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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS DO SERTÃO
CURSO DE HISTÓRIA

CARLA ALVES DOS SANTOS SILVA

UM DESAFIO JERIPANCÓ:
Ensino de História na Escola Estadual Indígena José Carapina,
Sertão de Alagoas (2006-2016)

Delmiro Gouveia
Junho/2017
CARLA ALVES DOS SANTOS SILVA

UM DESAFIO JERIPANCÓ:
Ensino de História na Escola Estadual Indígena José Carapina,
Sertão de Alagoas (2006-2016)

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso


de Licenciatura em História da Universidade Federal
de Alagoas (Campus do Sertão - Delmiro Gouveia)
como pré-requisito para obtenção do Grau de
Licenciatura em História, sob orientação do Professor
Doutorando Gustavo Manoel da Silva Gomes.

Delmiro Gouveia
Junho/2017
S586i Silva, Carla Alves dos Santos
Um desafio Jeripancó: ensino de História na escola estadual
indígena José Carapina, sertão de Alagoas (2006-2016) / Carla
Alves dos Santos Silva. - 2017.
145 f .: il.

Monografia (História) – Universidade Federal Alagoas,


Delmiro Gouveia, 2017.
Orientação: Prof. Me. Gustavo Manoel da Silva Gomes.

1. Escola Indígena.. 2. Ensino de História. 3. Interculturalidade.

CDU 37.015.02

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Campus Sertão/


UFAL – Delmiro Gouveia
A Jeová-Jireh, meu baluarte. Aos meus filhos: Noemi e Eliel, minha
herança na terra. Aos indígenas Jeripancó, meus parentes, com
carinho, admiração e respeito.
AGRADECIMENTOS

Uma índia karuazú cuidando da arrumação de sua casa, num dia ensolarado no ano de
2011, Sertão de Alagoas, quando se aproxima alguém, era outro índio Karuazú, seu irmão,
chama seu nome e fala: “trago uma notícia boa. Parabéns! Você conseguiu! A mais nova
aluna da Universidade Federal de Alagoas!” Aquela índia movida pelo choro sorria e pulava
de alegria pela vitória de poder cursar nível superior em uma Universidade Federal, também
preocupada, pois sabia das dificuldades que iria enfrentar, devido ser proveniente de supletivo
há aproximadamente oito anos atrás daquele dia memorável. Mas, o seu sangue é forte, sua
origem é de guerreiros e não temeu o desafio, iniciou o curso em letras, e logo em seguida se
apaixonou pela história, fez reopção de curso, conseguiu a vaga, tornou-se amante da história
e agora está concluindo a licenciatura mais apaixonante de sua vida. A Javé pela força que
emana de sua presença.
A minha Mãe Elenira e meu Pai Carlos pela criação e educação, o incentivo a ter bom
caráter, a ser humilde, a ser humana. A minha avó Lurdes pelo seu exemplo de vida e pelas
palavras de animo nos momentos difíceis. A meus irmãos Cleibe, Cledson, Cristiane e
Gleison, muito contribuíram para a realização e concretização desse sonho vivido. Minha
gratidão mais sincera ao meu irmão Cledson e sua esposa Taís, através da ajuda e apoio deles
ingressei na UFAL.
Aos meus filhos Noemi e Eliel a quem dedico este trabalho, sem eles não teria motivos
para lutar e vitórias para alcançar, amo vocês! Sou grata ao meu esposo pela compreensão,
paciência que teve ao longo destes anos. Aos irmãos e irmãs na fé pelas orações e apoio
psicológico, em especial as irmãs Mary Jane e Jane Mary pelo tempo dedicado a mim.
Sou grata a minha turma “os unidinhos” pelos anos de convivência dentro e fora da
sala de aula. Agradeço a Deus por ter me presenteado com amigos tão maravilhosos como
vocês, foram muitos os desafios durante o percurso da graduação, mas, sempre vitoriosos,
porque estávamos juntos, ajudando uns aos outros.
Aos meus professores do Curso de História pelo aprendizado, pelos conhecimentos
adquiridos durante todo o Curso. Um agradecimento especial aos queridos professores:
Doutor Ivamilson Barbalho, meu co-orientador (em se tratando de educação escolar indígena,
ele é a referência), Doutorando Flávio Moraes e Doutor José Vieira da Cruz pelas
valiosíssimas dicas de referências de livros, muito contribuíram para o entendimento do meu
objeto de pesquisa.
É sabido que ter um bom orientador faz toda diferença na produção de um trabalho de
cunho acadêmico. Um agradecimento mais que especial ao meu orientador professor
Doutorando Gustavo Gomes pela orientação deste trabalho. Sou muito grata a você!
Agradeço aos professores Doutor Ivamilson Barbalho e Doutor Gilberto Ferreira por
terem aceitado o convite para compor a Banca Examinadora do presente Trabalho de
Conclusão de Curso. A vocês meu respeito e admiração!
Minha gratidão e respeito ao povo Indígena Jeripancó, meus parentes, por aceitar-me
enquanto pesquisadora na comunidade e a todos os funcionários da escola José Carapina de
um modo geral, sempre fui muito bem recebida e acolhida pelos mesmos. Sou grata aos
professores: Cícero Pereira, Patrícia Feitosa, Vagner da Silva, Domingos Sávio, e Márcia
Correia, não tenho palavras para expressar tanta gratidão a vocês.
Em fim, agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a
concretização deste sonho vivido.

Meu muito obrigada!


RESUMO

As escolas de categoria indígena diferenciada têm em seu bojo propostas de currículo pautado
na interculturalidade, ou seja, na inter-relação dos saberes escolares sistematizados
convencionais e saberes culturais e tradicionais específicos a cada etnia. Dentro deste
contexto as propostas do ensino de História em escolas indígenas também evidenciam um
ensino com base nas propostas interculturais. O desafio é de articular saberes global e local
num mesmo currículo de ensino, buscando desconstruir estereótipos, valorizando a identidade
étnica local. Para tanto, o objetivo deste trabalho consiste em compreender quais as
configurações do ensino de História praticado nas turmas de 7º e 8º ano na Educação Escolar
dos indígenas Jeripancó no sertão de Alagoas. Foi desenvolvida metodologicamente uma
pesquisa de revisão bibliográfica metódica, primeiro analisando como os historiadores de
referência abordaram cientificamente a presença indígena na História do Brasil; num segundo
momento a análise de documentação educacional a luz dos teóricos que pensam ensino de
História e Educação Escolar Indígena. Também foi desenvolvida uma pesquisa de campo de
cunho etnográfico, com procedimentos de observação participante (espectador), com intuito
de coletar dados da pesquisa, e analisar a prática de ensino nas já referidas turmas. A pesquisa
foi de caráter qualitativo. Buscou-se realizar um diagnóstico do ensino de História ofertado na
escola, de modo a contribuir junto à comunidade, possibilitando através da pesquisa, reflexões
sobre o aperfeiçoamento dos instrumentos pedagógicos, quanto ao ensino e as metodologias
aplicadas à disciplina História, na Educação Escolar Indígena do povo Jeripancó. Constatou-
se, ao final da pesquisa, que a efetivação de princípios e práticas de ensino interculturais é um
desafio a ser enfrentado pela comunidade, sobretudo, no ensino de História, visto que é um
componente curricular com o perfil ainda bastante eurocêntrico na escola da comunidade.

Palavras-chave: Educação Escolar Indígena; Interculturalidade; ensino de História; Desafios.


ABSTRACT

The schools of differentiated indigenous category have in their bulge proposals of curriculum
based on interculturality, that is, in the interrelationship of conventional systematized
scholastic knowledge and cultural and traditional knowledge specific to each ethnic group.
Within this context the proposals of the teaching of history in indigenous schools also show a
teaching based on the intercultural proposals. The challenge is to articulate global and local
knowledge in the same curriculum of education, seeking to deconstruct stereotypes, valuing
the local ethnic identity. Therefore, the purpose of this work is to understand the
configurations of the history teaching practiced in the 7th and 8th grade classes in the School
Education of the indigenous Jeripancó in the sertão of Alagoas. Methodologically, a
methodological bibliographical review research was developed, first analyzing how the
historians of reference scientifically approached the indigenous presence in the history of
Brazil; In a second moment the analysis of educational documentation in the light of theorists
who think teaching history and indigenous school education. An ethnographic field research
was also developed, with participant observation procedures (spectator), in order to collect
data from the research, and to analyze the teaching practice in the aforementioned classes.
The research was qualitative. We sought to make a diagnosis of the teaching of history
offered in the school, in order to contribute to the community, making possible through the
research, reflections on the improvement of the pedagogical instruments, as to the teaching
and methodologies applied to the history discipline, in indigenous school education Of the
Jeripancó people. It was verified at the end of the research that the implementation of
intercultural teaching principles and practices is a challenge to be faced by the community,
above all in the teaching of history, since it is a curricular component with a still very
Eurocentric profile in the school of community.

Key-words: Indigenous school education; Interculturality; History teaching; Challenges.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 – DE “ALIENÍGENAS” A PROTAGONISTAS: Representações dos


Indígenas na Historiografia Brasileira ................................................................................. 16

1.1.O INDÍGENA COMO O “OUTRO” NACIONAL: Historiografia de Adolf Varnhagen,


Capistrano de Abreu e Gilberto Freyre. ................................................................................ 17

1.1.1.O Positivismo que inferioriza: os indígenas na escrita de Varnhagen ..................... 20

1.1.2.“O Índio, quase um herói”: o olhar indianista de Capistrano de Abreu ................... 23

1.1.3.Um Culturalismo que estigmatiza: os indígenas na visão de Gilberto Freyre ......... 28

1.2.UMA VIRADA EPISTEMOLÓGICA NA HISTÓRIA: narrativas tradicionais versus


novas narrativas. ................................................................................................................... 31

1.3.SOBRE MUDANÇAS, PROTAGONISMOS E REESCRITAS: as novas abordagens


sobre os indígenas na Historiografia Brasileira. ................................................................... 38

1.4.CONTEÚDOS E FORMAS DA NOVA HISTÓRIA INDÍGENA: John Monteiro,


Regina Celestino de Almeida e Aldemir Barros ................................................................... 42

CAPÍTULO 2 – ENSINO DE HISTÓRIA E INTERCULTURALIDADE: Perspectivas e


desafios no âmbito da educação escolar indígena ................................................................ 52

2.1.DAS PRECES ÀS LUTAS: uma breve abordagem histórica sobre a educação escolar
indígena no Brasil. ................................................................................................................ 53

2.2.ENCONTRAR, DIALOGAR E TECER CURRÍCULOS: o ensino de história na


educação escolar indígena..................................................................................................... 58

2.3.NUMA ENCRUZILHADA DE SENTIDOS: os lugares e ambiguidades da escola na


Aldeia. ................................................................................................................................... 73

CAPÍTULO 3 – O ENSINO DE HISTÓRIA NA ESCOLA DOS INDÍGENAS


JERIPANCÓ ........................................................................................................................... 80

3.1.FAZER O CAMINHO ENQUANTO SE SEGUE: reconstruindo a metodologia da


pesquisa científica. ................................................................................................................ 81

3.2.UMA NARRATIVA ÉTNICA: breve relato sobre a história do povo Jeripancó .......... 87

3.2.1.O nome Jeripancó ..................................................................................................... 91


3.2.2.Ser, sentir e viver: aspectos culturais e crenças dos Jeripancó................................. 93

3.3.REDESENHANDO O CAMPO DE PESQUISA: caracterização da escola dos


Jeripancó ............................................................................................................................... 96

3.4.UM LUGAR DE EXPRESSAR SABERES: a construção do currículo escolar


indígena.. ............................................................................................................................. 100

3.5.O ENSINO DE HISTÓRIA COMO ESPAÇO DE LUTA JERIPANCÓ: confrontos


entre currículo, materiais didáticos e práticas de ensino..................................................... 103

3.6.O COTIDIANO DAS PRÁTICAS: o Ensino de História nas turmas de 7º e 8º anos .. 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 122

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 125

APÊNDICES ......................................................................................................................... 131

ANEXOS ............................................................................................................................... 137


11

INTRODUÇÃO

Este trabalho científico visa investigar a prática do ensino de História na educação


escolar de categoria diferenciada da comunidade indígena Jeripancó, no Alto Sertão de
Alagoas entre os anos de 2006 a 2016. Tendo por base o Referencial Curricular Nacional para
escolas indígenas expedito pelo MEC em 1998, que referencia o ensino de História pautado
na interculturalidade. Buscou-se compreender se em 10 anos de implementação do ensino
fundamental II na escola se configurou relações interculturais na prática de ensino de História
nas turmas de 7º e 8º ano da escola pesquisada.
As escolas indígenas diferenciada pressupõem em seu currículo, construído
comunitariamente, a valorização da identidade e cultura local específico a cada etnia,
articulando saberes: indígenas e não indígenas, no processo educacional escolar. No Estado de
Alagoas, as escolas em aldeias indígenas foram reconhecidas como categoria diferenciada
pelo Decreto Nº 1272 de 04 de junho de 2003, conforme o art. 107, inciso IV da Constituição
Estadual; neste mesmo ínterim, também foi oficializada a educação escolar na comunidade
indígena Jeripancó como categoria diferenciada. Desde então, os Jeripancó buscam incluir no
contexto escolar a história e cultura local específica a comunidade, através da construção do
currículo escolar.
As escolas em áreas indígenas, antes geridas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e
depois Fundação Nacional do Índio (FUNAI), passaram a ser a partir de 1991 de
responsabilidade do Ministério da Educação (MEC), que sete anos depois, elaborou junto com
professores indígenas o Referencia Curricular Nacional para Escolas Indígenas (RCNEI), que
referencia a educação escolar ofertada aos indígenas sob propostas interculturais, buscando
assim a valorização da cultura, história e memória local específica a cada etnia nos espaços
escolares. Neste sentido, o currículo escolar deve ser construído pela própria comunidade,
conforme suas demandas culturais locais.
As propostas interculturais pressupõem a inter-relação de conteúdos convencionais
escolares com os saberes locais, inserindo no contexto e currículo da escola a história, cultura
e memória específica a cada etnia indígena. Neste contexto o ensino de História assume
características diferenciadas, imbuído das referentes propostas interculturais que deve
contribuir com a afirmação da história, memória e tradição local, articulando-a a outros
recortes identitários: regionais, nacionais, internacionais no seu currículo e prática de ensino.
Articular esses saberes nem sempre é uma tarefa fácil, principalmente quando nos
deparamos com a escassez de materiais didáticos específicos sobre estes povos, e em
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1
específico sobre a comunidade indígena onde a escola esta inserida. Circe Bittencourt
destaca que o ensino de História em escolas indígenas constitui-se um desafio, considerando a
questão das perspectivas históricas a serem trabalhadas na prática de ensino, acredita que a
memória histórica das etnias indígenas transmitidas através da oralidade seja a resposta para
superação dos desafios na pratica de ensino. Gilberto Ferreira2 defende que a memória
histórica desses grupos étnicos pode ser uma opção de recurso didático e construção de
materiais didáticos específicos, pois é na memória que se encontram as experiências
vivenciadas e os conhecimentos restritos ao grupo étnico. O RCNEI referencia a construção
de materiais específicos para o ensino de História, levando em consideração a memória
histórica das comunidades indígenas. No entanto, é preciso haver um esforço entre
comunidade indígena, profissionais da educação e Estado, para que se concretizem essas
propostas.
Outra questão a ser avaliada são os livros didáticos, que na maioria das vezes ainda
vislumbram uma história em que os indígenas são representados como meros apêndices da
História, legando-os a um passado distante, a um desaparecimento histórico. As novas
abordagens historiográficas referentes aos povos indígenas na História desde 1990 primam à
valorização e o reconhecimento histórico desses povos, como agentes ativos no processo
histórico, no entanto, essas propostas ainda carecem de maior visibilidade na confecção de
livros didáticos de História, que na maioria das vezes não reconhece em sua escrita o
protagonismo indígena, não dialogando com a Historiografia mais recente sobre esses povos.
Não poderíamos deixar de citar, a falta de formação de professores indígenas para
trabalharem com a perspectiva intercultural na prática de ensino de História. Essa falta de
capacitação profissional contribui para um trabalho docente muitas das vezes deficiente. Os
desafios que se projetam sobre o ensino de História numa perspectiva intercultural em escolas
indígenas, estão justamente em como inter-relacionar saberes escolares convencionais de base
curricular comum a todas as escolas gerenciadas pelo Estado, com os conhecimentos locais
específicos a cada etnia indígena, considerando suas memórias, histórias, culturas, crenças
etc., num mesmo currículo de ensino, sem contrapostos certos saberes em detrimentos de
outros. Parafraseando o RCNEI, o ensino de História em escolas indígenas, não deve adquirir
as mesmas características do ensino praticado em escolas convencionais, pois se referencia
perspectivas históricas na prática de ensino partindo do contexto local para o global,

1
BITTERCOURT, Circe Maria Fernandes. O ensino de história para populações indígenas. Em Aberto nº 63
(Educação Escolar Indígena). Brasília: MEC, ano XIV, 1994.
2
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A Educação dos Jeripancó: uma reflexão sobre a Escola Diferenciada dos
Povos Indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013.
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articulando e inter-relacionando os saberes, respeitando e valorizando a história e a cultura


local onde a escola está inserida. São algumas questões que lançam desafios a serem
superados pelo ensino de História em escolas indígenas diferenciadas.
Considerando que as propostas para o currículo da disciplina História pressupõem
serem interculturais, portanto, diferentes dos currículos em escolas convencionais, buscamos
responder a pergunta que norteará este trabalho, tendo em vista que, cada comunidade
indígena possui suas especificidades e singularidades, e o currículo escolar é construído
comunitariamente. Nesta perspectiva, quais são as características e configurações do ensino
de História praticado nas turmas de 7º e 8º ano fundamental II, nos anos de 2006 a 2016 na
educação escolar da etnia indígena Jeripancó? A localização da escola pesquisada situa-se na
aldeia Ouricuri, cidade de Pariconha, Sertão de Alagoas, Brasil. Buscamos analisar quais as
configurações peculiares do Ensino de História neste contexto educacional diferenciado.
Para tanto, a metodologia consistiu numa análise bibliográfica de referenciais teóricos,
revisão da Legislação vigente, relacionados ao objeto de estudo em questão e uma pesquisa de
campo de cunho etnográfico, realizada na Escola Estadual Indígena José Carapina, do povo
Jeripancó no Sertão de Alagoas, no intuito de analisar a prática de ensino de História. A
pesquisa é de caráter qualitativo. Os instrumentos de coletas de dados consistiram em
entrevistas, questionários, análise de livros didáticos, confecção de um diário de campo
através da observação em sala de aula e uma pesquisa serial nos diários escolares referentes às
turmas de 7º e 8º ano, fundamental II. Os critérios de análise consistiram em investigar a
quantidade de vezes que a temática indígena é evidenciada, tanto na análise em sala de aula,
como nos temas/conteúdos selecionados, nos livros didáticos, na pesquisa serial; os recortes
temporais, os cenários em que aparecem, seus perfis, se há desconstrução de estereótipos
negativos, situação social, ou seja, em que condições aparecem; se existem conflitos ou
inexistência de conflitos nas narrativas históricas no sentido de perceber se os indígenas são
evidenciados como protagonistas ou não de sua história. E assim, entendermos que
configurações esse ensino de História vem adquirindo nas referidas turmas, atentando para as
propostas interculturais referenciadas em escolas de categoria indígena.
Optamos pela pesquisa na escola dos indígenas Jeripancó, por que foi a primeira
escola oficializada como Categoria Indígena Diferenciada no Alto Sertão de Alagoas. A
escolha da temporalidade da pesquisa, de 2006 a 2016, deve-se a questão da implementação
do ensino fundamental II a partir de 2006 na escola da comunidade; O motivo das
observações nas turmas de 7º e 8º ano está relacionado ao fato de serem nestas turmas
trabalhados os conteúdos de História do Brasil, referentes ao período Colonial e Imperial,
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fatores que a princípio poderiam facilitar abordagens interculturais entre Nacional e local.
Outro fator foi à questão da identidade étnica dos professores (uma não indígena e outro
indígena) atuantes nestas turmas.
O tema pesquisado é pouco estudado, pelo menos nas comunidades indígenas do alto
sertão de Alagoas, mesmo que algumas Dissertações e Teses já publicada tratem sobre a
Educação Escolar Indígena em Alagoas, há lacunas quanto a pesquisas específicas sobre o
ensino de História nas escolas indígenas no Sertão Alagoano. Por isso, a importância de
inserir o município de Pariconha no mapa das discussões intelectuais quanto a estas questões,
como referência dessa região para futuras pesquisas.
Entender o processo de teoria/prática no ensino da disciplina História nos permitirá
compreender/conhecer o papel do ensino de História para a comunidade escolar da etnia
indígena Jeripancó, sendo este incumbido de junto ao currículo escolar, ser mais uma
disciplina a contribuir com a propagação da cultura local específica, através da memória
histórica e tradições locais, e isso se torna relevante na concretização do saber almejado a ser
ensinado em sala de aula. Por isso é de grande relevância conhecer não somente o que os
teóricos, a Legislação e os Referenciais evidenciam, mas saber se de fato, está sendo postos
em prática, quais suas dificuldades, quais configurações se evidenciam, e como esse currículo
é construído na prática e concretizado em sala de aula.
A organização do trabalho escrito dividiu-se em três capítulos que evidenciam a
pesquisa bibliográfica e de campo. No primeiro capítulo, “De “Alienígenas” a
Protagonistas: representações dos indígenas na Historiografia Brasileira” iniciamos com
uma abordagem Historiográfica sobre as mudanças conceituais e representações dos indígenas
na escrita da História do Brasil, trazendo a perspectiva da Historiografia tradicional nas obras
de Adolf Varnhagen, Capistrano de Abreu e Gilberto Freyre, e a perspectiva da Nova História
Indígena, apresentada nas obras de John Monteiro, Maria Regina Celestino de Almeida e
Aldemir Barros, o objetivo deste capítulo é demonstrar que a visão sobre os indígenas na
História Nacional tem sido revisitada, modificada, reescrita. De “alienígenas”, “atrasados” e
“apêndices da história”, passaram a agentes sociais ativos, politizados, protagonistas de suas
próprias histórias. Este contexto de mudanças conceituais deve estar inserido na prática de
ensino de História para a superação de estereótipos negativos e representações errôneas na
História ensinada.
No segundo capítulo, “Ensino de História e Interculturalidade: perspectivas e
desafios no âmbito da Educação Escolar Indígena”, abordamos as propostas do ensino de
História no contexto da Educação Escolar Indígena de categoria diferenciada, através da
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análise e discussão das Leis, Diretrizes e Bases da Educação e propostas curriculares para o
ensino de História em escolas indígenas, ficou evidenciado que esse ensino não assume as
mesmas características que possuem em escolas não indígenas, é referenciada a construção de
currículos pautados nas propostas interculturais, que pressupõe a inter-relação de
conhecimentos locais específicos e conhecimentos escolares convencionais na prática de
ensino de História, valorizando a memória, história e cultura local nos espaços escolares.
No terceiro capítulo, “O Ensino de História na Escola dos Indígenas Jeripancó”
apresentamos as análises, problematizações e resultados da pesquisa de campo, realizada na
escola dos Jeripancó. Através da análise dos materiais didáticos, dos diários de classe,
entrevistas, questionários, experiências vivenciadas e registradas na observação em sala de
aula buscamos discutir como acontece à construção do currículo escolar e do ensino de
História na escola pesquisada, como são efetivados na prática os materiais didáticos
utilizados, quais as metodologias adotadas, se há a configuração de relações interculturais na
escolha dos temas/conteúdos e na prática de ensino em sala de aula. É pertinente especificar
que este trabalho mostrou-se sensível a quaisquer características novas que emergisse na
pesquisa de campo, considerando que cada comunidade indígena possui suas especificidades
e seus próprios modos de ver e vivenciar a escola na comunidade. É importante enfatizar que
houve uma preocupação em contextualizar o objeto de estudo em questão, considerando as
diversas problemáticas apontadas como influentes no cotidiano do ensino de História na
escola, a fim de não proporcionar reducionismos, estereótipos ou julgamentos
preconceituosos sobre a realidade analisada.
Em suma, o presente trabalho traz um diagnóstico do ensino de História no contexto
da Educação Escolar Indígena de categoria diferenciada, buscamos através da bibliografia,
Legislação analisada e da investigação de campo compreender as configurações da prática
desse ensino num período de 10 anos de implementação do ensino fundamenta II, na escola
dos Jeripancó. Esperamos contribuir com a prática de ensino de História na escola pesquisada
e com as pesquisas sobre a temática indígena na área educacional, a fim de instigar mais
estudos voltados para esta área do conhecimento.
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CAPÍTULO 1 – DE “ALIENÍGENAS” A PROTAGONISTAS: Representações dos


Indígenas na Historiografia Brasileira

Este capítulo traz uma abordagem Historiográfica sobre os conceitos e representações


dos povos indígenas na História. Veremos como a escrita da História veio se modificando
com o passar dos anos, referente ao olhar sobre os indígenas. Possa parecer de início que este
capítulo não teria nada a ver com este trabalho de pesquisa, mas, não podemos falar somente
do ensino de História na Educação Escolar Indígena sem antes nos atermos a compreender
como o indígena foi e é apresentado na História, considerando que a História ensinada é fruto
de estudos historiográficos selecionados pelo Estado para atender o público escolar, através
dos livros didáticos que na maioria das vezes torna-se o principal recurso viável e palpável no
ensino de História.
Em que momento surgiu à preocupação científica de escrever sobre os indígenas na
construção da escrita da História do Brasil? E como os indígenas foram (no passado) e são (no
presente) representados, sob quais conceitos na Historiografia Brasileira? São essas as
indagações que irão nortear a escrita deste segundo capítulo. Buscaremos analisar as
mudanças na Historiografia Brasileira, desde o século XIX (1850) aos dias atuais, dando
ênfase em uma pesquisa bibliográfica tendo por base as obras de Adolf Varnhagen 3 (O tomo
primeiro sobre a história do Brasil), Capistrano de Abreu4 (Capítulos de História Colonial),
Gilberto Freire5 (Casa grande e Senzala) com intuito de conhecer/problematizar
representações e conceitos referentes aos indígenas nos escritos destes intelectuais. Assim
como apresentar a Nova Historiografia, as mudanças recorrentes na escrita da História com
enfoque na chamada “Nova História Indígena” (1990), desse modo, contamos com as obras
de autores como John Monteiro6 (Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São
Paulo), Maria Regina Celestino de Almeida7 (Os índios na história do Brasil), Aldemir
Barros8 (Aldeando Sentidos), entre outros autores que abordam a representação dos indígenas

3
VARNHAGEM, Francisco Adolfo de, 1816-1878. História Geral do Brasil: antes da sua separação e
independência de Portugal. Volume I, 2 ed.; Rio de Janeiro: Em casa de E. e H. Laemmert, 1877. p. IX.
Disponível em: www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01819210.
4
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por José
Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.
5
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob um regime da economia
patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51ª Ed. rev. São Paulo: Global, 2006. 727.
6
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das letras. 1994. 300 p.
7
Almeida, Maria Regina Celestino. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
8
SILVA JÚNIOR, Aldemir Barros da. Aldeando Sentidos: os Xucuru- kariri e o Serviço de Proteção aos Índios
no Agreste Alagoano. Maceió: EDUFAL, 2013. ( Índios do Nordeste: temas e problemas, Volume 15).
17

na História do Brasil como protagonistas de sua própria história, agentes sociais politizados,
estrategistas etc. Denise Jodelet defende que as representações são sociais, e entende que a
noção de “representação social é uma forma de conhecimento socialmente elaborado e
compartilhado que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade
comum a um conjunto social”.9
A inspiração para a construção metodológica analítica e escrita deste capítulo surgiu a
partir das leituras de autores como: José Carlos Reis, Gustavo Gomes, Edward Said, que
entendem que os discursos produzidos historicamente possuem intencionalidades, portanto
não são neutros. Pretende-se como critério de análise problematizar como os indígenas são
apresentados na escrita da História, compreendendo assim o tempo/espaço em que as obras
foram escritas, além do contexto social e político. Seguiremos metodologicamente esse
caminho considerando que as obras analisadas nos permitem entender como esse sujeito
indígena foi e é mencionada na História. Objetivou-se com a escolha dos autores e obras
analisadas compreender o processo de mudanças conceituais que se operou (e ou ainda se
opera) na escrita da História referente ao lugar do índio na História Nacional.

1.1. O INDÍGENA COMO O “OUTRO” NACIONAL: Historiografia de Adolf


Varnhagen, Capistrano de Abreu e Gilberto Freyre.

No Brasil se inicia a escrita da História da Nação a partir do século XIX com a criação
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB); ainda antes de 1838, não havia uma
produção histórica, mas, apenas relatos: crônicas e diários de viajantes que narravam os
acontecimentos vistos e vivenciados, ou seja, havia apenas fontes que tempos depois com o
IHGB foram exploradas e estudadas, iniciando por meio dessas fontes a construção do
discurso histórico do Brasil.
Primeiro livro de História Geral do Brasil escrito por Adolf Varnhagen e editado em 1853
foi um marco para a nova Nação; a busca por uma identidade Nacional homogênea e a
legitimação de uma nacionalidade brasileira marcaria naquele período as páginas da História
que tinha que ser fiel aos anseios do Estado Monárquico; História que não poderia ser escrita
por qualquer pessoa nem de qualquer maneira, pois para se alcançar credibilidade teria que ter

9
JODELET, Denise: ReprésentationsSociales: um domaine em expansion. In; D. Jodelet (Ed) Les
Representations Sociales. Paris: PUF, 1989, pp 31-61. Tradução: Tarso Bonilha Mazzotte. Revisão Técnica:
Alda Judith Alves-Mazzotte. UFRJ-Faculdade de Educação, dez. 1993. p. 4-5. As representações sociais
constituem-se no Brasil um campo de estudo dentro das ciências sociais, como a psicanálise, psicologia,
antropologia entre outras.
18

uma cientificidade para assim ser aceita como verdade, e, portanto, foi com este propósito que
foi criado em 1838 o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) que teria a missão de
nortear a escrita da História do Brasil, através de um concurso para se eleger o melhor projeto
de como seria e deveria ser escrita a Historia da Nação, Von Martius um naturalista ganhou a
questão, mas não pode escrever, passando para Varnhagem a missão árdua e honrosa de
escrever a História Geral do Brasil.10
É importante trazer algumas considerações sobre o ideal Positivista, por que se
apresenta de forma explicita na escrita da História Geral do Brasil de Adolf Varnhagen como
fundamento de sua narrativa. O Positivismo era um modelo científico predominante no
século XIX, a busca pela verdade era o seu principal lema. Cittadino11 afirma que da
Antiguidade até ao final da Idade Média a História era vinculada a “lendas” e “ficções” e que
só no período do Renascimento12 começou a se desmistificar, mas ainda tinha um caráter
literário, e só no século XIX ela se distancia desse perfil e se alia a um espírito cientificista,
sendo introduzidos os métodos e teorias das ciências naturais, para assim obter a
cientificidade, as regras das ciências naturais foram introduzidas na História que passou a ter
uma visão Positivista, separando o sujeito do objeto de estudo, ou seja, aquele que conhece e
estuda o conhecimento, o historiador não poderia ter o seu olhar sobre o objeto de estudo, a
subjetividade não poderia existir, mas apenas a transcrição daquilo que o objeto de estudo lhes
transmitisse. As fontes falavam por si mesmas.
A sociedade também era estudada sob os métodos das ciências naturais, o historiador
não podia questionar os documentos, tendo a subjetividade longe do objeto de estudo. Ainda
segundo Cittadino, o ideal Positivista não trabalhava com interpretação, mas com transcrição,
o historiador teria que ser neutro, assim como a ciência era neutra, o passado real estava
contido nos documentos como se apresentava. A tese Positivista foi rejeitada pelos
historicistas que de início se opuseram a união das ciências naturais às sociais, e defenderam
que o historiador não poderia ser neutro se distanciando do objeto de estudo, tentou tornar a
História uma ciência, porém nunca conseguiu resolver a questão da subjetividade mesmo
reconhecendo sua forte influência na construção histórica.

10
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 2ª Edição; Rio de Janeiro: Editora FGV,
1999.
11
CITTADINO, Monique. Ciência e Verdade no Conhecimento Histórico. Revista SAECULUM, UFPB,
Jul/Dez, 1996.
12
Para compreender o período conhecido como renascença indicamos: DELAMEAU, Jean. A civilização do
Renascimento. Trad. Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70. 2004. E para ter outra opinião sobre o assunto:
BURKE, Peter. O Renascimento. Lisboa: Texto e Grafia. 2008.
19

Barros13 relata que o Positivismo e o Historicismo são correntes historiográficas


distintas, no entanto se aproximam na questão de ambas buscarem uma cientificidade para a
História, e através destes paradigmas criaram-se teorias para a História, as duas correntes
historiográficas de meados do século XIX deram novo rumo à História no sentido de separá-la
da Filosofia, como também a buscar métodos científicos, além de formular teorias para tornar
a História uma ciência. A distinção entre o Positivismo e o Historicismo consiste em três
concepções diferentes: o Positivismo de caráter generalizante buscava já no século XIX e
influenciado pelas idéias iluministas, uma conciliação dos métodos das ciências naturais com
as ciências humanas, em busca de Leis Gerais, em que as sociedades seriam regidas por leis
naturais, negando as influências da ação humana na História, como também procurou separar
o historiador do seu objeto de estudo, buscando cientificidade; enquanto o Positivismo busca
a objetividade, ou seja, a exatidão na História, a verdade absoluta, reforçando neste sentido a
neutralidade do historiador diante dos fatos.
Por outro lado o Historicismo ainda estava se estruturando, mas já tinha suas bases
firmes, com um caráter particularizante, procurava separar os métodos naturais dos métodos
das ciências sociais, criando métodos para a História, não aceitavam Leis Gerais, mas que as
sociedades só são compreendidas dentro de suas próprias histórias, além de aproximar o
historiador de seu objeto de estudo, reconhecendo a subjetividade na História, como também
buscavam que a História se tornasse ciência com seu próprio método, longe das especulações
filosóficas. Para o Positivismo a subjetividade na História era um problema, visto que, o
historiador teria que ser neutro e imparcial, valendo-se apenas da explicação dos fatos. O
Historicismo, por sua vez, se utilizava da subjetividade afirmando que o historiador deveria
usar da compreensão diante dos fatos. A subjetividade não era um problema para o
Historicismo, foi algo que tornou a História uma ciência mais humana diferente das outras14.
Petersen15 defende ser a Historiografia Positivista incapaz de responder as questões da
sociedade em constante mudança, porque seus métodos baseavam-se na observação dos fatos
e na experimentação. O historiador se restringia a colher os fatos, tendo um distanciamento do
objeto de estudo. Barros16 considera que na Historiografia o Positivismo surgiu com a ideia de

13
Para maior aprofundamento do debate, ver: BARROS, José D’Assunção. Dois paradigmas em
contraposição: Positivismo e Historicismo. In: Teoria da História (volume II) Os primeiros Paradigmas:
Positivismo e Historicismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
14
Idem.
15
PETERSEN, Silva Regina. Historiografia Positivista e Positivismo Comtiano: Origem e desvirtuamento de
uma relação teórica. In; GRAEBIN, Cleusa Maria Gomes (Org.) Revisitando o positivismo. Canoas-RS; La
Salle, 1998.
16
BARROS, José D’Assunção. Positivismo. In: Teoria da História (Volume II) Os primeiros paradigmas:
Positivismo e Historicismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
20

progresso onde a Europa era o modelo padrão de sociedade, comparando o progresso europeu
com os demais povos, generalizando a História, tornando-a universal para toda a humanidade.

1.1.1. O Positivismo que inferioriza: os indígenas na escrita de Varnhagen

Varnhagen, natural de São Paulo, teve sua formação em colégios estrangeiros, de


referencial Positivista, pesquisador assíduo em arquivos públicos estrangeiros, escreveu a
História Geral do Brasil baseado em documentos e relatos de viajantes dos séculos XVI, XVII
e XVIII, sua missão como historiador era narrar os fatos conforme os documentos
apresentavam; a intervenção interpretativa não caberia naquele período, pois a História a ser
17
narrada e contada teria que ser o mais fiel possível à fonte documental.
A História pátria do primeiro tomo escrita por Varnhagem e com dedicatória a D.
Pedro II Imperador do Brasil traz o relato sobre os primeiros três séculos de colonização,
antes da Independência do Brasil. Sua escrita é de total exaltação a figura do colono português
e da Colonização, mesmo reconhecendo que não se poderia negar a História dos primeiros
tempos na construção da História pátria, foi à custa do português colonizador o legado
herdado.

