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GOIÂNIA
2022
EDINA FARIA DE ALMEIDA
GOIÂNIA
2022
Dedico este trabalho a todos que concebem a literatura como força
humanizadora e que acreditam na contribuição da leitura literária - em
específico, da leitura de poesia - para a formação do leitor nas escolas.
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
This dissertation concludes an investigation of the process of formation of the poetry reader at
school and how the reader, text and author relationship is constituted, with special emphasis
on the young adolescent reader of the poetry of the writer Cora Coralina. The corpus of
analysis is composed of the book Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, the set of the
poet's work and the sample data obtained from the pedagogical-methodological intervention
carried out in a group of students from the 8th year of Elementary School of a school public in
the city of Goiás. The objective was to investigate how the reading of Cora Coralina's poetry,
from the perspective of memory and identity, can contribute to the reading formation of
young students in the final years of elementary school and awaken in them a taste for poetry.
The study was based on, among other authors, Antônio Cândido (1965), Annie Rouxel et. al.
(2013), Regina Zilberman and Magalhães (1987), Rildo Cosson (2019), Tzvetan Todorov
(2010), Vicent Jouve (2012) and Maria Tereza Andruetto (2017). To achieve the proposed
objective, bibliographic research and action research with pedagogical intervention were
carried out. Direct mediation with the young student and reader aimed, as a result, at the end
of the process, at an educational product - a documentary - entitled Cora Coralina: between
poems and memories, which sought to merge academic, pedagogical and poetic languages,
with a view to to evidence the composition of the poems and experiences of Cora Coralina in
the creation and in the subjective perspective of the student in the midst of poetized places in
the city of Goiás. The educational product was developed during the Professional Master's in
Teaching in Basic Education of the Stricto Sensu Postgraduate Program at CEPAE/UFG,
based on the records made during the application of the didactic sequences. The product is
available in the appendices and on the You Tube channel at the following address
https://youtu.be/fYUQXF4tiVc. During the application of the Didactic Sequences (DS), with
the mediation and intervention of the researcher, the students improved their poetic reading
and writing. They produced videos with the reading of poems from Becos de Goiás and
Estórias Mais, which motivated the final product. The videos that mediated the constitution of
the product are available at https://youtu.be/80YNMdv5bcU. In this way, the results were
expressive regarding the development process of reading Cora Coralina's poetry in the
classroom.
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................103
APÊNDICES .........................................................................................................................109
13
INTRODUÇÃO
Cecília Meireles
A literatura, como aportado por Candido (2004, p. 174), “aparece claramente como
manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há
homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma
espécie de fabulação”. Por isso, a preocupação acerca da inserção da literatura na formação
dos jovens leitores, em específico no ensino fundamental. Em comunhão com Candido,
Bachelard (1978, p. 188), ao analisar a importância do gênero poesia, considera:
Assim a imagem que a leitura do poema nos oferece faz-se verdadeiramente nossa.
Enraíza-se em nós mesmos. Recebemo-la, mas nascemos para a impressão de que
poderíamos criá-la, de que deveríamos criá-la. A imagem se transforma num ser
novo de nossa linguagem, exprime-nos fazendo-nos o que ela exprime, ou seja, ela é
ao mesmo tempo um devir de expressão e um devir de nosso ser. No caso, ela é a
expressão criada do ser.
Então, esta pesquisa pretende mostrar a relevância de se trabalhar com poesia na sala
de aula com ênfase na relação leitor, texto e autor, destacando o leitor – sujeito em formação.
Pensar na importância da leitura, numa sociedade em constante transformação, principalmente
com o avanço tecnológico invadindo e ocupando todos os seus setores, é um desafio para o
professor.
Segundo Vicent Jouve, “a leitura se apresenta como parte interessada de uma cultura.
Recebido fora de seu contexto de origem, o livro se abre para uma pluralidade de
interpretações: cada leitor novo traz consigo sua experiência, sua cultura e os valores de sua
época” (JOUVE, 2002, p. 24).
Para tanto, a obra Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina
(2014), será uma possibilidade de o jovem leitor perceber que a leitura está em tudo quanto há
vida e que é inerente às relações humanas, como também ressalta Jouve: “a leitura é, portanto,
ao mesmo tempo, uma experiência de libertação (“desengaja-se” da realidade) e de
preenchimento (suscita-se, imaginariamente, a partir dos signos do texto, um universo
marcado por seu próprio imaginário)” (JOUVE, 2002, p. 107). Aqui, então, se fundamenta a
necessidade de realçar o trabalho de leitura nas escolas de educação básica, quando os
14
A escola não percebe que a literatura exige do leitor uma mudança, uma
transferência movida pela emoção. Não importa o que o autor diz mas o que o leitor
ultrapassa. E a literatura é feita de palavras, e é necessário um projeto de educação
capaz de despertar o sujeito para o encanto das palavras (QUEIRÓS, 2012, p. 160).
Isso reforça a importância de se levar a poesia para a sala de aula. No caso desta
pesquisa, a poesia que se propõe é a de uma poeta – Cora Coralina – que ocupa o imaginário
dos jovens alunos como a “poeta da cidade”, aquela que projeta a cidade de Goiás para o
cenário da cultura nacional. Em Minha cidade, por exemplo, a poeta Cora Coralina aponta
para uma imbricação entre poesia, memória e identificação com as próprias raízes, numa
personificação poética.
Como vimos, a ênfase principal desta pesquisa está na mediação da leitura literária e,
em específico, na leitura de poesia na escola. A partir desse enfoque, há algumas hipóteses a
serem analisadas: De que forma a leitura da poesia de Cora Coralina em uma turma de oitavo
ano do ensino fundamental pode contribuir para a formação do leitor de poesia na escola? Em
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que medida ler uma poeta, cujo cenário poético seja familiar e próximo dos alunos, pode
contribuir para uma identificação entre texto, autor e leitor?
Estudos realizados acerca da leitura da poesia e formação do leitor demonstram que a
compreensão do leitor, nesse universo de linguagens, remonta ao entendimento de que o texto
literário é a figura do homem em si e “é resultado de práticas sociais, portanto, práticas
históricas” (SILVA; COSTA, 2012, p. 32).
Segundo Anne Rouxel et. al. (2013, p. 208), “a identidade do leitor é desconstruída e
reconstruída a cada leitura e, no entanto, ela é, da parte do leitor, objeto de uma busca
infinita”. A escolha dessa autora e de seus poemas como possibilidade de formação do leitor e
o papel significativo que a poesia representa nesse processo se deram devido à própria
identificação da autora com seus poemas. É difícil separar Cora-mulher e Cora Coralina
escritora – é uma construção interna e constante. Essa identificação é um aspecto importante
na formação do adolescente-leitor: encontrar-se no texto.
Esta pesquisa tem como objetivo geral investigar como o diálogo entre o leitor, a
poesia e o autor pode contribuir para o processo de formação do leitor literário na Educação
Básica por meio da leitura da obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora
Coralina.
Dentro dessa proposta, os objetivos centram-se, especificamente, em investigar a
possibilidade metodológica da leitura de poemas que instigue a relação leitor-poesia; conhecer
e apreciar os textos poéticos de Cora Coralina; descobrir, na leitura dos poemas, o ritmo e a
entonação sonora adequada; contextualizar os poemas Dos Becos de Goiás e Estórias Mais à
realidade do aluno, com maior enfoque na memória e identidade; finalmente, relatar a
experiência desenvolvida em sala de aula e analisar os resultados obtidos durante a pesquisa.
Esta dissertação consiste em uma pesquisa–ação, de cunho qualitativo, com a
intervenção da leitura dos poemas de Cora Coralina em turmas de alunos do oitavo ano do
ensino fundamental. Segundo Cosson (2019, p. 120), “o ensino de literatura passa a ser o
processo de formação de leitor capaz de dialogar no tempo e no espaço com sua cultura,
identificando, adaptando ou construindo um lugar para si mesmo”.
Na esteira de David Tripp (2005, p. 445-446) sobre a utilização da pesquisa-ação na
condição de uma investigação autorreflexiva, temos:
Todorov
Dessa forma, para Coelho (2002, p. 17): “hoje, esse espaço deve ser, ao mesmo tempo,
libertário e orientador para permitir ao ser em formação chegar ao seu autoconhecimento e a
ter acesso ao mundo da cultura que caracteriza a sociedade a que ele pertence”. Portanto,
quanto mais explícito ficar para o professor-mediador a importância da leitura literária como
poderosa fonte de formação de sensibilidades, de alargamento e criticidade de nossa visão de
mundo mais significante será nossa contribuição na formação do jovem leitor. Andruetto
(2017, p. 10), aprofunda esse argumento, enfatizando que a escola é uma igualadora social,
pois reduz a brecha entre as crianças que provêm de lares onde o livro está presente e de lares
onde o livro está ausente. Nesse sentido, reforça a urgência da leitura literária na sala de aula e
que toda criança tenha acesso e condições de permanência na escola.
Destarte, Andruetto (2017, p. 35) recorre a Candido para ressaltar que:
A literatura deve ser equitativa e acessível a todos, um bem que não pode ser negado
a ninguém, pois corresponde a necessidades profundas do ser humano. A literatura
não só é instrumento poderoso de instrução e de educação, mas ainda é fator de
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perturbação e de risco, um caminho que não corrompe nem edifica, mas humaniza
em sentido profundo, porque faz viver.1
Sendo assim, o ponto de partida da escola para um trabalho sólido de leitura literária é a
escolha de obras adequadas à idade e aos interesses dos alunos, o que acrescenta muito ao seu
repertório de leituras e à sua capacidade de análise crítica dos textos. Assim, as escolhas que
fizermos dos livros de literatura a serem apresentados aos estudantes e a forma de leitura que
propusermos são o que vão determinar a nossa contribuição para um processo de leitura
literária, com chances de durar para além da escolarização.
Segundo Cosson (2019, p. 40), “aprender a ler é mais do que adquirir uma habilidade, e
ser leitor vai além de possuir um hábito ou atividade regular. Aprender a ler e ser leitor são
práticas sociais que medeiam e transformam as relações humanas”. Então, a leitura é uma
construção contínua. Nesse sentido, reitera Todorov (2010, p. 8), “o perigo que hoje ronda a
literatura é o de não ter poder algum, o de não mais participar da formação cultural do
indivíduo, do cidadão”. Para o autor, o perigo está na forma como a literatura tem sido
oferecida aos jovens, desde a escola primária até a faculdade, com a falta de contato com a
literatura propriamente dita e com o fato de ser ela mais uma matéria escolar a ser aprendida
em sua periodização do que um agente de conhecimento sobre o mundo, os homens, as
paixões, enfim, sobre a vida íntima e a pública.
Dessa maneira, para a escritora Annie Rouxel et. al. (2013, p. 62), “a leitura não é
somente a ocasião de enriquecer o saber sobre o mundo; ela permite também aprofundar o
saber sobre si”. Pois cada um possui sua história de vida, seu repertório de leituras, uma
trajetória cultural e social, e se insere em determinada comunidade. O contato direto com o
texto literário, partindo do diálogo texto, leitor e autor pode levar o estudante a construir
autonomia e visão crítica, tendo a leitura como a maior aliada.
O processo de formação de leitor supracitado, que abarca leitor, texto e autor, é uma
afirmativa de que a literatura é necessária nas escolas por oportunizar aos estudantes inúmeros
conhecimentos, tornando-os leitores críticos. A partir do contato significativo com o texto, o
aluno consegue atribuir sentido ao que leu, começa a despertar interesse por outros textos e
leituras de maiores complexidades.
A diretriz atual do ensino de literatura, nas séries finais do ensino fundamental, aborda
uma orientação centrada no texto, considerando os gêneros textuais em uma perspectiva
1
In: ANDRUETTO, Maria Tereza. A leitura, outra revolução. Trad. Newton Cunha. São Paulo: Sesc, 2017, p.
35.
20
O texto não pode ser concebido somente como uma unidade de estudo gramatical, é
necessário, primeiramente, que ele seja estudado, analisado e compreendido, em sua
totalidade e em suas partes, envolvendo os eixos da Língua Portuguesa, ou seja, as
práticas de linguagem de leitura, oralidade, análise linguística/semiótica e produção
de textos (GOIÁS. DC-GO, 2020, p. 562).
Ligado, portanto, a todo esse processo, segundo Andruetto (2017), os livros nos
colocam diante de nós mesmos e diante do mundo do qual fazemos parte e nos convidam a
trabalhar arduamente para tornar efetivas as possibilidades que teremos. Assim,
Não creio em livros nem em literatura fora dos leitores; para que um livro não seja,
para uma criança ou para um adulto, um objeto inerte, mas um artefato que
interroga, interpela e se aprofunda em nossa condição de vida, essa criança ou esse
adulto deve se converter em leitor. Onde houver um leitor, houve antes outros
leitores, uma família, um professor, um bibliotecário, uma escola, outros que
estenderam pontes. Nossos esforços devem se voltar à construção e à qualidade
dessas pontes (ANDRUETTO, 2017, p. 29).
Para que o próprio leitor não morra como leitor, a arte poética e ficcional deve ser
apresentada em primeiro lugar em seu estranho poder imprevisto, encantador,
emocionante, de forma a criar raízes profundas o suficiente para que nenhum corte
analítico ou metodológico venha a podar sua presença criadora, para que nenhuma
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de suas partes essenciais seja amputada antes que ela aprenda a se mover e nos
acompanhe pelos sentidos que damos à vida à medida que vivemos.
Assim, o escritor enfatiza que o texto literário tem o poder de mostrar ao leitor outros
mundos e outras vidas e, se a ficção ou a poesia não tiverem mais o poder de enriquecer a
vida e o pensamento, então, a literatura está em perigo. Sobre esse papel construtor e
humanizador da literatura, especificamente sobre a humanização, Candido (2004, p. 180) diz:
Entendo por humanização (já que tenho falado tanto nela) o processo que confirma
no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a
aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das
emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso de beleza, a
percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor.
Além disso, a leitura literária estimula o crescimento do ser humano em seu todo, pois,
além de desenvolver aspectos cognitivos, também impulsiona o imaginário, aprimora as
emoções, conscientiza sobre a diversidade histórica e cultural e abre possibilidades de
entendimento de valores tradicionais, subjacentes e novos da sociedade. Ela nos auxilia na
capacidade de ver e ler situações de modo mais compreensível. Uma visão que vai além do
visível, que consegue adentrar a subjetividade, perceber algo que não se mostra de imediato,
mas que é essencial.
Para essa mesma conjuntura, Jouve (2002, p. 119) enfatiza que ler é uma entrada
insólita em outra dimensão que, na maioria das vezes, enriquece a experiência: o leitor que,
num primeiro tempo, deixa a realidade para o universo fictício, num segundo tempo, volta ao
real nutrido da ficção. Entretanto, o leitor não é um indivíduo isolado na sociedade, é parte de
um conjunto que vive, constantemente, em relação com o outro. A experiência transmitida
pela leitura desenvolve um papel na evolução global da sociedade.
A obra literária é um objeto inacabado, pois sua construção depende daquilo que cada
leitor projeta de si próprio - é uma construção coletiva. Portanto, essa construção depende da
ponte (comparação feita por Andruetto), a fim de despertar no jovem o interesse pela leitura.
Nesse intento, o poeta usa as palavras no sentido de transportar o leitor de um lado a outro e
retornar ao anterior modificado. Jouve (2002, p. 127) acrescenta:
Existem sempre, portanto, duas dimensões na leitura: uma comum a todo leitor
porque determinada pelo texto; a outra, infinitamente variável, porque dependente
daquilo que cada um projeta de si próprio.
O leitor só pode extrair uma experiência de sua leitura confrontando sua visão de
mundo com que a obra implica. A recepção subjetiva do leitor é condicionada pelo
efeito objetivo do texto.
23
Nesse contexto, é possível afirmar que a leitura leva o leitor a integrar a visão do texto à
sua própria visão, isto é, o que acontece é uma atitude ativa entre texto, autor e leitor. O leitor,
através da leitura, estabelece uma compreensão significativa. Jouve (2002) conclui que existe,
de um lado, uma simples compreensão do texto e, de outro, o modo como cada leitor reage
pessoalmente a essa compreensão. A significação é o momento da retomada do sentido pelo
leitor, de sua efetuação na existência.
Nesse mesmo sentido, Cecília Meireles (2002) acrescenta que a literatura não é como
tantos supõem, um passatempo. É uma nutrição. Podemos dizer que nutre e abre caminhos
para um olhar profundo e significativo. Portanto, torna-se inegável e necessário que a leitura
literária ocupe o centro das aulas de Língua Portuguesa na educação básica e, em relevo, a
poesia. Carlos Drummond de Andrade, em A educação do ser poético, inicia com uma
interrogativa que pode ser entendida como uma provocação em relação à leitura poética:
Por que motivo as crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo, deixam de
sê-lo?
Será a poesia um estado de infância relacionada com a necessidade de jogo, a
ausência de conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos
de viver – estado de pureza da mente, em suma?
Acho que é um pouco de tudo isso, se ela encontra expressão cândida na meninice,
pode expandir-se pelo tempo afora, conciliada com a experiência, o senso crítico, a
consciência estética dos que compõem ou absorvem poesia (DRUMMOND, 1974,
s/p).
Jouve (2002) também comunga dessa ideia e enfatiza a valoração da leitura literária na
escola, acrescentando que a leitura, ao levar o leitor a integrar a visão do texto à sua própria
visão, não pode ser encarada como uma atitude passiva. O leitor vai tirar de sua relação com o
texto não somente um “sentido”, mas também uma “significação” (JOUVE, 2002, p. 128).
Jouve continua refletindo que a simples compreensão do texto dialoga com o modo
como cada leitor reage a essa compreensão. A significação é o momento da retomada do
sentido pelo leitor, de sua efetuação na existência. Essa ideia, segundo Roland Barthes (1971),
é de um prolongamento concreto da leitura, quando ele evoca a transmigração do texto para a
vida do sujeito:
A implicação da leitura literária na vida do jovem leitor é mais real do que podemos
imaginar. Muitas vezes, pode levar à criticidade, à transformação do sujeito e até dar coragem
para enfrentar alguns paradigmas impostos pela sociedade.
Cecília Meireles
maneira, a não ser entendendo que as subjetividades de quem escreve e de quem lê são
sempre caixas de ressonância do social, e que toda palavra individual é um concerto de ecos e
de dissidências com a palavra social” (ibidem, p. 21). Assim, o mundo que o autor e o leitor
habitam não é restrito à rua onde moram, mas extravasam esse ambiente particular.
