ser usado
como pretexto para um outro conteúdo, sem dele fazer uma leitura significativa. Assim,
alguns estudantes pontuaram:

“Não muito, pois acho a escrita e os textos muito bonitos, mas na maioria
das vezes não consigo entender o que o poema quer dizer ou mostrar.” (M.
S. F. O.);
“Não muito, pois exige mais esforço na interpretação.” ( B. L. N. S.);
“Mais ou menos, depois de ler o livro de Cora Coralina eu comecei a gostar
um pouco mais.” ( M. S. F.O.);
“Antes não, agora sim.” (B. L. N. S.) [mesmo com o resultado mais negativo
não houve a rejeição total do gênero].

Para Paz (1982, p. 29-30), o poema é uma possibilidade aberta a todos os homens,
qualquer que seja seu temperamento, seu ânimo ou sua disposição, e cada leitor procura algo
no poema, sendo que o que procura já está dentro dele mesmo. Nesse sentido, o poema
consegue atingir o âmago do sujeito leitor.
O trabalho de mediação com poemas em sala de aula é contínuo e, se conseguirmos, a
cada ano, despertar mais alunos para a leitura do poético e inseri-lo no cotidiano escolar,
futuramente teremos um número maior de leitores de poesia.
A deficiência de leitura nas escolas vai além do texto poético – pode-se dizer que temos
uma geração acomodada em relação ao que o texto diz. De acordo com Paz (1982, p. 187), a
experiência poética é uma revelação de nossa condição original. E essa revelação é sempre
resolvida numa criação: a de nós mesmos. Só isso já seria um motivo para trabalhar o texto
poético em sala de aula.
De acordo com as produções dos alunos, pela rotina da sala de aula e a recepção dos
textos coralineanos, o resultado do projeto foi positivo, ainda que seja válido sempre ressaltar
as dificuldades inerentes ao formato das aulas on-line quando a leitura se depara com
barreiras até então inexistentes, principalmente relativas à coletânea Becos de Goiás, cujos
textos são longos.
98

Vejamos a representação gráfica comparativa – final do projeto, nos Gráfico 5 e 6.

Gráfico 5 - A leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, contribuiu para uma formação
leitora mais consciente e significativa?

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Gráfico 6 – Comparativo entre os questionários

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Diante desse resultado, fica evidente que um trabalho sólido com leitura de poemas em
sala de aula só tem a acrescentar para uma formação leitora mais consistente e significativa.
Também estimula a curiosidade de conhecer outros poetas. Assim, como resposta ao
questionário 2, temos:
99

“Sim, porque além da poesia edificar nossa alma, os poemas desenvolvem


nossa mente.” (L.L.F.D.);
“Não saberia dar uma resposta direta, uma vez, que acredito que uma
formação leitora dependa única e exclusivamente do aluno leitor.” (A.E.F.);
“Sim, a leitura nos ensinou várias coisas importantes, além de nos ajudar a
nos reconhecer através de poemas nos ajuda a conhecer a nossa cidade.”
(M.B.P.);
“Sim, posso dizer pela minha experiência que a leitura desses poemas além
de ajudar na formação leitora mais consistente gerou o desejo de descobrir
mais desse mundo literário.” ( H.K.R.S.);
“Sim, logo depois de ler os poemas de Cora Coralina pude ter a experiência
de ler Carlos Drummond de Andrade.” (O.O.F.).

Para Andruetto (2017), a eficácia do trabalho com a poesia em sala de aula não vem do
fato de o poema nos oferecer soluções, mas porque nos sugere perguntas, porque problematiza
o que nos foi naturalizado, o que é uma das funções fundamentais da arte; questiona o aceito,
recebe nossas sombras, os riscos da vida que vivemos e da sociedade na qual transitamos.
Se o número de alunos que respondeu que gosta de poesia conseguir tornar-se um leitor
emancipado, descobrir novas leituras e dialogar com o texto – sair do texto e retornar para si –
o ganho será enorme. E é isso que descreve o gráfico 4, que reduziu o número de alunos com
afinidades com a leitura poética.
Não podemos esquecer que estamos vivendo numa época em que o leitor é passivo e
não no sentido de buscar informações em livro físico: é um leitor de signos visuais e a rapidez
faz a diferença. A própria literatura já se encontra disponível em plataformas de fácil acesso,
já compartilha textos em pouco espaço de tempo. Para Hélder Pinheiro (2012, p. 129), a
leitura de um poema é muitas vezes escutar a voz da alma, permitir o extravasar das emoções,
desprender-se das contingências limitadoras para experimentar o sentimento de liberdade
impossível, a mesma que o poeta sentiu ao criar o poema.
Andruetto (2017, p. 133) enfatiza que, no que se refere à construção de leitores, estamos
tentando, como sociedade, como país, atravessar um desafio: converter em leitores os que
podem comprar livros e os que não podem; os que vivem nas grandes cidades e os que vivem
nos pequenos povoados, no campo, nas serras e nos montes; os que possuem uma família e os
que estão sozinhos na vida; os protegidos e os abandonados e desgarrados; os que estão livres
e os que estão na cadeia; os obedientes e os que brigam com a lei...Trata-se de um desfio
histórico, um imperativo alimentado pela convicção de que ler, como outros direitos, é um
direito de todos.
Nesse sentido, o texto poético precisa ocupar o centro das aulas de Língua Portuguesa.
100

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Elencamos, nesta investigação, a leitura de poesia na sala de aula a partir das


constatações de Candido (2004, p. 180), “A literatura desenvolve em nós a quota de
humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a
101

sociedade, o semelhante” e “o que na literatura age como força humanizadora é a própria


literatura, ou seja, a capacidade de criar formas pertinentes” (ibidem, p. 182).
Outros escritores também fomentam essa contribuição da literatura na formação do ser
humano. Para Todorov (2010, p. 23), por exemplo, a literatura amplia o nosso universo,
incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que
os outros seres humanos nos dão. E, acrescenta Jouve (2012), que a leitura não é somente a
ocasião de enriquecer o saber sobre o mundo; ela permite também aprofundar o saber sobre si.
Inclusive o ápice da pesquisa que circunda a formação do jovem leitor também ressalta a
necessidade do trabalho com a leitura de poesia em sala de aula. O que Pilati (2018, p. 26)
destaca e que é fundamental neste trabalho é que não se pode perder de vista o potencial de
conhecimento humanizador propiciado pelo texto, considerado, é claro, na sua especificidade
estética. Nesse contexto, o autor enfoca que tal contribuição da leitura para a descoberta ou
para a construção de si não é nova, mas ganha destaque particular nestes tempos em que, bem
mais do que no passado, cabe a cada um construir sua própria identidade.
Nossa pesquisa e também Andruetto (2017, p. 39) acentuam que:

Através do discurso poético, abrimos mão da linguagem objetiva, lógica,


sistemática, impessoal, coerente e unívoca dos livros didático-informativos. Não por
acaso, as obras didáticas costumam apresentar um discurso muito semelhante entre
si, pois nelas a voz pessoal do autor praticamente desaparece. A razão é simples:
esse tipo de livro pretende que todos os seus leitores cheguem à mesma e única
interpretação. Para atingir tal objetivo não é possível, evidentemente, recorrer a
discursos que possam resultar em múltiplas leituras.

Infelizmente, a leitura literária de poemas não faz parte de todas as listas de materiais
indicadas pelas instituições de ensino, o dificulta que todos os jovens tenham acesso a ela.
Ainda para Andruetto (2017), o caminho da leitura é o da liberdade, a escola é uma igualadora
social, que reduz a brecha entre as crianças que provêm de lares donde o livro está presente e
de lares donde o livro está ausente. Diante de tais apontamentos, é irrefutável a necessidade de
o texto poético participar ativamente das leituras literárias nas séries finais do ensino
fundamental. O leitor jovem em formação busca, além do conhecimento de outros mundos, o
seu mundo interior, e a literatura não é o lugar de certezas, mas da dúvida.
Assim, finalizamos, por ora, o diálogo acerca da leitura de poemas como contribuição
na formação do jovem leitor. Que as análises tecidas possam despertar nos docentes do ensino
fundamental que a leitura literária é um direito e uma necessidade vital. Retomando Andruetto
(2017, p. 145): desde o começo dos tempos, a literatura olha a singularidade humana, a luta de
102

um ser humano entre o que é e o quer ou pode ser. Ela busca uma verdade que nem começa
nem termina nas palavras.

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APÊNDICES

Apêndice 01. TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) e TALE (Termo de


Assentimento Livre e Esclarecido).
109

Apêndice 02. Sequência Didática e questionários


Apêndice 03. Produto Educacional
110

APÊNDICE 01

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA

MESTRADO – PPGEEB

CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE - PAIS/RESPONSÁVEIS

Você na qualidade de responsável por ..........................................................................., está sendo


convidado (a) a consentir que o(a) menor participe, como voluntário (a), da pesquisa intitulada “LEITURA DE
POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em
sala de aula”. Meu nome é Edina Faria de Almeida sou a pesquisadora responsável pelo projeto, e minha área
de atuação é Literatura. Após receber os esclarecimentos e as informações a seguir, se você consentir na
participação do menos sob sua responsabilidade neste estudo, assine ao final deste documento, que está
impresso em duas vias, sendo que uma delas é sua e a outra ficará comigo. Esclareço que em caso de recusa na
participação, não haverá penalização para nenhuma das partes. Mas se houver o aceite, as dúvidas sobre a
pesquisa poderão ser esclarecidas pela pesquisadora responsável, via e-mail edinafariaalmeida@hotmail ou
através de contato telefônico para o número (62) 9 84722010, inclusive com possibilidade de ligação a cobrar.
Ao persistirem as dúvidas sobre os direitos como participante desta pesquisa, você também poderá fazer
contato com o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Goiás (CEP/UFG)
pelo telefone (62)3521-1215, de segunda a sexta-feira, no período matutino. O CEP-UFG é uma entidade
independente, de caráter consultivo, educativo e deliberativo, no âmbito de suas atribuições, criado para
proteger o bem-estar dos/das participantes de pesquisa, em sua integridade e dignidade, visando contribuir
no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos vigentes.

A presente pesquisa tem como objetivo geral investigar como a arte de dialogar entre o leitor, poesia e
autor podem contribuir para o processo de formação do leitor literário na Educação Básica por meio da leitura da
obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina. Livro que já consta na lista de leituras
literárias indicada para o terceiro bimestre. A participação do menor sob a sua responsabilidade é importante
para a realização desta pesquisa que tem o título “LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR
LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula”. Caso o menor
se sinta constrangido(a), é garantida a total liberdade de recusar a participar ou retirar seu consentimento a
qualquer momento, sem penalidade alguma.
A participação na pesquisa será voluntária, portanto, não haverá despesas pessoais ou gratificação
financeira decorrente da participação, caso haja despesas, elas serão ressarcidas.
111

Caso ocorra algum dano o direito a pleitear indenização para reparação imediato ou futuro, decorrentes
da cooperação com a pesquisa está garantido em Lei.
O sigilo e anonimato da sua autorização e da participação da criança (ou adolescente) na pesquisa será
preservada.
A divulgação do nome dele(a) somente acontecerá se for permitida por você, solicito que rubrique no parêntese
abaixo a opção de sua preferência:

( ) Permito a identificação do menor sob minha responsabilidade nos resultados publicados da


pesquisa.

( ) Não permito a identificação do menor sob minha responsabilidade nos resultados publicados
da pesquisa.

