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MOLDARAM
Como Deus nos Encontra no Sofrimento
Éden Publicações
Direitos autorais © 2022 Éden Publicações
Originally Published in English by Desiring God with all foreign language ministry rights owned by Desiring God.
2112 BROADWAY ST NE, STE 150
MINNEAPOLIS, MN 55413
This edition published by arrangement with Desiring God.
All rights reserved.
Éden Publicações
Caixa Postal 10546
71620-980 – Brasília, DF
Livros para seu deleite em Deus e Sua Palavra.
Produção editorial
Editor: Rafael Salazar
Capa & Arte Gráfica: Rebeca Salazar
Tradução: Rafael B. Salazar
Revisão: Rebeca Salazar e Eduardo Almeida
Diagramação: Marcos Jundurian
Todas as citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Atualizada, 2ª edição (Sociedade Bíblica do Brasil), salvo
indicação específica. Nenhuma parte deste livro pode ser usada ou reproduzida de qualquer maneira sem permissão por escrito,
exceto no caso de breves citações contidas em artigos críticos e revisões. Direcione suas solicitações ao editor no seguinte
endereço: editor@edenpublicacoes.com.br
Página do título
Direitos autorais
Dedicatória
Endossos
Prefácio
Introdução
Parte 1: Um Modo Assombroso e Tão Maravilhoso
1: As Cicatrizes que me Moldaram
2: As Feridas do Bullying
3: Deus Está Mesmo Lá Fora?
4: Enterrando um Filho
5: Meu Corpo Falhando
6: Um Casamento Desmoronado
Parte 2: Atenta para a Minha Aflição
7: Lamento e a Beleza da Amargura
8: Clamando a Deus
9: Deus me Esqueceu?
10: Aconselhando a Mim Mesma no Sofrimento
11: Como Orar Quando a Vida Desmorona
12: Quando as Decepções Vêm
13: Quando o Desvio se Torna a Nova Estrada
14: Sonhos Despedaçados e Fé Abalada
15: A Agonia de Esperar
16: Implorando a Deus
17: Anseios Não Realizados
18: Dependência
19: Por que Deus Não Cura Todo Mundo?
20: Cadeira de Rodas e Adoração
21: Quando a Dor Nunca Acaba
22: E se o pior acontecer?
23: A solidão do sofrimento
24: O conforto dos outros
25: Quando Você Luta para Crer que Deus Te Ama
Parte 3: A alegria vem pela manhã
26: A Lente de Ações de Graças
27: Sempre em Exibição
28: A Graça Sempre Cura Mais Profundamente
29: Sofrimento é um Presente
30: Graça Sustentadora
31: A Incrível Promessa do Céu
Agradecimentos
ENDOSSOS
"Vaneetha escreve com criatividade, fidelidade bíblica, escrita comovente e uma autenticidade
experiencial que atrai outros sofredores. Aqui você encontrará uma vida testada e um amor pela
soberania de um bom e gracioso Deus."
JOHN PIPER, autor do livro Em Busca de Deus; fundador e professor no ministério
desiringGod.org
"As Cicatrizes que me Moldaram fará você chorar e se alegrar não apenas porque reluz com
autenticidade e integridade, mas também porque cada página aponta para o Descanso que é
encontrado em confiar sua vida Àquele que está no controle de tudo e é justo, poderoso sábio e
bom em todas as coisas.”
PAUL TRIPP, pastor, escritor, conferencista internacional
"Não consegui parar de ler este livro, exceto para limpar minhas lágrimas. Ler o testemunho de
Vaneetha sobre a bondade de Deus em sua dor era exatamente o que eu precisava. Sem dúvida,
outros também sentirão o mesmo. As Cicatrizes que me Moldaram me ajudou a processar minha
própria perda e dor e me deu esperança renovada para cuidar daqueles em minha vida que sofrem
de várias maneiras. Desfrutar da graça soberana de Deus em sua dor irá fortalecer sua fé como
nada que esse mundo pode oferecer e Vaneetha sabe como te guiar a essa água viva.”
