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CAMPUS DO SERTÃO
CURSO DE HISTÓRIA
UM DESAFIO JERIPANCÓ:
Ensino de História na Escola Estadual Indígena José Carapina,
Sertão de Alagoas (2006-2016)
Delmiro Gouveia
Junho/2017
CARLA ALVES DOS SANTOS SILVA
UM DESAFIO JERIPANCÓ:
Ensino de História na Escola Estadual Indígena José Carapina,
Sertão de Alagoas (2006-2016)
Delmiro Gouveia
Junho/2017
S586i Silva, Carla Alves dos Santos
Um desafio Jeripancó: ensino de História na escola estadual
indígena José Carapina, sertão de Alagoas (2006-2016) / Carla
Alves dos Santos Silva. - 2017.
145 f .: il.
CDU 37.015.02
Uma índia karuazú cuidando da arrumação de sua casa, num dia ensolarado no ano de
2011, Sertão de Alagoas, quando se aproxima alguém, era outro índio Karuazú, seu irmão,
chama seu nome e fala: “trago uma notícia boa. Parabéns! Você conseguiu! A mais nova
aluna da Universidade Federal de Alagoas!” Aquela índia movida pelo choro sorria e pulava
de alegria pela vitória de poder cursar nível superior em uma Universidade Federal, também
preocupada, pois sabia das dificuldades que iria enfrentar, devido ser proveniente de supletivo
há aproximadamente oito anos atrás daquele dia memorável. Mas, o seu sangue é forte, sua
origem é de guerreiros e não temeu o desafio, iniciou o curso em letras, e logo em seguida se
apaixonou pela história, fez reopção de curso, conseguiu a vaga, tornou-se amante da história
e agora está concluindo a licenciatura mais apaixonante de sua vida. A Javé pela força que
emana de sua presença.
A minha Mãe Elenira e meu Pai Carlos pela criação e educação, o incentivo a ter bom
caráter, a ser humilde, a ser humana. A minha avó Lurdes pelo seu exemplo de vida e pelas
palavras de animo nos momentos difíceis. A meus irmãos Cleibe, Cledson, Cristiane e
Gleison, muito contribuíram para a realização e concretização desse sonho vivido. Minha
gratidão mais sincera ao meu irmão Cledson e sua esposa Taís, através da ajuda e apoio deles
ingressei na UFAL.
Aos meus filhos Noemi e Eliel a quem dedico este trabalho, sem eles não teria motivos
para lutar e vitórias para alcançar, amo vocês! Sou grata ao meu esposo pela compreensão,
paciência que teve ao longo destes anos. Aos irmãos e irmãs na fé pelas orações e apoio
psicológico, em especial as irmãs Mary Jane e Jane Mary pelo tempo dedicado a mim.
Sou grata a minha turma “os unidinhos” pelos anos de convivência dentro e fora da
sala de aula. Agradeço a Deus por ter me presenteado com amigos tão maravilhosos como
vocês, foram muitos os desafios durante o percurso da graduação, mas, sempre vitoriosos,
porque estávamos juntos, ajudando uns aos outros.
Aos meus professores do Curso de História pelo aprendizado, pelos conhecimentos
adquiridos durante todo o Curso. Um agradecimento especial aos queridos professores:
Doutor Ivamilson Barbalho, meu co-orientador (em se tratando de educação escolar indígena,
ele é a referência), Doutorando Flávio Moraes e Doutor José Vieira da Cruz pelas
valiosíssimas dicas de referências de livros, muito contribuíram para o entendimento do meu
objeto de pesquisa.
É sabido que ter um bom orientador faz toda diferença na produção de um trabalho de
cunho acadêmico. Um agradecimento mais que especial ao meu orientador professor
Doutorando Gustavo Gomes pela orientação deste trabalho. Sou muito grata a você!
Agradeço aos professores Doutor Ivamilson Barbalho e Doutor Gilberto Ferreira por
terem aceitado o convite para compor a Banca Examinadora do presente Trabalho de
Conclusão de Curso. A vocês meu respeito e admiração!
Minha gratidão e respeito ao povo Indígena Jeripancó, meus parentes, por aceitar-me
enquanto pesquisadora na comunidade e a todos os funcionários da escola José Carapina de
um modo geral, sempre fui muito bem recebida e acolhida pelos mesmos. Sou grata aos
professores: Cícero Pereira, Patrícia Feitosa, Vagner da Silva, Domingos Sávio, e Márcia
Correia, não tenho palavras para expressar tanta gratidão a vocês.
Em fim, agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a
concretização deste sonho vivido.
As escolas de categoria indígena diferenciada têm em seu bojo propostas de currículo pautado
na interculturalidade, ou seja, na inter-relação dos saberes escolares sistematizados
convencionais e saberes culturais e tradicionais específicos a cada etnia. Dentro deste
contexto as propostas do ensino de História em escolas indígenas também evidenciam um
ensino com base nas propostas interculturais. O desafio é de articular saberes global e local
num mesmo currículo de ensino, buscando desconstruir estereótipos, valorizando a identidade
étnica local. Para tanto, o objetivo deste trabalho consiste em compreender quais as
configurações do ensino de História praticado nas turmas de 7º e 8º ano na Educação Escolar
dos indígenas Jeripancó no sertão de Alagoas. Foi desenvolvida metodologicamente uma
pesquisa de revisão bibliográfica metódica, primeiro analisando como os historiadores de
referência abordaram cientificamente a presença indígena na História do Brasil; num segundo
momento a análise de documentação educacional a luz dos teóricos que pensam ensino de
História e Educação Escolar Indígena. Também foi desenvolvida uma pesquisa de campo de
cunho etnográfico, com procedimentos de observação participante (espectador), com intuito
de coletar dados da pesquisa, e analisar a prática de ensino nas já referidas turmas. A pesquisa
foi de caráter qualitativo. Buscou-se realizar um diagnóstico do ensino de História ofertado na
escola, de modo a contribuir junto à comunidade, possibilitando através da pesquisa, reflexões
sobre o aperfeiçoamento dos instrumentos pedagógicos, quanto ao ensino e as metodologias
aplicadas à disciplina História, na Educação Escolar Indígena do povo Jeripancó. Constatou-
se, ao final da pesquisa, que a efetivação de princípios e práticas de ensino interculturais é um
desafio a ser enfrentado pela comunidade, sobretudo, no ensino de História, visto que é um
componente curricular com o perfil ainda bastante eurocêntrico na escola da comunidade.
The schools of differentiated indigenous category have in their bulge proposals of curriculum
based on interculturality, that is, in the interrelationship of conventional systematized
scholastic knowledge and cultural and traditional knowledge specific to each ethnic group.
Within this context the proposals of the teaching of history in indigenous schools also show a
teaching based on the intercultural proposals. The challenge is to articulate global and local
knowledge in the same curriculum of education, seeking to deconstruct stereotypes, valuing
the local ethnic identity. Therefore, the purpose of this work is to understand the
configurations of the history teaching practiced in the 7th and 8th grade classes in the School
Education of the indigenous Jeripancó in the sertão of Alagoas. Methodologically, a
methodological bibliographical review research was developed, first analyzing how the
historians of reference scientifically approached the indigenous presence in the history of
Brazil; In a second moment the analysis of educational documentation in the light of theorists
who think teaching history and indigenous school education. An ethnographic field research
was also developed, with participant observation procedures (spectator), in order to collect
data from the research, and to analyze the teaching practice in the aforementioned classes.
The research was qualitative. We sought to make a diagnosis of the teaching of history
offered in the school, in order to contribute to the community, making possible through the
research, reflections on the improvement of the pedagogical instruments, as to the teaching
and methodologies applied to the history discipline, in indigenous school education Of the
Jeripancó people. It was verified at the end of the research that the implementation of
intercultural teaching principles and practices is a challenge to be faced by the community,
above all in the teaching of history, since it is a curricular component with a still very
Eurocentric profile in the school of community.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
2.1.DAS PRECES ÀS LUTAS: uma breve abordagem histórica sobre a educação escolar
indígena no Brasil. ................................................................................................................ 53
3.2.UMA NARRATIVA ÉTNICA: breve relato sobre a história do povo Jeripancó .......... 87
3.6.O COTIDIANO DAS PRÁTICAS: o Ensino de História nas turmas de 7º e 8º anos .. 114
INTRODUÇÃO
1
específico sobre a comunidade indígena onde a escola esta inserida. Circe Bittencourt
destaca que o ensino de História em escolas indígenas constitui-se um desafio, considerando a
questão das perspectivas históricas a serem trabalhadas na prática de ensino, acredita que a
memória histórica das etnias indígenas transmitidas através da oralidade seja a resposta para
superação dos desafios na pratica de ensino. Gilberto Ferreira2 defende que a memória
histórica desses grupos étnicos pode ser uma opção de recurso didático e construção de
materiais didáticos específicos, pois é na memória que se encontram as experiências
vivenciadas e os conhecimentos restritos ao grupo étnico. O RCNEI referencia a construção
de materiais específicos para o ensino de História, levando em consideração a memória
histórica das comunidades indígenas. No entanto, é preciso haver um esforço entre
comunidade indígena, profissionais da educação e Estado, para que se concretizem essas
propostas.
Outra questão a ser avaliada são os livros didáticos, que na maioria das vezes ainda
vislumbram uma história em que os indígenas são representados como meros apêndices da
História, legando-os a um passado distante, a um desaparecimento histórico. As novas
abordagens historiográficas referentes aos povos indígenas na História desde 1990 primam à
valorização e o reconhecimento histórico desses povos, como agentes ativos no processo
histórico, no entanto, essas propostas ainda carecem de maior visibilidade na confecção de
livros didáticos de História, que na maioria das vezes não reconhece em sua escrita o
protagonismo indígena, não dialogando com a Historiografia mais recente sobre esses povos.
Não poderíamos deixar de citar, a falta de formação de professores indígenas para
trabalharem com a perspectiva intercultural na prática de ensino de História. Essa falta de
capacitação profissional contribui para um trabalho docente muitas das vezes deficiente. Os
desafios que se projetam sobre o ensino de História numa perspectiva intercultural em escolas
indígenas, estão justamente em como inter-relacionar saberes escolares convencionais de base
curricular comum a todas as escolas gerenciadas pelo Estado, com os conhecimentos locais
específicos a cada etnia indígena, considerando suas memórias, histórias, culturas, crenças
etc., num mesmo currículo de ensino, sem contrapostos certos saberes em detrimentos de
outros. Parafraseando o RCNEI, o ensino de História em escolas indígenas, não deve adquirir
as mesmas características do ensino praticado em escolas convencionais, pois se referencia
perspectivas históricas na prática de ensino partindo do contexto local para o global,
1
BITTERCOURT, Circe Maria Fernandes. O ensino de história para populações indígenas. Em Aberto nº 63
(Educação Escolar Indígena). Brasília: MEC, ano XIV, 1994.
2
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A Educação dos Jeripancó: uma reflexão sobre a Escola Diferenciada dos
Povos Indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013.
13
fatores que a princípio poderiam facilitar abordagens interculturais entre Nacional e local.
Outro fator foi à questão da identidade étnica dos professores (uma não indígena e outro
indígena) atuantes nestas turmas.
O tema pesquisado é pouco estudado, pelo menos nas comunidades indígenas do alto
sertão de Alagoas, mesmo que algumas Dissertações e Teses já publicada tratem sobre a
Educação Escolar Indígena em Alagoas, há lacunas quanto a pesquisas específicas sobre o
ensino de História nas escolas indígenas no Sertão Alagoano. Por isso, a importância de
inserir o município de Pariconha no mapa das discussões intelectuais quanto a estas questões,
como referência dessa região para futuras pesquisas.
Entender o processo de teoria/prática no ensino da disciplina História nos permitirá
compreender/conhecer o papel do ensino de História para a comunidade escolar da etnia
indígena Jeripancó, sendo este incumbido de junto ao currículo escolar, ser mais uma
disciplina a contribuir com a propagação da cultura local específica, através da memória
histórica e tradições locais, e isso se torna relevante na concretização do saber almejado a ser
ensinado em sala de aula. Por isso é de grande relevância conhecer não somente o que os
teóricos, a Legislação e os Referenciais evidenciam, mas saber se de fato, está sendo postos
em prática, quais suas dificuldades, quais configurações se evidenciam, e como esse currículo
é construído na prática e concretizado em sala de aula.
A organização do trabalho escrito dividiu-se em três capítulos que evidenciam a
pesquisa bibliográfica e de campo. No primeiro capítulo, “De “Alienígenas” a
Protagonistas: representações dos indígenas na Historiografia Brasileira” iniciamos com
uma abordagem Historiográfica sobre as mudanças conceituais e representações dos indígenas
na escrita da História do Brasil, trazendo a perspectiva da Historiografia tradicional nas obras
de Adolf Varnhagen, Capistrano de Abreu e Gilberto Freyre, e a perspectiva da Nova História
Indígena, apresentada nas obras de John Monteiro, Maria Regina Celestino de Almeida e
Aldemir Barros, o objetivo deste capítulo é demonstrar que a visão sobre os indígenas na
História Nacional tem sido revisitada, modificada, reescrita. De “alienígenas”, “atrasados” e
“apêndices da história”, passaram a agentes sociais ativos, politizados, protagonistas de suas
próprias histórias. Este contexto de mudanças conceituais deve estar inserido na prática de
ensino de História para a superação de estereótipos negativos e representações errôneas na
História ensinada.
No segundo capítulo, “Ensino de História e Interculturalidade: perspectivas e
desafios no âmbito da Educação Escolar Indígena”, abordamos as propostas do ensino de
História no contexto da Educação Escolar Indígena de categoria diferenciada, através da
15
análise e discussão das Leis, Diretrizes e Bases da Educação e propostas curriculares para o
ensino de História em escolas indígenas, ficou evidenciado que esse ensino não assume as
mesmas características que possuem em escolas não indígenas, é referenciada a construção de
currículos pautados nas propostas interculturais, que pressupõe a inter-relação de
conhecimentos locais específicos e conhecimentos escolares convencionais na prática de
ensino de História, valorizando a memória, história e cultura local nos espaços escolares.
No terceiro capítulo, “O Ensino de História na Escola dos Indígenas Jeripancó”
apresentamos as análises, problematizações e resultados da pesquisa de campo, realizada na
escola dos Jeripancó. Através da análise dos materiais didáticos, dos diários de classe,
entrevistas, questionários, experiências vivenciadas e registradas na observação em sala de
aula buscamos discutir como acontece à construção do currículo escolar e do ensino de
História na escola pesquisada, como são efetivados na prática os materiais didáticos
utilizados, quais as metodologias adotadas, se há a configuração de relações interculturais na
escolha dos temas/conteúdos e na prática de ensino em sala de aula. É pertinente especificar
que este trabalho mostrou-se sensível a quaisquer características novas que emergisse na
pesquisa de campo, considerando que cada comunidade indígena possui suas especificidades
e seus próprios modos de ver e vivenciar a escola na comunidade. É importante enfatizar que
houve uma preocupação em contextualizar o objeto de estudo em questão, considerando as
diversas problemáticas apontadas como influentes no cotidiano do ensino de História na
escola, a fim de não proporcionar reducionismos, estereótipos ou julgamentos
preconceituosos sobre a realidade analisada.
Em suma, o presente trabalho traz um diagnóstico do ensino de História no contexto
da Educação Escolar Indígena de categoria diferenciada, buscamos através da bibliografia,
Legislação analisada e da investigação de campo compreender as configurações da prática
desse ensino num período de 10 anos de implementação do ensino fundamenta II, na escola
dos Jeripancó. Esperamos contribuir com a prática de ensino de História na escola pesquisada
e com as pesquisas sobre a temática indígena na área educacional, a fim de instigar mais
estudos voltados para esta área do conhecimento.
16
3
VARNHAGEM, Francisco Adolfo de, 1816-1878. História Geral do Brasil: antes da sua separação e
independência de Portugal. Volume I, 2 ed.; Rio de Janeiro: Em casa de E. e H. Laemmert, 1877. p. IX.
Disponível em: www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01819210.
4
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por José
Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.
5
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob um regime da economia
patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51ª Ed. rev. São Paulo: Global, 2006. 727.
6
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das letras. 1994. 300 p.
7
Almeida, Maria Regina Celestino. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
8
SILVA JÚNIOR, Aldemir Barros da. Aldeando Sentidos: os Xucuru- kariri e o Serviço de Proteção aos Índios
no Agreste Alagoano. Maceió: EDUFAL, 2013. ( Índios do Nordeste: temas e problemas, Volume 15).
17
na História do Brasil como protagonistas de sua própria história, agentes sociais politizados,
estrategistas etc. Denise Jodelet defende que as representações são sociais, e entende que a
noção de “representação social é uma forma de conhecimento socialmente elaborado e
compartilhado que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade
comum a um conjunto social”.9
A inspiração para a construção metodológica analítica e escrita deste capítulo surgiu a
partir das leituras de autores como: José Carlos Reis, Gustavo Gomes, Edward Said, que
entendem que os discursos produzidos historicamente possuem intencionalidades, portanto
não são neutros. Pretende-se como critério de análise problematizar como os indígenas são
apresentados na escrita da História, compreendendo assim o tempo/espaço em que as obras
foram escritas, além do contexto social e político. Seguiremos metodologicamente esse
caminho considerando que as obras analisadas nos permitem entender como esse sujeito
indígena foi e é mencionada na História. Objetivou-se com a escolha dos autores e obras
analisadas compreender o processo de mudanças conceituais que se operou (e ou ainda se
opera) na escrita da História referente ao lugar do índio na História Nacional.
No Brasil se inicia a escrita da História da Nação a partir do século XIX com a criação
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB); ainda antes de 1838, não havia uma
produção histórica, mas, apenas relatos: crônicas e diários de viajantes que narravam os
acontecimentos vistos e vivenciados, ou seja, havia apenas fontes que tempos depois com o
IHGB foram exploradas e estudadas, iniciando por meio dessas fontes a construção do
discurso histórico do Brasil.
Primeiro livro de História Geral do Brasil escrito por Adolf Varnhagen e editado em 1853
foi um marco para a nova Nação; a busca por uma identidade Nacional homogênea e a
legitimação de uma nacionalidade brasileira marcaria naquele período as páginas da História
que tinha que ser fiel aos anseios do Estado Monárquico; História que não poderia ser escrita
por qualquer pessoa nem de qualquer maneira, pois para se alcançar credibilidade teria que ter
9
JODELET, Denise: ReprésentationsSociales: um domaine em expansion. In; D. Jodelet (Ed) Les
Representations Sociales. Paris: PUF, 1989, pp 31-61. Tradução: Tarso Bonilha Mazzotte. Revisão Técnica:
Alda Judith Alves-Mazzotte. UFRJ-Faculdade de Educação, dez. 1993. p. 4-5. As representações sociais
constituem-se no Brasil um campo de estudo dentro das ciências sociais, como a psicanálise, psicologia,
antropologia entre outras.
18
uma cientificidade para assim ser aceita como verdade, e, portanto, foi com este propósito que
foi criado em 1838 o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) que teria a missão de
nortear a escrita da História do Brasil, através de um concurso para se eleger o melhor projeto
de como seria e deveria ser escrita a Historia da Nação, Von Martius um naturalista ganhou a
questão, mas não pode escrever, passando para Varnhagem a missão árdua e honrosa de
escrever a História Geral do Brasil.10
É importante trazer algumas considerações sobre o ideal Positivista, por que se
apresenta de forma explicita na escrita da História Geral do Brasil de Adolf Varnhagen como
fundamento de sua narrativa. O Positivismo era um modelo científico predominante no
século XIX, a busca pela verdade era o seu principal lema. Cittadino11 afirma que da
Antiguidade até ao final da Idade Média a História era vinculada a “lendas” e “ficções” e que
só no período do Renascimento12 começou a se desmistificar, mas ainda tinha um caráter
literário, e só no século XIX ela se distancia desse perfil e se alia a um espírito cientificista,
sendo introduzidos os métodos e teorias das ciências naturais, para assim obter a
cientificidade, as regras das ciências naturais foram introduzidas na História que passou a ter
uma visão Positivista, separando o sujeito do objeto de estudo, ou seja, aquele que conhece e
estuda o conhecimento, o historiador não poderia ter o seu olhar sobre o objeto de estudo, a
subjetividade não poderia existir, mas apenas a transcrição daquilo que o objeto de estudo lhes
transmitisse. As fontes falavam por si mesmas.
A sociedade também era estudada sob os métodos das ciências naturais, o historiador
não podia questionar os documentos, tendo a subjetividade longe do objeto de estudo. Ainda
segundo Cittadino, o ideal Positivista não trabalhava com interpretação, mas com transcrição,
o historiador teria que ser neutro, assim como a ciência era neutra, o passado real estava
contido nos documentos como se apresentava. A tese Positivista foi rejeitada pelos
historicistas que de início se opuseram a união das ciências naturais às sociais, e defenderam
que o historiador não poderia ser neutro se distanciando do objeto de estudo, tentou tornar a
História uma ciência, porém nunca conseguiu resolver a questão da subjetividade mesmo
reconhecendo sua forte influência na construção histórica.