Eu ………………………………………………………….., abaixo assinado, autorizo


…………………………………………..………………, a participar do projeto intitulado “LEITURA DE
POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de
Cora Coralina em sala de aula”. Informo ter mais de 18 anos de idade e destaco que a participação dele(a)
nesta pesquisa é de caráter voluntário. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pela pesquisadora
responsável Edina Faria de Almeida sobre a pesquisa, os procedimentos e métodos nela envolvidos, assim como
os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação no estudo. Foi-me garantido que posso retirar
meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade. Declaro, portanto, que
concordo com a minha participação no projeto de pesquisa acima descrito.

Goiás, ........ de ............................................ de ...............

___________________________________________________________________

Assinatura por extenso do(a) participante

__________________________________________________________________
112

Assinatura por extenso do(a) pesquisador(a) responsável

TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TALE

Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da pesquisa intitulada LEITURA DE
POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de
Cora Coralina em sala de aula. Meu nome é Edina Faria de Almeida, sou a pesquisadora responsável e minha
área de atuação é Literatura. Após receber os esclarecimentos e as informações a seguir, se você aceitar fazer
parte do estudo, assine ao final deste documento, que está impresso em duas vias, sendo que uma delas é sua e a
outra ficará comigo. Esclareço que em caso de recusa na participação, em qualquer etapa da pesquisa, você não
será penalizado (a) de forma alguma. Mas se aceitar participar, as dúvidas sobre a pesquisa poderão ser
esclarecidas pela pesquisadora responsável, via e-mail edinafariaalmeida@hotmail.com e, através do seguinte
contato telefônico: (62) 9 84722010, inclusive com possibilidade de ligação a cobrar. Ao persistirem as dúvidas
sobre os seus direitos como participante desta pesquisa, você também poderá fazer contato com o Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, pelo telefone (62)3521-1215, que é a instância
responsável por dirimir as dúvidas relacionadas ao caráter ético da pesquisa. O Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Goiás (CEP-UFG) é independente, com função pública, de caráter consultivo, educativo
e deliberativo, criado para proteger o bem-estar dos/das participantes da pesquisa, em sua integridade e
dignidade, visando contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos vigentes.

A presente pesquisa tem como objetivo geral investigar como a arte de dialogar entre o leitor, poesia e
autor podem contribuir para o processo de formação do leitor literário na Educação Básica por meio da leitura da
obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina. Livro que já consta na lista de leituras
literárias indicada para o terceiro bimestre. Portanto, como sou a professora regente da turma, trabalharemos em
nossas aulas, como todos os bimestres fazemos com a leitura literária, que é uma rotina comum nas aulas de
Literatura. Coleta de dados, entrevistas, questionários e realização de atividades acontecerão durante as aulas ou
como atividade extraclasse e para isso deverá reservar um período de uma hora, caso necessário. Você tem
direito ao ressarcimento das despesas decorrentes da cooperação com a pesquisa, inclusive transporte e
alimentação, se for o caso.

Em caso de danos, você tem o direito de pleitear indenização, conforme previsto em Lei.

Se você não quiser que seu nome seja divulgado, está garantido o sigilo que assegure a privacidade e o
anonimato. As informações desta pesquisa serão confidenciais e serão divulgadas apenas em eventos ou
publicações científicas. Quantos a benefícios, essa pesquisa ensejará a aproximação do(a) aluno(a) com o texto
poético com vistas a contribuir para uma formação leitora mais consistente e efetiva, proporcionando maior
autonomia, criticidade e criatividade. Os riscos da pesquisa serão mínimos. No máximo, um ou outro aluno
poderá se sentir constrangido quando instado a fazer a leitura em voz alta ou quando for gravar algum
videopoema. Caso o (a) aluno (a) não sinta confortável durante a realização de alguma atividade, o (a) mesmo
(a) poderá ser apenas ouvinte, e se ocorrer alguma situação mais grave e inesperada o(a) aluno (a) terá todo
atendimento e acompanhamento necessário.

Durante todo o período da pesquisa e na divulgação dos resultados, sua privacidade será respeitada, ou
seja, seu nome ou qualquer outro dado ou elemento que possa, de alguma forma, identificar-lhe, será mantido em
sigilo. Todo material ficará sob minha guarda por um período mínimo de cinco anos. Para condução da coleta é
necessário o seu consentimento faça uma rubrica entre os parênteses da opção que valida sua decisão.

Será necessário a utilização de um gravador ou filmadora. (somente quando necessário)

( ) Permito a utilização de gravador durante a entrevista.

( ) Não permito a utilização de gravador durante a entrevista.


113

As gravações serão utilizadas na transcrição e análise dos dados, sendo resguardado o seu direito de ler
e aprovar as transcrições.

Pode haver necessidade de utilizarmos sua voz em publicações. Faça uma rubrica entre os parênteses da
opção que valida sua decisão:

( ) Autorizo o uso de minha voz em publicações.

( ) Não autorizo o uso de minha voz em publicações.

Pode haver também a necessidade de utilizarmos sua opinião em publicações, faça uma rubrica entre os
parênteses da opção que valida sua decisão:

( ) Permito a divulgação da minha opinião nos resultados publicados da pesquisa.

( ) Não Permito a divulgação da minha opinião nos resultados publicados da pesquisa.

Pode haver também, a necessidade de utilizarmos sua imagem em publicações, faça uma rubrica entre
os parênteses da opção que valida sua decisão:

( ) Permito a divulgação da minha imagem nos resultados publicados da pesquisa.

( ) Não Permito a divulgação da minha imagem nos resultados publicados da pesquisa.

1.2 Consentimento da Participação da Pessoa como Sujeito da Pesquisa:

Eu, ................................................................................................................., abaixo assinado, concordo em


participar do estudo intitulado LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA
EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula. Informo ter ________ anos
de idade e destaco que minha participação nesta pesquisa é de caráter voluntário. Fui devidamente esclarecido
(a) pela pesquisadora responsável Edina Faria de Almeida sobre a pesquisa, os procedimentos e métodos
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação no estudo. Foi-me
garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade.
Declaro, portanto, que concordo com a minha participação no projeto de pesquisa acima descrito.

Goiás, ........ de ............................................ de ...............

___________________________________________________________________

Assinatura por extenso do(a) participante

__________________________________________________________________

Assinatura por extenso do(a) pesquisador(a) responsável


114

APÊNDICE 02

Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO


BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

OBJETIVO GERAL

Este projeto de pesquisa tem como objetivo geral investigar como o


dialogismo entre o leitor, poesia e autor podem contribuir para o processo de formação do
leitor literário na Educação Básica por meio da leitura da obra Poemas dos Becos de Goiás e
Estórias mais, de Cora Coralina.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Investigar possibilidade metodológica de leitura de poemas que instiguem a relação


leitor-poesia;
• Conhecer e apreciar os textos poéticos de Cora Coralina;
• Descobrir na leitura dos poemas o ritmo e a entonação sonora adequada;
• Contextualizar os poemas Dos Becos de Goiás e Estórias Mais à realidade do aluno
com maior enfoque na memória e identidade.
• Relatar a experiência desenvolvida em sala de aula e analisar os resultados obtidos
• durante a pesquisa.
115

1ª Sequência Didática

PRIMEIRO ENCONTRO (DIA 02/09/2021) = 2 AULAS

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

• Conversar informalmente sobre a pesquisa;


• Explicar sobre as informações contidas no TALE (Termo de Assentimento Livre e

Esclarecido) e TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido);

• Comentar sobre o produto educacional: documentário em que mesclem a linguagem


acadêmica/pedagógica e poética.
• Direcionar o primeiro questionário a ser preenchido em casa.
• Orientar sobre a entrega dos documentos a serem assinados e preenchidos, a fim de
evitar aglomeração, devido à pandemia COVID-19.
• Dialogar sobre possíveis dúvidas existentes.
• Ler o texto “As tranças de Maria”, de Cora Coralina, que compõe sua coletânea de
poemas. Leitura intercalada pelos alunos e comentada pela mediadora e pesquisadora,
também, projetada em retroprojetor para que todos tenham acesso mais significativo.

AVALIAÇÃO

• Qualitativa e feita por meio de encontros semanais, os quais permitirão avaliar a


interação, apreensão, motivação e aceitação do trabalho por parte dos estudantes e a
reação dos pais diante da proposta de trabalho, o que possibilitará reavaliar a
metodologia utilizada e, caso necessário, alterá-la para garantir o alcance dos
resultados esperado.
116

As tranças da Maria

O caso do Izé da Badia... Duas tranças bem trançadas viu o sujo dela detrás do toco do
Era do que a gente falava - rédea dos corações. embiruçu
Era só o que se ouvia. Izé da Badia, moço, vaqueiro de fama e lá no embrejado, tejuco amassado,
amarrado para sempre e a porca de seu Ricardino
O Izé ficou leso, atoado pelos no sedenho de Maria. que deixou as crias...
campos..
Perdeu sua fé de vaqueiro A mãe de Maria Conversas. Seu Malaquias
Consagrado nas vaquejadas. novenou a Santo Antônio. é caçador, conta estórias...
Não mais seu canto violeiro, Reza nova emprazou: metê medo a menino.
seu chamado boiadeiro. Menino de Jesus de Praga. A porca de seu Ricardino
O aboio do seu berrante Foi no Centro de Kardec, era varadeira de cerca.
que a gente ouvindo distante fez grandes inovações. levou tiro, urubu comeu.
dava a pinta do ponteiro:
lá evai o Izé da Badia, Baixou o Espírito Guia: A velha calou. Invocou Nossa
o rei dos vaqueiros. - Maria desencarnada, Senhora,
Espírito limpo no espaço. São Marcos. Almas Benditas...
Chamava, o boi escutava. Fizessem suas boas preces. Hão de mostrar, mais dia menos dia.
Falava, o zaino entendia. Não mais chorassem por ela.
Cantava, as moças sorriam. O pai de Maria bateu estradas,
E agora... Tanta moça pelo mundo Sinalassem, pediu a Mãe. vizinhança, corrutela.
e ele à procura de Maria. Sinais, teriam a seu tempo. Indagou de sua filha.
Maria que sumiu Resumiu o Guia pela boca do Ninguém deu sinal dela.
buscando seu pote d’água aparelho.
no corgo de vista a casa. Entrou em cidade grande
O pote cheio, já no barranco. Maria com seu pote de barro com juiz, delegado e praças.
A rodilha posta de lado. buscando água no riachinho.
A cuia se balançando. O pote cheio já no barranco. Procurou a autoridade
A rodilha posta de lado. E fez a queixa no usual
E Maria...Aonde foi Maria? A cuia se balançando. dando todos os sinais.
Na garupa de um vaqueiro E Maria nunca mais voltou. Maria das Graças de nome.
desconhecido dali Ninguém viu nada. Registrada no Civil.
buscando boi de arribada. Ninguém ouviu nada. batizada no Cristã.
Falavam rindo as comadres O mato guardou seus segredos Moça feita. Igualdada de bons dentes
pelas portas, conversando. escuros. sem falha nem ponto de ouro.
Moça não tem pensar...
Noiva do Izé da Badia. Maria se foi na garupa Nem alta nem baixa.
Memória já no dedo. de um vaqueiro, desconhecido dali, Meiã de altura.
Bragal bordado na arca. buscando boi na arribada. Cintura fina de duas mãos abarcar.
Tagarelavam as comadres Boas cores de sadia. Moça da roça
Vestido branco rendado. nos fuxicos de terreiro assinando o nome,
Vestido de damacê. pelas portas conversando. lendo por cima.
Banhos já recorridos. Seu sinal maior:
Casamento certo, marcado Falou a velha Ambrosina: duas tranças bem fornidas
no dia da Santa assunção, - No mato tem bicho ruim.. alcançando a barra da saia,
sendo padrinho o patrão A triste sorte da moça barrendo o chão.
dono de campos e gado. fora dessas conversas...
O escrivão anotou em livro
E agora...aquela armada. Tia s’tá caducando.. e prometeu no vago: providenciar.
A moça no seu sumiço. um corguinho desses nada O pai seguiu seu destino.
O Izé leso sem mais ideias tem bicho fera nenhum... Andou em ruas de arrabaldes.
pelos campos sem destino Isso sim cabeceiras altas, encarou com tanta moça
à procura de Maria. volumes de água lagoas...pode sê. pensando ser sua filha.
Galhofa dos companheiros... Não esse Corguinho, coisinha Entrou em “Casa de Mulheres”
“Cadê o sedém da Maria, Izé?”... tão à toa!... marcadas de luz vermelhas.
Deu todos os seus sinais
Os sedenhos da Maria... Tem brecho nas cabeceiras... sem esquecer as tranças negras.
Seus cabelos ondulados. Catando lenha eu vi Na sua angústia de Pai,
Manto solto se penteava. o espojeiro da bicha, mesmo que fosse ali
Nua, encobria as formas. faz tempo, ninguém me tira... queria encontrar sua filha.
Basta cabeleira negra Voltei lá mais não. As mulheres assanhadas
dos joelhos vinham abaixo. ouviam compenetradas,
Dos tornozelos passavam. Ao demais, seu Malaquias penalizadas do Pai.
Uma ria, outra chorava.
117