GLORIA FURMAN, escritora de Maternidade Missional e Alive in Him
"Quando estamos sofrendo significativamente, é difícil escutar a verdade daqueles que nunca
passaram por algo parecido. Mas a credibilidade de Vaneetha Risner nos faz dispostos a nos
inclinar e ouvir. Sua escrita é fruto de sua experiência de dor profunda e no meio de sua rasgada
determinação de se agarrar a Cristo.”
NANCY GUTHRIE, autora de Hearing Jesus Speak into Your Sorrow
"Muitas vezes, imaginei como Vaneetha Risner suporta o sofrimento com tão incrível alegria,
graça e perseverança. Ainda não entendo isso, mas esse livro me deu um novo vislumbre do seu
mundo e do caráter de nosso Deus amoroso. Sincero, transparente, assustador e
maravilhosamente cheio de esperança, As Cicatrizes que me Moldaram pode fornecer força para
a jornada seja lá qual for sua situação.”
BRIAN FIKKERT, co-autor de When Helping Hurts: How to Alleviate Poverty Without
Hurting the Poor . . . and Yourself
"Quando estou um uma situação difícil e precisando receber profundamente de Deus, quero ouvir
de alguém que sabe e entende. Alguém que já passou por isso. Não consigo pensar em uma voz
melhor do que a de Vaneetha Risner. Em tanto crises rápidas quanto longas, lutas diárias
intensas, os insights de Vaneetha foram adquiridos no fogo da adversidade. Por isso, escuto. Ela
nos guia por um caminho que conforta minha alma e retifica minha postura - sou sua devedora.
Você também será quando beber profundamente da sabedoria que ela tem a oferecer.”
PAULA RINEHART, autora de Strong Women, Soft Hearts e Sex and the Soul of a Woman
"Na inalcançável lógica da sabedoria de Deus, essa mulher fiel com força física descrescente
tem, de todas as pessoas, a mais firme segurança na fidelidade pactual e confiabilidade de Deus.
Sua fé me ajudou a suportar as tempestades de minha própria vida e as palavras nessas páginas
farão o mesmo por você. Vaneetha Risner é verdadeira.”
MARGOT STARBUCK, autora de The Girl in the Orange Dress: Searching for a Father Who
Does Not Fail
"É difícil encontrar palavras para expressar quão vitalmente importante o testemunho de
Vaneetha tem sido para moldar minha vida e fé. Ela trilhou caminhos distintamente difíceis e
aventurou-se em águas espirituais profundas, ainda assim sempre recebendo viajantes como eu.
Essas páginas são cheias de vulnerabilidade e esperança, firmadas não no otimismo mas na
experiência real da fidelidade de Deus no sofrimento. É verdadeiramente oxigênio ter um
vislumbre da face de Deus nos olhos de Vaneetha.”
CHRISTA WELLS, artista musical, compositora
"Em As Cicatrizes que me Moldaram, Vaneetha prova ser uma hábil guia que pode nos conduzir
através dos vales da tragédia e dificuldade com tanto graça quanto verdade enquanto revela o
poder brilhante e redentivo de Deus na escuridão da miséria humana. Como seu amigo e pastor
por muitos anos, posso pessoalmente testificar que os caminhos sobre os quais Vaneetha guiará o
leitor foram trilhados por ela própria. Ela convida a todos nós a vermos a glória bondosa e
soberana de Deus nos momentos de provação e luta."
TOM MERCER, Pastor sênior, Christ Covenant Church, Raleigh, NC (EUA)
"As Cicatrizes que me Moldaram realiza aquilo que é quase impossível: Vaneetha conta-nos sua
história de sofrimento - que foi, e ainda é, grande - sem nos atrair a sua dor. Pelo contrário, com
graça e sabedoria ele nos guia a encontrar o caminho através de nossas próprias aflições rumo ao
coração de Deus. De alguma forma, ela descreve sua história de sofrimento intenso enquanto nos
cativa com sua experiência da bondade de Deus em meio à sua dor. O resultado? Nossos
corações são encorajados a confiarem e se submeterem a Jesus. Seu livro é um presente para
pessoas que sofrem e para aqueles que espiritualmente as acompanham.”
