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Foucault e a Educação

Solange Maria de Oliveira Cruz1

O texto ora lido, apresenta estudos de Foucault sobre o sujeito, os


saberes, os poderes e as instituições modernas. Nele são abordados,
inicialmente, por Veiga-Neto(2017), as três grandes fases 2 da obra do filósofo,
a saber: arqueológica, genealógica e ética.
Trata-se de uma apresentação do filósofo Foucault e das contribuições
que sua perspectiva trouxe para que pensemos as relações entre a escola e a
sociedade, citando inclusive a Pedagogia e a subjetivação moderna, no sentido
de buscarmos, com essa reflexão foucaultiana, “uma existência diferente para
nós mesmos”, e diferente no sentido de melhor.

O que importa mesmo é, junto com Foucault, tentarmos


encontrar algumas respostas para a famosa questão
nietzschiana - que estão (os outros) e estamos (nós) fazendo
de nós mesmos? -, para, a partir daí, nos lançarmos adiante
para novas perguntas, num processo infinito cujo motor é a
busca de uma existência diferente para nós mesmos e, se
possível, uma existência melhor (VEIGA-NETO, 2017, p.11).

No campo educacional, as ideias de Foucault se conectam com as


práticas e as pesquisas educacionais contemporâneas

(...) como uma exploração das muitas possibilidades que o seu


pensamento abre para o exame da Educação, dos saberes
pedagógicos e das práticas educacionais, em suas relações
imanentes com cada um de nós e com o mundo
contemporâneo (VEIGA-NETO, 2017, p.12).

Para Veiga – Neto (2017), não devemos falar em uma teoria


foucaultiana, é mais adequado falarmos em teorizações foucaultianas, tanto
quanto não devemos propagar a existência de um “método” foucaultiano para
tratar as questões que nos propormos refletir atravessadas pelo pensamento
de Foucault
Quanto ao binômio teoria-prática, o autor afirma que não é possível
existir prática que não seja embasada por uma teoria, sendo ambas
indissociáveis, ou ainda, que a prática já é exercício concreto da teoria, “ou
talvez seja melhor dizer: a teoria já é uma prática”, e aqui, voltamos à conexão
que podemos fazer da perspectiva teórica foucaultiana, com a prática na vida
diária, ou como menciona Veiga-Neto (2017), com as “pequenas revoltas
diárias, quando podemos pensar e criticar o nosso mundo” ( p.22), desfrutando
de uma certa liberdade que nos é mostrada por Foucault:

Meu papel (...) é o de mostrar às pessoas que elas são muito


mais livres do que pensam ser; que elas têm por verdadeiros,
por evidentes, alguns temas que foram fabricados num

1
Aluna Regular do PPGSS em Educação da Universidade São Francisco – USF.
2
Embora o autor considero melhor usar a expressão domínios foucaultianos, conforme justifica na página
42.
momento particular da história, e que essa suposta evidência
pode ser criticada e destruída.

Numa crítica cética e incômoda que nos leve a pensar “o que somos, a
possibilidade de não mais ser, fazer ou pensar o que somos, fazemos ou
pensamos” (VEIGA-NETO,2017, p.24), ou seja, reafirma o trabalho de Foucault
de provocar o estranhamento, a indefinição das respostas e o inacabamento
das mesmas, numa “verificação constante”, como diz o filósofo, algo
perfeitamente aplicável à educação, e às questões que a permeiam.
O texto traz uma explanação sobre as três fases dos escritos de
Foucault nominadas como: arqueologia, genealogia e ética, onde “se observa
claramente uma sucessiva incorporação de uma pela outra, num alargamento
de problematizações e respectivas maneiras de trabalhá-las”(VEIGA-
NETO,2017, p.38), e apresenta um quadro que evidencia os três Foucault,
segundo os critérios ontológico de Morey (1991): Ser-saber, pelo saber; Ser-
poder, pela ação de uns sobre os outros; e Ser-consigo, pela ação de cada
indivíduo consigo próprio fundamentando como nos tornamos o que somos,
como sujeitos de conhecimento e de ação constituídos pela moral sobre nós
mesmos.
No domínio Ser- saber, Foucault trata da nossa identidade explicando
que no tornamos, na modernidade um produto, dos saberes, tendo sido
produzidos no interior desses saberes que nos produziu.
Essa identidade, formada a partir de adaptações que nos são impostas,
numa espécie de controle e poder, traz uma relação intrínseca entre a
subjetivação moderna e a Pedagogia, posto que esta última:

Se formou a partir das próprias adaptações da criança às


tarefas escolares, adaptações observadas e extraídas do seu
comportamento para tomarem-se, em seguida, leis de
funcionamento das instituições e forma de poder exercido
sobre a criança (FOUCAULT, 1996b, p. 22 apud VEIGA-
NETO,2017, p.51).