E ainda admitindo que muitas vezes abusavam os superiores dos inferiores,


os senhores dos escravos, e uns e outros índios, como é certo, não é certo
que, a custa das lagrimas do exílio, nos legaram elles a nós, seus herdeiros as
casas fabricadas, as fazendas criadas, as villas e cidades fundadas, - a vida, a
religião, o commercio, a riqueza, a civilização,... a pátria em fim? 18

A busca por uma História e uma herança européia é notória na escrita de Varnhagen,
considerando o período histórico em que viveu; época em que os ideais positivistas
dominavam; a negação de um passado ancorado na matriz indígena era o foco de sua escrita.
Nas secções II, II e IV dedicado a descrição dos indígenas, os primeiros habitantes do Brasil,
Varnhagen lançou o seu olhar etnocêntrico descrevendo-os como: “selvagens”, “bárbaros”,
“bestiais”, “sociedades selvagens” em que a única crença era a obrigação da vingança,

17
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 2ª Edição; Rio de Janeiro: Editora FGV,
1999. P. 24, 48.
18
VARNHAGEM, Francisco Adolfo de, 1816-1878. História Geral do Brasil: antes da sua separação e
independência de Portugal. Volume I, 2 ed.; Rio de Janeiro: Em casa de E. e H. Laemmert, 1877. p. IX.
Disponível em: www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01819210. Optamos por bom senso ser fiel a escrita do texto
original, não alterando às atuais regras de português, para não incorrer no erro de tirar a autenticidade da fonte
histórica em uso.
21

“ociosos”, “rixosos”, “sem sentimentos patrióticos”, “gentes vagabundas”, “alienígenas”,


“sem história”, incapazes de formar uma nação, não passando de “cabildes”.
A História para Varnhagen se inicia com a chegada dos portugueses, na sua concepção
o Cristianismo e a civilização foram os salvadores dos índios que viviam em barbárie e atraso;
o europeu com sua religião, moral, ética, cultura, etc., trouxe mudanças e “salvou” os índios
que viviam em uma “anarquia selvagem” devido às constantes rixas entre si. “Assim taes
rixas perpetuariam neste abençoado solo a anarquia selvagem, ou viriam a deixá-lo sem
população, se a providencia Divina não tivesse accudido a dispor que o christianismo viesse
ter mão a tão triste e degradante estado!”19. Assim legitimou seu discurso sobre o cristianismo
e civilização como salvadores dos indígenas condenados ao desaparecimento, consequência
de suas rixas, modos de viver, de se relacionar com seus pares e com o próprio meio em que
viviam. Varnhagen também alertou os leitores estrangeiros sobre as poucas páginas e poucas
lisonjas escritas sobre os indígenas, destacando que a infância da humanidade é sempre
acompanhada de “pequenhez e misérias”20, e que os leitores estrangeiros não se
ensoberbeçam diante da poucas linhas que escreveu sobre os primeiros habitantes do Brasil,
pois argumenta que cada Nação também já possuiu sua infância.
Os cuidados de Varnhagen ao descrever os indígenas são notórios, percebe-se um
sentimento não de orgulho, mas de repúdio e vergonha do passado indígena, por isso em
alguns trechos de sua escrita na secção IV, o autor faz menção de alguns costumes e usos dos
indígenas com os povos do velho continente, expressão que se utilizou em referência ao
antigo Egito e Europa nas suas “infâncias”. Buscava nas raízes européias a procedência dos
vários usos e costumes dos indígenas tupis; porém, em tom de desagrado ao que escrevia
declarou: “irresistivelmente se nos detem a Penna nem que corra de escrever estas misérias da
humanidade bestial, que sem nenhum pejo as praticava... vamos a concluir”21.
O próprio Varnhagen acreditava e escreveu na secção II que “De taes povos na
infância não há história: há ethnographia”, quando o autor coloca isso, está se baseando na
corrente historiográfica do Positivismo que ditava as regras de escrita do discurso histórico do
IHGB, em que a História era contada a partir de documentos oficiais e que povos com
História eram povos que dominavam a escrita; como os indígenas não possuíam escritos e sim
a oralidade, estes foram considerados povos sem História, o que só lhes restariam à

19
VARNHAGEM, Francisco Adolfo de, 1816-1878. História Geral do Brasil: antes da sua separação e
independência de Portugal. Volume I, 2 ed.; Rio de Janeiro: Em casa de E. e H. Laemmert, 1877. p. 22.
Disponível em: www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01819210.
20
Ibidem., p. 23.
21
Ibidem, p. 45.
22

etnografia, ou seja, a descrição de como eram segundo o olhar dos viajantes e naturalistas
europeus.
A forma como os indígenas foram apresentados na História escrita no século XIX, tem
ligação com o pensamento e acontecimentos da época. No Brasil o século XIX foi
caracterizado por transformações sociais, políticas e econômicas importantes, como a
Independência que culminou numa Monarquia Constitucional, também pela formação do
Estado Imperial e o forjar de uma nacionalidade, ou seja, de uma identidade brasileira e da
construção da Nação.22
Odália23 ao analisar e buscar compreender o pensamento de Varnhagen destaca que
este esteve ligado aos ideais de um Estado Tutelar, regido por uma Monarquia que em seus
contornos buscavam se perpetuar nos novos rearranjos políticos, forjando assim uma Nação,
um sentimento de nacionalidade e um novo homem que através da miscigenação e do
elemento maior que seria o europeu tornou-se povo que iria compor a nova Nação. Na visão
deste autor, a Nação já nascia velha, pois surgiu dos escombros de uma sociedade resultante
de um sistema Colonial que vigorou por longos três séculos, que legou seus problemas, entre
eles, a falta de unidade territorial tanto ao Império como também a República. E questiona a
ideia de “sentimento nacional implícito” formado no dia-a-dia da vida colonial defendido por
Varnhagen, pois para Odália existiu mais um apego pela propriedade da terra, do que mesmo,
a partilha comunal de valores comum que resultou na formação do povo unido num mesmo
território que formou a Nação; defende que não foi o povo que formou a Nação, e sim o
Estado que a forjou na condição de agente tutelar. Doriguello Júnior24 revela o IHGB como
um espaço social da elite imperial em que a maioria de seus associados possuía cargos
públicos ou eram políticos, evidenciando a estreita ligação do Instituto com o Estado Imperial.
Neste sentido, a construção do discurso histórico produzido pelo IHGB esteve a serviço dos
anseios do Estado Imperial que através da História buscou legitimar a idéia de Nação.
O ideal de Nação para o Estado Tutelar era de uma Nação branca e européia, o
elemento negro e o elemento indígena considerado vencido no processo de miscigenação pelo
elemento europeu superior, teriam que aos poucos serem absorvidos pela nova Nação dos

22
Para um maior entendimento sobre os acontecimentos políticos e econômicos do século XIX, ver: O Brasil
Imperial, volume II: 1831-1870. Organização Keila Grinberg e Ricardo Salles.- 2ª Ed. –Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011.
23
ODÁLIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e
Oliveira Viana. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.
24
DORIGUELLO JÚNIOR, Cesar Augusto. Os indígenas nas páginas da Revista Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (1838-1873). 131 f. 2008. Dissertação (Mestrado em História)- Universidade Estadual
Paulista, Assis, 2008.
23

homens brancos. A História a ser escrita teria que buscar nos seus primórdios um passado
glorioso, e neste passado não caberia os indígenas como precursores da Nação e nem como
elemento de maior valor na miscigenação das três etnias. Reis salienta que Varnhagen em sua
obra a História Geral do Brasil, fez um elogio da colonização portuguesa com uma História
dos grandes homens, dos grandes eventos, foi contrario a revolução e a mudança, pois
prejudicava a continuação da herança portuguesa, visto que o Brasil não poderia se assentar
sobre um passado brutal e selvagem, sendo a História do Brasil uma continuação do passado
Colonial, e ligada a uma História universal, européia, sendo os descobridores portugueses, os
heróis. Essas ideias nortearam a escrita da História do Brasil no século XIX e que se
prolongou até início do século XX.

1.1.2. “O Índio, quase um herói”: o olhar indianista de Capistrano de Abreu

No período Republicano, a obra de Capistrano de Abreu, historiador Cearense,


autodidata, buscou romper de certo modo com o modelo de escrita de Varnhagen; retrata em
seu livro “Capítulos de história colonial” a história da Colonização, trazendo em seus escritos
a história do povo. Em toda a escrita do livro não há percepção de uma História de grandes
homens ou heróis, ou mesmo um engrandecimento da colonização Portuguesa. Seu marco
temporal: séculos XVI, XVII e XVIII; o espaço de sua investigação: região do sertão; seu
foco: a formação do ser sertanejo o verdadeiro brasileiro; buscava estudar o povo na sua
essência. Fazia uma história em diálogo com as ciências sociais
Quanto ao referencial teórico em que Capistrano apoiava-se, o mesmo fora
influenciado por autores tanto franceses, ingleses como alemães; segundo Barros 25,
Capistrano viveu duas fases distintas enquanto influência teórica: a fase “historicista
cientificista” de influência mais positivista e uma segunda fase “historicista relativista”,
identificada pela ligação com ideais da escola metódica alemã, passando do Positivismo para
a Hermenêutica, ou seja, a interpretação no trato com as fontes históricas. Reis 26 em análise
sobre a posição teórica de Capistrano se era Positivista ou Rankiano, destaca a visão de alguns
autores referentes à questão, que expressam ideias aproximadas entre si, entre eles, Campos
afirma que em relação a teorias, Capistrano se interessava por tudo que era europeu, inclusive

25
BARROS, José D’Assunção. Duas fases de Capistrano de Abreu: notas em torno de uma PRODUÇÃO
HISTORIOGRÁFICA. In; História, Historiadores e Historiografia. Projeto História nº 41. Dezembro de 2010.
<Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/download/6549/4748. >
26
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 2º edição; Rio de janeiro: Editora FGV,
1999. p 90-95.
24

por bibliografias alemãs, e fora influenciado por elas, porém nunca defendeu uma explicação
histórica unilateral; Cita Canabrava que considera sua posição teórica confusa, por dar inicio a
estudos de temas relevantes das ciências sociais, porém sem dominar determinados conceitos
das ciências sociais, e não possuir uma unidade teórica. Ambos concordam que numa fase
inicial Capistrano fora influenciado pelo Positivismo, depois sendo influenciado pelo
Historicismo alemão. Reis afirma que Capistrano “optou por teoria também européia que
valoriza a singularidade, a historicidade de cada povo, e formulou uma nova interpretação do
Brasil que enfatizará o tempo histórico especificamente brasileiro”27.
Reis28 salienta que Capistrano redescobre o Brasil e faz um elogiou da rebelião
brasileira, ele fez uma história do mundo social cultural caminhando por todas as vias,
também administrativa política. Sua preocupação não é só narrar os fatos, mas usou a
Hermenêutica, e foi o que mais contribuiu com a ruptura da visão de continuidade do passado
português, o Brasil tinha que mudar. Destaca que a diferença entre Varnhagen e Capistrano é
que para Capistrano o importante era estudar o povo, e Varnhagem a exaltação da Coroa
Portuguesa. Para Reis, Capistrano coloca o índio como participante da construção do Brasil,
ele escrevia para o brasileiro, sobre os brasileiros. Capistrano começou seu estudo numa
escola pobre do Brasil, Varnhagen num colégio estrangeiro. Capistrano conviveu com o povo,
enquanto Varnhagen com a elite e com a Família Real. Capistrano lança sua biografia quando
a Monarquia já estava em decadência. Reis salienta que diferente de Varnhagen, Capistrano
não via Leis Gerais para a História humana.
Na análise de Reis29, devido à bipolarização de sua história de vida, sendo senhor de
escravo, porém, pobre, Capistrano não queria um futuro pontual. Ele passou pelas duas
correntes: a Positivista e a Historicista e o que estivesse a seu olhar ele escrevia, Reis coloca
que Capistrano sai dessa lógica de História universal de uma ligação de histórias sem fim,
preestabelecidas, as fontes para ele nesse sentido não revelava o que queriam dizer, as fontes
não dizem que estamos encaixados numa História universal, mas que tinha outra História e
devia ser buscada a partir da Hermenêutica das fontes. Capistrano olhava o interior do Brasil,
tudo que se afasta do litoral; o brasileiro para ele era o sertanejo. E a História do Brasil surgiu
de si próprio, o próprio povo é a História, e não há continuidade com a História de Portugal.
Ele via o Brasil de dentro pra fora.

27
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 2º edição; Rio de janeiro: Editora FGV,
1999. P. 94.
28
Idem.
29
Idem.
25

A forma como Capistrano organizou sua escrita e os capítulos 30 tornam visível que
escreveu a História a partir dos nativos que já habitavam estas terras, essa forma de escrita
rompeu de certa maneira com a escrita de Varnhagen que visava o início da História do Brasil
a partir da chegada dos portugueses. Capistrano buscou investigar os fatos históricos e
interpretá-los, nesse ponto torna-se visível o caráter revolucionário de Capistrano de Abreu. O
primeiro capítulo intitulado “antecedentes indígenas”, Capistrano faz uma síntese sobre as
formas de vida dos indígenas antes da chegada dos europeus, destacando que a evolução
social dos grupos nativos não aconteceu de fato devido a fauna e flora brasileira, salientando
que:
Entre estes animais nenhum pareceu próprio ao indígena colaborar na
evolução social, dando leite, fornecendo vestimenta ou auxiliando no
transporte; apenas domesticou um ou outro, os minbabas da língua geral -
em maioria aves, principalmente papagaios, só para recreio. De caça e
principalmente de pesca era composta sua alimentação animal. Possuía
agricultura incipiente, de mandioca, de milho, de varias frutas. Como eram-
lhe desconhecidos os metais, o fogo, produzido pelo atrito, fazia quase todos
os ofícios de ferro. A plantação e colheita, a cozinha, a louça, as bebidas
fermentadas competiam às mulheres; encarregavam-se os homens das
derrubadas, das pescarias, das caçadas e da guerra. 31

As ideias de Charles Darwin sobre a evolução das espécies ainda eram predominantes
no período que Capistrano escreveu suas sínteses de História do Brasil, nesse ponto ele
descreve os modos de vida dos nativos, suas formas de organização social e de divisão do
trabalho. Nas formas de estruturas sociais dos indígenas, Capistrano destaca que viviam em
pequenos grupos comunais, devido à escassez de alimentos próprios e de suas dietas, viviam
como nômades. As guerras, os rituais antropofágicos, as rixas por coisas pequenas aos nossos
olhos causavam “grandes migrações”. Outro fator importante destacado por Capistrano era as
formas de poder em que o chefe não possuía força superior ao chefe espiritual (nas
comunidades indígenas da atualidade conhecidos como xamãs, pajés etc.) que cabia apaziguar
a ira dos seres espirituais em que acreditavam. Outro fator destacado é a questão dos
indígenas segundo Capistrano terem “[...] os sentidos mais apurados e intensidade de
observação da natureza inconcebível ao homem civilizado”32. Destaca os talentos artísticos

30
Cabe salientar que esta análise busca inteirar-se como era apresentado o indígena na escrita da história do
Brasil, por tanto, não cabe neste capítulo a descrição densa de todos os assuntos que contém nos capítulos da
obra analisada, mas interessa-nos as partes em que o autor trata sobre os indígenas, como também sua forma de
descrevê-los e interpretação.
31
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por
José Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p.
51-52.
32
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por José
Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p. 52.
26

revelados nas pinturas cerâmicas, adornos, musicas, nos trançados, só lamentando não saber
tanto sobre as lendas desses povos, queixando-se dos jesuítas que com métodos catequistas
tratou de extingui-las ou mesmo de transformá-las a serviço de seus interesses entre outros
religiosos.
Diante disso, expõe seu pensamento sobre os indígenas, considerando que o clima e a
vegetação contribuíram para a “indolência” dos indígenas, mas que esse fato não era mais
importante, acreditando que já era algo provado e nesse ponto ele concorda com Varnhagen,
porém destaca outro fator mais preponderante que “o principal efeito dos fatores
antropogeográficos foi dispensar a cooperação”33 que refletiu segundo o autor como uma
herança aos seus sucessores. Na fala de Capistrano há um reconhecimento das estruturas
organizacionais e sistemas sociais indígenas, no entanto, não se distancia de Varnhagen em
sua análise, quando se utiliza do determinismo geográfico e do evolucionismo para justificar
tanto a “indolência” como a “ausência de cooperação” entre as etnias que consequentemente
resultou na falta de unidade desses povos, quesito primordial para a formação de uma Nação.
Neste ponto apenas acrescenta em sua escrita mais um resultado dos efeitos
antropogeográficos sobre os indígenas.
Neste sentido, Capistrano rompe com Varnhagen quando coloca que os indígenas não
eram os exóticos, na sua visão os exóticos eram os europeus e depois os negros. Seu olhar
interpretativo sobre a história do Brasil não partiu de fora (do olhar europeu) para dentro
(olhar dos nativos), mas de dentro para fora. É interessante perceber que se para Varnhagen os
indígenas eram os alienígenas, estranhos, em Capistrano era os portugueses e os negros: “ao
português estranho ao continente cumpre juntar o negro igualmente alienígena”34. Neste ponto
há um distanciamento do pensamento de Varnhagen.
Nota-se que Capistrano considerava a matriz indígena como base dos estudos para a
escrita da História do Brasil a que se pretendeu escrever; diferente de Varnhagen que prezava
o português, elemento europeu como fator preponderante da formação da sociedade brasileira.
Porém, ao tratar sobre a mestiçagem reforçou a historiografia de Varnhagen quando coloca
que “Da parte das índias a mestiçagem se explica ambição de terem filhos da raça superior,
pois segundo as ideias entre elas ocorrentes só valia o parentesco pelo lado paterno”35.
Capistrano ainda salienta sobre a facilidade dos portugueses de se relacionar com as
índias pela pouca resistência que faziam e pelos espelhos, anzóis e vários objetos usados

33
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por
José Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. P. 54.
34
Ibidem, p.59.
35
Ibidem, p. 70.
27

como presentes de troca. O autor explica que já da parte dos portugueses a miscigenação é
explicada pela ausência de mulheres brancas, “de seu sangue” deixando claro que a
miscigenação sob esse ponto de vista era constante em migrações marítimas; mais uma vez o
autor reproduz a historia de Varnhagem do “português superior”.
Capistrano também fez menção em sua obra sobre as alianças de europeus com os
naturais, sendo que os portugueses se aliaram aos tupiniquins e os espanhóis aos tupinambás,
grupos estes que eram rivais. Sobre as Capitanias hereditárias e as Capitanias da Coroa, no
tocante a questão indígena aqui analisada, ressalta as divergências dos donatários e os naturais
da terra assim como o estabelecimento das missões jesuíticas que segundo o autor com a
mesma rapidez que se instalaram e desenvolveram logo decaiu. Para Capistrano o
desaparecimento dos naturais era por causa do contato com os “povos civilizados”, com as
“guerras justas” e a procura de minas auríferas em que muitos índios foram escravizados,
outros postos em missões jesuíticas e outros que fugiram para os sertões, retratando em tom
de denúncia a mortandade dos indígenas nesse período de exploração. Faz citação de Pero
Magalhães e destaca em sua escrita a importância dos indígenas no período Colonial, pois os
mesmos auxiliavam os primeiros colonos nas suas necessidades, mesmo com tantas guerras,
eram os naturais da terra que proviam aos colonos o alimento e as plantações (caça, pesca,
colheita e etc). Ainda neste ponto deixa clara a sua exaltação aos jesuítas, relatando a vida em
aldeamentos e a forma “branda” e organizada com que os jesuítas ensinavam os indígenas e
administravam as missões, ao contrário de Varnhagen que os via sem consideração.
Para Capistrano os indígenas foram essenciais durante o período de guerra entre
holandeses e portugueses, cita o nome de um dos chefes indígenas por nome petiguar como
um herói, e remete a gloria da reconquista de Pernambuco não somente aos portugueses, mas
aos índios, mazombos, mamelucos, mulatos etc. considerando que o sucesso da reconquista se
deveu a forma de aliança com os naturais da terra36.
O termo “bárbaro” é questionado pelo autor que ressalta que os povos formadores dos
portugueses eram tão bárbaros quanto os indígenas, porém não nega ser os indígenas bárbaros
por praticar a antropofagia, apenas justifica e traz a memória que um dos povos a que se
constituiu Portugal também praticava o ritual com barbárie37, e neste ponto se nota a ideia de
infância da humanidade pregada por Varnhagen.

36
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por
José Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p.
124, 139, 140.
37
Ibidem, p. 206.
28

Ao tratar sobre os bandeirantes é percebida uma grande insatisfação de Capistrano,


que em tom de denúncia descreve a violência de bandeiras contra as missões jesuíticas e os
indígenas, lamentando se seriam mesmo compensados “tais horrores” só em vista de o Brasil
possuí as terras que foram devastadas pelas campanhas dos bandeirantes; sua crítica a História
oficial também se remetia a exaltação dos bandeirantes como conquistadores quando na
realidade Capistrano os via como despovoadores e não os povoadores dos sertões 38. O olhar
de Capistrano sobre a História era mais profundo, colocava o povo na cena dos
acontecimentos, retratando que os indígenas auxiliaram nas bandeiras, inclusive a capturar
outros índios mais arredios “bravos”.
É notória que no trato com os indígenas Capistrano em alguns pontos se difere de
Varnhagen, por não tratar os indígenas como alienígenas, por seu olhar indianista sobre a
história, por citar nomes de índios como heróis, por considerar os nativos como racionais, por
reconhecer que auxiliaram nas bandeiras e por colocá-los como participantes junto com os
portugueses da vitória sobre os franceses e holandeses; talvez possamos até pensar que os
indígenas ganharam visibilidade na História, considerando esses fatores, no entanto,
Capistrano não escreveu uma História indígena, nesta perspectiva, não rompeu por completo
com o olhar de Varnhagen que tanto criticou. Na conclusão do livro o autor expõe seu
pensamento no que se resumiram os três séculos de colonização, e é perspícuo tanto o silêncio
do presente como o pessimismo sobre o futuro dos indígenas. Para o autor o elemento
indígena ainda podia ser encontrado na Amazônia onde a colonização portuguesa não foi tão
expressiva, já nas zonas pastoris, que na escrita do autor são os sertões de dentro, apenas
alguns índios assimilados, e nas cidades costeiras, simplesmente sumiam ante ao elemento
europeu.
Na escrita de Capistrano o indígena estava no passado e não fazia mais parte do
presente, condenados a assimilação e integração Nacional. Mesmo tendo por base de sua
escrita a matriz indígena, seu olhar era pessimista no que se refere ao futuro desses povos.

1.1.3. Um Culturalismo que estigmatiza: os indígenas na visão de Gilberto Freyre

38
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história Colonial, 1500-1800. 7. Ed. rev., anotada e prefaciada por
José Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p.
146. Uma observação a ser feita: quanto a esta interpretação de Capistrano referente aos bandeirantes como
despovoadores dos sertões, é que alguns autores da nova história indígena dialogam com esta tese. Um deles é
John Monteiro referenciado no presente trabalho de conclusão de curso.
29

No início dos anos 1930, a obra “Casa grande e Senzala”39 do autor Gilberto Freyre,
(reeditado mais de 50 vezes), expõem os indígenas com estereótipos como “indolentes”,
“inaptos para o trabalho”. Freyre busca explicar o processo de miscigenação no Brasil, e
dentre as “três raças”, consideradas participantes na formação do brasileiro, a indígena era
considerada a de menos valor: “Longe de ser o livre animal imaginado pelos românticos, o
selvagem da América, aqui surpreendido em plena nudez e nomadismo [...]”40. Sempre com
expressões como “povos primitivos da América”, “atrasados”, “introvertidos”, dando o
sentido de inaptos para o trabalho:

O resultado foi evidenciar-se o índio no labor agrícola o trabalhador banzeiro


e moleirão que teve de ser substituído pelo negro. Este, vindo de um estádio
de cultura superior ao lado do ameríndio, corresponderia melhor às
necessidades brasileiras de intenso e contínuo esforço físico41.

Ao falar dos indígenas, Freyre considera que houve uma pequena contribuição
indígena para a formação da família brasileira, mas os indígenas ainda são estereotipados na
sua escrita da História. A figura do português era a mais ilustre, pois comandou a
miscigenação, sendo superior. “Sob a pressão moral e técnica da cultura adiantada,
esparrama-se a do povo atrasado”42. Freyre ao pronunciar “cultura adiantada” estava se
referindo a cultura européia, a do português; e a cultura atrasada, referente aos indígenas.
Mesmo a obra “casa grande e senzala” sendo muito criticada, vale destacar que é importante
citá-la neste trabalho, apenas para a análise de que no início do século XX, os estereótipos
indígenas permaneceram na Historiografia Brasileira, tendo em vista que os métodos
históricos passavam por mudanças, com a inserção da perspectiva cultural a partir das teorias
do Difusionismo Cultural de Frans Boas. Essa teoria defende que “[...] se há uma constatada
similitude ou paralelismo de ritos e desenvolvimentos de povos em diferentes lugares do
Globo, ela deve ser explicada necessariamente pela migração e pela difusão dos povos”43.
“Casa Grande e Senzala” retrata justamente a contribuição hierarquizada e adjetivada
de cada “raça” na formação da família patriarcal brasileira: a branca, representada pelo
português “forte e viril”, “racional”, “conquistador” “dominador”, “vencedor”; o negro,

39
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob um regime da economia
patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51ª Ed. rev. São Paulo: Global, 2006. 727.
40
Ibidem, p. 172.
41
Ibidem, p. 230.
42
Ibidem, p. 177.
43
FERREIRA, Ricardo Alexandre. Antropologia Cultural: um itinerário para futuros professores de
História. Guarapuava: Ed. Unicentro, 2009. P. 77. <Disponível em:
repositório.unicentro.br/bitstream/123456789/386/1/Antropologia%20cultural.pdf > Acesso em: 03 fev. 2017.
30

“trabalhador braçal”, “artista”, “extrovertido” “místico”, “objeto sexual”; e o índio,


“indolente”, “preguiçoso”, “introvertido”, “atrasado”, “selvagem”. Freyre entendeu que a
formação da família patriarcal brasileira é uma mistura de cada uma dessas contribuições
culturais que se difundem entre si.
Freyre buscou identificar através dos seus estudos o que é ser brasileiro e as raízes que
criou e deu forma a família patriarcal e escravista brasileira. Freyre é inovador na questão do
método, ele se aproximou da Antropologia, sua visão sobre o Brasil é sócio-cultural, seu
método é explicativo, sua intenção era desconstruir os discursos racistas do século XIX (sem
muito êxito), que se amparavam no determinismo geográfico e biológico para explicar o
atraso econômico de vários povos. Além disso, romantizou o discurso, trazendo uma leitura
do interior da casa grande, sua relação com a senzala, as relações intimas de senhores e
escravos, do dominador e dominado, uma leitura que nos lança a conhecer o psicológico da
sociedade, nos seus mais íntimos antagonismos.
É válido enfatizar que Freyre lançou seu olhar sobre os indígenas utilizando os
mesmos estereótipos empregados na escrita de Varnhagem. Dentre os três autores expostos
até aqui, Somente Capistrano tem uma visão mais aberta sobre os indígenas, porém não
escreve uma história indígena e ainda tende em sua escrita a reforçar alguns estereótipos.
Compreende-se neste sentido que com relação aos conceitos e representações referentes aos
indígenas construídos pela escrita da História destes três intelectuais, minimizou as
identidades culturais indígenas quando não os vêem no futuro, legando apenas um lugar no
passado, apagando-os da História Nacional. Neste sentido, os efeitos da Historiografia
tradicional tende a deslegitimar as lutas políticas e o desaparecimento dessas populações no
fazer História.
Cabe aqui ressaltar que a análise dessas obras não se deu de modo aleatório ao
objetivo da presente pesquisa. O compêndio de História Geral do Brasil escrito por
Varnhagen influenciou alguns intelectuais na construção de livros didáticos de História
durante o século XIX e início do século XX em colégios brasileiros, suas ideias fez parte da
formação intelectual de muitos jovens que foram educados aprendendo sobre a História do
Brasil e os povos indígenas conforme a escrita e olhar desse intelectual sobre os índios no
Brasil.44 Neste sentido, o ensino de História neste período reproduzia os (pré) conceitos
empregados aos indígenas na escrita de Varnhagen, nos espaços educacionais da época. Já a
obra de Capistrano de Abreu não teve tanta visibilidade nos espaços escolares de sua época, e

44
Para um maior entendimento do assunto, MARIANO, Nayara Rodrigues Cordeiro. Representação sobre os
índios nos livros didáticos de história do Brasil. Dissertação (Mestrado)- UFPB/CE. João pessoa, 2006.
31

nos dias atuais ela é pouco mencionada nos livros didáticos. O fato de a obra está sendo
referenciada neste trabalho coincide com a sua visão indianista da História, também por
revolucionar de certa forma o modo de se processar o fazer histórico. “Casa Grande e
Senzala” é mencionada neste trabalho acadêmico, pelo motivo de ser até os dias atuais
referenciada em livros didáticos escolares quando o tema é formação da sociedade brasileira,
miscigenação, formação da economia açucareira etc., fazendo parte do cotidiano de leituras
no ensino de História.
Em suma, essa velha forma de olhar sobre os povos indígenas tem sido revisitada na
contemporaneidade por intelectuais da área da Antropologia, História, Sociologia e demais
áreas do conhecimento que através da chamada Nova História Indígena nascente na década de
90 do século XX, tem buscado através de novas análises históricas o reconhecimento do
protagonismo dos indígenas, assim como, o revisitar da tradicional Historiografia a fim de
desconstruir preconceitos e estereótipos, promovendo a valorização das identidades e culturas
indígenas, visibilidade histórica e legitimação das lutas políticas.

1.2. UMA VIRADA EPISTEMOLÓGICA NA HISTÓRIA: narrativas tradicionais


versus novas narrativas.

Antes de iniciarmos a discussão deste tópico é importante esclarecer que entendemos


como Historiografia tradicional operada durante o século XIX e início do XX, que tinha por
base uma escrita pautada no documento oficial, em que se fazia apenas transcrição dos fatos
históricos sem uma crítica mais aprofundada. E no sentido de pensar o indígena na História, o
conceito de Historiografia tradicional se amplia, entendemos como toda produção
historiográfica que minimizou as culturas e identidades indígenas, negando a estes povos o
protagonismo na História. Para o que mencionamos como nova Historiografia, esta se
caracteriza pela interdisciplinaridade, pela ampliação de temas em que as chamadas minorias
antes negadas e excluídas do processo histórico passam a objeto de estudo da História, e pelas
novas tendências na escrita da História.
O século XIX é considerado como o século da História, o período em que se
desvincula da Filosofia, da Literatura e se torna científica, ganha status de disciplina, assim
como espaço nas Universidades. Salgado Guimarães45 destaca que diferente do contexto de

45
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e civilização nos trópicos: O instituto histórico e Geográfico
Brasileiro e o projeto de uma História Nacional. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.1. n. 1, p 5-27,
32

outros países em que a História é pensada no âmbito das Universidades, no Brasil a


institucionalização da História acontece com a criação do IHGB. A História era pensada em
academias por intelectuais letrados influentes socialmente, que buscavam definir um perfil
para a “Nação Brasileira” salientando que “Ao definir a nação brasileira enquanto
representante da ideia de civilização no novo mundo esta mesma historiografia estará
definindo aqueles que internamente ficarão excluídos deste projeto por não serem portadores
da noção de civilização: índios e negros46. O modo de produção que se configurou no IHGB,
era uma escrita que se mantinha estritamente relacionada com os anseios da política Imperial,
uma História escrita que servisse para direcionar as ações políticas, a manter unido o
território, a exaltar os grandes feitos do Império e a homogeneizar a sociedade negando sua
diversidade étnica.
Guimarães Salgado salienta que havia dificuldades de se pensar um perfil para a
Nação cuja base que sustentava a economia era o trabalho dos escravos além de varias
populações indígenas existentes, sendo que o conceito de Nação importado dos Europeus não
coincidia com a realidade brasileira e se operou de forma diferente do seu contexto de origem
que se propunha mais abrangente. O Brasil “Nação” é eminentemente relacionado aos
brancos, pois estes possuíam a civilização, neste sentido, é excludente por que não engloba a
diversidade étnica existente no território, e nisto o indígena sempre foi considerado um
entrave quando o assunto é a questão Nacional. Ao definir a Nação também é definido o
“outro”, e este outro é o contrario da civilização, no caso o “bárbaro”, o “selvagem”. As bases
do projeto de uma escrita da História do Brasil se ampararam neste conceito de Nação, em
que primeiro se buscou a gênese dos primeiros habitantes, no caso, dos nativos; e isto é
explicito na obra de Varnhagen que relata serem descendentes dos antigos povos do
continente Europeu, “A Nação cujo retrato o instituto se propõe traçar, deve, portanto surgir
como desdobramento, nos trópicos, de uma civilização branca e européia”47. Neste contexto
os intelectuais se propunham a escrever a História com conceitos importados de realidades
totalmente diferentes do contexto brasileiro.

jan.1988. ISSN 2178-1494. <Disponível em <http:


//bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1935/1074> acesso em 26 jan. 2017.
46
Idem.

47
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e civilização nos trópicos: O instituto histórico e
GeográficoBrasileiroe o projeto de uma História Nacional. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.1. n. 1,
p 5-27, jan.1988. ISSN 2178-1494. <Disponível em <http:
//bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1935/1074> acesso em 26 jan. 2017. p. 8.
33

Turin48 ao analisar a formação do ethos do historiador do oitocentos e suas


conseqüências na escrita da História salienta que o fazer historiográfico do século XIX se
assentava sobre uma escrita pautada na “sinceridade, cientificidade e utilidade”, destacando a
relação afetiva entre historiador – Nação, a busca pelo método histórico, que consistia na
neutralidade do autor, e na abnegação de si mesmo na empreitada de se escrever a História
Pátria, garantindo desse modo uma cientificidade, mesmo sendo as fontes históricas
documentos oficiais escritos, a conduta do historiador também era necessária para dar
contornos de cientificidade a escrita da História.

São expressões de uma historiografia que se constituiu fortemente centrada


na figura Imperial. O projeto centralizador executado pelo Estado Imperial
teve como seu correlato a centralização da pratica historiográfica. Neste
espaço discursivo, consideravelmente restrito, a história como disciplina e o
historiador como seu autor, foram configurados em três instancias principais:
a escrita afetiva, a cientificidade e a governabilidade. [...] As funções da
afetividade poética, da verdade científica e da instrumentalização da arte de
governar condensaram-se em uma relação escriturária com o passado.49

O mesmo autor destaca que diante deste cenário que configurou a forma de se escrever
a História no século XIX, houve uma leve mudança na prática historiográfica a partir de 1870,
“tal configuração, inserida em um processo de reescrita da história, tem como aspecto
marcante a seleção do povo ao mesmo tempo como objeto e instância legitimadora da
enunciação historiográfica”50. Essa introdução da noção de “povo” na escrita da História
substituiu a noção tríade da sociedade em que se estabelecia em ordens sociais, buscava-se
uma homogeneização da sociedade através de um passado comum, sendo que o foco da
escrita não se configuraria mais na instituição Imperial e no Imperador, mas, no povo; em que
o historiador antes Monárquico Constitucional passou a historiador cidadão, e não mais se
fazia necessário está estritamente ligado a instituições para escrever História. É neste período
que se inicia uma escrita da História fora dos contornos do IHGB. Essa é a “leve mudança”
que Turin defende, porém, sem negar que mesmo com essa guinada temática, “a verdade
proferida pelo historiador, cuja materialização é a narrativa Nacional, continuava a ser

48
TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocentista. In; História da
historiografia. Ouro preto/ Edufop, 2009, numero 2, março 2009, 286 pp.
49
Ibidem, p. 19
50
Ibidem, p. 20.
34

mediada pelos três topoi referidos, a sinceridade, a cientificidade e a utilidade”51. Neste


sentido, para o autor a escrita da Historia continuou tradicional.
O fim da Monarquia e o evento da Proclamação da República trouxeram consigo
anseios por uma História que legitimasse o novo Regime e o novo projeto civilizador; diante
de um turbilhão de acontecimentos e mudanças na ordem Política, com a busca pela
“laicização” do Estado, a instituição criada para legitimar o Império, teve que ser modelada
aos “novos tempos”; a relação próxima e ainda operante da Igreja Católica com o Estado
Brasileiro facilitou a inserção de inúmeras autoridades religiosas no IHGB, tornou a escrita da
História de cunho mais providencialista e ainda mais excludente, pois buscavam unir fé e
razão nos fazer histórico, excluindo os que não eram considerados ou não faziam parte do
“rebanho de cristo”52. No período em questão a produção historiográfica não mais se
restringia somente ao IHGB53.
Diehl54 ao analisar a cultura Historiográfica brasileira salienta que foi a partir de 1930
que aconteceu o descompasso com a Historiografia novecentista a qual se baseava no
tradicionalismo e Positivismo. As mudanças aconteceram nas perspectivas teóricas e
metodológicas adotadas a partir de 1930 pelos historiadores contemporâneos no trato com os
objetos de estudo do passado. Este foi o início do tempo dos interpretes do Brasil, das sínteses
do passado brasileiro, com estudos temáticos de difícil classificação teórico-metodológico,
marcado por estudos comparativos, mas que ainda carregavam consigo a marca de uma
tradição Positivista de “ordem e progresso” nas representações historiográficas brasileiras,
período marcado fortemente por pesquisas de conteúdos políticos e econômicos, teses que
provocaram debates acirrados e que ainda se presencia de certa forma nas tendências atuais
dos estudos da História do Brasil, sendo exaustiva a partir da década de 1970.
Considerando que as teorias e métodos aplicados não coincidiam com a realidade
brasileira, a adaptabilidade conceitual no estudo histórico tendia a totalizar a realidade
empírica negando as especificidades no projeto de escrita da História. No caso as
experiências das teorias e métodos importados eram externas a realidade brasileira,

51
TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocentista. In; História da
historiografia. Ouro preto/ Edufop, 2009, numero 2, março 2009, p. 26.
52
HUGO, Hruby. O templo das sagradas escrituras: o instituto histórico e Geográfico Brasileiro e a escrita da
História do Brasil (1888-1912). In: História da Historiografia. Ouro preto/Edufop, 2009, número 2, março
2009, p. 50-66.
53
Um exemplo aberto desse fato foi o pedido do centro industrial do Brasil ao Historiador Capistrano de Abreu
para que escrevesse um esboço histórico sobre as grandezas do Brasil com intuito de fazer propaganda do País
no exterior.
54
DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 1980: experiências e horizontes. 2. Ed., ver.
eampli.-Passo Fundo: UFP, 2004. p 18-70.
35

impossibilitando de se chegar a real origem do processo histórico, o que Diehl chama de o “eu
coletivo da questão”. “Dessa perspectiva quer-se enfatizar que a teorização da realidade
social é um resultado inconsequente na medida em que denota uma exterioridade do sujeito
em relação ao objeto analisado”55.
A partir de 1980 o fazer historiográfico influenciado pela Historiografia francesa
ampliou o olhar para os aspectos sociais, buscando mostrar a Historia como ciência do social,
com temas associados aos grupos considerados minoritários, aqueles esquecidos ou
“vencidos”, negados pela História tradicional. A História passa a se aproximar da
Antropologia e de seus métodos, e isso proporcionou um repensar contínuo sobre o que já
havia sido escrito. Operava-se a abertura da Historia para a interdisciplinaridade, a
consequência disto é a ampliação e diversidade de temas, e novamente as mudanças também
ocorreram nas teorias e metodologias utilizadas nos estudos da realidade Brasileira.
Para Diehl vivemos um tempo de experiências, práticas multiculturais e de interesses
pluriorientados, no que se refere a temas historiográficos, visto que os modelos explicativos
se desgastaram e não dão mais conta da realidade diversa. A partir de 1980 acontece um
“revigoramento cultural”, e tem haver com a inserção da Hermenêutica na compreensão do
passado, a interpretação de textos históricos tem consequências na escrita, pois causa
rompimento com a ideia de “exclusivismo científico”, ou seja, a verdade absoluta na História,
isso trouxe uma problemática de cunho teórico e metodológico no fazer historiográfico, sendo
que acontece neste sentido conflitos entre noções de tempo e espaço; este espaço é
antropológico estando presente na “experiência reconstruída” coloca em detrimento a noção
de tempo, sendo que a função do espaço antropológico é imobilizar o tempo.
O espaço antropológico no debate historiográfico tem garantido a noção de
experiência, para o autor é como se acontecesse uma sobreposição da “experiência
antropológica” sobre a “estrutura” e do “lócus da cultura” sobre a “explicação”, está baseada
em experiências externas a realidade empírica do objeto de estudo. Para Diehl fica claro que a
“densa descrição da experiência” pode enfatizar formulações discursivas sem a necessidade
da dinâmica do tempo, esse fenômeno é conhecido atualmente como a “ciência do texto”.
Diehl salienta que o momento atual é caracterizado pelo tempo de experiências, que
nos conduz a problematizações do presente no passado, ou seja, compreendermos o presente
através do olhar voltado para o passado, para assim, reconstituirmos ideias de futuro através

55
DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 1980: experiências e horizontes. 2. Ed., ver.
eampli.-Passo Fundo: UFP, 2004, p23.
36

do passado, e é desta forma que se caminha para a cultura da mudança na Historiografia


brasileira.