10
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 2ª Edição; Rio de Janeiro: Editora FGV,
1999.
11
CITTADINO, Monique. Ciência e Verdade no Conhecimento Histórico. Revista SAECULUM, UFPB,
Jul/Dez, 1996.
12
Para compreender o período conhecido como renascença indicamos: DELAMEAU, Jean. A civilização do
Renascimento. Trad. Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70. 2004. E para ter outra opinião sobre o assunto:
BURKE, Peter. O Renascimento. Lisboa: Texto e Grafia. 2008.
19
13
Para maior aprofundamento do debate, ver: BARROS, José D’Assunção. Dois paradigmas em
contraposição: Positivismo e Historicismo. In: Teoria da História (volume II) Os primeiros Paradigmas:
Positivismo e Historicismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
14
Idem.
15
PETERSEN, Silva Regina. Historiografia Positivista e Positivismo Comtiano: Origem e desvirtuamento de
uma relação teórica. In; GRAEBIN, Cleusa Maria Gomes (Org.) Revisitando o positivismo. Canoas-RS; La
Salle, 1998.
16
BARROS, José D’Assunção. Positivismo. In: Teoria da História (Volume II) Os primeiros paradigmas:
Positivismo e Historicismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
20
progresso onde a Europa era o modelo padrão de sociedade, comparando o progresso europeu
com os demais povos, generalizando a História, tornando-a universal para toda a humanidade.
A busca por uma História e uma herança européia é notória na escrita de Varnhagen,
considerando o período histórico em que viveu; época em que os ideais positivistas
dominavam; a negação de um passado ancorado na matriz indígena era o foco de sua escrita.
Nas secções II, II e IV dedicado a descrição dos indígenas, os primeiros habitantes do Brasil,
Varnhagen lançou o seu olhar etnocêntrico descrevendo-os como: “selvagens”, “bárbaros”,
“bestiais”, “sociedades selvagens” em que a única crença era a obrigação da vingança,
17
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 2ª Edição; Rio de Janeiro: Editora FGV,
1999. P. 24, 48.
18
VARNHAGEM, Francisco Adolfo de, 1816-1878. História Geral do Brasil: antes da sua separação e
independência de Portugal. Volume I, 2 ed.; Rio de Janeiro: Em casa de E. e H. Laemmert, 1877. p. IX.
Disponível em: www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01819210. Optamos por bom senso ser fiel a escrita do texto
original, não alterando às atuais regras de português, para não incorrer no erro de tirar a autenticidade da fonte
histórica em uso.
21
19
VARNHAGEM, Francisco Adolfo de, 1816-1878. História Geral do Brasil: antes da sua separação e
independência de Portugal. Volume I, 2 ed.; Rio de Janeiro: Em casa de E. e H. Laemmert, 1877. p. 22.
Disponível em: www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01819210.
20
Ibidem., p. 23.
21
Ibidem, p. 45.
22
etnografia, ou seja, a descrição de como eram segundo o olhar dos viajantes e naturalistas
europeus.
A forma como os indígenas foram apresentados na História escrita no século XIX, tem
ligação com o pensamento e acontecimentos da época. No Brasil o século XIX foi
caracterizado por transformações sociais, políticas e econômicas importantes, como a
Independência que culminou numa Monarquia Constitucional, também pela formação do
Estado Imperial e o forjar de uma nacionalidade, ou seja, de uma identidade brasileira e da
construção da Nação.22
Odália23 ao analisar e buscar compreender o pensamento de Varnhagen destaca que
este esteve ligado aos ideais de um Estado Tutelar, regido por uma Monarquia que em seus
contornos buscavam se perpetuar nos novos rearranjos políticos, forjando assim uma Nação,
um sentimento de nacionalidade e um novo homem que através da miscigenação e do
elemento maior que seria o europeu tornou-se povo que iria compor a nova Nação. Na visão
deste autor, a Nação já nascia velha, pois surgiu dos escombros de uma sociedade resultante
de um sistema Colonial que vigorou por longos três séculos, que legou seus problemas, entre
eles, a falta de unidade territorial tanto ao Império como também a República. E questiona a
ideia de “sentimento nacional implícito” formado no dia-a-dia da vida colonial defendido por
Varnhagen, pois para Odália existiu mais um apego pela propriedade da terra, do que mesmo,
a partilha comunal de valores comum que resultou na formação do povo unido num mesmo
território que formou a Nação; defende que não foi o povo que formou a Nação, e sim o
Estado que a forjou na condição de agente tutelar. Doriguello Júnior24 revela o IHGB como
um espaço social da elite imperial em que a maioria de seus associados possuía cargos
públicos ou eram políticos, evidenciando a estreita ligação do Instituto com o Estado Imperial.
Neste sentido, a construção do discurso histórico produzido pelo IHGB esteve a serviço dos
anseios do Estado Imperial que através da História buscou legitimar a idéia de Nação.
O ideal de Nação para o Estado Tutelar era de uma Nação branca e européia, o
elemento negro e o elemento indígena considerado vencido no processo de miscigenação pelo
elemento europeu superior, teriam que aos poucos serem absorvidos pela nova Nação dos
22
Para um maior entendimento sobre os acontecimentos políticos e econômicos do século XIX, ver: O Brasil
Imperial, volume II: 1831-1870. Organização Keila Grinberg e Ricardo Salles.- 2ª Ed. –Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011.
23
ODÁLIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e
Oliveira Viana. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.
24
DORIGUELLO JÚNIOR, Cesar Augusto. Os indígenas nas páginas da Revista Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (1838-1873). 131 f. 2008. Dissertação (Mestrado em História)- Universidade Estadual
Paulista, Assis, 2008.
23
homens brancos. A História a ser escrita teria que buscar nos seus primórdios um passado
glorioso, e neste passado não caberia os indígenas como precursores da Nação e nem como
elemento de maior valor na miscigenação das três etnias. Reis salienta que Varnhagen em sua
obra a História Geral do Brasil, fez um elogio da colonização portuguesa com uma História
dos grandes homens, dos grandes eventos, foi contrario a revolução e a mudança, pois
prejudicava a continuação da herança portuguesa, visto que o Brasil não poderia se assentar
sobre um passado brutal e selvagem, sendo a História do Brasil uma continuação do passado
Colonial, e ligada a uma História universal, européia, sendo os descobridores portugueses, os
heróis. Essas ideias nortearam a escrita da História do Brasil no século XIX e que se
prolongou até início do século XX.
25
BARROS, José D’Assunção. Duas fases de Capistrano de Abreu: notas em torno de uma PRODUÇÃO
HISTORIOGRÁFICA. In; História, Historiadores e Historiografia. Projeto História nº 41. Dezembro de 2010.
<Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/download/6549/4748. >
26
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 2º edição; Rio de janeiro: Editora FGV,
1999. p 90-95.
24
por bibliografias alemãs, e fora influenciado por elas, porém nunca defendeu uma explicação
histórica unilateral; Cita Canabrava que considera sua posição teórica confusa, por dar inicio a
estudos de temas relevantes das ciências sociais, porém sem dominar determinados conceitos
das ciências sociais, e não possuir uma unidade teórica. Ambos concordam que numa fase
inicial Capistrano fora influenciado pelo Positivismo, depois sendo influenciado pelo
Historicismo alemão. Reis afirma que Capistrano “optou por teoria também européia que
valoriza a singularidade, a historicidade de cada povo, e formulou uma nova interpretação do
Brasil que enfatizará o tempo histórico especificamente brasileiro”27.
Reis28 salienta que Capistrano redescobre o Brasil e faz um elogiou da rebelião
brasileira, ele fez uma história do mundo social cultural caminhando por todas as vias,
também administrativa política. Sua preocupação não é só narrar os fatos, mas usou a
Hermenêutica, e foi o que mais contribuiu com a ruptura da visão de continuidade do passado
português, o Brasil tinha que mudar. Destaca que a diferença entre Varnhagen e Capistrano é
que para Capistrano o importante era estudar o povo, e Varnhagem a exaltação da Coroa
Portuguesa. Para Reis, Capistrano coloca o índio como participante da construção do Brasil,
ele escrevia para o brasileiro, sobre os brasileiros. Capistrano começou seu estudo numa
escola pobre do Brasil, Varnhagen num colégio estrangeiro. Capistrano conviveu com o povo,
enquanto Varnhagen com a elite e com a Família Real. Capistrano lança sua biografia quando
a Monarquia já estava em decadência. Reis salienta que diferente de Varnhagen, Capistrano
não via Leis Gerais para a História humana.
Na análise de Reis29, devido à bipolarização de sua história de vida, sendo senhor de
escravo, porém, pobre, Capistrano não queria um futuro pontual. Ele passou pelas duas
correntes: a Positivista e a Historicista e o que estivesse a seu olhar ele escrevia, Reis coloca
que Capistrano sai dessa lógica de História universal de uma ligação de histórias sem fim,
preestabelecidas, as fontes para ele nesse sentido não revelava o que queriam dizer, as fontes
não dizem que estamos encaixados numa História universal, mas que tinha outra História e
devia ser buscada a partir da Hermenêutica das fontes. Capistrano olhava o interior do Brasil,
tudo que se afasta do litoral; o brasileiro para ele era o sertanejo. E a História do Brasil surgiu
de si próprio, o próprio povo é a História, e não há continuidade com a História de Portugal.
Ele via o Brasil de dentro pra fora.
27
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 2º edição; Rio de janeiro: Editora FGV,
1999. P. 94.
28
Idem.
29
Idem.
25
A forma como Capistrano organizou sua escrita e os capítulos 30 tornam visível que
escreveu a História a partir dos nativos que já habitavam estas terras, essa forma de escrita
rompeu de certa maneira com a escrita de Varnhagen que visava o início da História do Brasil
a partir da chegada dos portugueses. Capistrano buscou investigar os fatos históricos e
interpretá-los, nesse ponto torna-se visível o caráter revolucionário de Capistrano de Abreu. O
primeiro capítulo intitulado “antecedentes indígenas”, Capistrano faz uma síntese sobre as
formas de vida dos indígenas antes da chegada dos europeus, destacando que a evolução
social dos grupos nativos não aconteceu de fato devido a fauna e flora brasileira, salientando
que:
Entre estes animais nenhum pareceu próprio ao indígena colaborar na
evolução social, dando leite, fornecendo vestimenta ou auxiliando no
transporte; apenas domesticou um ou outro, os minbabas da língua geral -
em maioria aves, principalmente papagaios, só para recreio. De caça e
principalmente de pesca era composta sua alimentação animal. Possuía
agricultura incipiente, de mandioca, de milho, de varias frutas. Como eram-
lhe desconhecidos os metais, o fogo, produzido pelo atrito, fazia quase todos
os ofícios de ferro. A plantação e colheita, a cozinha, a louça, as bebidas
fermentadas competiam às mulheres; encarregavam-se os homens das
derrubadas, das pescarias, das caçadas e da guerra. 31
As ideias de Charles Darwin sobre a evolução das espécies ainda eram predominantes
no período que Capistrano escreveu suas sínteses de História do Brasil, nesse ponto ele
descreve os modos de vida dos nativos, suas formas de organização social e de divisão do
trabalho. Nas formas de estruturas sociais dos indígenas, Capistrano destaca que viviam em
pequenos grupos comunais, devido à escassez de alimentos próprios e de suas dietas, viviam
como nômades. As guerras, os rituais antropofágicos, as rixas por coisas pequenas aos nossos
olhos causavam “grandes migrações”. Outro fator importante destacado por Capistrano era as
formas de poder em que o chefe não possuía força superior ao chefe espiritual (nas
comunidades indígenas da atualidade conhecidos como xamãs, pajés etc.) que cabia apaziguar
a ira dos seres espirituais em que acreditavam. Outro fator destacado é a questão dos
indígenas segundo Capistrano terem “[...] os sentidos mais apurados e intensidade de
observação da natureza inconcebível ao homem civilizado”32. Destaca os talentos artísticos
30
Cabe salientar que esta análise busca inteirar-se como era apresentado o indígena na escrita da história do
Brasil, por tanto, não cabe neste capítulo a descrição densa de todos os assuntos que contém nos capítulos da
obra analisada, mas interessa-nos as partes em que o autor trata sobre os indígenas, como também sua forma de
descrevê-los e interpretação.
31
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por
José Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p.
51-52.
32
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por José
Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p. 52.
26
revelados nas pinturas cerâmicas, adornos, musicas, nos trançados, só lamentando não saber
tanto sobre as lendas desses povos, queixando-se dos jesuítas que com métodos catequistas
tratou de extingui-las ou mesmo de transformá-las a serviço de seus interesses entre outros
religiosos.
Diante disso, expõe seu pensamento sobre os indígenas, considerando que o clima e a
vegetação contribuíram para a “indolência” dos indígenas, mas que esse fato não era mais
importante, acreditando que já era algo provado e nesse ponto ele concorda com Varnhagen,
porém destaca outro fator mais preponderante que “o principal efeito dos fatores
antropogeográficos foi dispensar a cooperação”33 que refletiu segundo o autor como uma
herança aos seus sucessores. Na fala de Capistrano há um reconhecimento das estruturas
organizacionais e sistemas sociais indígenas, no entanto, não se distancia de Varnhagen em
sua análise, quando se utiliza do determinismo geográfico e do evolucionismo para justificar
tanto a “indolência” como a “ausência de cooperação” entre as etnias que consequentemente
resultou na falta de unidade desses povos, quesito primordial para a formação de uma Nação.
Neste ponto apenas acrescenta em sua escrita mais um resultado dos efeitos
antropogeográficos sobre os indígenas.
Neste sentido, Capistrano rompe com Varnhagen quando coloca que os indígenas não
eram os exóticos, na sua visão os exóticos eram os europeus e depois os negros. Seu olhar
interpretativo sobre a história do Brasil não partiu de fora (do olhar europeu) para dentro
(olhar dos nativos), mas de dentro para fora. É interessante perceber que se para Varnhagen os
indígenas eram os alienígenas, estranhos, em Capistrano era os portugueses e os negros: “ao
português estranho ao continente cumpre juntar o negro igualmente alienígena”34. Neste ponto
há um distanciamento do pensamento de Varnhagen.
Nota-se que Capistrano considerava a matriz indígena como base dos estudos para a
escrita da História do Brasil a que se pretendeu escrever; diferente de Varnhagen que prezava
o português, elemento europeu como fator preponderante da formação da sociedade brasileira.
Porém, ao tratar sobre a mestiçagem reforçou a historiografia de Varnhagen quando coloca
que “Da parte das índias a mestiçagem se explica ambição de terem filhos da raça superior,
pois segundo as ideias entre elas ocorrentes só valia o parentesco pelo lado paterno”35.
Capistrano ainda salienta sobre a facilidade dos portugueses de se relacionar com as
índias pela pouca resistência que faziam e pelos espelhos, anzóis e vários objetos usados
33
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por
José Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. P. 54.
34
Ibidem, p.59.
35
Ibidem, p. 70.
27
como presentes de troca. O autor explica que já da parte dos portugueses a miscigenação é
explicada pela ausência de mulheres brancas, “de seu sangue” deixando claro que a
miscigenação sob esse ponto de vista era constante em migrações marítimas; mais uma vez o
autor reproduz a historia de Varnhagem do “português superior”.
Capistrano também fez menção em sua obra sobre as alianças de europeus com os
naturais, sendo que os portugueses se aliaram aos tupiniquins e os espanhóis aos tupinambás,
grupos estes que eram rivais. Sobre as Capitanias hereditárias e as Capitanias da Coroa, no
tocante a questão indígena aqui analisada, ressalta as divergências dos donatários e os naturais
da terra assim como o estabelecimento das missões jesuíticas que segundo o autor com a
mesma rapidez que se instalaram e desenvolveram logo decaiu. Para Capistrano o
desaparecimento dos naturais era por causa do contato com os “povos civilizados”, com as
“guerras justas” e a procura de minas auríferas em que muitos índios foram escravizados,
outros postos em missões jesuíticas e outros que fugiram para os sertões, retratando em tom
de denúncia a mortandade dos indígenas nesse período de exploração. Faz citação de Pero
Magalhães e destaca em sua escrita a importância dos indígenas no período Colonial, pois os
mesmos auxiliavam os primeiros colonos nas suas necessidades, mesmo com tantas guerras,
eram os naturais da terra que proviam aos colonos o alimento e as plantações (caça, pesca,
colheita e etc). Ainda neste ponto deixa clara a sua exaltação aos jesuítas, relatando a vida em
aldeamentos e a forma “branda” e organizada com que os jesuítas ensinavam os indígenas e
administravam as missões, ao contrário de Varnhagen que os via sem consideração.
Para Capistrano os indígenas foram essenciais durante o período de guerra entre
holandeses e portugueses, cita o nome de um dos chefes indígenas por nome petiguar como
um herói, e remete a gloria da reconquista de Pernambuco não somente aos portugueses, mas
aos índios, mazombos, mamelucos, mulatos etc. considerando que o sucesso da reconquista se
deveu a forma de aliança com os naturais da terra36.
O termo “bárbaro” é questionado pelo autor que ressalta que os povos formadores dos
portugueses eram tão bárbaros quanto os indígenas, porém não nega ser os indígenas bárbaros
por praticar a antropofagia, apenas justifica e traz a memória que um dos povos a que se
constituiu Portugal também praticava o ritual com barbárie37, e neste ponto se nota a ideia de
infância da humanidade pregada por Varnhagen.
36
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por
José Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p.
124, 139, 140.
37
Ibidem, p. 206.
28
38
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por
José Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p.
146. Uma observação a ser feita: quanto a esta interpretação de Capistrano referente aos bandeirantes como
despovoadores dos sertões, é que alguns autores da nova história indígena dialogam com esta tese. Um deles é
John Monteiro referenciado no presente trabalho de conclusão de curso.
29
No início dos anos 1930, a obra “Casa grande e Senzala”39 do autor Gilberto Freyre,
(reeditado mais de 50 vezes), expõem os indígenas com estereótipos como “indolentes”,
“inaptos para o trabalho”. Freyre busca explicar o processo de miscigenação no Brasil, e
dentre as “três raças”, consideradas participantes na formação do brasileiro, a indígena era
considerada a de menos valor: “Longe de ser o livre animal imaginado pelos românticos, o
selvagem da América, aqui surpreendido em plena nudez e nomadismo [...]”40. Sempre com
expressões como “povos primitivos da América”, “atrasados”, “introvertidos”, dando o
sentido de inaptos para o trabalho:
Ao falar dos indígenas, Freyre considera que houve uma pequena contribuição
indígena para a formação da família brasileira, mas os indígenas ainda são estereotipados na
sua escrita da História. A figura do português era a mais ilustre, pois comandou a
miscigenação, sendo superior. “Sob a pressão moral e técnica da cultura adiantada,
esparrama-se a do povo atrasado”42. Freyre ao pronunciar “cultura adiantada” estava se
referindo a cultura européia, a do português; e a cultura atrasada, referente aos indígenas.
Mesmo a obra “casa grande e senzala” sendo muito criticada, vale destacar que é importante
citá-la neste trabalho, apenas para a análise de que no início do século XX, os estereótipos
indígenas permaneceram na Historiografia Brasileira, tendo em vista que os métodos
históricos passavam por mudanças, com a inserção da perspectiva cultural a partir das teorias
do Difusionismo Cultural de Frans Boas. Essa teoria defende que “[...] se há uma constatada
similitude ou paralelismo de ritos e desenvolvimentos de povos em diferentes lugares do
Globo, ela deve ser explicada necessariamente pela migração e pela difusão dos povos”43.
“Casa Grande e Senzala” retrata justamente a contribuição hierarquizada e adjetivada
de cada “raça” na formação da família patriarcal brasileira: a branca, representada pelo
português “forte e viril”, “racional”, “conquistador” “dominador”, “vencedor”; o negro,
39
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob um regime da economia
patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51ª Ed. rev. São Paulo: Global, 2006. 727.
40
Ibidem, p. 172.
41
Ibidem, p. 230.
42
Ibidem, p. 177.
43
FERREIRA, Ricardo Alexandre. Antropologia Cultural: um itinerário para futuros professores de
História. Guarapuava: Ed. Unicentro, 2009. P. 77. <Disponível em:
repositório.unicentro.br/bitstream/123456789/386/1/Antropologia%20cultural.pdf > Acesso em: 03 fev. 2017.
30
44
Para um maior entendimento do assunto, MARIANO, Nayara Rodrigues Cordeiro. Representação sobre os
índios nos livros didáticos de história do Brasil. Dissertação (Mestrado)- UFPB/CE. João pessoa, 2006.