Intrínseco a esse ato de leitura, como aliada na contribuição da autonomia e da visão
crítica do jovem leitor, é primordial que o professor seja um leitor com vivência nesse tipo de
formação e a escola tenha espaço e disposição para efetivar a leitura literária com
receptividade. E isso demanda tempo para o aluno familiarizar com texto literário e
estabelecer um diálogo expressivo com o que o texto diz. Para Jouve (2012, p. 53), a leitura é
um retorno a si:
Toda leitura tem em si, como se sabe, uma parte constitutiva de subjetividade. Para
muitos, trata-se de uma realidade negativa a implicação pessoal do leitor no texto, a
qual contém em germe todos os desvios possíveis, indo do simples erro de leitura ao
contrassenso mais flagrante.
Ainda ressalta o autor que, com efeito, cada um projeta um pouco de si na sua leitura.
Por isso a relação com a obra não significa somente sair de si, mas também retornar a si. A
leitura de texto literário também é sempre leitura do sujeito por ele mesmo, constatação que,
longe de afastar o interesse pelo ensino literário, pode – e muito – aproximar dele o jovem
leitor. (JOUVE, 2012, p. 53)
Em concomitância com Jouve, Ricardo Azevedo (2004), em Formação de leitores e
razões para a literatura, realça que a leitura literária com significação e construção da
subjetividade pressupõe treino, capacitação e acumulação. É importante salientar que, para
formar o leitor da leitura literária, é imprescindível que se estabeleça um diálogo entre a
pessoa que lê e o texto. Outrossim, requer do leitor um esforço que se justifica pela
aproximação entre eles, estabelecendo uma ideia de comunhão baseada no prazer, na
identificação, no interesse e na liberdade de interpretação.
Em torno da triangulação leitor, texto e autor, segundo Rouxel et. al. (2013, p. 55),
“aquilo que a leitura faz ressurgir, por meio de uma palavra, de uma frase ou de uma
descrição, não vem do nada, mas do passado do leitor”. O leitor é, então, o cerne dessa
triangulação (a intertextualidade é feita por ele) e não o texto, pois, para a autora, ler é
realizar, sem preocupação com a cronologia, todas as conexões possíveis entre os textos. Para
Rouxel et. al., a reapropriação subjetiva do texto pode ser legítima ou acidental, mas o fato é
que sua importância na leitura é considerável. Ela explica por que a relação com a obra é,
sempre e ao mesmo tempo, exploração do sujeito por ele mesmo. Isso representa sair para o
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texto e voltar para si, talvez, em uma reconstrução interna. Para tanto, o ato de ler requer
tempo, pausa, retorno para que o encontro texto e autor seja profundo e único. A autora
acrescenta que, quando a subjetividade é acidental, a experiência da volta a si é mais
impactante. O leitor é então levado a refletir sobre o que o conduziu a projetar no texto aquilo
que não estava lá.
A leitura literária é de grande importância na constituição do sujeito em formação,
corroborando a construção da identidade pessoal. Segundo Rouxel et. al. (2013, p. 91),
“nenhuma forma de identidade, nem mesmo a identidade pessoal, é concebida sem uma
relação com o outro e com o mundo”. Em comunhão com Rouxel et. al., Andruetto (2017)
ressalta sempre a importância da construção de pontes, o passar e o retornar para si. Que o
leitor faça pausa, levante a cabeça, reflita e retome a leitura, porque a leitura voraz deixa no ar
muitas interrogações. Então, na constituição do jovem leitor, é preponderante a presença do
mediador, quer na família, na escola, quer entre amigos.
Lídia Jorge, em seu texto Nascidos para ler (2007), também retoma a leitura literária
como contribuição na constituição da subjetividade do aluno leitor. Para ela, a leitura literária
está fortemente associada à construção da identidade.
Em que dia nos transformamos em leitores para sempre? Cada um de nós lembrará a
sua história. Recordará um colo, um abraço, um livro colocado na mão de alguém,
uma estante, um professor, uma certa noite, um certo dia. Aquele momento e aquela
hora em que se associou uma voz humana com a capacidade de multiplicar imagens
infinitas dentro da cabeça, e de permeio estavam folhas escritas. Alguém que depois
nos coloca diante duma estante e nos diz – Aqui tens, tantos seres humanos quanto
as lombadas, tantos filmes quantas as páginas. És um homem livre (JORGE, 2007).
estão sempre presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele
refuta, confirma, completa, pressupõe e assim por diante” (FIORIN, 2008, p. 21).
Destarte Yunes (2002, p. 32) também afirma que:
O principal derivado deste enfoque educativo é que a literatura oferece uma maneira
articulada de reconstruir a realidade, de gozar dela esteticamente, de explorar os
pontos de vistas próprios através da apresentação de outras alternativas ou de
reconciliar-se com os conflitos através de uma experiência pessoal e subjetiva, o
papel do professor deveria ser, principalmente, o de questionar e enriquecer as
respostas, o de esclarecer a representação da realidade, que a obra pretendeu
construir, mais do que o de ensinar princípios ou categorias de análise.
Complementar às colocações de Colomer, Annie Rouxel et. al. (2013, p. 70) destaca
que “leitura das obras é, antes de tudo, uma leitura para si da qual o sujeito tira o que lhe é
necessário para formar seu pensamento e sua personalidade”. Aprofunda seus estudos acerca
do que a noção de identidade literária supõe, numa espécie de equivalência entre si e os
textos: textos de que eu gosto, que me representam, que, metaforicamente, falam de mim, que
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me fizeram ser o que sou, que dizem aquilo que eu gostaria de dizer, que me revelaram a mim
mesmo.
Nesse sentido, a relação mútua entre escritor e leitor é necessária, pois dessa comunhão
surge a possibilidade da reapropriação parcial, que, segundo Jouve (2012), o leitor (aluno) faz
do texto, evidenciando o retorno a si provocado pela leitura. Pensamento similar ao de Sartre
(2015):
Rildo Cosson
é imagem, o homem – esse perpétuo chegar a ser – é. A poesia é entrar no ser. Dessa forma,
Candido (2004, p. 175) reitera que:
A essência da poesia requer um certo modo de ver as coisas, captar algo que não se
mostra de imediato, que está implícito, mas que carrega a essência do texto. No entanto, o
trabalho com poesia em sala de aula requer que o professor esteja aberto para acolher a leitura
do aluno, retornar ao texto como mediador para o que o texto infere, se colocar em um
caminho inusitado e plural, já que um poema é carregado de significações, o que pode ser um
estranhamento para o aluno. Afinal, o texto poético, por condensado que é, em termos de
linguagem, acaba por concentrar mais os sentidos e desafiar mais o leitor. Conforme
Andruetto (2017, p. 53), “a poesia é algo que excede a escrita”.
Assim sendo, é um olhar mais penetrante que o poema requer, desvendando a magia
da palavra poética, dependendo do olhar do leitor. A valorização da poesia em sala de aula
coincide com um modo de ver o mundo, a autodescoberta do eu em relação ao outro. Também
desenvolve a capacidade de ler e de suscitar o gosto pela leitura de poemas.
Mário Quintana, em Os poemas, compartilha da ideia de Andruetto no sentido de o
poema ir além da escrita:
Nos últimos versos, Quintana parece dialogar com Paz (1982), que afirma que “a
linguagem do poema está nele e só nele se revela. A revelação poética pressupõe uma busca
interior”.
Averbuck (1985, p. 64), em A Poesia e a escola, destaca que “a poesia entra na escola
marginalmente e os contatos que as crianças estabelecem com os textos poéticos são tão
30
raros...” Isso, sem dúvida, distancia o aluno do texto poético e reforça o predomínio dos
gêneros narrativos como os mais trabalhados em sala de aula. Outro aspecto salutar é que a
leitura do texto poético em sala de aula se depara com uma aparente ausência de gosto de
alguns alunos pela poesia estabelecendo, às vezes, uma dificuldade de o mediador intervir
junto ao aluno para que ele consiga chegar ao texto. Isso se justifica na pouca afinidade com o
gênero da parte do aluno; ou na formação acadêmica do mediador, para quem não houve
disponibilidade de acesso às obras poéticas e faltou o incentivo da escola no trabalho com a
poesia. Dessa forma, a prosa triunfa, despertando o interesse da maioria dos alunos. O aluno
parece ligar a prosa diretamente à contação de história, que é mais recorrente em grande parte
das práticas culturais de quaisquer grupos sociais. Talvez esteja aí a afinidade. Tudo isso
distancia o aluno do texto poético. Hoje, podemos dizer que o trabalho com poemas em sala
de aula vem com uma nova perspectiva, que Andruetto (2017, p. 92) define como olhar o
mundo com olhos alheios, tentar entrar em outras condições de vida para compreender um
pouco mais a condição humana.
Ressalte-se que a poesia sempre esteve atrelada ao homem, desde o seu nascimento por
meio de canções, mitos ou outras expressões poéticas. Paz (1982, p. 83), nesse sentido,
evidencia:
A prosa é um gênero tardio, filho da desconfiança do pensamento ante as tendências
naturais do idioma. A poesia pertence a todas as épocas: é a forma natural de
expressão dos homens. Não há povos sem poesia, mas existem os que não têm
prosa. Portanto, pode-se dizer que a prosa não é uma forma de expressão inerente à
sociedade, ao passo que é inconcebível a existência de uma sociedade sem canções,
mitos ou outras expressões poéticas.
O escritor Hélder Pinheiro (2012, p. 91), no tecido do texto Diga um verso bem bonito,
complementa Paz, reforçando o elo poesia e história de vida de cada um:
Despertar nas crianças vivências com a poesia oral constitui uma atividade/atitude
da maior importância no sentido de formar leitores de poesia. É necessário, portanto,
refletir sobre o lugar da poesia em nossa vida. Embora a maioria das pessoas não se
torne leitor de poesia, praticamente todos são capazes de lembrar com emoção o
encantamento lírico de certas brincadeiras de infância. Parlendas, trocadilhos,
cantigas de ninar, brincadeiras de roda, brincadeiras com palavras buscando rimas
são partes deste rico arsenal que se modifica de região para região.
Dessa forma, Paz (1982) continua enfatizando como é estreita a ponte entre o leitor e o
poema, dizendo que o poema nos faz recordar o que esquecemos: o que somos realmente.
Depois acrescenta que a linguagem indica, representa e que o poema não explica nem
representa: apresenta. Não alude à realidade; pretende – e, às vezes, consegue – recriá-la.
Portanto, a poesia é um penetrar, um estar ou ser na realidade.
31
Além das reservas existentes em despertar o jovem leitor para a leitura de poemas, nas
escolas de ensino básico deparamos, muitas vezes, com o pouco acervo de obras com poemas
destinados ao público juvenil. As existentes muitas vezes estão distantes do mundo do
adolescente. Também, afirma Cosson (2019, p. 23), que a função essencial da literatura é de
construir e reconstruir a palavra que nos humaniza. Contudo, o poema precisa fazer parte do
cotidiano escolar.
A eficácia do trabalho com poesia em sala de aula passa, primeiramente, em o professor
ter claras as funções sociais da poesia, para que possa despertar o senso poético nos alunos.
Também, é indispensável que o professor seja realmente um leitor, que tenha uma experiência
significativa de leitura. Nesse sentido, o escritor Hélder Pinheiro, em Condições
(indispensáveis) para o trabalho com a poesia, menciona que:
Um professor que não é capaz de se emocionar com uma imagem, com uma
descrição, com o ritmo de um determinado poema, dificilmente revelará na prática,
que a poesia vale a pena, que as experiências simbólicas condensadas naquelas
palavras são essenciais em sua vida. Creio que sem um mínimo de entusiasmo,
dificilmente poderemos sensibilizar nossos alunos para a riqueza semântica da
poesia (PINHEIRO, 2007, p. 26).
Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque
possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa, mas, sim, e sobretudo,
porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura, os instrumentos necessários para
conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem, como relata Cosson, (2019, p.
30). Acreditamos que devemos levar aos nossos alunos textos novos, no sentido de atuais e no
sentido de novidade (desconhecidos, podendo ser de outra época), que poderão integrar seu
universo de leitura. Contudo, esse alargamento de visão do que está sendo vivido pelo aluno
pode proporcionar uma descoberta de outras possibilidades de vivência afetiva.
Acurada a importância da leitura poética na sala de aula, se fazem necessários alguns
apontamentos agregando a função e o processo humanizador da poesia. Sobre isso, primeiro,
temos dois pontos centrais para reflexão: a função social e o caráter humanizador, que é
preciso estar atento a possíveis interferências ideológicas e particulares que o poeta quer
impelir à sua obra. Segundo Hélder Pinheiro (2007, p. 23), “a função social da poesia, é bom
lembrar, não é mensurável dentre modelos esquemáticos. Trata-se de uma experiência íntima
que muitas vezes captamos pelo brilho do olhar de nosso aluno na hora de uma leitura, pelo
sorriso, pela conversa de corredor”.
É preciso atentar para o fato de a leitura do texto poético ter peculiaridades, requerendo
uma leitura mais minuciosa e cuidadosa. Antonio Candido (2004, p. 173) alerta para o fato de
“que cada época e cada cultura fixam os critérios de incompressibilidade, que estão ligados à
visão da sociedade em classes, pois, inclusive a educação pode ser instrumento para
convencer as pessoas de que o que é indispensável para uma camada social não o é para
outra”. Voltamos ao início das colocações, que, sutilmente, mencionam não usar a poesia, a
literatura como meio instrutivo de interesse particular, isto é, o texto poético não deve servir
de pretexto moralizante. Vale ressaltar sempre a importância de o mediador enfatizar o valor
estético do poema e a sua capacidade de contribuir com o crescimento humano do leitor,
principalmente do jovem em formação.
Além disso, Antonio Candido (2004, p. 176-177) aprofunda a função da literatura:
Diante das três faces supracitadas, o autor menciona que a produção literária tira as
palavras do nada e as dispõe como um todo articulado. Este é o primeiro nível humanizador,
ao contrário do que geralmente se pensa. A organização da palavra comunica-se ao nosso
espírito e o leva, primeiro, a se organizar; em seguida, a organizar o mundo. Isso ocorre desde
as formas mais simples, como a quadrinha, o provérbio, a história de bichos, que sintetizam a
experiência e a reduzem a sugestão, norma, conselho ou simples espetáculo mental
(CANDIDO, 2004, p. 177). Esse “todo articulado” é o que ocorre, por exemplo, no poema
Minha cidade, de Cora Coralina - que faz parte do corpus selecionado para essa pesquisa -,
em que a presença da anáfora, da repetição, dos assíndetos e polissíndetos vão se organizando
de um modo que o leitor vai percebendo a identificação/fusão do sujeito lírico com a cidade
natal da poeta.
Ainda pensando na função social e humanizadora da poesia, Osakabe acrescenta que:
A poesia produz no leitor, como qualquer obra de arte, uma percepção nova sobre
determinada experiência, ou constitui ela própria uma experiência sempre renovada
como se guardasse sempre o frescor de sua criação. Ora, é essa particularidade que a
coloca como um desafio para o leitor, como se fossem inesgotáveis suas
possibilidades significativas (OSAKABE, 2008, p. 49).
Quando o leitor está realizando uma leitura literária com significação, há um amálgama
da mensagem com a organização textual. Se ocorre uma ação de identificação do leitor com o
texto, isso foi a ordenação do autor que a produziu. Essa riqueza expressiva, de acordo com
Candido, é uma ação da forma sobre o conteúdo:
Em palavras usuais: o conteúdo só atua por causa da forma, e a forma traz em si,
virtualmente, uma capacidade de humanizar devido à coerência mental que se
pressupõe e que sugere. O caos originário, isto é, o material bruto a partir do qual o
produtor escolheu uma forma, se torna ordem; por isso, o meu caos interior também
se ordena e a mensagem pode atuar. Toda obra literária pressupõe esta superação do
caos, determinada por um arranjo especial das palavras e fazendo uma proposta de
sentido (CANDIDO, 2004, p. 178).
Entendo aqui por humanização (já que tenho falado tanto nela) o processo de
confirmar no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da
reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento
das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a
percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura
desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais
compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (CANDIDO,
2004, p. 180).
Por isso, é imprescindível efetivar, nas salas de aulas, a leitura literária, principalmente
a da poesia, que pode ser uma poderosa contribuição para a formação humana do leitor
iniciante. A poesia desperta o senso poético do aluno: não qualquer poesia e de qualquer
modo, mas buscando a sensibilidade dos alunos; em contrapartida, a escola perde muito ao
repelir a poesia de seu cotidiano. Cora Coralina escreveu no poema Ressalva (2014, p. 27):
“Este livro:/ Versos...Não./ Poesia...Não./ Um modo diferente de contar velhas estórias”.
1.4 A Poesia e o jovem aluno: ler para melhor perguntar e melhor se entender
35
despertar em nós regiões que estavam até então adormecidas” (PETIT, 2013, p. 7). Para
Andruetto (2017, p. 9), “a literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro
aos lugares comuns, ser o contrário do que dela se espera e, ainda, ‘não dar respostas, mas
gerar perguntas’”. As indagações são ricas e geram incômodos no leitor, o que leva à busca
constante por respostas que são contribuições ímpares para o crescimento do leitor jovem em
formação.
Nesse sentido, pensando na poesia e no jovem aluno leitor, que Andruetto assevera:
“quem escreve compreende (e cedo ou tarde compreenderá seu leitor) que o que parecem
verdades incontestáveis são construções sociais, vantajosas para uns e prejudiciais para
outros, e que essas construções podem ser postas em discussão” (ANDRUETTO, 2017, p.
137). À medida que vai descobrindo o texto, o aluno vai construindo, lentamente, condições
para que se comece um diálogo entre texto e autor. É o início da construção que,
posteriormente, retorna a si própria como leitura subjetiva. A leitura de poemas em voz alta,
nesse caso, torna-se muito pertinente, eleva a expressividade e proporciona a descoberta do
texto de forma mais significativa.
O aluno, no primeiro contato com o texto poético, faz uma leitura contemplativa e
despreocupada. Muitas vezes, sente vontade de reler, como se quisesse ter certeza de sua
leitura e, quando o leitor é sensibilizado pelas impressões e emoções trazidas do texto, temos
um processo de leitura e prazer. Isso ficou evidenciado durante a pesquisa, quando o
momento era voltado para a vocalização dos poemas de Cora Coralina.