O momento é dos cotidianos íntimos da vida, das experiências do sujeito; a


vez é das bruxas e das feiticeiras, dos loucos, dos vadios, dos homossexuais,
dos gestos significativos, tais como o medo, o desejo, a angústia etc. [...],
daquilo que historicamente foi jogado na lata de lixo pela ciência formal.56

A chamada Nova História Indígena nasce neste ambiente de ampliação e horizontes do


novo fazer historiográfico, que se caracteriza pela busca daquilo que ficou esquecido pela
Historiografia tradicional. A disciplina História é institucionalizada com o IHGB em 1838
vinculada aos anseios de um Estado Monárquico Constitucional, de produção intelectual e de
cunho erudito, que tinha por influência a Literatura européia: fontes de viajantes, naturalistas,
e demais estudiosos, que a partir das suas culturas lançavam os olhares sobre uma realidade
totalmente diferente do contexto europeu. O lócus da erudição eram os Institutos Históricos e
Geográficos espalhados pelas províncias, sendo a central no Rio de Janeiro, depois vieram as
Academias que tinham posturas mais diferentes, porém, representavam o Brasil em seus
inscritos.
A partir das décadas de 70 e 80 do século XX, surgiu no Brasil um novo lócus dos
estudos históricos com a criação dos programas de pós-graduações, nisto se inicia uma nova
fase de uma cultura historiográfica, sendo consequência da crise de paradigmas científicos
tradicionais de cunho totalizador e otimista, esse período é marcado pela ampliação de temas
nos estudos históricos e por uma forte institucionalização, interiorização da produção histórica
e profissionalização da História nas Universidades, assim como, uma emergência por
alternativas temáticas e teóricas.57
Em 1985 com o fim do Regime Militar e o prenuncio da Constituinte resultado da
redemocratização do País, as Universidades com certa autonomia, cria departamentos de
estudos históricos que coincide com a fragmentação do campo histórico gerando assim as
especializações em que cada departamento histórico buscava através do estudo de uma
temática produzir ou reproduzir a História que não é mais orientada por paradigmas
dominantes e de caráter totalizador, “o departamento torna-se o lugar por excelência da

56
DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 1980: experiências e horizontes. 2. Ed., ver.
eampli.-Passo Fundo: UFP, 2004. P 39.
57
Ibidem, p. 63.
37

produção em história”58. Nasceram neste período as “ilhas historiográficas” como define José
de Assunção Barros.
Três tendências são evidenciadas a partir da departamentalização dos estudos
históricos: Primeiro a dissociação entre ciência e vida pública, a Historiografia deixa de servir
ao Estado, aos anseios econômicos e a determinados sujeitos sociais, especializando-se em
temáticas diversas; segundo, departamento como um autor que constrói redes de estudos com
a criação de arquivos, bibliotecas etc., sobre um mesmo objeto de estudo já definido; e a
terceira é a aproximação com a Historiografia francesa, a História Cultural com a História
francesa59.
Conforme Diehl “Essa tendência está se apresentando como uma historiografia
especializada em objetos fragmentados (negros, mulheres, sem-terra, homossexuais,
feiticeiras, imaginário, cotidiano etc.), com os quais ela se identifica, atuando como ator na
sua representação”60. Neste sentido a criação de departamentos de estudos históricos,
possibilitou a inserção dos indígenas como “objetos” de estudos. A Nova História Indígena
nasce com a departamentalização e especializações dos estudos históricos dentro das
Universidades, através da ampliação de temas relacionados à influência da Historia francesa e
aproximação da História com a Antropologia.
A escrita da História veio mudando quando de seu auge no século XIX à forma de
escrever de hoje. A escrita pautada, a princípio, no feito dos grandes personagens políticos e
de caráter civilizatório, em que os métodos de pesquisa se baseavam somente no documento
escrito oficial não mais vigora no fazer histórico atual, em que consistem novos olhares sobre
a História, ampliação de temas de pesquisa, do próprio conceito de História e das fontes de
pesquisa, bem como, novos métodos e formas diversas de análise de fontes. Assim como a
História, a Historiografia também fora influenciada no sentido de um novo olhar sobre o que
já se havia produzido, ou seja, um revisitar historiográfico por parte dos historiadores. Porém,
o que nos interessa, nesse momento, é enfatizar que com esses novos olhares sobre a História,
personagens como os povos indígenas, e demais sujeitos considerados minorias, foram
adentrando as fronteiras antes inquebráveis da História, considerando também suas lutas
persistentes por reconhecimento na História.

58
DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 1980: experiências e horizontes. 2. Ed., ver.
eampli.-Passo Fundo: UFP, 2004.p. 64.
59
Ibidem, p. 64.
60
Ibidem, p. 65.
38

1.3. SOBRE MUDANÇAS, PROTAGONISMOS E REESCRITAS: as novas abordagens


sobre os indígenas na Historiografia Brasileira.

Na década de 1970 acontecia no Brasil um levante de movimentos sociais


inconformados com os rumos políticos e com a falta de liberdade e direitos; esses
movimentos de mulheres, negros, indígenas etc., lutavam por direitos, visibilidade ante as
políticas públicas e por reconhecimentos históricos, Brito61 salienta que “a partir da década de
1970, a população indígena brasileira iniciou o processo de reorganização, avançando
significativamente na conquista de espaços sociais e políticos”. Os movimentos indígenas
surgiram da violência das políticas de expansão territorial e econômica do governo Vargas, e
depois, no período da Ditadura Militar em que os indígenas de várias etnias foram expulsos de
suas terras, sendo muitos povos dizimados pelas doenças, devido o contato com não índios,
além dos constantes conflitos com grileiros, garimpeiros e fazendeiros.
Neste contexto de lutas e violências os indígenas se politizaram, os povos indígenas
surgem no cenário político e social apoiados pelo CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e
por antropólogos, reivindicando o direito a terra, visibilidade perante as políticas públicas do
Governo e respeito as suas culturas e crenças, como também uma educação escolar
diferenciada, sendo conquista mediante a luta e o protagonismo, visibilidade na Constituição
de 1988. O levante dos povos indígenas nas décadas de 1970 e 1980 no cenário político
brasileiro, fez com que vários conceitos historicamente produzidos fossem revisitados, e um
deles foi o conceito de “culturas puras”62 em que se imaginava que os índios em contato com
os brancos perderiam suas identidades ao assimilarem elementos culturais não indígenas. Mas
a proximidade de historiadores com o campo da Antropologia, fez com que esse conceito
adquirisse novo sentido, sendo que os indígenas mesmo tendo contato e incorporando
elementos culturais não pertencentes a seus modos de vida, não significava a perda de cultura
ou identidade étnica, apenas sua cultura tomaria outras dinâmicas. Seria a relação entre
tradição e novas experiências, um fenômeno ao qual se dá o nome de “culturas hibridas”, ou
seja, são geradas novas formas de manifestações culturais, através da combinação do velho
com o novo, e não necessariamente seria perda de identidade, mas um complexo processo de
apropriação, transformações e adequações dinâmicas de novos elementos culturais.
61
BRITO, Edson Machado de. “Da escola isolada mista da vila do espírito santo à escola diferenciada entre
os Karipuna: entrelaçamentos na história da educação indígena”. In; Dossiê de ensino de história. Revista
hoje vol. 1 Nº 2, ISSN 1806-3993. Biênio: Agosto de 2011 a julho de 2013. P. 115. <Disponível em:
http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/index>
62
CANCLINI, Nestor “Culturas Híbridas poderes Oblíquos”. São Paulo, EDUSP, 1998.
39

Desde os mais antigos, sempre se procurou explicar as diferenças culturais, a partir do


meio em que se vive ou do aspecto físico, alguns autores usavam de etnocentrismo muitas
vezes se escandalizando com determinadas culturas ou com o que viam e ouviam, pois
olhavam o outro com um olhar etnocêntrico, ou seja, colocando a sua cultura como referência
e desprezando os modos de vida do outro, não havendo uma percepção de que o outro
também tem cultura, e isto muitas vezes acabava sendo um problema de onde emergiam o
preconceito, o racismo, pois o olhar etnocêntrico tende a barbarizar os modos de cultura de
povos diferentes.
A cultura não pode ser considerada estática, e não á mais um pensar sobre cultura
considerando fatores geográficos ou biológicos. Segundo Laraia63 as culturas não provem do
hereditário, ou mesmo não é determinada pelo fator biológico e geográfico, mas do próprio
homem que tem a capacidade de viver em todo lugar, se adaptando ao meio, ou mesmo
fazendo modificações com seu potencial de não ser especialista em nada e ao mesmo tempo
em tudo, assim o homem consegue romper os limites de seu aparato físico.
A escrita da História produzida a partir desses novos olhares não mais reforçaria os
conceitos e representações que vinham se perdurando até então sobre os indígenas; a Nova
História Indígena que nascia da departamentalização dos estudos históricos nas Universidades
trouxe consigo um revisitar historiográfico sobre os indígenas na História, vendo-os não mais
como “povos sem história”, legados a um passado remoto e fadados ao desaparecimento sem
perspectiva de futuro, como a Historiografia tradicional os estigmatizava, mas como
protagonistas de sua própria história.
A Nova História Indígena nascente na década de 90 do século XX, contou com o
incentivo de antropólogos, historiadores e sociólogos que se debruçaram sobre a temática
indígena, considerando que as teses e teorias que antes se pregava sobre o desaparecimento
das populações indígenas não prevaleceram no contexto real. Com os novos olhares da nova
Historiografia sobre os povos indígenas os velhos estereótipos e preconceitos vêm sendo aos
poucos desconstruídos e superados. Destaca-se nesta empreitada a antropóloga Manuela
Carneiro da Cunha, uma das pioneiras em estudos das populações indígenas no Brasil, que
junto com alguns intelectuais, fundaram ainda no ano de 1990, o núcleo de História indígena e
do indigenismo na Universidade de São Paulo (USP), sendo que em 1992 era lançado a

63
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 20. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
2006.
40

coletânea “História dos índios no Brasil”64 um marco sobre estudos em temática indígena, um
revisitar sobre a História que os legava ao esquecimento.
Além da USP, outras Universidades através de grupos de pesquisas e núcleos de
estudos também se empenharam quanto a produções envolvendo a temática indígena, a
exemplo a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), que através do núcleo de Ciências
Sociais, criaram estudos sobre a temática indígena em questão, sendo lançada em 1999 a
primeira coleção sobre a temática, fruto do grupo de estudos “índios de Alagoas”. Desde
então somasse mais de 15 volumes lançados pela editora da UFAL (EDUFAL).65
John Monteiro66 salienta que a história indígena no Brasil é um desafio. A chamada
“Nova História Indígena” como assim intitulou, “brotou” da relação entre a Antropologia e o
indigenismo, que cresceu devido uma conjuntura envolvendo três elementos primordiais:
primeiro o crescimento das populações indígenas e a real situação desses povos que
contrariando as teses que os condenava ao desaparecimento com o avanço da “civilização do
progresso” e pelas políticas de assimilação e aculturação, não desapareceram do cenário
Nacional, mas cresceram em número, tornando destoantes as teorias e teses pessimistas
quanto ao futuro destes povos. O segundo elemento elencado por Monteiro mostra que
mesmo diante de um cenário desanimador, várias etnias indígenas se uniram formando
movimentos indígenas com propósitos de lutar por direitos antes negados e por
reconhecimento histórico, neste sentido, cresceu o numero de organizações e movimentos
politizados indígenas e indigenistas em prol da causa indígena no Brasil.
O aumento dessas organizações tanto Indígenas como indigenistas67 surtiram efeito e
culminou nos direitos adquiridos na Constituição Federal de 1988. O terceiro elemento
envolve as Academias e Universidades do País, que diante do contexto histórico em que vivia
o Brasil passou a ter o seu olhar voltado para a História dos excluídos; o diálogo entre as duas
áreas do conhecimento: Antropologia e História possibilitaram produções acadêmicas
voltadas para a História dos povos colonizados.

64
Esta coletânea organizada pela Manuela Carneiro reuniu 30 autores com 24 artigos sobre a temática indígena
que abrange não somente os indígenas na região amazônica, mas trazem artigos sobre os índios do nordeste
brasileiro, que primeiro sofreu a violência da colonização, além das demais regiões do país. Em suma, uma obra
referenciada para os que se interessarem em discutir a temática indígena no campo da história.
65
ALMEIDA, Luiz Sávio de; [et.al] (organizadores). Índios de Alagoas: história e sociedade. Maceió:
EDUFAL, 2014. P. 216.
66
MONTEIRO, John Manoel. “O desafio da história indígena no Brasil”. In; A temática indígena na escola:
subsídios para professores de 1º e 2º graus/ SILVA, GRUPIONE (org). 4 ed. São Paulo Global: Brasília, 2004.
67
As organizações indígenas são aquelas formadas e geridas pelas próprias etnias indígenas, exemplo: a
Articulação dos povos e organizações indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), entre
outras. As organizações indigenistas são de duas categorias: governamentais, como a FUNAI, SESAI etc., ou
seja, criadas e geridas pelo Governo Federal; e as não governamentais, exemplo: o Conselho Indigenista
Missionário (CIMI).
41

Os novos estudos na área da Antropologia e História passaram a entender que as


reações indígenas eram ações conscientes de sujeitos que sabiam o que queriam, revendo
assim os seus próprios (pré) conceitos sobre os povos indígenas na História. Diante deste
cenário a chamada “Nova História Indígena” ganhou corpo, no entanto para Monteiro a
temática indígena ainda permanecia tímida nas produções acadêmicas e na própria área de
História. A partir deste período tem-se um olhar diferente sobre a História, Monteiro justifica
esses novos olhares pela capacidade de os povos indígenas sobreviverem, se reinventarem, se
articularem diante de contextos violentos e ameaçadores a sua existência, afirmando o
protagonismo indígena na História.
Segundo Martins68 no Brasil cresceu entre os historiadores, um renovado interesse
pela chamada: “Nova História Indígena”. E salienta que:

Ainda que devamos reconhecer as enormes lacunas existentes no


conhecimento que possuímos sobre os povos nativos das Américas, podemos
dizer que a sua história firma-se hoje como um campo de estudos em forte
expansão atraindo interesses de investigadores em varias instituições de
ensino e pesquisa no País. Os subsídios provenientes da história e da
antropologia contribuem atualmente com ele, tanto no âmbito da pesquisa
empírica, quanto no refinamento do equipamento conceitual pertinente ao
tema. Tais aportes ajudam a romper com noções essencializadas das culturas
indígenas, questionando antigos dualismos como aqueles que contrapõem
“índios puros e aculturados”, “resistência e aculturação” e “processo
histórico e estruturas culturais”, os quais acabavam por selar a “crônica da
destruição” dos povos indígenas.69

Nos dias atuais os historiadores tem se debruçado nas pesquisas e estudos sobre a
temática indígena, a própria Historiografia está sendo revisitada, e a história desses povos
antes apêndices de uma História oficial tem sido reescrita por vários estudiosos inclusive
historiadores adeptos dessa nova forma de se contar a História. Para o historiador e professor
Edson Silva é preciso discutir os índios na História:

Ao invés de pensarmos uma história indígena o mais preciso é discutirmos


os índios na história. Como cada povo indígena está presente na história
pensada enquanto um campo de relações em diversos e diferentes grupos
sociais e atores sócio históricos: os índios e a colonização, os índios e os
estados nacionais, os índios e as mobilizações sociopolíticas, dentre outras
temáticas.70

68
Martins, Maria Cristina Bohn. As sociedades indígenas, a história e a escola. In; Antíteses, vol 2, n 3, jan-
jun. de 2009. p. 153-167. <Disponível em http//www.uel.br/revistas/UEL/índex.php/antíteses. Acesso em 20 de
jan. 2017.>
69
Idem., p. 154.
70
SILVA, Edson. História e História dos povos indígenas ou os povos indígenas na História?!.p. 1
42

Na visão do autor a História indígena não pode ser produzida isoladamente, pois os
indígenas mesmos negados na História oficial fizeram e fazem parte do processo histórico
enquanto História da humanidade. Neste sentido entendemos que a chamada “Nova História
Indígena” é um campo de estudos que tem por finalidade desconstruir estereótipos e (pré)
conceitos que negavam aos povos indígenas o protagonismo na História, sendo que não se
processa o fazer histórico desta nova visão distante da História oficial elitista, pelo contrário,
a História do Brasil está sendo revisitada, questionada e reescrita a partir de novas
abordagens.

Uma vez questionadas as visões a respeito dos indígenas como “povos


vencidos” e as idéias de “genocídio” e do “etnocídio”, enquanto total
destruição física e cultural, por meio das novas abordagens, vem sendo
estudadas, as diferentes estratégias utilizadas pelos povos indígenas que
traduziram, negociaram, adaptaram os códigos dos colonizadores para
conviver no mundo colonial. Estratégias expressas nos acordos, alianças,
simulações, acomodações ou ainda as apropriações simbólicas dos
colonizadores: reformulando-as, adaptando-as, refazendo-as, influenciando-
as, reinventando-as. Processos que foi chamado por muitos atores como
religiosidade popular, sincretismo, hibridismo cultural, etc., que permeiam
os anos de colonização.71

São as novas abordagens no contexto da Nova História Indígena, ou seja, desse novo
olhar sobre os indígenas na História, que vem evidenciando o Protagonismo desses povos no
processo histórico do Brasil. Tem-se a partir das lutas dos movimentos sociais, inclusive dos
movimentos indígenas e indigenistas, da redemocratização do País com a Constituição de
1988 e da departamentalização dos estudos históricos nas Universidades, uma abertura para os
estudos relacionados aos povos indígenas no Brasil. Cabe salientar que esses estudos ainda
são recentes e que muito ainda precisa ser feito para que esse novo olhar sobre os indígenas na
História cheguem à prática na escola, ao ensino de História e a sala de aula.

1.4. CONTEÚDOS E FORMAS DA NOVA HISTÓRIA INDÍGENA: John Monteiro,


Regina Celestino de Almeida e Aldemir Barros

Dentre as produções historiográficas da chamada Nova História Indígena,


destacamos três obras de historiadores que através de suas pesquisas evidenciam novos
significados a presença indígena na História: Negros da terra: índios e bandeirantes nas

71
SILVA, Edson. História e História dos povos indígenas ou os povos indígenas na História?!. p. 2.
43

origens de São Paulo do historiador John Manuel Monteiro; Os índios na História do Brasil da
historiadora Maria Regina Celestino de Almeida; e a obra do historiador Aldemir Barros,
Aldeando Sentidos: Os Xucuru-kariri e o Serviço de Proteção aos Índios no Agreste
Alagoano.
A primeira obra: “Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo”72
do historiador John Manoel Monteiro, publicada em 1994, apresenta a História Social e
Econômica da formação de São Paulo, fazendo um estudo minucioso da São Paulo Colonial.
O estudo abrange os séculos XVI, XVII e XVIII, de forma inovadora contraria a História
oficial sobre as origens de São Paulo e sobre a ação das bandeiras, dando ênfase aqueles antes
negados na História oficial: os negros da terra, ou seja, os índios. Sua análise pauta-se na
escravização e exploração dos índios, elencando as relações conturbadas entre índios,
missionários, sertanistas e Coroa Portuguesa, destacando que o trabalho indígena não só
condizia com questões comerciais, como também alimentava as necessidades de mão de obra
local. O livro dialoga com três aspectos primordiais: O lugar do índio na História Social da
Colônia, o mito do bandeirante tão exaltado na Historiografia Nacional e a importância das
economias locais para a formação do País.
Em tom de denúncia o autor enfatiza que a escravização do “negro da terra”, como
eram chamados os indígenas em São Paulo no período Colonial, era o principal meio para o
desenvolvimento econômico de São Paulo Colonial. As relações lusas indígenas no inicio do
século XVI desintegrou as sociedades indígenas, a lógica das guerras movidas por vinganças,
do cativeiro e dos rituais antropofágicos foram sendo alterados devido à sede dos portugueses
por mão de obra indígena.
As táticas dos paulistas em conseguir formar uma força de trabalho indígena foi além
dos interesses de mercado, o autor destaca que o principal objetivo dos bandeirantes não eram
povoar os sertões e sim capturar os negros da terra considerando que o projeto de aldeamento
jesuítico não mais dava conta da constante necessidade de mão de obra, além das desavenças
existentes entre interesses dos colonos e interesses dos jesuítas pelos indígenas. Neste
contexto os jesuítas eram intermediários entre índios e colonos, estes últimos buscavam a
administração particular dos índios, ou seja, os índios capturados nos sertões não
necessariamente deviam ser entregues aos jesuítas, mas, passariam diretamente as
propriedades daqueles que o capturaram.

72
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das letras. 1994. 300 p. Passim.
44

Os aldeamentos foram implantados na Colônia como forma de transformar os índios


em “trabalhadores produtivos”, mas os jesuítas dificultavam o acesso dos colonos à mão de
obra por que também se beneficiavam do trabalho indígena. Na realidade a disputa entre
ambos era pela administração dos índios, com isso os colonos buscaram junto a Coroa
Portuguesa uma forma legal para administração particular dos índios. Com essa nova forma as
capturas aos índios do sertão intensificaram-se, aqueles que tinham condições financeiras de
montar suas expedições particulares partiam para a captura de índios dos sertões como
também dos índios das missões. Para o autor a entrada nos sertões pelos sertanistas não
tinham a intenção de povoamento, mas de capturar índios e formar a mão de obra necessária
para seus próprios empreendimentos comerciais sob uma administração particular sem
intermediários. Os paulistas não só capturavam índios para abastecer os engenhos no litoral,
mas em maior escala para suas próprias necessidades locais, eram tanto para vender no
comercio local como para abastecer suas propriedades particulares. A escravidão indígena se
desenvolveu predominante em São Paulo devido um sistema integrado entre os interesses dos
paulistas, da Coroa e dos jesuítas.
John Monteiro enfatiza que os índios não foram passíveis diante da administração
particular dos paulistas, e resistiam através de fugas e faltas ao trabalho. Nos anos finais da
escravidão indígena disfarçada num sistema de administração particular, os indígenas se
utilizavam das próprias Leis e Legislações da Colônia para buscar obter a liberdade, se
utilizando dos próprios códigos culturais contrários a sua sobrevivência como etnias livres.
A segunda obra intitulada: “Os índios na história do Brasil” da historiadora Maria
Regina Celestino de Almeida, publicada em 2010, apresenta os indígenas rompendo os
bastidores e adentrando o palco da História, baseando-se em estudos Locais e Regionais
realizados nos últimos anos por pesquisadores adeptos da Nova História Indígena. Neste
sentido, a autora retrata as novas abordagens historiográficas que evidenciam mudanças
conceituais no trato com os indígenas, assim como distintos papeis exercidos pelos mesmos
na História da colonização no Brasil.
Para Almeida a visão pessimista quanto ao futuro dos povos indígenas durou até a
década de 1970. Tinha-se a tese de que em contato com a cultura européia os índios perderiam
sua identidade étnica e iriam desaparecer com o tempo, porém o que se observou é que essa
visão não se concretizou. Com o diálogo entre a Antropologia e a História, alguns conceitos
foram sendo reelaborados com o tempo; a noção de Cultura como um conceito antropológico
pensada antes como fixa e imutável foi reelaborada sendo pensada como algo passível de
mudanças, ressignificada e dinâmica. Deste modo, a “Noção de cultura no sentido
45

antropológico, incluindo todos os produtos materiais, espirituais e comportamentais da vida


humana, bem como as dimensões simbólicas da visa social tem sido amplamente adotadas
pelos historiadores”73.
Com essas novas concepções teóricas, tem-se mudado também o conceito de
“aculturação” visto antes como o processo de perda de identidade e cultura indígena ou no
linguajar mais aberto: consistia num processo em que uma cultura se sobrepunha sobre outra,
causando a perda da última; mas com a noção de Cultura como dinâmica, o conceito de
aculturação nos processos de mudança é entendido na atualidade como apropriação e
ressignificação cultural, isso para se entender os indígenas e suas relações de contato com
outras culturas, ou seja, essa nova visão conceitual possibilitou estudos que evidenciam os
indígenas como agentes ativos no processo histórico e a quebra de preconceitos e estereótipos.
A autora defende que:

Ao invés de vitimas passivas de imposições culturais que só lhes trazem


prejuízos, os índios passam a ser vistos como agentes ativos desses
processos. Incorporam elementos da cultura ocidental, dando a eles
significados próprios e utilizando-os para a obtenção de possíveis ganhos nas
novas situações em que vivem.74

Além do conceito de Cultura e de aculturação, a autora destaca a noção de “tradição”,


que também foi reelaborada, interpretada não mais como imutável, mas entendida com a
noção de que a mesma sempre se modifica ao ser transmitido, para se pensar o conceito de
tradição atualmente a apropriação tornou-se mais valorizada que a transmissão. Consideram-
se no caso da história indígena em dar ênfase aos indígenas, identificando suas trajetórias,
seus próprios interesses em contato com outros povos e culturas.
O conceito de identidade étnica, também passou por reelaborações, não é mais
interpretado como algo fixo, único, segundo Almeida “Entendem-se, hoje, as identidades
como construções fluidas e cambiáveis que se constroem por meio de complexos processos de
apropriações e ressignificações culturais nas experiências entre grupos e indivíduos que
interagem”75. Essas mudanças conceituais permitem um novo olhar sobre os povos indígenas.
O marco temporal do livro designado por Almeida como um livro síntese abrange os
séculos XVI ao XIX. A autora retrata que no período dos primeiros contatos com os
europeus, os indígenas não foram ingênuos, pois se devem considerar os significados

73
Almeida, Maria Regina Celestino. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 201, p. 21
74
Ibidem., p. 22.
75
. Ibidem, p. 24.
46

daqueles objetos de troca para os indígenas, quando pensamos na questão do contato, do


comércio de escambo e das relações matrimoniais etc., a tendência é ver os indígenas como
coitados, enganados, ingênuos, porém essas relações não devem ser vistas somente pelo viés
econômico, os indígenas formavam alianças com os europeus e agiam por seus próprios
interesses. Almeida salienta que:

É comum encontrar na literatura a ideia de que os índios, por ingenuidade ou


tolice, trabalhavam duro para fornecer valiosos produtos aos europeus que
em troca, ofereciam bagatelas e bugigangas. Cabe desconstruir essa
concepção, levando em conta as diferenças culturais e os interesses diversos
envolvidos nessas relações. As trocas, os casamentos e as guerras tinham
importância fundamental para os tupinambás, de forma que suas relações
não devem ser vistas apenas pela lógica econômica. Embora eles tivessem
grande interesse nas mercadorias dos europeus, suas relações com estes
últimos significavam também oportunidades de ampliar relações de aliança
ou hostilidade.76

Outro ponto elencado pela autora é que “a conquista do território só se explica pelas
alianças que os portugueses puderam estabelecer com os índios”77; tinham nos índios: os
aliados, a mão de obra escrava, a gente para povoar o território. Alianças essas que eram
fluidas, considerando o antagonismo nas relações, em que a dinâmica das guerras européias
misturou-se às dinâmicas das guerras indígenas em que grupos indígenas rivais buscavam se
aliar aos europeus, mas em qualquer desavença, mudavam de posição, caso vissem
desvantagem nos acordos, ou seja, desfaziam alianças com a maior facilidade. Para a autora
agiam conforme seus próprios interesses.
Quanto à questão dos aldeamentos no período de colonização, Almeida salienta que as
aldeias coloniais não foram somente espaços de violência, barbárie e extermínio cultural, que
serviu apenas para o domínio do território. As aldeias também foram espaços de luta e
sobrevivência, os índios inseridos nas aldeias não eram tão passiveis assim, muitos viam no
aldeamento um mal menor, outros enxergavam a oportunidade de possuir terra e proteção, ou
era o aldeamento ou o extermínio e a escravidão. Os índios assumiram uma nova identidade, a
de aldeados, e souberam se apropriar da legislação indigenista, dos códigos culturais e
políticos para negociar e lutar por direitos nesta condição, buscando títulos, pois sabiam da
importância disso no mundo Colonial o qual foram inseridos. Os aldeamentos foram espaços
de reconstruções de identidades, a palavra índio dada pelos colonizadores englobando num só

76
Almeida, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p.
40.
77
Ibidem, p. 48.
47

conceito a diversidade étnica existente, foi apropriada pelos indígenas para se conseguir
vantagens e benefícios. Nova identidade: todos são índios, na condição de aldeados. Tem-se a
divisão entre índios aldeados e índios “hostis”, os que resistiam ao aldeamento.
Para Almeida, as políticas pombalinas que consistiam em acabar com as diferenças
entre índios e não índios tornando-os súditos agricultores eram aplicadas em interação com
políticas indígenas, ou seja, os próprios índios se apropriaram das Leis e agiam politicamente.
A assimilação ocorria para índios dos aldeamentos mais antigos que eram extintos enquanto
categoria étnica, as aldeias foram transformadas em vilas e povoados. E para incorporar os
“bárbaros”, os índios dos sertões, criaram novos aldeamentos, com convivência entre índios e
não índios, antecipando o processo de assimilação. Se a política colocava em pauta a distinção
entre os índios em “estado de barbárie” e os já “civilizados”, para Almeida na prática não
havia essa separação tão rígida entre o mundo da barbárie e da civilização, a mesma retrata
que o vai e vem de índios entre as aldeias e os sertões eram constantes, eles sempre mudavam
de lugar, esse vai e vem ocorria devido muitos abandonarem os aldeamentos para voltar aos
sertões e vice e versa, porque agiam conforme seus próprios interesses.
Segundo a autora a pluralidade étnica não era motivo de orgulho no século XIX, e
ressalta que havia três formas de representação dos indígenas no imaginário da época:
“idealizados no passado”, muitos exaltados na Literatura, também frutos de escolhas como
Símbolo Nacional; os “bárbaros dos Sertões”, a estes caberiam a civilização ou o extermínio,
no caso, ou se integravam ou eram extintos através das guerras justas; e os “degradados”
índios que habitavam as antigas aldeias coloniais e que já eram considerados assimilados,
muitos considerados mestiços. Ainda no século XIX os argumentos para negar direitos aos
indígenas dependiam ou fazia-se em torno das classificações étnicas: índios/mestiços.
Assumiam-se novas identidades ligadas aos aldeamentos que para a autora tornou-se espaços
de garantia de terra e proteção, assim como espaços de reconstruções de identidades e
dinâmicas culturais.

O processo de extinção das antigas aldeias coloniais envolveu, em várias


regiões, o apagamento das identidades indígenas por diferentes autoridades e
moradores. Tal apagamento era contrariado pela ação política dos próprios
índios que, com requerimentos e petições, desafiavam esses discursos
afirmando a identidade indígena e seus antigos direitos obtidos pelos acordos
com Coroa.78

78
Almeida, Maria Regina Celestino. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. P.
158.
48

Para Almeida a participação e ação dos indígenas retardaram o processo de extinção


das aldeias coloniais, e defende que os índios não foram passivos no processo de colonização,
também se apropriaram dos códigos não indígenas, das Legislações indigenistas, das Leis etc.,
foram ativos agindo conforme seus próprios interesses.
A terceira obra do historiador Aldemir Barros, intitulada: “Aldeando Sentidos: os
Xucuru-Kariri e o serviço de proteção ao índio”79 publicada em 2013, trata da história de
protagonismo dos indígenas Xucuru-Kariri em meados do século XX, em Palmeira dos Índios
no Estado de Alagoas. O autor retrata o diálogo entre História e Antropologia, destacando
que neste diálogo alguns conceitos sofrem variantes, sendo que para a História alguns
conceitos antropológicos devem ser interpretados conforme o contexto histórico, no tempo e
espaço, o que resulta nas variações dos significados. Defende que foi através desse diálogo
que foram possíveis novas versões históricas, além de novos olhares sobre a História, pois se
reconheceu a diversidade, peculiaridades e particularidades de cada etnia.
No livro é salientado sobre o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), e o encontro
conflituoso entre os Indígenas e o Estado Nacional, destacando que o Estado através do SPI
controlou os aldeamentos indígenas, através dos chamados postos indígenas instalados nas
aldeias, numa política que visava à Integração Nacional do indígena, com o estímulo a
produção agrícola de subsistência, certo tipo de assistencialismo, mas a serviço do Estado.
Aldemir Barros coloca que os índios não foram submissos ao controle do Estado; e sim
agentes políticos nessa conjuntura, pois souberam se apropriar das políticas do SPI, que fazia
um jogo de interesses duplo; os índios se apropriaram dessa política para manterem seus
grupos étnicos, foi uma questão de sobrevivência, eles conseguiram lidar com a dialética do
Estado. Segundo o autor foi uma adaptação mútua, os indígenas buscavam manter-se
enquanto grupo étnico e o Estado visando à expansão econômica do País, por isso a
integração dos grupos indígenas a sociedade Nacional, isso através do SPI.
Diante deste cenário os Xucuru-Kariri de Palmeira dos Índios se apropriaram do
momento propício para se reafirmarem etnicamente perante o Estado e a sociedade Nacional.
O autor em sua escrita destaca o processo de aldeamento na fazenda canto, em que a malha
política local interferiram nas negociações, pois as terras da fazenda eram do prefeito que
muito lucrou com a venda da propriedade. O autor salienta que o cacique Alfredo Celestino
conseguiu reunir os indígenas através dos sobrenomes das famílias fortalecendo a identidade

79
SILVA JÚNIOR, Aldemir Barros da. Aldeando Sentidos: os Xucuru- kariri e o Serviço de Proteção aos
Índios no Agreste Alagoano. Maceió: EDUFAL, 2013. ( Índios do Nordeste: temas e problemas, Volume 15).
Passim.
49

étnica, eles buscaram contato com o SPI, se apresentando como etnia indígena Xucuru-Kariri.
O autor ressalta que a terra demarcada para aldeamento dos indígenas, não era a terra
tradicional onde tinha os cemitérios indígenas e sim a fazenda canto que pertencia ao prefeito
da cidade, essa negociação ficou a cargo do SPI e a malha política local, um jogo de
interesses, mas que os indígenas souberam aproveitar.
Aldemir Barros fala sobre as estratégias da invisibilidade adotadas pelos indígenas,
que era os elementos culturais presentes no cotidiano dos Xucuru-Kariri como o Toré, que
mesmo reprimido publicamente era realizado no particular das casas, mesmo sem a
preservação da língua materna, o Toré e os elementos culturais tradicionais permaneceram
durante o período de invisibilidade histórica, esses foram primordiais na decisão da
demarcação de terras, onde tinham que comprovar a identidade étnica. Mesmo na
invisibilidade, espalhados ou dispersos, os Xucuru-Kariri conservaram de modo particular
seus costumes e crenças, a sua cultura.
Essa estratégia da invisibilidade trouxe a emergência étnica, ou seja, a busca pela
visibilidade do Estado, através da própria política do Estado e do SPI. Isso ocasionou uma
emergência ligada à reafirmação étnica, e assim a busca pelo aldeamento. Diante da política
do SPI, surge o conflito entre posto e aldeia, visto que o posto indígena era instalado na terra
demarcada como forma de assistencialismo e gerenciamento do grupo étnico. O posto
indígena de organização e administração do Estado tinha como função a homogeneização
cultural, enquanto a aldeia era lugar de sobrevivência dos indígenas que lutavam nessa
dialética para não perderem elementos de sua cultura.
Essa relação posto/aldeia trouxe a reafirmação étnica. E isso deve ser entendido no
confronto entre Índio x Estado, devido estes campos de ação indigenista, porém, mesmo em
confronto esses campos abriram espaço político para os indígenas que passaram a reivindicar
terra, saúde, educação etc., pois se reconheceu a condição de índios recebendo a proteção
oficial do Estado, mesmo com a demarcação de terras fora de seu território tradicional. Para
os Xucuru-Kariri foi uma estratégia de sobrevivência tanto física como étnica, que
possibilitou a emergência e a reafirmação étnica.
O aldeamento na fazenda canto trouxe muitos entraves entre os próprios índios, pois a
estrutura administrativa implantada pelo SPI através do posto indígena provocou divisão e
faccionalismo entre os índios Xucuru-Kariri devido alguns índios se apropriarem de terras do
posto, assim como do gado etc., para o autor isso mostra que os índios não eram passíveis a
forma administrativa do posto; e que a forma administrativa de como era conduzido o posto
não resolvia o problema do índio que é a falta da terra.
50

A forma como o aldeamento na fazenda canto foi construído mostra que a dialética
entre indígenas e Estado não se dá de modo suave, e que os indígenas não são e nem foram
passíveis nesse processo. Isso mostra que a estratégia da invisibilidade serviu enquanto havia
barreiras que os impediam de assumir sua identidade, mas quando surge o SPI em 1910, há
um emergir desses povos que conseguem se beneficiar num jogo de relações conflituosas,
mesmo em meio às adversidades e a política de integração e homogeneização do Estado,
fazendo-nos compreender que os indígenas são protagonistas de sua própria história.
Para tanto, é notório o protagonismo indígena, pois, os índios agiam conforme os seus
interesses e muitas vezes se utilizaram das próprias Leis e dos sistemas de aldeamentos para
benefícios próprios. Foram ativos, e mesmo diante das violências e invisibilidades históricas
buscaram meios de sobreviver e resistir aos sistemas opressores.
Assim, entende-se que o índio nas primeiras obras analisadas era visto como um ser
passivo, de pouca instrução, e mesmo sendo autores diferentes, os traços da escrita da História
tradicional direcionava para o mesmo caminho, um olhar pessimista sobre estes povos.
Enquanto na escrita da nova Historiografia os autores apresentam o indígena como agentes
politizados, protagonistas, estrategistas e resistentes. Portanto, há diferenças de representação
e conceitos nas formas como esses intelectuais apresentam os indígenas na escrita da História
mediante a escrita mais tradicional. Essas mudanças ainda operantes na Historiografia
brasileira têm deixado de lado a perspectiva do olhar preconceituoso e estereotipado que
legou aos povos indígenas invisibilidade histórica, redirecionando uma nova maneira de olhar
e pensar os indígenas na História.
Em síntese os indígenas antes legados a um papel de coadjuvantes na História,
passaram a ter a partir da Nova História Indígena uma representatividade na escrita da
História, sendo que as mudanças que ocorreram desde as primeiras obras até as mais recentes,
mostram um novo indígena, dentro de uma conjuntura que ressalta a politização do mesmo.
Assim, em cada contexto histórico e social evidencia-se o protagonismo desses povos.
Portanto, se fazem necessárias práticas de ensino de História que evidenciem em sala
de aula essas novas abordagens, rompendo com olhares preconceituosos, superando
estereótipos negativos ainda tão enraizados na nossa sociedade referente aos povos indígenas.
Veremos no capítulo a seguir que as Leis educacionais e propostas curriculares legitimam o
ensino de História e cultura indígena nos espaços escolares que visa à valorização desses
povos, também a superação de conceitos negativos legados a esses povos durante gerações
pelo fazer histórico. Neste sentido, compreende-se que as discussões pedagógicas dessas
novas abordagens historiográficas nos livros didáticos escolares são primordiais para um
51

ensino de História que contribua com uma formação crítica e reflexiva dos cidadãos
brasileiros, considerando ser o livro didático em muitas localidades e ocasiões um dos únicos
recursos viáveis e palpáveis tanto para alunos como para professores.
Outro ponto a considerar é que essas discussões das novas abordagens historiográficas
sobre a temática indígena podem ser trabalhadas pelos próprios educadores nas aulas de
História, mas é preciso primeiro o conhecimento dessas novas abordagens, um bom
planejamento e engajamento interdisciplinar com outras áreas do conhecimento. Em suma, as
possibilidades de um ensino pautado nos novos olhares sobre os povos indígenas fazem parte
das propostas de uma educação intercultural em que consiste num desafio a ser superado nos
espaços escolares e em particular no ensino de História.
52

CAPÍTULO 2 – ENSINO DE HISTÓRIA E INTERCULTURALIDADE: Perspectivas e


desafios no âmbito da Educação Escolar Indígena

Entende-se por Escola Indígena Diferenciada aquela que viabiliza a valorização da


cultura, memória e tradições indígenas específicos de cada etnia em conjunto com os
conhecimentos ensinados em escolas não-indígenas. A escola é uma velha conhecida dos
indígenas, que por muito tempo resistiu a ela, visto ser um instrumento de assimilação, mas
que há alguns anos tem se tornado uma das pautas de reivindicação por parte dos povos
indígenas, que diante da conjuntura nacional e da necessidade de preservação de suas culturas,
buscam uma educação escolar que atenda a suas próprias formas de viver e sentir, e é neste
sentido que se torna “diferente”.
A Educação Escolar Indígena é uma conquista política dos povos indígenas. Para
tanto, diante deste contexto, como deve ser ministrado o ensino de História na Educação
Escolar Indígena? Sob quais perspectivas históricas? Qual História deve-se privilegiar? As
tradições, culturas e ciências dos indígenas ou os conhecimentos e ciências do não índio? Se
for para articular o saber tradicional ao saber científico, como fazer? Esses questionamentos
ilustram alguns dos desafios da prática do ensino de História sob a ótica de uma educação
intercultural nas escolas diferenciadas das comunidades indígenas, uma vez que elas lutam
para fortalecer suas identidades e perpetuar suas memórias históricas. Este capítulo tem por
finalidade expor e discutir as Leis, Diretrizes e Bases assim como as propostas curriculares do
ensino de História para escolas indígenas diferenciadas; A princípio tomaremos por base uma
serie de reflexões acerca do primeiro documento expedido pelo MEC (1998) para as escolas
indígenas, a saber: “O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas” (RCNEI).
Os documentos oficiais da educação são frutos de uma nova postura do Estado
Brasileiro ante a sociedade Pós-Ditadura civil militar. Assumindo a diversidade e a
desigualdade que o compõe, o Estado se prontifica a garantir um projeto de sociedade mais
democrático e isso se reflete nos Documentos Normativos da educação escolar, inclusive a
Educação Escolar Indígena.80
A Constituição Federal de 1988 garante uma Educação pautada nas relações étnica
raciais que vem privilegiar a cultura local específica de cada etnia, na construção dos
currículos escolares, permitindo conhecer/valorizar a diversidade cultural dos povos
existentes no nosso País, e neste contexto se insere a Educação Escolar Indígena diferenciada.