31
nos dias atuais ela é pouco mencionada nos livros didáticos. O fato de a obra está sendo
referenciada neste trabalho coincide com a sua visão indianista da História, também por
revolucionar de certa forma o modo de se processar o fazer histórico. “Casa Grande e
Senzala” é mencionada neste trabalho acadêmico, pelo motivo de ser até os dias atuais
referenciada em livros didáticos escolares quando o tema é formação da sociedade brasileira,
miscigenação, formação da economia açucareira etc., fazendo parte do cotidiano de leituras
no ensino de História.
Em suma, essa velha forma de olhar sobre os povos indígenas tem sido revisitada na
contemporaneidade por intelectuais da área da Antropologia, História, Sociologia e demais
áreas do conhecimento que através da chamada Nova História Indígena nascente na década de
90 do século XX, tem buscado através de novas análises históricas o reconhecimento do
protagonismo dos indígenas, assim como, o revisitar da tradicional Historiografia a fim de
desconstruir preconceitos e estereótipos, promovendo a valorização das identidades e culturas
indígenas, visibilidade histórica e legitimação das lutas políticas.
45
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e civilização nos trópicos: O instituto histórico e Geográfico
Brasileiro e o projeto de uma História Nacional. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.1. n. 1, p 5-27,
32
47
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e civilização nos trópicos: O instituto histórico e
GeográficoBrasileiroe o projeto de uma História Nacional. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.1. n. 1,
p 5-27, jan.1988. ISSN 2178-1494. <Disponível em <http:
//bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1935/1074> acesso em 26 jan. 2017. p. 8.
33
O mesmo autor destaca que diante deste cenário que configurou a forma de se escrever
a História no século XIX, houve uma leve mudança na prática historiográfica a partir de 1870,
“tal configuração, inserida em um processo de reescrita da história, tem como aspecto
marcante a seleção do povo ao mesmo tempo como objeto e instância legitimadora da
enunciação historiográfica”50. Essa introdução da noção de “povo” na escrita da História
substituiu a noção tríade da sociedade em que se estabelecia em ordens sociais, buscava-se
uma homogeneização da sociedade através de um passado comum, sendo que o foco da
escrita não se configuraria mais na instituição Imperial e no Imperador, mas, no povo; em que
o historiador antes Monárquico Constitucional passou a historiador cidadão, e não mais se
fazia necessário está estritamente ligado a instituições para escrever História. É neste período
que se inicia uma escrita da História fora dos contornos do IHGB. Essa é a “leve mudança”
que Turin defende, porém, sem negar que mesmo com essa guinada temática, “a verdade
proferida pelo historiador, cuja materialização é a narrativa Nacional, continuava a ser
48
TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocentista. In; História da
historiografia. Ouro preto/ Edufop, 2009, numero 2, março 2009, 286 pp.
49
Ibidem, p. 19
50
Ibidem, p. 20.
34
51
TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocentista. In; História da
historiografia. Ouro preto/ Edufop, 2009, numero 2, março 2009, p. 26.
52
HUGO, Hruby. O templo das sagradas escrituras: o instituto histórico e Geográfico Brasileiro e a escrita da
História do Brasil (1888-1912). In: História da Historiografia. Ouro preto/Edufop, 2009, número 2, março
2009, p. 50-66.
53
Um exemplo aberto desse fato foi o pedido do centro industrial do Brasil ao Historiador Capistrano de Abreu
para que escrevesse um esboço histórico sobre as grandezas do Brasil com intuito de fazer propaganda do País
no exterior.
54
DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 1980: experiências e horizontes. 2. Ed., ver.
eampli.-Passo Fundo: UFP, 2004. p 18-70.
35
impossibilitando de se chegar a real origem do processo histórico, o que Diehl chama de o “eu
coletivo da questão”. “Dessa perspectiva quer-se enfatizar que a teorização da realidade
social é um resultado inconsequente na medida em que denota uma exterioridade do sujeito
em relação ao objeto analisado”55.
A partir de 1980 o fazer historiográfico influenciado pela Historiografia francesa
ampliou o olhar para os aspectos sociais, buscando mostrar a Historia como ciência do social,
com temas associados aos grupos considerados minoritários, aqueles esquecidos ou
“vencidos”, negados pela História tradicional. A História passa a se aproximar da
Antropologia e de seus métodos, e isso proporcionou um repensar contínuo sobre o que já
havia sido escrito. Operava-se a abertura da Historia para a interdisciplinaridade, a
consequência disto é a ampliação e diversidade de temas, e novamente as mudanças também
ocorreram nas teorias e metodologias utilizadas nos estudos da realidade Brasileira.
Para Diehl vivemos um tempo de experiências, práticas multiculturais e de interesses
pluriorientados, no que se refere a temas historiográficos, visto que os modelos explicativos
se desgastaram e não dão mais conta da realidade diversa. A partir de 1980 acontece um
“revigoramento cultural”, e tem haver com a inserção da Hermenêutica na compreensão do
passado, a interpretação de textos históricos tem consequências na escrita, pois causa
rompimento com a ideia de “exclusivismo científico”, ou seja, a verdade absoluta na História,
isso trouxe uma problemática de cunho teórico e metodológico no fazer historiográfico, sendo
que acontece neste sentido conflitos entre noções de tempo e espaço; este espaço é
antropológico estando presente na “experiência reconstruída” coloca em detrimento a noção
de tempo, sendo que a função do espaço antropológico é imobilizar o tempo.
O espaço antropológico no debate historiográfico tem garantido a noção de
experiência, para o autor é como se acontecesse uma sobreposição da “experiência
antropológica” sobre a “estrutura” e do “lócus da cultura” sobre a “explicação”, está baseada
em experiências externas a realidade empírica do objeto de estudo. Para Diehl fica claro que a
“densa descrição da experiência” pode enfatizar formulações discursivas sem a necessidade
da dinâmica do tempo, esse fenômeno é conhecido atualmente como a “ciência do texto”.
Diehl salienta que o momento atual é caracterizado pelo tempo de experiências, que
nos conduz a problematizações do presente no passado, ou seja, compreendermos o presente
através do olhar voltado para o passado, para assim, reconstituirmos ideias de futuro através
55
DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 1980: experiências e horizontes. 2. Ed., ver.
eampli.-Passo Fundo: UFP, 2004, p23.
36
56
DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 1980: experiências e horizontes. 2. Ed., ver.
eampli.-Passo Fundo: UFP, 2004. P 39.
57
Ibidem, p. 63.
37
produção em história”58. Nasceram neste período as “ilhas historiográficas” como define José
de Assunção Barros.
Três tendências são evidenciadas a partir da departamentalização dos estudos
históricos: Primeiro a dissociação entre ciência e vida pública, a Historiografia deixa de servir
ao Estado, aos anseios econômicos e a determinados sujeitos sociais, especializando-se em
temáticas diversas; segundo, departamento como um autor que constrói redes de estudos com
a criação de arquivos, bibliotecas etc., sobre um mesmo objeto de estudo já definido; e a
terceira é a aproximação com a Historiografia francesa, a História Cultural com a História
francesa59.
Conforme Diehl “Essa tendência está se apresentando como uma historiografia
especializada em objetos fragmentados (negros, mulheres, sem-terra, homossexuais,
feiticeiras, imaginário, cotidiano etc.), com os quais ela se identifica, atuando como ator na
sua representação”60. Neste sentido a criação de departamentos de estudos históricos,
possibilitou a inserção dos indígenas como “objetos” de estudos. A Nova História Indígena
nasce com a departamentalização e especializações dos estudos históricos dentro das
Universidades, através da ampliação de temas relacionados à influência da Historia francesa e
aproximação da História com a Antropologia.
A escrita da História veio mudando quando de seu auge no século XIX à forma de
escrever de hoje. A escrita pautada, a princípio, no feito dos grandes personagens políticos e
de caráter civilizatório, em que os métodos de pesquisa se baseavam somente no documento
escrito oficial não mais vigora no fazer histórico atual, em que consistem novos olhares sobre
a História, ampliação de temas de pesquisa, do próprio conceito de História e das fontes de
pesquisa, bem como, novos métodos e formas diversas de análise de fontes. Assim como a
História, a Historiografia também fora influenciada no sentido de um novo olhar sobre o que
já se havia produzido, ou seja, um revisitar historiográfico por parte dos historiadores. Porém,
o que nos interessa, nesse momento, é enfatizar que com esses novos olhares sobre a História,
personagens como os povos indígenas, e demais sujeitos considerados minorias, foram
adentrando as fronteiras antes inquebráveis da História, considerando também suas lutas
persistentes por reconhecimento na História.
58
DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 1980: experiências e horizontes. 2. Ed., ver.
eampli.-Passo Fundo: UFP, 2004.p. 64.
59
Ibidem, p. 64.
60
Ibidem, p. 65.
38
63
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 20. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
2006.
40
coletânea “História dos índios no Brasil”64 um marco sobre estudos em temática indígena, um
revisitar sobre a História que os legava ao esquecimento.
Além da USP, outras Universidades através de grupos de pesquisas e núcleos de
estudos também se empenharam quanto a produções envolvendo a temática indígena, a
exemplo a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), que através do núcleo de Ciências
Sociais, criaram estudos sobre a temática indígena em questão, sendo lançada em 1999 a
primeira coleção sobre a temática, fruto do grupo de estudos “índios de Alagoas”. Desde
então somasse mais de 15 volumes lançados pela editora da UFAL (EDUFAL).65
John Monteiro66 salienta que a história indígena no Brasil é um desafio. A chamada
“Nova História Indígena” como assim intitulou, “brotou” da relação entre a Antropologia e o
indigenismo, que cresceu devido uma conjuntura envolvendo três elementos primordiais:
primeiro o crescimento das populações indígenas e a real situação desses povos que
contrariando as teses que os condenava ao desaparecimento com o avanço da “civilização do
progresso” e pelas políticas de assimilação e aculturação, não desapareceram do cenário
Nacional, mas cresceram em número, tornando destoantes as teorias e teses pessimistas
quanto ao futuro destes povos. O segundo elemento elencado por Monteiro mostra que
mesmo diante de um cenário desanimador, várias etnias indígenas se uniram formando
movimentos indígenas com propósitos de lutar por direitos antes negados e por
reconhecimento histórico, neste sentido, cresceu o numero de organizações e movimentos
politizados indígenas e indigenistas em prol da causa indígena no Brasil.
O aumento dessas organizações tanto Indígenas como indigenistas67 surtiram efeito e
culminou nos direitos adquiridos na Constituição Federal de 1988. O terceiro elemento
envolve as Academias e Universidades do País, que diante do contexto histórico em que vivia
o Brasil passou a ter o seu olhar voltado para a História dos excluídos; o diálogo entre as duas
áreas do conhecimento: Antropologia e História possibilitaram produções acadêmicas
voltadas para a História dos povos colonizados.
64
Esta coletânea organizada pela Manuela Carneiro reuniu 30 autores com 24 artigos sobre a temática indígena
que abrange não somente os indígenas na região amazônica, mas trazem artigos sobre os índios do nordeste
brasileiro, que primeiro sofreu a violência da colonização, além das demais regiões do país. Em suma, uma obra
referenciada para os que se interessarem em discutir a temática indígena no campo da história.
65
ALMEIDA, Luiz Sávio de; [et.al] (organizadores). Índios de Alagoas: história e sociedade. Maceió:
EDUFAL, 2014. P. 216.
66
MONTEIRO, John Manoel. “O desafio da história indígena no Brasil”. In; A temática indígena na escola:
subsídios para professores de 1º e 2º graus/ SILVA, GRUPIONE (org). 4 ed. São Paulo Global: Brasília, 2004.
67
As organizações indígenas são aquelas formadas e geridas pelas próprias etnias indígenas, exemplo: a
Articulação dos povos e organizações indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), entre
outras. As organizações indigenistas são de duas categorias: governamentais, como a FUNAI, SESAI etc., ou
seja, criadas e geridas pelo Governo Federal; e as não governamentais, exemplo: o Conselho Indigenista
Missionário (CIMI).
41
Nos dias atuais os historiadores tem se debruçado nas pesquisas e estudos sobre a
temática indígena, a própria Historiografia está sendo revisitada, e a história desses povos
antes apêndices de uma História oficial tem sido reescrita por vários estudiosos inclusive
historiadores adeptos dessa nova forma de se contar a História. Para o historiador e professor
Edson Silva é preciso discutir os índios na História:
68
Martins, Maria Cristina Bohn. As sociedades indígenas, a história e a escola. In; Antíteses, vol 2, n 3, jan-
jun. de 2009. p. 153-167. <Disponível em http//www.uel.br/revistas/UEL/índex.php/antíteses. Acesso em 20 de
jan. 2017.>
69
Idem., p. 154.
70
SILVA, Edson. História e História dos povos indígenas ou os povos indígenas na História?!.p. 1
42
Na visão do autor a História indígena não pode ser produzida isoladamente, pois os
indígenas mesmos negados na História oficial fizeram e fazem parte do processo histórico
enquanto História da humanidade. Neste sentido entendemos que a chamada “Nova História
Indígena” é um campo de estudos que tem por finalidade desconstruir estereótipos e (pré)
conceitos que negavam aos povos indígenas o protagonismo na História, sendo que não se
processa o fazer histórico desta nova visão distante da História oficial elitista, pelo contrário,
a História do Brasil está sendo revisitada, questionada e reescrita a partir de novas
abordagens.
São as novas abordagens no contexto da Nova História Indígena, ou seja, desse novo
olhar sobre os indígenas na História, que vem evidenciando o Protagonismo desses povos no
processo histórico do Brasil. Tem-se a partir das lutas dos movimentos sociais, inclusive dos
movimentos indígenas e indigenistas, da redemocratização do País com a Constituição de
1988 e da departamentalização dos estudos históricos nas Universidades, uma abertura para os
estudos relacionados aos povos indígenas no Brasil. Cabe salientar que esses estudos ainda
são recentes e que muito ainda precisa ser feito para que esse novo olhar sobre os indígenas na
História cheguem à prática na escola, ao ensino de História e a sala de aula.
71
SILVA, Edson. História e História dos povos indígenas ou os povos indígenas na História?!. p. 2.
43
origens de São Paulo do historiador John Manuel Monteiro; Os índios na História do Brasil da
historiadora Maria Regina Celestino de Almeida; e a obra do historiador Aldemir Barros,
Aldeando Sentidos: Os Xucuru-kariri e o Serviço de Proteção aos Índios no Agreste
Alagoano.
A primeira obra: “Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo”72
do historiador John Manoel Monteiro, publicada em 1994, apresenta a História Social e
Econômica da formação de São Paulo, fazendo um estudo minucioso da São Paulo Colonial.
O estudo abrange os séculos XVI, XVII e XVIII, de forma inovadora contraria a História
oficial sobre as origens de São Paulo e sobre a ação das bandeiras, dando ênfase aqueles antes
negados na História oficial: os negros da terra, ou seja, os índios. Sua análise pauta-se na
escravização e exploração dos índios, elencando as relações conturbadas entre índios,
missionários, sertanistas e Coroa Portuguesa, destacando que o trabalho indígena não só
condizia com questões comerciais, como também alimentava as necessidades de mão de obra
local. O livro dialoga com três aspectos primordiais: O lugar do índio na História Social da
Colônia, o mito do bandeirante tão exaltado na Historiografia Nacional e a importância das
economias locais para a formação do País.
Em tom de denúncia o autor enfatiza que a escravização do “negro da terra”, como
eram chamados os indígenas em São Paulo no período Colonial, era o principal meio para o
desenvolvimento econômico de São Paulo Colonial. As relações lusas indígenas no inicio do
século XVI desintegrou as sociedades indígenas, a lógica das guerras movidas por vinganças,
do cativeiro e dos rituais antropofágicos foram sendo alterados devido à sede dos portugueses
por mão de obra indígena.
As táticas dos paulistas em conseguir formar uma força de trabalho indígena foi além
dos interesses de mercado, o autor destaca que o principal objetivo dos bandeirantes não eram
povoar os sertões e sim capturar os negros da terra considerando que o projeto de aldeamento
jesuítico não mais dava conta da constante necessidade de mão de obra, além das desavenças
existentes entre interesses dos colonos e interesses dos jesuítas pelos indígenas. Neste
contexto os jesuítas eram intermediários entre índios e colonos, estes últimos buscavam a
administração particular dos índios, ou seja, os índios capturados nos sertões não
necessariamente deviam ser entregues aos jesuítas, mas, passariam diretamente as
propriedades daqueles que o capturaram.
72
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das letras. 1994. 300 p. Passim.
44
73
Almeida, Maria Regina Celestino. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 201, p. 21
74
Ibidem., p. 22.
75
. Ibidem, p. 24.
46
Outro ponto elencado pela autora é que “a conquista do território só se explica pelas
alianças que os portugueses puderam estabelecer com os índios”77; tinham nos índios: os
aliados, a mão de obra escrava, a gente para povoar o território. Alianças essas que eram
fluidas, considerando o antagonismo nas relações, em que a dinâmica das guerras européias
misturou-se às dinâmicas das guerras indígenas em que grupos indígenas rivais buscavam se
aliar aos europeus, mas em qualquer desavença, mudavam de posição, caso vissem
desvantagem nos acordos, ou seja, desfaziam alianças com a maior facilidade. Para a autora
agiam conforme seus próprios interesses.
Quanto à questão dos aldeamentos no período de colonização, Almeida salienta que as
aldeias coloniais não foram somente espaços de violência, barbárie e extermínio cultural, que
serviu apenas para o domínio do território. As aldeias também foram espaços de luta e
sobrevivência, os índios inseridos nas aldeias não eram tão passiveis assim, muitos viam no
aldeamento um mal menor, outros enxergavam a oportunidade de possuir terra e proteção, ou
era o aldeamento ou o extermínio e a escravidão. Os índios assumiram uma nova identidade, a
de aldeados, e souberam se apropriar da legislação indigenista, dos códigos culturais e
políticos para negociar e lutar por direitos nesta condição, buscando títulos, pois sabiam da
importância disso no mundo Colonial o qual foram inseridos. Os aldeamentos foram espaços
de reconstruções de identidades, a palavra índio dada pelos colonizadores englobando num só
76
Almeida, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p.
40.
77
Ibidem, p. 48.
47
conceito a diversidade étnica existente, foi apropriada pelos indígenas para se conseguir
vantagens e benefícios. Nova identidade: todos são índios, na condição de aldeados. Tem-se a
divisão entre índios aldeados e índios “hostis”, os que resistiam ao aldeamento.
Para Almeida, as políticas pombalinas que consistiam em acabar com as diferenças
entre índios e não índios tornando-os súditos agricultores eram aplicadas em interação com
políticas indígenas, ou seja, os próprios índios se apropriaram das Leis e agiam politicamente.
A assimilação ocorria para índios dos aldeamentos mais antigos que eram extintos enquanto
categoria étnica, as aldeias foram transformadas em vilas e povoados. E para incorporar os
“bárbaros”, os índios dos sertões, criaram novos aldeamentos, com convivência entre índios e
não índios, antecipando o processo de assimilação. Se a política colocava em pauta a distinção
entre os índios em “estado de barbárie” e os já “civilizados”, para Almeida na prática não
havia essa separação tão rígida entre o mundo da barbárie e da civilização, a mesma retrata
que o vai e vem de índios entre as aldeias e os sertões eram constantes, eles sempre mudavam
de lugar, esse vai e vem ocorria devido muitos abandonarem os aldeamentos para voltar aos
sertões e vice e versa, porque agiam conforme seus próprios interesses.
Segundo a autora a pluralidade étnica não era motivo de orgulho no século XIX, e
ressalta que havia três formas de representação dos indígenas no imaginário da época:
“idealizados no passado”, muitos exaltados na Literatura, também frutos de escolhas como
Símbolo Nacional; os “bárbaros dos Sertões”, a estes caberiam a civilização ou o extermínio,
no caso, ou se integravam ou eram extintos através das guerras justas; e os “degradados”
índios que habitavam as antigas aldeias coloniais e que já eram considerados assimilados,
muitos considerados mestiços. Ainda no século XIX os argumentos para negar direitos aos
indígenas dependiam ou fazia-se em torno das classificações étnicas: índios/mestiços.
Assumiam-se novas identidades ligadas aos aldeamentos que para a autora tornou-se espaços
de garantia de terra e proteção, assim como espaços de reconstruções de identidades e
dinâmicas culturais.
78
Almeida, Maria Regina Celestino. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. P.
158.
48
79
SILVA JÚNIOR, Aldemir Barros da. Aldeando Sentidos: os Xucuru- kariri e o Serviço de Proteção aos
Índios no Agreste Alagoano. Maceió: EDUFAL, 2013. ( Índios do Nordeste: temas e problemas, Volume 15).
Passim.
49
étnica, eles buscaram contato com o SPI, se apresentando como etnia indígena Xucuru-Kariri.
O autor ressalta que a terra demarcada para aldeamento dos indígenas, não era a terra
tradicional onde tinha os cemitérios indígenas e sim a fazenda canto que pertencia ao prefeito
da cidade, essa negociação ficou a cargo do SPI e a malha política local, um jogo de
interesses, mas que os indígenas souberam aproveitar.