Nessa trilha, Octavio Paz (1982, p. 231) agrega à leitura de poemas: “não é tanto aquilo
que o poeta diz, mas o que vai implícito em seu dizer, sua dualidade íntima e irredutível, que
outorga às suas palavras um gosto de libertação”. E vai além: acerca da poesia, diz que cada
leitor procura algo no poema. E não é insólito que o encontre, porque já o trazia dentro de si.
A escritora goiana Leodegária de Jesus, em seu poema Ao meu livro predileto,
evidencia a estreita relação entre texto, autor e leitor e a leitura como contribuição subjetiva
na formação do sujeito leitor.
Ao meu livro predileto
Sobre estes tempos novos, com novo jeito de viver, tempos de inquietudes, de
indagações – em todos os setores houve mudanças, porque a sociedade vive com outros
valores: a comunicação, o comércio, as informações chegam, em um curto espaço de tempo, a
todos os lugares, Petit aprofunda dizendo que:
O ensino da literatura não pode ficar enraizado no tempo. Os jovens de hoje têm outras
perspectivas, angústias, conflitos, sonhos, perguntas e a leitura literária pode acrescentar
muito nesse sentido. São jovens com muita informação obtida através das mídias, que estão
sempre conectados em algum aparelho eletrônico, que é também uma possibilidade de leitura
virtual.
Nesse ambiente, a literatura pode contribuir muito com a formação dos jovens, porque
possui um discurso carregado de situações, emoções, vivência íntima e profunda, que desperta
38
Encontrar um lugar neste mundo é importante para todos, principalmente para o jovem,
e o diálogo com a poesia traz, muitas vezes, as dificuldades e os anseios vividos pelos jovens
implícitos em seus versos. É preciso que o jovem compreenda que a constituição do texto
poético condensa o imaginário com a realidade, numa fusão que leva os leitores a serem
observadores de si mesmos. O aluno perceberá que o poema vai além do texto, que significa,
entre outras coisas, novas relações, que é salutar deixar que a poesia invada os seus recônditos
mais íntimos, para poder compreender melhor o mundo que o cerca. A literatura é uma arte
que pode ser vista como atividade humana que transforma o mundo, desperta um novo jeito
de olhar as peculiaridades da relação do homem com o mundo assim como os modos de ser
do homem no mundo - a poesia traz implícita essa capacidade de despertar algo adormecido,
conforme Andruetto:
Quanto a mim, gostaria de chegar ao coração de quem me lê, levá-lo a sentir e a
pensar, porque, contra o puro entretenimento e o adormecimento da consciência, a
literatura nos propõe uma das mais profundas imersões em nós mesmos e na
sociedade da qual somos parte. A escrita se dirige à sociedade da qual viemos
porque se constrói com um bem social e se alimenta dos relatos que essa sociedade
gera (ANDRUETTO, 2017, p. 16).
A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob
pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à
visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza
(CANDIDO, 2004, p. 186).
CORA CORALINA
Ler é um ato operatório. Por meio da leitura toda a nossa intimidade, mesmo a mais
secreta, vem à tona – em liberdade – para desvendar o que as palavras nos reservam. Pela
leitura, nossa liberdade mais profunda é buscada para participar dessa prosa. Diante do texto
literário, nos revelamos e nos abrimos para paisagens até então insuspeitadas. É assim que o
escritor Bartolomeu Campos de Queirós descreve a leitura em O ato de ler (2012, p. 86). A
leitura também fez parte da vida da poeta Cora Coralina: como leitora, foi prosadora como
muitos escritores; como escritora, cantou sua cidade em sua poesia - como podemos ver em
seu poema Minha cidade (2014, p. 34): “Goiás, minha cidade.../Eu sou aquela amorosa/De
tuas ruas estreitas,/curtas,/indecisas /entrando,/saindo/uma das outras./Eu sou aquela menina
feia da ponte da Lapa./Eu sou Aninha”. A cidade como símbolo exerce uma espécie de
magnetismo não só na poesia goiana, comumente, mas também na literatura brasileira.
Com esse jeito peculiar de contar estórias, como escreveu em Poemas dos becos de
Goiás (2014, p. 27) - “Este livro:/Versos...Não./Poesia...Não./Um modo diferente de contar
velhas estórias” – nesse limiar entre contar e cantar as coisas simples do cotidiano com
sensibilidade se tece a poesia de Cora Coralina, nascida em 1889 como Ana Lins dos
Guimarães Peixoto, mais tarde Bretas, e falecida em 1986, na Cidade de Goiás. O conjunto de
sua obra é composto dos livros Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (1965), Meu livro
de cordel (1976), Vintém de cobre – Meias confissões de Aninha (1983), Estórias da casa
velha da ponte (1985), Meninos verdes (1986), Tesouros da casa velha da ponte (1989),
sendo A moeda que o pato engoliu (1997), Villa Boa de Goyaz (2001) e O prato azul
pombinho (2002) de publicação póstuma.
A autora também publicou crônicas em jornais, como escreveram Clóvis Carvalho
Britto e Rita Elisa Seda (2009):
43
Apesar de ter iniciado sua literatura ainda na juventude com publicações em jornais, sua
obra só se concretizou, publicamente, no tardar da sua vida, como podemos ver em seu poema
Ressalva: “Este livro foi escrito/ por uma mulher/ que no tarde da Vida/ recria e poetiza sua
própria/ Vida” (2014, p. 27). A autora publicou o seu primeiro livro com 76 anos pela editora
Olympio e já trazia consigo sua história de vida, suas dificuldades, seus filhos crescidos.
Antiga moradora da casa velha da Ponte, onde nasceu, a ela retornou depois de 45 anos, o que
emociona os visitantes que vêm em busca de sua literatura e se encantam com sua história de
doceira e poetisa.
Cora Coralina se tornou “a poeta da cidade de Goiás”, sua representante expressiva,
aquela que projetou a cidade de Goiás para o cenário da cultura nacional. A autora, que, em
suas produções, utilizou o verso livre e o tom da prosa, cantou a infância, a solidão, os becos,
a noite, a cidade e reverenciou o meio ambiente. Nesse sentido, Britto e Seda (2009, p. 44)
escrevem que o mundo da autora se expandiu para o grande quintal que atravessava todo o
terreno até se encontrar com o beco da Vila Rica. O quintal, com seus muros divisórios
entreabrindo jardins, horta, pomar e a biquinha de aroeira, constituía um oásis, onde a
pequena Ana Lins dava asas à sua imaginação: entrava em contato com a terra, brincava com
as formigas, com os pássaros e plantas.
Também, a autora pode ser vista como poeta das minorias, dos excluídos, dos
renegados, dos relegados, dos solitários, pois sua criação poética abarca muitas vozes -
podemos dizer que sua poesia é irmã da prosa, i.e., um modo diferente de contar estórias – e
também é um texto polifônico.
Goiandira Ortiz (1999), em seu artigo Poesia e memória em Cora Coralina3, recorre a
Emil Staiger (1969) para enfatizar que o recordar em sua poesia é apenas um instante de
recolhimento subjetivo de outras vozes, às quais, para melhor serem acolhidas e acomodadas
no reduto da sua própria voz lírica, Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas cria a poetisa
2
A Rosa, jornal literário considerado pela crítica como veículo das ideias da intelectualidade goiana da época.
3
Artigo apresentado originalmente como comunicação no VIII Seminário Nacional Mulher e Literatura,
realizado em Salvador, no ano de 1999, por Goiandira de F. Ortiz de Camargo.
44
Cora Coralina. Esta, por sua vez, concede voz à Aninha, a menina feia da Ponte da Lapa que
assina um dos seus principais livros, Vintém de cobre – meias confissões de Aninha. Cora
Coralina e Aninha são refúgios de criação, de ficcionalização e de tentativa de afastamento do
puramente biográfico e da historicidade circunstancial e privada. Nesse sentido, essa
aproximação entre Ana Lins, Cora Coralina e Aninha se estendeu em vários “eus” no sentido
de dar voz àqueles que são silenciados pela sociedade.
Segundo Yi-Fu Tuan (2012, p. 144), “A consciência do passado é um elemento
importante no amor pelo lugar. A retórica patriótica sempre tem dado ênfase às raízes de um
povo”. Concomitantemente, Britto e Seda (2009) enfatizam que:
Um dos seus maiores insights foi a eleição dos becos como lugares privilegiados de
sua lírica, locais periféricos, marginalizados e, ao mesmo tempo, indispensáveis à
vida na cidade. Tão importantes que os escolheu para intitular seu primeiro livro. A
vida na cidade é traduzida pela vida nos becos, nos personagens que ali residem e
circulam. O beco se contrapunha ao largo e aos monumentos. Enquanto os largos
eram ligados pelas ruas principais, onde viviam as famílias da sociedade
reconhecida, os becos eram construções para facilitar o acesso às ruas, geralmente
surgindo na confluência dos quintais e funcionando como depósito daquilo que a
sociedade desejava evitar. O beco se tornou o espaço das vidas obscuras
privilegiadas em sua poesia (BRITTO; SEDA, 2009, p. 267).
A criação poética de Cora Coralina foi escrita, praticamente toda, na casa velha da
Ponte: a autora colocava no papel todas as inspirações sem se preocupar com sua estrutura
poética; depois, voltava fazendo os acertos necessários. A infância sofrida adquiriu
centralidade em suas reminiscências poéticas: a mestra Silvina - sua única professora e quem
lhe apresentou o mundo da leitura; a fazenda Paraíso – fazenda dos sonhos de infância e
adolescência, uma grande contribuição imagética para os seus primeiros escritos. Yokozawa,
em seu artigo Confissões de Aninha e Memórias dos Becos, realça que Cora Coralina tornou-
se herdeira mnemônicas de três velhas matriarcas:
Só o que merece ser amado entra no país da saudade, de modo que, em Coralina, são
dignas desses sentimentos, sobretudo: Mãe Didi, a ex-escrava que a amamentou e
lhe contava estórias de encantamento, a quem a poeta dedica um poema em Meu
Livro de Cordel; a bisavó, uma das principais fontes memoriais e afetivas de sua
poesia; e mestra Silvina, presença constante na poesia coralineana, a quem a autora
dedica Vintém de Cobre... Silvina Ermelinda Xavier de Brito foi a única professora
de Aninha, a menina que sentava no banco das mais atrasadas, aquela que,
aprendendo a ler e a escrever através da dedicação da velha mestra, um dia se
desencantaria em Cora Coralina (YOKOZAWA, 2005, p. 4).
Para Ecléa Bosi (1994, p. 47), pela memória, o passado não só vem à tona das águas
presentes, misturando-se com as percepções imediatas, como também empurra, “desloca”
estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece como força
45
subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora. Continua
Bosi (1994, p. 418): “cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que
permanecem como pontos de demarcação em sua história”. Retornando à criação poética de
Cora Coralina, a memória retratada em suas obras vai além do eu lírico de Ana Lins, antes
atinge a coletividade, refere-se a acontecimentos históricos, pessoas, lugares que fazem parte
da história da cidade de Goiás. No poema Antiguidades, a autora faz referência a muitos
moradores da cidade que frequentavam a casa velha da Ponte:
Até os nomes, que não se percam: /D. Aninha com Seu Quinquim. /D. Milécia,
sempre às voltas/ com receitas de bolo, assuntos/ de licores e pudins./ D. Benedita
com sua filha Lili./ D. Benedita – alta, magrinha./ Lili – baixota, gordinha./ Puxava
de uma perna e fazia crochê./ E, diziam dela línguas visperinas:/ ‘- Lili é a bengala
de D. Benedita’./ Mestra Quina, D. Luisalves,/ Saninha de Bili, Sá Mônica. /Gente
do Cônego Padre Pio...” (CORALINA, 2014, p. 38).
Para a poetisa, o fundamental era buscar inspiração na realidade. Portanto, são vozes
que ecoam seus versos e seus escritos. Contudo, sua produção é carregada de linguagem
ideológica, em que as situações do cotidiano ganham um limiar poético. Cora Coralina
evidencia também o contato do homem com a terra, como em seu poema Ode a Londrina
(2014, p. 197-199): “Homens pioneiros /chegaram de longe/ cheios de Fé. /Na terra
vermelha,/ no seio da mata,/ na cova profunda/ plantaram café/.../O trigo dourando a terra/
padrão”/. No período em que foi moradora de Andradina, publicou a crônica O homem e a
terra, em 19 de março de 1944, um cântico pelos mais necessitados.
Para Britto e Seda (2009), Cora Coralina, além de poetisa, era uma cidadã ativa:
Dona Cora estabeleceu-se como agricultora. Conseguiu, com muita luta, vencer as
dificuldades. Jacyntha e Vicência visitavam a mãe e passeavam em Alfredo
Castilho, encontros que lhe renderam muitas lembranças: “passando por um local
onde se realizava uma reunião política, resolveu entrar no momento em que um
deputado influente da época pedia votos. Ela (Cora) pediu licença e tomou a
palavra para afirmar que o povo não queria só votar, queria principalmente
enxadas, foices, arados, pás e demais utensílios para suas lavouras, objetos que
faltavam no mercado”. Fato que a marcou ao ponto de décadas depois, escrever o
poema “A Enxada” (BRITTO; SEDA, 2009, p. 208).
criança, em sua infância, lenta, inzoneira, molenga – papel de pouca relevância na sociedade;
a anciã, retrato da velhice centrada na capacidade. Esse sujeito criança ou anciã retratado a
partir da casa (morada) e fora da casa (mundo), com o seu olhar para o passado e para os
valores culturais e sociais. Para Britto e Seda (2009), Anna Lins criou duas máscaras líricas de
tons confessionais: Aninha e Cora Coralina. Cora é a voz da maturidade, aquela que revive o
passado e reencontra a infância, ao reinventar liricamente suas memórias, entre a
multiplicidade de eus de sua tessitura poética. Aninha é um dos personagens centrais. De
raízes notadamente biográficas, a escritura de Anna Lins dá vida à Aninha e, ao mesmo
tempo, oferece pistas para que possamos espreitar sua vida nos reinos da Ponte da Lapa
(BRITTO; SEDA, 2009, p. 31).
Segundo Bachelard (1978, p. 201), abordando as imagens da casa com o cuidado de
não romper a solidariedade da memória e da imaginação, esperamos fazer sentir toda a
elasticidade psicológica de uma imagem que nos comove a graus insuspeitos de profundidade.
Pelos poemas, talvez mais do que pelas lembranças, tocamos o fundo poético do espaço da
casa. Assim, segue Bachelard:
Assim, a casa não vive somente o dia-a-dia, no fio de uma história, na narrativa de
nossa história. Pelos sonhos, as diversas moradas de nossa vida se interpenetram e
guardam os tesouros dos dias antigos. Quando, na nova casa, voltam as lembranças
das antigas moradias, viajamos até o país da Infância Imóvel, imóvel como
Imemorial. Vivemos fixações, fixações de felicidade. Reconfortamo-nos revivendo
lembranças de proteção. Alguma coisa fechada deve guardar as lembranças
deixando-lhes seus valores de imagens. As lembranças do mundo exterior nunca
terão a mesma tonalidade das lembranças da casa. Evocando as lembranças da casa,
acrescentamos valores de sonho; nunca somos verdadeiros historiadores, somos
sempre um pouco poetas e nossa emoção traduz apenas, quem sabe, a poesia perdida
(BACHELARD, 1978, p. 201).
Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as
deposite em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de
graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu lirismo tem a força e a delicadeza
das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá
alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora
Coralina.
Todo o carinho, toda a admiração do seu Carlos Drummond de Andrade.
Em 10 de abril de 1985, Anna Lins do Guimarães Peixoto Brêtas faleceu. E a sua casa,
nascida das águas do rio, permaneceu com seus filhos que a venderam para a municipalidade
sob o compromisso de que a doaria para um grupo de amigos e vizinhos da escritora munidos
de um ideal: manterem vivos os espaços, compartilhar e divulgar a poesia, sonhos e as
propostas de sua última moradora. Em 20 de agosto de 1989, no dia do centenário de
nascimento da poetisa, o Museu Casa de Cora Coralina abriu suas portas e, até hoje, recebe,
diariamente, dezenas de pessoas dispostas a conhecerem a herança de Cora Coralina, que
também é a herança de toda uma cidade: os significados se entrelaçam. E, assim, a casa foi
devolvida à gente dos reinos de Goiás (BRITTO; SEDA, 2009).
Para Cora Coralina (2014), existir é uma maneira de resistir, coexistir, transistir.
2.2 Apontamentos sobre o corpus da pesquisa: Poemas dos Becos de Goiás e Estórias
Mais
Cora Coralina
Cora Coralina, aos 76 anos, escreve o seu primeiro livro publicado em 1965 pela José
Olympio, Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, uma criação artística de cunho
documental, retratando o cotidiano peculiar da cidade de Goiás, de seus moradores – e de sua
infância, também revendo os costumes da época.
O escritor Alexandre Pilati, no livro Poesia na sala de aula (2018, p. 93), acentua que
uma das funções da poesia é a de criar “autonomia” por meio das palavras ordenadas na
tensão entre o particular do texto e a tradição consolidada do gênero. Nesse gesto, o poema
concretiza um abandono do mundo exterior que, na verdade, é um reencontro intenso com a
densidade da dinâmica histórica. Assim, o grande desafio e o grande prazer da leitura estão
em fruir essa multiplicidade de mundos que o pequeno mundo do poema nos entrega. Ler a
48
poesia de Cora Coralina na sala de aula de uma turma do ensino básico, na cidade natal da
poeta, é, em certa medida, resgatar um pouco da própria vivência da memória e da história de
cada aluno na memória e história que a poeta apresenta em seus poemas, o que parece tornar
bem mais significativa a experiência leitora de uma poesia, ao mesmo tempo lida e
vivenciada.
Para Oswaldino Marques (2014, p. 15), as produções reunidas em Poemas dos becos de
Goiás e estórias mais podem ser classificadas, grosso modo, sob duas rubricas: documentos e
criações líricas. São documentos à medida que funcionam como traslado dos gestos e dos
vínculos ritualizados do grupo social, no seu frontear intersubjetivo.