SALLY BREEDLOVE, Diretora Espiritual, Co-fundadora de JourneyMates, Autora e
Palestrante
PREFÁCIO
Joni Eareckson Tada
Eu quase intitulei este livro de He Makes My Griefs to Sing (Ele Faz Meu Luto Cantar),
[1]
porque a frase descreve tão lindamente o que Deus pode fazer em nosso sofrimento. Mas isso
poderia me fazer parecer eloquente e poética, quando não sou nenhum dos dois. Além disso, não
sei cantar. Pergunte a qualquer um que teve o privilégio de sentar perto de mim na igreja.
Então fazer minhas dores cantarem não é uma coisa bonita. Não só porque não consigo
sustentar uma melodia e não tenho ideia do que é um “tom”, mas também porque a música que
canto na minha dor não soa atraente. Muitas vezes é um clamor desesperado por ajuda, não um
comovente refrão de aleluia. Mas no final, Deus tomou minhas dores e as transformou em algo
belo. Ele realmente fez as minhas dores cantarem.
Sou bem familiarizada com o sofrimento. Muitos de vocês lendo este livro também são,
e o sofrimento esculpiu vazios em sua alma. Alguns de vocês podem até se sentir abandonados
por Deus, à medida em que as tribulações ameaçaram derrubá-los. Eu honestamente me senti
assim também, tanto como uma descrente quanto como uma cristã comprometida. Fui tentada a
me afastar dele com minha dor, imaginando o porquê de um Deus bom deixar seus filhos
sofrerem. No entanto, o Senhor provou ser abundantemente fiel, pois ele encheu aqueles lugares
vazios e ocos com uma alegria transbordante. Reclinando-me em Jesus, descobri que somente ele
é meu maior tesouro e caminhar com ele é a minha maior alegria.
Sinto-me honrada em publicar este livro com o ministério Desiring God, especialmente
porque o Senhor usou esse ministério para transformar a minha visão de sofrimento. Quase vinte
anos atrás, ouvi uma mensagem de John Piper sobre a soberania de Deus, e fui imediatamente
convencida de meu pecado por conta do quão terrena e antropocêntrica era a minha visão da
vida. Pela primeira vez, me conscientizei de como Deus usa o sofrimento e as provações na vida
dos crentes para o bem deles e sua glória. Como nada está fora do controle de Deus, percebi que
todas as minhas experiências poderiam aprofundar minha alegria eterna. O Senhor sabia que eu
precisaria dessa nova perspectiva para me sustentar, pois o sofrimento continuaria a marcar cada
década da minha vida.
Este livro nasceu desse sofrimento. Minha história começa na Índia, onde fui gerada por
pais cristãos. Quando criança, contraí poliomielite, muito tempo depois dela ter sido
praticamente erradicada. Como o médico nunca tinha visto poliomielite antes, ele me
diagnosticou errado e prescreveu o tratamento incorreto. Dentro de um dia, estava totalmente
paralisada. Os médicos na Índia deram pouca esperança para a minha recuperação e encorajaram
meus pais a procurar melhores cuidados médicos no Ocidente. Nos mudamos rapidamente para
Londres, onde passei por minha primeira cirurgia quando tinha dois anos. Aos treze anos, tinha
passado por 21 operações e tinha me mudado da Inglaterra para o Canadá e finalmente para os
Estados Unidos.
Vivi nesse “dentro e fora” do hospital a maior parte da minha juventude e aprendi a
andar, embora com um manco visível, aos sete anos. Embora a vida hospitalar fosse solitária e
isolada, eu me sentia segura e “normal” quando estava lá. Em casa, aproveitava do conforto de
uma família amorosa, mas era abertamente caçoada na escola. Sentindo-me uma pária, não
queria nada com Deus porque ele tinha permitido que tudo isso acontecesse. Mas quando eu
estava no ensino médio, Deus me encontrou na minha amargura e entreguei minha vida a ele.
Mudei-me para a faculdade e de lá fui para Boston por conta de meu primeiro emprego.
Vários anos depois, na pós-graduação, conheci e casei com um colega de classe, e logo tivemos
nossa primeira filha, Katie. Depois de três ocasiões de gravidezes mal-sucedidas, estava grávida
de novo com um filho, que descobrimos que nasceria com um sério defeito cardíaco. Paul fez
uma cirurgia bem-sucedida ao nascer, mas quando tinha dois meses, morreu por um erro médico.