Ninguém tinha visto Maria. Foi depois de tudo isso passado, Os caçadores desmontaram.
contado e recontado que vieram Engatilhadas suas armas embaladas,
Foi na cartomante os caçadores e suas matilhas de caça. seguiram no rumo certo.
acreditada.
Pararam na porteira do sítio. No fundo do mato, na trama
Contou seus pesares, suas penas. Tomaram chegada. verde da ramaria cipoal, samambaias,
O escuro daquele caso Sentaram, conversaram. no escuro do embrejado uma cena
pediu para clarear. - Caçadores de onça. inesperada.
A verdade as cartas podiam contar. Pediram suas carecidas informações, Rolo negro, movediço, assanhado,
O baralho baralhado. gente de longe... enlaçado ao pastor onceiro, quebrava
Cortado e recortado em cruz. Ouviram pela milésima vez a estória os ossos ao primeiro.
Veio o naipe de espada. do sumiço da Maria.
Valete de paus. - Que havia de voltar – disseram – O outro, preso à trela, gania
A dama de luto, o rei do agouro. compadecidos em ânsias de escapar.
e filhos para os velhos apadrinhar. Um, dois tiros. E o rolo negro,
A cartomante fechada, cerrada, compressor,
atuada, invocava as fontes Provera a Deus, responderam cedeu nos seus volteios se rebolcando
da Cabala... consabidos na sua magra esperança. pelos troncos.
O caçador cortou a trela.
Pouca esperança. Luto presente... Tomado o café da hospitalidade Um pastor morto, quebrado.
Se consolasse com o destino de sua sertaneja O pastor vivo em tremuras de pavor,
filha. voltaram às suas montadas. arrepiado, vertendo inconsciente se
Sinais?...Teriam a seu tempo. - Caçadores de onça... arrastando, acovardado.
Suas trelas ansiosas, vivas,
O Pai voltou. Aquietou. saltitantes, alçadas, sentindo A gente do sítio correu no rumo dos
Lavrou tosca cruz de aroeira. e pressentindo a caça em todos tiros.
Fincou no barranco ao lado do pote. os cheiros novos da terra, dos ares Viram a fera morta em contorções
Acendeu lamparina-dia-e-noite e das matas. reflexas.
rogando os avisos do destino de sua Falou o caçador: vocês daí, salvem o
filha. Tinham que atravessar o corguinho couro p’ra nós.
com sua água de prata correndo em Na volta apanhamos, aproveitem o
Izé da Badia se refez. areia resumo p’ra sabão
Voltou a vaquejar. branca e lajedo claro. que essa bicha tem graxa.
Levar e trazer boiadas, No barranco, a cruz, o pote, a E se foram. Caçadores de onça...
sertão adentro, estradas afora. lamparina. O dia se fazia alto. Campos e matas
O aboio de seu berrante Luz pequenina, eram todo um alagado de sol.
que se ouvia distante mal divulgada na grande luz do dia.
era um chamado constante Lume, vago, pisca-piscando, A gente do sítio arrastou o tronco rola-
da sua noiva Maria. invocando as Almas no escuro da rolando
noite. para o descampado. Estiraram,
Já o cego desvalido Na corrente os animais bebiam em palmearam.
pedinte das romarias sorvos Dezoito palmos bem medidos!
tinha posto moda, pelas cambas dos freios.
rimado versos e traçado na viola Os cães sedentos, arfantes, Por que razão obscura teria aquela
a romança da Maria. respingantes, besta-fera
refrigerados., se desgarrado do seu grupo longínquo
Juntava gente nas feiras, conversavam do ouvido avivado e vencendo
abria uma grande roda. à vista do pote e da cruz. as sombras do dia e o escuro da noite
Trovadores no desafio vindo se aninhar naquelas cabeceiras
violeiros na viola. Uma trela onceira farejou inocentes?...
Sempre a triste e chorada estória seguindo o curso d’água.
do sumiço da Maria. Levantou pouco distante. Os homens na esfola em conversas,
Caça grossa!...Ali!... pilhérias e risadas.
Até crianças de sítio Estaquearam o couro como sabe fazer
nos folguedos de terreiro, Paca, anta, capivara, seria... a gente da roça.
nos seus brinquedos de roda, Decidido, a trela perdia o faro. Viraram o debulho. Arrancaram os
uma ou outra se escondia. pulmões,
Iam todas procurar Os caçadores meio atentos, enormes, desconformes.
no faz de conta Maria. displicentes, Cortaram, espostejaram.
queimavam seus palheiros. Já as mulheres vinham com seus
O tempo fez o seu giro. Do mato vinha o acuo resguardado. baldes, bacias e gamelas,
As estações se trocaram. recolher os pedaços daquela carne
Passou o rolo compressor Um caçador chamou na trompa. branca e gordurosa
nas estradas consertando. Respondeu o ganido desesperado do para o sabão caseiro. Os cães
Também nos corações. cão ferido. disputavam, rosnando,
o compressor do tempo apagando. O uivo agoniado da matilha atacada. agressivos, pedaços de bofe.
118

Findo o trabalho alguém se lembrou Haviam de ter a seu tempo o destino libuno, crinudo, espadas romanas
de romper o de Maria. cruzadas, cabo negro,
[bucho cavalo de vaquejadas.
alongado. Epílogo como nas estórias bem
E o que estava ali, senhor? contadas: Duas tranças primazia. Macias de
Numa barrela escura, repulsiva luva-mão,
espumosa – as E o que foi feito das tranças? presas às cambas de seu freio
[tranças de Deram ao Izé da Badia. niquelado.
Maria em prata fina banhado. E o Izé tinha
-Bem falou a velha Ambrosina. E o que fez delas o Izé? nas mãos,
A cartomante do baralho. O Guia do Mandou trançar duas rédeas bem todos os dias, o sedenho da sua noiva
centro de Kardec... trançadas para seu cavalo Maria.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo: Global, 2014.p.179-190
119

2ª Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO


BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

SEGUNDO ENCONTRO (DIA 11/09/2021) = 2 AULAS

• Verificar se há alguma dúvida sobre o preenchimento e assinatura do TALE e TCLE,


também, sobre o questionário e a produção do documentário. Devido a modalidade do
ensino híbrido é necessário sempre retomar a explicação anterior.
• Receber as autorizações assinadas e o primeiro questionário respondido.
• Dialogar sobre a leitura feita, na aula anterior, do poema “As tranças de Maria”;
• Sentir a recepção do mesmo pelos alunos;
• Observar se algum aluno gostaria de comentar sobre a obra em estudo, Poemas dos
Becos de Goiás e Estórias Mais, já que todos estão realizando a leitura extraclasse;
• No sentido de contextualizar os alunos sobre a autora Cora Coralina e suas produções
poéticas, assistir aos vídeos: Conhecendo Museus - Ep. 02: Museu Casa de Cora
Coralina, https://www.youtube.com/watch?v=xkqA_TIPqm4 e o trailer oficial
Caminho de Pedras https://www.youtube.com/watch?v=bFGZmlV5YCQ
• Comentar a importância de ler os poemas estabelecendo relação leitor, autor e texto;
• Ler os poemas Todas as vidas e Minha cidade, de Cora Coralina, buscando a interação
dos estudantes. Ambos compõem a coletânea de poemas da autora em estudo.
120

Mestranda: Edina Faria de Almeida


Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva
Turma: 8º ano – Turno Vespertino – Ensino Fundamental II
CEPMG – Unidade João Augusto Perillo
Aluno (a): ________________________________________________________________

PRIMEIRO QUESTIONÁRIO

Leia o questionário abaixo e responda-o de acordo com sua vivência e experiência


diária.
1. Você lê poesia na escola?
( ) Sim ( ) Não
Em caso positivo, com que frequência?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2. Você gosta de poesia?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3. Cora Coralina é conhecida como a “poeta da cidade de Goiás”, aquela que projeta a
cidade para um cenário da cultura nacional. Você conhece algum poema da autora? Seria
capaz de lembrar de seu título ou de alguns versos?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4. Como considera importante a leitura de poemas de Cora Coralina nas escolas?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5. Você acha que a leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, pode
contribuir para uma formação leitora mais consistente e significativa? Justifique sua resposta.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
121

Todas as Vidas

Vive dentro de mim Pimenta e cebola. meio casmurra.


uma cabocla velha Quitute bem feito. Trabalhadeira.
de mau-olhado, Panela de barro. Madrugadeira.
acocorada ao pé do borralho, Taipa de lenha. Analfabeta.
olhando pra o fogo. Cozinha antiga De pé no chão.
Benze quebranto. toda pretinha. Bem parideira.
Bota feitiço... Bem cacheada de picumã. Bem criadeira.
Ogum. Orixá. Pedra pontuda. Seus doze filhos,
Macumba, terreiro. Cumbuco de coco. Seus vinte netos.
Ogã, pai-de-santo... Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
Vive dentro de mim
Vive dentro de mim a mulher da vida.
a mulher do povo.
a lavadeira do Rio Vermelho. Minha irmãzinha...
Bem proletária.
Seu cheiro gostoso tão desprezada,
Bem linguaruda,
d'água e sabão. tão murmurada...
desabusada, sem preconceitos,
Rodilha de pano. Fingindo alegre seu triste fado.
de casca-grossa,
Trouxa de roupa,
de chinelinha,
Todas as vidas dentro de mim:
pedra de anil.
e filharada.
Na minha vida —
Sua coroa verde de são-caetano.
a vida mera das obscuras.
Vive dentro de mim
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
a mulher cozinheira.
— Enxerto da terra,

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo: Global, 2014. p.31-33.
122

Minha cidade

Goiás, minha cidade... Cortadas.