Aldemir Barros fala sobre as estratégias da invisibilidade adotadas pelos indígenas,
que era os elementos culturais presentes no cotidiano dos Xucuru-Kariri como o Toré, que
mesmo reprimido publicamente era realizado no particular das casas, mesmo sem a
preservação da língua materna, o Toré e os elementos culturais tradicionais permaneceram
durante o período de invisibilidade histórica, esses foram primordiais na decisão da
demarcação de terras, onde tinham que comprovar a identidade étnica. Mesmo na
invisibilidade, espalhados ou dispersos, os Xucuru-Kariri conservaram de modo particular
seus costumes e crenças, a sua cultura.
Essa estratégia da invisibilidade trouxe a emergência étnica, ou seja, a busca pela
visibilidade do Estado, através da própria política do Estado e do SPI. Isso ocasionou uma
emergência ligada à reafirmação étnica, e assim a busca pelo aldeamento. Diante da política
do SPI, surge o conflito entre posto e aldeia, visto que o posto indígena era instalado na terra
demarcada como forma de assistencialismo e gerenciamento do grupo étnico. O posto
indígena de organização e administração do Estado tinha como função a homogeneização
cultural, enquanto a aldeia era lugar de sobrevivência dos indígenas que lutavam nessa
dialética para não perderem elementos de sua cultura.
Essa relação posto/aldeia trouxe a reafirmação étnica. E isso deve ser entendido no
confronto entre Índio x Estado, devido estes campos de ação indigenista, porém, mesmo em
confronto esses campos abriram espaço político para os indígenas que passaram a reivindicar
terra, saúde, educação etc., pois se reconheceu a condição de índios recebendo a proteção
oficial do Estado, mesmo com a demarcação de terras fora de seu território tradicional. Para
os Xucuru-Kariri foi uma estratégia de sobrevivência tanto física como étnica, que
possibilitou a emergência e a reafirmação étnica.
O aldeamento na fazenda canto trouxe muitos entraves entre os próprios índios, pois a
estrutura administrativa implantada pelo SPI através do posto indígena provocou divisão e
faccionalismo entre os índios Xucuru-Kariri devido alguns índios se apropriarem de terras do
posto, assim como do gado etc., para o autor isso mostra que os índios não eram passíveis a
forma administrativa do posto; e que a forma administrativa de como era conduzido o posto
não resolvia o problema do índio que é a falta da terra.
50
A forma como o aldeamento na fazenda canto foi construído mostra que a dialética
entre indígenas e Estado não se dá de modo suave, e que os indígenas não são e nem foram
passíveis nesse processo. Isso mostra que a estratégia da invisibilidade serviu enquanto havia
barreiras que os impediam de assumir sua identidade, mas quando surge o SPI em 1910, há
um emergir desses povos que conseguem se beneficiar num jogo de relações conflituosas,
mesmo em meio às adversidades e a política de integração e homogeneização do Estado,
fazendo-nos compreender que os indígenas são protagonistas de sua própria história.
Para tanto, é notório o protagonismo indígena, pois, os índios agiam conforme os seus
interesses e muitas vezes se utilizaram das próprias Leis e dos sistemas de aldeamentos para
benefícios próprios. Foram ativos, e mesmo diante das violências e invisibilidades históricas
buscaram meios de sobreviver e resistir aos sistemas opressores.
Assim, entende-se que o índio nas primeiras obras analisadas era visto como um ser
passivo, de pouca instrução, e mesmo sendo autores diferentes, os traços da escrita da História
tradicional direcionava para o mesmo caminho, um olhar pessimista sobre estes povos.
Enquanto na escrita da nova Historiografia os autores apresentam o indígena como agentes
politizados, protagonistas, estrategistas e resistentes. Portanto, há diferenças de representação
e conceitos nas formas como esses intelectuais apresentam os indígenas na escrita da História
mediante a escrita mais tradicional. Essas mudanças ainda operantes na Historiografia
brasileira têm deixado de lado a perspectiva do olhar preconceituoso e estereotipado que
legou aos povos indígenas invisibilidade histórica, redirecionando uma nova maneira de olhar
e pensar os indígenas na História.
Em síntese os indígenas antes legados a um papel de coadjuvantes na História,
passaram a ter a partir da Nova História Indígena uma representatividade na escrita da
História, sendo que as mudanças que ocorreram desde as primeiras obras até as mais recentes,
mostram um novo indígena, dentro de uma conjuntura que ressalta a politização do mesmo.
Assim, em cada contexto histórico e social evidencia-se o protagonismo desses povos.
Portanto, se fazem necessárias práticas de ensino de História que evidenciem em sala
de aula essas novas abordagens, rompendo com olhares preconceituosos, superando
estereótipos negativos ainda tão enraizados na nossa sociedade referente aos povos indígenas.
Veremos no capítulo a seguir que as Leis educacionais e propostas curriculares legitimam o
ensino de História e cultura indígena nos espaços escolares que visa à valorização desses
povos, também a superação de conceitos negativos legados a esses povos durante gerações
pelo fazer histórico. Neste sentido, compreende-se que as discussões pedagógicas dessas
novas abordagens historiográficas nos livros didáticos escolares são primordiais para um
51
ensino de História que contribua com uma formação crítica e reflexiva dos cidadãos
brasileiros, considerando ser o livro didático em muitas localidades e ocasiões um dos únicos
recursos viáveis e palpáveis tanto para alunos como para professores.
Outro ponto a considerar é que essas discussões das novas abordagens historiográficas
sobre a temática indígena podem ser trabalhadas pelos próprios educadores nas aulas de
História, mas é preciso primeiro o conhecimento dessas novas abordagens, um bom
planejamento e engajamento interdisciplinar com outras áreas do conhecimento. Em suma, as
possibilidades de um ensino pautado nos novos olhares sobre os povos indígenas fazem parte
das propostas de uma educação intercultural em que consiste num desafio a ser superado nos
espaços escolares e em particular no ensino de História.
52
80
VIEIRA, Sofia Lerche. Base Legal. In; Educação básica: política e gestão da escola. Brasília: Liber livro,
2009. P. 31-49.
53
2.1. DAS PRECES ÀS LUTAS: uma breve abordagem histórica sobre a Educação
Escolar Indígena no Brasil.
81
BARBALHO, José Ivamilson Silva. Discurso como Prática de Transformação Social: o Político e o
Pedagógico na Educação Intercultural Pankará. Recife: Ed. do Autor, 2013.
82
BITTERCOURT, Circe Maria Fernandes. O ensino de história para populações indígenas. Em Aberto nº 63
(Educação Escolar Indígena). Brasília: MEC, ano XIV, 1994.
83
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Que é Educação?. 26ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1991.
84
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A Educação dos Jeripancó: uma reflexão sobre a Escola Diferenciada dos
Povos Indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013.
85
Conceito entendido como inserir um individuo na cultura européia de ética e moral cristã.
86
BARBALHO, José Ivamilson Silva. Discurso como Prática de Transformação Social: O Político e o
Pedagogo na Educação Intercultural Pankará. Recife: Ed. do Autor, 2013. p. 129.
54
ficavam fora dos domínios da Coroa Portuguesa. A política de Pombal considerada complexa
por não se encaixar de forma homogênea nas áreas coloniais incluía os indígenas numa
proposta assimilacionista que visava acabar com as distinções entre índios e não índios.
Através da ação política indigenista de Pombal antigos aldeamentos coloniais eram
transformados em vilas, sendo os residentes indígenas considerados já assimilados, enquanto
outros aldeamentos eram formados para continuar o processo de assimilação dos chamados
“índios bravos dos sertões”, a metodologia consistia em aglomerar num mesmo ambiente,
índios e não índios, assim buscavam-se um processo de assimilação mais eficaz que o dos
jesuítas. Foi através da política de Pombal que a miscigenação foi incentivada entre os grupos
étnicos, inclusive entre brancos e índios, o ensino de português se tornou obrigatório e os
costumes e línguas indígenas foram proibidos; o intuito era civilizar os nativos para que
povoassem e garantissem a proteção das fronteiras do território. O objetivo de Pombal era
fortalecer o poder da Coroa Portuguesa90. Essas políticas deram abertura para novas ações
indigenistas durante o século XIX.
Patrícia Sampaio91 apresenta uma análise da Legislação indigenista quanto ao seu
documento base de 1845, a regulamentação das missões de catequese e civilização dos
indígenas durante o período Imperial no Brasil, destacando ser o único de abrangência geral
do Império quanto à questão indígena, vigorou até 1889. Segundo a autora, constam neste
Regulamento de diretrizes administrativas para a criação de novos aldeamentos e para outros
já existentes, um caráter quase peculiar as políticas indigenistas implantadas durante o
Período Colonial que também eram para catequização e civilização dos nativos. Mas neste
caso, o Regulamento era voltado mais para a administração das aldeias, a responsabilidade da
catequese e civilização dos indígenas ficava com as ordens missionárias. Para a autora o
Império tinha dificuldades de estabelecer uma política indigenista geral, devido à diversidade
cultural existente, além de cada província buscar criar seus próprios estatutos referentes ao
trato com os nativos. As únicas mudanças e novidades neste documento de 1845 é o
arrendamento de terras pelos indígenas e o “aforamento” tendo por direito apenas a
construção de habitações, porém sem o cultivo da terra.
Segundo a autora houve reformulações desse Regulamento, ligado a vários diretórios e
Ministérios, inclusive o da agricultura em 1860, porém os interesses permaneceram os
mesmos: a catequese e civilização, expropriação de terras indígenas e mão de obra escrava; só
90
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
p.107-113.
91
SAMPAIO, Patrícia Melo. “Política Indigenista no Brasil Imperial”. In; O Brasil Imperial, Volume I:
1808-1836. Organização Keila Grinberge Ricardo Salles. 2ª Ed.- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
56
houve mudanças quanto à gestão, com a autonomia dos missionários na administração dos
aldeamentos indígenas. Neste sentido, as políticas indigenistas no Brasil Império não visavam
o bem estar dos povos indígenas, isso inclui a educação formal planejada para assimilar e
integrar o índio privando-o de sua identidade cultural.
Barbalho92 salienta que a educação escolar transmitida aos índios eram
assimilacionistas e integracionista. Nesta perspectiva a educação era um meio de
homogeneização social aos padrões de cultura ocidental cristã, e para isso era necessária a
negação da cultura nativa, sendo importante a extinção das formas antigas de linguagens.
Tanto o período Colonial como o período Imperial viam na educação formal um meio de
integrá-los a sociedade dita civilizada, com intuito de formar mão de obra escrava para o
sistema de economia escravista predominante em ambos os períodos históricos como também
em valer-se dos índios para povoar e guardar as fronteiras do território.
Adentrando o período da República, é importante destacarmos a fala da historiadora Lília
Moritz Schwarcz;
Entre os muitos excluídos que a República criou, um grupo esteve
sistematicamente distante das políticas e propósitos dos governos
republicanos: os ameríndios e indígenas de uma maneira geral. Se mesmo no
Império o interesse por eles foi muitas vezes mais retórico do que
pragmático, se os nativos figuraram antes no romanceiro romântico e na
pintura histórica do que em políticas de ampla aplicação, com a República o
apagamento seria ainda mais evidente.93
92
BARBALHO, José Ivamilson Silva. Discurso como Prática de Transformação Social: O Político e o
Pedagogo na Educação Intercultural Pankará. Recife: Ed. do Autor, 2013. p. 134-136.
93
SCHWARCZ, Lília Moritz. “População e sociedade”. In; História do Brasil Nação 1808-2010: A abertura
para o Mundo: 1889-1930 (V. 3). São Paulo: Objetiva, 2012, p. 77.
57
1845-1889, somente em 1910 o Estado Brasileiro decide criar um novo órgão para tratar da
questão indígena.
A República trouxe consigo eventos marcantes quanto à questão indígena: a criação do
Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910 e anos mais tarde a sua substituição pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Tanto o SPI como a FUNAI se enquadram nas
políticas indigenistas governamentais. O Marechal Rondon, militar de grande prestígio na
época, ficou responsável pelo novo órgão indigenista SPI que garantia um assistencialismo
aos povos indígenas; Rondon influenciado por ideais positivistas via o indígena como um
“[...] ser digno de conviver na comunhão nacional, embora inferior numa escala cultural
evolutiva”94. Na área educacional, a política integracionista continuava, mas retirava-se da
pauta a catequese para dar lugar somente à educação formal. O projeto educacional voltava-se
para assimilar e depois integrá-los a Nação.
Cabe salientar que o SPI teve suas ambiguidades, ao mesmo tempo em que oferecia
proteção aos indígenas colaborava com as frentes de expansão em caminho da modernização
do País. O SPI tornou-se apenas um conjunto de boas intenções, sendo extinto em 1967,
devido várias acusações de corrupção e violência contra os indígenas. Surgindo depois a
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com a mesma perspectiva de integrar o índio a
comunhão Nacional, porém com um requisito de respeitar sua cultura. Neste ínterim, a Lei n°
6001 promulgada em 1973 e conhecida como Estatuto do Índio, no Título V, Artigos: 48, 49,
50, 51 e 52, normatizavam a alfabetização dos indígenas na língua materna e em português,
quanto possível, sem afastá-los da família e da comunidade, a formação profissional seria de
acordo com graus de “aculturação” dos indígenas. Mesmo diante de avanços significativos, O
Estatuto do Índio reforçava o anseio por uma homogeneização quando estabelecia a educação
aos indígenas como via de integração a comunhão Nacional.
Quanto aos programas educacionais desenvolvidos a partir de 1972 pela FUNAI,
estipulavam uma educação escolar ministrada em línguas indígenas e por professores
indígenas, no entanto, esse projeto não teve avanços por falta de incentivo e objetividade do
próprio Órgão indigenista95; prevalecendo assim a forma de ensino tradicional em Língua
Portuguesa e com os mesmos anseios assimilacionistas.
Com as conquistas na Constituição de 1988, o direito a educação que paute nos
processos de ensino aprendizagem próprios de cada etnia foram garantidos no art. 210, inciso
2º da Carta Magna. Em 1990 a responsabilidade da educação destinada aos indígenas passou
94
GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil: passado, presente e futuro. São Paulo: Contexto, 2012. P. 92.
95
Ibidem, p. 106.
58
96
Ver: BRITO, Edson Machado de. “Da escola isolada mista da vila do espírito santo à escola diferenciada
entre os Karipuna: entrelaçamentos na história da educação indígena”. In; Dossiê de ensino de história.
Revista hoje vol. 1 Nº 2, ISSN 1806-3993. Biênio: Agosto de 2011 a julho de 2013. Disponível em:
http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/index
97
BARBALHO, José Ivamilson Silva. Discurso como Prática de Transformação Social: O Político e o
Pedagogo na Educação Intercultural Pankará. Recife: Ed. do Autor,2013, p. 160.
59
Mas nem sempre a História foi concebida desta forma, durante o século XIX o estudo
da História se dedicava aos fatos políticos com fontes documentais oficiais, uma História
metódica que buscava a verdade dos fatos históricos através de documentos escritos e
oficiais99.
98
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e
aprendizados. Campinas, SP: Papiros, 2003. p. 40.
99
Documentos de procedência política, administrativa, judicial e militar.
100
ABUD, Kátia Maria. Prefácio. In; Ensino de História. São Paulo: Cengage Learning, 2010. p. 1.
101
“A escola dos Annales 1929-1989” do autor Peter Burke, que faz uma análise das mudanças historiográficas a
partir do movimento francês Annales.
102
KARNAL, Leandro. Introdução. In; História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas/ Leandro
Karnal (org). 5ª Ed. São Paulo: Contexto, 2007, p. 8.
60
103
JENKINS, Keith. A história repensada. São Paulo: Contexto, 2011. p. 23-25
104
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Introdução. In; História: Ensino Fundamental/ Coordenação
Margarida Maria Dias de Oliveira. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. p. 10.
105
FONSECA, Thais Nívea de Lima e. A história do ensino de história: objeto, fontes e historiografia. In;
História e ensino de história. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p. 21.
106
De acordo com Fonseca a busca pela laicização no século XIX, seria a separação política entre Estado e
Igreja.
107
FONSECA, Thais Nívea de Lima e. A história do ensino de história: objeto, fontes e historiografia. In;
História e ensino de história. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. p. 21.
61
108
A história dos Santos, no período Medieval.
109
MICELI, Paulo. Uma pedagogia da História?. In; O ensino de História e a Criação do Fato/ Jaime Pinsky
(org). 14ª Ed, 1 reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012. p. 46.
110
FONSECA, Idem, op. Cit. 2011.
62
111
FONSECA, Thais Nívea de Lima e. A história do ensino de história: objeto, fontes e historiografia. In;
História e ensino de história. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. p. 47.
112
Ibidem., p. 50-51.
113
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e
aprendizados. Campinas, SP: Papiros, 2003. p.24.
114
Ibidem, p. 25.
63
Guimarães Fonseca116 salienta que foi neste cenário de lutas que as mudanças para o
ensino de História foram sendo aos poucos inserida na educação escolar no Brasil. A História
tanto escrita como a ensinada nas escolas era providencialista, civilizatória, elitista, exaltava
os heróis Nacionais na construção de uma só identidade Nacional homogênea aos moldes
europeus e depois com influência do modelo americano, mas, após 1970 se depara com
milhares de histórias de diferentes etnias e grupos, são agentes históricos que lutam por seu
lugar na História Nacional.
Nos anos 1990 quando a disciplina História ganha autonomia e legitima-se através de
documentos oficiais como LDB e PCNs de História, depara-se com a diversidade de
identidades culturais de diferentes grupos, inclusive os étnicos. A partir desse momento novas
discussões sobre memórias, identidades e culturas vão fazer parte do hall das discussões
centrais do ensino de História até a contemporaneidade.
Cabe enfatizar que os povos indígenas também lutaram pelas reformas educacionais e
em particular pelo reconhecimento na História do Brasil, como protagonistas de sua própria
história, lutando contra o preconceito, racismo, invisibilidade social e todas as formas de
exploração; e conquistaram na Constituição Federal de 1988 o direito também a uma
educação que visa à valorização de suas culturas e inserção na História Nacional.
O decreto n° 26/1991 que transferiu a responsabilidade da Educação Escolar Indígena
da FUNAI para o Ministério da Educação (MEC) possibilitou a emissão do primeiro
Referencial Curricular voltado para o ensino em escolas indígenas diferenciadas, que
referenciam o modelo de Educação Escolar Indígena, pautado num currículo intercultural; o
documento é um Referencial Formativo e não Normativo117, considerando a diversidade
cultural indígena no Brasil.
A referência à construção de um currículo intercultural em escolas indígenas é uma
forma de superar os desafios do cumprimento da Constituição de 1988; assim como a Lei de
115
FONSECA, Selva Guimarães.Fazer e ensinar História. Belo horizonte: Dimensão, 2009, p. 22.
116
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e
aprendizados. Campinas, SP: Papiros, 2003. p. 26.
117
O Documento tem caráter formativo, ou seja, é uma referência que norteia a construção do currículo escolar
para escolas indígenas, não tem caráter obrigatório visto que a escola indígena é concebida conforme a
especificidade de cada etnia, por isso o referencial não é normativo. Cf. BRASIL. Referencial Curricular para as
Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF, 1998. p. 113.
64
Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei Nº 9.394/1996 que, em seu Título VIII, nos
artigos 78 e 79, especifica a Educação Escolar Indígena diferenciando-a da educação escolar
dos não índios, assegurando aos povos indígenas autonomia na construção dos processos
educacionais de ensino-aprendizagem e formas de organização escolar, conforme suas
especificidades. Em acordo, o artigo 26, parágrafo 4º estabelece “O ensino da História do
Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do
povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia”118. Neste sentido
“Esse documento foi escrito na expectativa de que possa contribuir para diminuir a distância
entre o discurso legal e as ações efetivamente postas em prática nas salas de aula das escolas
indígenas”119.
A Educação escolar sob uma lógica da interculturalidade possui três características
primordiais: “comunitária, específica e diferenciada”. O documento Referencial RCNEI
(1998) coloca que:
Porque conduzida pela comunidade indígena, de acordo com seus projetos,
suas concepções e seus princípios. Isto se refere tanto ao currículo quanto
aos modos de administrá-la. Inclui liberdade de decisão quanto ao calendário
escolar, à pedagogia, aos objetivos, aos conteúdos, aos espaços e momentos
utilizados para a educação escolarizada.120
118
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394, de 20 de dezembro de1996.
119
BRASIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 11.
120
Ibidem, p. 24.
121
Idem.
65
122
BRASIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 25.
123
FORTAN, Daiane de Fátima Soares. Educação, Escola Diferenciada e Cultura Indígena. In; Índios de
Alagoas: História e Sociedade/ Luiz Sávio de Almeida... [et al] (org.). Maceió: EDUFAL, 2014. p. 70.
124
BRASIL, Idem, op. Cit.p. 25.