80
VIEIRA, Sofia Lerche. Base Legal. In; Educação básica: política e gestão da escola. Brasília: Liber livro,
2009. P. 31-49.
53

Portanto, objetiva-se refletir criticamente questões pertinentes sobre os desafios do ensino de


História na Educação Escolar Indígena, a partir dos teóricos Ivamilson Barbalho81, Circe
Bittencourt82, Carlos Brandão83, Gilberto Ferreira84 entre outros, buscamos mapear conceitos,
valores, materiais e métodos, que têm sido propostos para pensar a prática do ensino de
História na escola indígena, assim como avaliar os instrumentos de Normatividade e Leis que
legitimam a Educação Escolar Indígena no Brasil.

2.1. DAS PRECES ÀS LUTAS: uma breve abordagem histórica sobre a Educação
Escolar Indígena no Brasil.

Antes de falarmos sobre Educação Escolar Indígena visto ser um conceito


contemporâneo, devemos historicizar os processos educativos escolares e, portanto formais,
aos quais os indígenas foram submetidos desde o processo de colonização. Para tanto,
iniciamos as reflexões históricas a partir da chegada dos jesuítas ao Brasil que implantaram o
sistema de aldeamento como método de civilizar e catequizar os nativos inferindo nos
costumes e crenças dos povos existentes. Tal fato deveu-se ao convívio de índios de várias
etnias em um único ambiente não favorável aos seus modos de vida, submetidos a uma ordem
religiosa cristã que os moldava e aos poucos sobrepunha as suas crenças.
A educação transmitida aos indígenas pelos jesuítas era catequética. Enquanto as
crenças cristãs eram ensinadas aos índios, suas próprias crenças eram inferiorizadas,
consideradas ruins. Os métodos educativos utilizados pelos jesuítas eram meios de civilizar85
os indígenas através da fé cristã católica, e consistia num primeiro momento em separar a
educação entre índios e colonos, pois assim imaginava que teriam êxito junto ao
empreendimento colonial. Barbalho86 salienta que a base do método de ensino dos jesuítas era
a doutrina e a catequese, um ensino unilateral em que somente os valores cristãos eram
impostos.

81
BARBALHO, José Ivamilson Silva. Discurso como Prática de Transformação Social: o Político e o
Pedagógico na Educação Intercultural Pankará. Recife: Ed. do Autor, 2013.
82
BITTERCOURT, Circe Maria Fernandes. O ensino de história para populações indígenas. Em Aberto nº 63
(Educação Escolar Indígena). Brasília: MEC, ano XIV, 1994.
83
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Que é Educação?. 26ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1991.
84
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A Educação dos Jeripancó: uma reflexão sobre a Escola Diferenciada dos
Povos Indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013.
85
Conceito entendido como inserir um individuo na cultura européia de ética e moral cristã.
86
BARBALHO, José Ivamilson Silva. Discurso como Prática de Transformação Social: O Político e o
Pedagogo na Educação Intercultural Pankará. Recife: Ed. do Autor, 2013. p. 129.
54

Nessa pedagogia de inculcação de valores, o lugar do ensino religioso e


da educação formal para aprender coisa de branco é o que melhor traduz
a confluência de tais interesses, e foi justamente a ideia de educação
formal, montada dentro dos aldeamentos, quem melhor consubstanciou
esse processo.87

Segundo Teixeira88 os objetivos e métodos de ensino utilizados pelos jesuítas tinham


por base um conjunto de regras denominado Ratio Studiorum, publicado em 1599, sendo
adaptados para as condições coloniais no Brasil, orientados por este manual de regras
educativas, organizacionais e pedagógicas, os jesuítas implantaram o ensino profissional e
ensino elementar, ensinavam a ler, escrever, soletrar, rezar em latim e contar. Alguns recursos
metodológicos foram utilizados nesta empreitada de transformação social do universo
indígena para o “civilizado cristão”, como exemplo: a música geralmente cantigas cristãs,
sendo que com o tempo os índios também aprenderam a fabricar instrumentos musicais; o
teatro como forma pedagógica de propagar a história e vida dos santos cristãos; a dança, esta
tomada de empréstimo da própria cultura indígena, ressignificada para catequização durante
as missas.
Com a expulsão dos Jesuítas pela Coroa Portuguesa em 1759, devido circunstâncias
diversas, entre elas conflitos marcantes entre jesuítas e colonos ásperos por escravizar índios
aldeados considerados “mansos”, inauguram-se a instalação de um “regime laico”, ou seja,
com administração e supervisão dos chefes provinciais, contratou ordens missionárias
religiosas, como os capuchinhos e franciscanos, e a partir de então assumiriam um segundo
modelo de aldeamento implantado pelo “regimento das missões”. Ao contrário dos jesuítas,
os missionários contratados para continuar o trabalho dos jesuítas na educação formal e no
processo de civilização, permitiam a educação de colonos e índios num mesmo espaço. Além
da catequese e civilização peculiares dos jesuítas, o regimento das missões incluía a
integração dos índios junto à população não índia. O ensino de português tornou-se
obrigatório nas escolas, e a língua materna de muitas etnias foi se perdendo pelo desuso89.
É importante enfatizar que a partir de 1759, novas políticas foram implantadas pela
Coroa Portuguesa com relação aos indígenas, as chamadas Reformas Pombalinas imbuídas do
propósito de povoar os sertões, ocupar administrativamente estes espaços de terras que antes
87
BARBALHO, José Ivamilson Silva. Discurso como Prática de Transformação Social: O Político e o
Pedagogo na Educação Intercultural Pankará. Recife: Ed. do Autor, 2013, p. 129.
88
TEIXEIRA, Olga Suely; CORDEIRO, Rubério de Queiroz. Educação Jesuíta: objetivo, metodologia e
conteúdo nos aldeamentos indígenas no Brasil Colonial. In; ANAIS DO ENCONTRO DE HISTÓRIA
COLONIAL. Mneme- Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. N. 24, set/out. 2008. ISSN 1518-
3394. Disponível em: <www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais>
89
BARBALHO, José Ivamilson Silva. Discurso como Prática de Transformação Social: O Político e o
Pedagogo na Educação Intercultural Pankará. Recife: Ed. do Autor, 2013, p. 130-132.
55

ficavam fora dos domínios da Coroa Portuguesa. A política de Pombal considerada complexa
por não se encaixar de forma homogênea nas áreas coloniais incluía os indígenas numa
proposta assimilacionista que visava acabar com as distinções entre índios e não índios.
Através da ação política indigenista de Pombal antigos aldeamentos coloniais eram
transformados em vilas, sendo os residentes indígenas considerados já assimilados, enquanto
outros aldeamentos eram formados para continuar o processo de assimilação dos chamados
“índios bravos dos sertões”, a metodologia consistia em aglomerar num mesmo ambiente,
índios e não índios, assim buscavam-se um processo de assimilação mais eficaz que o dos
jesuítas. Foi através da política de Pombal que a miscigenação foi incentivada entre os grupos
étnicos, inclusive entre brancos e índios, o ensino de português se tornou obrigatório e os
costumes e línguas indígenas foram proibidos; o intuito era civilizar os nativos para que
povoassem e garantissem a proteção das fronteiras do território. O objetivo de Pombal era
fortalecer o poder da Coroa Portuguesa90. Essas políticas deram abertura para novas ações
indigenistas durante o século XIX.
Patrícia Sampaio91 apresenta uma análise da Legislação indigenista quanto ao seu
documento base de 1845, a regulamentação das missões de catequese e civilização dos
indígenas durante o período Imperial no Brasil, destacando ser o único de abrangência geral
do Império quanto à questão indígena, vigorou até 1889. Segundo a autora, constam neste
Regulamento de diretrizes administrativas para a criação de novos aldeamentos e para outros
já existentes, um caráter quase peculiar as políticas indigenistas implantadas durante o
Período Colonial que também eram para catequização e civilização dos nativos. Mas neste
caso, o Regulamento era voltado mais para a administração das aldeias, a responsabilidade da
catequese e civilização dos indígenas ficava com as ordens missionárias. Para a autora o
Império tinha dificuldades de estabelecer uma política indigenista geral, devido à diversidade
cultural existente, além de cada província buscar criar seus próprios estatutos referentes ao
trato com os nativos. As únicas mudanças e novidades neste documento de 1845 é o
arrendamento de terras pelos indígenas e o “aforamento” tendo por direito apenas a
construção de habitações, porém sem o cultivo da terra.
Segundo a autora houve reformulações desse Regulamento, ligado a vários diretórios e
Ministérios, inclusive o da agricultura em 1860, porém os interesses permaneceram os
mesmos: a catequese e civilização, expropriação de terras indígenas e mão de obra escrava; só

90
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
p.107-113.
91
SAMPAIO, Patrícia Melo. “Política Indigenista no Brasil Imperial”. In; O Brasil Imperial, Volume I:
1808-1836. Organização Keila Grinberge Ricardo Salles. 2ª Ed.- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
56

houve mudanças quanto à gestão, com a autonomia dos missionários na administração dos
aldeamentos indígenas. Neste sentido, as políticas indigenistas no Brasil Império não visavam
o bem estar dos povos indígenas, isso inclui a educação formal planejada para assimilar e
integrar o índio privando-o de sua identidade cultural.
Barbalho92 salienta que a educação escolar transmitida aos índios eram
assimilacionistas e integracionista. Nesta perspectiva a educação era um meio de
homogeneização social aos padrões de cultura ocidental cristã, e para isso era necessária a
negação da cultura nativa, sendo importante a extinção das formas antigas de linguagens.
Tanto o período Colonial como o período Imperial viam na educação formal um meio de
integrá-los a sociedade dita civilizada, com intuito de formar mão de obra escrava para o
sistema de economia escravista predominante em ambos os períodos históricos como também
em valer-se dos índios para povoar e guardar as fronteiras do território.
Adentrando o período da República, é importante destacarmos a fala da historiadora Lília
Moritz Schwarcz;
Entre os muitos excluídos que a República criou, um grupo esteve
sistematicamente distante das políticas e propósitos dos governos
republicanos: os ameríndios e indígenas de uma maneira geral. Se mesmo no
Império o interesse por eles foi muitas vezes mais retórico do que
pragmático, se os nativos figuraram antes no romanceiro romântico e na
pintura histórica do que em políticas de ampla aplicação, com a República o
apagamento seria ainda mais evidente.93

Com os ideais de progresso no novo Regime, os indígenas perderam seus territórios,


os aldeamentos foram extintos obrigando os índios a se juntarem a massa populacional pobre
nos centros urbanos. Se na Colônia e durante o Império estes eram disputados como mão de
obra necessária, no final do século XIX e início do XX a tomada das terras dos aldeamentos
era a pauta do dia. Os indígenas tornaram-se um obstáculo a ser superado pelo novo Regime,
e encarados como um atraso pelas novas frentes de expansão e modernização da recente
Nação, o índio se tornou um problema. Muitos grupos étnicos taxados de “bravos”, resistentes
as frentes de expansão sofriam duras perseguições, entrou em debate político a solução do
problema, o extermínio dos indígenas ou a inclusão dos mesmos na sociedade Nacional por
meio da civilização. As ações políticas sempre tendiam para descaracterizar e apagar
identidades, após quase três décadas da extinção da Lei de Regulamentação das missões de

92
BARBALHO, José Ivamilson Silva. Discurso como Prática de Transformação Social: O Político e o
Pedagogo na Educação Intercultural Pankará. Recife: Ed. do Autor, 2013. p. 134-136.
93
SCHWARCZ, Lília Moritz. “População e sociedade”. In; História do Brasil Nação 1808-2010: A abertura
para o Mundo: 1889-1930 (V. 3). São Paulo: Objetiva, 2012, p. 77.
57

1845-1889, somente em 1910 o Estado Brasileiro decide criar um novo órgão para tratar da
questão indígena.
A República trouxe consigo eventos marcantes quanto à questão indígena: a criação do
Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910 e anos mais tarde a sua substituição pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Tanto o SPI como a FUNAI se enquadram nas
políticas indigenistas governamentais. O Marechal Rondon, militar de grande prestígio na
época, ficou responsável pelo novo órgão indigenista SPI que garantia um assistencialismo
aos povos indígenas; Rondon influenciado por ideais positivistas via o indígena como um
“[...] ser digno de conviver na comunhão nacional, embora inferior numa escala cultural
evolutiva”94. Na área educacional, a política integracionista continuava, mas retirava-se da
pauta a catequese para dar lugar somente à educação formal. O projeto educacional voltava-se
para assimilar e depois integrá-los a Nação.
Cabe salientar que o SPI teve suas ambiguidades, ao mesmo tempo em que oferecia
proteção aos indígenas colaborava com as frentes de expansão em caminho da modernização
do País. O SPI tornou-se apenas um conjunto de boas intenções, sendo extinto em 1967,
devido várias acusações de corrupção e violência contra os indígenas. Surgindo depois a
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com a mesma perspectiva de integrar o índio a
comunhão Nacional, porém com um requisito de respeitar sua cultura. Neste ínterim, a Lei n°
6001 promulgada em 1973 e conhecida como Estatuto do Índio, no Título V, Artigos: 48, 49,
50, 51 e 52, normatizavam a alfabetização dos indígenas na língua materna e em português,
quanto possível, sem afastá-los da família e da comunidade, a formação profissional seria de
acordo com graus de “aculturação” dos indígenas. Mesmo diante de avanços significativos, O
Estatuto do Índio reforçava o anseio por uma homogeneização quando estabelecia a educação
aos indígenas como via de integração a comunhão Nacional.
Quanto aos programas educacionais desenvolvidos a partir de 1972 pela FUNAI,
estipulavam uma educação escolar ministrada em línguas indígenas e por professores
indígenas, no entanto, esse projeto não teve avanços por falta de incentivo e objetividade do
próprio Órgão indigenista95; prevalecendo assim a forma de ensino tradicional em Língua
Portuguesa e com os mesmos anseios assimilacionistas.
Com as conquistas na Constituição de 1988, o direito a educação que paute nos
processos de ensino aprendizagem próprios de cada etnia foram garantidos no art. 210, inciso
2º da Carta Magna. Em 1990 a responsabilidade da educação destinada aos indígenas passou

94
GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil: passado, presente e futuro. São Paulo: Contexto, 2012. P. 92.
95
Ibidem, p. 106.
58

da FUNAI para o Ministério da Educação (MEC) que vivenciando o período de


descentralização da gestão pública do Governo de Fernando Henrique Cardoso, passou parte
das responsabilidades da questão indígena para os Estados, incluindo a Educação Escolar. As
escolas de categoria diferenciada são de redes Estaduais. A FUNAI ficou responsável pelas
questões territoriais e culturais.
Brito96 salienta que quando a educação escolar ofertada aos indígenas era de
responsabilidade do SPI e depois da FUNAI, o modelo educacional indígena tinha um
formato assimilacionista, mas com a responsabilidade passada para o MEC (Ministério da
Educação), o mesmo lança em conjunto com professores indígenas e especialistas na área o
primeiro Referencial Curricular Nacional para escolas indígenas, o modelo educacional passa
a ser de caráter intercultural, bilíngue e específico, uma conquista para os povos indígenas que
vêem na educação escolar mais uma ferramenta favorável para valorização de suas culturas.
Cabe salientar que a união dos povos indígenas e órgãos de defesa favoráveis aos
índios, mediante muita luta conquistaram na Constituição Federal de 1988 seus direitos
políticos, que também garante a Educação Escolar Indígena com a condição do “respeito às
tradições [...], ao uso da língua materna e processos próprios de ensino aprendizagem”97.
Desde então se estabeleceram Bases Legais, para assegurar a Educação Indígena Diferenciada
no Brasil, que além da Constituição de 1988, promulgou a Lei de Diretrizes e Bases de 1996
vindo depois outras Diretrizes que veremos mais adiante, complementam o arsenal de
Legislação para a Educação Escolar Indígena.

2.2. ENCONTRAR, DIALOGAR E TECER CURRÍCULOS: o Ensino de História na


Educação Escolar Indígena.

É importante problematizar o conceito de ensino de História, considerando que para as


populações indígenas a história está atrelada a memória, ao passado vivido e revisitado
constantemente no presente através dos rituais, crenças e culturas que os diferenciam como
povos diversos. Para Guimarães Fonseca o conceito de História é concebido como:

96
Ver: BRITO, Edson Machado de. “Da escola isolada mista da vila do espírito santo à escola diferenciada
entre os Karipuna: entrelaçamentos na história da educação indígena”. In; Dossiê de ensino de história.
Revista hoje vol. 1 Nº 2, ISSN 1806-3993. Biênio: Agosto de 2011 a julho de 2013. Disponível em:
http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/index
97
BARBALHO, José Ivamilson Silva. Discurso como Prática de Transformação Social: O Político e o
Pedagogo na Educação Intercultural Pankará. Recife: Ed. do Autor,2013, p. 160.
59

O estudo da experiência humana no passado e presente. A história busca


compreender as diversas maneiras como os homens e mulheres viveram e
pensaram suas vidas e a de suas sociedades, através do tempo e espaço. Ela
permite que as experiências sociais sejam vistas como um constante
processo de transformação; um processo que assume formas muito
diferenciadas e que é produto das ações dos próprios homens98.

Mas nem sempre a História foi concebida desta forma, durante o século XIX o estudo
da História se dedicava aos fatos políticos com fontes documentais oficiais, uma História
metódica que buscava a verdade dos fatos históricos através de documentos escritos e
oficiais99.

O ato de fazer história historicamente esteve atrelado a capacidade dos seres


humanos de deixar registros escritos de sua trajetória no mundo, tanto da
sociedade ocidental considera marco fundador de sua história o surgimento
da escrita. Somente a partir da primeira metade do século XX novas
abordagens historiográficas (sobretudo da escola dos Annales) questionavam
a proeminência desses registros e abriram espaço para a diversidade de
fontes.100

Só a partir do século XX, com a concepção de História do movimento Annales101 com


a perspectiva de uma História Nova, é que se ampliou a concepção de História e fontes
históricas, e os considerados “povos sem história”, por não terem deixado documentos
escritos, foram aos poucos tendo visibilidade na História, inclusive os povos indígenas.
Para Karnal102 a “história está envolvida num fazer orgânico: é viva e mutável”, a
memória se modifica com o passar do tempo assim como a sua interpretação e passa a ter
outras necessidades conforme as dinâmicas do tempo vivido. Neste sentido a História para
Karnal é constituída como narrativas, um conhecimento em construção, o fazer histórico é
transformado pelas mudanças sociais, pelas novas formas de se pensar a História com novos
documentos; essa ampliação de fontes permite as várias narrativas históricas sobre um mesmo
fato histórico, sendo assim, o ensino de História não é estático, também se modifica como as
novas ferramentas pedagógicas, os novos métodos de ensino e consequentemente o discurso
histórico.

98
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e
aprendizados. Campinas, SP: Papiros, 2003. p. 40.
99
Documentos de procedência política, administrativa, judicial e militar.
100
ABUD, Kátia Maria. Prefácio. In; Ensino de História. São Paulo: Cengage Learning, 2010. p. 1.
101
“A escola dos Annales 1929-1989” do autor Peter Burke, que faz uma análise das mudanças historiográficas a
partir do movimento francês Annales.
102
KARNAL, Leandro. Introdução. In; História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas/ Leandro
Karnal (org). 5ª Ed. São Paulo: Contexto, 2007, p. 8.
60

Na concepção do historiador Inglês Keith Jenkins103 História são discursos do passado


e constitui-se de vestígios através do olhar de historiadores, demonstrando que a História
apresentada não é a totalidade dos eventos passados, isto é, o historiador não tem como
abarcar a totalidade da História, mas apenas fragmentos e vestígios do passado. O conceito de
História para Jenkins em certo sentido é aceitável, pois não se pode resgatar o passado tal
qual, nem os documentos falam por si próprios, é necessária uma interpretação dos fatos e isto
não é separado da subjetividade do historiador, porém não se deve acreditar que tudo na
história é discurso, pois se remeteria a história a fábulas e invenções, tirando sua
cientificidade. Oliveira104 salienta que “a história é um recorte desse passado, não por
incompetência dos profissionais de história, mas porque este é o objetivo da produção do
conhecimento histórico: problematizar o passado”.
O conceito de História ao longo do tempo tem passado por transformações. Segundo
Fonseca105 “Da Idade Média ao século XVII predominou uma História apoiada na religião e
marcada por uma concepção providencialista a qual o curso da história humana definia-se
pela intervenção divina”. Na Idade Média o modelo de escola e a construção dos currículos
escolares eram ligados a ordem religiosa Cristã, o ensino era eclesiástico e quanto à história
ainda não se constituía como uma disciplina; os conhecimentos clássicos, ou seja, da cultura
grega, eram considerados profanos nesse período. A História ensinada na Idade Média era
providencialista e linear.
No período Moderno com influência dos ideais iluministas, e a formação dos Estados
Nações, o ensino de História passa a privilegiar a política; os projetos educacionais passaram
a visar o progresso humano. Nesse período houve uma busca pela laicização 106. Nesse
momento da história, o ensino era para a instrução dos príncipes e governantes, “A afirmação
do Estado-Nação desviou, pouco a pouco, os objetivos do conhecimento histórico para o
pragmatismo da política, servindo, cada vez mais a educação dos príncipes e a legitimação do
poder”107, enquanto que à escrita da História passou a exaltar os “grandes personagens
históricos”, “grandes nações”, as guerras e ao poder político deixando os aspectos

103
JENKINS, Keith. A história repensada. São Paulo: Contexto, 2011. p. 23-25
104
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Introdução. In; História: Ensino Fundamental/ Coordenação
Margarida Maria Dias de Oliveira. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. p. 10.
105
FONSECA, Thais Nívea de Lima e. A história do ensino de história: objeto, fontes e historiografia. In;
História e ensino de história. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p. 21.
106
De acordo com Fonseca a busca pela laicização no século XIX, seria a separação política entre Estado e
Igreja.
107
FONSECA, Thais Nívea de Lima e. A história do ensino de história: objeto, fontes e historiografia. In;
História e ensino de história. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. p. 21.
61

eclesiásticos, hagiológicos108. A história da humanidade vista através dos “grandes homens” e


“grandes nações” em formação eram predominantes até o início do século XX.
É neste período da formação das nações que a História passa a constituir-se como uma
disciplina, com métodos e conteúdos organizados tendo a missão de forjar identidade
Nacional, pelos estudos do passado “glorioso” da Nação com o intuito de despertar no povo o
sentimento de pertencimento Nacional. A educação era o meio e a disciplina História a
ferramenta para concretização desse intuito político com exaltação de figuras de heróis
Nacionais. Miceli109 salienta que “Houve um tempo em que a História era doutrinação, e se
destinava antes de tudo a formar, reforçar e manter os valores da nacionalidade e a disciplina
acabava se transformando no espaço cultural mais adequado a reprodução desses
sentimentos”.
Desse modo a História passa a ter o centro das atenções por estar vinculada ao
passado, com as propostas iluministas de progresso humano, uma ciência privilegiada nos
currículos escolares, caberia a disciplina História contar as origens da Nação, relatar e exaltar
a história dos grandes heróis Nacionais.
Fonseca110 relata que o ensino de História no Brasil, não se constituiu os mesmos
rumos que em outros países europeus, visto que a influência da igreja católica era
predominante na educação escolar, enquanto alguns Países da Europa como a França
buscavam a laicização do Estado, no Brasil o modelo de educação e ensino era de cunho
religioso. Os jesuítas que aqui chegaram trouxeram um ensino catequético, a História não
tinha se constituído uma disciplina neste período histórico e era um complemento ligado ao
ensino de filosofia no processo de civilização desenvolvido nos aldeamentos indígenas,
servindo como meio de adaptar os indígenas ao modelo de sociedade Cristã e Européia. A
História só se constituiu disciplina escolar após a independência em 1822 quando se buscou
modelos educacionais de ensino durante a implantação do Império no Brasil.

“Durante praticamente todo o século XIX, ocorreram discussões e mudanças


nos programas para as escolas elementares, secundárias e profissionais e os
objetivos do ensino de história foram se definindo com maior nitidez. Ao
mesmo tempo em que seu papel ordenador e civilizador era cada vez mais
consensual, seus métodos e formas de abordagem refletiam as características
da produção historiográficas então do curso, sob auspícios do IHGB.
produzia-se e ensinava-se, a julgar pelos programas e pelos livros didáticos,
uma história eminentimente política e, nacionalista e que exaltava a

108
A história dos Santos, no período Medieval.
109
MICELI, Paulo. Uma pedagogia da História?. In; O ensino de História e a Criação do Fato/ Jaime Pinsky
(org). 14ª Ed, 1 reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012. p. 46.
110
FONSECA, Idem, op. Cit. 2011.
62

colonização portuguesa, a ação missionária da igreja católica e a


monarquia.”111

No Período Republicano Fonseca112salienta que os objetivos do ensino de História era


formar o “cidadão cívico”, com a ampliação das escolas no novo Regime devido à
necessidade de formar cidadãos letrados para o exercício do voto, a disciplina História teria o
papel de ensinar os valores cívicos, o amor a Pátria, a Bandeira, ao Hino Nacional e aos heróis
Republicanos, com isso iam surgindo à busca por novas metodologias de ensino e o
rompimento da sobreposição de uma história “sagrada” sobre a história “profana”.
Até a década de 70 do século XX os currículos escolares assim como o ensino de
História no Brasil seus métodos e conteúdos estavam ligados tanto a uma influência religiosa
como a uma dominação do Estado Nacional. Guimarães Fonseca113 aborda o período
ditatorial no Brasil enfatizando que o ensino de História “esteve submetido à lógica política
do governo”, ou seja, a História não era uma disciplina autônoma, pois fazia parte da
disciplina de Estudos Sociais, junto com a Geografia, o que resultou na descaracterização do
ensino de História, este servia apenas para a construção de uma moral cívica. Os modelos
curriculares de ensino influenciados pelas experiências norte americanas visavam à luta contra
o comunismo, isso explica a preocupação por um ensino de História sem hostilidades, ódio ou
conceitos históricos que desvalorizassem os americanos, buscando a valorização da cultura
americana. “Ao adotar essa concepção, o ensino de História assumia a tarefa de formação
cívica, impondo regras de conduta política por meio do estudo de temas e conceitos que eram
de interesse do governo”114.
Cabe salientar que através das lutas dos movimentos sociais, como o feminismo, a
luta dos indígenas, negros, etc. por reconhecimento histórico e identitário, assim como a luta
de professores e trabalhadores em busca de melhorias no trabalho, desencadeou muitas
críticas aos currículos escolares e em particular ao ensino de História que não mais supriam a
nova demanda social.
No decorrer dos anos 1970. O processo de organização dos professores
ganhou forças no contexto de lutas pela democratização do País e por
melhores condições de trabalho. No interior do movimento social organizado
multiplicaram-se as críticas ao ensino de história vigente, desencadeando um

111
FONSECA, Thais Nívea de Lima e. A história do ensino de história: objeto, fontes e historiografia. In;
História e ensino de história. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. p. 47.
112
Ibidem., p. 50-51.
113
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e
aprendizados. Campinas, SP: Papiros, 2003. p.24.
114
Ibidem, p. 25.
63

debate nacional acerca da história ensinada, dos currículos, dos livros


didáticos e das metodologias de ensino115.

Guimarães Fonseca116 salienta que foi neste cenário de lutas que as mudanças para o
ensino de História foram sendo aos poucos inserida na educação escolar no Brasil. A História
tanto escrita como a ensinada nas escolas era providencialista, civilizatória, elitista, exaltava
os heróis Nacionais na construção de uma só identidade Nacional homogênea aos moldes
europeus e depois com influência do modelo americano, mas, após 1970 se depara com
milhares de histórias de diferentes etnias e grupos, são agentes históricos que lutam por seu
lugar na História Nacional.
Nos anos 1990 quando a disciplina História ganha autonomia e legitima-se através de
documentos oficiais como LDB e PCNs de História, depara-se com a diversidade de
identidades culturais de diferentes grupos, inclusive os étnicos. A partir desse momento novas
discussões sobre memórias, identidades e culturas vão fazer parte do hall das discussões
centrais do ensino de História até a contemporaneidade.
Cabe enfatizar que os povos indígenas também lutaram pelas reformas educacionais e
em particular pelo reconhecimento na História do Brasil, como protagonistas de sua própria
história, lutando contra o preconceito, racismo, invisibilidade social e todas as formas de
exploração; e conquistaram na Constituição Federal de 1988 o direito também a uma
educação que visa à valorização de suas culturas e inserção na História Nacional.
O decreto n° 26/1991 que transferiu a responsabilidade da Educação Escolar Indígena
da FUNAI para o Ministério da Educação (MEC) possibilitou a emissão do primeiro
Referencial Curricular voltado para o ensino em escolas indígenas diferenciadas, que
referenciam o modelo de Educação Escolar Indígena, pautado num currículo intercultural; o
documento é um Referencial Formativo e não Normativo117, considerando a diversidade
cultural indígena no Brasil.
A referência à construção de um currículo intercultural em escolas indígenas é uma
forma de superar os desafios do cumprimento da Constituição de 1988; assim como a Lei de

115
FONSECA, Selva Guimarães.Fazer e ensinar História. Belo horizonte: Dimensão, 2009, p. 22.
116
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e
aprendizados. Campinas, SP: Papiros, 2003. p. 26.
117
O Documento tem caráter formativo, ou seja, é uma referência que norteia a construção do currículo escolar
para escolas indígenas, não tem caráter obrigatório visto que a escola indígena é concebida conforme a
especificidade de cada etnia, por isso o referencial não é normativo. Cf. BRASIL. Referencial Curricular para as
Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF, 1998. p. 113.
64

Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei Nº 9.394/1996 que, em seu Título VIII, nos
artigos 78 e 79, especifica a Educação Escolar Indígena diferenciando-a da educação escolar
dos não índios, assegurando aos povos indígenas autonomia na construção dos processos
educacionais de ensino-aprendizagem e formas de organização escolar, conforme suas
especificidades. Em acordo, o artigo 26, parágrafo 4º estabelece “O ensino da História do
Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do
povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia”118. Neste sentido
“Esse documento foi escrito na expectativa de que possa contribuir para diminuir a distância
entre o discurso legal e as ações efetivamente postas em prática nas salas de aula das escolas
indígenas”119.
A Educação escolar sob uma lógica da interculturalidade possui três características
primordiais: “comunitária, específica e diferenciada”. O documento Referencial RCNEI
(1998) coloca que:
Porque conduzida pela comunidade indígena, de acordo com seus projetos,
suas concepções e seus princípios. Isto se refere tanto ao currículo quanto
aos modos de administrá-la. Inclui liberdade de decisão quanto ao calendário
escolar, à pedagogia, aos objetivos, aos conteúdos, aos espaços e momentos
utilizados para a educação escolarizada.120

A escola é da comunidade, a construção do currículo deve ser pautada no projeto


educacional defendido pela comunidade e a mesma tem a autonomia e liberdade de decisão
sobre o ensino e a aprendizagem. Tem caráter específico considerando as formas de se
conceber a escola, cada etnia tem a “autonomia” para construir o currículo escolar em diálogo
com sua própria cultura, nisto também se diferencia de escolas não indígenas, por isso o
Referencial não tem caráter Normativo. A característica assumida para as escolas indígenas
consiste na “Interculturalidade”,

Porque deve reconhecer e manter a diversidade cultural e linguística;


promover uma situação de comunicação entre experiências socioculturais,
linguísticas e históricas diferentes, não considerando uma cultura superior à
outra; estimular o entendimento e o respeito entre os seres humanos de
identidades étnicas diferentes, ainda que se reconheça que tais relações vêm
ocorrendo historicamente em contextos de desigualdade social e política.121
Nesta perspectiva a escola deve abrigar em seu currículo os saberes dos indígenas e
não indígenas, respeitando todas as formas de culturas e conhecimentos, não se sobrepondo as

118
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394, de 20 de dezembro de1996.
119
BRASIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 11.
120
Ibidem, p. 24.
121
Idem.
65

outras formas de conhecimentos, mantendo a diversidade cultural e étnica no currículo


escolar. A escola indígena também é bilíngue/multilíngue, isso porque se devem a valorização
das línguas maternas, antes proibida de ser falada no período dos aldeamentos, no segundo
regimento das missões e nas escolas formais.

Porque as tradições culturais, os conhecimentos acumulados, a educação das


gerações mais novas, as crenças, o pensamento e a prática religiosos, as
representações simbólicas, a organização política, os projetos de futuro,
enfim, a reprodução sociocultural das sociedades indígenas são no caso,
manifestações através do uso de mais de uma língua. Mesmo os povos
indígenas que são hoje monolíngues em língua portuguesa continuam a usar
a língua de seus antepassados como um símbolo poderoso para onde
confluem muitos de seus traços identificatórios, constituindo, assim, um
quadro de bilinguismo simbólico importante.122

O ensino de língua materna na escola indígena é um modo de afirmação da identidade


étnica como também uma das formas para que a língua materna não se perca com o tempo.
Conforme Fortan123 “para preservar a diversidade linguística, prioriza-se a adoção do
bilinguismo ou multilinguismo visando à preservação e/ ou resgate das línguas indígenas”.
As características de escolas indígenas, sob uma ótica de educação intercultural “específica e
diferenciada”, se diferenciam de escolas convencionais “porque concebida e planejada como
reflexo das aspirações particulares de cada povo indígena e com autonomia em relação a
determinados aspectos que regem o funcionamento e orientação da escola não-indígena”124.
O currículo pautado na interculturalidade é uma das formas de combater a
homogeneização social, assim como uma educação escolar mais voltada para o local, sem
tantas distâncias do cotidiano vivido, como também uma das formas de agregar num mesmo
ambiente, várias experiências de saberes tanto locais como globais, saberes indígenas e não
indígenas. Desta forma são privilegiadas várias culturas no espaço escolar.