Foi logo depois que ouvi o sermão de John Piper sobre a soberania de Deus, que mudou
radicalmente minha perspectiva sobre o sofrimento. Um ano depois tivemos outra filha, Kristi, e
me ocupei ao ser mãe de dois filhos, ensinar um estudo bíblico, e falar publicamente sobre o
conforto de Deus no meio da perda.
Vários anos depois, desenvolvi uma dor inexplicável no braço e fui diagnosticada com
síndrome pós-poliomielite. Esta doença envolve o aumento progressivo de dor e fraqueza, o que
pode potencialmente resultar em tetraplegia. A parte mais difícil para mim é que quanto mais
esforço eu fizer agora, menos força terei para o futuro.
Depois de anos se adaptando a essa nova vida cheia de limitações, meu marido decidiu
deixar nossa família. Em poucas semanas, ele se mudou para outro estado e nossa família,
outrora unida, entrou em colapso. Criar filhas adolescentes em meio ao caos e dor enquanto se
esforçava para modelar a graça provou ser algo além da minha habilidade. No entanto, me forçou
a confiar em Cristo de maneiras que nunca tinha feito antes. Embora não tenha sido minha
escolha o divórcio, nós eventualmente o fizemos, e fui confrontada a confiar em Deus em um
novo capítulo da minha vida. Um capítulo, como outros, que eu não queria começar, mas sabia
que aumentaria minha dependência de Deus.
Com o tempo, Deus me abençoou com um novo e maravilhoso marido, Joel, com quem
me casei em 2015. Antes de conhecer Joel, comecei a escrever um blog no final de 2013 por
solicitação de vários amigos. Escrever era uma maneira de me lembrar da fidelidade de Deus.
Comecei, então, a postar artigos para outros ministérios, animada de que Deus usaria minhas
palavras para encorajar meus companheiros de sofrimento. Este livro é uma compilação de
alguns desses escritos.
Embora o livro tenha uma ordem proposital, os capítulos individuais não precisam ser
lidos sequencialmente. A primeira seção contém em grande parte a minha história de vida; a
seção do meio está centrada em encontrar Deus em várias provações; e a última seção aponta
para as bênçãos que Deus nos dá no sofrimento.
Escrevi este livro para qualquer um que tenha experimentado perdas, particularmente
aqueles que estão lutando com elas agora. Mas descobri que no meio de uma tempestade, não
consigo ler ou processar demais ao mesmo tempo. Por conta disso, cada capítulo é breve e pode
ser lido sozinho. Oro para que o Senhor use estas palavras para sustentar aqueles que estão
sofrendo, iluminando os tesouros inestimáveis que Deus nos dá nos lugares mais sombrios.
PARTE 1: UM MODO
ASSOMBROSO E TÃO
MARAVILHOSO
Pois possuíste os meus rins; cobriste-me no
ventre de minha mãe. Eu te louvarei, porque de
um modo assombroso, e tão maravilhoso fui
feito. (Salmo 139:13-14)
1: AS CICATRIZES QUE ME
MOLDARAM
“Aleijada. Você é uma aleijada. Você não pertence aqui!” Segundos depois de ouvir as
zombarias, senti a dorzinha de cascalho batendo nas minhas costas. Ele se espalhou ao longo do
caminho, e ouvi um grupo de meninos rindo. Olhei para cima para ver quem eles eram, mas
estavam escondidos de vista.
Enquanto a chuva de pedras continuava, um menino baixo e pesado saiu das sombras.
Ele riu enquanto imitava meu manco visível e me deu um leve empurro com desprezo. Tentei
manter meu equilíbrio, mas em segundos, fui ao chão na calçada.
Imediatamente os meninos se dispersaram e tudo ficou em silêncio. A área estava
deserta. Estava sozinha.
Sentei-me lá por um minuto, lutando contra as lágrimas e tentando recuperar meus
pensamentos. Eu não sabia quem tinha feito isso, e não sabia o porquê, mas eu estava
envergonhada. Havia algo errado comigo.
Como não conseguia me levantar facilmente sem ajuda, esperei para ver se alguém viria.
Eventualmente, me arrastei para uma rocha próxima e, com muita dor, me pus de pé outra vez.
Aliviada por ninguém me ver, peguei meus livros, tentei me recompor e comecei a curta
caminhada até minha casa.