125
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: História, 1998. P. 25.
66
Silva126em análise sobre as teorias do currículo coloca que os mesmos são espaços de
luta e resistência. Defende o currículo multiculturalista baseando-se no discurso antropológico
de que nenhuma cultura é superior a outra. Neste sentido, sensibiliza-nos ao respeito às
diferenças, afirmando que são as relações de poder que determinam o que é diferente ou não.
Portanto, o currículo deve abarcar todos os grupos sociais, tanto os brancos quanto os negros,
os índios, os homossexuais, as mulheres, etc., fortalecendo as relações e o respeito às
diferenças. O autor define currículo como sendo um espaço de configuração de saber, de
poder e de identidade, que tem a capacidade de produzir nos sujeitos autonomia através do
aprendizado e uma consciência crítica de suas vivencias na sociedade.127
Candau128 entende o multiculturalismo como “uma realidade social na qual convivem
diferentes grupos culturais”, mas ressalta que a descoberta das diferenças culturais num
mesmo contexto também pode gerar preconceitos, discriminações, intolerância, criando
“muros”, separação social e cultural, grupos que se isolam sem relação ou contato com os
“outros”, com os “diferentes”. Desse modo, ressalta que uma sociedade considerada
multicultural não necessariamente desencadeia processos interculturais, “o interculturalismo
supõe a deliberada inter-relação entre os diferentes grupos socioculturais.”. Na visão da
autora a perspectiva intercultural
A autora130 tece alguns critérios fundamentais referentes à educação escolar sob a ótica
da interculturalidade: a) a educação deve ser vista como uma prática social, sempre
interagindo e se relacionando com as reais dinâmicas sociais; b) articular no âmbito das
políticas educativas a diversidade cultural, a igualdade e o direito de todos à educação. Estas
questões não podem contrapor, considerando que a devida atenção as diferentes identidades
torna-se favorável a “construção da igualdade e da democracia”. c) A educação intercultural
126
Tomas Tadeu da Silva faz uma análise sobre as teorias do currículo, abordando as teorias tradicionais, as
teorias críticas e pós-críticas sobre a formação do currículo.
127
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidades; uma introdução às teorias do currículo. 2ª Ed.
11ª reimpressão. Belo Horizonte: Autentica, 2007.
128
CANDAU, Vera Maria; Equipe. Educação Multicultural: tendências e propostas. In: Sociedade, educação
e cultura(s): questões e propostas/ Vera Maria Candau (org.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. P. 97.
129
Ibidem, p. 99.
130
Ibidem, p. 99-100. Achamos por bem enumerar com letras as concepções da autora, o texto que se apresenta é
um resumo do texto original.
67
Para a autora essa perspectiva é complexa, defende ser necessário problematizar todo o
sistema educacional. Vale ressaltar que os termos Multiculturalismo e Interculturalismo
possuem significados distintos. Candau em análise da polissemia destes termos baseia-se em
Sedano (1997) e “afirma que o interculturalismo faz referência à inter-relação entre diferentes
culturas e multiculturalismo e pluriculturalismo à existência de diferentes culturas em uma
mesma sociedade”132. Outro autor referenciado pela autora é Jordán (1996) que:
131
CANDAU, Vera Maria; Equipe. Educação Multicultural: tendências e propostas. In: Sociedade, educação
e cultura(s): questões e propostas/ Vera Maria Candau (org.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. 100.
132
CANDAU, Vera Maria; Equipe. Multiculturalismo e educação: a construção de uma perspectiva. In:
Sociedade, educação e cultura(s): questões e propostas/ Vera Maria Candau (org.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2002,
p. 75.
133
Idem.
68
História lançando propostas de atividades a serem trabalhadas em sala de aula, com finalidade
de criar registros da história local da aldeia, mas cabe enfatizar que esses “registros dos
relatos não deve servir para interromper o processo de permanente reconstrução de seus
significados”134, visto que a história local antes pertencente a memória, pode incorrer no risco
de se tornar estática depois de registrada no papel. Deste modo, os registros dos relatos não
devem ser considerados estáticos, únicos, pois, é preciso considerar o tempo e espaço na
projeção de vivências cotidianas, assim como as dinâmicas sociais e trocas de conhecimentos.
Sendo assim, essa proposta pelo RCNEI tende a avaliar o currículo da escola, os processos de
ensino, e a participação ativa da comunidade, propondo uma educação escolar e um ensino
que atenda a particularidade de cada etnia indígena.
A Lei nº 11.645/ 2008 torna obrigatório o ensino de História e cultura indígenas no
currículo das instituições de ensino sistemático tanto nas escolas em territórios indígenas
como em escolas convencionais públicas e privadas. Há de convir que mesmo diante dos
direitos garantidos na Constituição de 1988 e demais leis normativas como a LDB, ainda á
muito que avançar quanto à efetivação da Legislação na prática de ensino referente à temática
indígena. Neste sentido, esta Lei alterou a redação da Lei nº 10.639/2003 que torna
obrigatório o ensino de Cultura afro-brasileira e africana nos estabelecimentos de ensino
institucionalizado, acrescentando a temática indígena.
134
BRASIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 203
135
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases 9.394/1996.
69
136
BRASIL, Plano Nacional de Educação, 2010 a 2020.
137
BERGAMASCH, Maria Aparecida. Entrevista: Gersem José dos Santos- “GersemBaniwa”. In: Dossiê de
Ensino de História. Revista História Hoje vol. 1 N° 2, ISSN 1806-3993. Biênio: Agosto de 2011 a julho de 2013,
p. 141-142.
138
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 2ª edição; São
Paulo: Cortez, 2008. P. 76.
70
Para os povos indígenas, a história constitui a preservação 141 das identidades étnicas,
através dos rituais, costumes e crenças que são transmitidos pela oralidade dos mais velhos
para os mais jovens. As escolas indígenas com propostas de currículo intercultural têm
dificuldades quanto à prática do ensino, pois nem sempre são disponibilizados materiais
didáticos e paradidáticos referentes à sua cultura em particular para o ensino aprendizagem
em sala de aula.
[...] apesar dos avanços conquistados nos últimos anos pelos povos indígenas
em termos de direito a uma educação intercultural, muito ainda precisa ser
construída em termos de prática de sala de aula, de formação de professores,
de produção de materiais para que as escolas em terras indígenas ofereçam
uma educação diferenciada de qualidade e que valorize a língua e os
conhecimentos tradicionais dos povos indígenas.142
139
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. O ensino de História para populações indígenas. Em Aberto n°
63 (educação escolar indígena). Brasília: MEC, ano XIV, 1994.
140
Ibidem., p. 114.
141
Mesmo diante das dinâmicas sociais, de interação e contato constante com elementos culturais diversos, Cabe
esclarecer que preservar as identidades étnicas não significa cristalizá-las, mas, seria uma das formas de não
perder as tradições guardadas na memória.
142
Educação Escolar Indígena em Terra Brasilis, Tempo de Novo Descobrimento. Rio de Janeiro: IBASE,
2014. p. 73.
143
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó: uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 163.
71
Nas Diretrizes Nacionais Gerais da Educação Básica (2013), no texto que trata da
Educação Indígena, no título II- Art. 3º parágrafo I, II estabelece
[...] o ensino de história nas escolas indígenas não pode assumir as mesmas
características do ensino em escola convencionais, principalmente porque o
debate e o diálogo entre o professor, os alunos e a comunidade são
fundamentais para explicitar a sua importância e suas finalidades sociais,
históricas e pedagógicas.146
144
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó, uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 163-164.
145
BRASIL, Diretrizes Nacionais Gerais da Educação Basica/MEC, SEB, DICEI. Brasília, 2013, p. 385-398.
146
BRASIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 198.
72
147
BRASIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 200.
148
BRASIL, PCN, 1997, p.34; Apud CAINELLI, Marlene. O que se ensina e o que se aprende em história. In:
História: ensino fundamental/ Margarida M. D. de oliveira ( coordenação). Brasília: MEC, SEB, 2010. p.24.
73
A trajetória da Educação Escolar Indígena no Brasil foi marcada por violência, lutas,
mas também por conquistas. A luta para manter a identidade cultural também permeia os
espaços escolares atuais e a escola na aldeia se torna ambígua quanto ao seu sentido.
149
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. O ensino de História para populações indígenas. Em Aberto n°
63 (educação escolar indígena). Brasília: MEC, ano XIV, 1994, p. 106.
150
BERGAMASCHI, Maria Aparecida; GOMES Luana Barth. A temática Indígena na Escola: ensaios de
Educação Intercultural , 2012. p. 55.
151
Secchi faz um estudo sobre a escola indígena, destacando o significado da escola na visão dos indígenas.
SECCHI, Darci. Educação Escolar para o Protagonismo Indígena. In: Educação, Diferença e
desigualdades/Maria L. R. M.; Lea P. Paixão (Orgs.). Cuiabá: EdUFMT, 2006. p. 187-225.
152
Ibidem., p. 201.
74
realidades locais específicas. A partir do seu estudo foram pontuadas cinco perspectivas
sendo: 1ª) uma escola voltada para informar sobre outras culturas; 2ª) a escola que ensina os
códigos culturais externos a aldeia; 3ª) escola com saberes que ajuda os índios a se defender
dos não índios; 4ª) escola para preparar os índios para o mercado de trabalho; 5ª) escola que
contribua com a reconstrução das histórias indígenas, a valorização dos saberes local.
Quanto à primeira delas, a escola teria a função de “informar sobre as coisas das
outras culturas” segundo Secchi essa perspectiva é definida como uma “escola informativa”,
considerando que teria a função de informar aos índios todo o saber do branco, como constrói
as coisas, sendo a leitura e escrita secundária e não exclusiva nesta perspectiva. Seria uma
escola mais liberta das formalidades, e que as aulas ou reuniões não seriam necessariamente
entre quatro paredes, e não teria horários, mas obedeceriam as demandas dos alunos,
conforme as necessidades das informações, obtidas fora da comunidade, por isso informativa.
A escola neste sentido deve ensinar tudo sobre o não índio, desde a sua cultura até
como se faz as coisas utilizadas no dia a dia, mas sem as formalidades das escolas
convencionais. A outra perspectiva de escola adequada na visão indígena é “aquela que ajuda
a se virar no mundo dos brancos”, nesta os índios querem aprender o conhecimento externo a
sua comunidade, para poder viver no mundo dos “brancos” sem as dificuldades que as
barreiras culturais impõem. Os indígenas em contato com o exterior necessitam conhecer os
códigos de sobrevivência da sociedade atual, considerando que cada vez mais os índios vão
para os grandes centros em busca de trabalho e melhores condições de vida. “Nesta
perspectiva a escola desejada deve ser pragmática e voltada para o domínio de códigos
externos”154.
Já em outra maneira de ver a escola, Secchi traz outro depoimento que conota a escola
o dever de “ajudar os índios a se defender dos brancos”. Secchi salienta que “[...] o que se
espera da escola vai além da elucidação de curiosidades ou do domínio de códigos. Trata-se
153
SECCHI, Darci. Educação Escolar para o Protagonismo Indígena. In: Educação, Diferença e
desigualdades/Maria L. R. M.; Lea P. Paixão (Orgs.). Cuiabá: EdUFMT, 2006. p.203.
154
Ibidem, p. 205.
75
A escola possui muitos significados para os indígenas, e não há uma forma adequada e
única de conceber a escola. São vários os modos de ver e desejar a escola na aldeia,
evidenciando a ambiguidade quanto ao seu significado. Por isso da necessidade de uma escola
que atenda a especificidade de cada povo ou comunidade, respeitando seus próprios meios de
aprendizagem.
Tassinari define as escolas indígenas como “espaços de fronteiras”, no sentido da
escola ofertar a possibilidade de encontro entre conhecimentos diversos, não sendo esta alheia
as culturas indígenas.
155
SECCHI, Darci. Educação Escolar para o Protagonismo Indígena. In: Educação, Diferença e
desigualdades/Maria L. R. M.; Lea P. Paixão (Orgs.). Cuiabá: EdUFMT, 2006. P. 206.
156
Ibidem, p. 213.
76
A “noção de fronteira” segundo Tassinari não tem o sentido de limite, de barreira entre
culturas, mas de um “espaço de contato e intercambio entre populações, como espaço
transitável, transponível, como situação criativa na qual conhecimentos e tradições são
repensados, às vezes reforçados, às vezes rechaçados, e na qual emergem e se constrói as
diferenças étnicas”158. A escola na aldeia não se resume num espaço distante da cultura
indígena, ou como um divisor de águas entre culturas, mas como uma possibilidade de
“contato” entre os conhecimentos tradicionais escolares e o conhecimento local específico de
cada comunidade indígena. Contato que pode tanto ser proveitoso e satisfatório como também
pode não ser uma boa experiência, a escola na aldeia tem esses impasses.
Sendo assim, a ambiguidade da escola, tanto no seu sentido como nos vários
significados que ela possui para os indígenas, não tem uma definição única, pois cada
comunidade indígena vai conceber a escola e dar seu significado conforme o que se deseja e
se espera dela. Ferreira159 argumenta que para compreender os indígenas no contexto de
escolarização, é necessário inseri-los nos seus meios particulares de viver.
A luta por uma educação diferenciada por parte dos povos indígenas tem sido a prova
de que a escola na aldeia não é alheia e muito menos distante das culturas indígenas, pois os
alunos atendidos na escola levam consigo toda uma bagagem de conhecimentos não formais
aprendidos na família, no terreiro, nas rodas de conversas com os mais velhos, nos rituais,
enfim, conhecimentos locais de sua cultura; e a escola pode sistematizar esses saberes.
Ferreira160 em estudo sobre a escola diferenciada do povo indígena Jiripancó no sertão de
Alagoas, salienta que devido à necessidade econômica, os Jiripancó buscam trabalhos nas
usinas de cana-de-açúcar do Estado, ou trabalham como meeiros em terras próximas a aldeia,
destaca que esses trabalhadores vêem na escola uma possibilidade de seus filhos, netos, não
trilharem o caminho do corte de cana no sul do Estado. Na visão do autor “[...] a escola passa
157
TASSINARI, A. M. I. Escola Indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de educação. In:
Antropologia, história e educação: a questão indígena e a escola/A. Lopes da; FERREIRA, M. K. L. (Orgs.) São
Paulo: Fapesp/Global/Mari, 2001, p. 50.
158
TASSINARI, A. M. I. Escola Indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de educação. In:
Antropologia, história e educação: a questão indígena e a escola/A. Lopes da; FERREIRA, M. K. L. (Orgs.) São
Paulo: Fapesp/Global/Mari, 2001, p.68.
159
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó, uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013.
160
Idem.
77
[...] Ele acha que uma educação feita para montar uma identidade do povo
está acontecendo na aldeia onde os valores indígenas são desconhecidos e o
povo que temos desvalorizado. Ele brinca: “daqui a pouco os índios vão
pensar que são americanos ao invés de jiripancó. De tanto ouvirem falar do
que é dos outros, esquecerem o que é nosso e com as escolhas ta cada vez
mais escasso jovem interessado em entrar na junta dos juncais”(SANTOS,
2008)163
161
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó, uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. P. 30.
162
Ibidem, p.144.
163
Ibidem., p. 165,166.
164
Adepto do Juncaísmo. Essa religião só existe na comunidade Jeripancó. Durante a pesquisa de campo ficou
evidente que assuntos relacionados à espiritualidade Jeripancó não se evidenciam no currículo daescola. Quando
falamos de espiritualidade relacionamos ao Juncaísmo. Há uma resistência por parte das líderanças quanto a
determinados assuntos religiosos serem ensinados na escola.
78
Jeripancó. Mas quanto às questões que atendem as necessidades materiais, essas são abertas a
escola.
Considerando que o conceito de educação é amplo e que a educação não acontece
somente na escola, ou não está limitado apenas a uma educação institucionalizada165, mas
acontece em todos os lugares, “[...] convém lembrar que não é apenas a escola e nela o
professor de História, o responsável pela educação dos cidadãos, pois as bases dessa formação
já são trazidas à sala de aula pelos estudantes. Adquiridas e ampliadas nos espaços sociais que
o aluno frequenta [...]”166,o interesse pela escola diferenciada por parte dos povos indígenas
é para atender tanto suas necessidades materiais, devido o contato frequente com o exterior a
aldeia, como um meio de valorizar suas próprias culturas, além de adquirir os conhecimentos
necessários que os levem a se politizar e lutar por direitos diante da conjuntura Nacional, sem
perder a essência de suas próprias formas de vida, e é neste sentido que se busca uma
educação intercultural que valorize a cultura e crenças indígenas nos espaços escolares.
Segundo Brito167 a escola não tem o papel de “redentora das tradições indígenas”, não será ela
a ensinar ao indígena o que ele é, e concebe a educação intercultural como um desafio na
prática, destacando que a teoria muitas vezes se distancia da realidade prática.
A Educação Escolar Indígena institucionalizada no Brasil garante uma educação
diferenciada aos povos indígenas: além de incluir nos currículos escolares a temática da
cultura dos povos indígenas, a Legislação vigente garante de certa forma um avanço no que
concerne às relações étnico/raciais, pois permite um olhar diferenciado na história através da
valorização da cultura indígena nos espaços de educação formal. O papel do ensino de
História nesse contexto se torna um desafio, pois se busca a articulação de identidades e
saberes através dos currículos interculturais que privilegiam múltiplos saberes no currículo
escolar indígena, mas que não livra o choque de ambos, principalmente da disciplina História
que busca nesta árdua tarefa uma prática de ensino que não venha a tornar invisível a cultura
indígena no processo de ensino aprendizagem em espaços escolares indígenas.
O último capítulo a seguir apresenta a pesquisa realizada na escola da comunidade
indígena Jeripancó, sertão de Alagoas; buscamos através de uma pesquisa etnográfica
165
Educação ofertada na escola como saberes sistematizados. Para ampliar o conhecimento ver Carlos Brandão
(1991) que defende a educação como um conceito amplo, que acontece em todos os lugares, independente se é
institucionalizada ou não, ela está em todos os lugares.
166
MICELI, Paulo. Uma pedagogia da História?. In; O ensino de História e a Criação do Fato/ Jaime Pinsky
(org). 14ª Ed, 1 reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012. p.38.
167
BRITO, Edson Machado de. “Da escola isolada mista da vila do espírito santo à escola diferenciada entre
os Karipuna:entrelaçamentos na história da educação indígena”. In; Dossiê de ensino de história. Revista hoje
vol. 1 Nº 2, ISSN 1806-3993. Biênio: Agosto de 2011 a julho de 2013. P. 113. Disponível em:
<http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/index>
79
Como está sendo trabalhado na prática o ensino de História na escola dos índios
Jeripancó? Quais são os temas selecionados nas aulas de História? O livro didático de
História se aproxima ou não da proposta de um currículo intercultural? É trabalhada a história
e cultura local dos Jeripancó nas aulas de História? Afinal, o ensino de História ministrado na
escola contribui ou não para a desconstrução de estereótipos negativos referentes aos
indígenas? Esses e outros questionamentos nortearam a pesquisa de campo do presente
trabalho de conclusão de curso.
A proposta deste último capítulo é abordar os resultados da pesquisa de campo,
analisando e problematizando os dados coletados, dialogando com as discussões do primeiro
e segundo capítulo, do presente trabalho de TCC sem perder o olhar sobre as especificidades
que poderão ou não, emergir como algo novo na presente pesquisa. O intuito é de realizar um
diagnóstico da prática de ensino de História nas turmas de 7º e 8º ano, fundamental II, da
Escola Estadual Indígena José Carapina, localizada na Aldeia Ouricuri, etnia indígena
Jeripancó, no município de Pariconha, alto sertão de Alagoas, Brasil. Para tanto, faz
necessário num primeiro momento descrever o cenário empírico da pesquisa, com um breve
histórico sobre a história da comunidade (formação étnica e territorial) e da escola (como é a
escola, como funciona, currículo, profissionais etc.); para estas finalidades ancoraremos no
Projeto Político Pedagógico168 e documentos normativos da escola; bem como a Monografia
de conclusão de curso de Licenciatura Plena em História, intitulado: “Território e Identidade:
processo de formação do povo Jiripancó”169 do autor indígena Cícero Pereira dos Santos170, e
a obra “A educação dos Jiripancó: uma reflexão sobre a escola diferenciada dos povos indígenas em
Alagoas” do autor Gilberto Geraldo Ferreira. E por fim, apresentar detalhadamente as
análises/problematizações, discussões e resultado da pesquisa realizada no ambiente escolar.
168
Sempre em fase de construção, porém já acessível para a comunidade escolar e pesquisas afins.
169
SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó.
Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena.
((antes de ser publicado).
170
“Cicinho Jiripancó” como carinhosamente é conhecido, pertence à etnia Jeripancó e faz parte atualmente da
coordenação da escola, também atua como professor de Língua Portuguesa, e é uma das lideranças indígenas do
conselho local da comunidade.