Os parâmetros curriculares nacionais reconhecem a realidade Brasileira


como diversa, e as problemáticas educacionais das escolas, das localidades,
das regiões como múltiplas. É no dia-a-dia das escolas e das salas de aula, a
partir das condições, contradições e recursos inerentes a realidade local e
educacional que são construídos os currículos reais.125

122
BRASIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 25.
123
FORTAN, Daiane de Fátima Soares. Educação, Escola Diferenciada e Cultura Indígena. In; Índios de
Alagoas: História e Sociedade/ Luiz Sávio de Almeida... [et al] (org.). Maceió: EDUFAL, 2014. p. 70.
124
BRASIL, Idem, op. Cit.p. 25.
125
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: História, 1998. P. 25.
66

Silva126em análise sobre as teorias do currículo coloca que os mesmos são espaços de
luta e resistência. Defende o currículo multiculturalista baseando-se no discurso antropológico
de que nenhuma cultura é superior a outra. Neste sentido, sensibiliza-nos ao respeito às
diferenças, afirmando que são as relações de poder que determinam o que é diferente ou não.
Portanto, o currículo deve abarcar todos os grupos sociais, tanto os brancos quanto os negros,
os índios, os homossexuais, as mulheres, etc., fortalecendo as relações e o respeito às
diferenças. O autor define currículo como sendo um espaço de configuração de saber, de
poder e de identidade, que tem a capacidade de produzir nos sujeitos autonomia através do
aprendizado e uma consciência crítica de suas vivencias na sociedade.127
Candau128 entende o multiculturalismo como “uma realidade social na qual convivem
diferentes grupos culturais”, mas ressalta que a descoberta das diferenças culturais num
mesmo contexto também pode gerar preconceitos, discriminações, intolerância, criando
“muros”, separação social e cultural, grupos que se isolam sem relação ou contato com os
“outros”, com os “diferentes”. Desse modo, ressalta que uma sociedade considerada
multicultural não necessariamente desencadeia processos interculturais, “o interculturalismo
supõe a deliberada inter-relação entre os diferentes grupos socioculturais.”. Na visão da
autora a perspectiva intercultural

[...] orienta processos que tem por base o reconhecimento do direito a


diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade
social. Tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e
grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os
conflitos inerentes a esta realidade.129

A autora130 tece alguns critérios fundamentais referentes à educação escolar sob a ótica
da interculturalidade: a) a educação deve ser vista como uma prática social, sempre
interagindo e se relacionando com as reais dinâmicas sociais; b) articular no âmbito das
políticas educativas a diversidade cultural, a igualdade e o direito de todos à educação. Estas
questões não podem contrapor, considerando que a devida atenção as diferentes identidades
torna-se favorável a “construção da igualdade e da democracia”. c) A educação intercultural

126
Tomas Tadeu da Silva faz uma análise sobre as teorias do currículo, abordando as teorias tradicionais, as
teorias críticas e pós-críticas sobre a formação do currículo.
127
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidades; uma introdução às teorias do currículo. 2ª Ed.
11ª reimpressão. Belo Horizonte: Autentica, 2007.
128
CANDAU, Vera Maria; Equipe. Educação Multicultural: tendências e propostas. In: Sociedade, educação
e cultura(s): questões e propostas/ Vera Maria Candau (org.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. P. 97.
129
Ibidem, p. 99.
130
Ibidem, p. 99-100. Achamos por bem enumerar com letras as concepções da autora, o texto que se apresenta é
um resumo do texto original.
67

não pode se limitar a atividades pedagógicas isoladas, realizadas em situações específicas e


somente por algumas áreas curriculares, privilegiando determinados grupos em detrimento de
outros. O enfoque da educação intercultural é global, portanto, deve afetar todo o sistema
educacional, desde a cultura escolar até aos profissionais da educação. d) é contrário ao
etnocentrismo que se manifesta explicitamente como implicitamente tanto na escola como nas
políticas educacionais. Neste ponto tem-se uma questão: “Que critérios utilizar para
selecionar e justificar os conteúdos?” [...]. E por fim o último critério básico. e)

A educação intercultural afeta não somente aos diferentes aspectos do


currículo explicito - objetivos conteúdos propostos, métodos e estilos de
ensino, materiais didáticos utilizados, etc. - como também o currículo oculto
e as relações entre os diferentes agentes do processo educativo -
professores(as), alunos(as), coordenadores(as), pais, agentes comunitários,
etc. Neste sentido trabalhar os ritos, símbolos, imagens, etc. presentes no dia
a dia da escola e a auto estima dos diferentes sujeitos e construir relações
democráticas que superem o autoritarismo e o machismo tão fortemente
arraigados nas culturas latino-americanas, constituem desafios iniludíveis.131

Para a autora essa perspectiva é complexa, defende ser necessário problematizar todo o
sistema educacional. Vale ressaltar que os termos Multiculturalismo e Interculturalismo
possuem significados distintos. Candau em análise da polissemia destes termos baseia-se em
Sedano (1997) e “afirma que o interculturalismo faz referência à inter-relação entre diferentes
culturas e multiculturalismo e pluriculturalismo à existência de diferentes culturas em uma
mesma sociedade”132. Outro autor referenciado pela autora é Jordán (1996) que:

Considera que os termos multicultural e intercultural são frequentemente


empregados como sinônimos. No entanto, propõe uma diferenciação entre
eles. Situa-se na perspectiva que propõe uma maior adequação da expressão
intercultural para a abordagem educativa que quer. Em seu trabalho há uma
clara preocupação em delimitar o que a educação intercultural não é:
educação compensatória, assimilacionista, um simples ideal pedagógico
humanista, um conjunto de atividades pensadas e dirigidas para os grupos
culturalmente minoritários. [...].133
A educação escolar intercultural proposta pelo MEC desde 1998, imbuída no
Referencial Curricular especifica o ensino de História com uma perspectiva histórica partindo
do contexto local para o global. Esse documento também norteia a prática do ensino de

131
CANDAU, Vera Maria; Equipe. Educação Multicultural: tendências e propostas. In: Sociedade, educação
e cultura(s): questões e propostas/ Vera Maria Candau (org.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. 100.
132
CANDAU, Vera Maria; Equipe. Multiculturalismo e educação: a construção de uma perspectiva. In:
Sociedade, educação e cultura(s): questões e propostas/ Vera Maria Candau (org.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2002,
p. 75.
133
Idem.
68

História lançando propostas de atividades a serem trabalhadas em sala de aula, com finalidade
de criar registros da história local da aldeia, mas cabe enfatizar que esses “registros dos
relatos não deve servir para interromper o processo de permanente reconstrução de seus
significados”134, visto que a história local antes pertencente a memória, pode incorrer no risco
de se tornar estática depois de registrada no papel. Deste modo, os registros dos relatos não
devem ser considerados estáticos, únicos, pois, é preciso considerar o tempo e espaço na
projeção de vivências cotidianas, assim como as dinâmicas sociais e trocas de conhecimentos.
Sendo assim, essa proposta pelo RCNEI tende a avaliar o currículo da escola, os processos de
ensino, e a participação ativa da comunidade, propondo uma educação escolar e um ensino
que atenda a particularidade de cada etnia indígena.
A Lei nº 11.645/ 2008 torna obrigatório o ensino de História e cultura indígenas no
currículo das instituições de ensino sistemático tanto nas escolas em territórios indígenas
como em escolas convencionais públicas e privadas. Há de convir que mesmo diante dos
direitos garantidos na Constituição de 1988 e demais leis normativas como a LDB, ainda á
muito que avançar quanto à efetivação da Legislação na prática de ensino referente à temática
indígena. Neste sentido, esta Lei alterou a redação da Lei nº 10.639/2003 que torna
obrigatório o ensino de Cultura afro-brasileira e africana nos estabelecimentos de ensino
institucionalizado, acrescentando a temática indígena.

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino médio, públicos e privados,


torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da áfrica e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil,
a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§2º Os conteúdos referentes à história e cultura dos povos indígenas
brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em
especial nas áreas de educação artística, e de Literatura e história brasileira.
(Redação dada pela Lei nº 11.645/2008)135 (grifos nossos).

O Plano Nacional de Educação (PNE), com duração de 2011 a 2020, em consonância


com a LDB 9694/1996 e com a nova redação também estabelece na meta 7 nos itens de
estratégias: 7.16, 7.17,

134
BRASIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 203
135
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases 9.394/1996.
69

(7.16) Garantir o ensino da história e cultura afro e indígena, nos termos da


lei nº 10.636, de 9 de janeiro de 2003, e da lei nº 11.645 de 10 de março de
2008, por meio de ações colaborativas com fóruns de educação para a
diversidade étnico racial, conselhos escolares, equipes pedagógicas e com a
sociedade civil em geral.
(7.17) Ampliar a educação escolar no campo, quilombola e indígena a partir
de uma visão articulada ao desenvolvimento sustentável e à preservação da
identidade cultural.136.

O indígena e antropólogo Gersem Baniwa, ao ser entrevistado por Bergamaschi137


durante o II Fórum Internacional da Temática Indígena, coloca que a Lei nº 11. 645/2008 tem
servido para combater o preconceito, o racismo e a discriminação, mas que para ser posta em
prática, faz-se necessária a confecção de materiais específicos e formação de professores
indígenas, no entanto, retrata que há dificuldades de produção desses materiais didáticos
devido à diversidade cultural do País.
Portanto, é importante refletirmos sobre qual história ensinar numa escola de educação
indígena. Sabe-se que desde o século XIX a atualidade o papel do ensino de História ainda é
voltado para construção de identidades Nacionais; conforme Bittencourt138 [...] “os conteúdos
e os métodos variaram bastante, sem, contudo, deixarem de estar a serviço de finalidades
fundamentais associadas à constituição de identidades nacionais”. Neste sentido o saber
histórico escolar sempre teve como base uma História nacionalista, que ainda impera nos
currículos de História, que reforça estereótipos do indígena que exclui a participação desse
grupo na História oficial do Brasil. Os próprios livros didáticos são instrumentos congêneres
dessa perspectiva ao representarem os indígenas como “bons selvagens”, depois como
“exóticos”, e como “povos da floresta”.
Diante desta “tradição” de pensamento sobre a identidade indígena, uma questão se
coloca imperiosa ao nosso trabalho: Como trabalhar o ensino de História em sala de aula sem
negar as culturas e as histórias indígenas que compõem a Nação Brasileira? São várias as
questões pertinentes que vão surgindo e é necessário propostas de currículos de História que
privilegiem a Educação Escolar Indígena, isso conforme as especificidades e peculiaridades
de cada grupo étnico, pois não podemos homogeneizar as culturas indígenas, isso porque cada
comunidade possui os seus códigos e signos restritos a sua própria etnia.

136
BRASIL, Plano Nacional de Educação, 2010 a 2020.
137
BERGAMASCH, Maria Aparecida. Entrevista: Gersem José dos Santos- “GersemBaniwa”. In: Dossiê de
Ensino de História. Revista História Hoje vol. 1 N° 2, ISSN 1806-3993. Biênio: Agosto de 2011 a julho de 2013,
p. 141-142.
138
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 2ª edição; São
Paulo: Cortez, 2008. P. 76.
70

O ensino de História na perspectiva intercultural se torna um desafio nas escolas


indígenas139, devido à perspectiva histórica a ser abordada em sala de aula e o cuidado com os
temas abordados para não correr o risco de estereotipar a cultura local étnica além da
articulação entre o saber local e o saber global.

A incursão da questão da identidade nas propostas educacionais para o


ensino de história merece, portanto, um tratamento capaz de situar a relação
entre o particular e o geral, quer se trate do indivíduo, sua ação e papel nas
aldeias, quer se trate dos grupos indígenas em suas relações Interétnicas e
com a sociedade nacional.140

Para os povos indígenas, a história constitui a preservação 141 das identidades étnicas,
através dos rituais, costumes e crenças que são transmitidos pela oralidade dos mais velhos
para os mais jovens. As escolas indígenas com propostas de currículo intercultural têm
dificuldades quanto à prática do ensino, pois nem sempre são disponibilizados materiais
didáticos e paradidáticos referentes à sua cultura em particular para o ensino aprendizagem
em sala de aula.

[...] apesar dos avanços conquistados nos últimos anos pelos povos indígenas
em termos de direito a uma educação intercultural, muito ainda precisa ser
construída em termos de prática de sala de aula, de formação de professores,
de produção de materiais para que as escolas em terras indígenas ofereçam
uma educação diferenciada de qualidade e que valorize a língua e os
conhecimentos tradicionais dos povos indígenas.142

Uma possibilidade metodológica para a superação das dificuldades até aqui


relacionadas nos é apresentada por Ferreira143 ao afirmar que a memórias indígenas, pode ser
uma possibilidade para confecções de materiais paradidáticos que subsidiem o ensino de
História.
Na memória encontram-se a experiência de uma longa história, que está viva
e impregnada nas práticas, por isso, mais resistente. O ensino de história que
se baseia na experiência vivenciada pelo grupo, seja em momentos atuais ou
longínquos, quando se valoriza o comum vindo de uma experiência

139
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. O ensino de História para populações indígenas. Em Aberto n°
63 (educação escolar indígena). Brasília: MEC, ano XIV, 1994.
140
Ibidem., p. 114.
141
Mesmo diante das dinâmicas sociais, de interação e contato constante com elementos culturais diversos, Cabe
esclarecer que preservar as identidades étnicas não significa cristalizá-las, mas, seria uma das formas de não
perder as tradições guardadas na memória.
142
Educação Escolar Indígena em Terra Brasilis, Tempo de Novo Descobrimento. Rio de Janeiro: IBASE,
2014. p. 73.
143
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó: uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 163.
71

transmitida de boca em boca, torna-se um aprendizado enraizado, consistente


e resistente.144

Nas Diretrizes Nacionais Gerais da Educação Básica (2013), no texto que trata da
Educação Indígena, no título II- Art. 3º parágrafo I, II estabelece

I-A recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas


identidades étnica; a valorização de suas línguas e ciências;
II-O acesso às informações, conhecimentos técnicos, científicos e culturais
da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não indígenas.145

Assim, a presença da comunidade no espaço escolar torna-se imprescindível para


ampliação do currículo escolar, sendo utilizadas estratégias metodológicas das quais contribui
com a valorização/ preservação da cultura local.
Nesta perspectiva, o currículo do ensino de História deve abrigar as duas vertentes
históricas, articulando e dialogando com as memórias tradicionais indígenas ensinadas pela
oralidade de geração a geração e o saber científico global, buscando incluir na sua
metodologia de ensino, a interdisciplinaridade e a perspectiva intercultural. Assim, sendo
regulamentado nas propostas curriculares de ensino para a Educação Escolar Indígena
diferenciada.

[...] o ensino de história nas escolas indígenas não pode assumir as mesmas
características do ensino em escola convencionais, principalmente porque o
debate e o diálogo entre o professor, os alunos e a comunidade são
fundamentais para explicitar a sua importância e suas finalidades sociais,
históricas e pedagógicas.146

No Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, emitido pelo MEC em


1998, fica claro a proposta do ensino de História como ensino diferenciado.

Na elaboração de uma proposta de história para os currículos das escolas


indígenas, é preciso encarar o desafio de selecionar criticamente o que já
existe e, ao mesmo tempo, produzir algo novo, considerando a diversidade
cultural dos povos, suas diferenças históricas de contato e intercâmbio, lutas

144
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó, uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 163-164.
145
BRASIL, Diretrizes Nacionais Gerais da Educação Basica/MEC, SEB, DICEI. Brasília, 2013, p. 385-398.
146
BRASIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 198.
72

e antagonismos políticos, territoriais e culturais e suas particularidades na


construção de relações entre o presente e o passado.147

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental de 1998, propostos


pelo Ministério da Educação, já reforçavam o ensino de uma história local que deve
necessariamente ser vinculada a uma história global. E propõe que

Os conteúdos propostos estão constituídos, assim, a partir da história do


cotidiano da criança (o seu tempo e o seu espaço), integrada a um contexto
mais amplo, que inclui os contextos históricos. Os conteúdos foram
escolhidos a partir do tempo presente na qual existem materialidades e
mentalidades que denunciam a presença de outros tempos, outros modos de
vida sobreviventes no passado, outros costumes e outras modalidades de
organização social, que continuam de alguma forma, presentes na vida das
pessoas e da coletividade. Os conteúdos foram escolhidos, ainda, a partir da
ideia de que conhecer as muitas histórias, de outros tempos, relacionadas ao
espaço, possibilita aos alunos compreenderem a si mesmos e a vida coletiva
de que fazem parte.148

Neste sentido, é importante a reflexão sobre as propostas do ensino de História,


levando em consideração os materiais já existentes sobre o conhecimento global, não
dispensado no currículo das escolas indígenas, mas também a confecção de novos materiais
didáticos pautados na cultura dos povos indígenas, se baseando nas especificidades de cada
etnia. E nesta confluência a memória histórica transmitida pela oralidade é uma das
possibilidades para obter resultados favoráveis na prática do ensino de História diferenciado
no âmbito escolar da educação indígena.
É válido ressaltar que, os aspectos primordiais na Educação Escolar Indígena são
indissociáveis, de modo que a presença da comunidade, a especificidade e diferenciação do
ensino competem na construção de um currículo amplo, envolvendo saberes formais
sistematizados e informais concernentes a comunidade. Portanto, faz-se necessário pensar em
uma proposta ampla para o ensino de Historia na Educação Escolar Indígena considerando a
memória, a história desses povos no seu modo particular, experiências cotidianas, e as
relações entre a comunidade e a escola.

147
BRASIL. Referencial Curricular para as Escolas Indígenas/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 200.
148
BRASIL, PCN, 1997, p.34; Apud CAINELLI, Marlene. O que se ensina e o que se aprende em história. In:
História: ensino fundamental/ Margarida M. D. de oliveira ( coordenação). Brasília: MEC, SEB, 2010. p.24.
73

2.3. NUMA ENCRUZILHADA DE SENTIDOS: os lugares e ambiguidades da escola na


aldeia

A trajetória da Educação Escolar Indígena no Brasil foi marcada por violência, lutas,
mas também por conquistas. A luta para manter a identidade cultural também permeia os
espaços escolares atuais e a escola na aldeia se torna ambígua quanto ao seu sentido.

A escola pode servir como elemento que favorece e acelera a perda da


cultura anterior, que é substituída por um saber escolar criado pelos brancos,
mas ela pode também servir para ampliar suas formas culturais de
comunicação, situação que ocorre principalmente quando se desenvolve a
alfabetização bilíngue.149

Na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) Nº 9.394/1996 no seu artigo 78 traz os objetivos


para um ensino escolar indígena diferenciado, mais próximo da realidade, valorizando a
cultura, a língua materna, como também oferecer os conhecimentos e ciências dos não índios.
Nesta perspectiva,

Essa escola que funciona no seio da sociedade ameríndia, interage com


modos de vida próprios e com a educação da tradição da cada povo. Mas
também estão implementados em seu currículo estudos que visam
compreender os modos de vida, línguas e ciências não indígenas e assim,
apropriados desses conhecimentos, estabelecer um dialogo mais equitativo
com essas sociedades.150

Considerando o significado da escola para as populações indígenas, Darci


Secchi151traz algumas perspectivas sob a ótica dos indígenas quanto ao significado da escola,
destacando o “leque de possibilidades que vai desde um instrumento indispensável para a
redenção dos povos ameríndios, até uma agência oficial de imposição cultural” 152. Secchi faz
uma análise a partir de 242 textos escritos por professores indígenas em eventos, conferências,
cursos relacionados à educação escolar e formação de professores indígenas nos anos de 1997
e 2000, no Estado do Mato Grosso, sobre qual modelo de escola seria mais adequada as suas

149
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. O ensino de História para populações indígenas. Em Aberto n°
63 (educação escolar indígena). Brasília: MEC, ano XIV, 1994, p. 106.
150
BERGAMASCHI, Maria Aparecida; GOMES Luana Barth. A temática Indígena na Escola: ensaios de
Educação Intercultural , 2012. p. 55.
151
Secchi faz um estudo sobre a escola indígena, destacando o significado da escola na visão dos indígenas.
SECCHI, Darci. Educação Escolar para o Protagonismo Indígena. In: Educação, Diferença e
desigualdades/Maria L. R. M.; Lea P. Paixão (Orgs.). Cuiabá: EdUFMT, 2006. p. 187-225.
152
Ibidem., p. 201.
74

realidades locais específicas. A partir do seu estudo foram pontuadas cinco perspectivas
sendo: 1ª) uma escola voltada para informar sobre outras culturas; 2ª) a escola que ensina os
códigos culturais externos a aldeia; 3ª) escola com saberes que ajuda os índios a se defender
dos não índios; 4ª) escola para preparar os índios para o mercado de trabalho; 5ª) escola que
contribua com a reconstrução das histórias indígenas, a valorização dos saberes local.
Quanto à primeira delas, a escola teria a função de “informar sobre as coisas das
outras culturas” segundo Secchi essa perspectiva é definida como uma “escola informativa”,
considerando que teria a função de informar aos índios todo o saber do branco, como constrói
as coisas, sendo a leitura e escrita secundária e não exclusiva nesta perspectiva. Seria uma
escola mais liberta das formalidades, e que as aulas ou reuniões não seriam necessariamente
entre quatro paredes, e não teria horários, mas obedeceriam as demandas dos alunos,
conforme as necessidades das informações, obtidas fora da comunidade, por isso informativa.

As reuniões (aulas) podem ser realizadas em qualquer local e a qualquer


momento, desde que haja um assunto e pessoas interessadas nele (alunos).
Os conteúdos escolares são definidos pela relação entre a demanda dos
interessados e a disponibilidade de oferta das informações obtidas no
contexto externo. A escola desejada é uma escola de cunho informativo.153

A escola neste sentido deve ensinar tudo sobre o não índio, desde a sua cultura até
como se faz as coisas utilizadas no dia a dia, mas sem as formalidades das escolas
convencionais. A outra perspectiva de escola adequada na visão indígena é “aquela que ajuda
a se virar no mundo dos brancos”, nesta os índios querem aprender o conhecimento externo a
sua comunidade, para poder viver no mundo dos “brancos” sem as dificuldades que as
barreiras culturais impõem. Os indígenas em contato com o exterior necessitam conhecer os
códigos de sobrevivência da sociedade atual, considerando que cada vez mais os índios vão
para os grandes centros em busca de trabalho e melhores condições de vida. “Nesta
perspectiva a escola desejada deve ser pragmática e voltada para o domínio de códigos
externos”154.
Já em outra maneira de ver a escola, Secchi traz outro depoimento que conota a escola
o dever de “ajudar os índios a se defender dos brancos”. Secchi salienta que “[...] o que se
espera da escola vai além da elucidação de curiosidades ou do domínio de códigos. Trata-se

153
SECCHI, Darci. Educação Escolar para o Protagonismo Indígena. In: Educação, Diferença e
desigualdades/Maria L. R. M.; Lea P. Paixão (Orgs.). Cuiabá: EdUFMT, 2006. p.203.
154
Ibidem, p. 205.
75

de uma instituição “culturalizada” e colocada a serviço dos interesses coletivos”155. A escola


nesta perspectiva seria para o uso da defesa dos interesses indígenas, ou seja, se apropriar do
saber não indígena tanto para se defender como atacar, dependendo das circunstâncias.
Outro significado dado à escola seria a de “preparar para pleitear novos espaços e
empregos”, neste sentido a escola segundo Secchi seria mais competitiva, voltada mais para o
mercado de trabalho. Consiste em preparar os índios para competir com os não índios, seja
por vagas nas universidades, no mercado de trabalho, etc., ou seja, se resume em uma
preparação para o futuro. Quanto à última perspectiva que Secchi traz sobre a escola na visão
dos professores indígenas, esta deve ajudar a reconstruir a história dos indígenas, assim, a
cultura local deve ser valorizada nos espaços escolares e respeitada, a escola seria um veículo
de reconstrução das histórias locais a serviço da cultura e tradições indígenas, do ensino da
língua materna, dos costumes e crenças.
Secchi conclui que:

A escola que ajuda a “conhecer o jeito dos brancos”, a “transitar pelas


culturas”, a “defender o território”, a “pleitear novos espaços” e a
“reconstruir o futuro” parece não ser imaginada pelos professores e por
lideranças indígenas com um “presente de grego” ou como uma “instituição
colonialista”. Ao contrário, é almejada como um espaço de liberdade, de
conquista, de afirmação e de (re)construção dos projetos societários dos
povos ameríndios156.

A escola possui muitos significados para os indígenas, e não há uma forma adequada e
única de conceber a escola. São vários os modos de ver e desejar a escola na aldeia,
evidenciando a ambiguidade quanto ao seu significado. Por isso da necessidade de uma escola
que atenda a especificidade de cada povo ou comunidade, respeitando seus próprios meios de
aprendizagem.
Tassinari define as escolas indígenas como “espaços de fronteiras”, no sentido da
escola ofertar a possibilidade de encontro entre conhecimentos diversos, não sendo esta alheia
as culturas indígenas.

É neste sentido que considero muito adequado definir as escolas indígenas


como espaços de fronteiras, entendidos como espaço de trânsito, articulação
e troca de conhecimentos, assim como espaços de incompreensões e de

155
SECCHI, Darci. Educação Escolar para o Protagonismo Indígena. In: Educação, Diferença e
desigualdades/Maria L. R. M.; Lea P. Paixão (Orgs.). Cuiabá: EdUFMT, 2006. P. 206.
156
Ibidem, p. 213.
76

definições identitárias dos grupos envolvidos nesse processo, índios e não


índios.157

A “noção de fronteira” segundo Tassinari não tem o sentido de limite, de barreira entre
culturas, mas de um “espaço de contato e intercambio entre populações, como espaço
transitável, transponível, como situação criativa na qual conhecimentos e tradições são
repensados, às vezes reforçados, às vezes rechaçados, e na qual emergem e se constrói as
diferenças étnicas”158. A escola na aldeia não se resume num espaço distante da cultura
indígena, ou como um divisor de águas entre culturas, mas como uma possibilidade de
“contato” entre os conhecimentos tradicionais escolares e o conhecimento local específico de
cada comunidade indígena. Contato que pode tanto ser proveitoso e satisfatório como também
pode não ser uma boa experiência, a escola na aldeia tem esses impasses.
Sendo assim, a ambiguidade da escola, tanto no seu sentido como nos vários
significados que ela possui para os indígenas, não tem uma definição única, pois cada
comunidade indígena vai conceber a escola e dar seu significado conforme o que se deseja e
se espera dela. Ferreira159 argumenta que para compreender os indígenas no contexto de
escolarização, é necessário inseri-los nos seus meios particulares de viver.
A luta por uma educação diferenciada por parte dos povos indígenas tem sido a prova
de que a escola na aldeia não é alheia e muito menos distante das culturas indígenas, pois os
alunos atendidos na escola levam consigo toda uma bagagem de conhecimentos não formais
aprendidos na família, no terreiro, nas rodas de conversas com os mais velhos, nos rituais,
enfim, conhecimentos locais de sua cultura; e a escola pode sistematizar esses saberes.
Ferreira160 em estudo sobre a escola diferenciada do povo indígena Jiripancó no sertão de
Alagoas, salienta que devido à necessidade econômica, os Jiripancó buscam trabalhos nas
usinas de cana-de-açúcar do Estado, ou trabalham como meeiros em terras próximas a aldeia,
destaca que esses trabalhadores vêem na escola uma possibilidade de seus filhos, netos, não
trilharem o caminho do corte de cana no sul do Estado. Na visão do autor “[...] a escola passa

157
TASSINARI, A. M. I. Escola Indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de educação. In:
Antropologia, história e educação: a questão indígena e a escola/A. Lopes da; FERREIRA, M. K. L. (Orgs.) São
Paulo: Fapesp/Global/Mari, 2001, p. 50.
158
TASSINARI, A. M. I. Escola Indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de educação. In:
Antropologia, história e educação: a questão indígena e a escola/A. Lopes da; FERREIRA, M. K. L. (Orgs.) São
Paulo: Fapesp/Global/Mari, 2001, p.68.
159
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó, uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013.
160
Idem.
77

a ser um instrumento para o trabalho fora do corte de cana-de-açúcar e de relações de


dominação econômica local. A escola é um instrumento de profissionalização” 161.
Outro significado surge nas entrevistas com professores indígenas da escola, Ferreira
buscou saber o porquê da reivindicação por escola diferenciada, e a resposta foi “a exigência
dos povos indígenas para ter uma escola diferenciada é para que a escola fosse instrumento de
uso de fortalecimento da identidade e com isso formar pessoas que tenham condições e peito
para lutar pelos seus direitos, uma vez tirada pela própria escola”162. Outro ponto de vista
sobre a escola na aldeia evidenciou-se nos relatos do pajé Jeripancó. Ferreira destaca que o
pajé acredita ser a escola também responsável pela falta de interesse das crianças em
participar dos rituais na comunidade.

[...] Ele acha que uma educação feita para montar uma identidade do povo
está acontecendo na aldeia onde os valores indígenas são desconhecidos e o
povo que temos desvalorizado. Ele brinca: “daqui a pouco os índios vão
pensar que são americanos ao invés de jiripancó. De tanto ouvirem falar do
que é dos outros, esquecerem o que é nosso e com as escolhas ta cada vez
mais escasso jovem interessado em entrar na junta dos juncais”(SANTOS,
2008)163

Entende-se a ambiguidade da escola, do seu sentido e significado para os índios


Jeripancó. Além de a escola significar um meio para o sucesso material, o fortalecimento da
identidade étnica dos Jeripancó e também de preparação para a luta por seus direitos, também
se evidencia na visão do pajé uma ameaça, quando através do ensino de saberes externos a
aldeia, promove um distanciamento dos jovens em relação à cultura e religiosidade peculiares
a comunidade.
Ferreira acredita que para os Jeripancó “a busca da escola é para atender a vida
material. O autor se expressa dessa forma considerando que na comunidade as questões
espirituais específicas são dissociadas da escola, ou seja, a formação e preparação de um
juncaia164para a prática religiosa, não dependem da escola, e sim do terreiro e da sabedoria
dos mais velhos e dos próprios preceitos do Juncaismo, Religião especifica do povo

161
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó, uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. P. 30.
162
Ibidem, p.144.
163
Ibidem., p. 165,166.
164
Adepto do Juncaísmo. Essa religião só existe na comunidade Jeripancó. Durante a pesquisa de campo ficou
evidente que assuntos relacionados à espiritualidade Jeripancó não se evidenciam no currículo daescola. Quando
falamos de espiritualidade relacionamos ao Juncaísmo. Há uma resistência por parte das líderanças quanto a
determinados assuntos religiosos serem ensinados na escola.
78

Jeripancó. Mas quanto às questões que atendem as necessidades materiais, essas são abertas a
escola.
Considerando que o conceito de educação é amplo e que a educação não acontece
somente na escola, ou não está limitado apenas a uma educação institucionalizada165, mas
acontece em todos os lugares, “[...] convém lembrar que não é apenas a escola e nela o
professor de História, o responsável pela educação dos cidadãos, pois as bases dessa formação
já são trazidas à sala de aula pelos estudantes. Adquiridas e ampliadas nos espaços sociais que
o aluno frequenta [...]”166,o interesse pela escola diferenciada por parte dos povos indígenas
é para atender tanto suas necessidades materiais, devido o contato frequente com o exterior a
aldeia, como um meio de valorizar suas próprias culturas, além de adquirir os conhecimentos
necessários que os levem a se politizar e lutar por direitos diante da conjuntura Nacional, sem
perder a essência de suas próprias formas de vida, e é neste sentido que se busca uma
educação intercultural que valorize a cultura e crenças indígenas nos espaços escolares.
Segundo Brito167 a escola não tem o papel de “redentora das tradições indígenas”, não será ela
a ensinar ao indígena o que ele é, e concebe a educação intercultural como um desafio na
prática, destacando que a teoria muitas vezes se distancia da realidade prática.
A Educação Escolar Indígena institucionalizada no Brasil garante uma educação
diferenciada aos povos indígenas: além de incluir nos currículos escolares a temática da
cultura dos povos indígenas, a Legislação vigente garante de certa forma um avanço no que
concerne às relações étnico/raciais, pois permite um olhar diferenciado na história através da
valorização da cultura indígena nos espaços de educação formal. O papel do ensino de
História nesse contexto se torna um desafio, pois se busca a articulação de identidades e
saberes através dos currículos interculturais que privilegiam múltiplos saberes no currículo
escolar indígena, mas que não livra o choque de ambos, principalmente da disciplina História
que busca nesta árdua tarefa uma prática de ensino que não venha a tornar invisível a cultura
indígena no processo de ensino aprendizagem em espaços escolares indígenas.
O último capítulo a seguir apresenta a pesquisa realizada na escola da comunidade
indígena Jeripancó, sertão de Alagoas; buscamos através de uma pesquisa etnográfica

165
Educação ofertada na escola como saberes sistematizados. Para ampliar o conhecimento ver Carlos Brandão
(1991) que defende a educação como um conceito amplo, que acontece em todos os lugares, independente se é
institucionalizada ou não, ela está em todos os lugares.
166
MICELI, Paulo. Uma pedagogia da História?. In; O ensino de História e a Criação do Fato/ Jaime Pinsky
(org). 14ª Ed, 1 reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012. p.38.
167
BRITO, Edson Machado de. “Da escola isolada mista da vila do espírito santo à escola diferenciada entre
os Karipuna:entrelaçamentos na história da educação indígena”. In; Dossiê de ensino de história. Revista hoje
vol. 1 Nº 2, ISSN 1806-3993. Biênio: Agosto de 2011 a julho de 2013. P. 113. Disponível em:
<http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/index>
79

evidenciar um diagnóstico da prática de ensino de História nas turmas de 7º e 8º ano. As


discussões até aqui apresentadas farão parte do diálogo com as fontes e dados colhidos na
pesquisa de campo, com o intuito de analisar e problematizar o ensino de História nas
respectivas turmas, para assim compreender a configuração desse ensino ministrado na escola
dos indígenas Jeripancó.
80

CAPÍTULO 3 – O ENSINO DE HISTÓRIA NA ESCOLA DOS INDÍGENAS


JERIPANCÓ

Como está sendo trabalhado na prática o ensino de História na escola dos índios
Jeripancó? Quais são os temas selecionados nas aulas de História? O livro didático de
História se aproxima ou não da proposta de um currículo intercultural? É trabalhada a história
e cultura local dos Jeripancó nas aulas de História? Afinal, o ensino de História ministrado na
escola contribui ou não para a desconstrução de estereótipos negativos referentes aos
indígenas? Esses e outros questionamentos nortearam a pesquisa de campo do presente
trabalho de conclusão de curso.
A proposta deste último capítulo é abordar os resultados da pesquisa de campo,
analisando e problematizando os dados coletados, dialogando com as discussões do primeiro
e segundo capítulo, do presente trabalho de TCC sem perder o olhar sobre as especificidades
que poderão ou não, emergir como algo novo na presente pesquisa. O intuito é de realizar um
diagnóstico da prática de ensino de História nas turmas de 7º e 8º ano, fundamental II, da
Escola Estadual Indígena José Carapina, localizada na Aldeia Ouricuri, etnia indígena
Jeripancó, no município de Pariconha, alto sertão de Alagoas, Brasil. Para tanto, faz
necessário num primeiro momento descrever o cenário empírico da pesquisa, com um breve
histórico sobre a história da comunidade (formação étnica e territorial) e da escola (como é a
escola, como funciona, currículo, profissionais etc.); para estas finalidades ancoraremos no
Projeto Político Pedagógico168 e documentos normativos da escola; bem como a Monografia
de conclusão de curso de Licenciatura Plena em História, intitulado: “Território e Identidade:
processo de formação do povo Jiripancó”169 do autor indígena Cícero Pereira dos Santos170, e
a obra “A educação dos Jiripancó: uma reflexão sobre a escola diferenciada dos povos indígenas em
Alagoas” do autor Gilberto Geraldo Ferreira. E por fim, apresentar detalhadamente as
análises/problematizações, discussões e resultado da pesquisa realizada no ambiente escolar.

168
Sempre em fase de construção, porém já acessível para a comunidade escolar e pesquisas afins.
169
SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó.
Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena.
((antes de ser publicado).
170
“Cicinho Jiripancó” como carinhosamente é conhecido, pertence à etnia Jeripancó e faz parte atualmente da
coordenação da escola, também atua como professor de Língua Portuguesa, e é uma das lideranças indígenas do
conselho local da comunidade.
81

3.1. FAZER O CAMINHO ENQUANTO SE SEGUE: reconstruindo a metodologia da


pesquisa científica.