Eu não ia chorar. Nem ia parecer chateada. Iria ficar alegre.
Determinada a bloquear o que tinha acontecido, ignorei meu corpo dolorido enquanto
voltava para casa. Quando me aproximei da porta da frente, minha mãe correu para fora,
radiante. “Uau! Você caminhou para casa sem sua irmã pela primeira vez. Estou tão orgulhosa de
você!”
“Sim, eu também”, disse, forçando um sorriso.
Depois que entramos e minha mãe me serviu um copo de leite, comentei: “Ganhei um
adesivo hoje...”
Nunca contei a ela o que aconteceu naquele dia. Eu estava muito envergonhada. Tinha
apenas sete anos.
Desespero
Minha história era bem diferente, mas minhas palavras foram ditas em meio ao
desespero também. A vida não estava saindo do jeito que eu queria. Meus dias pareciam sem
sentido. Minhas muitas perguntas pareciam irrespondíveis. Deus não podia ser real, eu tinha
presumido. Tinha desistido de acreditar em Deus muito tempo antes. Havia pouca evidência dele
no meu mundo. Minha vida tinha sido difícil.
Depois de contrair pólio quando criança, passei grande parte da minha infância no
hospital, isolada dos meus pais, da minha irmã e dos meus colegas. Enquanto a vida hospitalar
era solitária, era menos dolorosa do que o bullying constante que eu experimentava no mundo
real. Quase todos os dias, ouvia a palavra aleijada. Durante o ensino fundamental e médio,
enterrei a dor daquela provocação profunda, mas ela sempre me sussurrava que não tinha valor,
que não pertencia, que sempre seria uma estranha. Aprendi a rejeitar meus sentimentos, agradar
os outros, a ser a boa garota do lado de fora, enquanto por dentro eu era uma bagunça
egocêntrica.
Súplica
Eu cresci na igreja, mas não queria nada com este Deus do qual havia ouvido falar. Mas,
ao mesmo tempo, minha vida não tinha alegria — apenas amargura e raiva. Eu sabia que algo
estava faltando. Então, uma noite, na escuridão, clamei por Jesus. Queria que o assunto se
resolvesse. Eu me perguntava se Deus era real. Então, eu simplesmente sussurrei: “Deus, se você
é real, por favor, me mostre”. Minha pergunta foi sincera, e esperei por uma resposta, alguma
indicação de que tinha sido ouvida. Quando nada aconteceu, virei-me e dormi, minhas suspeitas
se confirmaram.
Quando acordei no dia seguinte, perguntava a mim mesma se conseguiria uma resposta.
Eu não esperava que sim. Mas para ter certeza, decidi ler a Bíblia. Esticando a mão à minha
cabeceira, puxei uma cópia novinha da Bíblia que tinha ficado lá intocada por anos.
Passando sem rumo através das páginas, eu lia quaisquer passagens em que meus olhos
pousavam. Elas não faziam sentido. Como de costume. Levítico tinha regras estranhas e
Crônicas tinha páginas intermináveis com listas de nomes. Eu estava prestes a guardar a Bíblia,
convencida de que Deus realmente não era real, quando parei para fazer uma pergunta.
Iluminação
“Por quê? Por que tudo isso aconteceu comigo? Se você é tão amoroso, por que eu tive
poliomielite? Por que tive que lutar a vida toda? Como você pode ser bom?” Eu dei uma passada
na Bíblia procurando respostas. Ela caiu aberta no Evangelho de João e comecei a ler em João 9:
A explicação de Jesus era um pouco diferente da pergunta dos discípulos: eles estavam
focando na causa da deficiência deste homem, enquanto Jesus falou sobre o propósito por trás
disso. De acordo com Jesus, isso não foi uma punição ou mesmo um infortúnio aleatório. Tinha
sido planejado o tempo todo por Deus. Essas palavras me tiraram o fôlego. Deus estava me
respondendo. Eu - arrogante, com dó de mim mesma, com raiva - estava sendo respondida pelo
Deus do universo.