81
171
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 5. ed. –
São Paulo: Atlas, 2003. P. 83.
172
MATTOS, Carmem Lúcia Guimarães de. “A abordagem etnográfica na investigação cientifica”. In;
Etnografia e Educação: conceitos e usos. MATTOS, Carmem L. Guimarães; CASTRO, Paula Almeida de.
(Orgs.) Campina Grande: EDUEPB, 2011. P. 51.
Disponível em: <static.scielo.org/scielobooks/8fcfr/pdf/Mattos-9788578791902.pdf >
173
Para um estudo mais aprofundado do uso da etnografia na pesquisa educacional ver: MATTOS, Carmem
Lúcia Guimarães de; CASTRO, Paula Almeida de. (Orgs.). Etnografia e Educação: conceitos e usos. Campina
Grande: EDUEPB, 2011.
82
174
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de Pesquisa: planejamento e execução
da pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 7. Ed. -5 reimpr.-
São Paulo: Atlas, 2011. P. 76-79.
175
LARROSA, Jorge Bordiá. Notas sobre a experiência e o saber de experiência (Revista Brasileira de
Educação) 2002. Disponível em: <WWW.scielo.br/scielo.php?script=51413-24782000100003>. Acesso em: 06
de fevereiro de 2017.
176
Optamos por estas turmas, devido os conteúdos de história do Brasil destinados a estas séries; também devido
o fator da diferença étnica dos dois professores de história atuantes nestas turmas; o professor do 8º ano é
indígena Jeripancó, e a professora do 7º ano não é indígena. O intuito não é estabelecer uma comparação
83
hierárquica entre os professores, mas em entender as práticas de Ensino de História que cada um desenvolve nas
turmas analisadas, e assim compreendemos quais as configurações desse ensino.
177
A escolha do ano 2006 como início do marco temporal da pesquisa, teve respaldo nas informações dos
professores e direção da escola pesquisada, afirmaram que foi em 2006 o inicio do ensino fundamental II na
Escola Estadual Indígena José Carapina. Devido à reforma estrutural do prédio principal, alguns documentos
foram extraviados, e infelizmente não foram encontrados registros documentais referentes ao ano de 2006 na
escola; tivemos que nos valer da memória e oralidade desses professores e do diretor, atuante na direção da
escola desde 2003.
178
Os critérios aqui estabelecidos foram adaptados ao presente trabalho de conclusão de curso; estão embasados
em GOMES, Gustavo Manoel da Silva. A cultura afro-brasileira como discursividade: histórias e poderes de um
conceito. (Dissertação de Mestrado em História Social da Cultura Regional). Universidade Federal Rural de
Pernambuco, Departamento de História, Recife, 2013.
84
Isso não significa dizer que essa maneira de entrevista, que classificamos de dialogada,
não tenha falhas, lógico que todo instrumento de coleta de dados possui suas limitações, no
entanto o pesquisador precisa buscar meios de adequar os instrumentos a realidade do seu
objeto de estudo, o que se constatou na presente pesquisa com o referido instrumento de
coleta de dados, ele foi adaptado a realidade empírica da pesquisa em questão, por se
constatar que a forma de entrevista semi-estruturada não daria conta dos objetivos propostos
na investigação, por que durante o período da observação, os professores quando convidados
para ser entrevistados, demonstraram nervosismo e insegurança para falar do tema, mesmo
sabendo dos objetivos da entrevista; por isso a tática de prepará-los psicologicamente, como
também ganhar de certa forma a confiança dos mesmos para tratar de questões que envolvem
suas próprias práticas e concepções como profissionais na área da educação.
As dificuldades nas entrevistas consistiram na falta de tempo dos professores, além do
ambiente das entrevistas que tiveram de ser realizadas na própria escola, durante o intervalo
das aulas, num tempo de 20 minutos, numa sala minúscula onde funciona a biblioteca, e
comportam os materiais pedagógicos, armários de fichários etc.; por isso foi importante a
tática do diálogo para ganhar confiança muito antes das entrevistas, como também o diálogo
descontraído antes de apertar o “play” e gravar a conversa; foi o que aconteceu nas entrevistas
de ambos. Mesmo diante do barulho dos alunos no pátio, numa sala pequena, a entrevista
fluiu tranquilamente.
Foi necessário realizar uma pesquisa serial nos diários de classe durante o período de
observação participante na escola; pretende-se compreender através da pesquisa realizada
quais os temas que foram mais trabalhados no ensino de História das referidas turmas, desde o
inicio da implementação do ensino fundamental II (2006 a 2016) ofertado na escola. Com
uma pesquisa qualitativa busca-se analisar se a história e cultura local específica do povo
Jeripancó está sendo contemplada conforme as propostas curriculares interculturais
referenciadas para as escolas de categoria indígena. A proposta é quantificar todos os temas,
separando-os entre: a) saberes específicos da comunidade e b) saberes históricos gerais,
buscando identificar quais os temas mais abordados em sala de aula. Em seguida analisar
qualitativamente a contribuição destes temas para as propostas interculturais referenciadas
para o ensino de História em escolas indígenas.
Quanto aos problemas e dificuldades, alguns diários não foram encontrados na escola,
segundo o diretor, devido à reforma do prédio escolar, muitos documentos foram extraviados
da instituição, o mesmo alega que a falta de vigilância contribuiu para o ocorrido. Muitos dos
diários que foram encontrados não estão preenchidos adequadamente ou nem estão
86
preenchidos, alguns constam apenas os nomes dos alunos e seu respectivo número de
chamada. Diante disso, encontramos dificuldades para se trabalhar com a pesquisa serial,
visto que muitos dos documentos estão incompletos, todavia, buscamos através do material
encontrado e disponível, ao todo nove diários, realizar a pesquisa considerando que esses
diários nos aproximam do objetivo a que buscamos chegar nesta pesquisa de TCC.
A análise dos livros didáticos de História das turmas de 7º e 8º ano teve como objetivo
compreender como o indígena é representado na narrativa histórica dos exemplares, com
critérios como: quais os cenários em que aparecem; quando e como são apresentados; sob
quais concepções teóricas, conceitos, lugares sociais; como são referenciados na narrativa
histórica e se é estereotipado ou não. Buscaram-se esses critérios de análise considerando a
importância que o livro didático possui para a prática de ensino na escola, como também
analisar se os exemplares contemplam a perspectiva de proposta intercultural em sua escrita,
visto que as propostas para a construção do currículo em escolas de categoria indígenas são de
referência intercultural.
As dificuldades apresentadas quanto à análise do livro, foram justamente a falta de
exemplares suficientes para ambas as turmas, e, não tendo livro suficiente para a demanda dos
alunos, consequentemente não tinha livro sobrando para realizar a análise; tivemos que
negociar horários e datas com os professores para ter acesso aos exemplares, além da falta do
livro didático “manual do professor” o que queríamos de fato analisar, mas, não sendo
possível, analisamos o destinado ao aluno, também utilizado pelos professores. Segundo a
Direção escolar, essas situações são comuns na escola, apesar dos apelos pela devolução dos
livros para uso de outros alunos no ano seguinte, muitos ao término do ano letivo não
devolvem os livros didáticos. E como os livros analisados já estavam em seu último ano de
uso, poucos exemplares ainda circulavam na sala entre os alunos que se revezavam ou
formavam grupos para acompanhar as aulas e realizar suas atividades em sala de aula.
Outro instrumento utilizado na pesquisa e coleta de dados foi o diário de campo,
confeccionado a partir das observações das aulas de História nas já referidas turmas a cima;
esse instrumento primordial para o trabalho do etnólogo foi de grande relevância na pesquisa
em questão, pois possibilitou a iniciante pesquisadora a experiência particular com os sujeitos
da pesquisa, ou melhor, com o grupo étnico Jeripancó. A vivência cotidiana e reflexões
durante a observação das aulas de História foram riquíssimas, no sentido de analisar as
relações e interações ou não da História ensinada com a realidade dos sujeitos envolvidos no
processo educativo escolar.
87
3.2. UMA NARRATIVA ÉTNICA: breve relato sobre a história do povo Jeripancó
179
SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó.
Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. p.
28.
180
BRITO, Maria de Fátima. Relatório Antropológico da Terra Geripancó. Recife: Fundação Nacional do
índio, 1993-FUNAI. P 3. Apud SANTOS, Cícero Pereira. Território e Identidade: processo de formação do povo
Jiripancó. 2015 (Monografia)
88
O processo que deu origem ao povo Jeripancó consiste numa história entrelaçada com
o aldeamento de Brejo dos Padres que foi extinto ainda no século XIX, sob a influência da Lei
Nº 601 de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras) que corroborou para a invasão das terras
não só desse aldeamento, mas de vários outros que ainda sobreviviam naquele período. Entre
outros motivos, esta Lei promoveu violências imensuráveis contra os povos indígenas e
consequentemente a fuga de muitos índios em busca de lugares propícios a sua sobrevivência.
Fato que ocorreu com o indígena José Carapina e sua família que ao fugir da violenta
ocupação da Aldeia Brejo dos padres, se estabeleceu no sertão de Alagoas. No Relatório
Antropológico, Brito baseado no relato do cacique Jeripancó Genésio Miranda da Silva,
retrata:
Quando chegou (Zé Carapina) ao pé da Serra do Brejo, ia correndo e
encontrou uma menina moça por nome de Izabel. Ela ia do Capela para o
Brejo. Ele contou o que estava acontecendo lá e a chamou para fugir, ela
“num quis” desceu a serra e viu o fogaréu na aldeia, voltou e alcançou meu
bisavô, desceram pela tapera rumo ao Moxotó, atravessaram o riacho e
subiram. Aqui no Olho D’água de Baixo encontraram um fazendeiro, o
Major Marques, os dois pediram apoio, o fazendeiro não sabia o que estava
acontecendo no Brejo. Vá, procure um lugar e fique, melhor, siga rumo as
duas serras grandes, lá tem uma fonte, fique e olhe meus bichos que se der
certo, por lá, logo apareço. Chegou lá encontrou a fonte de água salobra
onde os bodes, ovelhas e bois dormiam. Ali ele ficou com Izabel. Fez uma
taperinha para se esconder com a mulher. Chegou família. Ele fez uma
rocinha cercada com galhos de árvores para sustentar sua família pequenina.
O Major Marques viu e não gostou, exigiu que Zé Carapina tirasse o que
pudesse e abrisse a cerca para que os seus animais comessem o resto. Zé
Carapina resistiu. O Major foi à inspetoria que ficava na vila de Pariconha
dar queixa- Não quis tomar providencias sozinho porque outras pessoas
também tinham visto o trabalho de Zé Carapina. Relatou o problema, o
Barão discordou e disse que não era certo acabar com a roça do Zé Carapina,
isso é crime, o que você pode é entrar em acordo, sugeriu que lhe desse 3
matrizes de cabra e um reprodutor, esse deveria servir para que tivesse
condições de fazer o acordo sobre a terra que ocupava. Com 4 anos o Major
o procurou, viu que os animais tinham rendido. O Barão intermediou a
venda e arrumou um comprador. Aí Zé Carapina vendeu apurou tanto
dinheiro que nunca tinha visto, porém não dava para negociar, foram800 réis
e o dinheiro ficou em posse do Barão que mandou chamar o Major. Mostrou
a quantia, mas o Major quis bem mais, o Barão completou, mas pediu uma
área maior. Então o major deu os limites em averbação com uma posse de
terra do pé da serra para fora. Se a terra foi vendida por Ana Vieira do
Nascimento, então os registros que constam haver o território, são sem
valia?181
181
BRITO, Maria de Fátima. Relatório Antropológico da Terra Geripancó. Recife: Fundação Nacional do
índio, 1993-FUNAI. P 10. Apud SANTOS, Cícero Pereira. Território e Identidade: processo de formação do
povo Jiripancó. Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura
Intercultural Indígena. p. 30.
89
Para Santos a aldeia e formação do povo Jeripancó, nasceu a partir da chegada das
primeiras famílias e seus descendentes. É notório que essa forma de pensar a datação da
origem da comunidade se remete tanto a questão da terra como a questão da identidade. Na
questão da terra, consta que alguns herdeiros foram pressionados por autoridades e
182
SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó.
Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. p.
16.
183
Ibidem, p. 17.
184
Ibidem, p. 15.
90
Durante muitos anos permaneceram no anonimato, mas, mesmo com todos esses
impasses, a aldeia prevaleceu e a identidade étnica foi preservada. A partir do inicio do século
XX, com a criação do SPI em 1910 e a partir do reconhecimento étnico da etnia indígena
185
Consiste em falsificar documentos, e envelhecê-los em caixas com grilos, dando a aparência de documentos
antigos, para legitimar a posse fraudulenta e irregular de terras.
186
Sistema de poder político, econômico e social da elite agrária predominante nas zonas rurais do Brasil; teve
seu desenvolvimento no final do século XIX e início do século XX, através do regime representativo do voto.
Caracterizado pelo Mandonismo, “filhotismo” e o chamado “voto de cabresto”. Para um maior entendimento
deste conceito referenciamos: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime
representativo no Brasil. São Paulo: Alfa e Omega, 1975.
187
SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó.
Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. p.
36.
188
Ibidem, p. 63.
91
De 1894, marco inicial da formação da aldeia Ouricuri, até a década de 1980, os índios
não usavam a nomenclatura Jeripancó, eram chamados de “Pankararú desterrados” devido sua
origem no aldeamento Brejo dos Padres. A história do nome está estreitamente ligada ao
nome Pankararú descende de um dos povos que compôs o aldeamento Brejo dos padres no
século XIX. Santos189 esclarece que a comunidade não se auto denomina filha de Pankararú,
mas irmã, visto que descende das etnias que compôs o aldeamento de onde nasceu Pankararú
e não necessariamente nasce dele. Há ligação por herança e origem ancestral, mas são
independentes quanto à questão da auto-afirmação étnica.
O significado do nome Jeripancó traduz-se: JERI= povo, PANCÓ= grande e tem
ligação com o nome Pankararu. “O etnômio Geripancó/Jiripancó é parte do nome pankararú,
lembrando que sua história está ligada a outros povos, grupos indígenas que formaram a
unidade pankararú (Pancaru, Jiritacó, Calancó, Umã, Canabrava, Tatuxí de fulô)” 190; a
escolha do nome constituiu-se da seguinte forma no relato do cacique Jeripancó Genésio
Miranda da Silva:
Quando levamos ao conhecimento das autoridades a existência da nossa
aldeia só “sabia” que “nois” tinha vindo Do Brejo dos Padres, lá de
Pancararú e não tinha saber que era seis nomes que formava aquela nação
(...) Foi eu e Elias Bernaldo o Pajé, ainda em 1982 para Brasília quem
convidou foi “nois” foi o pessoal de Palmeira dos Índios. Miguel celestino
Xucuru-Cariri que já era velho na luta, o Ibis menino lá de Wassu,
Geovátambém, Cícero Duruanda de Colégio, Juarez Carapotó, esse pessoal
189
SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó.
Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. p.
19.
190
ARRUTI, 1996, P. 33-34; Apud, SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de
formação do povo indígena Jiripancó. Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso
de Licenciatura Intercultural Indígena. p. 16.
92
Essa é a história do nome Jeripancó relatada pelo então Cacique da aldeia; a citação
nos revela as formas de reconhecimento étnico entre os próprios indígenas de etnias
diferentes, não cabendo neste estudo o aprofundamento da questão, vale ressaltar que a fala
do Cacique é bem esclarecedora quanto à escolha do nome Jeripancó. Nesta citação também
se observa a “união” e “solidariedade” dos povos indígenas em busca por reconhecimento
nesse período. Em suma, o nome Jeripancó deriva de Geritacó/jiritacó, é um dos nomes que
compõe a Família Pankararú, portanto povos irmãos de cultura e rituais semelhantes, porém
independentes quanto à auto-afirmação étnica.
Um fato curioso e que despertou a curiosidade da presente pesquisadora são as
variações de escrita do nome da etnia: Jeripancó/Jiripancó/ Giripancó/ Geripancó e em alguns
documentos da escola o “c” é trocado pelo “k” no final do nome, como também é usado nas
variações da escrita supracitada. Na pesquisa serial nos diários da escola foram percebidas
essas variações, assim como em documentos oficiais e registros de entrevista com pessoas
mais velhas da comunidade, também em referências bibliográficas utilizadas no presente
trabalho de autores que pesquisaram a comunidade, inclusive no referido trabalho que
tomamos por base para trazer esse breve histórico da comunidade, o autor Cícero Pereira dos
191
Depoimento de Genésio Miranda da Silva. Pinhancol, Setembro 2006; Apud, SANTOS, Cícero Pereira dos.
Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó. Palmeira dos índios. UNEAL,
2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. P. 18.
93
Santos opta pela nomenclatura Jiripancó e ressalta ser a sua escolha um gesto de trazer à
memória a forma como os mais velhos se autodenominaram.
Da mesma forma Gilberto Geraldo Ferreira também optou pela mesma forma de
escrita e sob os mesmos motivos, mas não trazem uma discussão sobre essas variantes na
escrita e na pronúncia considerando o “i” e ou “e” na escrita dos nomes. Neste trabalho
optamos pela variante Jeripancó, considerando que o nome tem várias formas de escrita e
duas formas de pronúncia, mas permanece o mesmo significado original.
Na comunidade a cultura está intimamente ligada aos rituais religiosos que fazem
parte do cotidiano vivido, reafirmando suas relações com o sagrado e fortalecendo a
identidade étnica e cultural dos Jeripancó. Apoiaremos-nos na pesquisa e nos relatos de
experiências do historiador Gilberto Geraldo Ferreira para trazer neste trabalho um breve
relato do cotidiano dos espaços culturais, religiosas e de auto-afirmação étnica na aldeia
Ouricuri do povo Jeripancó. Ferreira destaca que ao se aproximar do cotidiano dos Jeripancó
identificou que “[...] o ritual faz parte da cultura que se transmite no dia-a-dia e que se
relacionam as outras relações socioeconômicas e políticas do povo Jiripancó”192.
Entre os espaços geográficos considerados sagrados na comunidade se destacam o
“poró” e o “terreiro”, nestes perpassam quase todos os rituais e que há distinções entre estes
espaços no universo religioso Jeripancó, mas não são dissociados um do outro. O poró
constitui-se um lugar sagrado na comunidade Jeripancó, é uma construção de alvenaria, uma
pequena casa, espaçosa, feita de blocos de cimento e coberta por telha de cerâmica, onde se
realizam quase todos os rituais fechados à comunidade, somente quem tem permissão pode
freqüentar o espaço; nem todos da comunidade podem participar de certos rituais, este espaço
só pode ser adentrado por homens e apenas algumas mulheres (a depender de suas posições
religiosas), é o lugar onde acontece as reuniões concernente as questões religiosas, um espaço
onde convivem o real e o sagrado. Ferreira salienta que:
É um lugar silencioso, de muito respeito, no qual alguns buscam refúgio para
a reflexão, dado o fato de que se trata de um lugar tido como cercado de
energias, transmissor de paz, segurança e tranqüilidade, capaz de reestruturar
a mente e o corpo. Assim nos sentimos quando lá estivemos.193
192
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó: uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 69.
193
Ibidem, p. 73.
94
194
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó: uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 75.
195
Ibidem, p. 75.
196
Ibidem, p. 80.
95
tem um tecido, espécie de bandeira, geralmente com pintura de símbolos cristãos (a exemplo
da cruz) e indígenas; na mão seguram geralmente um maracá, instrumento feito de cabaça ou
de coité ambos nativos da região. Na expressão de Ferreira “não há palavras que possam
explicar com maior precisão o que é um Praiá, porque o significado completo está imerso na
cultura indígena, a cuja existência não é dada explicação”197. O universo religioso Jeripancó é
complexo e secreto considerando a pouca abertura explicativa dos indígenas com os não
índios ao se tratar de temas que envolvem a religiosidade da comunidade.
Considerando estes espaços, as festas que mais se destacam na comunidade são as
festas do umbu e a dança do cansanção, outra é a festa da Santa Cruz esta de cunho católico
realizada na igreja da comunidade e que segue o ritual dogmático das demais festas de
padroeiro que se comemoram em povoados da cidade de Pariconha. A comunidade possui
duas igrejas católicas, uma de Santa Cruz, símbolo da fé cristã, mas que por muito tempo foi
utilizada pelos índios Jeripancó como estratégia para praticar seus rituais específicos no
“tempo das perseguições”, a festividade se tornou tradição entre os indígenas, e é
comemorada todos os anos na comunidade; e a outra igreja é composta por símbolos da
cultura Jeripancó.
A festa do umbu198 traduz-se entre as festas mais importantes da comunidade e que
acontecem todos os anos, trata-se de um ritual que fortalece a relação dos índios com o
sagrado, a dança do cansanção acontece no encerramento da festa do umbu; há outros rituais
como o menino do rancho, puxada de cipó, dança da passagem de ano, os trabalhos de mesa
entre outros mais fechados e restritos. Para Ferreira:
Podemos observar que a religiosidade não se dissocia da cultura e é muito forte esta
relação no cotidiano vivido do povo Jeripancó, a escola e em específico o ensino de História
pode sim buscar junto e em conformidade com a comunidade mecanismos de disseminar
197
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó: uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 82.