Eu sou aquela amorosa Eu sou aquele teu velho muro Maltratadas.
de tuas ruas estreitas, verde de avencas Pisadas.
curtas, onde se debruça E renascendo.
indecisas, um antigo jasmineiro,
entrando, cheiroso Eu sou a dureza desses morros,
saindo na ruinha pobre e suja. revestidos,
uma das outras. enflorados,
Eu sou aquela menina feia da Eu sou estas casas lascados a machado,
ponte da Lapa. encostadas lanhados, lacerados.
Eu sou Aninha. cochichando umas com as Queimados pelo fogo.
outras, Pastados.
Eu sou aquela mulher Eu sou a ramada Calcinados
que ficou velha, dessas árvores, e renascidos.
esquecida, sem nome e sem valia, Minha vida,
nos teus larguinhos e nos teus sem flores e sem frutos, meus sentidos,
becos tristes, de que gostam minha estética,
contando estórias, a gente cansada e os pássaros todas as vibrações
fazendo adivinhação. vadios. de minha sensibilidade de
Cantando teu passado. mulher,
Cantando teu futuro. Eu sou o caule têm, aqui, suas raízes.
dessas trepadeiras sem classe,
Eu vivo nas tuas igrejas nascidas na frincha das pedras Eu sou a menina feia
e sobrados Bravias. da ponte da Lapa.
e telhados Renitentes. Eu sou Aninha.
e paredes. Indomáveis.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo: Global, 2014. p.31-33.
123

3ª Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO


BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

TERCEIRO ENCONTRO (DIA 14/09/2021) = 2 AULAS

• Falar sobre o cineasta Lázaro Ribeiro, que também é pesquisador e estudioso das obras
de Cora Coralina e que irá auxiliar na produção do documentário;
• Assistir ao documentário de sua autoria Maria Macaca
https://www.youtube.com/watch?v=Kn9X_qMq7WA, que também era moradora
vilaboense, que projeta um pouco dos hábitos, costumes e crenças goianas – uma das
tantas mulheres-coralinas da cidade de Goiás;
• Ler os textos “Poemas” de Mário Quintana e “Ressalva” de Cora Coralina,
intercalando leitura e comentários;
• Ver nos textos o que significa para os escritores escrever poemas ou melhor um livro
de poemas;
• Perceber semelhanças entre os dois textos;
• Indagar sobre a ligação do poema “Ressalva”, de Cora Coralina com o próprio título
da obra.
• Produzir um texto poético retratando sua cidade, memórias, identidades, enfim, como
você a vê e se vê como morador de uma cidade histórica, cheia de história e poesia.
Para isso retomar os poemas “Todas as vidas” e “Minha cidade”.

Poemas

Os poemas são pássaros que chegam


não se sabe de onde e pousam
no livro que lês,
Quando fechas o livro, eles alçam voo
124

como de um alçapão.
Eles não têm pouso nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

In: QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2013.p. 19.

Ressalva

Este livro foi escrito


por uma mulher
que no tarde da Vida
recria e poetiza sua própria
Vida.

Este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da
Montanha da Vida
removendo pedras
e plantando flores.

Este livro:
Versos...Não.
Poesia...Não.
Um modo diferente de contar velhas estórias.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais.


23.ed. São Paulo: Global, 2014.p.2
125

4ª Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO


BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

QUARTO ENCONTRO (DIA 21/09/2021) = 2 AULAS

• Ler o poema “O Palácio dos arcos” e “A lavadeira”, de Cora Coralina. Leitura


intercalada entre alunos e a professora mediadora e pesquisadora, também, momento
de tecer comentários;
• Oportunizar aos alunos leitura de estrofes e/ou do poema que eles mais se
identificaram, juntamente com um comentário sobre a escolha;
• Assistir ao filme de Rosa Berardo, “A infância de Aninha”, ganhador do prêmio
Goiano de Cinema e Vídeo de Curta Metragem – Edital de concurso 002/2012.
• Atividade extraclasse - após o término da leitura literária “Poemas dos Becos de Goiás
e Estórias Mais” de Cora Coralina, escolher uma estrofe do poema que você mais se
identificou, gravar um vídeo (som e imagem) de uma situação pensada por você que
represente o seu encontro com o texto. Seria algo simples e bem rápido, porém
original.
Seja bem criativo, pense em texto e vivência literária!
• Entregar o vídeo gravado antes da próxima sequência didática.
126

O Palácio dos Arcos

O palácio dos Arcos numa casa de família. De repente, ouviu um trovão


tem estórias de valor Ninguém nunca contou surdo rolar
que não quero aqui contar. dondé que ele tinha vindo. do lado da Santa Bárbara.
Vou contar a estória do soldado Era mesmo filho de família. Rolou outro atrás do primeiro.
carajá. Era igual aos meninos da cidade. Levantou-se um pé de vento,
redemoinho.
Era uma vez em Goiás Andou na escola. Aprendeu Um cheiro forte de terra.
um soldado, carajá civilizado. leitura. Um cheiro agreste de mato.
Sabia ler e contar. Subiu nos morros, apanhou Um cheiro de aguada distante.
Estimado no quartel. pequi.
Tinha boa disciplina, Nadou no rio, fisgou cascudo. O soldado carajá, sabe lá o que
divisas de furriel. Pinchou pedra. Quebrou vidraça. sentiu.
Vendeu tabuleiro de bolo de Acordou dentro de si
Um dia...era o mês de outubro. arroz. uma grande nostalgia.
A cidade estava baça Jogou bete na rua. Uma dura rebeldia.
de fumaça das queimadas. Empinou arraia. O grito da sua raça.
Fazia calor medonho. Lançou corsário. Chamados da sua taba.
O povo clamava chuva. Brigou na regra. Embolou no Aquela mudança de tempo
aloite. despertou os seus heredos.
O soldado carajá Escreveu indecência nas Acordou seus atavismos.
dava guarda no Palácio paredes.
aquele dia. Cresceu. Se fez homem de bem. Certo foi que o soldado carajá
Sentou praça na Polícia. (bugre civilizado, sabendo ler e
De repente, ouviu um trovão Vestiu fardão escuro, botão contar)
surdo rolar dourado, encostou sua comblém (era no
do lado da Santa Bárbara. daquele tempo. tempo das combléns).
Rolou outro atrás do primeiro. Calçou bota reiuna-canguru Descalçou a reiuna-canguru
Levantou-se um pé de vento, legítima, legítima, ringideira.
redemoinho. ringideira. Baixou o quepe, correame,
Um cheiro forte de terra. Botou correame, quepe, mochila, refle-baioneta.
mochila, Sacou da túnica.
Um cheiro agreste de mato. cinturão, refle-baioneta. Desceu as calças e o mais que
Um cheiro de aguada distante. Encostou fuzil no ombro. havia,
O soldado carajá, Fazia sentinela. Dava ronda. Saiu correndo pelas ruas,
ninguém sabe o que sentiu. Rendia guarda, marchava, Nu?
Acordou dentro de si desfilava. Vestido com seus atavismos.
uma dura rebeldia. Era estimado no quartel.
Uma rude nostalgia. Coberto com seus heredos.
O grito de sua raça. Tinha boa disciplina, Alcançou a Barreira do Norte
Chamados de sua taba. divisas de furriel. e sumiu-se no rumo do
Aquela mudança de tempo Um dia (era no mês de outubro) Araguaia...
despertou os seus heredos. andavam de noite fogaréus
vermelhos Na poeira do bárbaro
Acordou seus atavismos. queimando os morros. atuado pelas forças cósmicas e
Certo foi... A cidade estava baça de fumaça ancestrais,
das queimadas. ouvia-se o grito selvagem:
O bugrinho carajá, Fazia um calor medonho. ...uirerê!...uirerê!...uirerê!...
de uma tribo muito mansa do O povo clamava chuva.
Araguaia, E era uma vez em Goiás
tinha vindo pequenino pra O soldado carajá dava guarda no um soldado de guarda,
Goiás. Palácio. civilizado carajá!
Foi criado bem-criado

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
Global, 2014.p.120-124.
127

A lavadeira

Essa Mulher... Inda o dia vem longe


Tosca. Sentada. Alheada... na casa de Deus Nosso Senhor Sonha calada.
Braços cansados o primeiro varal de roupa Enquanto a filharada cresce
descansando nos joelhos... festeja o sol que vai subindo trabalham suas mãos pesadas.
olhar parado, vago, vestindo o quaradouro
perdida no seu mundo de cores multicores. Seu mundo se resume
de trouxas e espuma de sabão na vasca, no gramado.
- é a lavadeira. Essa mulher No arame e prendedores.
tem quarentanos de lavadeira. Na tina d’água.
Mãos rudes, deformadas. Doze filhos De noite – o ferro de engomar.
Roupa molhada. crescidos e crescendo.
Dedos curtos. Vai lavando. Vai levando.
Unhas enrugadas. Viúva, naturalmente. Levantando doze filhos
Córneas. Tranqüila, exata, corajosa. Crescendo devagar,
Unheiros doloridos enrodilhada no seu mundo
passaram, marcaram. Temente dos castigos do céu. pobre,
No anular, um círculo metálico Enrodilhada no seu mundo dentro de uma espumarada
barato, memorial. pobre. branca de sabão.

Seu olhar distante, Madrugadeira. Às lavadeiras do Rio Vermelho


parado no tempo. da minha terra,
À sua volta Salva a aurora. faço deste pequeno poema
- uma espumarada branca de Espera pelo sol. meu altar de ofertas.
sabão Abre os portais do dia
entre trouxas e barrelas.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
Global, 2014.p.205-207.
128

5ª Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO


BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

QUINTO ENCONTRO (DIA 28/09/2021) = 2 AULAS

• Dialogar com os alunos sentindo como foi a gravação do vídeo, os sentimentos, as


dificuldades e a interação;
• Comentar os aspectos percebidos nos vídeos, as escolhas, a criação artística, a
identificação e memórias retratadas;
• Ler os poemas “Escola da Mestra Silvina” e “O Prato Azul-Pombinho”, ambos da
poetisa Cora Coralina. Leitura intercalada entre os alunos e mediadora, juntamente,
com análise oral compartilhada;
• Despertar a atenção dos leitores para os recursos expressivos e linguísticos utilizados
pela autora;
• Situação discursiva:
PRODUÇÃO TEXTUAL:
• A. Suponha que um grupo de brasileiros e estrangeiros pertencentes a um grande
CLUBE DE LEITURA pretende visitar a cidade de Goiás para conhecer melhor a
poesia de Cora Coralina. Você como leitor/a da poeta e como morador(a) da mesma
cidade dela poderá ajudá-lo. Para tal, escreva uma carta para lhes entregar na Ponte da
Lapa (antes de eles entrarem na Casa Museu).
• B. Escrever uma carta para Cora Coralina, como se ela ainda vivesse na casa velha da
ponte, falando de sua criação poética, sua percepção diante da leitura do livro Poemas
dos Becos de Goiás e Estórias Mais. Pode citar alguns versos ou estrofes, usar
recursos linguísticos para deixar sua escrita mais elaborada. É o momento de soltar a
imaginação, pois trata-se de uma carta fictícia e você pode ser criativo ao escrever o
seu texto.
• Seu texto deve ser convincente, portanto, apresente o seu principal livro, que é Poemas
dos becos de Goiás e Estórias Mais, poemas importantes que lhe tenham chamado a
129

atenção, fale de seu sentimento/orgulho em relação ao fato de morar na mesma cidade


da escritora e das sensações possíveis com a leitura dos poemas.
• Ler a carta que Carlos Drummond de Andrade escreveu a Cora Coralina.