Meu sofrimento tinha um propósito: trazer glória a Deus. Para alguns, essas palavras
podem parecer intrigantes. Talvez até perturbadoras. Mas quando são faladas a você pelo Deus
do universo, essas palavras mudam tudo. Foi o momento mais incrível da minha vida. Nunca
esquecerei dele. Mesmo agora, ao me lembrar daquela manhã, isso me leva às lágrimas. Assim
como Deus abriu os olhos de um cego para trazer glória a si mesmo, Deus estava abrindo meus
olhos. Pela primeira vez, pude vê-lo. Sentir sua presença. Entender que ele era real.
Salvação
Fechei minha Bíblia e me ajoelhei ao lado da minha cama. Quando o sol raiou no meu
quarto, entreguei minha vida a um Deus que eu não conhecia, mas tinha certeza que ele me
conhecia. Ele me criou com um propósito: para lhe trazer glória. E tudo o que eu tinha sofrido na
minha vida era para alcançar esse fim.
Deus, que me conheceu, assim como a cada um de nós, antes da fundação do mundo,
nos chama de forma única. Não baseado em nada que fizemos, mas baseado apenas em sua graça
irresistível. E esse chamado muitas vezes começa com ele respondendo uma simples oração. Não
uma pergunta teológica nem elaborada. Apenas um clamor sincero.
Então, se você não conhece Jesus, você consideraria orar: “Deus, se você é real, por
favor, me mostre?”
E então, olhe em volta para ver como ele está respondendo a você.
4: ENTERRANDO UM FILHO
Enterrar meu bebê foi devastador. Não fazia ideia de como lidar com a morte repentina e
inesperada dele. Verdade, Paul tinha nascido com um problema cardíaco, mas ele tinha
sobrevivido à cirurgia crítica depois do nascimento e estava indo bem. Ele tinha voltado do
hospital com três semanas de idade e, depois de um início devagar, começou a ganhar peso.
Oramos por tanto tempo e tão intensamente por esta preciosa criança, que tinha certeza
que a vida de Paul seria usada para glorificar a Deus. Mal podia esperar para ver como.
Com seu sorriso alegre, disposição fácil, e amontoado de cabelos encaracolados escuros,
ele encantou a todos nós. Ele era saudável e bonito. Até o médico que substituiu o cardiologista
regular de Paul ficou tão impressionado com o progresso de Paul que decidiu eliminar todos os
medicamentos cardíacos do nosso filho. Paul não precisava mais deles. Ele estava bem. No
começo, fui encorajada pelas boas notícias. Mas dois dias depois, Paul estava morto. Ele só tinha
dois meses.
Lutei para aceitar o que tinha acontecido: que a decisão tola de um médico levou a vida
do nosso bebê. Enquanto os observava baixar o caixão minúsculo de Paul, enterrei meus sonhos
para ele. Como sua vida poderia glorificar a Deus? Senti que nada de bom poderia vir de sua
morte inútil. Fiquei enlutada. Escrevi no diário. Plantei flores que floresceriam no mês de seu
nascimento e flores que floresceriam no mês de sua morte. Lentamente, Deus me curou com sua
presença reconfortante, mas ainda assim, perguntava a mim mesma como Deus poderia ser
glorificado através de uma morte tão repentina e sem sentido.
As palavras do refrão ecoam minha experiência. Deus nos ama. Ele nos segura em nossa
dor. E por causa de seu amor e compaixão, podemos passar por qualquer coisa sabendo que ele
nunca nos deixará.
“Held” foi gravado por Natalie Grant em 2005 e ganhou inúmeros prêmios e tocou
inúmeras vidas. Ao ler mensagens de pessoas que sentiam o conforto de Deus em sua dor por
causa da canção, vi como a curta vida de Paul trouxe glória a Deus. Mas nenhuma das cartas me
impactou tanto quanto ver como impactou alguém em primeira mão.
Tocada
Tinha sido um dia miserável, cheio de chuva, e eu estava sentindo pena de mim mesma,
atrasada nos meus compromissos por causa do mal-tempo. Parcialmente encharcada, enfiei-me
em uma loja de sanduíches para pegar um almoço rápido. Ela não estava lotada, mas o rapaz que
fazia meu sanduíche parecia interminavelmente lento.
Ele não poderia ir um pouco mais rápido? Perguntava-me, enquanto suspirava
impaciente. Ele estava quase terminando, apenas rasgando a folha final de alface, quando a
música “Held” começou na rádio. Quando ouvi os acordes familiares, senti minha tensão e
irritação irem embora. Agradecida pelo atraso, sorri e me inclinei no balcão para aproveitar o
momento, sem pressa. Algo curativo tinha surgido do meu quebrantamento, e ainda estava me
curando.