Nesse sentido, a produção poética de Cora mantém um diálogo bem próximo com a
prosa, com poemas bastante longos, muitos deles em tom narrativo, versos ora muito longos,
ora muito curtos, mas sempre secos, em tom prosaico, entrecortados por períodos curtos,
formados por uma, duas palavras, ou por um período longo, marcados também por anáforas,
assíndetos e polissíndetos. É considerável salientar, em relação à produção literária, como
Cora vê a poesia. Na transcrição de Clóvis Britto e Rita Seda:
De acordo com a poetisa, onde há vida, há poesia. Assim, para Antonio Candido (2004,
p. 175), “se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e
da poesia, a literatura concebida no sentido universal a que me referi parece corresponder a
uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito”.
Segundo Britto e Seda (2009, p. 88), a literatura goiana teve de aguardar muitas décadas
para ver o primeiro livro de Cora Coralina publicado. Quando regressou à sua terra e viu o
abandono em que se encontrava o sobrado onde funcionou o Grêmio Literário, escreveu um
canto de amor e o publicou em seu primeiro livro. Hoje, sabemos que o poema Velho Sobrado
extrapola a preocupação com um imóvel destruído pela ação do tempo. Com ele se foi
também um pedaço da história de Cora Coralina e da vida literária goiana, de um tempo de
sonhos e rosas, de mulheres e livros, que merece ser devidamente reencontrado. Aqui uma
estrofe do poema Velho Sobrado (2014, p. 84):
Ausência, sobretudo.
O avanço vegetal acoberta o quadro.
Carrapateiras cacheadas.
São-caetano com seu verde planejamento,
pendurado de frutinhas ouro-rosa.
Uma bucha de cordoalha enfolhada,
Berrante de flores amarelas
Cingindo tudo.
Dá guarda, perfilado, um pé de mamão-macho.
No alto, instala-se, dominadora,
Uma jovem gameleira, dona do futuro.
Cortina vulgar de decência urbana
Defende a nudez dolorosa das ruínas do sobrado
- um muro.
O poema compõe a obra Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, entre tantos que
esboçam a vida e a cidade da autora. Para Michael Pollak (1992, p. 201), “a memória parece
ser um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa”. Ele recorre a
Maurice Halbwachs, que, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a memória deve ser
entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um
fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças
constantes (POLLAK, 1992, p. 201), tal como Cora faz nesse poema Velho sobrado, ao
resgatar parte da memória cultural e intelectual da Cidade de Goiás, retirando-se de uma
memória de âmbito íntimo e colocando-a no coletivo.
Em 1978, saiu a segunda edição de seu livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais
pela imprensa da Universidade Federal de Goiás; a terceira, em 1980, desta vez pela editora
da UFG, dentro da Coleção Documentos Goianos. Segundo Britto e Seda (2009), após o
lançamento de Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais, Cora Coralina enfrentou grandes
dificuldades para promover seus textos no campo literário. Nesse momento, muitos jornalistas
e críticos, principalmente no estado de Goiás, silenciaram sobre ou menosprezaram o legado
da poetisa goiana, obscurecendo sua obra e focalizando a idade da escritora.
Do período em que a autora se dedicou de corpo inteiro à fabricação de doces, podemos
ler em Britto e Seda (2009):
Doces eu não faço mais porque me falta destreza para trabalhar com o tacho de
cobre. Preciso de duas mãos para segurá-lo, e outra para segurar minha muleta. Mas
a doceira continua tão viva quanto a literata. Não sou uma ex-doceira, sou uma
doceira e considero melhores meus doces do que os meus versos. Sou poeta por
acaso e doceira por convicção e necessidade.
Em Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, Cora escreve aos leitores e tem um
olhar especial para os jovens – a nova geração. Assim,
50
Alguém deve rever, escrever e assinar os autos do Passado antes que o Tempo passe
tudo a raso. É o que procuro fazer para a geração nova, sempre atenta e enlevada nas
estórias, lendas, tradições, sociologia e folclore de nossa terra. Para gente moça, pois
escrevi este livro de estórias. Sei que serei lida e entendida (CORALINA, 2014, p.
25).
A autora, em sua poesia, traz para o eu lírico todas as vidas obscuras e silenciadas,
como evidencia seu poema Todas as vidas (2014): “Vive dentro de mim uma cabocla velha de
mau olhado,../ Vive dentro de mim/ a lavadeira do Rio Vermelho... / Vive dentro de mim/ a
mulher cozinheira../Vive dentro de mim/ a mulher do povo... /Vive dentro de mim/ a mulher
roceira.../ Vive dentro de mim/ a mulher da vida... /Todas as vidas dentro de mim:/ Na minha
vida –/ a vida mera das obscuras”. Segundo Ebe Maria de Lima Siqueira (2018), a poesia de
Cora Coralina aspira ao lírico, modela as coisas, o sentimento e o mundo a partir dela própria,
nos recônditos de sua subjetividade e individualidade. E, para Goiandira Ortiz de Camargo
(2016), Cora Coralina tem dificuldade de se desgarrar de si mesma. Assim, é o lírico que dá o
tom de sua voz.
Cora Coralina acredita em um mundo melhor, diferente deste em que vivemos e, com
sabedoria, deposita nas gerações futuras mudanças advindas da criatividade, do trabalho para
além do óbvio. Em Ode às Muletas, que também compõe sua obra Poemas dos becos de
Goiás e estórias mais, Cora, em uma de suas estrofes, faz referência às mudanças que ainda
virão: “A sala de cirurgia inapelavelmente branca. / Mesa estreita operatória./ Até o dia muito
breve /da cirurgia eletrônica”.
Para Ebe Maria de Lima Siqueira (2018), por todos os fatos implicados na sua biografia,
a poeta tem a necessidade e o propósito de contar a história de sua vida e de sua cidade na
primeira pessoa, com a escrita recebendo todas as vibrações desse lugar de escrita, que é o seu
eu.
A segunda edição de Poemas dos becos de Goiás e estórias mais foi acrescida de uma
parte com 11 poemas: “As tranças da Maria”, “Ode às muletas”, “Ode a Londrina”. “Mulher
da vida”, “A lavadeira”, “O cântico da terra”, “A enxada”, “A outra face”, “Menor
abandonado”, “Oração do pequeno delinquente” e “Oração do presidiário” e foi decorrência
do Departamento de Práticas Educacionais e da ilustre Diretora da Faculdade de Educação,
Professora Nancy Ribeiro de Araújo e Silva, que, percebendo a significativa mensagem
contida nas obras da consagrada escritora Cora Coralina, houve por bem solicitar ao então
Magnífico Reitor da UFG, Prof. Paulo de Bastos Perillo, a reedição de um de seus livros –
Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. A iniciativa, prontamente atendida pela
compreensão do Prof. Paulo de Bastos Perillo e do atual Reitor, Prof. José Cruciano de
51
Araújo, culminou na solenidade em que o público recebeu a segunda edição ilustrada pelo
engenho artístico de Maria Guilhermina (BRITTO; SEDA, 2009, p. 339).
Segundo Oswaldino Marques (2014), é necessário destacar no livro o Poema do Milho e
a Oração do Milho, a mais pura poesia.
E continua dizendo que só uma mulher encharcada da labuta das roças, mas
conservando intacta a sua feminilidade, poderia, num passe de mágica, descerrar a nossos
olhos o desenvolvimento gestatório do milho. A poetisa, além da exaltação à terra como mãe
universal, dá vida aos becos, que, por muito tempo, foi referência dos marginalizados. Assim,
em O beco da escola (2014, p. 110): “Poetas e pintores/românticos, surrealistas, concretistas,
cubistas,/eu vos conclamo./ Vinde todos cantar, rimar em versos,/ bizarros coloridos,/ os
becos da minha terra”.
A literatura de Cora Coralina volta-se também para o sistema penitenciário brasileiro.
“Na década de 1970, além da situação do menor e das escolas de ofício, outra preocupação de
Cora Coralina era com o sistema penitenciário brasileiro. No natal de 1977, escreveu e
publicou um folheto com a “Oração do Presidiário”, enviando-o para vários presídios como
um apelo de regeneração e fraternidade humana” (BRITTO; SEDA, 2009, p. 335). Isso
porque, sob essa perspectiva, para Pilati (2018), toda grande poesia é uma crítica do mundo
como ele está posto diante do poeta.
Segundo Britto e Seda (2009, p. 341), a reedição de Poemas dos becos de Goiás e
estórias mais ocorreu dois anos após a publicação de Meu livro de cordel, fator que
possibilitou à poeta uma maior interação na vida literária de Goiás. A partir da década de
1970, e após a edição dos livros, além das homenagens promovidas pela Academia Feminina
de Letras e Artes de Goiás, Cora começou a receber algumas homenagens.
Foi nesse ínterim, em 14 de julho em 1979, após conhecer os escritos literários da poeta,
que o escritor Carlos Drummond de Andrade, impressionado com seu lirismo, enviou uma
carta (já mencionada) à Editora Universitária, destinada a Cora Coralina, na expectativa de
chegar às mãos da escritora.
Segundo Pilati (2018), o texto literário é uma interpretação do mundo, lê-lo não deve
ser iludir-se, mas entregar-se, conscientemente, a um processo de conhecimento do mundo
52
Cora Coralina
Para o escritor Carlos Drummond de Andrade (2001), “o mundo é grande e cabe nesta
janela sobre o mar”; quem sabe se, para Cora Coralina, o mundo era grande e cabia na janela
sobre o rio Vermelho, rio que lhe foi espectador e inspiração poética. Assim, temos:
Para Ebe Maria de Lima Siqueira (2018), “a poeta tem como principal propósito contar
a história de sua cidade. Contudo, embora não se conte uma história em um poema lírico, é
possível a uma voz lírica se constituir em narrativa”. E, nos escritos poéticos da autora, o
leitor se depara com um eu lírico conhecedor das nuanças da antiga Vila Boa. Como a própria
escritora registrou: “Todas as vidas dentro de mim:/ na minha vida - / A vida mera das
obscuras” (CORALINA, 2014, p. 33). Nesse sentido, Clóvis Britto e Rita Seda escreveram
em Raízes de Aninha:
Afinal ela era Aninha, Anna Lins, Cora Coralina, Cora Brêtas, dona Cora...todas em
uma só. Aquela que superou vários obstáculos, lutou e venceu. Aninha que vivia
conversando com as formigas, com as rolinhas e com o rio Vermelho. A menina feia
da Ponte da Lapa transformou-se em uma sitiante que via a terra com um místico
amor consagrado (BRITTO; SEDA, 2009, p. 230).
53
A cidade de Goiás, antiga Vila Boa de Goiás, foi seiva primordial para a poesia da
escritora, principalmente seus becos - matéria que transformaram em imagem-poema as
memórias de Cora Coralina. As pedras da cidade, enquanto permanecem, sustentam a
memória. Cora trouxe, em seus versos sobre a sua cidade, a terra como mãe universal. Nesse
sentido, Pilati (2018, p. 30) enfatiza que poemas, ao falarem do eu, da natureza e da fantasia,
falam também do mundo social. O mundo social é o que reconhecemos como o mundo das
relações humanas, o mundo construído pelo trabalho dos homens, o tecido comunitário onde a
vida humana se desenvolve.
É necessário ressaltar que a história de Cora Coralina com a cidade, principalmente com
a casa velha da Ponte, vem desde tempos muito idos. Além de ter nascido e vivido sua
juventude nesse lugar, segundo Britto e Seda:
Casa da Ponte é uma das primeiras construções da cidade. Morada que se debruça
no Rio Vermelho espreita o largo onde os bandeirantes construíram a Igreja de
Nossa Senhora da Lapa, protetora dos caminhantes, destruída na enchente de 19 de
fevereiro de 1839. Rio volumoso ao ponto de comportar pequenas embarcações,
seria margeado por um cais e costurado por uma ponte que, devido à proximidade
com a extinta igreja, ficou alcunhada de Ponte da Lapa. Foi nessa região que
Bartolomeu Bueno da Silva Filho implantou a célula da cidade, legando vasta
descendência. Dentre os descendentes do Anhanguera Filho figura Vicência Pereira
de Abreu (Goiás, 17 de julho de 1823 – 19 de maio de 1923), uma de suas
tataranetas e bisavó de Cora Coralina (BRITTO; SEDA, 2009, p. 17).
Nessa casa, Aninha nasceu e cresceu, passou a infância entre seus cômodos e quintal, ao
lado do Rio Vermelho. Além da casa natal, a ponte interligava dois outros ambientes em seus
primeiros anos: a Igreja do Rosário e a Escola da Mestra Silvina. Assim, nesse contexto,
seguem Britto e Seda (2009, p. 46):
A poesia de Cora Coralina possui um fio narrativo devido à imbricação existente entre
Ana Lins e a poetisa Cora, a vida da menina da casa da Ponte como a fonte geradora dos seus
escritos poéticos.
Nesse sentido, a cidade de Goiás e suas histórias têm visibilidade em seus poemas.
Britto e Seda (2009) comentam a volta da poetisa à sua terra natal em um paralelismo com seu
ancestral Bartolomeu Bueno:
54
Como seu ancestral Bartolomeu Bueno, que demorou 40 anos para retornar a Villa
Boa de Goyaz, Cora Coralina voltou 45 anos depois. Bartolomeu voltou à procura
do ouro – seu tesouro; Cora voltou por causa da Casa Velha da Ponte, esse era seu
maior tesouro. Durante sua permanência no estado de São Paulo, em sua lembrança,
manteve aceso o fogo do fogão à lenha, o porão cheio de antiguidades, conversa
com as formigas do quintal, sonora a biquinha d’água e a porta da rua sempre aberta
(BRITTO; SEDA, 2009, p. 237).
Esse estreitamento entre sua poesia, lugares e elementos que constituem a cidade em
que nasceu, dando vozes aos eus imperceptíveis à sociedade, conforma o que Marc Augé
(2003, p. 52) assevera dos lugares, que podem ser definidos levando-se em consideração três
fatores. Eles se “pretendem identitários”, relacionais e históricos. Ao se referir ao lugar
identitário, o autor francês confirma a importância do ambiente de nascimento, pois o lugar de
nascimento constitui a identidade individual. A segunda característica alude à teoria de
Michel de Certeau, para quem o lugar apresenta uma ordem pela qual os elementos são
distribuídos em relações de coexistência, numa configuração instantânea de posições. Dessa
forma, comenta Augé, “num mesmo lugar, podem coexistir elementos distintos e singulares,
sem dúvida, mas sobre os quais se proíbe pensar nem as relações nem a identidade partilhada
que lhes confere a ocupação do lugar comum”. Por fim, o lugar é histórico porque conjuga
identidade e relação e obtém uma estabilidade mínima. O lugar antropológico é histórico na
exata proporção que escapa à ciência. É histórico para aqueles que o habitam, que têm algum
contato com o passado. É o lugar que os antepassados construíram e que os mortos “povoam
de signos que é preciso saber conjurar ou interpretar”.
Em vários recortes da poesia da escritora, percebemos essa fusão entre identidade,
relação e história. Em seu poema O Prato Azul-Pombinho4, um de seus mais importantes
escritos, é possível identificar um pouco do que comenta Augé: Minha bisavó – que Deus a
tenha em glória - sempre contava e recontava em sentidas recordações de outros tempos a
estória de saudade daquele prato azul-pombinho.
4
CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 23ed. São Paulo: Global, 2014. p. 66.
55
A poesia de Cora Coralina realmente tem sua raiz geradora no contexto da cidade de
Goiás: enquanto menina, seus primeiros escritos; depois, suas crônicas para os jornais;
finalmente. Seu retorno à cidade – já com seus poemas com a cidade em seus versos. Em
Raízes de Aninha, Britto e Seda (2009, p. 246) registraram um escrito em que ela dizia ter
saído da cidade de Goiás cheia de vida, a face brilhante, os olhos de paz, os cabelos lisos,
negros. E, quando voltou, vinha vestida já da média dos anos, mas trazia dentro de si uma
soma, um depósito enorme, de coisas da sua terra e alguma coisa, muito pouca, de fora,
porque ela nunca se apaulistou e se ausentou. Que sua ida para São Paulo, em 1911, demorou
16 dias a cavalo de Goiás a Araguari, dois dias de trem de Araguari a São Paulo e a sua volta
demorou 45 anos. E, quando ia, já voltava. Voltava nas patas do caranguejo: um passo para
frente e dois para trás.
E Cora trouxe para sua poesia não apenas os encantos da cidade, mas, como enfocam
Britto e Seda (2009, p. 268): “optou por cantar não apenas as belezas de sua terra natal.
Descreveu o cheiro nojento das baratas, a galinha morta nos becos, a vida mera das mulheres
pobres. Efetuou um canto solidário com os excluídos ao ponto de dizer que todas essas vidas
viviam dentro de si”. Não podemos deixar de ressaltar que esse canto do não belo traz a
fealdade com beleza poética e, em sua poesia, desenha a vida obscura dos becos. Lemos em
Becos de Goiás5:
5
Ibidem. p. 92-93.
56
[...]
A cidade de Goiás, desde 2001, foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela
UNESCO, devido à importância do seu conjunto arquitetônico formado por casas, igrejas e
monumentos históricos da antiga capital do estado de Goiás. O museu Casa de Cora Coralina,
que guarda todo o acervo da poetisa, é o que atrai muitos turistas para a cidade. Além de
visitar a casa velha da Ponte, o turista tem a oportunidade de estar mais próximo da terra, da
natureza e da vida simples de uma cidade do interior. Segundo Yi- Fu Tuan (2012, p. 139): “a
vida moderna, o contato físico com o próprio meio ambiente natural é cada vez mais indireto
e limitado a ocasiões especiais. Fora da decrescente população rural, o envolvimento do
homem tecnológico com a natureza é mais recreacional do que vocacional”. E a poesia de
Cora celebra o amor à terra, exalta a beleza da natureza e permite resgatar um pouco do
primitivismo na relação do homem com a natureza. Em O cântico da Terra (2014, p. 210),
temos:
Segundo Britto e Seda (2009), entre 1973 e 1974, Cora escreveu o seu epitáfio,
explicitando sua ligação com a Grande Mãe, e mandou confeccionar, ainda em vida, sua pedra
tumular. Não apenas nos versos do poema “Meu Epitáfio”, publicado em jornais e acomodado
em livro por ocasião do lançamento de Meu livro de cordel, em 1976, mas, em outros poemas
e entrevistas, manifestou sua alquimia com a terra.