198
Fruto comestível do umbuzeiro, nativo da região da caatinga. O umbu na cosmologia Jeripancó não significa
somente o alimento para o corpo material, mas a relação com o sagrado, com a terra, com a natureza. Esta festa
do umbu também é presente nas aldeias das etnias Karuazú e Katokinn em Pariconha.
199
FERREIRA, Idem, Op. Cit. p. 92.
96
esses saberes na sala de aula, dessa forma não se busca ensinar o índio o que ele já é: índio; e
muito menos fazer da escola a salvadora da cultura dos Jeripancó; mas buscar uma
valorização da cultura vivida, desse universo de histórias operadas pela memória e oralidades,
costumes e crenças que fortalecem o sentimento de pertença étnica desse povo. Em vista
disto, a escola, que antes operava (ou opera ainda) como instrumento de negação das culturas
indígenas e em específico a história que negou por séculos a visibilidade histórica dos povos
indígenas, passam a ser um instrumento capaz de mudar este cenário de invisibilidade e
violência contra os povos indígenas. Assim pensamos que o ensino de História não pode de
forma alguma está alheio a esta realidade elencada.
A Escola Estadual indígena José Carapina foi oficializada como categoria indígena
diferenciada pelo Decreto nº 1272 de 04 de junho de 2003, expedido pelo Governo do Estado
de Alagoas, conforme o art.107, inciso IV da Constituição Estadual, que implementou a
categoria Educação Escolar Indígena200. Vale frisar que já havia antes do Decreto Estadual
1272/2003 uma escola na comunidade gerida pelo município, que tinha o nome de José
Quintino da Silva, cujo prédio foi doado para o Estado e atualmente funciona como anexo da
escola atual. A escola recebeu o nome de José Carapina por este ser um dos primeiros
habitantes do lugar; a escola antes na gestão municipal tinha o nome de José Quintino da
Silva que era neto de José Carapina (apelido de José Antônio do Nascimento), mas com o
decreto de 2003, que instituiu a educação Indígena na comunidade, mudaram o nome para
José Carapina no sentimento de homenagearem esse índio Pankararu que fugiu da invasão da
aldeia Brejo dos Padres na província de Pernambuco, e em 1852 deu origem ao povo
Jeripancó.
É ofertado na escola serviços de saúde bucal para todos os envolvidos na educação,
desde a merendeira, o aluno ao Diretor, todos recebem aplicação de flúor uma vez por mês,
creme dental e escova de dente; a saúde bucal dos envolvidos na educação escolar sempre é
acompanhada pelo profissional dentista que presta serviços a comunidade.
A escola funciona em dois prédios (complexo escolar), um de estrutura padrão
determinado pelo Estado para escolas indígenas, o outro, é um prédio onde antes funcionava a
200
ALAGOAS (Estado). Decreto nº 1272 de junho de 2003. Diário Oficial do estado de Alagoas. Poder
executivo, Alagoas, AL, 05 jun. 2003. 115º da República do Brasil. Ver em anexo A.
97
escola municipal, doada para o Estado, sendo este um anexo que fica a aproximadamente 100
metros de distância do prédio novo principal. Vejamos no quadro demonstrativo a
apresentação do prédio principal.
Em conversa com o Diretor atuante desde 2003, a escola foi pensada e construída para
oferta do ensino infantil e fundamental I, mas devido à necessidade de um ensino completo na
comunidade indígena, e visto que os índios não tinham uma educação específica da sua
cultura no ensino fundamental II e Ensino Médio ofertado na escola convencional na cidade
de Pariconha, foi implantado o fundamental II no ano de 2006, e depois o Ensino Médio na
escola da comunidade Jeripancó, no entanto, não houve uma ampliação na estrutura física da
escola, o que resultou na falta de espaço físico para atender a demanda; a escola não conta
com almoxarifado o que implica na constante organização das salas (diretoria e biblioteca).
Antes o problema que preocupava a comunidade escolar era a falta de segurança; a
escola foi construída com muros, mas esse muro foi aos poucos sendo derrubado, e não
havendo uma reforma, foi totalmente extinto, sobrando apenas os dois pilares que
sustentavam o portão principal onde era à entrada da escola; com essa situação da falta do
muro, a escola ficava a mercê de qualquer um; os vidros das janelas e as lâmpadas do pátio
eram constantemente quebrados, as portas não possuíam mais trincos, fechadas com correntes
e cadeados. A escola era aberta a comunidade, mas também era aberta para aqueles que a
depredavam; o perigo maior era no horário noturno, em que segundo o vigilante “vinha gente
(rapazes) de todo lugar da região, e se aglomerava nas janelas de vidros quebrados,
perturbando as aulas e distraindo os alunos”. Atualmente, essa preocupação tem diminuído
devido à reforma que foi feita na escola no inicio de 2016, o muro foi erguido e até o presente
momento desta pesquisa não houve ocorrência de casos de depredação ou vandalismo ao
patrimônio escolar.
A subordinação administrativa da escola é de rede Estadual, de responsabilidade da
11º GERE (Gerência Regional de Educação), funciona nos três turnos: matutino com o ensino
fundamental I, turmas de 1º ao 4º ano; vespertino com o ensino fundamental II, turmas de 5º
ao 8º ano e educação infantil; noturno com o 9º ano e Ensino Médio completo. Fazem parte
do corpo de funcionários: 2 vigias, 3 merendeiras, 3 auxiliares de serviços gerais, 1 agente
99
201
Dados coletados no Projeto Político Pedagógico da escola. Disponível na diretoria da escola pesquisada.
202
Dados quantificados através do PPP da escola. Disponível na diretória da escola pesquisada.
203
Idem.
100
de fora da sua cultura, porém sem negar ou perder sua identidade étnica. A noção de fronteira
para evidenciar as relações culturais distintas discutidas por Tacinari204 refletem o perfil da
comunidade Jeripancó que mesmo em constante relação com o exterior da aldeia, não perdeu
a etnicidade.
A escola na percepção do professor João primeiro trouxe um conforto aos alunos que
se deslocavam todos os dias para estudar nas escolas da cidade, pois não precisariam mais sair
da aldeia para continuar os estudos no ensino fundamental II e o Ensino Médio. Outro ponto
na fala do nosso entrevistado reflete o significado da escola e sua importância que é de
204
TASSINARI, A. M. I. Escola Indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de educação. In:
Antropologia, história e educação: a questão indígena e a escola/A. Lopes da; FERREIRA, M. K. L. (Orgs.) São
Paulo: Fapesp/Global/Mari, 2001.
205
Nome fictício. João é de origem étnica indígena do povo Jeripancó, professor atuante na escola desde 2013,
tem formação superior: cursou Licenciatura Intercultural Indígena, ligado a Licenciatura História, pela
Universidade Estadual de Alagoas. Cursa Especialização à distância em Metodologia do ensino de Geografia e
História pelo Instituto PROMINAS. Mora na cidade de Pariconha. É atuante na comunidade.
206
Questionário destinado ao professor João. In; apêndice. B, 2006.
101
207
Nome fictício. Laura não é indígena. Professora atuante na escola desde 2013 tem formação em pedagogia e
letras, possui pós-graduação em mídias da educação e outra em ensino de língua portuguesa. Mora no município
de Água Branca, cidade próxima a Pariconha. Atua como professora de História, Artes, português, Inglês e
ciências.
208
Questionário destinado a professora Laura. In; apêndice B, 2006.
209
Disponível na diretoria da escola.
102
a função de “salvar” a cultura indígena, visto que não é o único espaço educativo na aldeia, e
não é sua função ensinar o índio a ser índio, pois a cultura Jeripancó está bem viva e atuante
na comunidade. A escola na realidade deve buscar inserir a cultura local no currículo escolar.
Em conversa informal com coordenadores da escola, buscamos entender se esses
objetivos teriam outro significado no olhar dos envolvidos na educação escolar Jeripancó, e
constatou-se que “resgatar” seria na verdade trazer da comunidade para a escola a cultura
local com o intuito de contribuir com o fortalecimento da identidade cultural. A questão da
“preservação” é remetida a manter a memória cultural dos Jeripancó viva e atuante no
contexto escolar.
Como a escola é Estadual, a mesma recebe o plano curricular do Estado; a base
curricular enviada pela GERE (Gerência Regional de Educação) para a escola José Carapina é
a mesma ofertada nas escolas Estaduais de Alagoas. Essa proposta curricular ao chegar à
escola sofre adaptações quando relacionada com os saberes locais da comunidade, buscando
construir um currículo próprio.
A coordenadora Adriana esclarece que:
210
Questionário destinado a coordenadora pedagógica Adriana. In: Apêndice A, 2016.
103
211
Questionário destinado a coordenadora Adriana. In; Apêndice A, 2016.
104
O currículo, ele vem mandado pela própria secretaria, enviado pela GERE,
que é a gerência que trabalha com as Escolas Estaduais aqui em Alagoas, aí
através desse currículo é repassado pra escola que trata... que passa para os
professores para que os professores possam trabalhar esse currículo dentro
das escolas indígenas; só que a diferença é que a gente é uma escola
indígena e o currículo ele é geral, é pra todas as escolas Estaduais, então nós
como professores, no caso eu como professor tento expor... usar sim o
currículo, mas trazer pra nossa realidade o máximo que consigo, o máximo
de informações que possa trazer para nossa realidade, pra o nosso povo, pra
212
Questionário destinado a coordenadora pedagógica Adriana. In; Apêndice A. 2016.
105
tentar trazer um pouco de informações para os nossos jovens, que por mais
incrível que parece pouco se preocupam pela sua história pelo seu
passado.213
213
Entrevista dialogada com professor de história João. In; Apêndice C, 2016.
214
Entrevista dialogada com professora de história Laura. In; Apêndice D, 2016.
215
Entrevista dialogada com professor de História João. In; Apêndice C, 2016.
106
Medieval, Moderna e Contemporânea, incluindo nas duas últimas a História do Brasil, estes
períodos são distribuídos conforme a série/ano.216
O Estado deveria manter uma política educacional também de postura diferenciada
que atendesse as escolas indígenas considerando suas especificidades. Entende-se neste
sentido, que o papel do Estado para com as populações indígenas e em específico com a
educação diferenciada é de descaso, pois se assinam Decretos viabilizando uma educação
escolar que atenda as especificidades das etnias indígenas, porém na prática essa
especificidade não é respeitada, nem mesmo o próprio decreto 1272/2003, pois em relação ao
currículo Estadual, na prática, o Estado não diferencia escolas de categoria indígenas de
escolas não indígenas, o currículo ou conteúdos enviados são de igual modo para todos o que
nos faz compreender o poder controlador do Estado, o perfil controlador e homogeneizado
ainda predominante na educação escolar ofertada pelo mesmo.
Quanto ao papel da coordenação pedagógica na escola, esta precisa acrescentar junto
aos conteúdos enviados pela GERE os saberes tradicionais da comunidade, e muitas vezes o
tempo letivo a ser cumprido se torna pequeno diante de tantos conteúdos, o que leva a criação
de projetos interdisciplinares que envolvam a cultura local. O trabalho desses profissionais
não é fácil, os mesmos precisam cumprir os conteúdos padrões num mesmo tempo que
necessitam pensar formas e estratégias de inserir os saberes locais para o ensino de História
tornar-se específico. Tarefa desafiadora quando pensamos na questão da falta dos materiais
didáticos e paradidáticos específicos da cultura indígena local.
O Estado responsável pela produção do material didático específico para escolas
indígenas, não tem avançado nesta questão, ou melhor, ainda não há materiais didáticos
específicos produzidos pelo Estado para a escola dos Jeripancó, um problema recorrente para
a maioria das escolas indígenas em Alagoas e no Brasil. Por outro lado, as poucas produções
acadêmicas concernentes a comunidade Jeripancó não tem sido utilizadas na escola, o uso
pedagógico destes trabalhos para o ensino na escola não é tarefa fácil, exigiria tempo e um
esforço da comunidade escolar junto ao Estado para capacitar os professores para essa tarefa
desafiadora.
Por fim, os professores nesta dinâmica têm um papel coadjuvante, a pesquisa
desvendou que eles não possuem autonomia para escolherem os temas ou conteúdos a serem
trabalhados na disciplina História em sala de aula. Os mesmos já recebem da coordenação
uma seleção curricular prévia já enviada pela GERE, e se há alguma relação ou sugestão dos
216
Cabe enfatizar que esse dado evidenciou-se não só nas entrevistas e nos livro didáticos, mas também nos
registros de aulas nos diários de classe.
107
professores quanto à escolha dos temas trabalhados, não se evidenciou durante a pesquisa de
campo. O que se notou foram somente opiniões nas estratégias quanto aos conteúdos que
deviam ser mais evidenciados em sala de aula e não a escolha de quais seriam trabalhados no
ensino de História. Essa dinâmica evidenciou-se numa relação de poder vertical entre
Estado/Escola Indígena/Professores indígenas quanto à seleção dos temas de História.
Para além do currículo oficial, tanto nas entrevistas com os professores como na
observação em sala de aula, ficou claro que a base do ensino de História nas turmas do 7º e 8º
ano é o livro didático. Esta ferramenta pedagógica traz em seu bojo concepções e ideologias
muitas vezes imperceptíveis a um primeiro olhar, por isso a necessidade de uma análise mais
meticulosa dos temas/conteúdos contidos nos livros didáticos de História das já referidas
turmas, se dialoga ou não com as relações étnicas raciais referentes à temática indígena.
Em analise do livro didático217 utilizado na turma de 7º ano, a temática indígena é
muito bem trabalhada e relacionada com demais temas da História do Brasil Colônia. Nesta
análise os critérios escolhidos foram: a quantidade de páginas em que o indígena aparece, o
cenário em que é evidenciado, o perfil que o caracteriza na escrita, a situação social em que
aparece, e a existência versus inexistência de conflitos.
Vale ressaltar que tanto na organização das unidades como na escrita dos autores, é
notório que a História do Brasil tem seu ponto de partida na História da Europa; primeiro se
conhece e estuda o contexto europeu para se chegar ao contexto brasileiro, ou seja, a História
do Brasil colonial. Consta aqui salientar, que o presente exemplar traz a História do Brasil
Colonial, é neste ponto que iremos lançar o nosso olhar referente às formas como os indígenas
são apresentados, sob quais conceitos no tocante a esse período da História do Brasil retratado
pelos autores, assim como o diálogo entre passado e presente. Ver a baixo o quadro
demonstrativo com o resultado da análise:
217
COTRIN, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Saber e Fazer História. 7° ano. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
108
218
COTRIN, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Saber e Fazer História. 8° ano. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
110
Cabe enfatizar que a importância dada aos indígenas no livro é muito superficial,
considerando os outros capítulos que tratam da História européia e dos Estados Unidos.
Não foi cabível aqui analisar mudanças conceituais considerando que não apareceu no livro
didático. Mas vale ressaltar que mesmo nos dias atuais é percebido que os indígenas ainda são
associados ao passado e invisibilizados na História da independência do Brasil e no período
Imperial.
O exemplar do 8º ano aqui analisado tem seu valor e não foi produzido
aleatoriamente. Compreendemos que a escolha do livro didático deve ser de forma a que
chegue o mais perto possível da necessidade e realidade onde a escola está inserida, visto que
contribua de algum modo para a realidade local dos discentes e auxilie de maneira mais eficaz
o trabalho do docente. Em suma, o livro analisado e utilizado no ensino de História para a
turma do 8º ano na escola dos Jeripancó não dialoga de maneira adequada com a temática
indígena, tampouco favorece o diálogo pedagógico com a realidade local.
111
Em análise dos temas/conteúdos enviados pela GERE para o ensino de História nas
turmas de 7º e 8º ano219 concluiu-se que tratam mais sobre a História européia e dos Estados
Unidos do que mesmo a História do Brasil e temática indígena. Dos 19 temas/conteúdos
enviados pela GERE para o ensino de História no 7º ano durante todo o ano letivo de 2016,
somente um tema/conteúdo contempla a história dos povos indígenas no Brasil e dois temas
tratam da História Colonial referente à “ocupação e colonização do Brasil” estando em
discussão à mão de obra indígena e africana; o outro sobre a “administração portuguesa no
Brasil” cujo assunto se remete as Capitanias hereditárias e Governo Geral; os dezesseis
temas/conteúdos restantes são referenciados para tratar da História européia.
Ao comparar com a análise do livro didático do 7º ano ver-se uma disparidade,
considerando que o exemplar mesmo timidamente apresenta requisitos para um ensino de
contribuição a valorização dos indígenas na História, mas os temas/conteúdos enviados pela
GERE, não contemplam a contento a temática indígena. Notam-se mais uma vez a relação de
poder que envolve os temas/conteúdos selecionados para o ensino de História.
Os temas/conteúdos enviados para o ensino na turma do 8º ano não foge a essa
realidade; dos 47 temas/conteúdos: vinte e três retratam a História do Brasil em fins do
período Colonial, Independência, Primeiro Reinado, Regência e Segundo Reinado, quase a
metade, porém não cita a temática indígena, nem mesmo menciona a palavra indígena na
proposta curricular; o que se observa é uma linha de pensamento de uma História mais
econômica e política do que mesmo cultural, evidenciando contornos de uma visão histórica
sob uma ótica européia.
Em comparação com a análise livro didático do 8º ano não há distância entre as
concepções históricas, sempre uma visão europeizada da História. No livro o indígena é
citado cinco vezes de modo muito superficial; já no plano curricular entregue ao professor do
8º ano, sequer é mencionado o nome índio. Percebe-se que os temas/conteúdos selecionados
para o ensino nas respectivas turmas não privilegiam a temática indígena nem de um modo
geral, nem de um modo particular em se tratando dos próprios Jeripancó.
Esses temas/conteúdos são entregues aos professores pela coordenação da escola para
trabalharem o ensino nas respectivas turmas já citadas; em conversa informal com um dos
professores da escola, o mesmo desconhece se a coordenação acrescenta temas/conteúdos a
este plano curricular enviado pela GERE, ou se entrega aos professores conforme enviado, já
que não há material específico produzido para o ensino da cultura local. O professor João
219
Ver em anexo B e C.
113
salienta: [...] o currículo que vem da GERE, a gente trabalha muito ele, e são poucas as coisas
que a gente trabalha da cultura, da realidade indígena, [...] apenas em material didático a gente
não tem nada! [...] que seja específico para se trabalhar a cultura indígena. [...]. Pode ser que a
falta de material didático específico da cultura Jeripancó tenha contribuído para uma seleção
de temas/conteúdos tão distantes da realidade local, ou a escolha seja pelo simples fato de a
cultura está tão enraizada no cotidiano escolar através das ações individuais, que a escolha
seja por conhecer e aprender os códigos culturais de outros povos; ou uma acomodação as
propostas curriculares que já vem pronta. São possibilidades que devem ser consideradas.
Na pesquisa serial com os diários de classe preenchidos e disponíveis (2008-2016)
evidenciou-se que os temas/conteúdos mais trabalhados no ensino de História nas turmas de
7º e 8º ano foram assuntos referentes mais a história de outros povos do que mesmo a
temática indígena, e história e cultura local. Os gráficos a seguir demonstram o percentual
detalhado dos resultados obtidos nos diários disponíveis na escola campo.
7º Ano
35
30
30
25
25
19 18
20 17
15
15
10 7
5
5
1 0
0
2009 2010 2012 2015 2016
História geral História específica
114
8º Ano
40
36
35 33
30
24 25
25 23
20
15
15
10
3 4
5 2
0 0 0
0
2008 2009 2010 2012 2015 2016
História geral História específica
Vimos nas discussões anteriores, que o ensino de História na escola dos Jeripancó
perpassa por desafios quanto à questão da seleção dos temas/conteúdos para a prática de
ensino. A legislação vigente dá autonomia para as escolas indígenas quanto a esta questão,
porém, o que vemos na prática e podemos denominar assim, é uma “autonomia limitada”,
considerando que a escola escolhe somente os temas relacionados à história e cultural local a
serem acrescentados, com pouco espaço no plano curricular enviado pela GERE; as poucas
abordagens sobre história indígena disponíveis nos livros didáticos e a falta de materiais
didáticos complementares para tratar a história e cultura Jeripancó são desafios a serem
superados. Para tanto, o que mais prevalece são temas/conteúdos alheios à temática indígena
de modo geral e específico, evidenciando assim um currículo do ensino de História distante
115
das propostas interculturais referenciadas pelo RCNEI. Pelos dados analisados referentes a
esta questão, constatou-se que se elaboram mais a perpetuação de um currículo eurocêntrico
do que de um currículo intercultural.