A metodologia científica consiste em orientar os caminhos mais adequados para a


realização de uma pesquisa. Sem a metodologia, os passos que rumará à pesquisa tornam-se
impossível. Entendemos como metodologia científica aquela orientada por um modelo de
pesquisa condizente com a teoria científica. Não se produz ciência sem um método, nisto
consideramos ser primordial que a pesquisa para ser considerada científica possua uma
metodologia. O método consiste num conjunto de atividades planejadas e bem estruturadas
que permitem ao pesquisador segurança e economia no trato com o objeto de pesquisa,
alcance dos objetivos propostos na pesquisa; é o método que direciona a pesquisa
científica171.
Neste sentido, a metodologia adotada neste trabalho de conclusão de curso consiste
numa pesquisa de cunho etnográfico. Segundo Mattos a etnografia,

[...] compreende o estudo pela observação direta e por um período de tempo,


das formas costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas, um
grupo de pessoas associadas de alguma maneira, uma unidade social
representativa para estudo, seja ela formada por poucos ou muitos
elementos, por exemplo: uma escola toda ou um grupo de estudo em uma
determinada sala de aula.172

Essa metodologia de pesquisa é oriunda da área da Antropologia, tem sido tomado de


empréstimo por outras áreas do conhecimento, tem contribuído para se compreender as
culturas, as especificidades locais, as relações cotidianas etc. dos objetos em estudo,
alcançando assim uma visão mais ampla e uma análise mais detalhada dos estudos em
questão, principalmente na área de pesquisa educacional173. Neste sentido o método
etnográfico lança um desafio ao pesquisador que é exatamente o convívio com seu objeto de
estudo e o contexto que o permeia, a experiência empírica vivenciada no dia a dia, que

171
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 5. ed. –
São Paulo: Atlas, 2003. P. 83.
172
MATTOS, Carmem Lúcia Guimarães de. “A abordagem etnográfica na investigação cientifica”. In;
Etnografia e Educação: conceitos e usos. MATTOS, Carmem L. Guimarães; CASTRO, Paula Almeida de.
(Orgs.) Campina Grande: EDUEPB, 2011. P. 51.
Disponível em: <static.scielo.org/scielobooks/8fcfr/pdf/Mattos-9788578791902.pdf >
173
Para um estudo mais aprofundado do uso da etnografia na pesquisa educacional ver: MATTOS, Carmem
Lúcia Guimarães de; CASTRO, Paula Almeida de. (Orgs.). Etnografia e Educação: conceitos e usos. Campina
Grande: EDUEPB, 2011.
82

possibilita uma gama de possibilidades de se conhecer/analisar/problematizar a realidade


estudada, abrindo um leque de possíveis respostas para os objetivos da pesquisa.
A pesquisa etnográfica caracteriza-se principalmente pelo trabalho de campo, ou
pesquisa de campo, que permite coletar dados para se alcançar os objetivos propostos. O
pesquisador precisa está inserido no ambiente do seu objeto de estudo como observador, com
escolha de posturas técnicas como: observação participante, fazendo parte ativamente das
ações que envolvem sua pesquisa, muitas vezes modificando o ambiente com propostas de
ações a fim de resolver problemas etc.; ou, observação não participante, ou seja, que adquire a
postura de espectador, sem interferir na realidade empírica pesquisada, suas ações consistem
somente em observar, ouvir, registrar as ações, anotar, e analisar sem participar ativamente
das ações que envolvem seu objeto de estudo, não se contempla nesta perspectiva o agir, ou
fazer parte das ações.174
A postura de observação não participante, adotada na presente pesquisa, consistiu em
está inserido no cotidiano das pessoas, porém sem interferir diretamente neste cotidiano. Essa
modalidade na pesquisa de campo não distancia o pesquisador da experiência vivenciada, pois
a convivência cotidiana e a observação no ambiente do seu objeto de estudo possibilitam a
aproximação com a realidade prática através da experiência. Larrosa salienta que “a
experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de
antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem pré-
ver nem pré-dizer”175. Portanto, considera-se que tanto a observação participante ativa quanto
a não ativa possibilitam a experiência que, como afirma Larrosa, é um caminho para se chegar
ao que não se conhece de antemão, por isso a necessidade da pesquisa de campo, da
observação do objeto de estudo no seu contexto, do vivenciar experiências reais através do
olhar, do sentir, do presenciar, do registrar e analisar o cotidiano das ações etc. no presente
trabalho.
Para tanto, realizamos uma pesquisa etnográfica, caracterizada por um trabalho de
campo com duração de três meses, observando o cotidiano escolar e todas as aulas de História
realizadas nas turmas de 7º e 8º ano176 durante este período, perfazendo o total de 29 aulas

174
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de Pesquisa: planejamento e execução
da pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 7. Ed. -5 reimpr.-
São Paulo: Atlas, 2011. P. 76-79.
175
LARROSA, Jorge Bordiá. Notas sobre a experiência e o saber de experiência (Revista Brasileira de
Educação) 2002. Disponível em: <WWW.scielo.br/scielo.php?script=51413-24782000100003>. Acesso em: 06
de fevereiro de 2017.
176
Optamos por estas turmas, devido os conteúdos de história do Brasil destinados a estas séries; também devido
o fator da diferença étnica dos dois professores de história atuantes nestas turmas; o professor do 8º ano é
indígena Jeripancó, e a professora do 7º ano não é indígena. O intuito não é estabelecer uma comparação
83

observadas com duração de 50 minutos cada, confeccionamos um diário de campo;


realizamos uma pesquisa serial nos diários de classe das referidas turmas, sendo serializados
nove diários. Durante a pesquisa analisamos dois livros didáticos de História de uso do aluno,
destinados para os anos de 2014, 2015 e 2016; aplicamos questionário com questões abertas
para respostas dissertativas e realizamos entrevista dialogada com dois professores da área de
História, uma ensina na turma de 7º ano, e o outro ensina na turma do 8º ano, séries do ensino
fundamental II. O propósito da pesquisa é compreender a configuração da prática do ensino
de História na Educação Escolar Indígena dos índios Jeripancó, entre os anos de 2006-
2016.177
Os critérios para análise dos dados coletados no geral consistiram em problematizar: a)
quantas vezes a temática indígena é evidenciada nas práticas de ensino; b) o recorte temporal
em que aparece nos materiais didáticos e na História ensinada; c) os cenários; d) o perfil dos
indígenas; e) as situações sociais em que os indígenas aparecem nos materiais didáticos e no
ensino; f) existência versus inexistência de conflitos quanto ao indígena na História178. A
partir desses critérios junto com o referencial teórico dos capítulos anteriores, buscamos
analisar os dados coletados, a fim de compreender qual configuração esse Ensino de História,
nas turmas do 7º e 8º ano, adquiriu durante 10 anos de implementação do ensino fundamental
II na Escola Estadual Indígena José Carapina.
É compreensível denominarmos de complexa a presente pesquisa, visto que entender
o ensino de História na Educação Escolar Indígena é algo muito específico, e não é fácil de
ser analisado por um único instrumento de coleta de dados, pois haveria assim uma
simplificação desse objeto. Havendo um compromisso ético da pesquisa com o entendimento
desse objeto, foi importante adotar diferentes procedimentos, para se costurar uma
metodologia, que ao final fornecesse uma série de dados para analisar esse objeto tornando-o
complexo.

hierárquica entre os professores, mas em entender as práticas de Ensino de História que cada um desenvolve nas
turmas analisadas, e assim compreendemos quais as configurações desse ensino.
177
A escolha do ano 2006 como início do marco temporal da pesquisa, teve respaldo nas informações dos
professores e direção da escola pesquisada, afirmaram que foi em 2006 o inicio do ensino fundamental II na
Escola Estadual Indígena José Carapina. Devido à reforma estrutural do prédio principal, alguns documentos
foram extraviados, e infelizmente não foram encontrados registros documentais referentes ao ano de 2006 na
escola; tivemos que nos valer da memória e oralidade desses professores e do diretor, atuante na direção da
escola desde 2003.
178
Os critérios aqui estabelecidos foram adaptados ao presente trabalho de conclusão de curso; estão embasados
em GOMES, Gustavo Manoel da Silva. A cultura afro-brasileira como discursividade: histórias e poderes de um
conceito. (Dissertação de Mestrado em História Social da Cultura Regional). Universidade Federal Rural de
Pernambuco, Departamento de História, Recife, 2013.
84

Para uma melhor explanação descreveremos como se deu o processo de coleta de


dados, como foi utilizado cada instrumento na presente pesquisa; assim como apresentar cada
pacote de dados coletados. Assim, os instrumentos de coleta de dados adotados consistiram
em: questionário com perguntas abertas para respostas dissertativas; entrevista dialogada;
realização de uma pesquisa serial nos diários de classe das turmas de 7º e 8º ano, ensino
fundamental II; análise de livros didáticos e confecção de um diário de campo a partir de
observação em sala, das aulas de História nas referidas turmas.
A escolha por estes instrumentos não se deu de modo aleatório, a aplicação do
questionário com 13 questões dissertativas, teve como objetivo tanto conhecer o perfil dos
entrevistados de modo mais abrangente, quanto as suas concepções na área educacional e em
específico na área do ensino de História. O questionário foi de grande valia para a presente
pesquisa, visto que, possibilitou um entendimento sobre as concepções educacionais desses
profissionais, assim como a formação profissional dos mesmos, o que influencia e muito na
prática de ensino. O desafio em aplicar o questionário aos dois professores consistiu no receio
de obter respostas curtas, considerando que os mesmos sempre alegavam falta de tempo
suficiente para responder as questões de modo satisfatório.
A entrevista que caracterizo como dialogada, teve como objetivo buscar responder
questões mais específicas sobre o objeto de estudo em questão, o que não foi perceptível
alcançar no questionário, buscamos coletar durante a entrevista dialogada. A escolha desse
instrumento de coleta de dados veio como complemento ao questionário, visto que geralmente
os problemas mais comuns quanto à aplicação de questionário ocasiona em respostas curtas,
limitadas e muitas vezes maquiadas por parte do entrevistado.
A entrevista dialogada caracterizasse pela possibilidade de relação horizontal entre
pesquisador/entrevistado. A entrevista parte de um diálogo antecipado sobre assuntos
diversos, com o intuito de driblar o nervosismo e a ansiedade do entrevistado, criando antes
de tudo um ambiente acolhedor; uma relação não hierarquizada entre pesquisador/pesquisado.
Dentro deste contexto acolhedor, o pesquisador vai introduzindo as perguntas desejadas,
sempre possibilitando ao entrevistado a liberdade de responder sem pressa e sem interrupções.
Parece haver uma aproximação muito similar com a entrevista semi-estruturada, porém o que
a diferencia é que esse diálogo não é iniciado somente no momento em que vai acontecer a
entrevista, o pesquisador deve manter essa aproximação com o sujeito entrevistado
dialogando muito antes do momento da entrevista, preparando-o psicologicamente e
ganhando sua confiança; faz parte do método etnográfico.
85

Isso não significa dizer que essa maneira de entrevista, que classificamos de dialogada,
não tenha falhas, lógico que todo instrumento de coleta de dados possui suas limitações, no
entanto o pesquisador precisa buscar meios de adequar os instrumentos a realidade do seu
objeto de estudo, o que se constatou na presente pesquisa com o referido instrumento de
coleta de dados, ele foi adaptado a realidade empírica da pesquisa em questão, por se
constatar que a forma de entrevista semi-estruturada não daria conta dos objetivos propostos
na investigação, por que durante o período da observação, os professores quando convidados
para ser entrevistados, demonstraram nervosismo e insegurança para falar do tema, mesmo
sabendo dos objetivos da entrevista; por isso a tática de prepará-los psicologicamente, como
também ganhar de certa forma a confiança dos mesmos para tratar de questões que envolvem
suas próprias práticas e concepções como profissionais na área da educação.
As dificuldades nas entrevistas consistiram na falta de tempo dos professores, além do
ambiente das entrevistas que tiveram de ser realizadas na própria escola, durante o intervalo
das aulas, num tempo de 20 minutos, numa sala minúscula onde funciona a biblioteca, e
comportam os materiais pedagógicos, armários de fichários etc.; por isso foi importante a
tática do diálogo para ganhar confiança muito antes das entrevistas, como também o diálogo
descontraído antes de apertar o “play” e gravar a conversa; foi o que aconteceu nas entrevistas
de ambos. Mesmo diante do barulho dos alunos no pátio, numa sala pequena, a entrevista
fluiu tranquilamente.
Foi necessário realizar uma pesquisa serial nos diários de classe durante o período de
observação participante na escola; pretende-se compreender através da pesquisa realizada
quais os temas que foram mais trabalhados no ensino de História das referidas turmas, desde o
inicio da implementação do ensino fundamental II (2006 a 2016) ofertado na escola. Com
uma pesquisa qualitativa busca-se analisar se a história e cultura local específica do povo
Jeripancó está sendo contemplada conforme as propostas curriculares interculturais
referenciadas para as escolas de categoria indígena. A proposta é quantificar todos os temas,
separando-os entre: a) saberes específicos da comunidade e b) saberes históricos gerais,
buscando identificar quais os temas mais abordados em sala de aula. Em seguida analisar
qualitativamente a contribuição destes temas para as propostas interculturais referenciadas
para o ensino de História em escolas indígenas.
Quanto aos problemas e dificuldades, alguns diários não foram encontrados na escola,
segundo o diretor, devido à reforma do prédio escolar, muitos documentos foram extraviados
da instituição, o mesmo alega que a falta de vigilância contribuiu para o ocorrido. Muitos dos
diários que foram encontrados não estão preenchidos adequadamente ou nem estão
86

preenchidos, alguns constam apenas os nomes dos alunos e seu respectivo número de
chamada. Diante disso, encontramos dificuldades para se trabalhar com a pesquisa serial,
visto que muitos dos documentos estão incompletos, todavia, buscamos através do material
encontrado e disponível, ao todo nove diários, realizar a pesquisa considerando que esses
diários nos aproximam do objetivo a que buscamos chegar nesta pesquisa de TCC.
A análise dos livros didáticos de História das turmas de 7º e 8º ano teve como objetivo
compreender como o indígena é representado na narrativa histórica dos exemplares, com
critérios como: quais os cenários em que aparecem; quando e como são apresentados; sob
quais concepções teóricas, conceitos, lugares sociais; como são referenciados na narrativa
histórica e se é estereotipado ou não. Buscaram-se esses critérios de análise considerando a
importância que o livro didático possui para a prática de ensino na escola, como também
analisar se os exemplares contemplam a perspectiva de proposta intercultural em sua escrita,
visto que as propostas para a construção do currículo em escolas de categoria indígenas são de
referência intercultural.
As dificuldades apresentadas quanto à análise do livro, foram justamente a falta de
exemplares suficientes para ambas as turmas, e, não tendo livro suficiente para a demanda dos
alunos, consequentemente não tinha livro sobrando para realizar a análise; tivemos que
negociar horários e datas com os professores para ter acesso aos exemplares, além da falta do
livro didático “manual do professor” o que queríamos de fato analisar, mas, não sendo
possível, analisamos o destinado ao aluno, também utilizado pelos professores. Segundo a
Direção escolar, essas situações são comuns na escola, apesar dos apelos pela devolução dos
livros para uso de outros alunos no ano seguinte, muitos ao término do ano letivo não
devolvem os livros didáticos. E como os livros analisados já estavam em seu último ano de
uso, poucos exemplares ainda circulavam na sala entre os alunos que se revezavam ou
formavam grupos para acompanhar as aulas e realizar suas atividades em sala de aula.
Outro instrumento utilizado na pesquisa e coleta de dados foi o diário de campo,
confeccionado a partir das observações das aulas de História nas já referidas turmas a cima;
esse instrumento primordial para o trabalho do etnólogo foi de grande relevância na pesquisa
em questão, pois possibilitou a iniciante pesquisadora a experiência particular com os sujeitos
da pesquisa, ou melhor, com o grupo étnico Jeripancó. A vivência cotidiana e reflexões
durante a observação das aulas de História foram riquíssimas, no sentido de analisar as
relações e interações ou não da História ensinada com a realidade dos sujeitos envolvidos no
processo educativo escolar.
87

Também possibilitou observar quais as características desse ensino de História, os


materiais, temas e metodologias trabalhadas durante as aulas, se atendem realmente a uma
perspectiva de educação intercultural ou não, se há uma proximidade desta perspectiva ou se
manifesta outras características imbuídas neste ensino. Enfim, a experiência vivenciada
durante a pesquisa de campo, o questionário, as entrevistas, a pesquisa serial, a análise dos
exemplares didáticos de História e o diário de campo levaram a reflexões e entendimentos
mais abrangentes quanto à configuração do ensino de História na escola dos Jeripancó.

3.2. UMA NARRATIVA ÉTNICA: breve relato sobre a história do povo Jeripancó

A história do povo Jeripancó é marcada pela violência e opressão de um sistema


político econômico que buscou (e ainda sob novas formas, busca) por séculos exterminar o
elemento índio, negando direitos e desrespeitando as formas de vida tradicionais e sistemas
culturais alheios a uma concepção elitista de sociedade homogênea, branca e de base ética e
moral cristã. Mas, esta história também é marcada pela luta, resistência e protagonismo em
meio a cenários contrários a sua sobrevivência como etnia indígena.
A etnia indígena Jeripancó foi reconhecida oficialmente pelo Estado Nacional no ano
de 1982179, e atualmente ocupa uma área de 215 hectares de terra, na zona rural do município
de Pariconha, que fica a 330 km da capital Maceió no Estado de Alagoas. A comunidade foi
formada no final do século XIX tem sua origem na etnia Pankararu, localizada no Agreste
Pernambucano, que atualmente constitui-se um tronco familiar em que descendem da mesma
árvore genealógica, outras etnias no cenário Nordestino. Brito em Relatório sobre os
Jeripancó salienta que:
Os índios são remanescentes dos Pancararú de Petrolândia em Pernambuco
(Brejo dos Padres) (...) a grande prova de continuidade de famílias está no
convívio entre eles quando se deslocam para participar das festividades no
Brejo, assim como os Pancararú vêem aos rituais festivos em Geripancó (...)
fomos informados por seu João Tomás Santos, cacique das aldeias
Espinheiro, Macaco, Barracão, Serrinha, Logrador e Barriguda que na época
do oficial chamado Cavalcante (perseguidor dos índios) a família de Zé
carapina correu de lá (Brejo dos Padres) (...) outro informante foi o Sr.
Antônio Moreno da Silva que nos acrescentou: os Geripancó fizeram uma
maloca no Ouricuri onde compraram a terra e depois dividiram a herança da
terra180

179
SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó.
Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. p.
28.
180
BRITO, Maria de Fátima. Relatório Antropológico da Terra Geripancó. Recife: Fundação Nacional do
índio, 1993-FUNAI. P 3. Apud SANTOS, Cícero Pereira. Território e Identidade: processo de formação do povo
Jiripancó. 2015 (Monografia)
88

O processo que deu origem ao povo Jeripancó consiste numa história entrelaçada com
o aldeamento de Brejo dos Padres que foi extinto ainda no século XIX, sob a influência da Lei
Nº 601 de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras) que corroborou para a invasão das terras
não só desse aldeamento, mas de vários outros que ainda sobreviviam naquele período. Entre
outros motivos, esta Lei promoveu violências imensuráveis contra os povos indígenas e
consequentemente a fuga de muitos índios em busca de lugares propícios a sua sobrevivência.
Fato que ocorreu com o indígena José Carapina e sua família que ao fugir da violenta
ocupação da Aldeia Brejo dos padres, se estabeleceu no sertão de Alagoas. No Relatório
Antropológico, Brito baseado no relato do cacique Jeripancó Genésio Miranda da Silva,
retrata:
Quando chegou (Zé Carapina) ao pé da Serra do Brejo, ia correndo e
encontrou uma menina moça por nome de Izabel. Ela ia do Capela para o
Brejo. Ele contou o que estava acontecendo lá e a chamou para fugir, ela
“num quis” desceu a serra e viu o fogaréu na aldeia, voltou e alcançou meu
bisavô, desceram pela tapera rumo ao Moxotó, atravessaram o riacho e
subiram. Aqui no Olho D’água de Baixo encontraram um fazendeiro, o
Major Marques, os dois pediram apoio, o fazendeiro não sabia o que estava
acontecendo no Brejo. Vá, procure um lugar e fique, melhor, siga rumo as
duas serras grandes, lá tem uma fonte, fique e olhe meus bichos que se der
certo, por lá, logo apareço. Chegou lá encontrou a fonte de água salobra
onde os bodes, ovelhas e bois dormiam. Ali ele ficou com Izabel. Fez uma
taperinha para se esconder com a mulher. Chegou família. Ele fez uma
rocinha cercada com galhos de árvores para sustentar sua família pequenina.
O Major Marques viu e não gostou, exigiu que Zé Carapina tirasse o que
pudesse e abrisse a cerca para que os seus animais comessem o resto. Zé
Carapina resistiu. O Major foi à inspetoria que ficava na vila de Pariconha
dar queixa- Não quis tomar providencias sozinho porque outras pessoas
também tinham visto o trabalho de Zé Carapina. Relatou o problema, o
Barão discordou e disse que não era certo acabar com a roça do Zé Carapina,
isso é crime, o que você pode é entrar em acordo, sugeriu que lhe desse 3
matrizes de cabra e um reprodutor, esse deveria servir para que tivesse
condições de fazer o acordo sobre a terra que ocupava. Com 4 anos o Major
o procurou, viu que os animais tinham rendido. O Barão intermediou a
venda e arrumou um comprador. Aí Zé Carapina vendeu apurou tanto
dinheiro que nunca tinha visto, porém não dava para negociar, foram800 réis
e o dinheiro ficou em posse do Barão que mandou chamar o Major. Mostrou
a quantia, mas o Major quis bem mais, o Barão completou, mas pediu uma
área maior. Então o major deu os limites em averbação com uma posse de
terra do pé da serra para fora. Se a terra foi vendida por Ana Vieira do
Nascimento, então os registros que constam haver o território, são sem
valia?181

181
BRITO, Maria de Fátima. Relatório Antropológico da Terra Geripancó. Recife: Fundação Nacional do
índio, 1993-FUNAI. P 10. Apud SANTOS, Cícero Pereira. Território e Identidade: processo de formação do
povo Jiripancó. Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura
Intercultural Indígena. p. 30.
89

Segundo Santos182 com a ajuda do Barão de Água Branca, Zé Carapina conseguiu


comprar a terra num total de 1.100 hectares, e registrá-la conforme Certidão do Cartório de
Imóveis de Água Branca em Alagoas na data de 15 de novembro de 1894. Sendo através
dessa compra que se delineou o “corpo material” da etnia Jeripancó. Porém para ter valia era
preciso ocupar o território comprado, visto ser a compra simbólica; a partir disso, começaram
a chegar outros indígenas, parentes da família, que junto com Zé Carapina e sua família
começaram a ocupar o território.
É importante salientar que, de início não pretendiam formar outra aldeia e uma nova
etnia, o intuito era buscar meios de sobreviver em paz diante de um cenário de violência que
vivenciaram com a extinção do aldeamento do Brejo dos Padres. Em depoimento do cacique
Genésio dos Santos, bisneto do Zé Carapina, fica claro as intenções da fuga; declara o mesmo:
“foi fugindo de um revoltoso que matava, batia e prendia os índios que meu bisavô Zé
Carapina Chegou a serra do Ouricuri”183, com a chegada de novas famílias foi se delineando o
aldeamento. Após a morte de Zé Carapina seus filhos herdaram a terra; e da descendência dos
seus filhos, nasceram às famílias: Gomes, Quintino, Alexandre e Miranda que repartiram a
terra entre si; porém as famílias que vieram habitar o território junto a Zé Carapina
permaneceram sendo apoiados numa espécie de coletivo.

Assim inconscientemente a nova aldeia estava formada com famílias


(quatro) irmãs e quatro complementares. Para se dizer que a ocupação do
território foi estratégica e se deu num tempo bem mais tardio, boa parte das
famílias se concentrou dentro do território adquirido, outros ficaram noutra
região, a exemplo da família cristove, que habitou a região do Moxotó no
Poço da Areia, onde já viviam antes da ocupação de Pancararú, em 1893,
fora dos limites do Major Marques, eram em Pernambuco, com parte em
Alagoas, depois foram para a serra do pajeú na comunidade de Serrinha, mas
nunca se perdeu o contato com Pankararu. Dessa maneira nasce Jiripancó.184

Para Santos a aldeia e formação do povo Jeripancó, nasceu a partir da chegada das
primeiras famílias e seus descendentes. É notório que essa forma de pensar a datação da
origem da comunidade se remete tanto a questão da terra como a questão da identidade. Na
questão da terra, consta que alguns herdeiros foram pressionados por autoridades e

182
SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó.
Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. p.
16.
183
Ibidem, p. 17.
184
Ibidem, p. 15.
90

fazendeiros da região a venderem sua herança, havia também à prática de grilagem185 e o


coronelismo186 que prevalecia na região, o que resultou em questão de anos a perda de mais
da metade do território que foi adquirido por Zé Carapina por título de compra em 1894; do
que restou “dos 1.110 hectares tem-se apenas 215 para uma população que já passa de 1070
pessoas na aldeia principal (Ouricuri), e cerca de 2.270 no total geral, distribuídos nas aldeias
desse povo”.187
Na questão da identidade étnica, Santos esclarece que por muito tempo os índios que
sofreram o amargo terror da perseguição e violência na extinção da aldeia do Brejo dos Padres
negaram ou esconderam sua identidade indígena por questões de segurança, medo das
repressões e a busca por melhores condições para sobreviverem e manterem suas famílias,
uma estratégia em meio à adversidade que vivia no momento; pois os estereótipos lançados
sobre os indígenas, o grande preconceito social e a perseguição pelas Leis contrárias aos
povos indígenas também foram contribuintes para a ocultação da identidade étnica. Foi o que
aconteceu com Zé Carapina e sua família, no entanto praticava suas crenças e rituais
particularmente; não perderam sua identidade indígena, nem suas raízes de origem. Santos
salienta que:

A negação da identidade foi a melhor saída contra o sistema articulado nas


mãos dos poderosos, graças a isto puderam desviar o foco das perseguições
se autodenominando caboclos. Isso na nomenclatura regional é aceitável
onde todos independentes da etnia são assim denominados ou simplesmente
são chamados de sertanejos. Com isso não tinham a necessidade de se
esconder ou enfrentar certas repressões e, enquanto isso, continuavam com
suas celebrações ritualísticas, fossem na aldeia Ouricuri, ou em alguma que
pertencia a Pankararú188

Durante muitos anos permaneceram no anonimato, mas, mesmo com todos esses
impasses, a aldeia prevaleceu e a identidade étnica foi preservada. A partir do inicio do século
XX, com a criação do SPI em 1910 e a partir do reconhecimento étnico da etnia indígena

185
Consiste em falsificar documentos, e envelhecê-los em caixas com grilos, dando a aparência de documentos
antigos, para legitimar a posse fraudulenta e irregular de terras.
186
Sistema de poder político, econômico e social da elite agrária predominante nas zonas rurais do Brasil; teve
seu desenvolvimento no final do século XIX e início do século XX, através do regime representativo do voto.
Caracterizado pelo Mandonismo, “filhotismo” e o chamado “voto de cabresto”. Para um maior entendimento
deste conceito referenciamos: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime
representativo no Brasil. São Paulo: Alfa e Omega, 1975.
187
SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó.
Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. p.
36.
188
Ibidem, p. 63.
91

Fulniô em Águas Belas no Estado de Pernambuco em 1926, delineou-se um cenário nacional


mais favorável em que vários povos (exemplo os Pankararú que foram reconhecidos em 1940
e contribuíram na luta por reconhecimento dos outros povos no Nordeste e principalmente os
de Alagoas) se reafirmaram como indígenas e passaram a reivindicar território e
reconhecimento étnico perante o Estado Nacional. Dentre estes povos, o povo Jeripancó
mediante muita luta, resistência e protagonismo tiveram o reconhecimento étnico pelo Estado
Nacional em 04 de Abril de 1992, com seu território original reduzido a menos da metade do
que se tinha no ato da posse de compra por Zé Carapina em 1894.

3.2.1. O nome Jeripancó

De 1894, marco inicial da formação da aldeia Ouricuri, até a década de 1980, os índios
não usavam a nomenclatura Jeripancó, eram chamados de “Pankararú desterrados” devido sua
origem no aldeamento Brejo dos Padres. A história do nome está estreitamente ligada ao
nome Pankararú descende de um dos povos que compôs o aldeamento Brejo dos padres no
século XIX. Santos189 esclarece que a comunidade não se auto denomina filha de Pankararú,
mas irmã, visto que descende das etnias que compôs o aldeamento de onde nasceu Pankararú
e não necessariamente nasce dele. Há ligação por herança e origem ancestral, mas são
independentes quanto à questão da auto-afirmação étnica.
O significado do nome Jeripancó traduz-se: JERI= povo, PANCÓ= grande e tem
ligação com o nome Pankararu. “O etnômio Geripancó/Jiripancó é parte do nome pankararú,
lembrando que sua história está ligada a outros povos, grupos indígenas que formaram a
unidade pankararú (Pancaru, Jiritacó, Calancó, Umã, Canabrava, Tatuxí de fulô)” 190; a
escolha do nome constituiu-se da seguinte forma no relato do cacique Jeripancó Genésio
Miranda da Silva:
Quando levamos ao conhecimento das autoridades a existência da nossa
aldeia só “sabia” que “nois” tinha vindo Do Brejo dos Padres, lá de
Pancararú e não tinha saber que era seis nomes que formava aquela nação
(...) Foi eu e Elias Bernaldo o Pajé, ainda em 1982 para Brasília quem
convidou foi “nois” foi o pessoal de Palmeira dos Índios. Miguel celestino
Xucuru-Cariri que já era velho na luta, o Ibis menino lá de Wassu,
Geovátambém, Cícero Duruanda de Colégio, Juarez Carapotó, esse pessoal

189
SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó.
Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. p.
19.
190
ARRUTI, 1996, P. 33-34; Apud, SANTOS, Cícero Pereira dos. Território e identidade: processo de
formação do povo indígena Jiripancó. Palmeira dos índios. UNEAL, 2015. Trabalho de Conclusão de Curso
de Licenciatura Intercultural Indígena. p. 16.
92

todo (...) Quando “chegamo” lá “tivemo” sorte, encontrei João Tomás da


Serrinha dos Caboclos Pancararú-Antônio Moreno e João Binga e Comadre
Maria Berto (...) foi uma alegria, aí não faltou mais nada, encontrou “nois”
de Alagoas e eles lá de Pernambuco, todos já “sabia” que Elias e eu “tava”
em busca do reconhecimento (...) então quando chegou a hora, o pessoal de
Alagoas chamou Elias, eu e o outro pessoal de Pancararú e “pediro” a eles
que ajuda-se “nois”, “oxente” foi na hora, até que João tomas fez duas
perguntas. Quem era os “responsáveis” pela tradição e a luta e eu mi
apresentei como cacique e Elias como Pajé (...) pediram uma prova se Elias
sabia da tradição, veja que coisa besta? Elias criado no piseiro da velha
Maria Chulé, num ia saber da tradição? Deu no ponto, oxente até uns índios
de outras áreas que “tavam” no local dançaram mais “nois”, o pessoal
aprovou. E a outra pergunta foi de qual era o nome escolhido para apresentar
as autoridades, aí eu cocei a cabeça. Mas muié tem pantim do diabo (risos),
Quitéria Binga disse: “então” não pode registrar como vai ficar? Registrar
como Pankararú, eu não aceito, aí o João Tomaz tomou a palavra e disse:
tem uma solução para vocês e ninguém pode proibir é um direito de vocês.
Veja o nome de Pankararú é: Pancaru Geritacó Calancó Umã Canabrava
Tatuxi de Fulô- aí todo mundo botou as “mão” na cabeça e disseram: eita
rapaz é mesmo. Ta tudo bem agora. Agora ta na vez de vocês mesmos
Pancaru, o restante pode, então escolhemos Jeripancó/ ou Jiripancó o
segundo irmão de Pancaru, então essa é a história do nome do nosso povo,
que vem de uma raiz antiga dos índios livres e assim ficou Jiripancó da
Samambaia ou Geripancó.191

Essa é a história do nome Jeripancó relatada pelo então Cacique da aldeia; a citação
nos revela as formas de reconhecimento étnico entre os próprios indígenas de etnias
diferentes, não cabendo neste estudo o aprofundamento da questão, vale ressaltar que a fala
do Cacique é bem esclarecedora quanto à escolha do nome Jeripancó. Nesta citação também
se observa a “união” e “solidariedade” dos povos indígenas em busca por reconhecimento
nesse período. Em suma, o nome Jeripancó deriva de Geritacó/jiritacó, é um dos nomes que
compõe a Família Pankararú, portanto povos irmãos de cultura e rituais semelhantes, porém
independentes quanto à auto-afirmação étnica.
Um fato curioso e que despertou a curiosidade da presente pesquisadora são as
variações de escrita do nome da etnia: Jeripancó/Jiripancó/ Giripancó/ Geripancó e em alguns
documentos da escola o “c” é trocado pelo “k” no final do nome, como também é usado nas
variações da escrita supracitada. Na pesquisa serial nos diários da escola foram percebidas
essas variações, assim como em documentos oficiais e registros de entrevista com pessoas
mais velhas da comunidade, também em referências bibliográficas utilizadas no presente
trabalho de autores que pesquisaram a comunidade, inclusive no referido trabalho que
tomamos por base para trazer esse breve histórico da comunidade, o autor Cícero Pereira dos

191
Depoimento de Genésio Miranda da Silva. Pinhancol, Setembro 2006; Apud, SANTOS, Cícero Pereira dos.
Território e identidade: processo de formação do povo indígena Jiripancó. Palmeira dos índios. UNEAL,
2015. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. P. 18.
93

Santos opta pela nomenclatura Jiripancó e ressalta ser a sua escolha um gesto de trazer à
memória a forma como os mais velhos se autodenominaram.
Da mesma forma Gilberto Geraldo Ferreira também optou pela mesma forma de
escrita e sob os mesmos motivos, mas não trazem uma discussão sobre essas variantes na
escrita e na pronúncia considerando o “i” e ou “e” na escrita dos nomes. Neste trabalho
optamos pela variante Jeripancó, considerando que o nome tem várias formas de escrita e
duas formas de pronúncia, mas permanece o mesmo significado original.

3.2.2. Ser, sentir e viver: aspectos culturais e crenças dos Jeripancó

Na comunidade a cultura está intimamente ligada aos rituais religiosos que fazem
parte do cotidiano vivido, reafirmando suas relações com o sagrado e fortalecendo a
identidade étnica e cultural dos Jeripancó. Apoiaremos-nos na pesquisa e nos relatos de
experiências do historiador Gilberto Geraldo Ferreira para trazer neste trabalho um breve
relato do cotidiano dos espaços culturais, religiosas e de auto-afirmação étnica na aldeia
Ouricuri do povo Jeripancó. Ferreira destaca que ao se aproximar do cotidiano dos Jeripancó
identificou que “[...] o ritual faz parte da cultura que se transmite no dia-a-dia e que se
relacionam as outras relações socioeconômicas e políticas do povo Jiripancó”192.
Entre os espaços geográficos considerados sagrados na comunidade se destacam o
“poró” e o “terreiro”, nestes perpassam quase todos os rituais e que há distinções entre estes
espaços no universo religioso Jeripancó, mas não são dissociados um do outro. O poró
constitui-se um lugar sagrado na comunidade Jeripancó, é uma construção de alvenaria, uma
pequena casa, espaçosa, feita de blocos de cimento e coberta por telha de cerâmica, onde se
realizam quase todos os rituais fechados à comunidade, somente quem tem permissão pode
freqüentar o espaço; nem todos da comunidade podem participar de certos rituais, este espaço
só pode ser adentrado por homens e apenas algumas mulheres (a depender de suas posições
religiosas), é o lugar onde acontece as reuniões concernente as questões religiosas, um espaço
onde convivem o real e o sagrado. Ferreira salienta que:
É um lugar silencioso, de muito respeito, no qual alguns buscam refúgio para
a reflexão, dado o fato de que se trata de um lugar tido como cercado de
energias, transmissor de paz, segurança e tranqüilidade, capaz de reestruturar
a mente e o corpo. Assim nos sentimos quando lá estivemos.193

192
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó: uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 69.
193
Ibidem, p. 73.
94

O terreiro por sua vez constitui-se num espaço geograficamente variado, na


comunidade há 04 terreiros com tamanhos e formatos diferentes, geralmente são de chão
batido bem varrido tanto com vassouras de palha de ouricuri como com vassouras de mato (
espécies de carqueja, vassouras de brejo, vassourinhas etc.) segundo Ferreira podem chegar a
“aproximadamente 50 metros quadrados”, a depender do espaço. “Trata-se de um lugar de
encontro do povo para comemorar, dançar, festejar, celebrar. O terreiro é acima de tudo, um
lugar sagrado onde acontecem principalmente os rituais religiosos abertos ao público,
simultaneamente aos festivos profanos e aos rituais de sacrifício”194. O terreiro também
representa a resistência indígena diante da cultura não indígena; sabemos que mesmo com o
contato direto com a sociedade não índia e a mistura de crenças e símbolos cristãos e
indígenas (a exemplo da cruz nas vestimentas dos praiás), isso não modifica ou não tira o
significado do ritual que é totalmente indígena. Neste sentido, “mesmo em condições
diferentes do ponto de vista cultural ou de lugares e posições desiguais, os índios mantiveram
o terreiro como lugar de encontro para as permanências culturais” 195
; no terreiro se
manifestam a resistência do povo Jeripancó às mudanças recorrentes do contato com culturas
diferentes, O terreiro abriga a permanência de memórias ancestrais, das tradições, crenças e a
valorização étnica e cultural, algo único e específico do povo Jeripancó.
O toré praticado no terreiro também expressa a vivacidade da comunidade, se expressa
numa dança ritualística em cantos festivos de divertimento para os índios, tem a função de
reunir toda a comunidade sem restrições de idade, um convite a diversão que envolve
crianças, jovens, velhos e adultos numa dança e cantos que fortalece o sentimento de
pertencimento étnico desse povo. As figuras que se destacam no toré e nos rituais são os
praia; para Ferreira é muito difícil descrever e dar uma resposta para o significado do praiá
por representar o segredo na religiosidade Jeripancó, e salienta que: “O praiá é uma
representação da divindade, é o encantado quem recebe um nome, incorporado
simbolicamente por um ser vivo para representá-lo com vestimenta própria e única.
Representa o material do mensageiro chamado também de “espírito-encantado”196.
O praiá é denominado pelos índios como divindade, no sentido material é reconhecido
pela vestimenta que se caracteriza numa indumentária feita da fibra de uma planta chamada
caroá, nativa da região, que cobre todo o corpo do índio escolhido pelos encantados, na
cabeça um cocar de penas de aves nativas da região, nas costas por cima da roupa de caroá

194
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó: uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 75.
195
Ibidem, p. 75.
196
Ibidem, p. 80.
95

tem um tecido, espécie de bandeira, geralmente com pintura de símbolos cristãos (a exemplo
da cruz) e indígenas; na mão seguram geralmente um maracá, instrumento feito de cabaça ou
de coité ambos nativos da região. Na expressão de Ferreira “não há palavras que possam
explicar com maior precisão o que é um Praiá, porque o significado completo está imerso na
cultura indígena, a cuja existência não é dada explicação”197. O universo religioso Jeripancó é
complexo e secreto considerando a pouca abertura explicativa dos indígenas com os não
índios ao se tratar de temas que envolvem a religiosidade da comunidade.
Considerando estes espaços, as festas que mais se destacam na comunidade são as
festas do umbu e a dança do cansanção, outra é a festa da Santa Cruz esta de cunho católico
realizada na igreja da comunidade e que segue o ritual dogmático das demais festas de
padroeiro que se comemoram em povoados da cidade de Pariconha. A comunidade possui
duas igrejas católicas, uma de Santa Cruz, símbolo da fé cristã, mas que por muito tempo foi
utilizada pelos índios Jeripancó como estratégia para praticar seus rituais específicos no
“tempo das perseguições”, a festividade se tornou tradição entre os indígenas, e é
comemorada todos os anos na comunidade; e a outra igreja é composta por símbolos da
cultura Jeripancó.
A festa do umbu198 traduz-se entre as festas mais importantes da comunidade e que
acontecem todos os anos, trata-se de um ritual que fortalece a relação dos índios com o
sagrado, a dança do cansanção acontece no encerramento da festa do umbu; há outros rituais
como o menino do rancho, puxada de cipó, dança da passagem de ano, os trabalhos de mesa
entre outros mais fechados e restritos. Para Ferreira:

A escola pode pensar em estratégias de contemplar as experiências do povo


para reforçar seus hábitos como forma de preservação da cultura. O saber é
adquirido pela experiência, pela força do sobrenatural e a escola não deve se
opôr a este tipo de conhecimento. Ele é essencial a vida indígena. Se for
alterado, os indígenas correm o risco de deixar de existir enquanto sujeitos
marcados pela sua cultura199

Podemos observar que a religiosidade não se dissocia da cultura e é muito forte esta
relação no cotidiano vivido do povo Jeripancó, a escola e em específico o ensino de História
pode sim buscar junto e em conformidade com a comunidade mecanismos de disseminar

197
FERREIRA, Gilberto Geraldo. A educação dos Jiripancó: uma reflexão sobre a escola diferenciada dos
povos indígenas em Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 82.
198
Fruto comestível do umbuzeiro, nativo da região da caatinga. O umbu na cosmologia Jeripancó não significa
somente o alimento para o corpo material, mas a relação com o sagrado, com a terra, com a natureza. Esta festa
do umbu também é presente nas aldeias das etnias Karuazú e Katokinn em Pariconha.
199
FERREIRA, Idem, Op. Cit. p. 92.
96

esses saberes na sala de aula, dessa forma não se busca ensinar o índio o que ele já é: índio; e
muito menos fazer da escola a salvadora da cultura dos Jeripancó; mas buscar uma
valorização da cultura vivida, desse universo de histórias operadas pela memória e oralidades,
costumes e crenças que fortalecem o sentimento de pertença étnica desse povo. Em vista
disto, a escola, que antes operava (ou opera ainda) como instrumento de negação das culturas
indígenas e em específico a história que negou por séculos a visibilidade histórica dos povos
indígenas, passam a ser um instrumento capaz de mudar este cenário de invisibilidade e
violência contra os povos indígenas. Assim pensamos que o ensino de História não pode de
forma alguma está alheio a esta realidade elencada.