Perdida em meus pensamentos, não notei que o jovem fazendo meu sanduíche tinha
parado. Quando olhei para cima, ele estava chorando. Nossos olhos se encontraram e ele se
desculpou, “Sinto muito. Você está com pressa? Você se importa se eu parar por um minuto e
ouvir essa música? Sabe, minha mãe morreu há alguns meses, e essa música foi a única coisa que
me ajudou a passar por isso. Significa muito para toda a minha família”.
Senti-me envergonhada por minha impaciência anterior. Recompondo-me, acenei com a
cabeça e sussurrei: “Por favor, sim. Leve o tempo que quiser. Eu amo essa música, também”.
O tempo parou quando este estranho e eu compartilhamos um momento sagrado juntos.
Fiquei em silêncio enquanto ele absorvia a música, dublando as palavras familiares enquanto as
recitava na minha cabeça. Quando a música acabou, lágrimas estavam escorrendo pelo meu rosto
também. Lágrimas de esperança. E redenção.
Eu sempre quis ser autossuficiente. E trabalhei duro nisso. Contraí pólio quando criança
na Índia e fiquei tetraplégica logo depois que minha febre diminuiu. Mas, depois de várias
cirurgias, pude andar e, depois de operações adicionais, me tornei bastante independente. No
ensino médio, tinha aprendido a organizar minha vida em torno das minhas limitações.
Ir para a faculdade foi outro grande obstáculo, e eu me perguntava como sobreviveria.
Para surpresa de todos, aprendi a me adaptar, e quando me formei, tinha descoberto como me
virar sozinha. Depois de alguns anos de trabalho e depois da pós-graduação, casei e tive filhos,
grata de que a parte mais difícil da minha deficiência parecia ter ficado para trás.
Eu era uma típica mãe dona de casa, ocupada cuidando de meus filhos. Também gostava
de pintar, fazer scrapbooks e montar joias — basicamente qualquer coisa que eu pudesse criar
com minhas mãos. Comecei a vender minhas joias em uma loja local, mas logo depois
desenvolvi uma dor agonizante no meu braço direito. Fui ao médico, e depois de vários meses fui
diagnosticada com síndrome pós-poliomielite. Meus braços nunca se recuperariam. Os médicos
disseram que eu precisava reduzir a pressão sobre eles. Imediatamente. Radicalmente.
Permanentemente.
Disseram-me que a pós-poliomielite era uma condição degenerativa que resulta em
crescente fraqueza e dor. Minha energia era como uma quantia fixa de dinheiro em um banco -
eu poderia fazer saques, mas não depósitos. Então toda vez que eu usava esse braço, estava
perdendo força futura. De agora em diante, minha energia não poderia ser gasta em hobbies de
curto prazo: precisava me concentrar em ser capaz de me alimentar a longo prazo. Agora meus
braços só podiam ser usados para o essencial absoluto.
Esse diagnóstico me surpreendeu, virando minha vida confortável de cabeça para baixo.
Eu era uma esposa de 37 anos e mãe com duas filhas pequenas para criar. Era impensável que
um dia eu pudesse estar em uma cadeira de rodas em tempo integral, incapaz de cuidar de mim
mesma. Como Deus pôde fazer isso comigo? Eu chorei. Como poderia lidar com esses novos
obstáculos?
Perdas Devastadoras
Parei de fazer scrapbooks e encaixotei meu quarto cheio de materiais. Desisti de pintar e
fazer joias e cancelei minhas assinaturas de revistas de culinária. Fazia refeições simples e
recebia menos visitas. Embora todas essas perdas fossem difíceis, perder minha independência
foi a mais excruciante. Constantemente tinha que pedir ajuda para fazer tarefas cotidianas, coisas
que eu ansiava fazer por mim mesma.
Para mim, a perda de autossuficiência foi humilhante.