Carlos Drummond de Andrade escreveu a Cora Coralina:


Rio de Janeiro,
14 de junho, 1979
Cora Coralina
Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as deposite
em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de graça com a poesia.
Seu livro é um encanto, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais. Ah, você
me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá alegria na gente saber que existe bem no
coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina.
Todo o carinho, toda a admiração do seu
Carlos Drummond
de Andrade

• Como atividade extraclasse, aplicar o segundo questionário estruturado para via de


análise e comparação ao primeiro.

A Escola da Mestra Silvina

Minha escola primária... Leitura alta.


Escola antiga de antiga mestra. Vinham depois: Soletrava-se.
Repartida em dois períodos Primeiro, segundo, Cobria-se o debuxo.
para a mesma meninada, terceiro e quarto livros Dava-se a lição.
das 8 às 11, da 1 às 4. do erudito pedagogo Tinha dia certo de argumento
Nem recreio, nem exames. Abílio César Borges — com a palmatória pedagógica
Nem notas, nem férias. Barão de Macaúbas. em cena.
Sem cânticos, sem merenda... E as máximas sapientes Cantava-se em coro a velha tabuada.
Digo mal — sempre havia do Marquês de Maricá.
distribuídos Velhos colegas daquele tempo...
alguns bolos de palmatória... Não se usava quadro-negro. Onde andam vocês?
A granel? As contas se faziam
Não, que a Mestra em pequenas lousas A casa da escola inda é a mesma.
era boa, velha, cansada, aposentada. individuais. -Quanta saudade quando passo ali?
Tinha já ensinado a uma geração Rua Direita, nº 13.
antes da minha. Não havia chamada Porta da rua pesada,
e sim o ritual escorada com a mesma pedra
A gente chegava "— Bença, de entradas, compassadas. da nossa infância.
Mestra." “-Bença, Mestra...”
Sentava em bancos compridos, Porta do meio, sempre fechada.
escorridos, sem encosto. Banco dos meninos. Corredor de lajes
Lia alto lições de rotina: Banco das meninas. e um cheirinho de rabugem
o velho abecedário, Tudo muito sério. dos cachorros de Samélia.
lição salteada. Não se brincava. À direita – sala de aulas.
Aprendia a soletrar. Muito respeito. Janelas de rótulas.
130

Mesorra escura me parece ver a Mestra, Marica. Albertina Camargo.


toda manchada de tinta nas rótulas. Zu, Maria Djanira, Adília.
das escritas. Mentalmente beijo-lhe a mão. Genoveva, Amintas e Teomília.
Altos na parede, dois retratos: “-Bença, Mestra.” Alcides e Magnólia Craveiro.
Deodoro, Floriano. E faço a chamada de saudade Pequetita e Argentina Remígio.
dos colegas: Olímpia e Clotilde de Bastos.
Num prego de forja, saliente na Juca Albernaz, Antônio, Luisita e Fani.
parede, João de Araújo, Rufo. Nicoleta e Olga Bonsolhos.
estirava-se a palmatória. Apulcro de Alencastro, Laura Nunes.
Porta de dentro abrindo Vítor de Carvalho Ramos. Adélia Azeredo.
numa alcova escura. Hugo das Tropas e Boiadas. Minha irmã Helena.
Um velhíssimo armário. Benjamim Vieira. (Eu era Aninha.)
Canastras tacheadas. Antônio Rizzo. Velhos colegas daquele tempo.
Um pote d'água. Leão Caiado, Orestes de Carvalho. Quantos de vocês respondem
Um prato de ferro. Natanael Lafaiete Póvoa. esta chamada de saudades
Uma velha caneca, coletiva, Marica. Albertina Camargo. e se lembram da velha escola?
enferrujada. Breno — "Escuto e tua voz vai
Minha escola da Mestra Silvina... se apagando com um dolente ciciar E a Mestra?...
Silvina Ermelinda Xavier de Brito. de prece". Está no Céu.
Era todo o nome dela. Alberico, Plínio e Dante Camargo. Tem nas mãos um grande livro de
Guigui e Minguito ouro
Velhos colegas daquele tempo, de Totó dos Anjos. e ensina a soletrar
onde andam vocês? Zoilo Remígio. aos anjos.
Zelma Abrantes.
Sempre que passo pela casa Joana e Mariquinha Milamexa.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
Global, 2014.p.61-65.

O Prato Azul-Pombinho

Minha bisavó – que Deus a tenha Isto contava com emoção, minha Uma ilha. Um quiosque rendilhado.
em glória- bisavó, Um braço de mar.
sempre contava e recontava que Deus haja. Um pagode e um palácio chinês.
em sentidas recordações Era um prato original, Uma ponte.
de outros tempos muito grande, fora de tamanho, Um barco com sua coberta de seda.
a estória de saudade um tanto oval. Pombos sobrevoando.
daquele prato azul-pombinho. Prato de centro, de antigas mesas
senhoriais Minha bisavó
Era uma estória minuciosa. de família numerosa. traduzia com sentimento sem igual,
Comprida, detalhada. De faustos casamentos e dias de a lenda oriental
Sentimental. batizado. estampada no fundo daquele prato.
Puxada em suspiros saudosistas Eu era toda ouvidos.
e ais presentes. Pesado. Com duas asas por onde Ouvia com os olhos, com o nariz,
E terminava invariavelmente, segurar. com a boca,
depois do caso esmiuçado: Prato de bom-bocado e de mães- com todos os sentidos,
“– Nem gosto de lembrar disso…” bentas. aquela estória da Princesinha Lui,
É que a estória se prendia De fios de ovos. lá da China – muito longe de Goiás
aos tempos idos em que vivia De receita dobrada –
minha bisavó de grandes pudins, que tinha fugido do palácio, um dia,
que fizera deles seu presente e seu recendendo a cravo, com um plebeu do seu agrado
futuro. nadando em calda. e se refugiado num quiosque muito
lindo
Voltando ao prato azul- pombinho Era, na verdade, um enlevo. com aquele a quem queria,
que conheci quando menina Tinha seus desenhos enquanto o velho mandarim – seu
e que deixou em mim em miniaturas delicadas: pai –
lembrança imperecível. Todo azul-forte, concertava, com outro mandarim de
Era um prato sozinho, em fundo claro nobre casta,
último remanescente, sobrevivente, num meio – relevo. detalhes complicados e
sobra mesmo, de uma coleção, Galhadas de árvores e flores cerimoniosos
de um aparelho antigo estilizadas. de seu casamento com um príncipe
de 92 peças. Um templo enfeitado de lanternas. todo-poderoso,
Figuras rotundas de entremez. chamado Li.
131

e baladas de um vate que já tinha passado a viver no meu


Então, o velho mandarim, chamado Hipeng. inconsciente
que aparecia também no prato, como ser presente,
de rabicho e de quimono, Do meu tempo só foi mesmo comecei a chorar
com gestos de espavento e cercado aquele último – que chorona sempre fui.
de aparato, que, em raros dias de cerimônia
decretou que os criados do palácio ou festas do Divino Foi o bastante para ser apontada e
incendiassem o quiosque figurava na mesa em grande pompa, acusada
onde se encontravam os fugitivos carregado de doces secos, variados, de ter quebrado o prato.
namorados. muito finos, Chorei mais alto, na maior tristeza,
encimados por uma coroa comprometendo qualquer tentativa
E lá estavam no fundo do prato, alvacenta e macia de defesa.
– oh, encanto de minha meninice! – de cocadas-de-fita. De nada valeu minha fraca negativa.
pintadinhos de azul, Fez-se o levantamento de minha
uns atrás dos outros – atravessando Às vezes, ia de empréstimo vida pregressa
a ponte, à casa da boa tia Nhorita. de menina
com seus chapeuzinhos de bateia E era certo no centro da mesa e a revisão de uns tantos processos
e suas japoninhas largas, de aniversário, com sua montanha arquivados.
cinco miniaturas de chinês. de empadas, bem tostadas. Tinha já quebrado – em tempos
Cada qual com sua tocha acesa No dia seguinte, voltava. alternados,
– na pintura- conduzido por um portador três pratos, uma compoteira de
para por fogo no quiosque que era sempre o Abdênago, preto estimação,
– da pintura. de valor, uma tigela, vários pires e a tampa de
de alta e mútua confiança. uma terrina.
Mas ao largo do mar alto
balouçava um barco altivo Voltava com muito-obrigados Meus antecedentes, até,
com sua coberta de prata, e, melhor – cheinho não eram muito bons.
levando longe o casal fugitivo. de doces e salgados. Com relação a coisas quebradas
Tornava a relíquia para o relicário nada me abonava.
Havia, como já disse, que no caso era um grande e velho E o processo se fez, à revelia da ré,
pombos esvoaçando. armário, e com esta agravante:
E um deles levava, numa argolinha alto e bem fechado. tinha colado no meu ser magricela,
do pé, -“Cuidado com o prato azul- de menina,
mensagem da boa ama, pombinho” vários vocativos
dando aviso a sua princesa e dama, dizia minha bisavó, adesivos, pejorativos:
da vingança do velho mandarim. cada vez que o punha de lado. inzoneira, buliçosa e malina.

Os namorados então Um dia, por azar, Por indução e conclusiva,


na calada da noite, sem se saber, sem se esperar, era eu mesma que tinha quebrado o
passaram sorrateiros para o barco, artes do salta-caminho, prato azul-pombinho.
driblando o velho, como se diz hoje. partes do capeta,
E era aquele barco que balouçava fora do seu lugar, apareceu Reuniu-se o conselho de família
no mar alto da velha China, quebrado, e veio a condenação à moda do meu
no fundo do prato. feito em pedaços – sim senhor- tempo:
o prato azul-pombinho. uma boa tunda de chineladas.
Eu era curiosa para saber o final da Foi um espanto. Um torvelinho.
estória. Exclamações. Histeria coletiva. Aí ponderou minha bisavó
Mas o resto, por muito que pedisse, Um deus nos acuda. Um rebuliço. umas tantas atenuantes a meu favor.
não contava minha bisavó. Quem foi, quem não foi?… E o castigo foi comutado
Dali pra frente a estória era omissa. para outro, bem lembrado, que
Dizia ela – que o resto não estava no O pessoal da casa se assanhava. melhor servisse a todos
prato Cada qual jurava por si. de escarmento e de lição:
nem constava do relato. Achava seus bons álibis. trazer no pescoço por tempo
Do resto, ela não sabia. Punia pelos outros. indeterminado,
E dava o ponto final recomendado. Se defendia com energia. amarrado de um cordão,
” -Cuidado com esse prato! Minha bisavó teve “aquela coisa” um caco do prato quebrado.
É o último de 92″ (Ela sempre tinha “aquela coisa” em
casos tais”) O dito, melhor feito.
Devo dizer – esclarecendo, Sobreveio o flato. Logo se torceu no fuso
esses 92 não foram do meu tempo. Arrotando alto, por fim, até um cordão de novelão.
Explicava minha bisavó chorou… Encerado foi. Amarrou-se a ele um
que os outros – quebrados, sumidos, caco, de bom jeito,
talvez roubados – Eu (emocionada), vendo o pranto de em forma de meia-lua.
traziam outros recados, outras minha bisavó, E a modo de colar, foi posto em seu
legendas, lembrando só lugar,
prebendas de um tal Confúcio da princesinha Lui- isto é, no meu pescoço.
132

Ainda mais Exemplar e de alta moral. no armarinho da memória, bem


agravada a penalidade: guardado,
proibição de chegar na porta da rua. Chorei sozinha minhas mágoas de e posso contar aos meus leitores,
Era assim, antigamente. criança. direitinho,
Depois, me acostumei com aquilo. a estória, tão singela,
Dizia-se aquele, um castigo no fim, até brincava com o caco do prato azul- pombinho.
atinente, pendurado
de ótima procedência. Boa E foi assim que guardei
coerência.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
Global, 2014.p.66-74.
133