Epitáfio6:
Morta… serei árvore
Serei tronco, serei fronde
E minhas raízes
Enlaçadas às pedras de meu berço
6
CORALINA, Cora. Meu livro de Cordel, 1976, p. 95.
58
Após estudo e considerações sobre a poeta goiana, suas obras, especificamente Poemas
dos becos de Goiás e estórias mais, realçando a sua poesia no contexto da cidade de Goiás,
passaremos, no capítulo seguinte, à descrição dos procedimentos metodológicos com ênfase
no leitor, texto e autor e, por conseguinte, às intervenções e análise de dados do material
coletado durante o processo da leitura de poesia na sala de aula.
A pesquisa proposta neste estudo elenca a leitura literária de poesia na sala de aula
como contribuição para a formação do jovem leitor e tem como corpus de análise a obra
Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, de Cora Coralina. A escolha desse objeto surgiu
de uma afinidade pessoal em trabalhar a leitura de poemas em sala de aula e por acreditar que
a poesia pode contribuir para a construção da subjetividade e a identidade do jovem aluno e
levá-lo a melhor perguntar e melhor se entender. Logo, o trabalho desenvolvido em sala de
aula com a poesia de uma escritora goiana teve o intuito de familiarizar o jovem leitor com a
cultura, a poesia produzida em sua própria cidade, ressaltando que, grande parte das vezes,
essa geração desconhece essa produção e até mesmo a sua conterrânea famosa. Tem o intuito
também de promover aos participantes da pesquisa uma maior proximidade entre texto, leitor
e autora, visando a uma formação leitora ativa, crítica e significante. Os poemas da obra
escolhida, uma das mais importantes da poetisa - Poemas dos becos de Goiás e estórias mais
-, ao mesmo tempo em que apresentam uma visão muito particular sobre a cidade de Goiás
com seus becos, casas encostadas umas nas outras e figuras simples do mundo do trabalho,
pessoas marginalizadas, excluídas (como a lavadeira, a prostituta, as benzedeiras) circulando
pela cidade, também levam o leitor a penetrar nas tessituras significantes dos seus versos, por
meio de uma identificação com a memória e o cunho autobiográfico dos versos. A poesia de
Cora Coralina desvenda o cotidiano, proporciona possibilidades de reviver memórias
adormecidas ou perdidas pelo tempo e suscita anseios e dúvidas no jovem leitor, melhor
dizendo, adolescente. A busca da identidade pessoal é angústia inerente à adolescência e é um
tema que desperta o interesse dos jovens. Os poemas de Cora são verdadeiras reminiscências
que favorecem essa identificação.
60
Por isso, a pergunta hoje não é se se lê mais ou menos do que antes: a pergunta e o
desafio são como fazer para ler melhor e como fazer com que outros leiam melhor,
ou seja, mais seletiva e profundamente. O que podemos fazer para melhorar a
qualidade dos leitores? A escola não é um bloco monolítico, em seu interior
convivem todas as contradições que habitam a sociedade.
7
A pandemia de COVID-19, também conhecida como pandemia de coronavírus, é uma pandemia em curso de
COVID-19, uma doença respiratória causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-
CoV-2). O vírus tem origem zoonótica e o primeiro caso conhecido da doença remonta a dezembro de 2019, em
Wuhan, na China.
8
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pandemia_de_COVID-19
63
Então, o período de execução do projeto foi ainda com algumas medidas preventivas
recomendadas, incluindo distanciamento social, uso de máscaras faciais em público,
ventilação, lavagem das mãos, cobertura da boca... Assim, respeitando as recomendações,
demos início à aplicação do projeto.
O primeiro momento de exposição do projeto Leitura de poesia e formação do leitor
literário na educação básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula aos
alunos do oitavo ano foi por meio do ensino híbrido. Nesse encontro, foram comentadas as
ações da pesquisa, a importância dos instrumentos TALE e TCLE, os questionários e as
atividades escritas. Também comentamos que, ao concluir o projeto, faríamos um produto
educacional: um vídeo documental, cuja base seria o tripé leitor, texto e autora. [É importante
salientar que, em razão da imbricação entre a pesquisadora e o objeto (por ser uma pesquisa-
ação), usaremos, daqui para frente, a primeira pessoa do plural para descrever o estudo
realizado].
Em seguida, houve um diálogo sobre a escritora Cora Coralina e seus poemas para
perceber a aceitação da turma. Já fazendo a intervenção pedagógica, inserimos os dados
biográficos da autora, perpassando alguns dados relevantes do contexto social da época. Foi o
momento de reforçar a importância do conhecimento sobre literatura goiana e de Cora
Coralina como parte do cenário vilaboense. Também porque sentíamos a necessidade de
incluir a cultura local na leitura literária, especialmente a poesia, na sala de aula. Nesse
momento, alguns alunos leitores que conheciam poemas da autora livremente, falaram alguns
versos e estrofes que lembravam.
Nesse contexto, e, segundo David Tripp (2005, p. 448-449), a pesquisa-ação é pró-ativa,
então vale ressaltar que:
Como a pesquisa-ação ocorre em cenários sociais não manipulados, ela não segue os
cânones de variáveis controladas comuns à pesquisa científica, de modo que pode
ser chamada mais geralmente de intervencionista do que mais estritamente
experimental.
Outra característica do relacionamento recíproco entre pesquisa e prática aprimorada
é que não apenas se compreende a prática de modo a melhorá-la na pesquisa-ação,
mas também se ganhe uma melhor compreensão da prática rotineira por meio de sua
melhora, de modo que a melhora é o contexto, e meio e a finalidade principal da
compreensão.
Após o momento de apresentação do projeto aos alunos, passamos para o diagnóstico
do estudo realizado. Inicialmente, analisamos as observações das aulas de literatura
concernentes à exploração da poesia de Cora Coralina e à recepção por parte dos alunos no
decorrer de cada sequência didática, instante em que verificamos os diferentes olhares acerca
da poetisa em estudo e sua produção literária. Dessa forma, apresentamos alguns recortes de
64
atividades executadas em sala de aula, tecendo considerações e análise das percepções dos
alunos sobre o trabalho com a poesia de Cora em sala de aula e como isso pode contribuir
com as aulas de literatura, criando um ambiente de aprendizagem propício ao despertar do
interesse da leitura literária.
Esse primeiro contato com os alunos do oitavo ano A, do turno vespertino, concernente
à execução do projeto, se deu no dia 02/09/2021, com duas aulas consecutivas de literatura,
vez que somos a professora regente da turma, o que favoreceu a execução da sequência
didática.
No geral, os alunos se mostraram entusiasmados com a participação no estudo,
sobretudo pelo fato de que as atividades desenvolvidas e produzidas seriam utilizadas na
produção de um documentário. Foi feito o repasse quanto ao questionário semiestruturado
(Apêndice 3) que seria respondido pelos alunos participantes em casa, devido ao formato das
aulas, e que estaria disponível para retirada na recepção do colégio e, também, ao final do
processo. Em seguida, houve explicação sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
– TCLE para a assinatura dos pais, que, no documento, contém as explicações necessárias
para preenchimento e esclarecimento da necessidade da autorização dos responsáveis para o
bom desenvolvimento do trabalho. Na oportunidade, também houve esclarecimento da
importância do TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido). Ambos -TCLE e TALE-
e o primeiro questionário foram inseridos em envelopes e disponibilizados aos alunos.
Após a conversa informal sobre o projeto de pesquisa, as informações contidas no
TALE e TCLE e sobre o primeiro questionário, foi feita a leitura do texto As tranças da
Maria, de Cora Coralina, como primeiro contato com o texto da autora em estudo. A escolha
desse poema deveu-se ao fato de ser um poema de cunho narrativo, instigante e imagético, e
também pouco trabalhado nas escolas. Segundo Maria Tereza Andruetto, o texto leva o leitor
a expandir os limites de sua existência.
E As tranças da Maria foi uma leitura assertiva. Os alunos leitores encantaram-se com a
saga de Izé da Badia, teceram comentários apreciativos ao poema e escritora. Um aluno
comentou não saber que Cora Coralina escrevia poemas interessantes assim. Nesse sentido,
em Caminhos para a formação de leitores, Renata Junqueira (2004, p. 81) reitera que o gosto
65
pela leitura se constrói por meio de um longo processo em que sujeitos desejantes encontram
nela uma possibilidade de interlocução com o mundo. Por isso, espera-se que o professor seja
um agente fundamental na mediação entre alunos e suportes textuais, um impulsionador e
guia no sentido de um contato cada vez mais intenso e desafiador entre o leitor e a obra a ser
lida.
Vejamos o poema As tranças da Maria, de Cora Coralina:
em prata fina banhado. E o Izé tinha In: CORALINA, Cora. Poemas dos
Duas tranças primazia. Macias de luva- nas mãos, Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.
mão, todos os dias, o sedenho da sua noiva São Paulo: Global, 2014. p.179-190.
presas às cambas de seu freio Maria.
niquelado.
significativa. Segundo Thiollent (2011, p. 28), a pesquisa-ação não é constituída apenas pela
ação ou pela participação. Com ela é necessário produzir conhecimentos, adquirir experiência,
contribuir para a discussão ou fazer avançar o debate acerca das questões abordadas.
Então, depois da visitação virtual, foram elencadas as leituras dos poemas Todas as
vidas e Minha cidade, de Cora Coralina, estabelecendo relações entre leitor, autor e texto, e
buscando a interação dos estudantes. Ambos os textos compõem a coletânea de poemas da
autora em estudo.
A partir do momento em que o estudante conheceu a casa da Ponte, a vivência dessa
parte biográfica de Cora Coralina estabeleceu uma maior aproximação entre o leitor e a autora
e todos puderam fruir com maior familiaridade os poemas Todas as vidas e Minha cidade, de
Cora Coralina, a seguir transcritos:
Nesse escopo, para Andruetto (2017, p. 29-30), “escrever (e ler) é olhar intensamente e
seguir uma personagem em sua transformação, num caminho que não sabemos aonde nos
levará”. Em As tranças da Maria, ficou evidente, nas atitudes dos alunos, a ação de seguirem
atentos toda a trajetória da personagem Izé da Badia com empatia e curiosidade. Como os
alunos gostaram muito desse texto e perceberam o viés narrativo da autora no poema, foi
possível perceber uma recepção mais entusiasmada para os demais textos. Então, Todas as
vidas e Minha cidade, que também foram lidos pela professora mediadora, tiveram um
enfoque significativo para os estudantes, pois eles estavam estabelecendo seu diálogo com o
texto.
No terceiro encontro, que se deu em 14/09/2021, também com duas aulas de literatura
ainda no processo de ensino híbrido devido a pandemia de COVID-19, foi o momento de
conhecer um pouco do cineasta Lázaro Ribeiro, pesquisador e estudioso da literatura goiana,
também morador da cidade de Goiás, que participa do projeto em descrição como editor do
documentário preparado para ser o produto educacional desta pesquisa. Nesse primeiro
momento, as informações foram emitidas pela professora, pois o cineasta não estava presente.
Alguns alunos disseram conhecê-lo na cidade e estavam receptivos com a possibilidade de
gravação do documentário - algo novo, que ultrapassava as paredes da sala de aula. Segundo
Todorov (2010, p. 29),
Em sua aula, na maior parte do tempo, o professor de literatura não pode se resumir
a ensinar, como lhe pedem as instruções oficiais, os gêneros e os registros, as
modalidades de significação e os efeitos da argumentação, a metáfora e a
metonímia, a focalização interna e externa etc. Ele estuda também as obras.
A produção do documentário é uma forma de leitura para além da sala de aula e pode
ser considerada uma produção artística com o compromisso de explorar a realidade. Não tem
o objetivo de reproduzi-la; é uma performance parcial e subjetiva da realidade. O fato de essa
aula enfocar a produção do documentário como produto educacional resultante da leitura
literária dos Poemas dos becos de Goiás e estórias mais e de o aluno perceber que ele, como
70
leitor, o texto e a autora seriam a base desse produto, foi um estímulo para o trabalho, pois é
uma forma de sair de si para o texto e o retorno para si depois do texto. O que para Todorov,
em regra geral,
O leitor não profissional, tanto hoje quanto ontem, lê essas obras não para melhor
dominar um método de ensino, tampouco para retirar informações sobre as
sociedades a partir das quais foram criadas, mas para nelas encontrar um sentido que
lhe permita compreender melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma
beleza que enriqueça sua existência; ao fazê-lo, ele compreende melhor a si mesmo.
O conhecimento da literatura não é um fim em si, mas uma das vias régias que
conduzem à realização pessoal de cada um (TODOROV, 2010, p. 33).
Nesse sentido, os estudantes queriam entender como esse trabalho de leitura literária
resultaria em um documentário que partiria de suas leituras e produções. Primeiramente,
assistimos ao documentário Maria Macaca (cujo link de acesso é
https://www.youtube.com/watch?v=Kn9X_qMq7WA.), que também foi uma moradora da
cidade de Goiás em tempos idos e produzido pelo cineasta Lázaro Ribeiro. Os alunos
perceberam que, para a construção de um documentário que transita entre leitor, poesia e
autora, a leitura literária com significação funcionaria como intertexto e foi oportuno reforçar
que os poemas do livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais precisariam de leitura
aprofundada.
Para os adolescentes, conhecer Maria Macaca, que foi moradora da cidade e que
projetava um pouco dos hábitos, costumes e crenças goianas – uma das tantas mulheres
coralinas da cidade de Goiás –, foi motivador.
Nesse ambiente de futura produção cultural, a partir da leitura da poesia de Cora e para
entender mais os seus poemas, já que ela possui um jeito peculiar de escrever, foram
projetados em data show dois textos: Poemas, de Mário Quintana, e Ressalva, de Cora
Coralina, um dos poemas que compõem Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. Vejamos
os poemas.
Poemas
In: QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. p. 19.
Ressalva
Este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da
Montanha da Vida
removendo pedras
e plantando flores.
Este livro:
Versos...Não.
Poesia...Não.
Um modo diferente de contar velhas estórias.
In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
Global, 2014. p.27.
Os dois textos foram lidos por dois alunos voluntários, já no sentido de trabalhar a
entonação que os poemas pedem e para enfatizar que a leitura vocalizada requer ritmo,
entonação, pausas e produção de sentido pela própria voz e que todos podem e conseguem ler
com proficiência, desde que haja exercício, repetições, ensaio e erro.
A escolha de Mário Quintana com o texto Poemas veio da simplicidade de sua lírica
poética: temas simples, versos livres, irregulares e sem preocupação com a existência de
rimas, mas com ritmo bem demarcado. Ele define com poucas palavras que os poemas não
têm pouso nem porto, alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. Para Cora
Coralina, é um modo diferente de contar velhas estórias e, como os alunos já tinham
observado em As tranças da Maria que a autora contava uma história, não teria como não
fazer tal ressalva. Ebe Maria de Lima (2018, p. 109) já apontava a poesia de Cora Coralina
como uma poesia da oralidade. Seus poemas são longos, caudalosos, parecendo mais uma
conversação, pelos protocolos da fala, do que uma escrita.
Finalmente, foi feita uma nova leitura dos poemas depois dos comentários, percebendo
realmente o que os textos dizem, e associando-os ao que Vincent Jouve (2002, p. 15) disse a
partir de M. Otten, que propõe apreender a atividade de leitura por meio de três campos
nitidamente circunscritos: o do texto para ler, o texto do leitor, a relação do texto com o leitor.
Seguidamente, passamos à indagação sobre a ligação do poema Ressalva, de Cora Coralina,
72
com o próprio título da obra – o que anteriormente já fora comentado devido aos temas e o
seu modo de escrever bem próximos da prosa.
Posteriormente, solicitamos aos estudantes uma primeira produção. Como comando, foi
passado na lousa para todos o seguinte: “Produzir um texto poético retratando sua cidade,
memórias, identidades, enfim, como você a vê e se vê como morador de uma cidade histórica,
cheia de história e poesia. Para isso, retomar os poemas Todas as vidas e Minha cidade, de
Cora Coralina”.
Destarte, leitura e escrita se complementariam. Andruetto, no artigo denominado Elogio
da dificuldade: formar um leitor de literatura, diz que bons livros são construções de
mundos:
Os bons livros são construções de mundos, artifícios que nos obrigam a perceber
outras vidas, imaginar outros caminhos humanos; essa é uma das razões mais
fascinantes de escrever e de ler: olhar o mundo com olhos alheios, tentar entrar em
outras condições de vida para compreender um pouco mais a condição humana.
Uma das razões mais poderosas de escrever e de ler é, sem dúvida, o desejo de
compreender os demais, espelho, por sua vez, do desejo de compreendermos a nós
próprios. Leitura e escrita como caminho de conhecimento (ANDRUETTO, 2017, p.
92).
Flexível.
De todas as outras
Eu sou a presente
No cheiro da serra
Sozinha e protetora
Cheia de marcas
Cicatrizes e memórias.
O poema Várias vidas em uma só, de A.E. de F. possui um tom ancestral. O eu lírico é
enfático em sua formação, que vem de traços de outras vidas, como nas duas últimas estrofes
e em destaque no último verso: “Eu sou uma em várias vidas”, que fundamenta quem se é:
parte das vidas de sua família. É possível perceber que a aluna trabalhou seu poema tendo
como referência Todas as vidas, de Cora Coralina. É uma adolescente com maturidade leitora
e que consegue se colocar no texto também em formação. A estudante H.K.R.S. também
conseguiu se esboçar no poema, usando o tempo presente e recorrendo a elementos da
natureza e da cidade onde mora – um artifício muito usado pela poeta em estudo.
A proposta de produção sintetiza o autoconhecimento e a capacidade de criação
artística. Segundo Andruetto, em seu artigo Em busca de uma língua ainda não ouvida,
“literatura e construção de leitores são duas faces da mesma moeda, cuja dialética alimenta e
sustenta o desenvolvimento subjetivo de um povo”. Isso é possível perceber nas produções
supracitadas (ANDRUETTO, 2017, p. 41).
74
Vidas
preferissem, poderia ser feito em dupla ou trio, desde que atendesse a todos os cuidados
relevantes à pandemia COVID-19.
Vejamos os poemas da leitura literária:
distintas e desenvolvidas por jovens estudantes ainda em formação, Petit (2013, p. 26)
assevera que, na realidade, os leitores apropriam-se dos textos, lhes dão outro significado,
mudam-lhes o sentido, interpretam-nos à sua maneira, introduzindo seus desejos entre as
linhas: é toda a alquimia da recepção. Não se pode jamais controlar o modo como um texto
será lido, compreendido e interpretado.