Para a discussão deste tópico foi de extrema importância o período de observação em
sala de aula. Vale destacar como os professores João e Laura definem as propostas
interculturais na Educação Escolar Indígena: a professora Laura apenas afirmou que essas
propostas acontecem em todo planejamento escolar, com propostas pedagógicas, mas não as
especificou; o professor João afirmou em sua resposta, que se trata de uma proposta pensada
pelas comunidades indígenas para continuar as novas gerações com o conhecimento cultural,
étnico e religioso da sua etnia. Passamos a analisar se na prática desse ensino configuram-se
relações interculturais.
Após a apresentação e explicação dos objetivos da pesquisa, se iniciou as observações
nas respectivas turmas de 7º e 8º ano, a última cadeira das salas sempre era ocupada pela
presente e iniciante pesquisadora, e a partir de então o olhar observador crítico e reflexivo foi
lançado à realidade da prática de ensino de História nas turmas em questão.
No primeiro dia de observação no 7º ano, já pode ser constatado que havia poucos
exemplares do livro didático para o uso dos alunos. A professora Laura alegou as dificuldades
em ensinar História numa escola indígena sob a base de livro didático que na maioria das
vezes torna invisível o papel dos povos indígenas na História;
Na fala da nossa entrevistada o livro didático de História não contribui com um ensino
de valorização do índio na História por está fora da realidade dos alunos, no entanto, o que se
constatou com a análise do exemplar destinado ao 7º ano, é que apresenta timidamente alguns
requisitos para um ensino de valorização do indígena, porém são os temas/conteúdos
selecionados para o ensino durante o ano letivo, que não condizem com as propostas
220
Questionário destinado a professora Laura, in: Apêndice B, 2016.
116
Eu trabalho com o livro didático, com os conteúdos que são necessários para
o conhecimento do educando, (né), na parte da história em si mesmo, (né).
Mas também trabalho pesquisas, faço muita pesquisa, e na parte de levar a
cultura, também trago revistas, já trabalhei com revistas, revistas indígenas,
trabalho com projetos (né), trabalho com produtos artesanais deles, peço
pra eles trazerem de suas casas, a escola não possui esses instrumentos, mas
os alunos, (né), como são todos indígenas, todos tem algum produto
indígena, de artesanato (né), de seus antepassados que refletem sua
cultura.221
[...] a trajetória do senhor José Carapina e sua esposa Izabel, quando fugiram
de Pernambuco e sua vida aqui no sertão de alagoas, até a formação da
comunidade indígena Jeripancó, procuramos trabalhar os tipos de armas
221
Entrevista dialogada professora Laura. Apêndice D, 2016.
222
Objeto para prática de fumar. Possui um formato semelhante a um funil, feito de madeira, produzido
artesanalmente pelos próprios índios; o fumo ou ervas medicinais é introduzido na extremidade mais aberta,
socado e depois acesso, sendo que a fumaça é sugada pela extremidade mais estreita. O campiô é um elemento
cultural e seu uso faz parte tanto do dia a dia dos índios na aldeia, como dos rituais no terreiro.
117
Segundo João, alguns temas/conteúdos são na prática de ensino substituídos para que a
história e cultura local sejam inseridas durante as aulas, a dificuldade está em não haver
material específico na escola. Na entrevista o professor João salienta que para trabalhar o
saber local em sala de aula, se vale metodologicamente da história oral, registrando as
memórias contadas pelas pessoas mais idosas na comunidade; também por um dos
coordenadores da escola que vive mais intensamente a cultura e os rituais na comunidade, este
escreve textos resumidos sobre a história da comunidade, e auxilia nos projetos
interdisciplinares sobre a cultura local.
Na escola há registros destes pequenos e poucos textos produzidos por este
coordenador, os professores possuem um apoio nestas produções textuais para trabalhar o
específico no ensino de História. Nestes textos constam histórias orais de formação da etnia
indígena Jeripancó, a simbologia do nome da aldeia, a trajetória dos primeiros habitantes da
comunidade etc.; porém, não são produzidos em específico para a disciplina História e as
turmas de 7º e 8º ano, mas para o usufruto geral de todas as disciplinas. Cabe salientar que
este material não é oficial, e também não é obrigatório, são poucos textos bem resumidos,
apenas um auxilio para a educação escolar na comunidade. Por tanto, diante deste dado,
confirmasse que existe material escrito, mesmo que pouco e resumido, sobre alguns aspectos
da história e cultura local dos Jeripancó, que pode ser didaticamente utilizado nas aulas de
História.
No período de observação em sala de aula, evidenciou-se que os conteúdos aplicados
na turma do 7º ano, não havia inter-relação entre saberes tradicionais locais e saberes
científico. Cabe enfatizar que a professora Laura na explanação do conteúdo em artes
plásticas envolvendo alguns aspectos da cultura global a local, e neste momento, percebeu que
houve uma relação do conteúdo com a arte local dos Jeripancó; em sua metodologia solicitou
produção de desenhos aos alunos que retratasse o ritual do menino do rancho, fez alusão na
explicação a alguns quadros antigos em casa de pessoas mais velhas da comunidade. No
entanto, esse dinamismo foi evidenciado apenas em uma aula, quanto às demais, não se
presenciou mais nenhuma relação entre saberes: local e global na prática de ensino do 7º ano.
223
Questionário destinado ao professor João. In: Apêndice B, 2016.
118
O conteúdo de história dos povos indígenas é trabalhado a parte da História Geral, como se o
indígena não fizesse parte da História da humanidade.
Na observação na turma do 8º ano se constatou um distanciamento da história local, da
temática indígena em si. Durante todo o período de observação, o conteúdo trabalhado era de
todo destinado à História européia, “A Revolução Industrial”, “A Época Napoleônica”;
durante as aulas, o professor João colocou de forma clara para os alunos os pontos que a
História presente no livro didático traz, explicou tema por tema das unidades que retrata a
história da Revolução, a História francesa, na era napoleônica; ao fim da aplicação dessas
unidades fez uma retrospectiva dos assuntos abordados em sala de aula preparando os alunos
para a avaliação. O que se observou é que durante as aulas não houve diálogo na explicação
desses acontecimentos históricos com o contexto histórico no Brasil, penas algumas falas
quando trabalhou o tema sobre o “Golpe político” na França, explicando para os alunos o
significado da palavra golpe e relacionando com os acontecimentos atuais no Brasil.
Houve somente uma aula que foi relacionada à cultura local dos Jeripancó por tema:
Arco e Flecha, que retratou a origem dos povos que se utilizavam do arco e flecha assim
como seus usos e significados na atualidade, relacionando e dialogando com a cultura
indígena Jeripancó. Este tema não consta no livro didático e nem nos temas/conteúdos
selecionados para o ensino, o professor João pesquisou este tema na internet e passou em sala
de aula para os alunos, nesta aula sentiu-se um envolvimento maior por parte dos alunos, pois
se tratava de algo que eles conheciam, a sua cultura. Para tanto, durante o período de
observação, fora esta aula, não se constatou mais interação do ensino de História com a
cultura local Jeripancó.
Um dado importante é que esta aula não foi registrada no diário de classe do ano 2016,
nos instigando a refletir sobre os porquês dessa dada aula não ter sido registrada no diário,
levantamos algumas considerações: pensamos na questão da influência que a pesquisa pode
ter causado no professor; pela presença da presente graduanda nas suas aulas de História; ou
mesmo pela sua formação específica em Licenciatura Intercultural Indígena. Outra
consideração foi descartada, não é proibido registrar aula específica sobre a comunidade local
nos diários de classe da escola, visto que na pesquisa serial foram constatados em alguns
diários, registros de aulas com temas específicos da história e cultura local.
Durante o período de observação constatou-se que o ensino de História no 8º ano
pouco trabalha a história e cultura local. Os conteúdos são mais relacionados à História
européia, com base no livro didático que como já foi analisado não trata em sua escrita da
temática indígena. A pesquisa serial feita no diário de 2016 evidenciou que apesar de serem
119
trabalhados alguns temas/conteúdos sobre a História do Brasil, não foram registradas aulas
referentes ao ensino específico dos saberes local e não há registro do uso dos textos escritos
pelo coordenador indígena nas aulas de História.
Assim, constatou nas observações das turmas de 7º e 8º ano, que saberes local não
são relacionados aos conteúdos de História Geral; na prática poucos temas são trabalhados
sem relação histórica com outros conteúdos, como se a história indígena se processasse a
parte da História do Brasil, da História da humanidade.
Na entrevista o professor João acrescentou que existe falta de interesse dos alunos
pela escola e pelo ensino de História. Perguntado sobre o que contribui para esta situação, se é
por causa dos temas/conteúdos distantes da realidade local ou pela própria cultura, o mesmo
destaca que:
Pra mim talvez os dois. Porque se a gente trabalhasse mais o específico
exclusivo com a cultura, é o que eles tem contato, eles poderiam... a gente
poderia chamar a atenção deles com o que eles já conhecem, com o que eles
já sabem. Mas como a gente trabalha um currículo Estadual, a gente não tem
como fazer um comparativo mais específico, até por que a gente trabalha
uma coisa e muito pouco a cultura, então pode ser que sim.224
Apesar de a história e cultura específica dos indígenas Jeripancó não ser muito
evidenciada nas aulas de História, foi observado um dado muito relevante durante o período
da pesquisa. A cultura Jeripancó é muito presente no contexto escolar, isso através das ações
individuais particulares dos alunos.
Por várias vezes presenciou-se manifestação cultural e religiosa em pequenos gestos,
movimentos e palavras que refletiam a força da identidade étnica dos Jeripancó.
Destacaremos o que mais chamou a atenção. Em quase todas as aulas observadas no 7º ano,
ouvia-se sempre algum aluno cantando Toré bem baixinho, ou gesticulando com a mão
fechada, como se estivesse segurando o Maracá. Em alguns momentos durante as aulas a
conversa paralela rendia boas risadas dos alunos falando sobre os conflitos no terreiro,
expressando alegria e entusiasmo com palmas quase sem som, por já se aproximar as
festividades e os rituais na comunidade.
Não era diferente na turma do 8º ano. Em uma dada aula, um aluno se utilizando de
uma caneta de cor azul, gesticulava o balanço do Maracá e produzia o som do instrumento
ritualístico com a boca ao sair para o intervalo entre aulas. Outro momento alguns alunos
copiavam o assunto da aula nos seus cadernos, cantando toré bem baixinho para não chamar a
224
Entrevista Dialogada com o professor João. Apêndice C, 2016.
120
atenção do professor; sem contar as conversas sobre os rituais do menino do rancho que já se
aproximava da data.
Um fato curioso e que despertou a atenção da presente pesquisadora, porém muito
comum na escola, aconteceu na turma do 8º ano: na avaliação da disciplina de História
aplicada durante um dos sábados letivos, muitos alunos faltaram, a sala de aula estava quase
vazia, imperou um silêncio; mas era prova e onde estavam boa parte dos alunos? Descobrimos
que muitos alunos não tinham ido à escola naquele sábado devido estarem participando de um
encontro ritualístico dos praiá que estava acontecendo na aldeia Brejo dos Padres, etnia
Pankararú, no Estado de Pernambuco, tronco familiar de onde teve origem o povo Jeripancó,
que nunca perderam os laços familiares étnicos; os outros poucos alunos que estava na sala,
alegaram que só não foram para os rituais devido à falta de transporte e de recursos
financeiros.
Em análise desse ocorrido, ficou entendido que a falta dos alunos na avaliação de
História não necessariamente significou a falta de interesse pela escola ou pela disciplina, mas
evidenciaram-se mais a importância da cultura como também a força da identidade étnica que
se expressa através dos rituais, do terreiro, dos praiá, da cultura vivenciada cotidianamente
pelos Jeripancó.
Outra situação, bem mais instigante, aconteceu em uma das aulas observadas na turma
do 7º ano: o horário de recreio tinha terminado e todos os alunos retornaram a sala de aula,
com exceção de um; passado uns 10 minutos aproximadamente, um aluno bate na porta e
pede para entrar, a professora abrindo a porta, muito irritada, logo reclama do atraso do aluno,
o que nos chamou a atenção foi à explicação do aluno para justificar seu atraso e a reação da
docente, o mesmo alegou que estava fumando campiô, e não prestou atenção que a turma já
tinha entrado. A reação da docente foi de imediato, brigou com o aluno e disse não aceitar
mais aquele comportamento nas suas aulas, que ele tinha que entender que escola é lugar de
estudar, e que iria comunicar ao diretor aquela situação.
Como já dito antes, Campiô é um elemento cultural de uso muito comum na
comunidade, tanto nos rituais como também de uso cotidiano de adultos como também de
crianças, essa forma de expressão cultural é comum entre as comunidades indígenas do alto
sertão Alagoano. Aquela cena suscitou reflexões maiores para além do objeto de estudo em
questão e revelou o “choque” e a “estranheza” entre a escola enquanto instituição
governamental com horários e regras a serem cumpridas e as culturas indígenas que
vivenciam costumes, crenças, tradições etc. que obedecem a um tempo/espaço específico a
121
cada etnia. Assim, como formar professores capacitados para tornar essa relação menos
conflituosa no dia a dia da sala de aula? Entre outros questionamentos para futuras pesquisas.
Pensando sobre o objeto de estudo, ensino de História no contexto da Educação
Escolar Indígena, percebemos que a cultura Jeripancó se manifesta tão presente nas ações
particulares e individuais dos alunos, embora muitas vezes não fosse percebidas e
aproveitadas de forma didática na prática de ensino de História. A cultura Jeripancó não deve
ser somente abordada na exposição de objetos e indumentárias tradicionais, mas devem ser
percebidas e captadas nas ações, nos gestos, nas manifestações culturais cotidianas do
contexto escolar e trabalhadas didaticamente nas aulas de História.
Neste sentido, compreendemos que o ensino de História deve abarcar em seu currículo
esse cotidiano vivido, através das interações culturais manifestadas no próprio contexto da
escola, da sala de aula, desenvolvendo metodologias de ensino que melhor condizem com a
realidade dos alunos.
Em suma, o que se pode constatar com a presente pesquisa é que os temas/conteúdos
selecionados para a prática do ensino de História na escola dos Jeripancó ainda não condizem
satisfatoriamente com as propostas interculturais referenciadas para um ensino diferenciado.
No entanto, na prática de ensino em sala de aula, buscam-se um esforço para se trabalhar a
história e cultura local, assim como inter-relacionar saberes tradicionais e saberes científicos
sistematizados, mas, os resultados ainda não são evidentes, tornando-se um desafio para a
prática de ensino na Escola Estadual Indígena José Carapina, do povo Jeripancó.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
protagonistas, politizados, estrategistas, agentes sociais históricos ativos diante dos processos
históricos que antes os tornavam invisíveis. Dando visibilidade histórica e legitimando as suas
lutas políticas.
Esse diálogo possibilita um ensino de História mais democrático e igualitário,
contribuinte para a desconstrução de visões errôneas e negativas legadas injustamente contra
os povos indígenas no Brasil.
Apesar do esforço para que se concretize um ensino de História que insira em sua
prática a cultura local, os Jeripancó têm em seu caminho desafios que precisam ser superados:
uma “autonomia limitada”; a falta de material específico da história e cultura local; a falta de
formação inicial e continuada na área para professores indígenas; o descaso do Estado quanto
ao tratamento com as escolas indígenas específicas em se tratando do envio dos
tema/conteúdos entre outros problemas que muitas vezes impedem a concretização do projeto
educacional desejado pela comunidade. São desafios a serem superados mediante a luta já
travada pelos mesmos por uma educação de qualidade.
A partir da metodologia aplicada, e da análise e cruzamento dos dados coletados
através das entrevistas, questionários, diário de campo resultante do período de observação
das aulas de História, análise de livros didáticos, e da pesquisa serial nos diários de classe das
turmas de 7º e 8º ano, compreendemos que a configuração do ensino de História na escola dos
Jeripancó ainda está em caminho distante de um ensino pautado nas propostas interculturais.
Mas, isso não quer dizer que a escola não trabalhe com o saber local, as ações são mais
voltadas para as séries iniciais, na disciplina específica de história e cultura indígena no
ensino fundamental I, e nos projetos interdisciplinares que envolvem toda a escola e
disciplinas inclusive a de História. Assim, em se tratando do plano curricular do ensino de
História e sua prática em sala de aula, não faz relação dialógica no seu currículo entre saberes
tradicional local e saberes sistematizados científicos. O pouco que é mencionado da cultura
local na prática de ensino se processa separadamente dos outros conteúdos.
Propomos algumas sugestões que consideramos importante para se trilhar o caminho
da mudança rumo à superação dos desafios elencados. Primeiro: não poderíamos deixar de
propor a formação específica inicial e continuada de professores indígenas para o trabalho
com as perspectivas interculturais no ensino de História, o saber-fazer na prática de ensino em
sala de aula; presenciamos na pesquisa a dificuldade dos professores quanto a estas questões.
Segundo: o apoio do Estado na confecção e produção de materiais didáticos específicos para o
ensino de história e cultura local, evidenciando tanto as pesquisas acadêmicas sobre os
Jeripancó, como também a história presente na memória e transmitida através da oralidade
124
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APÊNDICES
132
APÊNDICE A
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CAMPUS DO SERTÃO
CURSO DE HISTÓRIA
AUTOIDENTIFICAÇÃO ETNICA:____________________________________________
IDADE:_________________________ SEXO____________________________________
FORMAÇÃO:_______________________________________________________________
_________________________________________________________________
PUBLICA ( ) PRIVADA ( )
ESCOLA ONDE ATUA: _____________________________________________________
QUANTO TEMPO ATUA NA ESCOLA COMO COORDENADORA PEDAGÓGICA
____________
HORAS DE SERVIÇO POR SEMANA NA ESCOLA ONDE
ATUA:______________________________
TURNOS: MANHÃ ( ) TARDE ( ) NOITE( )
EXERCE ALGUMA OUTRA ATIVIDADE ALÉM DA COORDENAÇÃO
PEDAGÓGICA? SIM ( ) NÃO ( )
QUAL? ____________________________________________________________________
APÊNDICE B
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CAMPUS DO SERTÃO
CURSO DE HISTÓRIA
AUTOIDENTIFICAÇÃO ETNICA:____________________________________________
IDADE:_________________________ SEXO____________________________________
FORMAÇÃO:_______________________________________________________________
_________________________________________________________________
PUBLICA ( ) PRIVADA ( )
ESCOLA ONDE ATUA: _____________________________________________________
QUANTO TEMPO ATUA NA ESCOLA COMO DOCENTE DE HISTÓRIA____________
AULAS POR SEMANA NA ESCOLA ONDE ATUA:______________________________
TURNOS: MANHÃ ( ) TARDE ( ) NOITE( )
EXERCE ALGUMA OUTRA ATIVIDADE ALÉM DA DOCENCIA? SIM ( ) NÃO ( )
QUAL? ____________________________________________________________________
PERGUNTAS AO PROFESSOR:
APÊNDICE C
Fale-nos um pouco de sua identificação étnica, formação como professor e atuação na escola
indígena dos Jeripancó.
Qual a proposta do currículo de ensino de história passado pra você trabalhar em sala de aula?
E Como este currículo funciona na pratica?
Você trabalha somente com o livro didático ou busca outras fontes para o ensino de história,
no caso, na questão da seleção de temas?
Para você o ensino de história ministrado no oitavo ano contribui para a valorização étnica
dos jeripancó?
No caso do ensino de história, considerando essas propostas interculturais, dessa relação entre
culturas a ser trabalhada em sala de aula, de conhecimentos gerais e específicos, o ensino é
satisfatório na turma do 8º ano?
Agradeço por conceder a entrevista, e abro espaço, caso queria fazer mais considerações, no
caso, suas dificuldades, seus desafios no âmbito do ensino de história.
Em sua opinião o porquê esse desinteresse? Será pela seleção dos conteúdos que não há
afinidades? ou pela própria cultura?
APÊNDICE D
Fale-nos um pouco de sua identificação étnica, sua formação como professora, e atuação na
escola indígena dos Jeripancó.
Qual a proposta do currículo de ensino de história passado pra você trabalhar em sala de aula?
E como este currículo funciona na pratica?
Você trabalha somente a partir do livro didático ou busca outras fontes, outras ferramentas
pedagógicas para o ensino de história, para o ensino no 7º ano?
A escola fornece algum material específico para a prática de ensino de história local?
Em sua opinião, o ensino de história ministrado no sétimo ano contribui para a valorização
étnica dos Jeripancó?
Essa relação entre culturas a ser trabalhadas no ensino de história em sala de aula, de
conhecimentos gerais e específicos, o ensino é satisfatório na turma do 7º ano?
Agradeço por conceder a entrevista, e abro espaço, caso queria fazer mais considerações, no
caso, suas dificuldades, seus desafios no âmbito do ensino de história na escola indígena José
Carapina.
E os desafios?
ANEXOS
138
ANEXO A
139
140
ANEXO B
141
142
143
ANEXO C
144
145