Mestranda: Edina Faria de Almeida


Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva
Turma: 8º ano – Turno Vespertino – Ensino Fundamental II
CEPMG – Unidade João Augusto Perillo
Aluno (a):
___________________________________________________________________

2º QUESTIONÁRIO (final da pesquisa)


Leia o questionário abaixo e responda-o de acordo com suas vivências e experiências, após a
leitura do livro de Cora Coralina Poemas dos becos de Goiás e Estórias Mais.
1. Você gosta de poesia?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2. Depois de conhecer um pouco mais da produção de Cora Coralina, como foi a sua
proximidade com os poemas da autora?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3. Trabalhar com poemas de uma autora que faz parte do cenário de sua cidade e de sua
história foi capaz de estimular em você a curiosidade para conhecer outros poetas? Justifique
sua resposta.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4. Na sua opinião, a leitura literária dos poemas de Cora Coralina em sala de aula deve fazer
parte da rotina escolar?
( ) sim ( ) não
Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5. Você acha que a leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, contribuiu para uma
formação leitora mais consistente e significativa? Justifique sua resposta.
___________________________________________________________________________
134

6ª Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO


BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

SEXTO ENCONTRO (DIA 01/10/2021) = 2 AULAS

• Receber os questionários respondidos;


• Comentar sobre as cartas escritas na sequência anterior;
• Ler o texto “Cora Coralina, de Goiás”, de Carlos Drummond de Andrade;
• Ler o trecho do livro “Só entre nós: Abelardo e Heloisa” de Júlio Emílio Braz;
• Falar da possibilidade de interagir com outros adolescentes, também, leitores das obras
de Cora Coralina. Fazer amizades, trocar ideias, sentimentos e impressões acerca de
seus poemas. A carta, por muito tempo foi portadora de emoções, hoje, no mundo
contemporâneo, temos o e-mail, que encurtou a distância e o tempo. Então, vamos
trocar cartas reais por e-mail com os estudantes- leitores, do nono ano do CEPAE –
Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, uma interação e diálogo através da
leitura literária de Cora Coralina.
• Rascunhar o e-mail e lê-lo para os colegas, como interação e troca de ideias.
• Ouvir comentário dos participantes sobre a execução do projeto;
• Agradecimentos e finalização da pesquisa.
SÓ ENTRE NÓS: ABELARDO E HELOÍSA, de Júlio Emílio Braz

A história Só entre nós: Abelardo e Heloísa é narrada a partir, na maioria das vezes, do ponto
de vista de Carlos Abelardo Peçanha Filho, vulgo Abelardo, que tenta suprimir sua solidão e
tristeza através de cyber amizades, vivia viajando em busca de um amigo, até que surge o
seguinte anuncio:
135
136

7ª Sequência didática (DOCUMENTÁRIO)

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO


BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

SÉTIMO ENCONTRO (DIA 11/10/2021 a 15/10/2022) = SEMANA DE GRAVAÇÃO

• Leitura e explicação do roteiro do curta metragem;


• Momento de tirar as dúvidas;
• Familiarização com o cenário de gravação;
• Início das gravações nas dependências do Colégio Militar;
• Uma semana de gravação no centro histórico da cidade de Goiás.
137

APÊNDICE 03

EDINA FARIA DE ALMEIDA

CORA CORALINA:

Entre poemas e memórias

GOIÂNIA
2022
138

EDINA FARIA DE ALMEIDA

CORA CORALINA

Entre poemas e memórias

Produto Educacional apresentado ao Programa de


Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica
como requisito para obtenção para o título de
Mestre(a) em Ensino na Educação Básica

Área de Concentração: Ensino na Educação Básica

Linha de Pesquisa: Concepções teórico-


metodológicas e práticas docentes

Orientador (a): Dr(a). Célia Sebastiana Silva

GOIÂNIA
2022
139
140
141

TIPO DE PRODUTO EDUCACIONAL


(De acordo com a Resolução PPGEEB/CEPAE Nº 001/2019)

Desenvolvimento de produto (mídias educacionais, tais como: vídeos, simulações,


animações, vídeo-aulas, experimentos virtuais, áudios, objetos de aprendizagem, ambientes de
aprendizagem, páginas de internet e blogs, jogos educacionais de mesa ou virtuais, e afins;

Especificação: Documentário

DIVULGAÇÃO
( ) Filme
( ) Hipertexto
( ) Impresso
( ) Meio digital
( ) Meio Magnético

(X) Outros. Especificar: Documentário

FINALIDADE PRODUTO EDUCACIONAL

Documentário em que mesclem a linguagem acadêmica/pedagógica, mas também a poética


que visa contribuir de forma significativa para a divulgação e a ampliação do alcance da
poesia de Cora Coralina nas escolas e no ambiente educacional.

PÚBLICO ALVO DO PRODUTO EDUCACIONAL

Estudantes do Ensino Fundamental

IMPACTO DO PRODUTO EDUCACIONAL


O Produto Educacional apresenta:

( ) Alto impacto – Produto gerado no Programa, aplicado e transferido para um sistema, no


qual seus resultados, consequências ou benefícios são percebidos pela sociedade.
142

( x) Médio impacto – Produto gerado no Programa, aplicado no sistema, mas não foi
transferido para algum segmento da sociedade.

( ) Baixo impacto – Produto gerado apenas no âmbito do Programa e não foi aplicado nem
transferido para algum segmento da sociedade.

Área impactada pelo Produto Educacional:

( x) Ensino
( ) Aprendizagem

( ) Econômico
( ) Saúde
( ) Social
( ) Ambiental
( ) Científico

O impacto do Produto Educacional é:

( x) Real - efeito ou benefício que pode ser medido a partir de uma produção que se encontra
em uso efetivo pela sociedade ou que foi aplicado no sistema (instituição, escola, rede, etc).
Isso é, serão avaliadas as mudanças diretamente atribuíveis à aplicação do produto com o
público-alvo.

( ) Potencial - efeito ou benefício de uma produção previsto pelos pesquisadores antes de esta
ser efetivamente utilizada pelo público-alvo. É o efeito planejado ou esperado.

O Produto Educacional foi vivenciado (aplicado, testado, desenvolvido, trabalhado) em


situação real, seja em ambiente escolar formal ou informal, ou em formação de
professores (inicial, continuada, cursos etc)?

( x) Sim ( ) Não

Em caso afirmativo, descreva essa situação (informe: Nome da Instituição Escolar e rede de
ensino a qual pertence; Nível de Ensino; Ano escolar; Quantidade de Sujeitos Envolvidos;
143

Duração da vivência) (máximo 5 linhas):

O produto educacional foi vivenciado com 35 estudantes, de um 8º ano do Ensino


Fundamental II, do Colégio Militar Unidade João Augusto Perillo, rede pública de ensino,
duração de um bimestre.

REPLICABILIDADE ABRANGÊNCIA DO PRODUTO EDUCACIONAL

O Produto Educacional pode ser repetido, mesmo com adaptações, em diferentes


contextos daquele em que o mesmo foi produzido.

( x ) Sim ( ) Não

A abrangência territorial do Produto Educacional, que indica uma definição precisa de


sua vocação, é

( x ) Local ( ) Regional ( ) Nacional ( ) Internacional

COMPLEXIDADE DO PRODUTO EDUCACIONAL

O Produto Educacional possui (marque somente uma alternativa):

( ) Alta complexidade - O produto é concebido a partir da observação e/ou da prática do


profissional e está atrelado à questão de pesquisa da dissertação/tese, apresenta método claro.
Explica de forma objetiva a aplicação e análise do produto, há uma reflexão sobre o produto
com base nos referenciais teórico e teórico-metodológico, apresenta associação de diferentes
tipos de conhecimento e interação de múltiplos atores - segmentos da sociedade, identificável
nas etapas/passos e nas soluções geradas associadas ao produto, e existem apontamentos sobre
os limites de utilização do produto.

( X ) Média complexidade - O produto é concebido a partir da observação e/ou da prática do


profissional e está atrelado à questão de pesquisa da dissertação/tese. Apresenta método claro
e explica de forma objetiva a aplicação e análise do produto, resulta da combinação de
conhecimentos pré-estabelecidos e estáveis nos diferentes atores - segmentos da sociedade.

( ) Baixa complexidade - O produto é concebido a partir da observação e/ou da prática do


profissional e está atrelado à questão de pesquisa da dissertação/tese. Resulta do
144

desenvolvimento baseado em alteração/adaptação de conhecimento existente e estabelecido


sem, necessariamente, a participação de diferentes atores - segmentos da sociedade.

( ) Sem complexidade - Não existe diversidade de atores - segmentos da sociedade. Não


apresenta relações e conhecimentos necessários à elaboração e ao desenvolvimento do
produto.

INOVAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL


O Produto Educacional possui (marque somente uma alternativa):

( ) Alto teor inovativo - desenvolvimento com base em conhecimento inédito.

( X ) Médio teor inovativo - combinação e/ou compilação de conhecimentos pré-


estabelecidos.

( ) Baixo teor inovativo - adaptação de conhecimento existente.

FOMENTO

Houve fomento para elaboração ou desenvolvimento do Produto Educacional?


( ) Sim ( x ) Não

Em caso afirmativo, escolha o tipo de fomento:

( ) Programa de Apoio a Produtos e Materiais Educacionais do PPGEEB


( ) Cooperação com outra instituição
( ) Outro. Especifique: ____

REGISTRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

Houve registro de depósito de propriedade intelectual


145

(X) Sim ( ) Não

Em caso afirmativo, escolha o tipo:


( ) Licença Creative Comons

(X) Domínio de Internet


( ) Patente
( ) Outro. Especifique: ____

Informe o código de registro: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/704381

Obs: (no caso de creative comons, informe o link do tipo


http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/br/ ) (Esse link está disponível no cadastro do
produto feito no EduCAPES)

TRÂNSFERÊNCIA DO PRODUTO EDUCACIONAL

O Produto Educacional foi transferido e incorporado por outra instituição, organização ou


sistema, passando a compor seus recursos didáticos/pedagógicos?

( ) Sim ( x ) Não

Em caso afirmativo, descreva essa transferência (apresente algum tipo de documento


comprobatório, como declaração do diretor da instituição ou algo similar) (máximo 5 linhas):

DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS SOBRE A TRANSFERÊNCIA DO PRODUTO


EDUCACIONAL
(insira aqui cópia do documento assinado)
146

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DO PRODUTO EDUCACIONAL


(Apresentações ou publicações referentes à dissertação também podem ser consideradas.
Informe pelo menos as publicações e apresentações em no Seminário de Dissertações do
PPGEEB)

O Produto Educacional foi apresentado (relato de experiência, comunicação científica,


palestra, mesa redonda, etc) ou ministrado em forma de oficina, mini-curso, cursos de
extensão ou de qualificação etc. em eventos acadêmicos, científicos ou outros?

( ) Sim ( X ) Não

Em caso afirmativo, descreva o evento e a forma de apresentação:

O Produto Educacional foi publicado em periódicos científicos, anais de evento, livros,


capítulos de livros, jornais ou revistas?