A estudante E.R.C. contou com a beleza inigualável da cultura rural, lendo o poema
Evém boiada!, de Cora Coralina (2014, p. 130), que se inicia em 2':00" indo até 2':49". É uma
projeção do cotidiano do vaqueiro, como se o mundo da fazenda passasse diante de seus
olhos. Posteriormente, a leitora C. O. S. também retratou o lugar onde vivia, o eu lírico dando
vida ao poema Minha cidade, de Cora Coralina (2014, p. 34). O seu canto da cidade se inicia
em 2':50" até 3':13". A leitura depende muito da subjetividade do leitor – um mesmo poema
pode manifestar-se diferentemente em vários leitores. Para Petit (2013), os escritores nos
ajudam a nomear os estados pelos quais passamos, a distingui-los, a acalmá-los, a conhecê-los
melhor e a compartilhá-los. Graças às suas histórias, escrevemos a nossa, por entre as linhas
A cidade de Goiás é um reduto de estórias e lendas. Nesse sentido, as alunas L. L. F. D.,
L.M.S. e B.L.N.S. trouxeram A Procissão das Almas, uma história que se agrega ao folclore
goiano e também aparece nas criações de Cora Coralina. O vídeo produzido começa em 3':16"
até 3':47". Depois, a estudante L. S.T. se senta no cais do Rio Vermelho, invade com sua
leitura a casa velha da Ponte. O poema Rio Vermelho compõe a coletânea Becos de Goiás
(CORALINA, 2014, p. 79) e a produção da aluna começa em 3':48" até 4':28". Finalmente, o
estudante H.M.F. estabelece um diálogo com o texto poético As tranças da Maria, também de
Cora Coralina (2014, p. 179). Foi o texto que introduziu o projeto de formação de leitores de
poesia na sala de aula. O estudante ficou encantado com o texto. Não poderia ser diferente:
seu vídeo é uma contação de história, leitura literária, diálogo e desenho, que começa em
4':28" até 6':14". É notável a percepção dos alunos de que a literatura de Cora Coralina traz
muito da cultura goiana. Bakhtin assevera:
A literatura, inseparável da cultura, não pode ser entendida fora do contexto pleno de
toda a cultura de uma época. É inaceitável separá-la do restante da cultura e, como
se faz constantemente, ligá-la imediatamente a fatores socioeconômicos, por assim
dizer, passando por cima da cultura. Esses fatores agem sobre a cultura no seu todo e
só através dela e juntamente com ela influenciam a literatura (BAKHTIN, 2011, p.
360).
Bakhtin ainda acrescenta que uma obra não pode viver nos séculos futuros se não reúne
em si, de certo modo, os séculos passados. Se ela nascesse toda e integralmente hoje (isto é,
em sua atualidade) e não desse continuidade ao passado ou não mantivesse com ele um
80
vínculo substancial, não poderia viver no futuro. Tudo o que pertence apenas ao presente
morre juntamente com ele.
Diante disso, a obra Poemas dos Becos de Goiás pode ser lida como atemporal, pois
traz o passado e, com ele, o leitor compreende melhor o presente com suas nuanças. Pensando
assim, o documentário foi construído a partir da leitura e realidade dos estudantes, dialogando
com o texto não para oferecer respostas, mas para instigar perguntas, o que, para Andruetto, é
tarefa do texto: “A literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro aos
lugares comuns, ser o contrário do que dela se espera e, ainda, “não dar respostas, mas gerar
perguntas” (ANDRUETTO, 2017, p. 9).
Depois dos vídeos, foram projetados os poemas A Escola da Mestra Silvina e O Prato
Azul-Pombinho, ambos da poetisa Cora Coralina. A leitura foi intercalada entre os alunos e a
mediadora, juntamente com uma análise oral compartilhada. Foi a oportunidade de despertar a
atenção dos leitores para os recursos expressivos e linguísticos utilizados pela autora. Foram
dois textos trabalhados com muita receptividade. A leitura intercalada, com pausas para
comentários, foi também muito positiva nesses encontros. É perceptível o interesse do aluno
para o que o texto está dizendo, principalmente no caso dos poemas de Cora Coralina, que
trazem um forte viés narrativo.
Seguem os poemas:
PRODUÇÃO TEXTUAL:
A. Suponha que um grupo de brasileiros e estrangeiros pertencentes a um
grande CLUBE DE LEITURA pretende visitar a cidade de Goiás para
conhecer melhor a poesia de Cora Coralina. Você como leitor/a da poeta e
como morador(a) da mesma cidade dela poderá ajudá-lo. Para tal, escreva
uma carta para lhes entregar na Ponte da Lapa (antes de eles entrarem na
Casa Museu).
B. Escrever uma carta para Cora Coralina, como se ela ainda vivesse na casa
velha da Ponte, falando de sua criação poética, sua percepção diante da
leitura do livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. Pode citar
alguns versos ou estrofes, usar recursos linguísticos para deixar sua escrita
mais elaborada. É o momento de soltar a imaginação, pois trata-se de uma
carta fictícia e você pode ser criativo ao escrever o seu texto.
Seu texto deve ser convincente, portanto, apresente o seu principal livro, que
é Poemas dos becos de Goiás e Estórias Mais, os poemas importantes que
lhe tenham chamado a atenção, fale de seu sentimento/orgulho em relação ao
fato de morar na mesma cidade dela e das sensações possíveis com a leitura
dos poemas.
Para motivar a produção, a professora mediadora leu a carta que Carlos Drummond de
Andrade escreveu a Cora Coralina:
Cora Coralina
84
(...) Que bom que vocês vieram visitar a nossa cidade formada por versos da
nossa querida poetisa Cora Coralina. Cada pequeno espaço dessa cidade
canta ao vento seus poemas escritos com tanta beleza e simplicidade... (M. S.
F. O.)
Aos turistas que desejam se aventurar nesse mundo de lembranças (,..) Tudo
contado de maneira tão intrigante, tão interessante, que em um mísero
instante, você se sente da cidade, dessa cidade de mistérios, e cheia de
antiguidades, cidade bem pequena, porém, minha cidade. (H. M. F.)
Querida Cora, que apresentou a cidade de Goiás ao Brasil com seus lindos
poemas. Eu fico feliz por ler o seu livro Poemas dos Becos de Goiás e
Estórias Mais e também fico feliz por morar na mesma cidade que você
morou.... (G. N. F)
(...) Sinto muito orgulho de fazer parte dessa cidade onde a senhora eternizou
a sua história de vida como mulher batalhadora, doceira e poetisa.... (D. S.
F.)
(...) Cora Coralina, você soube guardar suas histórias da casa velha da Ponte
como uma parte de você... (H. S. D.)
Tal como as plantas, que na estação da seca se imobilizam e brotam nas primeiras
chuvas, certas lembranças se renovam e em certos períodos dão uma quantidade
inesperada de folhas novas. Como planta que se fortalece com a enxertia – outros
ramos se nutrem de suas raízes e frutificam com vigor renovado, chamando para si a
seiva dos galhos originais – a enxertia social não deixa que as lembranças se
atrofiem.
Com carinho,
L. E. C. B. M. F.
Querida Cora,
De sua leitora,
E. R. C.
São duas cartas que demonstram que os alunos leitores escrevem de forma sensível,
expressiva, crítica e madura, trazendo, nas palavras, sentimentos profundos relativos aos
Becos de Goiás e estórias mais, o que, para Carlos Drummond de Andrade (2013, p. 45), em
seu texto Poesia, evidencia essas inquietações do sujeito lírico vinculadas ao caráter
introspectivo.
Poesia
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
87
A estudante e leitora E. R. C., em “Não posso mais ser a mesma, seus textos
transformam e inspiram, você é viva, viva em sua casa, viva em seus doces, viva na cidade e
viva em nós”, traz esse momento referido por Drummond de inundar a vida inteira.
A produção escrita de carta motivou as mais variadas criações artísticas: de memórias a
poemas todos foram tecidos de maneira criativa. Aqui, temos:
Cora Coralina,
L. M. G. C.
Cora,
Aqui deixo esta carta
Que caminha entre os morros e pisa sobre pedras.
Amo-ti como água que corre no rio
Como a lavadeira usa seu anil.
Tua poesia é de iluminar os olhos
Tu és a mulher à frente de seu tempo
Desejo-te todas as flores da primavera
Todas as sementes que caem, enraizam, crescem e florescem.
Desejo-te o canto dos passarinhos livres,
E o encanto dos enamorados
Desejo que tua poesia seja ouvida
E levante a voz de outras mulheres
Para que elas sejam donas de si e de seus caminhos
Assim como você soube tão bem fazer.
Com a saudade de quem ti conhece pelos versos.
C. O. S.
Legenda: A história Só entre nós: Abelardo e Heloísa é, na maioria das vezes, narrada a partir do ponto de
vista de Carlos Abelardo Peçanha Filho, vulgo Abelardo, que tenta suprimir sua solidão e tristeza através de
cyber amizades, vivia viajando em busca de um amigo, até que surge este anúncio.
Fonte: BRAZ, Júlio Emílio. Só entre nós: Abelardo e Heloísa, Saraiva, 2005.
9
Disponível em: https://pt-br.facebook.com/218303838230682/photos/carlos-drummond-de-andrade-
descortinou-o-talento-de-cora-coralina-com-a-cr%C3%B4nica-/551581544902908/
89
Falar da possibilidade de interagir com outros adolescentes também leitores das obras de Cora
Coralina. Fazer amizades, trocar ideias, sentimentos e impressões acerca de seus poemas. A carta,
por muito tempo, foi portadora de emoções. Hoje, no mundo contemporâneo, temos o e-mail, que
encurtou a distância e o tempo. Então, vamos trocar cartas reais por e-mail com os estudantes-
leitores do nono ano do CEPAE – Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, uma interação
e diálogo através da leitura literária de Cora Coralina.
Nesse escopo, começou a esboçarem-se os e-mails com troca de ideias entre os colegas.
Devido ao tempo, o término da produção textual ficou como atividade extraclasse e que fosse
enviada ao aluno correspondente do CEPAE que também estava lendo uma das obras de Cora
Coralina, Meu livro de Cordel. A mediação foi estabelecida entre as duas turmas leitoras de
Cora Coralina. Nesse sentido, Tereza Colomer (2007, p. 70) acrescenta que é conveniente
propor atividades que mobilizem a capacidade de raciocinar, que permitam aprender enquanto
se realizam os exercícios, de maneira que as crianças/jovens entendam mais a obra quando
terminam a tarefa. Devido às dificuldades advindas do ensino on-line, alguns estudantes não
concretizaram a troca de e-mail de acordo com a proposta. Vejamos algumas mensagens que
foram trocadas:
trabalhos em sala de aula com os alunos eufóricos e entusiasmados com a nova atividade de
leitura literária e produção do filme.
O primeiro set de filmagem foi na biblioteca e nas dependências do colégio do CEPMG.
Nos dias seguintes, os sets de filmagem passaram pelo Largo da Carioca, Palácio Conde
dos Arcos, ruas e becos da cidade, finalizando na ponte e porta do Museu Casa de Cora
Coralina.
É oportuno ressaltar que o roteiro do documentário foi idealizado a partir das produções
e vídeos gravados pelos estudantes durante as aulas e a execução da sequência didática de
literatura (Apêndice 2).
Todo o trabalho foi planejado e desenvolvido no período da pandemia COVID-19 e,
pois, as dificuldades foram muitas devido aos cuidados necessários para a não contaminação.
Mas o resultado foi muito positivo. Era perceptível a alegria dos alunos nos sets de gravação.
Na oportunidade, enfatizamos que um documentário também é uma forma de leitura, dado
que, conforme Bordini e Aguiar (1993, p. 14-15), constrói-se, na obra literária, um mundo
possível, no qual os objetos e processos nem sempre aparecem totalmente delineados. Esse
mundo, portanto, envolve lacunas que são automaticamente preenchidas pelo leitor de acordo
com sua experiência. O mesmo acontece com os documentários.
Assim, concluiu-se a leitura literária dos Poemas dos becos de Goiás e estórias mais
com os estudantes do oitavo ano do CEPMG-Unidade João Augusto Perillo e alguns
pressupostos estão hoje claros: primeiro, a leitura não pode ser desvinculada da realidade do
aluno; segundo, a figura do mediador é importante na construção da ponte que liga o leitor
iniciante ao texto. Segundo Jouve (2002, p. 109-110), uma das experiências mais
emocionantes da leitura consiste em proferir mentalmente ideias que não são nossas; depois, a
implicação do leitor no universo textual pode adquirir formas muito diferentes. Depende, em
grande parte, da distância histórica que o separa da obra lida; e, quando o leitor está separado
da obra por uma grande distância temporal, o mediador deve cuidar sobretudo de reconstruir a
situação histórica do texto.
Assim, o trabalho do professor mediador com adolescentes inseridos numa sociedade
digital é um grande desafio. A proposta de trabalho com a leitura literária, no caso o poema,
precisa sair da tradicional sala de aula e interagir com a realidade do aluno.
A construção do documentário implicou leituras além dos Poemas dos becos de Goiás:
o texto poético suscitava a direção e o cenário para o set de gravação extrapolava as
informações trazidas pela obra.
92
Como o ano 2021 foi muito peculiar por causa das restrições sanitárias em razão da
pandemia de COVID 19, os alunos tiveram acesso ao documentário pronto em 2022, já como
alunos do nono ano, o que não implicou dificuldades, pois ainda somos a professora
mediadora dos estudantes da série em foco. O produto educacional acabou sendo uma ponte
da leitura literária de 2021 para 2022 e, a partir daí, os alunos foram motivados para novos
textos.
Quadro 2 - Questionário respondido de acordo com a vivência e experiência diária dos alunos
Questões:
93
O trabalho com poesia em sala de aula foi muito significativo e isso foi perceptível
principalmente nas atividades de leitura dos poemas, na gravação dos vídeos e na produção do
documentário. Tivemos, inclusive, alunos incentivando a leitura do colega durante as
gravações no sentido de acrescentar o que o poema dizia. Isso é resultado de ler o que o texto
traz. Segundo Thiollent (2011, p. 28), a pesquisa-ação não deixa de ser uma forma de
experimentação em situação real, na qual os pesquisadores intervêm conscientemente. Os
participantes não são reduzidos a cobaias e desempenham um papel ativo.
É evidente que, ainda que o projeto tenha mostrado diversas características positivas, é
inquestionável a ausência de um projeto sólido e permanente de incentivo à leitura literária de
poesia nas escolas e, neste caso, de apreciação à poesia de Cora Coralina, de valorização da
literatura goiana e da cultura local. Também é notável que essa ausência cria em alguns
alunos efeitos indesejáveis, como a falta de interesse pela leitura de escritores de tão perto.
Nesse sentido, segue Thiollent:
Uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando houver realmente uma
ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação. Além
disso, é preciso que a ação seja uma ação não trivial, o que quer dizer uma ação
problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida
(THIOLLENT, 2011, p. 21).
94
Ficou relevante que a literatura pode contribuir para a formação leitora dos jovens
estudantes, porque houve unanimidade em relação à importância da leitura dos poemas de
Cora Coralina em sala de aula.
Vejamos como alguns alunos veem essa contribuição de acordo com o questionário 1:
“Eu acredito que sua importância se dá pelas suas raízes, pelo resgate do
conhecimento de um tempo, cultura e vivência, que aos poucos vai se
95
modificando, mas não se perde, pois nunca deixa de ser o que um dia foi.”
(A. E. F.).
“Muito importante, principalmente em nossa cidade, já que Cora é um
símbolo desta e muitos moradores não se interessam por seus poemas.” (B.
L. N. S.),
“A leitura de poemas de Cora é importante não só nas escolas, mas para
todos, pois com eles conhecemos uma infância sofrida dessa “cabocla velha
de mau olhado”, que construiu as histórias da cidade.” (L. M.G. C.).
“Eu considero a leitura dos poemas de Cora Coralina nas escolas importante
tanto pela cultura e também pelo fato dela ter sido uma poetisa da cidade de
Goiás” (M. C. S. O.).
Para Andruetto (2017, p. 29), a poesia é carregada de possibilidades e, no ato de ler,
um livro se recolhe de sua condição de objeto que tem dono para se converter num ser vivo,
capaz de nos interrogar, de nos perturbar e de nos ensinar a olhar zonas ainda não
compreendidas de nós mesmos.
Na oportunidade, vários alunos já conheciam alguns poemas da autora em estudo pelo
fato de ser uma escritora da cidade e a cidade acolher turistas para visitação do Museu Casa
de Cora Coralina. As escolas da cidade de Goiás tentam desenvolver um trabalho de leitura
dos poemas de Cora, apesar de ainda não terem alcançado um trabalho de excelência. Talvez
a inserção nas escolas advenha do fato de a cidade promover o nome da autora em vários
contextos sociais, como “As coralinas”, que são mulheres que divulgam o artesanato local e a
criação literária da autora; e o artesanato “Cabocla criações” - um projeto de mulheres
bordadeiras que se encontram em regime de cárcere na prisão da cidade, que bordam, nas
peças, versos da poetisa Cora Coralina. E a cidade contém o diferencial de ter estudiosos e
pesquisadores da literatura coralineana preocupados com seu alcance à sala de aula. A
pergunta 3 oportuniza o conhecimento e a lembrança de algum poema da autora. É notável
que os alunos conhecem os poemas mais populares da autora:
Era esperado que alguns não se lembrassem e que os poemas fossem os mais
conhecidos.
96
“Não muito, pois acho a escrita e os textos muito bonitos, mas na maioria
das vezes não consigo entender o que o poema quer dizer ou mostrar.” (M.
S. F. O.);
“Não muito, pois exige mais esforço na interpretação.” ( B. L. N. S.);
“Mais ou menos, depois de ler o livro de Cora Coralina eu comecei a gostar
um pouco mais.” ( M. S. F.O.);
“Antes não, agora sim.” (B. L. N. S.) [mesmo com o resultado mais negativo
não houve a rejeição total do gênero].
Para Paz (1982, p. 29-30), o poema é uma possibilidade aberta a todos os homens,
qualquer que seja seu temperamento, seu ânimo ou sua disposição, e cada leitor procura algo
no poema, sendo que o que procura já está dentro dele mesmo. Nesse sentido, o poema
consegue atingir o âmago do sujeito leitor.