Ao tratar das possibilidades da arqueologia aplicada a pesquisa


educacional, cita a autora Maria Isabel Bujes, que faz uso da arqueologia
foucaultiana, mostrando como se estabelece uma rede de discursos sobre a
criança pequena com os objetivos de “capturá-la produtivamente para o
Estado, e de firmar determinados tipos de saberes pedagógicos que não
apenas instituem um certo tipo de criança contemporânea, quanto nos ensinam
como devemos lidar com ela” ( VEIGA-NETO, 2017,p.52), remetendo-nos ao
ser-poder defendido por Foucault, que busca entender os processos de
objetivação pelos quais os nos tornamos sujeitos.
Trazendo essas questões de ser-saber e saber-poder para o âmbito da
vida cotidiana, relacionando-as com as práticas educacionais às quais estamos
“assujeitados”, e focando nosso olhar para as relações que aí se estabelecem,
relações essas entre o poder e o saber que vivenciamos dia a dia nas
instituições escolares, concordamos com Veiga-Neto, que em Foucault temos
um grande estimulador de nossos pensamentos e ações, no campo da
Educação, a fim de que despertemos e nos conscientizemos do papel
regulador que a educação escolar ainda exerce sobre nosso tecido social e
sobre nossa (im) própria vida, nos convocando a repensar nossas amarras.
VEIGA-NETO, A. Foucault e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

No domínio do ser-consigo, onde

(...) o filósofo pretendia traçar a genealogia da ética ocidental,


investigando como se dá a relação de cada um consigo próprio
- e, no caso, com o próprio sexo ou, talvez melhor, por
intermédio do próprio sexo - e, ã" partir daí, como se constitui e
emerge sua subjetividade (VEIGA-NETO, 2017, p.79).

Vemos aparecer o campo da subjetividade como objeto de reflexão,


centrado nos estudos dele em torno da sexualidade do século XIX, e ele foi
buscar isso la na Antiguidade greco-romana, a fim de responder às perguntas
por que, quando e como, nós , seres humanos, passamos a problematizar o
que somos e o mundo em que vivemos, trazendo para o bojo dessa discussão,
a relação de si para consigo, num viés ético e moral, aliados ao comportamento
de cada um, nos colocando, enquanto sujeitos, como “ um produto, ao mesmo
tempo, dos saberes, dos poderes e da ética” (VEIGA-NETO, 2017, p.82).
Aqui, o autor Veiga –Neto (2017), relaciona as “tecnologias do eu” 3 de
Foucault à Educação, onde o governo de si, relaciona-se com a relação com
outros, onde apresenta exemplos de autores que trabalharam essas questões ,
tecnologias do eu e educação, aplicadas à pedagogia, ou a práticas em sala de
aula.
Em seguida passa a discutir os temas foucaultianos., nos apresentando
termos como :linguagem, discurso, enunciado, episteme, “Para compreender
melhor como Foucault trata o discurso e as práticas (discursivas) que colocam
o discurso em movimento” (VEIGA-NETO, 2017, p.89).
Foucault nos define como derivações dos discursos que circulam pelo
mundo, desde antes do nosso nascimento.
Neste viés, traz à existência a definição do “sujeito pedagógico”, como
fruto dos discursos pedagógicos que permeiam a escola, e declara :

não existe sujeito pedagógico fora do discurso pedagógico,


nem fora dos processos que definem suas posições nos
significados. A existência de um sujeito pedagógico não está
ligada vontades ou individualidades autónomas e livremente
fundadoras de suas práticas. O sujeito pedagógico está
constituído, é formado e regulado no discurso pedagógico, pela
ordem, pelas posições e diferenças que esse discurso
estabelece. O sujeito pedagógico é uma função do discurso no
interior da escola e, contemporaneamente, no interior das
agências de controle (DÍAZ, 1994, p. 15, apud VEIGA-NETO,
2017, p.91-92).

E passamos a entender o conhecimento, por meio do pensamento de


Foucault, como algo externo a nós mesmos, também formado por discursos,
tanto quanto a própria Pedagogia, cujos saberes se manifestam quando
“aceitos, repetidos e transmitidos”, (VEIGA-NETO, 2017, p.94) tal qual os
enunciados, que são atos discursivos, dentro de uma episteme, aqui entendida
como o ordenamento histórico dos saberes.
3
aquelas nas quais um indivíduo estabelece uma relação consigo mesmo
Ao tratar sobre a análise do discurso em Foucault, o autor explica que
certos poderes ligam-se a determinados discursos, para com isso produzir
certas verdades ali engendradas, ou seja, o discurso é produzido em relações
de poder. O poder dá legitimidade ao discurso Segundo Veiga – Neto (2017),
esse tema foi bem explorado por Foucault na obra “A arqueologia do saber”.
Sobre a questão de como o sujeito se institui, Foucault nos apresenta
três modos de subjetivação, que segundo ele, transformam os seres humanos
em sujeitos:

(...) a objetivação de um sujeito no campo dos saberes - que


ele trabalhou no registro da arqueologia -, a objetivação de um
sujeito nas práticas do poder que divide e classifica - que ele
trabalhou no registro da genealogia - e a subjetivação de um
indivíduo que trabalha e pensa sobre si mesmo - que ele
trabalhou no registro da ética (itálico do autor). (VEIGA-
NETO, 2017, p.111)

Tais processos de subjetivação, invariavelmente incidem sobre o sujeito


pedagógico, e as crises advindas da Modernidade, na Educação, nos
remetendo às questões do poder-saber, que vem sendo discutido logo a seguir,

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