3.3. REDESENHANDO O CAMPO DE PESQUISA: caracterização da escola dos


Jeripancó

A Escola Estadual indígena José Carapina foi oficializada como categoria indígena
diferenciada pelo Decreto nº 1272 de 04 de junho de 2003, expedido pelo Governo do Estado
de Alagoas, conforme o art.107, inciso IV da Constituição Estadual, que implementou a
categoria Educação Escolar Indígena200. Vale frisar que já havia antes do Decreto Estadual
1272/2003 uma escola na comunidade gerida pelo município, que tinha o nome de José
Quintino da Silva, cujo prédio foi doado para o Estado e atualmente funciona como anexo da
escola atual. A escola recebeu o nome de José Carapina por este ser um dos primeiros
habitantes do lugar; a escola antes na gestão municipal tinha o nome de José Quintino da
Silva que era neto de José Carapina (apelido de José Antônio do Nascimento), mas com o
decreto de 2003, que instituiu a educação Indígena na comunidade, mudaram o nome para
José Carapina no sentimento de homenagearem esse índio Pankararu que fugiu da invasão da
aldeia Brejo dos Padres na província de Pernambuco, e em 1852 deu origem ao povo
Jeripancó.
É ofertado na escola serviços de saúde bucal para todos os envolvidos na educação,
desde a merendeira, o aluno ao Diretor, todos recebem aplicação de flúor uma vez por mês,
creme dental e escova de dente; a saúde bucal dos envolvidos na educação escolar sempre é
acompanhada pelo profissional dentista que presta serviços a comunidade.
A escola funciona em dois prédios (complexo escolar), um de estrutura padrão
determinado pelo Estado para escolas indígenas, o outro, é um prédio onde antes funcionava a

200
ALAGOAS (Estado). Decreto nº 1272 de junho de 2003. Diário Oficial do estado de Alagoas. Poder
executivo, Alagoas, AL, 05 jun. 2003. 115º da República do Brasil. Ver em anexo A.
97

escola municipal, doada para o Estado, sendo este um anexo que fica a aproximadamente 100
metros de distância do prédio novo principal. Vejamos no quadro demonstrativo a
apresentação do prédio principal.

Infraestrutura Descrição dos materiais nos espaços


04 salas de aula Em cada sala há 1 birô, 25 cadeiras, quadro de giz e 2
ventiladores.
01 sala de professor/sala de Possui uma mesa, três estantes, 2 armários fechados
leitura/biblioteca para guardar matérias pedagógicos, livros infantis, e
pastas com acervo de todos os diários de classe da
escola.
01 Diretoria/ secretaria/sala de Com 02 computadores instalados, 02 impressoras, 10
reuniões/laboratório de computadores desinstalados por falta de espaço, 02
matemática armários, 03 estantes para arquivos, 01 estante, 01
geladeira, 01 ventilador, 01 ar condicionado.
01 Cozinha 01 armário, 01 fogão, 01 geladeira, 01 freezer, 01
micro-ondas, 01 pia de lavar pratos e utensílios de uso
habitual.
03 banheiros: masculino, Vasos sanitários e pias; não possuem espelhos.
feminino e de professores.
01 pátio coberto Sempre com cadeiras espalhadas e mesas, alguns
livros didáticos de anos anteriores empilhados para uso
dos alunos.
01 despensa Com armários suspensos e prateleiras.

Vejamos a apresentação da escola anexo.

Infraestrutura Descrição dos materiais nos espaços


02 salas de aula 02 birôs, 50 carteiras infantis e quadro
branco, 04 ventiladores.
01 pátio fechado que serve de sala de aula 15 cadeiras, 01 birô, 01 bebedouro de
água, 02 ventiladores.
02 banheiros duplos/ dispensa vazia Vasos sanitários
98

01 secretaria Birô, cadeira, ventilador, computador com


impressora.
01 mini sala de leitura (antes cozinha) 01 armário de aço, 01 estante, 01
mimeógrafo

Em conversa com o Diretor atuante desde 2003, a escola foi pensada e construída para
oferta do ensino infantil e fundamental I, mas devido à necessidade de um ensino completo na
comunidade indígena, e visto que os índios não tinham uma educação específica da sua
cultura no ensino fundamental II e Ensino Médio ofertado na escola convencional na cidade
de Pariconha, foi implantado o fundamental II no ano de 2006, e depois o Ensino Médio na
escola da comunidade Jeripancó, no entanto, não houve uma ampliação na estrutura física da
escola, o que resultou na falta de espaço físico para atender a demanda; a escola não conta
com almoxarifado o que implica na constante organização das salas (diretoria e biblioteca).
Antes o problema que preocupava a comunidade escolar era a falta de segurança; a
escola foi construída com muros, mas esse muro foi aos poucos sendo derrubado, e não
havendo uma reforma, foi totalmente extinto, sobrando apenas os dois pilares que
sustentavam o portão principal onde era à entrada da escola; com essa situação da falta do
muro, a escola ficava a mercê de qualquer um; os vidros das janelas e as lâmpadas do pátio
eram constantemente quebrados, as portas não possuíam mais trincos, fechadas com correntes
e cadeados. A escola era aberta a comunidade, mas também era aberta para aqueles que a
depredavam; o perigo maior era no horário noturno, em que segundo o vigilante “vinha gente
(rapazes) de todo lugar da região, e se aglomerava nas janelas de vidros quebrados,
perturbando as aulas e distraindo os alunos”. Atualmente, essa preocupação tem diminuído
devido à reforma que foi feita na escola no inicio de 2016, o muro foi erguido e até o presente
momento desta pesquisa não houve ocorrência de casos de depredação ou vandalismo ao
patrimônio escolar.
A subordinação administrativa da escola é de rede Estadual, de responsabilidade da
11º GERE (Gerência Regional de Educação), funciona nos três turnos: matutino com o ensino
fundamental I, turmas de 1º ao 4º ano; vespertino com o ensino fundamental II, turmas de 5º
ao 8º ano e educação infantil; noturno com o 9º ano e Ensino Médio completo. Fazem parte
do corpo de funcionários: 2 vigias, 3 merendeiras, 3 auxiliares de serviços gerais, 1 agente
99

administrativo, 1 diretor, 3 coordenadores pedagógicos, 16 professores, e atualmente não tem


secretário, sendo que o diretor ocupa temporariamente esta função.201
Os professores atuantes na escola José Carapina ingressaram através de processo
seletivo, promovido pelo setor de diversidade da Secretaria Estadual de Educação (SEE), na
categoria de professores monitores do Estado; estes profissionais precisam fazer essa seleção
a cada 02 (dois) anos, pois este é o prazo estimado para vencimento do contrato de trabalho.
Cabe enfatizar que as escolas de categoria indígena não permitem professores não indígenas
no seu quadro de funcionários, salvo por alguma necessidade, ou quando não há profissionais
da área na comunidade, por isso a nossa entrevistada professora Laura não indígena foi aceita
na escola. Dos 16 professores, 10 tem nível superior completo, 5 estão cursando o ensino
superior, e 1 possui ensino médio202.
Os alunos atendidos na escola são todos indígenas Jeripancó, provém na sua maioria
de famílias de classe baixa ou classe media baixa. A renda familiar geralmente vem da
agricultura (roça), do artesanato e dos programas sociais do Governo Federal (bolsa família,
safra perdida), aposentadorias por idade, contratos temporários em usinas de cana-de-açúcar
no litoral do Estado de Alagoas, alguns poucos cargos na Prefeitura e construção civil
autônoma (pedreiros, carpinteiros, ajudantes etc.) com serviços na cidade e região; algumas
das mulheres da comunidade trabalham como domésticas em casas de famílias na cidade de
Pariconha203.
Na comunidade as famílias possuem meios de comunicação como rádio, televisão,
celular, computador etc. Moram em casas de alvenaria geralmente amplas. Segundo o que
consta no PPP da escola, os problemas quanto aos recursos humanos enfrentados na
comunidade são o analfabetismo, o alcoolismo e a falta de renda fixa. Os meios de transporte
utilizados na comunidade são no geral: motos, bicicletas, caminhonetes, carroças, animais de
cela etc. Um dado animador é que devido à escola da comunidade ofertar o Ensino Médio
completo, cresceu o número de indígenas da comunidade cursando nível superior e cursos
profissionalizantes fora da aldeia.
Apresentamos de forma resumida alguns aspectos econômicos e sociais da
comunidade com o intuito de desconstruir pré-conceitos que colocam as populações indígenas
como “estagnadas” no tempo, sociedades “atrasadas”, “isoladas” no seu contexto de vida. As
informações acima mostram os indígenas ocupando cenários e utilizando elementos culturais

201
Dados coletados no Projeto Político Pedagógico da escola. Disponível na diretoria da escola pesquisada.
202
Dados quantificados através do PPP da escola. Disponível na diretória da escola pesquisada.
203
Idem.
100

de fora da sua cultura, porém sem negar ou perder sua identidade étnica. A noção de fronteira
para evidenciar as relações culturais distintas discutidas por Tacinari204 refletem o perfil da
comunidade Jeripancó que mesmo em constante relação com o exterior da aldeia, não perdeu
a etnicidade.

3.4. UM LUGAR DE EXPRESSAR SABERES: a construção do currículo escolar


indígena

Ao pensarmos em Educação Escolar Indígena, logo imaginamos que conteúdos


aplicados em sala de aula devam privilegiar somente a cultura indígena, mas na realidade não
se processa dessa forma, nas propostas curriculares para escolas indígenas buscam-se
relacionar os conteúdos gerais estudados em escolas convencionais com os conhecimentos
específicos da comunidade local. Tem-se uma questão histórica que a escola foi no passado
uma imposição aos povos indígenas, mas que na atualidade a mesma faz parte das
reivindicações dos povos indígenas no Brasil, isso através da luta e resistência.
Neste sentido, compreende-se que a escola possui vários significados para esses
povos, pois se antes era projetada de certa forma para acelerar a perda de cultura e identidade
dos indígenas, atualmente na visão indígena tornam-se mais uma ferramenta para a
valorização de suas culturas e modos de viver. Perguntado sobre a importância da escola para
os Jeripancó o professor indígena João205 salienta que:

A escola trouxe em primeiros momentos o conforto de não mais saírem da


comunidade e irem estudar longe de casa na cidade, mas depois tornou-se
importante para que os professores possam mostrar e desenvolver o mínimo
que possível a força do indígena e as suas lutas diante dos governos e por
seus direitos a terra, saúde e educação.206

A escola na percepção do professor João primeiro trouxe um conforto aos alunos que
se deslocavam todos os dias para estudar nas escolas da cidade, pois não precisariam mais sair
da aldeia para continuar os estudos no ensino fundamental II e o Ensino Médio. Outro ponto
na fala do nosso entrevistado reflete o significado da escola e sua importância que é de
204
TASSINARI, A. M. I. Escola Indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de educação. In:
Antropologia, história e educação: a questão indígena e a escola/A. Lopes da; FERREIRA, M. K. L. (Orgs.) São
Paulo: Fapesp/Global/Mari, 2001.
205
Nome fictício. João é de origem étnica indígena do povo Jeripancó, professor atuante na escola desde 2013,
tem formação superior: cursou Licenciatura Intercultural Indígena, ligado a Licenciatura História, pela
Universidade Estadual de Alagoas. Cursa Especialização à distância em Metodologia do ensino de Geografia e
História pelo Instituto PROMINAS. Mora na cidade de Pariconha. É atuante na comunidade.
206
Questionário destinado ao professor João. In; apêndice. B, 2006.
101

“mostrar a força do indígena”, ou seja, através dos conhecimentos adquiridos na escola e da


apropriação dos códigos não indígenas, os Jeripancó se fortalecem ainda mais para conquistar
através da luta, direitos como: terra, saúde e educação.
A professora Laura207 mesmo não sendo indígena reconhece que: “a escola é o norte
para a comunidade é o espelho de uma grande conquista dos indígenas e o povo Jeripancó,
pois a mesma é o maior bem para a comunidade ter uma escola diferenciada que atenda as
necessidades educacionais do seu povo”208, quanto a ser “o maior bem da comunidade” isso é
questionável, mas concorda-se quanto a ser uma conquista dos povos indígenas em Alagoas e
em específico dos Jeripancó. A escola na comunidade trouxe suas vantagens, porém não
podemos fugir a uma questão crucial: A escola juridicamente é de categoria diferenciada,
mas, o currículo trabalhado no cotidiano escolar é diferenciado das escolas não indígenas?
Em análise dos objetivos da educação escolar na comunidade propostos no projeto
político pedagógico209 da escola, foi percebido que entre os sete objetivos específicos, dois
são relacionados com a história e cultura local. O objetivo geral consiste em “possibilitar a
construção do saber e formação do sujeito para a cidadania de forma harmônica considerando
os aspectos étnicos, sociais e culturais”; já os dois objetivos específicos referentes à
comunidade expressam finalidades de “atuar no sentido do desenvolvimento humano e social
tendo em vista sua função maior de agente de desenvolvimento cultural e social na
comunidade, a partir de seu trabalho educativo”, o outro é “resgatar e preservar a cultura local
com objetivo da sua identidade cultural”.
Nota-se nos objetivos geral e específico o esforço em fazer da escola um lugar
favorável a cultura local, uma escola que diferente da que era imposta antes, contribua tanto
para a formação do sujeito através da construção do saber, sempre tendo em consideração os
aspectos étnicos locais relacionados aos saberes escolares sistematizados. Percebe-se também
que o papel da escola na comunidade envolve desenvolvimento humano, significando que os
indígenas não estagnaram no tempo, pelo contrário estão atuantes, sofrendo ou buscando
transformações, sem que essa dinâmica os impeçam de se auto declararem indígenas.
O outro objetivo referente à comunidade parece trazer um contraste quando expressa
palavras como “resgatar” e “preservar” a cultura local; resgate fala de algo que estava perdido
e que precisa ser encontrado, resgatado, e como vimos no segundo capítulo, à escola não tem

207
Nome fictício. Laura não é indígena. Professora atuante na escola desde 2013 tem formação em pedagogia e
letras, possui pós-graduação em mídias da educação e outra em ensino de língua portuguesa. Mora no município
de Água Branca, cidade próxima a Pariconha. Atua como professora de História, Artes, português, Inglês e
ciências.
208
Questionário destinado a professora Laura. In; apêndice B, 2006.
209
Disponível na diretoria da escola.
102

a função de “salvar” a cultura indígena, visto que não é o único espaço educativo na aldeia, e
não é sua função ensinar o índio a ser índio, pois a cultura Jeripancó está bem viva e atuante
na comunidade. A escola na realidade deve buscar inserir a cultura local no currículo escolar.
Em conversa informal com coordenadores da escola, buscamos entender se esses
objetivos teriam outro significado no olhar dos envolvidos na educação escolar Jeripancó, e
constatou-se que “resgatar” seria na verdade trazer da comunidade para a escola a cultura
local com o intuito de contribuir com o fortalecimento da identidade cultural. A questão da
“preservação” é remetida a manter a memória cultural dos Jeripancó viva e atuante no
contexto escolar.
Como a escola é Estadual, a mesma recebe o plano curricular do Estado; a base
curricular enviada pela GERE (Gerência Regional de Educação) para a escola José Carapina é
a mesma ofertada nas escolas Estaduais de Alagoas. Essa proposta curricular ao chegar à
escola sofre adaptações quando relacionada com os saberes locais da comunidade, buscando
construir um currículo próprio.
A coordenadora Adriana esclarece que:

A Gerência na gestão atual tem tentado apoiar as ações das escolas


indígenas. Contudo, no que se concerne ao currículo enfrentamos alguns
problemas de apoio de construirmos o currículo próprio para nossa escola.
Sempre pontuamos as ações através das disciplinas de cultura indígena de 1º
a 5º ano e de história para 6º ao 9º ano, história, sociologia e filosofia de 1º a
3º ano do ensino médio. 210

Nota-se na citação o desafio de se construir na escola um currículo que atenda aos


anseios de uma educação específica. Na escola tem a disciplina específica de cultura indígena
que é ministrada apenas do 1º ao 5º ano, com conteúdos específicos sobre os povos indígenas
no Brasil, inclusive sobre os Jeripancó. Mas, para o ensino fundamental II e Ensino Médio, as
ações quanto a conteúdos específicos concentram-se mais em projetos interdisciplinares. Na
fala da coordenadora percebem-se algumas das problemáticas que desafiam a construção do
currículo próprio específico em escolas indígenas.

Ao falarmos de educação escolar indígena há de considerarmos que a mesma


apesar de estar contemplada na LDB [...] e outros documentos que
fundamentam e contemplam a educação escolar indígena essa conquista de
direitos necessitam ser implementadas na íntegra. Pois no nosso Estado as
formações para professores são mínimos, os mesmo professores não podem
ser enquadrados numa categoria que não existe, já que não há formações

210
Questionário destinado a coordenadora pedagógica Adriana. In: Apêndice A, 2016.
103

iniciais ou graduações que respaldem essa conquista. Logo, estes problemas


também se abatem sobre o funcionamento das escolas indígenas do estado.
Enfim, as leis estão propostas. Contudo, a implementação é frágil e
fragmentada e isso afeta a organização e funcionamento das escolas devido
às orientações que pouco contemplam a realidade das escolas indígenas.211

A coordenadora Adriana elenca problemas referindo-se ao Estado que pouco investe


em consolidar na prática as Leis que legitimam a Educação Escolar Indígena. Existe a
categoria Escola Indígena, porém não existe a categoria professor indígena, logo, não há
formação inicial e nem continuada para esta área específica; os professores que atuam na
escola dos Jeripancó, como em outras escolas indígenas em Alagoas, são na sua maioria
enquadrados na categoria de professores monitores e alguns concursados pelo Estado,
recebendo apenas uma capacitação ofertada pelo Estado, que acontece anualmente. Se não há
formação na área e um preparo e orientação para esses profissionais atuarem, fica a
indagação: como haverá avanços? No entanto, a escola também possui suas
responsabilidades, se a proposta é construir um currículo próprio a escola também possui a
autonomia de buscar meios para que estes anseios sejam alcançados de fato. A construção do
currículo a ser trabalhado no cotidiano escolar dos Jeripancó perpassa por muitos desafios a
serem superados.
Percebe-se que a construção do currículo escolar próprio perpassa por uma dinâmica
entre a GERE e a comunidade escolar (gestores, coordenadores pedagógicos, professores), a
GERE cumprindo o papel do Estado na educação escolar envia os conteúdos concernentes ao
ensino para todas as escolas da rede Estadual de ensino, incluindo as indígenas, sem fazer
exceção, nem considerar que a categoria de escola indígena é específica, portanto merece
tratamento diferenciado. Assim, fica claro o que Tomaz Tadeu da Silva expressa sobre
currículo: também se constitui num espaço de disputas ideológicas, de poder, de lutas e
resistências.

3.5. O ENSINO DE HISTÓRIA COMO ESPAÇO DE LUTA JERIPANCÓ: confrontos


entre currículo, materiais didáticos e práticas de ensino

Considerando que o currículo enviado pela GERE sofre um processo de adaptações ou


acréscimos relacionados à cultura local específica tornando-se um novo currículo, como são

211
Questionário destinado a coordenadora Adriana. In; Apêndice A, 2016.
104

selecionados os conteúdos para o ensino de História na escola dos Jeripancó? Quem os


escolhe? E como é relacionado aos conhecimentos específicos locais?
Os conteúdos curriculares para o ensino de História também são enviados pela GERE,
contendo os mesmos conteúdos trabalhados em escolas Estaduais não indígenas, sem
distinção. Para a coordenadora Adriana não há um currículo definido para o ensino de
História, a mesma salienta que “como coordenadora buscamos juntos definirmos as principais
questões a serem inseridas na disciplina de História e trabalharmos especificidades da cultura
indígena para que contribua para a construção de valores sociais e culturais dos alunos”212;
neste sentido a coordenação junto com professores definem os temas a serem trabalhados no
ensino de História das turmas de 7º e 8º ano. Afirma que a escola possui essa autonomia para
propor os conteúdos de História que dialoguem com a realidade dos Jeripancó, porém sem
“fugir dos padrões predefinidos no contrato geral”. Vemos aqui um dado importante: percebe-
se nesta fala que a seleção dos temas de História local não são feitas de modo aleatório,
também perpassam por questões normativas do Estado e não podem fugir aos conteúdos
padrões para o ensino de História. No caso, a autonomia está em selecionar somente os temas
específicos locais, quanto aos que são enviados pela GERE para o ensino de História esses
são padrão, já vem pronto, cabendo articular a outros conhecimentos.
Durante a observação, uma situação inusitada aconteceu, a professora Laura, foi
chamada a diretoria, e logo retornou a sala de aula, preocupada, tinha sido advertida para
trabalhar o conteúdo sobre o Islamismo, logo explicou que não trabalhou este conteúdo
porque inseriu alguns temas de aula sobre a cultura Jeripancó (cabe uma observação: estes
temas de história local não foram registrados no diário de classe de 2016), por fim teve que
juntar alguns temas/conteúdos a poucas aulas para cumprir o currículo Estadual.
Para o professor João o currículo do ensino de História já vem pronto para ser trabalhado em
sala de aula, porém esclarece que se busca um esforço para relacionar a esse currículo a
realidade local.

O currículo, ele vem mandado pela própria secretaria, enviado pela GERE,
que é a gerência que trabalha com as Escolas Estaduais aqui em Alagoas, aí
através desse currículo é repassado pra escola que trata... que passa para os
professores para que os professores possam trabalhar esse currículo dentro
das escolas indígenas; só que a diferença é que a gente é uma escola
indígena e o currículo ele é geral, é pra todas as escolas Estaduais, então nós
como professores, no caso eu como professor tento expor... usar sim o
currículo, mas trazer pra nossa realidade o máximo que consigo, o máximo
de informações que possa trazer para nossa realidade, pra o nosso povo, pra

212
Questionário destinado a coordenadora pedagógica Adriana. In; Apêndice A. 2016.
105

tentar trazer um pouco de informações para os nossos jovens, que por mais
incrível que parece pouco se preocupam pela sua história pelo seu
passado.213

A professora Laura relata:

[...] trabalho com o livro didático, e durante o ano letivo os


coordenadores elaboram algumas propostas e projetos, que incluam a
cultura indígena, e dentro destes projetos a gente trabalha a cultura
indígena, e a história (né), também levando a história indígena pra o
conhecimento desses alunos em sala de aula.214

Entende-se que os conteúdos relacionados aos conhecimentos históricos gerais são


selecionados pela Secretaria de Educação do Estado através da 11ª GERE, cabendo as escolas
indígenas acrescentarem ou não os conhecimentos específicos. Na escola dos Jeripancó são
trabalhados projetos de caráter interdisciplinar que buscam inserir a cultura local no currículo
escolar e em particular no ensino de História.

Então a gente trabalha primeiramente com... o currículo, até pela facilidade


de ter os livros didáticos e as abordagens saírem em cima do livro didático.
Depois é que a gente tenta trazer nossa realidade, nossa história, nosso
costume pra dentro da... da escola, pra dentro do ensino de história, o que a
gente já utilizou como fonte de trabalho na área cultural pra escola foi um
projeto sobre o menino do rancho, o projeto de história junto com outras
disciplinas, interdisciplinar, que a gente trouxe pra tratar e trabalhar a cultura
dentro das áreas específicas.215

Os projetos interdisciplinares relacionados à cultura local são um meio de diálogo


entre conhecimentos gerais e específicos no ensino de História. Mas esses projetos não duram
o ano todo, geralmente são executados em poucos dias, mas e o restante do ano? Ficou
evidenciado nas entrevistas que a professora Laura e o professor João se queixam da falta de
material didático específico da cultura e história local para se trabalhar em sala de aula; os
mesmos alegam que a base do ensino de História em ambas as turmas é o livro didático, pela
facilidade, até porque os conteúdos históricos enviados pela GERE segue os conteúdos dos
livros didáticos, a divisão da História em períodos, iniciados primeiro pela História Antiga,

213
Entrevista dialogada com professor de história João. In; Apêndice C, 2016.
214
Entrevista dialogada com professora de história Laura. In; Apêndice D, 2016.
215
Entrevista dialogada com professor de História João. In; Apêndice C, 2016.
106

Medieval, Moderna e Contemporânea, incluindo nas duas últimas a História do Brasil, estes
períodos são distribuídos conforme a série/ano.216
O Estado deveria manter uma política educacional também de postura diferenciada
que atendesse as escolas indígenas considerando suas especificidades. Entende-se neste
sentido, que o papel do Estado para com as populações indígenas e em específico com a
educação diferenciada é de descaso, pois se assinam Decretos viabilizando uma educação
escolar que atenda as especificidades das etnias indígenas, porém na prática essa
especificidade não é respeitada, nem mesmo o próprio decreto 1272/2003, pois em relação ao
currículo Estadual, na prática, o Estado não diferencia escolas de categoria indígenas de
escolas não indígenas, o currículo ou conteúdos enviados são de igual modo para todos o que
nos faz compreender o poder controlador do Estado, o perfil controlador e homogeneizado
ainda predominante na educação escolar ofertada pelo mesmo.
Quanto ao papel da coordenação pedagógica na escola, esta precisa acrescentar junto
aos conteúdos enviados pela GERE os saberes tradicionais da comunidade, e muitas vezes o
tempo letivo a ser cumprido se torna pequeno diante de tantos conteúdos, o que leva a criação
de projetos interdisciplinares que envolvam a cultura local. O trabalho desses profissionais
não é fácil, os mesmos precisam cumprir os conteúdos padrões num mesmo tempo que
necessitam pensar formas e estratégias de inserir os saberes locais para o ensino de História
tornar-se específico. Tarefa desafiadora quando pensamos na questão da falta dos materiais
didáticos e paradidáticos específicos da cultura indígena local.
O Estado responsável pela produção do material didático específico para escolas
indígenas, não tem avançado nesta questão, ou melhor, ainda não há materiais didáticos
específicos produzidos pelo Estado para a escola dos Jeripancó, um problema recorrente para
a maioria das escolas indígenas em Alagoas e no Brasil. Por outro lado, as poucas produções
acadêmicas concernentes a comunidade Jeripancó não tem sido utilizadas na escola, o uso
pedagógico destes trabalhos para o ensino na escola não é tarefa fácil, exigiria tempo e um
esforço da comunidade escolar junto ao Estado para capacitar os professores para essa tarefa
desafiadora.
Por fim, os professores nesta dinâmica têm um papel coadjuvante, a pesquisa
desvendou que eles não possuem autonomia para escolherem os temas ou conteúdos a serem
trabalhados na disciplina História em sala de aula. Os mesmos já recebem da coordenação
uma seleção curricular prévia já enviada pela GERE, e se há alguma relação ou sugestão dos

216
Cabe enfatizar que esse dado evidenciou-se não só nas entrevistas e nos livro didáticos, mas também nos
registros de aulas nos diários de classe.
107

professores quanto à escolha dos temas trabalhados, não se evidenciou durante a pesquisa de
campo. O que se notou foram somente opiniões nas estratégias quanto aos conteúdos que
deviam ser mais evidenciados em sala de aula e não a escolha de quais seriam trabalhados no
ensino de História. Essa dinâmica evidenciou-se numa relação de poder vertical entre
Estado/Escola Indígena/Professores indígenas quanto à seleção dos temas de História.
Para além do currículo oficial, tanto nas entrevistas com os professores como na
observação em sala de aula, ficou claro que a base do ensino de História nas turmas do 7º e 8º
ano é o livro didático. Esta ferramenta pedagógica traz em seu bojo concepções e ideologias
muitas vezes imperceptíveis a um primeiro olhar, por isso a necessidade de uma análise mais
meticulosa dos temas/conteúdos contidos nos livros didáticos de História das já referidas
turmas, se dialoga ou não com as relações étnicas raciais referentes à temática indígena.
Em analise do livro didático217 utilizado na turma de 7º ano, a temática indígena é
muito bem trabalhada e relacionada com demais temas da História do Brasil Colônia. Nesta
análise os critérios escolhidos foram: a quantidade de páginas em que o indígena aparece, o
cenário em que é evidenciado, o perfil que o caracteriza na escrita, a situação social em que
aparece, e a existência versus inexistência de conflitos.
Vale ressaltar que tanto na organização das unidades como na escrita dos autores, é
notório que a História do Brasil tem seu ponto de partida na História da Europa; primeiro se
conhece e estuda o contexto europeu para se chegar ao contexto brasileiro, ou seja, a História
do Brasil colonial. Consta aqui salientar, que o presente exemplar traz a História do Brasil
Colonial, é neste ponto que iremos lançar o nosso olhar referente às formas como os indígenas
são apresentados, sob quais conceitos no tocante a esse período da História do Brasil retratado
pelos autores, assim como o diálogo entre passado e presente. Ver a baixo o quadro
demonstrativo com o resultado da análise:

CRITÉRIOS DE ANÁLISE AMOSTRAGEM


QUANTAS VEZES A TEMÁTICA Em 256 páginas é mencionado em 26 páginas
INDÍGENA APARECE NO LIVRO EM ao todo, sendo que o capítulo 5 da unidade 2 é
ANÁLISE todo dedicado a temática indígena.
RECORTES TEMPORAIS Brasil Colônia e na Contemporaneidade, em
certos momentos no diálogo com a
contemporaneidade há apenas ilustrações dos

217
COTRIN, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Saber e Fazer História. 7° ano. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
108

indígenas, já em outros pontos na História


Colonial, os autores dialogam mais com a
história indígena. Sendo visível a presença
indígena mais no passado do que no presente.
CENÁRIOS O livro evidencia os indígenas antes e depois do
contato com os europeus; retratam durante o
período da escravidão indígena; nos
aldeamentos jesuíticos; guerras contra
holandeses; na participação de expedições
particulares, bandeirantismo e nas guerras nos
sertões. Em sala de aula, no uso de tecnologias.
Na política, na educação.
PERFIS DOS INDÍGENAS NA Os autores desconstroem alguns conceitos
ESCRITA DOS AUTORES negativos referentes aos indígenas na História
tradicional, como “bárbaros”, “preguiçosos”,
“passivos”, “indefesos”, e evidenciam na
escrita, indígenas com perfil resistentes,
atuantes e ativos no processo histórico Colonial,
como participantes do processo de formação do
Estado Brasileiro.
SITUAÇÕES SOCIAIS Colônia: a) no ritual antropofágico; b) como
vítimas das epidemias trazidas pelos europeus;
c) trabalhando no sistema de escambo; d)
escravos não passivos; e) guias dos
bandeirantes. Na contemporaneidade: a)
fazendo uso de computador; b) em sala de aula
estudando e lecionando; c) protestando durante
as comemorações dos 500 anos de
descobrimento do Brasil; d) comemorando
decisão judicial sobre demarcação de terras.
EXISTÊNCIA versus INEXISTÊNCIA O livro apresenta os índios não passivos diante
DE CONFLITOS da dominação européia, hora formando alianças
com os estrangeiros, hora desfazendo alianças,
109

conforme seus próprios interesses. Na escrita


dos autores evidenciam-se mais a existência de
conflitos. O que evidencia a ação política dos
mesmos e as estratégias em meio às violências
do período Colonial contra os povos indígenas.

Diante do exposto, o livro aborda a temática indígena desconstruindo alguns


conceitos negativos: “preguiçosos”, “bárbaros”, “indefesos” e etc., trabalhando novos
conceitos relacionados aos povos indígenas como resistentes, atuantes na história como
agentes históricos, participantes no processo de formação do Estado Brasileiro. Apresenta
diálogo entre passado e presente representando os indígenas não só no período Colonial, mas
fazendo diálogo com a Contemporaneidade. Trabalha as questões étnicas raciais e em
específico a questão indígena com um novo olhar sobre esses povos. Desse modo,
compreendemos que se apresentam no exemplar algumas visões da nova história indígena,
assim como o diálogo com a Historiografia mais recente sobre esses povos. Neste sentido o
livro apresenta alguns requisitos que podem contribuir para um ensino pautado na
interculturalidade.
Devemos perceber que mesmo a temática indígena sendo bem evidenciada no livro do
7º ano, compreende-se que o recorte temporal do livro trata do período Colonial, geralmente
os livros didáticos que contemplam este recorte ou privilegiam mais a temática afro-brasileira
ou a indígena, neste caso, a temática mais evidenciada neste exemplar foi à indígena; não é o
intuito aqui analisar esses impasses, mas, é importante refletirmos sobre isso, porque trabalhar
as questões étnico-raciais não consiste em separar as temáticas e sim inter-relacionar no
ensino.
Vejamos o resultado da análise do exemplar do 8º ano218. Utilizamos os mesmos
critérios de análise do exemplar do 7º ano.

CRITÉRIOS DE ANÁLISE AMOSTRAGEM


QUANTAS VEZES A TEMÁTICA Em 288 páginas, o indígena é citado em 5 páginas do
INDÍGENA APARECE NO LIVRO livro, sendo que não há texto específico sobre a
DIDÁTICO. temática indígena.

218
COTRIN, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Saber e Fazer História. 8° ano. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
110

RECORTES TEMPORAIS São citados na Independência do Brasil, Primeiro


Reinado e Brasil Império
CENÁRIOS Aparece no cenário da Independência apenas como
um dado num censo populacional de 1798, (não há
texto referente ao indígena); no Primeiro Reinado é
citado num texto que trata da elaboração da
constituição de 1824 que os excluiu da vida política.
No Brasil Império é citado num texto que trata da
reforma da Constituição; E outra menção dos
indígenas como participantes do movimento cabano.
PERFIS DOS INDÍGENAS NA Nos poucos momentos em que foram apenas
ESCRITA DOS AUTORES mencionados aparecem como colonizados e
dominados pelo sistema político e cultural do
colonizador junto com os negros, e brancos pobres.
SITUAÇÕES SOCIAIS Aparecem como dados em tabelas. Como indivíduos
exterminados, aculturados ou dominados. Na sala de
aula escrevendo, porém sem um texto referenciado.
Citados apenas nas reformas Constitucionais.
EXISTÊNCIA versus Nas páginas que são apenas citados; há inexistência
INEXISTÊNCIA DE CONFLITOS de conflitos.