O trabalho de mediação com poemas em sala de aula é contínuo e, se conseguirmos, a
cada ano, despertar mais alunos para a leitura do poético e inseri-lo no cotidiano escolar,
futuramente teremos um número maior de leitores de poesia.
A deficiência de leitura nas escolas vai além do texto poético – pode-se dizer que temos
uma geração acomodada em relação ao que o texto diz. De acordo com Paz (1982, p. 187), a
experiência poética é uma revelação de nossa condição original. E essa revelação é sempre
resolvida numa criação: a de nós mesmos. Só isso já seria um motivo para trabalhar o texto
poético em sala de aula.
De acordo com as produções dos alunos, pela rotina da sala de aula e a recepção dos
textos coralineanos, o resultado do projeto foi positivo, ainda que seja válido sempre ressaltar
as dificuldades inerentes ao formato das aulas on-line quando a leitura se depara com
barreiras até então inexistentes, principalmente relativas à coletânea Becos de Goiás, cujos
textos são longos.
98
Gráfico 5 - A leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, contribuiu para uma formação
leitora mais consciente e significativa?
Diante desse resultado, fica evidente que um trabalho sólido com leitura de poemas em
sala de aula só tem a acrescentar para uma formação leitora mais consistente e significativa.
Também estimula a curiosidade de conhecer outros poetas. Assim, como resposta ao
questionário 2, temos:
99
Para Andruetto (2017), a eficácia do trabalho com a poesia em sala de aula não vem do
fato de o poema nos oferecer soluções, mas porque nos sugere perguntas, porque problematiza
o que nos foi naturalizado, o que é uma das funções fundamentais da arte; questiona o aceito,
recebe nossas sombras, os riscos da vida que vivemos e da sociedade na qual transitamos.
Se o número de alunos que respondeu que gosta de poesia conseguir tornar-se um leitor
emancipado, descobrir novas leituras e dialogar com o texto – sair do texto e retornar para si –
o ganho será enorme. E é isso que descreve o gráfico 4, que reduziu o número de alunos com
afinidades com a leitura poética.
Não podemos esquecer que estamos vivendo numa época em que o leitor é passivo e
não no sentido de buscar informações em livro físico: é um leitor de signos visuais e a rapidez
faz a diferença. A própria literatura já se encontra disponível em plataformas de fácil acesso,
já compartilha textos em pouco espaço de tempo. Para Hélder Pinheiro (2012, p. 129), a
leitura de um poema é muitas vezes escutar a voz da alma, permitir o extravasar das emoções,
desprender-se das contingências limitadoras para experimentar o sentimento de liberdade
impossível, a mesma que o poeta sentiu ao criar o poema.
Andruetto (2017, p. 133) enfatiza que, no que se refere à construção de leitores, estamos
tentando, como sociedade, como país, atravessar um desafio: converter em leitores os que
podem comprar livros e os que não podem; os que vivem nas grandes cidades e os que vivem
nos pequenos povoados, no campo, nas serras e nos montes; os que possuem uma família e os
que estão sozinhos na vida; os protegidos e os abandonados e desgarrados; os que estão livres
e os que estão na cadeia; os obedientes e os que brigam com a lei...Trata-se de um desfio
histórico, um imperativo alimentado pela convicção de que ler, como outros direitos, é um
direito de todos.
Nesse sentido, o texto poético precisa ocupar o centro das aulas de Língua Portuguesa.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Infelizmente, a leitura literária de poemas não faz parte de todas as listas de materiais
indicadas pelas instituições de ensino, o dificulta que todos os jovens tenham acesso a ela.
Ainda para Andruetto (2017), o caminho da leitura é o da liberdade, a escola é uma igualadora
social, que reduz a brecha entre as crianças que provêm de lares donde o livro está presente e
de lares donde o livro está ausente. Diante de tais apontamentos, é irrefutável a necessidade de
o texto poético participar ativamente das leituras literárias nas séries finais do ensino
fundamental. O leitor jovem em formação busca, além do conhecimento de outros mundos, o
seu mundo interior, e a literatura não é o lugar de certezas, mas da dúvida.
Assim, finalizamos, por ora, o diálogo acerca da leitura de poemas como contribuição
na formação do jovem leitor. Que as análises tecidas possam despertar nos docentes do ensino
fundamental que a leitura literária é um direito e uma necessidade vital. Retomando Andruetto
(2017, p. 145): desde o começo dos tempos, a literatura olha a singularidade humana, a luta de
102
um ser humano entre o que é e o quer ou pode ser. Ela busca uma verdade que nem começa
nem termina nas palavras.
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103
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YUNES, E.; PONDÉ, G. Leitura e leituras da literatura infantil. São Paulo: FTD, 1988.
APÊNDICES
APÊNDICE 01
MESTRADO – PPGEEB
A presente pesquisa tem como objetivo geral investigar como a arte de dialogar entre o leitor, poesia e
autor podem contribuir para o processo de formação do leitor literário na Educação Básica por meio da leitura da
obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina. Livro que já consta na lista de leituras
literárias indicada para o terceiro bimestre. A participação do menor sob a sua responsabilidade é importante
para a realização desta pesquisa que tem o título “LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR
LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula”. Caso o menor
se sinta constrangido(a), é garantida a total liberdade de recusar a participar ou retirar seu consentimento a
qualquer momento, sem penalidade alguma.
A participação na pesquisa será voluntária, portanto, não haverá despesas pessoais ou gratificação
financeira decorrente da participação, caso haja despesas, elas serão ressarcidas.
111
Caso ocorra algum dano o direito a pleitear indenização para reparação imediato ou futuro, decorrentes
da cooperação com a pesquisa está garantido em Lei.
O sigilo e anonimato da sua autorização e da participação da criança (ou adolescente) na pesquisa será
preservada.
A divulgação do nome dele(a) somente acontecerá se for permitida por você, solicito que rubrique no parêntese
abaixo a opção de sua preferência:
( ) Não permito a identificação do menor sob minha responsabilidade nos resultados publicados
da pesquisa.
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
112
Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da pesquisa intitulada LEITURA DE
POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de
Cora Coralina em sala de aula. Meu nome é Edina Faria de Almeida, sou a pesquisadora responsável e minha
área de atuação é Literatura. Após receber os esclarecimentos e as informações a seguir, se você aceitar fazer
parte do estudo, assine ao final deste documento, que está impresso em duas vias, sendo que uma delas é sua e a
outra ficará comigo. Esclareço que em caso de recusa na participação, em qualquer etapa da pesquisa, você não
será penalizado (a) de forma alguma. Mas se aceitar participar, as dúvidas sobre a pesquisa poderão ser
esclarecidas pela pesquisadora responsável, via e-mail edinafariaalmeida@hotmail.com e, através do seguinte
contato telefônico: (62) 9 84722010, inclusive com possibilidade de ligação a cobrar. Ao persistirem as dúvidas
sobre os seus direitos como participante desta pesquisa, você também poderá fazer contato com o Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, pelo telefone (62)3521-1215, que é a instância
responsável por dirimir as dúvidas relacionadas ao caráter ético da pesquisa. O Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Goiás (CEP-UFG) é independente, com função pública, de caráter consultivo, educativo
e deliberativo, criado para proteger o bem-estar dos/das participantes da pesquisa, em sua integridade e
dignidade, visando contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos vigentes.
A presente pesquisa tem como objetivo geral investigar como a arte de dialogar entre o leitor, poesia e
autor podem contribuir para o processo de formação do leitor literário na Educação Básica por meio da leitura da
obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina. Livro que já consta na lista de leituras
literárias indicada para o terceiro bimestre. Portanto, como sou a professora regente da turma, trabalharemos em
nossas aulas, como todos os bimestres fazemos com a leitura literária, que é uma rotina comum nas aulas de
Literatura. Coleta de dados, entrevistas, questionários e realização de atividades acontecerão durante as aulas ou
como atividade extraclasse e para isso deverá reservar um período de uma hora, caso necessário. Você tem
direito ao ressarcimento das despesas decorrentes da cooperação com a pesquisa, inclusive transporte e
alimentação, se for o caso.
Em caso de danos, você tem o direito de pleitear indenização, conforme previsto em Lei.
Se você não quiser que seu nome seja divulgado, está garantido o sigilo que assegure a privacidade e o
anonimato. As informações desta pesquisa serão confidenciais e serão divulgadas apenas em eventos ou
publicações científicas. Quantos a benefícios, essa pesquisa ensejará a aproximação do(a) aluno(a) com o texto
poético com vistas a contribuir para uma formação leitora mais consistente e efetiva, proporcionando maior
autonomia, criticidade e criatividade. Os riscos da pesquisa serão mínimos. No máximo, um ou outro aluno
poderá se sentir constrangido quando instado a fazer a leitura em voz alta ou quando for gravar algum
videopoema. Caso o (a) aluno (a) não sinta confortável durante a realização de alguma atividade, o (a) mesmo
(a) poderá ser apenas ouvinte, e se ocorrer alguma situação mais grave e inesperada o(a) aluno (a) terá todo
atendimento e acompanhamento necessário.
Durante todo o período da pesquisa e na divulgação dos resultados, sua privacidade será respeitada, ou
seja, seu nome ou qualquer outro dado ou elemento que possa, de alguma forma, identificar-lhe, será mantido em
sigilo. Todo material ficará sob minha guarda por um período mínimo de cinco anos. Para condução da coleta é
necessário o seu consentimento faça uma rubrica entre os parênteses da opção que valida sua decisão.
As gravações serão utilizadas na transcrição e análise dos dados, sendo resguardado o seu direito de ler
e aprovar as transcrições.
Pode haver necessidade de utilizarmos sua voz em publicações. Faça uma rubrica entre os parênteses da
opção que valida sua decisão:
Pode haver também a necessidade de utilizarmos sua opinião em publicações, faça uma rubrica entre os
parênteses da opção que valida sua decisão:
Pode haver também, a necessidade de utilizarmos sua imagem em publicações, faça uma rubrica entre
os parênteses da opção que valida sua decisão:
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APÊNDICE 02
Sequência didática
OBJETIVO GERAL
1ª Sequência Didática
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
AVALIAÇÃO
As tranças da Maria
O caso do Izé da Badia... Duas tranças bem trançadas viu o sujo dela detrás do toco do
Era do que a gente falava - rédea dos corações. embiruçu
Era só o que se ouvia. Izé da Badia, moço, vaqueiro de fama e lá no embrejado, tejuco amassado,
amarrado para sempre e a porca de seu Ricardino
O Izé ficou leso, atoado pelos no sedenho de Maria. que deixou as crias...
campos..
Perdeu sua fé de vaqueiro A mãe de Maria Conversas. Seu Malaquias
Consagrado nas vaquejadas. novenou a Santo Antônio. é caçador, conta estórias...
Não mais seu canto violeiro, Reza nova emprazou: metê medo a menino.
seu chamado boiadeiro. Menino de Jesus de Praga. A porca de seu Ricardino
O aboio do seu berrante Foi no Centro de Kardec, era varadeira de cerca.
que a gente ouvindo distante fez grandes inovações. levou tiro, urubu comeu.
dava a pinta do ponteiro:
lá evai o Izé da Badia, Baixou o Espírito Guia: A velha calou. Invocou Nossa
o rei dos vaqueiros. - Maria desencarnada, Senhora,
Espírito limpo no espaço. São Marcos. Almas Benditas...
Chamava, o boi escutava. Fizessem suas boas preces. Hão de mostrar, mais dia menos dia.
Falava, o zaino entendia. Não mais chorassem por ela.
Cantava, as moças sorriam. O pai de Maria bateu estradas,
E agora... Tanta moça pelo mundo Sinalassem, pediu a Mãe. vizinhança, corrutela.
e ele à procura de Maria. Sinais, teriam a seu tempo. Indagou de sua filha.
Maria que sumiu Resumiu o Guia pela boca do Ninguém deu sinal dela.
buscando seu pote d’água aparelho.
no corgo de vista a casa. Entrou em cidade grande
O pote cheio, já no barranco. Maria com seu pote de barro com juiz, delegado e praças.
A rodilha posta de lado. buscando água no riachinho.
A cuia se balançando. O pote cheio já no barranco. Procurou a autoridade
A rodilha posta de lado. E fez a queixa no usual
E Maria...Aonde foi Maria? A cuia se balançando. dando todos os sinais.
Na garupa de um vaqueiro E Maria nunca mais voltou. Maria das Graças de nome.
desconhecido dali Ninguém viu nada. Registrada no Civil.
buscando boi de arribada. Ninguém ouviu nada. batizada no Cristã.
Falavam rindo as comadres O mato guardou seus segredos Moça feita. Igualdada de bons dentes
pelas portas, conversando. escuros. sem falha nem ponto de ouro.
Moça não tem pensar...
Noiva do Izé da Badia. Maria se foi na garupa Nem alta nem baixa.
Memória já no dedo. de um vaqueiro, desconhecido dali, Meiã de altura.
Bragal bordado na arca. buscando boi na arribada. Cintura fina de duas mãos abarcar.
Tagarelavam as comadres Boas cores de sadia. Moça da roça
Vestido branco rendado. nos fuxicos de terreiro assinando o nome,
Vestido de damacê. pelas portas conversando. lendo por cima.
Banhos já recorridos. Seu sinal maior:
Casamento certo, marcado Falou a velha Ambrosina: duas tranças bem fornidas
no dia da Santa assunção, - No mato tem bicho ruim.. alcançando a barra da saia,
sendo padrinho o patrão A triste sorte da moça barrendo o chão.
dono de campos e gado. fora dessas conversas...
O escrivão anotou em livro
E agora...aquela armada. Tia s’tá caducando.. e prometeu no vago: providenciar.
A moça no seu sumiço. um corguinho desses nada O pai seguiu seu destino.
O Izé leso sem mais ideias tem bicho fera nenhum... Andou em ruas de arrabaldes.
pelos campos sem destino Isso sim cabeceiras altas, encarou com tanta moça
à procura de Maria. volumes de água lagoas...pode sê. pensando ser sua filha.
Galhofa dos companheiros... Não esse Corguinho, coisinha Entrou em “Casa de Mulheres”
“Cadê o sedém da Maria, Izé?”... tão à toa!... marcadas de luz vermelhas.
Deu todos os seus sinais
Os sedenhos da Maria... Tem brecho nas cabeceiras... sem esquecer as tranças negras.
Seus cabelos ondulados. Catando lenha eu vi Na sua angústia de Pai,
Manto solto se penteava. o espojeiro da bicha, mesmo que fosse ali
Nua, encobria as formas. faz tempo, ninguém me tira... queria encontrar sua filha.
Basta cabeleira negra Voltei lá mais não. As mulheres assanhadas
dos joelhos vinham abaixo. ouviam compenetradas,
Dos tornozelos passavam. Ao demais, seu Malaquias penalizadas do Pai.
Uma ria, outra chorava.
117
Ninguém tinha visto Maria. Foi depois de tudo isso passado, Os caçadores desmontaram.
contado e recontado que vieram Engatilhadas suas armas embaladas,
Foi na cartomante os caçadores e suas matilhas de caça. seguiram no rumo certo.
acreditada.
Pararam na porteira do sítio. No fundo do mato, na trama
Contou seus pesares, suas penas. Tomaram chegada. verde da ramaria cipoal, samambaias,
O escuro daquele caso Sentaram, conversaram. no escuro do embrejado uma cena
pediu para clarear. - Caçadores de onça. inesperada.
A verdade as cartas podiam contar. Pediram suas carecidas informações, Rolo negro, movediço, assanhado,
O baralho baralhado. gente de longe... enlaçado ao pastor onceiro, quebrava
Cortado e recortado em cruz. Ouviram pela milésima vez a estória os ossos ao primeiro.
Veio o naipe de espada. do sumiço da Maria.
Valete de paus. - Que havia de voltar – disseram – O outro, preso à trela, gania
A dama de luto, o rei do agouro. compadecidos em ânsias de escapar.
e filhos para os velhos apadrinhar. Um, dois tiros. E o rolo negro,
A cartomante fechada, cerrada, compressor,
atuada, invocava as fontes Provera a Deus, responderam cedeu nos seus volteios se rebolcando
da Cabala... consabidos na sua magra esperança. pelos troncos.
O caçador cortou a trela.
Pouca esperança. Luto presente... Tomado o café da hospitalidade Um pastor morto, quebrado.
Se consolasse com o destino de sua sertaneja O pastor vivo em tremuras de pavor,
filha. voltaram às suas montadas. arrepiado, vertendo inconsciente se
Sinais?...Teriam a seu tempo. - Caçadores de onça... arrastando, acovardado.
Suas trelas ansiosas, vivas,
O Pai voltou. Aquietou. saltitantes, alçadas, sentindo A gente do sítio correu no rumo dos
Lavrou tosca cruz de aroeira. e pressentindo a caça em todos tiros.
Fincou no barranco ao lado do pote. os cheiros novos da terra, dos ares Viram a fera morta em contorções
Acendeu lamparina-dia-e-noite e das matas. reflexas.
rogando os avisos do destino de sua Falou o caçador: vocês daí, salvem o
filha. Tinham que atravessar o corguinho couro p’ra nós.
com sua água de prata correndo em Na volta apanhamos, aproveitem o
Izé da Badia se refez. areia resumo p’ra sabão
Voltou a vaquejar. branca e lajedo claro. que essa bicha tem graxa.
Levar e trazer boiadas, No barranco, a cruz, o pote, a E se foram. Caçadores de onça...
sertão adentro, estradas afora. lamparina. O dia se fazia alto. Campos e matas
O aboio de seu berrante Luz pequenina, eram todo um alagado de sol.
que se ouvia distante mal divulgada na grande luz do dia.
era um chamado constante Lume, vago, pisca-piscando, A gente do sítio arrastou o tronco rola-
da sua noiva Maria. invocando as Almas no escuro da rolando
noite. para o descampado. Estiraram,
Já o cego desvalido Na corrente os animais bebiam em palmearam.
pedinte das romarias sorvos Dezoito palmos bem medidos!
tinha posto moda, pelas cambas dos freios.
rimado versos e traçado na viola Os cães sedentos, arfantes, Por que razão obscura teria aquela
a romança da Maria. respingantes, besta-fera
refrigerados., se desgarrado do seu grupo longínquo
Juntava gente nas feiras, conversavam do ouvido avivado e vencendo
abria uma grande roda. à vista do pote e da cruz. as sombras do dia e o escuro da noite
Trovadores no desafio vindo se aninhar naquelas cabeceiras
violeiros na viola. Uma trela onceira farejou inocentes?...