( ) Sim ( x ) Não

Em caso afirmativo, escreva a referência completa de cada publicação:


147

REGISTRO(S) E DISPONIBILIZAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL

Produto Educacional Registrado na Plataforma EduCAPES com acesso disponível no link:


http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/704381

Produto Educacional disponível, como apêndice da Dissertação de Mestrado do qual é fruto,


na Biblioteca de Teses e Dissertações da Universidade Federal de Goiás (UFG)
(https://repositorio.bc.ufg.br/tede/ ).
(ATENÇÃO: apague essa informação sobre a Biblioteca caso você tenha marcado “NÃO” no
TECA)

Outras formas de Registro (informar o tipo de registro, número e forma de acesso, como no
exemplo do EduCAPES).

Outras formas de acesso: (informe links, além dos já informados, ou indique bibliotecas onde
está disponível. Para vídeos no youtube, no vimeo ou outros, indique o link. Caso o produto
esteja na Biblioteca do CEPAE ou em outra, informe o nome completo da biblioteca)
148

ALMEIDA, Edina Faria de. Cora Coralina: entre poemas e memórias. 2022. Produto
Educacional relativo à Dissertação (Mestrado em Ensino na Educação Básica) – Programa de
Pós Graduação em Ensino na Educação Básica, Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à
Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO.

RESUMO

Este Produto Educacional consiste na produção de um documentário em que se mesclem a


linguagem acadêmica/pedagógica, mas também a poética, fundamentado nos poemas da obra
Dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina e na perspectiva subjetiva do aluno em
meio a lugares poetizados da cidade de Goiás. Apresenta os resultados de uma investigação
sobre minha própria prática, desenvolvida durante o Mestrado Profissional em Ensino na
Educação Básica do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do CEPAE/UFG, entre os
anos de 2019 a 2022, cujo produto final é a dissertação “Leitura de poesia e formação do
leitor literário na educação básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula”.
Dessa forma, compartilho minhas práticas e experiências, ao desenvolver o projeto de leitura
de poesia e formação de leitor literário na educação básica, investigar como a leitura da poesia
de Cora Coralina, sob a perspectiva da memória e da identidade, pode contribuir para a
formação leitora do jovem aluno dos anos finais do ensino fundamental e despertar nele o
gosto pela poesia. O corpus de análise foi o livro Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais,
o conjunto da obra da poeta. O estudo teve como fundamento teórico, entre outros autores,
Antonio Candido (1965), Annie Rouxel (2013), Regina Zilberman (1987), Rildo Cosson
(2006), Tzvetan Todorov (2012),Vicent Jouve (2012) e Maria Tereza Andruetto (2017). A
coleta de dados ocorreu por meio da pesquisa-ação, com intervenção pedagógica em uma
turma de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública da Cidade de Goiás.

Palavras-Chave: Ensino. Literatura. Leitura de poesia. Formação de leitor.


149

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO -----------------------------------------------------------------------------------13

1 PLANEJAMENTO DO PRODUTO EDUCACIONAL -------------------------------16

1.1 Roteiro do documentário --------------------------------------------------------------------16

Considerações finais -------------------------------------------------------------------------------22

Referências -------------------------------------------------------------------------------------------23
150

Introdução

Este produto educacional, um documentário, intitulado Cora Coralina: entre poemas


e memórias é fruto da pesquisa “Leitura de poesia e formação do leitor literário na
educação básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula”, desenvolvido no
mestrado do Programa de Pós Graduação em Ensino na Educação Básica do Centro de Ensino
e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (CEPAE/UFG). O estudo
visou uma investigação acerca da leitura de poesia na escola e como se constitui a relação
leitor, texto e autor, com ênfase especial no leitor, também, foi feita uma pesquisa-ação para
se desenvolver neste trabalho. O corpus de análise foi o livro Poemas dos Becos de Goiás e
Estórias Mais de Cora Coralina, o conjunto da obra da poeta e os dados amostrais obtidos, a
partir da intervenção feita, do ponto de vista pedagógico-metodológico, numa turma de oitavo
ano do Ensino Fundamental. Objetivou-se investigar como a leitura da poesia de Cora
Coralina, sob a perspectiva da memória e da identidade, contribui para a formação leitora do
jovem aluno e despertar nele o gosto pela poesia.
O estudo teve como fundamento teórico, entre outros autores, Antonio Candido
(1965), Annie Rouxel (2013), Regina Zilberman (1987), Rildo Cosson (2006), Tzvetan
Todorov (2012), Vicent Jouve (2012), Maria Tereza Andruetto (2017), Alexandre Pilati
(2018), Hélder Pinheiro (2007) e Averbuck (1985).
Esse documentário busca mesclar a linguagem acadêmica, pedagógica e poética, com
vistas a evidenciar a composição dos poemas e vivências de Cora Coralina na criação e na
perspectiva subjetiva do aluno, em meio a lugares poetizados da cidade de Goiás. Durante a
aplicação das Sequências Didáticas (SD), com a mediação e intervenção da pesquisadora, os
alunos aprimoraram a leitura de poesia e escrita criativa. Produziram vídeos com leitura dos
poemas do livro Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais, que foram motivadores do
produto final. Dessa maneira, os resultados foram expressivos quanto ao processo de
desenvolvimento de leitura da poesia de Cora Coralina em sala de aula.
O ponto inicial de minha prática docente e de partida para esta pesquisa era a
disposição de trazer a poesia de Cora Coralina para o cotidiano da sala de aula. A literatura
goiana muitas vezes fica distante das leituras sugeridas nas séries finais do Ensino
Fundamental. Trazer a criação poética de Cora para a rotina da sala de aula é uma realidade
que ultrapassa a leitura esporádica de seus poemas em situações específicas. Para grande parte
151

dos alunos pesquisados, a sua leitura se resumia aos poemas mais conhecidos da autora. Com
o trabalho de mediação e prática de leitura feita no ambiente escolar estabeleceu-se um
vínculo entre literatura e realidade social e cultural. Os jovens estudantes conseguiram
estreitar o elo leitor, texto e autor indo além dos limites da poesia, expressaram concepções
acerca dos diversos temas trabalhados e se perceberam em alguns versos. A literatura de Cora
Coralina alude a figuras socialmente marginalizadas como a lavadeira, a mulher discriminada,
o menor abandonado, a escola, os becos e vários outros sujeitos e elementos de pouca
valoração para a sociedade. Junto a leitura dos poemas, os estudantes leitores tinham a
liberdade de posicionamentos, de debates, de se identificar com estes personagens, quase
sempre ocultos à sociedade, mas descortinados nos versos coralineanos e depois percebidos
na cidade, nas ruas, becos, em nossas casas e em outros textos.
É preciso entender a leitura literária como uma prática com percursos de tipos e
valores muito variáveis que dependem muito da mediação feita pelo professor. E cabe a esse
mostrar as portas de acesso à poesia, buscando a interação leitor, texto e autor. A recepção e a
travessia de acesso à literatura dependem subjetivamente de cada aluno. Nesse sentido,
Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina, é uma coletânea de poemas
com o cerne narrativo, outrossim a escritora ocupa o imaginário dos jovens alunos como a
“poeta da cidade”, aquela que projeta a cidade de Goiás para um cenário da cultura nacional.
Se anuirmos que uma obra literária é sempre inacabada, e que sua completude advém
da presença do leitor, então, este lhe empresta elementos de seu universo pessoal para o texto,
formando uma conexão entre texto, autor e leitor.
Na constituição do trabalho desenvolvido, primeiramente, são feitas reflexões teóricas
acerca da formação do leitor literário na educação básica, discutido o alcance da leitura
literária como contribuição para a construção da subjetividade do aluno e a função do texto
poético no contexto escolar, ressaltando-se o poder humanizador da poesia.
Em seguida, trabalha-se a concepção de poesia como aporte para o jovem leitor ler
para melhor perguntar e melhor se entender. Nesse sentido, para Andruetto (2017, p. 9) diz
que “A literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro aos lugares
comuns, ser o contrário do que dela se espera e, ainda, ‘não dar respostas, mas gerar
perguntas’”.
Na sequência, faz-se uma apresentação da poetisa Cora Coralina, perpassando sua vida
e obra, além de ressaltar sua ligação com a cidade de Goiás, cidade que foi inspiração para
muitos de seus poemas. Também, apontamentos sobre o corpus da pesquisa Poemas dos
Becos de Goiás e Estórias Mais, uma das obras de Cora Coralina. Em seguida, considerações
152

sobre a poesia de Cora no contexto da cidade de Goiás. Importante ressaltar que, embora seja
uma poeta canônica na cidade e no estado de Goiás, Cora Coralina não goza do mesmo
reconhecimento em nível nacional, embora a sua poesia tenha o aplauso e a anuência de um
poeta como Carlos Drummond de Andrade.
Por fim, faz-se a descrição da pesquisa (uma pesquisa-ação, de trato qualitativo, e que
propõe a discussão da formação leitora do jovem leitor, na escola, a partir da leitura de
poesia), conceituando-a e delimitando o seu locus, assim como a discussão sobre a recepção
do projeto, em sala de aula, para os 35 participantes dessa investigação. Os procedimentos
metodológicos são minuciosamente relatados e é feita a análise de dados, com base no
material aplicado em sala de aula e recolhido.
Na intervenção e análise dos dados da pesquisa de campo, procurei dialogar com
estudos de Todorov (2011), de Andruetto (2017), Jouve (2002), Rouxel (2013), de Pilati
(2018) e outros sobre a importância da leitura da leitura de poesia na sala de aula, na
perspectiva da formação e recepção de jovens leitores.
No que diz respeito à pesquisa de campo, é válido realçar que, devido ao contexto da
pandemia da Covid-19, ocorridas nos anos de 2020 e 2021, as aulas foram híbridas, as
atividades realizadas por meio das plataformas Google Meet, WhatsApp e GR8 (sistema de
gerenciamento escolar). Foram organizadas propostas de leitura, diálogo e produção de texto
direcionados para a recepção dos poemas de Cora Coralina, com indagações para investigar o
percurso percorrido pelos jovens leitores participantes da pesquisa. Ao final, a construção do
Produto Educacional foi evidenciou como a leitura da poesia de Cora Coralina, sob a
perspectiva da memória e da identidade, contribuiu para a formação leitora do jovem aluno e
despertou nele o gosto pela poesia.
Por fim, confirmam-se, nos resultados, a importância da leitura de poemas na rotina
escolar e a percepção de que a leitura literária é um direito e uma necessidade vital. Confirma-
se, ainda, que não há resistência do jovem à leitura de poesia e, ainda menos, quando essa
poesia apresenta ao leitor marcas linguísticas, temas, vivências, e contextos que lhe são
familiares como ocorreu com a leitura dos poemas de Cora Coralina por alunos (a maioria)
nascidos e criados no mesmo contexto da poetisa.
O produto está disponível no canal do You Tube, no seguinte endereço:
https://youtu.be/fYUQXF4tiVc. Os vídeos que mediaram a constituição do produto estão
disponíveis em https://youtu.be/80YNMdv5bcU.
153

PLANEJAMENTO DO PRODUTO EDUCACIONAL

ROTEIRO DO CURTA METRAGEM


“CORA CORALINA: ENTRE POEMAS E MEMÓRIAS”

CENA 01 (várias imagens ext. dia)


Vista geral da cidade do alto da igreja Santa Bárbara, sons de sinos, passos de alguém que
caminha nas pedras (usamos para título nas pedras) rio vermelho com reflexo da casa de Cora
- trilha sonora.
(Off de várias vozes femininas e masculinas, lendo trechos de cartas para Cora, sobrepondo e
dificultando o entendimento). O áudio é sobreposto pela voz de um menino.
(Hiago, Geovana Stefany, Gabriel, Isabella, Marília, Pedro Henrique, Heitor e Lorena)
GRAVADO
(Off) (Otávio)
Hoje me peguei pensando em como é maravilhoso chegar a velha Casa da Ponte e já de
longe avistá-la admirando as mais lindas cores refletidas nas águas do Rio Vermelho. Como é
mágico lhe encontrar em cada verso, dos mais diversos poemas por ti criados.