Cabe enfatizar que a importância dada aos indígenas no livro é muito superficial,
considerando os outros capítulos que tratam da História européia e dos Estados Unidos.
Não foi cabível aqui analisar mudanças conceituais considerando que não apareceu no livro
didático. Mas vale ressaltar que mesmo nos dias atuais é percebido que os indígenas ainda são
associados ao passado e invisibilizados na História da independência do Brasil e no período
Imperial.
O exemplar do 8º ano aqui analisado tem seu valor e não foi produzido
aleatoriamente. Compreendemos que a escolha do livro didático deve ser de forma a que
chegue o mais perto possível da necessidade e realidade onde a escola está inserida, visto que
contribua de algum modo para a realidade local dos discentes e auxilie de maneira mais eficaz
o trabalho do docente. Em suma, o livro analisado e utilizado no ensino de História para a
turma do 8º ano na escola dos Jeripancó não dialoga de maneira adequada com a temática
indígena, tampouco favorece o diálogo pedagógico com a realidade local.
111

Neste sentido, é importante destacarmos que a educação escolar pautada na


interculturalidade, não se expressa somente em conhecimentos de um determinado povo em
detrimento de outros, mas no diálogo entre estes conhecimentos de forma a enriquecer o
aprendizado e contribuir para as finalidades que se esperam da educação formalizada em
escolas indígenas.
O livro didático que mais se aproxima da proposta intercultural e das novas visões
sobre os indígenas sem o marco de estereótipos e preconceitos infelizmente ainda tão
arraigados na sociedade brasileira é um instrumento de grande valor, considerando que na
escola e no ensino ele é a base para formulação e organização dos conteúdos trabalhados nas
aulas de História da escola em pesquisa.
Sendo assim, a referência a análise dos livros do 7º e 8º ano possibilitou um olhar mais
amplo na presente pesquisa, pois se evidenciou que a professora Laura e o professor João
tomam por base o livro didático nas aulas de História, por isso a escolha do livro a ser
trabalhado no Ensino de História deve ser criteriosa, observando e analisando não somente a
estética ou mesmo quantas vezes aparecem o indígena, mas problematizar de que forma é
apresentado e sob quais conceitos são trabalhados pelos autores, se faz alusão a algum tipo de
estereótipo já superado na Historiografia etc.
Isso não quer dizer que o livro didático deva conter somente histórias dos povos
indígenas, não é essa a proposta, mas que pelo menos dialogue com a nova Historiografia
sobre os indígenas e não mais reproduzam um índio estereotipado, que fez parte apenas do
período Colonial e desapareceu da História pós Brasil independente, que não dialoga com a
realidade dos indígenas atualmente, principalmente os índios do Nordeste que na atualidade
não se encaixam na descrição dos viajantes europeus, considerando que o Nordeste foi à
primeira região do hoje Brasil a sofrer a invasão e colonização portuguesa.
Em suma, o exemplar do 7º ano por se tratar do período Colonial trabalha de modo
satisfatório quanto às questões étnico raciais, em específico sobre os indígenas. Mas saindo do
período Colonial e adentrando o período histórico sobre a Independência do Brasil e o
Império, conteúdos do exemplar destinado ao 8º ano, os indígenas são meros apêndices,
desaparecem dos textos e dos acontecimentos históricos como se já não atuassem mais na
História. Esse é um problema que ainda persiste nos livros didáticos que na maioria das vezes
prima uma História oficial política e econômica, deixando as margens os atores sociais que
ativamente participaram e ou participam do processo histórico brasileiro. Problemas que
infelizmente ainda persistem na História contada em livros didáticos.
112

Em análise dos temas/conteúdos enviados pela GERE para o ensino de História nas
turmas de 7º e 8º ano219 concluiu-se que tratam mais sobre a História européia e dos Estados
Unidos do que mesmo a História do Brasil e temática indígena. Dos 19 temas/conteúdos
enviados pela GERE para o ensino de História no 7º ano durante todo o ano letivo de 2016,
somente um tema/conteúdo contempla a história dos povos indígenas no Brasil e dois temas
tratam da História Colonial referente à “ocupação e colonização do Brasil” estando em
discussão à mão de obra indígena e africana; o outro sobre a “administração portuguesa no
Brasil” cujo assunto se remete as Capitanias hereditárias e Governo Geral; os dezesseis
temas/conteúdos restantes são referenciados para tratar da História européia.
Ao comparar com a análise do livro didático do 7º ano ver-se uma disparidade,
considerando que o exemplar mesmo timidamente apresenta requisitos para um ensino de
contribuição a valorização dos indígenas na História, mas os temas/conteúdos enviados pela
GERE, não contemplam a contento a temática indígena. Notam-se mais uma vez a relação de
poder que envolve os temas/conteúdos selecionados para o ensino de História.
Os temas/conteúdos enviados para o ensino na turma do 8º ano não foge a essa
realidade; dos 47 temas/conteúdos: vinte e três retratam a História do Brasil em fins do
período Colonial, Independência, Primeiro Reinado, Regência e Segundo Reinado, quase a
metade, porém não cita a temática indígena, nem mesmo menciona a palavra indígena na
proposta curricular; o que se observa é uma linha de pensamento de uma História mais
econômica e política do que mesmo cultural, evidenciando contornos de uma visão histórica
sob uma ótica européia.
Em comparação com a análise livro didático do 8º ano não há distância entre as
concepções históricas, sempre uma visão europeizada da História. No livro o indígena é
citado cinco vezes de modo muito superficial; já no plano curricular entregue ao professor do
8º ano, sequer é mencionado o nome índio. Percebe-se que os temas/conteúdos selecionados
para o ensino nas respectivas turmas não privilegiam a temática indígena nem de um modo
geral, nem de um modo particular em se tratando dos próprios Jeripancó.
Esses temas/conteúdos são entregues aos professores pela coordenação da escola para
trabalharem o ensino nas respectivas turmas já citadas; em conversa informal com um dos
professores da escola, o mesmo desconhece se a coordenação acrescenta temas/conteúdos a
este plano curricular enviado pela GERE, ou se entrega aos professores conforme enviado, já
que não há material específico produzido para o ensino da cultura local. O professor João

219
Ver em anexo B e C.
113

salienta: [...] o currículo que vem da GERE, a gente trabalha muito ele, e são poucas as coisas
que a gente trabalha da cultura, da realidade indígena, [...] apenas em material didático a gente
não tem nada! [...] que seja específico para se trabalhar a cultura indígena. [...]. Pode ser que a
falta de material didático específico da cultura Jeripancó tenha contribuído para uma seleção
de temas/conteúdos tão distantes da realidade local, ou a escolha seja pelo simples fato de a
cultura está tão enraizada no cotidiano escolar através das ações individuais, que a escolha
seja por conhecer e aprender os códigos culturais de outros povos; ou uma acomodação as
propostas curriculares que já vem pronta. São possibilidades que devem ser consideradas.
Na pesquisa serial com os diários de classe preenchidos e disponíveis (2008-2016)
evidenciou-se que os temas/conteúdos mais trabalhados no ensino de História nas turmas de
7º e 8º ano foram assuntos referentes mais a história de outros povos do que mesmo a
temática indígena, e história e cultura local. Os gráficos a seguir demonstram o percentual
detalhado dos resultados obtidos nos diários disponíveis na escola campo.

7º Ano
35
30
30
25
25
19 18
20 17
15
15

10 7
5
5
1 0
0
2009 2010 2012 2015 2016
História geral História específica
114

8º Ano
40
36
35 33
30
24 25
25 23
20
15
15
10
3 4
5 2
0 0 0
0
2008 2009 2010 2012 2015 2016
História geral História específica

Em comparação com os temas/conteúdos selecionados em 2016, ficam claro que não


houve avanços significativos com passar dos anos, quanto às mudanças dos assuntos
selecionados a serem ensinados na disciplina História. Para tanto, foram mais temas de
História Geral do que mesmo sobre a temática indígena e de história específica local. Assim,
os dados da pesquisa revelam que a escolha dos assuntos históricos os quais compõem o
plano curricular para o Ensino de História das referidas turmas não contemplam uma proposta
de ensino na perspectiva intercultural. Neste sentido, iremos nos debruçar na análise da
prática de ensino evidenciada pela observação participante (espectador) em sala de aula das
turmas de 7º e 8º ano.
3.6. O COTIDIANO DAS PRÁTICAS: o Ensino de História nas turmas de 7º e 8º anos

Vimos nas discussões anteriores, que o ensino de História na escola dos Jeripancó
perpassa por desafios quanto à questão da seleção dos temas/conteúdos para a prática de
ensino. A legislação vigente dá autonomia para as escolas indígenas quanto a esta questão,
porém, o que vemos na prática e podemos denominar assim, é uma “autonomia limitada”,
considerando que a escola escolhe somente os temas relacionados à história e cultural local a
serem acrescentados, com pouco espaço no plano curricular enviado pela GERE; as poucas
abordagens sobre história indígena disponíveis nos livros didáticos e a falta de materiais
didáticos complementares para tratar a história e cultura Jeripancó são desafios a serem
superados. Para tanto, o que mais prevalece são temas/conteúdos alheios à temática indígena
de modo geral e específico, evidenciando assim um currículo do ensino de História distante
115

das propostas interculturais referenciadas pelo RCNEI. Pelos dados analisados referentes a
esta questão, constatou-se que se elaboram mais a perpetuação de um currículo eurocêntrico
do que de um currículo intercultural.
Para a discussão deste tópico foi de extrema importância o período de observação em
sala de aula. Vale destacar como os professores João e Laura definem as propostas
interculturais na Educação Escolar Indígena: a professora Laura apenas afirmou que essas
propostas acontecem em todo planejamento escolar, com propostas pedagógicas, mas não as
especificou; o professor João afirmou em sua resposta, que se trata de uma proposta pensada
pelas comunidades indígenas para continuar as novas gerações com o conhecimento cultural,
étnico e religioso da sua etnia. Passamos a analisar se na prática desse ensino configuram-se
relações interculturais.
Após a apresentação e explicação dos objetivos da pesquisa, se iniciou as observações
nas respectivas turmas de 7º e 8º ano, a última cadeira das salas sempre era ocupada pela
presente e iniciante pesquisadora, e a partir de então o olhar observador crítico e reflexivo foi
lançado à realidade da prática de ensino de História nas turmas em questão.
No primeiro dia de observação no 7º ano, já pode ser constatado que havia poucos
exemplares do livro didático para o uso dos alunos. A professora Laura alegou as dificuldades
em ensinar História numa escola indígena sob a base de livro didático que na maioria das
vezes torna invisível o papel dos povos indígenas na História;

[...] por apresentar uma história didática que foge da realidade, há um


enfrentamento entre conhecimento científico e o conhecimento popular
muito presente na comunidade, principalmente a história do Brasil que põe o
índio como desvalorizado, como violento, sujo, submisso ao branco, e isso
revolta os alunos, os mesmos não gostam, e os livros didáticos não ajudam,
demonstra e mostra a conquista do branco e o papel do índio na história é
inferior, e os alunos criticam e não aceitam, relatam que não precisam buscar
espaços nem conquistar valores, porque se a história fosse contada como ela
foi, mostraria o valor do índio.220

Na fala da nossa entrevistada o livro didático de História não contribui com um ensino
de valorização do índio na História por está fora da realidade dos alunos, no entanto, o que se
constatou com a análise do exemplar destinado ao 7º ano, é que apresenta timidamente alguns
requisitos para um ensino de valorização do indígena, porém são os temas/conteúdos
selecionados para o ensino durante o ano letivo, que não condizem com as propostas

220
Questionário destinado a professora Laura, in: Apêndice B, 2016.
116

interculturais para o ensino de História. Na entrevista dialogada a professora Laura salienta


que se utiliza de outras ferramentas pedagógicas para o ensino de História na turma do 7º ano.

Eu trabalho com o livro didático, com os conteúdos que são necessários para
o conhecimento do educando, (né), na parte da história em si mesmo, (né).
Mas também trabalho pesquisas, faço muita pesquisa, e na parte de levar a
cultura, também trago revistas, já trabalhei com revistas, revistas indígenas,
trabalho com projetos (né), trabalho com produtos artesanais deles, peço
pra eles trazerem de suas casas, a escola não possui esses instrumentos, mas
os alunos, (né), como são todos indígenas, todos tem algum produto
indígena, de artesanato (né), de seus antepassados que refletem sua
cultura.221

Na prática de ensino a referida afirma que busca introduzir na sua metodologia de


ensino elementos culturais da cultura Jeripancó, na sua fala fica evidente que por a mesma
não ser indígena, busca pesquisar sobre a temática para um ensino mais voltado a realidade
dos alunos. Os usos dos conhecimentos artesanais local nas aulas de História refletem uma
proximidade dos saberes tradicionais locais com o saber sistematizado da escola. Durante os
três meses de observação em sala, não se constatou o uso didático de elementos culturais
Jeripancó nas aulas de História. Na pesquisa serial no diário de classe do ano 2016, não foram
registradas aulas referente à história e cultura Jeripancó.
Um dado importante é que esses conhecimentos artesanais são ensinados pelos mais
velhos na comunidade e tem valores simbólicos e ritualísticos que fortalecem a identidade
étnica dos Jeripancó. Cada elemento cultural seja o campiô222, ou mesmo o mais simples,
como um adorno de cabelo feito de penas de aves silvestres ou domésticas tem uma
simbologia na cultura Jeripancó. A estética Jeripancó dá contorno à afirmação étnica, a
etnicidade, o pertencimento a um grupo específico, em outras palavras, a auto declaração de
ser indígena.
O professor João também alega dificuldades em se trabalhar com o livro didático no 8º
ano, o mesmo destaca que para trabalhar a história e cultura local nas aulas de História retrata,

[...] a trajetória do senhor José Carapina e sua esposa Izabel, quando fugiram
de Pernambuco e sua vida aqui no sertão de alagoas, até a formação da
comunidade indígena Jeripancó, procuramos trabalhar os tipos de armas

221
Entrevista dialogada professora Laura. Apêndice D, 2016.
222
Objeto para prática de fumar. Possui um formato semelhante a um funil, feito de madeira, produzido
artesanalmente pelos próprios índios; o fumo ou ervas medicinais é introduzido na extremidade mais aberta,
socado e depois acesso, sendo que a fumaça é sugada pela extremidade mais estreita. O campiô é um elemento
cultural e seu uso faz parte tanto do dia a dia dos índios na aldeia, como dos rituais no terreiro.
117

indígenas e suas utilidades na disciplina de educação física e história,


tratamos da religião indígena e sua importância para os mais velhos da
comunidade e quais os pensamentos dos mais jovens sobre a religião
indígena.223

Segundo João, alguns temas/conteúdos são na prática de ensino substituídos para que a
história e cultura local sejam inseridas durante as aulas, a dificuldade está em não haver
material específico na escola. Na entrevista o professor João salienta que para trabalhar o
saber local em sala de aula, se vale metodologicamente da história oral, registrando as
memórias contadas pelas pessoas mais idosas na comunidade; também por um dos
coordenadores da escola que vive mais intensamente a cultura e os rituais na comunidade, este
escreve textos resumidos sobre a história da comunidade, e auxilia nos projetos
interdisciplinares sobre a cultura local.
Na escola há registros destes pequenos e poucos textos produzidos por este
coordenador, os professores possuem um apoio nestas produções textuais para trabalhar o
específico no ensino de História. Nestes textos constam histórias orais de formação da etnia
indígena Jeripancó, a simbologia do nome da aldeia, a trajetória dos primeiros habitantes da
comunidade etc.; porém, não são produzidos em específico para a disciplina História e as
turmas de 7º e 8º ano, mas para o usufruto geral de todas as disciplinas. Cabe salientar que
este material não é oficial, e também não é obrigatório, são poucos textos bem resumidos,
apenas um auxilio para a educação escolar na comunidade. Por tanto, diante deste dado,
confirmasse que existe material escrito, mesmo que pouco e resumido, sobre alguns aspectos
da história e cultura local dos Jeripancó, que pode ser didaticamente utilizado nas aulas de
História.
No período de observação em sala de aula, evidenciou-se que os conteúdos aplicados
na turma do 7º ano, não havia inter-relação entre saberes tradicionais locais e saberes
científico. Cabe enfatizar que a professora Laura na explanação do conteúdo em artes
plásticas envolvendo alguns aspectos da cultura global a local, e neste momento, percebeu que
houve uma relação do conteúdo com a arte local dos Jeripancó; em sua metodologia solicitou
produção de desenhos aos alunos que retratasse o ritual do menino do rancho, fez alusão na
explicação a alguns quadros antigos em casa de pessoas mais velhas da comunidade. No
entanto, esse dinamismo foi evidenciado apenas em uma aula, quanto às demais, não se
presenciou mais nenhuma relação entre saberes: local e global na prática de ensino do 7º ano.

223
Questionário destinado ao professor João. In: Apêndice B, 2016.
118

O conteúdo de história dos povos indígenas é trabalhado a parte da História Geral, como se o
indígena não fizesse parte da História da humanidade.
Na observação na turma do 8º ano se constatou um distanciamento da história local, da
temática indígena em si. Durante todo o período de observação, o conteúdo trabalhado era de
todo destinado à História européia, “A Revolução Industrial”, “A Época Napoleônica”;
durante as aulas, o professor João colocou de forma clara para os alunos os pontos que a
História presente no livro didático traz, explicou tema por tema das unidades que retrata a
história da Revolução, a História francesa, na era napoleônica; ao fim da aplicação dessas
unidades fez uma retrospectiva dos assuntos abordados em sala de aula preparando os alunos
para a avaliação. O que se observou é que durante as aulas não houve diálogo na explicação
desses acontecimentos históricos com o contexto histórico no Brasil, penas algumas falas
quando trabalhou o tema sobre o “Golpe político” na França, explicando para os alunos o
significado da palavra golpe e relacionando com os acontecimentos atuais no Brasil.
Houve somente uma aula que foi relacionada à cultura local dos Jeripancó por tema:
Arco e Flecha, que retratou a origem dos povos que se utilizavam do arco e flecha assim
como seus usos e significados na atualidade, relacionando e dialogando com a cultura
indígena Jeripancó. Este tema não consta no livro didático e nem nos temas/conteúdos
selecionados para o ensino, o professor João pesquisou este tema na internet e passou em sala
de aula para os alunos, nesta aula sentiu-se um envolvimento maior por parte dos alunos, pois
se tratava de algo que eles conheciam, a sua cultura. Para tanto, durante o período de
observação, fora esta aula, não se constatou mais interação do ensino de História com a
cultura local Jeripancó.
Um dado importante é que esta aula não foi registrada no diário de classe do ano 2016,
nos instigando a refletir sobre os porquês dessa dada aula não ter sido registrada no diário,
levantamos algumas considerações: pensamos na questão da influência que a pesquisa pode
ter causado no professor; pela presença da presente graduanda nas suas aulas de História; ou
mesmo pela sua formação específica em Licenciatura Intercultural Indígena. Outra
consideração foi descartada, não é proibido registrar aula específica sobre a comunidade local
nos diários de classe da escola, visto que na pesquisa serial foram constatados em alguns
diários, registros de aulas com temas específicos da história e cultura local.
Durante o período de observação constatou-se que o ensino de História no 8º ano
pouco trabalha a história e cultura local. Os conteúdos são mais relacionados à História
européia, com base no livro didático que como já foi analisado não trata em sua escrita da
temática indígena. A pesquisa serial feita no diário de 2016 evidenciou que apesar de serem
119

trabalhados alguns temas/conteúdos sobre a História do Brasil, não foram registradas aulas
referentes ao ensino específico dos saberes local e não há registro do uso dos textos escritos
pelo coordenador indígena nas aulas de História.
Assim, constatou nas observações das turmas de 7º e 8º ano, que saberes local não
são relacionados aos conteúdos de História Geral; na prática poucos temas são trabalhados
sem relação histórica com outros conteúdos, como se a história indígena se processasse a
parte da História do Brasil, da História da humanidade.
Na entrevista o professor João acrescentou que existe falta de interesse dos alunos
pela escola e pelo ensino de História. Perguntado sobre o que contribui para esta situação, se é
por causa dos temas/conteúdos distantes da realidade local ou pela própria cultura, o mesmo
destaca que:
Pra mim talvez os dois. Porque se a gente trabalhasse mais o específico
exclusivo com a cultura, é o que eles tem contato, eles poderiam... a gente
poderia chamar a atenção deles com o que eles já conhecem, com o que eles
já sabem. Mas como a gente trabalha um currículo Estadual, a gente não tem
como fazer um comparativo mais específico, até por que a gente trabalha
uma coisa e muito pouco a cultura, então pode ser que sim.224

Apesar de a história e cultura específica dos indígenas Jeripancó não ser muito
evidenciada nas aulas de História, foi observado um dado muito relevante durante o período
da pesquisa. A cultura Jeripancó é muito presente no contexto escolar, isso através das ações
individuais particulares dos alunos.
Por várias vezes presenciou-se manifestação cultural e religiosa em pequenos gestos,
movimentos e palavras que refletiam a força da identidade étnica dos Jeripancó.
Destacaremos o que mais chamou a atenção. Em quase todas as aulas observadas no 7º ano,
ouvia-se sempre algum aluno cantando Toré bem baixinho, ou gesticulando com a mão
fechada, como se estivesse segurando o Maracá. Em alguns momentos durante as aulas a
conversa paralela rendia boas risadas dos alunos falando sobre os conflitos no terreiro,
expressando alegria e entusiasmo com palmas quase sem som, por já se aproximar as
festividades e os rituais na comunidade.
Não era diferente na turma do 8º ano. Em uma dada aula, um aluno se utilizando de
uma caneta de cor azul, gesticulava o balanço do Maracá e produzia o som do instrumento
ritualístico com a boca ao sair para o intervalo entre aulas. Outro momento alguns alunos
copiavam o assunto da aula nos seus cadernos, cantando toré bem baixinho para não chamar a

224
Entrevista Dialogada com o professor João. Apêndice C, 2016.
120

atenção do professor; sem contar as conversas sobre os rituais do menino do rancho que já se
aproximava da data.
Um fato curioso e que despertou a atenção da presente pesquisadora, porém muito
comum na escola, aconteceu na turma do 8º ano: na avaliação da disciplina de História
aplicada durante um dos sábados letivos, muitos alunos faltaram, a sala de aula estava quase
vazia, imperou um silêncio; mas era prova e onde estavam boa parte dos alunos? Descobrimos
que muitos alunos não tinham ido à escola naquele sábado devido estarem participando de um
encontro ritualístico dos praiá que estava acontecendo na aldeia Brejo dos Padres, etnia
Pankararú, no Estado de Pernambuco, tronco familiar de onde teve origem o povo Jeripancó,
que nunca perderam os laços familiares étnicos; os outros poucos alunos que estava na sala,
alegaram que só não foram para os rituais devido à falta de transporte e de recursos
financeiros.
Em análise desse ocorrido, ficou entendido que a falta dos alunos na avaliação de
História não necessariamente significou a falta de interesse pela escola ou pela disciplina, mas
evidenciaram-se mais a importância da cultura como também a força da identidade étnica que
se expressa através dos rituais, do terreiro, dos praiá, da cultura vivenciada cotidianamente
pelos Jeripancó.
Outra situação, bem mais instigante, aconteceu em uma das aulas observadas na turma
do 7º ano: o horário de recreio tinha terminado e todos os alunos retornaram a sala de aula,
com exceção de um; passado uns 10 minutos aproximadamente, um aluno bate na porta e
pede para entrar, a professora abrindo a porta, muito irritada, logo reclama do atraso do aluno,
o que nos chamou a atenção foi à explicação do aluno para justificar seu atraso e a reação da
docente, o mesmo alegou que estava fumando campiô, e não prestou atenção que a turma já
tinha entrado. A reação da docente foi de imediato, brigou com o aluno e disse não aceitar
mais aquele comportamento nas suas aulas, que ele tinha que entender que escola é lugar de
estudar, e que iria comunicar ao diretor aquela situação.
Como já dito antes, Campiô é um elemento cultural de uso muito comum na
comunidade, tanto nos rituais como também de uso cotidiano de adultos como também de
crianças, essa forma de expressão cultural é comum entre as comunidades indígenas do alto
sertão Alagoano. Aquela cena suscitou reflexões maiores para além do objeto de estudo em
questão e revelou o “choque” e a “estranheza” entre a escola enquanto instituição
governamental com horários e regras a serem cumpridas e as culturas indígenas que
vivenciam costumes, crenças, tradições etc. que obedecem a um tempo/espaço específico a
121

cada etnia. Assim, como formar professores capacitados para tornar essa relação menos
conflituosa no dia a dia da sala de aula? Entre outros questionamentos para futuras pesquisas.
Pensando sobre o objeto de estudo, ensino de História no contexto da Educação
Escolar Indígena, percebemos que a cultura Jeripancó se manifesta tão presente nas ações
particulares e individuais dos alunos, embora muitas vezes não fosse percebidas e
aproveitadas de forma didática na prática de ensino de História. A cultura Jeripancó não deve
ser somente abordada na exposição de objetos e indumentárias tradicionais, mas devem ser
percebidas e captadas nas ações, nos gestos, nas manifestações culturais cotidianas do
contexto escolar e trabalhadas didaticamente nas aulas de História.
Neste sentido, compreendemos que o ensino de História deve abarcar em seu currículo
esse cotidiano vivido, através das interações culturais manifestadas no próprio contexto da
escola, da sala de aula, desenvolvendo metodologias de ensino que melhor condizem com a
realidade dos alunos.
Em suma, o que se pode constatar com a presente pesquisa é que os temas/conteúdos
selecionados para a prática do ensino de História na escola dos Jeripancó ainda não condizem
satisfatoriamente com as propostas interculturais referenciadas para um ensino diferenciado.
No entanto, na prática de ensino em sala de aula, buscam-se um esforço para se trabalhar a
história e cultura local, assim como inter-relacionar saberes tradicionais e saberes científicos
sistematizados, mas, os resultados ainda não são evidentes, tornando-se um desafio para a
prática de ensino na Escola Estadual Indígena José Carapina, do povo Jeripancó.
122

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisar sobre o ensino de História na escola dos Jeripancó rendeu aprendizados e


experiências profícuas para a iniciante pesquisadora. Os desafios que envolvem a prática de
ensino de História na comunidade são muitos, e é necessário um engajamento maior entre
Estado e escola indígena quanto a questões curriculares e de formação específica dos
profissionais educadores indígenas, assim como o engajamento da comunidade no espaço
escolar.
Os temas/conteúdos para escolas indígenas devem privilegiar também os saberes local,
isso não quer dizer que a escola vai trabalhar somente a cultura indígena, evidente que é
necessário os temas/conteúdos padrões convencionais, porém, por se tratar de uma categoria
de escola específica, o conhecimento local sobre a história e cultura deve ser inserido no
plano curricular de ensino de História.
É notório que as propostas referenciadas para o ensino de História em escolas
indígenas deixam claro que esse ensino também é diferenciado. Segundo o RCNEI, o ensino
de História em escolas indígenas não pode assumir as mesmas características iguais ao ensino
ministrado em escolas não indígenas, pois dentro da Educação Escolar Indígena de categoria
diferenciada, o mesmo tem como referencia em seu currículo a articulação de saberes: global
e local específico, assumindo neste sentido características interculturais, ou seja, inter
relacionando esses saberes na prática de ensino sem sobrepor certos conhecimentos em
detrimento de outros, mas promovendo e incentivando o diálogo entre ambos. Assumindo
como proposta pedagógica o uso da memória, da oralidade, do conhecimento cultural e das
vivencias cotidianas etc. como fontes para criar e planejar metodologias de ensino que
respaldem a valorização étnica e as relações étnicas raciais na pratica de ensino de História.
A visão da Historiografia tradicional sobre os povos indígenas na História construiu
estereótipos negativos, taxados de “alienígenas”, “atrasados”, “indolentes”, “selvagens”, “sem
história”, num pessimismo sem perspectiva de futuro, estavam fadados a um desaparecimento
histórico. Porém esse olhar tradicional da História sobre os povos indígenas tem sido
superado com as novas abordagens historiográficas que evidenciam um protagonismo
indígena na História.
O ensino de História pautado nas propostas interculturais também tem em seu bojo o
diálogo com as novas abordagens sobre os indígenas na História, desconstruindo preconceitos
e estereótipos historicamente disseminados pela Historiografia tradicional. As novas visões
historiográficas sobre os indígenas na História têm apresentado esses povos como
123

protagonistas, politizados, estrategistas, agentes sociais históricos ativos diante dos processos
históricos que antes os tornavam invisíveis. Dando visibilidade histórica e legitimando as suas
lutas políticas.
Esse diálogo possibilita um ensino de História mais democrático e igualitário,
contribuinte para a desconstrução de visões errôneas e negativas legadas injustamente contra
os povos indígenas no Brasil.
Apesar do esforço para que se concretize um ensino de História que insira em sua
prática a cultura local, os Jeripancó têm em seu caminho desafios que precisam ser superados:
uma “autonomia limitada”; a falta de material específico da história e cultura local; a falta de
formação inicial e continuada na área para professores indígenas; o descaso do Estado quanto
ao tratamento com as escolas indígenas específicas em se tratando do envio dos
tema/conteúdos entre outros problemas que muitas vezes impedem a concretização do projeto
educacional desejado pela comunidade. São desafios a serem superados mediante a luta já
travada pelos mesmos por uma educação de qualidade.
A partir da metodologia aplicada, e da análise e cruzamento dos dados coletados
através das entrevistas, questionários, diário de campo resultante do período de observação
das aulas de História, análise de livros didáticos, e da pesquisa serial nos diários de classe das
turmas de 7º e 8º ano, compreendemos que a configuração do ensino de História na escola dos
Jeripancó ainda está em caminho distante de um ensino pautado nas propostas interculturais.
Mas, isso não quer dizer que a escola não trabalhe com o saber local, as ações são mais
voltadas para as séries iniciais, na disciplina específica de história e cultura indígena no
ensino fundamental I, e nos projetos interdisciplinares que envolvem toda a escola e
disciplinas inclusive a de História. Assim, em se tratando do plano curricular do ensino de
História e sua prática em sala de aula, não faz relação dialógica no seu currículo entre saberes
tradicional local e saberes sistematizados científicos. O pouco que é mencionado da cultura
local na prática de ensino se processa separadamente dos outros conteúdos.
Propomos algumas sugestões que consideramos importante para se trilhar o caminho
da mudança rumo à superação dos desafios elencados. Primeiro: não poderíamos deixar de
propor a formação específica inicial e continuada de professores indígenas para o trabalho
com as perspectivas interculturais no ensino de História, o saber-fazer na prática de ensino em
sala de aula; presenciamos na pesquisa a dificuldade dos professores quanto a estas questões.
Segundo: o apoio do Estado na confecção e produção de materiais didáticos específicos para o
ensino de história e cultura local, evidenciando tanto as pesquisas acadêmicas sobre os
Jeripancó, como também a história presente na memória e transmitida através da oralidade
124

dos testemunhos vivos na comunidade. Terceiro: um currículo de História mais flexível,


enviado pela GERE, que contenham temas mais voltados para a história dos povos indígenas
no Brasil e em Alagoas; dando um tratamento diferenciado para as escolas indígenas.
Quarto: em se tratando de ações na escola, sugerimos um engajamento maior entre
escola-comunidade, a participação de lideranças e pessoas influentes na cultura Jeripancó, que
possam contribuir nas aulas de História. Quinto: uma maior interação e troca de
conhecimentos entre professores de História e de demais disciplinas, coordenadores e direção,
através de reuniões planejadas, a fim de criarem metodologias de ensino mais voltada para a
inter-relação de saberes: global e local. Sexto: identificar as manifestações culturais cotidianas
expressadas na escola, e em sala de aula pelos alunos, e a partir disso desenvolver
metodologicamente atividades que contemplem e valorizem a cultura local.
Sétimo: buscar na prática de ensino relacionar os temas/conteúdos históricos, através
da temporalidade e espacialidade histórica dos assuntos abordados; um exemplo: Ao trabalhar
o conteúdo sobre a História do Brasil em meados e fim do século XIX, os professores de
História podem incluir algumas aulas sobre a história dos aldeamentos no século XIX, sua
extinção, a trajetória de Zé Carapina, em fim, a história da comunidade Jeripancó. Ao
trabalhar temas/conteúdos sobre a História no período Moderno, tanto História européia,
africana, etc. também se pode fazer relação com os acontecimentos históricos no Brasil,
buscando sempre desconstruir a idéia de uma História linear, europeizada. Nesta perspectiva,
com um bom planejamento, pode-se operar a inter-relação de conhecimentos locais e
conhecimento global no ensino de História.
Portanto, com a presente pesquisa foi possível compreender qual a configuração do
ensino de História na educação escolar da etnia indígena Jeripancó, bem como, contribuir com
os estudos e pesquisas relacionados ao ensino de História na Educação Escolar Indígena. Que
os dados apresentados possam subsidiar outras pesquisas na área educacional. E enquanto
pesquisadora e também de etnia indígena buscou-se colaborar com as práticas do ensino de
História na Escola Estadual Indígena José Carapina, almejando assim endossar mais a luta por
uma educação escolar de qualidade na comunidade Jeripancó.
125

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131

APÊNDICES
132

APÊNDICE A
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CAMPUS DO SERTÃO
CURSO DE HISTÓRIA

QUESTIONÁRIO COM A COODENADORA PEDAGÓGICA

AUTOIDENTIFICAÇÃO ETNICA:____________________________________________
IDADE:_________________________ SEXO____________________________________
FORMAÇÃO:_______________________________________________________________
_________________________________________________________________
PUBLICA ( ) PRIVADA ( )
ESCOLA ONDE ATUA: _____________________________________________________
QUANTO TEMPO ATUA NA ESCOLA COMO COORDENADORA PEDAGÓGICA
____________
HORAS DE SERVIÇO POR SEMANA NA ESCOLA ONDE
ATUA:______________________________
TURNOS: MANHÃ ( ) TARDE ( ) NOITE( )
EXERCE ALGUMA OUTRA ATIVIDADE ALÉM DA COORDENAÇÃO
PEDAGÓGICA? SIM ( ) NÃO ( )
QUAL? ____________________________________________________________________

PERGUNTAS A COORDENADORA PEDAGÓGICA

1º- O que é a GERE? E em sua opinião, há contribuições da mesma para um currículo


intercultural no contexto da Educação Escolar Indígena dos Jeripancó?
2º-Qual a função da Coordenação Pedagógica mediante a construção do currículo do Ensino
de História nas turmas de 7º e 8º ano na escola dos Jeripancó?
3º-Em sua opinião, como você define a seleção dos temas/conteúdos enviados pela GERE
para o Ensino de História nas referidas turmas? Dialogam com a realidade local?
4º- De que forma a Coordenação Pedagógica orienta os professores quanto a esses
temas/conteúdos? São relacionados com o saber específico local da comunidade Jeripancó?
Se a resposta for sim, como acontece? Se for não, porque não é relacionado?
5º- Mais considerações feitas pela Coordenadora.
133

APÊNDICE B
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CAMPUS DO SERTÃO
CURSO DE HISTÓRIA

QUESTIONÁRIO DESTINADO AOS PROFESSORES DE HISTÓRIA

AUTOIDENTIFICAÇÃO ETNICA:____________________________________________
IDADE:_________________________ SEXO____________________________________
FORMAÇÃO:_______________________________________________________________
_________________________________________________________________
PUBLICA ( ) PRIVADA ( )
ESCOLA ONDE ATUA: _____________________________________________________
QUANTO TEMPO ATUA NA ESCOLA COMO DOCENTE DE HISTÓRIA____________
AULAS POR SEMANA NA ESCOLA ONDE ATUA:______________________________
TURNOS: MANHÃ ( ) TARDE ( ) NOITE( )
EXERCE ALGUMA OUTRA ATIVIDADE ALÉM DA DOCENCIA? SIM ( ) NÃO ( )
QUAL? ____________________________________________________________________

PERGUNTAS AO PROFESSOR:

1º- Por que exerce a profissão de professor?


2º- Para você o que é Educação?
3º- Como você define a proposta de Educação Intercultural para Escolas Indígenas?Em sua
opinião, essa proposta acontece na escola em que você atua?
4º- Em sua opinião, qual a importância da escola para a comunidade Jeripancó?
5º- Qual o papel da Educação Escolar na Sociedade Brasileira e em específico na comunidade
indígena Jeripancó?
6º- Para você, o que é História?
7º- O que você sente quando escuta a palavra História? E quando você escuta a palavra
“História”, em quais pensa? (pelo menos 3)
134

8º Em sua opinião, há contribuições do ensino de história ministrado na escola da comunidade


para a cultura local dos Jeripancó? (Caso a resposta seja sim) Quais? (caso a resposta seja
não) por quê?
9º Como você caracteriza o ensino de história na educação escolar dos Jeripancó? E qual a sua
importância e relevância no contexto da cultura (valores, crenças, tradições etc.) local?
10º- Quais concepções de História seus alunos trazem para sala de aula? Você faz uso
didático dessas concepções nas aulas de história? (Se a resposta for sim) de que forma? (Se
não) por quê?
11º- Existe um diálogo de interação entre os saberes históricos dos mais velhos da
comunidade e o ensino de história? (Se a resposta for sim) de que forma acontece? (Se a
resposta for não) em sua opinião, por que não há este dialogo?
12º- Você tem dificuldades em ensinar História em uma escola indígena? Quais? Por quê?
13º- Como você define o ensino de história na escola dos Jeripancó? Por quê?
Outras considerações feitas pelo professor:

REGISTRO DAS RESPOSTAS


135

APÊNDICE C

PERGUNTAS DA ENTREVISTA DIALOGADA COM O PROFESSOR DE


HISTÓRIA

Fale-nos um pouco de sua identificação étnica, formação como professor e atuação na escola
indígena dos Jeripancó.

Sua atuação na escola?

Qual a proposta do currículo de ensino de história passado pra você trabalhar em sala de aula?
E Como este currículo funciona na pratica?

Você trabalha somente com o livro didático ou busca outras fontes para o ensino de história,
no caso, na questão da seleção de temas?

Como funciona na pratica a relação ou articulação entre esses conhecimentos gerais e


conhecimentos específicos da comunidade? Como você faz pra conciliar esses conhecimentos
na sala de aula?

Para você o ensino de história ministrado no oitavo ano contribui para a valorização étnica
dos jeripancó?

Considerando as propostas interculturais para o currículo do ensino de história, Como você


define o ensino de história na escola dos jeripancó? Esse ensino é satisfatório? Ou é
necessário melhor? Ou não é satisfatório?

No caso do ensino de história, considerando essas propostas interculturais, dessa relação entre
culturas a ser trabalhada em sala de aula, de conhecimentos gerais e específicos, o ensino é
satisfatório na turma do 8º ano?

Agradeço por conceder a entrevista, e abro espaço, caso queria fazer mais considerações, no
caso, suas dificuldades, seus desafios no âmbito do ensino de história.

No caso a falta de interesse pela escola e pelo ensino de história em si?

Em sua opinião o porquê esse desinteresse? Será pela seleção dos conteúdos que não há
afinidades? ou pela própria cultura?

No caso esse currículo que vem da GERE?


136

APÊNDICE D

PERGUNTAS DA ENTREVISTA DIALOGADA COM A PROFESSORA DE


HISTÓRIA

Fale-nos um pouco de sua identificação étnica, sua formação como professora, e atuação na
escola indígena dos Jeripancó.

Qual a proposta do currículo de ensino de história passado pra você trabalhar em sala de aula?
E como este currículo funciona na pratica?

Você trabalha somente a partir do livro didático ou busca outras fontes, outras ferramentas
pedagógicas para o ensino de história, para o ensino no 7º ano?

No caso, para você é trabalhado a proposta intercultural no ensino de história?

A escola fornece algum material específico para a prática de ensino de história local?

Quais são esses meios?

Em sua opinião, o ensino de história ministrado no sétimo ano contribui para a valorização
étnica dos Jeripancó?

Considerando as propostas interculturais, Como você caracteriza o ensino de história na


escola dos Jeripancó? Esse ensino é satisfatório? Ou é necessário melhor? Ou não é
satisfatório?

Essa relação entre culturas a ser trabalhadas no ensino de história em sala de aula, de
conhecimentos gerais e específicos, o ensino é satisfatório na turma do 7º ano?

Agradeço por conceder a entrevista, e abro espaço, caso queria fazer mais considerações, no
caso, suas dificuldades, seus desafios no âmbito do ensino de história na escola indígena José
Carapina.

E os desafios?

Então para você é trabalhado as propostas interculturais no ensino de história do 7º ano na


escola dos Jeripancó?
137

ANEXOS
138

ANEXO A
139
140

ANEXO B
141
142
143

ANEXO C
144
145

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