Sempre a triste e chorada estória seguindo o curso d’água.
do sumiço da Maria. Levantou pouco distante. Os homens na esfola em conversas,
Caça grossa!...Ali!... pilhérias e risadas.
Até crianças de sítio Estaquearam o couro como sabe fazer
nos folguedos de terreiro, Paca, anta, capivara, seria... a gente da roça.
nos seus brinquedos de roda, Decidido, a trela perdia o faro. Viraram o debulho. Arrancaram os
uma ou outra se escondia. pulmões,
Iam todas procurar Os caçadores meio atentos, enormes, desconformes.
no faz de conta Maria. displicentes, Cortaram, espostejaram.
queimavam seus palheiros. Já as mulheres vinham com seus
O tempo fez o seu giro. Do mato vinha o acuo resguardado. baldes, bacias e gamelas,
As estações se trocaram. recolher os pedaços daquela carne
Passou o rolo compressor Um caçador chamou na trompa. branca e gordurosa
nas estradas consertando. Respondeu o ganido desesperado do para o sabão caseiro. Os cães
Também nos corações. cão ferido. disputavam, rosnando,
o compressor do tempo apagando. O uivo agoniado da matilha atacada. agressivos, pedaços de bofe.
118
Findo o trabalho alguém se lembrou Haviam de ter a seu tempo o destino libuno, crinudo, espadas romanas
de romper o de Maria. cruzadas, cabo negro,
[bucho cavalo de vaquejadas.
alongado. Epílogo como nas estórias bem
E o que estava ali, senhor? contadas: Duas tranças primazia. Macias de
Numa barrela escura, repulsiva luva-mão,
espumosa – as E o que foi feito das tranças? presas às cambas de seu freio
[tranças de Deram ao Izé da Badia. niquelado.
Maria em prata fina banhado. E o Izé tinha
-Bem falou a velha Ambrosina. E o que fez delas o Izé? nas mãos,
A cartomante do baralho. O Guia do Mandou trançar duas rédeas bem todos os dias, o sedenho da sua noiva
centro de Kardec... trançadas para seu cavalo Maria.
In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo: Global, 2014.p.179-190
119
2ª Sequência didática
PRIMEIRO QUESTIONÁRIO
Todas as Vidas
In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo: Global, 2014. p.31-33.
122
Minha cidade
In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo: Global, 2014. p.31-33.
123
3ª Sequência didática
• Falar sobre o cineasta Lázaro Ribeiro, que também é pesquisador e estudioso das obras
de Cora Coralina e que irá auxiliar na produção do documentário;
• Assistir ao documentário de sua autoria Maria Macaca
https://www.youtube.com/watch?v=Kn9X_qMq7WA, que também era moradora
vilaboense, que projeta um pouco dos hábitos, costumes e crenças goianas – uma das
tantas mulheres-coralinas da cidade de Goiás;
• Ler os textos “Poemas” de Mário Quintana e “Ressalva” de Cora Coralina,
intercalando leitura e comentários;
• Ver nos textos o que significa para os escritores escrever poemas ou melhor um livro
de poemas;
• Perceber semelhanças entre os dois textos;
• Indagar sobre a ligação do poema “Ressalva”, de Cora Coralina com o próprio título
da obra.
• Produzir um texto poético retratando sua cidade, memórias, identidades, enfim, como
você a vê e se vê como morador de uma cidade histórica, cheia de história e poesia.
Para isso retomar os poemas “Todas as vidas” e “Minha cidade”.
Poemas
como de um alçapão.
Eles não têm pouso nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Ressalva
Este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da
Montanha da Vida
removendo pedras
e plantando flores.
Este livro:
Versos...Não.
Poesia...Não.
Um modo diferente de contar velhas estórias.
4ª Sequência didática
In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
Global, 2014.p.120-124.
127
A lavadeira
In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
Global, 2014.p.205-207.
128
5ª Sequência didática
In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
Global, 2014.p.61-65.
O Prato Azul-Pombinho
Minha bisavó – que Deus a tenha Isto contava com emoção, minha Uma ilha. Um quiosque rendilhado.
em glória- bisavó, Um braço de mar.
sempre contava e recontava que Deus haja. Um pagode e um palácio chinês.
em sentidas recordações Era um prato original, Uma ponte.
de outros tempos muito grande, fora de tamanho, Um barco com sua coberta de seda.
a estória de saudade um tanto oval. Pombos sobrevoando.
daquele prato azul-pombinho. Prato de centro, de antigas mesas
senhoriais Minha bisavó
Era uma estória minuciosa. de família numerosa. traduzia com sentimento sem igual,
Comprida, detalhada. De faustos casamentos e dias de a lenda oriental
Sentimental. batizado. estampada no fundo daquele prato.
Puxada em suspiros saudosistas Eu era toda ouvidos.
e ais presentes. Pesado. Com duas asas por onde Ouvia com os olhos, com o nariz,
E terminava invariavelmente, segurar. com a boca,
depois do caso esmiuçado: Prato de bom-bocado e de mães- com todos os sentidos,
“– Nem gosto de lembrar disso…” bentas. aquela estória da Princesinha Lui,
É que a estória se prendia De fios de ovos. lá da China – muito longe de Goiás
aos tempos idos em que vivia De receita dobrada –
minha bisavó de grandes pudins, que tinha fugido do palácio, um dia,
que fizera deles seu presente e seu recendendo a cravo, com um plebeu do seu agrado
futuro. nadando em calda. e se refugiado num quiosque muito
lindo
Voltando ao prato azul- pombinho Era, na verdade, um enlevo. com aquele a quem queria,
que conheci quando menina Tinha seus desenhos enquanto o velho mandarim – seu
e que deixou em mim em miniaturas delicadas: pai –
lembrança imperecível. Todo azul-forte, concertava, com outro mandarim de
Era um prato sozinho, em fundo claro nobre casta,
último remanescente, sobrevivente, num meio – relevo. detalhes complicados e
sobra mesmo, de uma coleção, Galhadas de árvores e flores cerimoniosos
de um aparelho antigo estilizadas. de seu casamento com um príncipe
de 92 peças. Um templo enfeitado de lanternas. todo-poderoso,
Figuras rotundas de entremez. chamado Li.
131
In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:
Global, 2014.p.66-74.
133
6ª Sequência didática
A história Só entre nós: Abelardo e Heloísa é narrada a partir, na maioria das vezes, do ponto
de vista de Carlos Abelardo Peçanha Filho, vulgo Abelardo, que tenta suprimir sua solidão e
tristeza através de cyber amizades, vivia viajando em busca de um amigo, até que surge o
seguinte anuncio:
135
136
APÊNDICE 03
CORA CORALINA:
GOIÂNIA
2022
138
CORA CORALINA
GOIÂNIA
2022
139
140
141
Especificação: Documentário
DIVULGAÇÃO
( ) Filme
( ) Hipertexto
( ) Impresso
( ) Meio digital
( ) Meio Magnético
( x) Médio impacto – Produto gerado no Programa, aplicado no sistema, mas não foi
transferido para algum segmento da sociedade.
( ) Baixo impacto – Produto gerado apenas no âmbito do Programa e não foi aplicado nem
transferido para algum segmento da sociedade.
( x) Ensino
( ) Aprendizagem
( ) Econômico
( ) Saúde
( ) Social
( ) Ambiental
( ) Científico
( x) Real - efeito ou benefício que pode ser medido a partir de uma produção que se encontra
em uso efetivo pela sociedade ou que foi aplicado no sistema (instituição, escola, rede, etc).
Isso é, serão avaliadas as mudanças diretamente atribuíveis à aplicação do produto com o
público-alvo.
( ) Potencial - efeito ou benefício de uma produção previsto pelos pesquisadores antes de esta
ser efetivamente utilizada pelo público-alvo. É o efeito planejado ou esperado.
( x) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, descreva essa situação (informe: Nome da Instituição Escolar e rede de
ensino a qual pertence; Nível de Ensino; Ano escolar; Quantidade de Sujeitos Envolvidos;
143
( x ) Sim ( ) Não
FOMENTO
( ) Sim ( x ) Não
( ) Sim ( X ) Não
( ) Sim ( x ) Não
Outras formas de Registro (informar o tipo de registro, número e forma de acesso, como no
exemplo do EduCAPES).
Outras formas de acesso: (informe links, além dos já informados, ou indique bibliotecas onde
está disponível. Para vídeos no youtube, no vimeo ou outros, indique o link. Caso o produto
esteja na Biblioteca do CEPAE ou em outra, informe o nome completo da biblioteca)
148
ALMEIDA, Edina Faria de. Cora Coralina: entre poemas e memórias. 2022. Produto
Educacional relativo à Dissertação (Mestrado em Ensino na Educação Básica) – Programa de
Pós Graduação em Ensino na Educação Básica, Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à
Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO.
RESUMO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO -----------------------------------------------------------------------------------13
Referências -------------------------------------------------------------------------------------------23
150
Introdução
dos alunos pesquisados, a sua leitura se resumia aos poemas mais conhecidos da autora. Com
o trabalho de mediação e prática de leitura feita no ambiente escolar estabeleceu-se um
vínculo entre literatura e realidade social e cultural. Os jovens estudantes conseguiram
estreitar o elo leitor, texto e autor indo além dos limites da poesia, expressaram concepções
acerca dos diversos temas trabalhados e se perceberam em alguns versos. A literatura de Cora
Coralina alude a figuras socialmente marginalizadas como a lavadeira, a mulher discriminada,
o menor abandonado, a escola, os becos e vários outros sujeitos e elementos de pouca
valoração para a sociedade. Junto a leitura dos poemas, os estudantes leitores tinham a
liberdade de posicionamentos, de debates, de se identificar com estes personagens, quase
sempre ocultos à sociedade, mas descortinados nos versos coralineanos e depois percebidos
na cidade, nas ruas, becos, em nossas casas e em outros textos.
É preciso entender a leitura literária como uma prática com percursos de tipos e
valores muito variáveis que dependem muito da mediação feita pelo professor. E cabe a esse
mostrar as portas de acesso à poesia, buscando a interação leitor, texto e autor. A recepção e a
travessia de acesso à literatura dependem subjetivamente de cada aluno. Nesse sentido,
Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina, é uma coletânea de poemas
com o cerne narrativo, outrossim a escritora ocupa o imaginário dos jovens alunos como a
“poeta da cidade”, aquela que projeta a cidade de Goiás para um cenário da cultura nacional.
Se anuirmos que uma obra literária é sempre inacabada, e que sua completude advém
da presença do leitor, então, este lhe empresta elementos de seu universo pessoal para o texto,
formando uma conexão entre texto, autor e leitor.
Na constituição do trabalho desenvolvido, primeiramente, são feitas reflexões teóricas
acerca da formação do leitor literário na educação básica, discutido o alcance da leitura
literária como contribuição para a construção da subjetividade do aluno e a função do texto
poético no contexto escolar, ressaltando-se o poder humanizador da poesia.
Em seguida, trabalha-se a concepção de poesia como aporte para o jovem leitor ler
para melhor perguntar e melhor se entender. Nesse sentido, para Andruetto (2017, p. 9) diz
que “A literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro aos lugares
comuns, ser o contrário do que dela se espera e, ainda, ‘não dar respostas, mas gerar
perguntas’”.
Na sequência, faz-se uma apresentação da poetisa Cora Coralina, perpassando sua vida
e obra, além de ressaltar sua ligação com a cidade de Goiás, cidade que foi inspiração para
muitos de seus poemas. Também, apontamentos sobre o corpus da pesquisa Poemas dos
Becos de Goiás e Estórias Mais, uma das obras de Cora Coralina. Em seguida, considerações
152
sobre a poesia de Cora no contexto da cidade de Goiás. Importante ressaltar que, embora seja
uma poeta canônica na cidade e no estado de Goiás, Cora Coralina não goza do mesmo
reconhecimento em nível nacional, embora a sua poesia tenha o aplauso e a anuência de um
poeta como Carlos Drummond de Andrade.
Por fim, faz-se a descrição da pesquisa (uma pesquisa-ação, de trato qualitativo, e que
propõe a discussão da formação leitora do jovem leitor, na escola, a partir da leitura de
poesia), conceituando-a e delimitando o seu locus, assim como a discussão sobre a recepção
do projeto, em sala de aula, para os 35 participantes dessa investigação. Os procedimentos
metodológicos são minuciosamente relatados e é feita a análise de dados, com base no
material aplicado em sala de aula e recolhido.
Na intervenção e análise dos dados da pesquisa de campo, procurei dialogar com
estudos de Todorov (2011), de Andruetto (2017), Jouve (2002), Rouxel (2013), de Pilati
(2018) e outros sobre a importância da leitura da leitura de poesia na sala de aula, na
perspectiva da formação e recepção de jovens leitores.
No que diz respeito à pesquisa de campo, é válido realçar que, devido ao contexto da
pandemia da Covid-19, ocorridas nos anos de 2020 e 2021, as aulas foram híbridas, as
atividades realizadas por meio das plataformas Google Meet, WhatsApp e GR8 (sistema de
gerenciamento escolar). Foram organizadas propostas de leitura, diálogo e produção de texto
direcionados para a recepção dos poemas de Cora Coralina, com indagações para investigar o
percurso percorrido pelos jovens leitores participantes da pesquisa. Ao final, a construção do
Produto Educacional foi evidenciou como a leitura da poesia de Cora Coralina, sob a
perspectiva da memória e da identidade, contribuiu para a formação leitora do jovem aluno e
despertou nele o gosto pela poesia.
Por fim, confirmam-se, nos resultados, a importância da leitura de poemas na rotina
escolar e a percepção de que a leitura literária é um direito e uma necessidade vital. Confirma-
se, ainda, que não há resistência do jovem à leitura de poesia e, ainda menos, quando essa
poesia apresenta ao leitor marcas linguísticas, temas, vivências, e contextos que lhe são
familiares como ocorreu com a leitura dos poemas de Cora Coralina por alunos (a maioria)
nascidos e criados no mesmo contexto da poetisa.
O produto está disponível no canal do You Tube, no seguinte endereço:
https://youtu.be/fYUQXF4tiVc. Os vídeos que mediaram a constituição do produto estão
disponíveis em https://youtu.be/80YNMdv5bcU.
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(Edina) (off)GRAVADO
Vocês sabiam que Cora Coralina ganhou projeção nacional por meio de uma carta?
Escrita por Carlos Drummond de Andrade no dia 14 de julho de 1979, que diz:
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Cora Coralina:
Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as
deposite em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de graça com
a poesia. Seu livro é um encanto, seu verso é água corrente, seu lirismo tem a força e a
delicadeza das coisas naturais.
(Obs: a música passa a fazer fundo para o poema lido.) (Hellen Kristina)
(...)
Inda o dia vem longe
na casa de Deus Nosso Senhor,
o primeiro varal de roupa
festeja o sol que vai subindo,
vestindo o quaradouro
de cores multicolores.
(...)
Vai lavando. Vai levando.
Levantando doze filhos
Crescendo devagar,
Enrodilhando no seu mundo pobre,
dentro de uma espumarada
branca de sabão.
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Em um beco vemos ao longe uma moça na janela que observa o movimento. (Clara Silva)
Um rapaz puxando um burrinho carregado de lenha,(Gutinho) uma moça com uma bacia de
roupas na cabeça,(Juliana Toledo) certamente voltando do rio e dois rapazes vendendo prato
de pequi (Heitor e Alexsander). Após se cruzarem pelo beco a moça da janela comenta
sozinha:
(Clara Silva) GRAVADO
Conto a estória dos becos,
dos becos da minha terra,
suspeitos... mal afamados
onde famílias de conceito não passava.
“Lugar de gentinha” – diziam, virando a cara.
Os meninos passam por duas senhoras que estão sentadas conversando na esquina do beco
(Debora Soares e Maria Clara Oliveira). O menino oferece o prato de pequi e as mulheres
que olham, sinalizam que não tem interesse e agradecem. Elas voltam a conversar e a
observar a decida do menino pela rua do fórum. (que grita: “Olha o pequi”)
(Lorena) GRAVADO
Poetas e pintores
românticos, surrealistas, concretistas, cubistas,
eu vos conclamo.
Vinde todos cantar, rimar em versos,
bizarros coloridos,
os becos da minha terra.
Cena 07 (EXT/NOITE)
Cenas de Becos da cidade, vazios, em um silêncio que é rompidos pelas badaladas da igreja
do Rosário. Vemos vultos em uma vidraça de alguém que passa pela rua. (Isabella e Débora)
(Isabella)
De noite... noite de quarto,
a cidade vazia se recolhe
num silêncio avaro, severo.
Horas antigas do passado.
- Concentração
Almas penadas doutro mundo.
Vemos o reflexo na água de alguém lendo poemas dos Becos. A câmera percorre água e
vemos abaixo a imagem de um indígena.
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Ao ler Cora Coralina nos deparamos com um cotidiano da antiga Vila Boa que nos encanta.
Uma das histórias entre tantas narradas pela poeta é a do soldado Carajá que ela nos conta em
um tom de fabula:
A aluna faz um resumo da história. No final continua a leitura do livro e finaliza lendo:
Na poeira do bárbaro
Atuado pelas forças cósmicas e ancestrais,
ouvia-se o grito selvagem:
...Uirerê! ...Uirerê! ...Uirerê!
Indígena vestido de soldado andando de um lado para outro na porta do Palácio. Alguns
planos detalhes.
Correndo em uma rua de pedras. Depois correndo em uma estrada de chão entrando no mato.
Detalhe: vulto do índio passando entre árvores. Passando em um rego d’água.
Cortar para:
Elenizia
Eu sou aninha
Após a fala Elenizia começa a cantar à capela, “Minha cidade” e vai até a estátua de Cora. No
banco ao lado da estátua de Cora temos outra aluna que lê o livro. (Geovana Stefany)
Seus poemas Dos Becos de Goiás mostram vida, a vida que não vemos e não
valorizamos, vida que você viveu. Cora, de limpar casa e lavar roupa, até nisso você mostra
beleza.
Cora, que graça existe em você? Não posso mais ser a mesma, seus textos transformam
e inspiram, você é viva, viva em sua casa, viva em seus doces, viva na cidade e viva em nós.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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