Cena 02 (INT/DIA) continua a trilha sonora


Vemos uma mão de um jovem escrevendo em uma folha em branco uma carta. Ao fundo
percebemos uma estante de livros desfocada.
Carta (off)(Otávio)
O mundo se encanta com cada detalhe escrito de forma tão apaixonada, contando
tradições de um povo sofrido, de forma a apresentar para o mundo nossas lavadeiras, nossos
becos e a nossa humilde cidade, dá gosto conhecer Goiás de sua infância.
Por meio das suas poesias posso rever a dureza do passado recontado pela "menina feia
da ponte da Lapa”. “Aninha”, menina, mulher, poeta que nos enche de orgulho: "Contando
teu passado, contando teu futuro".
Fala para câmera (rapaz da biblioteca)(Otávio)
É assim que agradeço, querida Cora Coralina, por apresentar as simples belezas do
nosso Goiás para o mundo.

Cena 03 (EXT/ INT/ DIA) (Todos os alunos)GRAVADO


Imagens escolas, livros, alunos entrando no colégio Militar.
No pátio do Colégio Militar diversos alunos estão sentados, ou de pé lendo ou trocando ideias
a respeito do “livro Poemas dos Becos e Estórias Mais”.

(Edina) (off)GRAVADO
Vocês sabiam que Cora Coralina ganhou projeção nacional por meio de uma carta?
Escrita por Carlos Drummond de Andrade no dia 14 de julho de 1979, que diz:
154

Cora Coralina:
Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as
deposite em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de graça com
a poesia. Seu livro é um encanto, seu verso é água corrente, seu lirismo tem a força e a
delicadeza das coisas naturais.

Cena 04 (EXT/DIA) (Várias meninas lavando roupas e cantando)


(Hellen, Sarah, Anna Brysa, Geovanana Borges, Ana Luiza Nascimento, Ana Clara de
Castro, Rafaela, Débora Soares e Bruna)GRAVADO
A câmera percorre por pedras e corredeiras e chega em mãos que enxaguam roupas, o barulho
das águas dão o tom da música cantadas por mulheres que lavam roupa na Carioca. A cantoria
e água são sobrepostas pela voz de uma aluna.

Música: Dodói (Juraildes da Cruz)

Onte eu vi maria no seu jardim


Tá cuiendo flor prá jogar ni mim
Bem que eu tô sabendo que ocê é meu
Tá cuiendo flor pra jogar ni eu
To doidim mode ela, ela doidim mode eu
Tá cuiendo flor pra jogar ni eu

Ei flor, cadê o cheiro que ocê prometeu


Ei flor, não venha me dizer que se esqueceu
Ei flor, será que não se lembra mais deu
Ei flor, daquele cravo dijuntim seu....

(Obs: a música passa a fazer fundo para o poema lido.) (Hellen Kristina)

(...)
Inda o dia vem longe
na casa de Deus Nosso Senhor,
o primeiro varal de roupa
festeja o sol que vai subindo,
vestindo o quaradouro
de cores multicolores.
(...)
Vai lavando. Vai levando.
Levantando doze filhos
Crescendo devagar,
Enrodilhando no seu mundo pobre,
dentro de uma espumarada
branca de sabão.
155

Cena 05 (EXT/ENTARDECER) (beco Ouro Fino)GRAVADO

Em um beco vemos ao longe uma moça na janela que observa o movimento. (Clara Silva)
Um rapaz puxando um burrinho carregado de lenha,(Gutinho) uma moça com uma bacia de
roupas na cabeça,(Juliana Toledo) certamente voltando do rio e dois rapazes vendendo prato
de pequi (Heitor e Alexsander). Após se cruzarem pelo beco a moça da janela comenta
sozinha:
(Clara Silva) GRAVADO
Conto a estória dos becos,
dos becos da minha terra,
suspeitos... mal afamados
onde famílias de conceito não passava.
“Lugar de gentinha” – diziam, virando a cara.

Cena 06 (EXT/ENTARDECER) GRAVADO

Os meninos passam por duas senhoras que estão sentadas conversando na esquina do beco
(Debora Soares e Maria Clara Oliveira). O menino oferece o prato de pequi e as mulheres
que olham, sinalizam que não tem interesse e agradecem. Elas voltam a conversar e a
observar a decida do menino pela rua do fórum. (que grita: “Olha o pequi”)
(Lorena) GRAVADO
Poetas e pintores
românticos, surrealistas, concretistas, cubistas,
eu vos conclamo.
Vinde todos cantar, rimar em versos,
bizarros coloridos,
os becos da minha terra.

Cena 07 (EXT/NOITE)
Cenas de Becos da cidade, vazios, em um silêncio que é rompidos pelas badaladas da igreja
do Rosário. Vemos vultos em uma vidraça de alguém que passa pela rua. (Isabella e Débora)
(Isabella)
De noite... noite de quarto,
a cidade vazia se recolhe
num silêncio avaro, severo.
Horas antigas do passado.
- Concentração
Almas penadas doutro mundo.

Cena 08 (EXT/DIA) GRAVADO

Vemos o reflexo na água de alguém lendo poemas dos Becos. A câmera percorre água e
vemos abaixo a imagem de um indígena.
156

Imagens aleatórias de água e mata.


Sentada em uma pedreira uma menina conta história, com o livro de Cora na mão ela resume
a história do índio Karajá (O Palácio do Arcos).

Aluna (off ou não) (Lana) GRAVADO

Ao ler Cora Coralina nos deparamos com um cotidiano da antiga Vila Boa que nos encanta.
Uma das histórias entre tantas narradas pela poeta é a do soldado Carajá que ela nos conta em
um tom de fabula:

A aluna abre o livro e lê

Era uma vez em Goiás


um soldado, carajá civilizado.
sabia ler e contar.
Estimado no quartel.
Tinha boa disciplina,
Divisas de furriel.

A aluna faz um resumo da história. No final continua a leitura do livro e finaliza lendo:

Na poeira do bárbaro
Atuado pelas forças cósmicas e ancestrais,
ouvia-se o grito selvagem:
...Uirerê! ...Uirerê! ...Uirerê!

E era uma vez em Goiás


um soldado de guarda,
civilizado carajá!

Continuação da Cena 09 (EXT/DIA)GRAVADO

Indígena vestido de soldado andando de um lado para outro na porta do Palácio. Alguns
planos detalhes.
Correndo em uma rua de pedras. Depois correndo em uma estrada de chão entrando no mato.
Detalhe: vulto do índio passando entre árvores. Passando em um rego d’água.
Cortar para:

Cena 10 (EXT/DIA) RIO VERMELHO

Imagens do Rio Vermelho com a casa velha da ponte.


Detalhes de corredeiras, pedras no rio, reflexos.

Off do Poema (Amanda)


157

Rio Vermelho das janelas da casa velha da Ponte...


Rio que se afunda debaixo das pontes.
Que se reparte nas pedras.
Que se alarga nos remansos.
Esteira de lambaris.
Peixe cascudo nas locas.

Cena 11 (EXT/DIA) PONTE DE CORA


Aluna na ponte olhando para o rio com livro na mão, abre e lê:
(Laís)
Goiás, minha Cidade...
Eu sou aquela amorosa
de tuas ruas estreitas,
curtas,
indecisas,
entrando,
saindo
uma das outras.
Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.

Cena 12 (EXT/DIA) PONTE DE CORA (participação Elenizia da Mata)


Elenizia passa pela aluna e diz:

Elenizia
Eu sou aninha

Após a fala Elenizia começa a cantar à capela, “Minha cidade” e vai até a estátua de Cora. No
banco ao lado da estátua de Cora temos outra aluna que lê o livro. (Geovana Stefany)

Cena 13 (EXT/DIA) ESTÁTUA DE CORA


(Geovana Stefany)
Aluna fecha o livro e diz:
Versos ... Não
Poesia... Não
Um modo diferente de contar velhas estórias.

Cena 14 (EXT/DIA) BIBLIOTECA GRAVADO


(Amanda – substituição Bheatrys)
Vemos uma aluna escrevendo sob luz de projeção cuja as imagens é de Cora escrevendo,
declamando na Janela, declamando com o livro na mão no beco e na porta do museu das
bandeiras. (Cenas do filme de Vicente Fonseca).

Em off aluna lê uma carta à Cora:


158

Seus poemas Dos Becos de Goiás mostram vida, a vida que não vemos e não
valorizamos, vida que você viveu. Cora, de limpar casa e lavar roupa, até nisso você mostra
beleza.
Cora, que graça existe em você? Não posso mais ser a mesma, seus textos transformam
e inspiram, você é viva, viva em sua casa, viva em seus doces, viva na cidade e viva em nós.

Créditos finais (Heitor)


Vemos mão de aluno desenhando a silhueta de Cora, enquanto os créditos aparecem
A última imagem é a do aluno que escreve em baixo de seu desenho e mostra para a câmera
(O livro é o melhor meio de transporte, leva você ao passado e ao futuro, até mesmo a outro
mundo)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O documentário CORA CORALINA: entre poemas e memórias foi uma experiência


de leitura literária ampliando as paredes da sala de aula. Ficou perceptível que a poesia
ultrapassa as fronteiras dos versos e estrofes. Nesse contexto, Candido (2004) acentua que “A
literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais
compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”. (p.180) e “o que na
literatura age como força humanizadora é a própria literatura, ou seja, a capacidade de criar
formas pertinentes”. (p.182)
Os alunos participantes do documentário vivenciaram os Poemas dos Becos de Goiás e
Estórias Mais, de Cora Coralina num contexto diferente do cotidiano da sala de aula, sendo
que, no set de gravação além da leitura poética do texto alguns jovens leitores liam as cenas
gravadas com acréscimos respaldados na leitura literária. Isso é resultado de ler o que o texto
traz. Segundo Thiollent (2011, p. 28), a pesquisa-ação não deixa de ser uma forma de
experimentação em situação real, na qual os pesquisadores intervêm conscientemente. Os
participantes não são reduzidos a cobaias e desempenham um papel ativo.
A cada cena gravada os estudantes vibravam com elogios e queriam participar de outras.
Diante de tais apontamentos, é irrefutável a necessidade de o texto poético participar
ativamente das leituras literárias nas séries finais do ensino fundamental. O leitor jovem em
formação busca, além do conhecimento de outros mundos, o seu mundo interior, e a literatura
não é o lugar de certezas, mas da dúvida.
Assim, finalizamos, por ora, o diálogo acerca da leitura de poemas como contribuição
na formação do jovem leitor. Que as análises tecidas possam despertar nos docentes do ensino
fundamental que a leitura literária é um direito e uma necessidade vital. Retomando Andruetto
(2017, p. 145): desde o começo dos tempos, a literatura olha a singularidade humana, a luta de
um ser humano entre o que é e o quer ou pode ser. Ela busca uma verdade que nem começa
nem termina nas palavras.
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REFERÊNCIAS

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BRITTO, C. C.; SEDA, R. E. Cora Coralina: raízes de Aninha. Aparecida-SP: Ideias & Letras, 2009.

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ZILBERMAN, R.; MAGALHÃES, L. C. Literatura Infantil: Autoritarismo e Emancipação (ensaios). São


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______. (Org.) Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 8ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1988.

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