Odiava ser dependente de outras pessoas. Mas não tive escolha. Comecei a precisar de
ajuda ao dirigir longas distâncias, fazer o jantar, e ocasionalmente, até ao me vestir. Eu havia me
definido durante muito tempo como alguém que ajuda, e tive dificuldade com essa inversão de
papéis. Não queria ter necessidades; queria ser necessária. Não queria ser um fardo; queria
levantar os fardos dos outros. Não queria ser dependente. Eu queria ser autossuficiente. Todos os
dias eu lutava contra pedir ajuda. Queria desesperadamente fazer as coisas por mim mesma. E
chorava constantemente. Parecia injusto que as tarefas cotidianas, normalmente fáceis, fossem
exaustivas para mim.
No começo, estava com raiva. Então comecei a ficar deprimida. Não sabia se podia
aceitar essa nova vida. Eu me afastei de Deus. Questionei sua bondade e seu amor por mim e
imaginei que ele não iria responder às minhas orações, de qualquer maneira. Mas,
eventualmente, percebi que não poderia enfrentar esta provação sem Deus. Finalmente derramei
meu coração diante dele e pedi que me ajudasse a lidar bem com minhas perdas. Que me
mostrasse como minha dependência poderia ser alegre. Que me desse graça para lidar com o que
me foi entregue.
E Deus mudou tudo. Não ao mudar minhas circunstâncias, mas iluminando um caminho
através da escuridão. Ele me ensinou a orar, a pedir ajuda e a receber. Ele me deu vislumbres de
sua glória. Ele me mostrou como está usando minhas circunstâncias para me mudar.
A Batalha Diária
Foi uma luta constante. E se for completamente honesta, ainda é uma luta. Acho que
sempre será. Parte de mim sempre ansiará pela minha independência. Mas nesse anseio, aprendi
a me apoiar em Deus através da oração. Aprendi a oferecer a Deus meu lamento honesto —
minha raiva e tristeza derramada sem edições. Aprendi a dizer a Deus o que é difícil e admitir
que tenho receio de pedir ajuda. Aprendi que a oração muda minha perspectiva sobre minha
vida. Através da oração, lembro-me que o céu é real e que um dia terei um novo corpo.
Até lá, preciso da humildade para pedir ajuda. Pedir ajuda é sempre difícil porque sou
orgulhosa e prefiro não precisar de ninguém. Mas a maioria das pessoas está mais do que
disposta a ajudar — elas estão apenas esperando serem solicitadas. Às vezes as pessoas não
podem ajudar, e nessas situações devo aceitar isso graciosamente, sem ficar desanimada e sem
desistir. A primeira pessoa a quem peço nem sempre é a pessoa que Deus escolheu para ajudar.
Vislumbres Da Glória
Todo o processo é humilhante, mas essa dependência de Deus e dos outros cresceu
minha fé de maneiras incalculáveis. 2 Coríntios 4:16-17 diz: “Por isso, não desanimamos; pelo
contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se
renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso
de glória, acima de toda comparação”. Embora minha força esteja diminuindo, minha fé está
ficando mais forte, e um dia verei o que ele realizou através de meu sofrimento.
Posso demonstrar o valor sublime de Cristo quando sofro bem — quando aceito
alegremente circunstâncias que são menos que perfeitas, quando desisto da minha necessidade de
controlar. Voluntariamente renunciar à minha necessidade de ter as coisas exatamente como eu
quero é um ato de adoração.
Minha fé e meu caráter não são as únicas coisas que cresceram através das minhas
perdas. Minhas amizades e senso de comunidade também se aprofundaram tremendamente.
Tenho sido maravilhada e espantada com a disposição dos outros em ajudar, mesmo a um grande
custo para si mesmos. Vejo o amor de Cristo e como ele se importa comigo através do corpo de
Cristo. Enquanto meu corpo físico está se deteriorando, seu corpo tomou conta do meu,
enchendo-me de amor e bondade inesperada. Uma bondade que eu nunca teria conhecido, se não
precisasse dela.
Um amor que nunca teria experimentado, se tivesse me recusado a pedir ajuda.
Como dependo cada vez mais de Jesus, ele está gradualmente me transformando em sua
semelhança. Não há ninguém de quem eu mais gostaria de depender; não há ninguém com quem
eu prefira me parecer.[6]
6: UM CASAMENTO
DESMORONADO
Profundezas Da Escuridão
Sua partida me mergulhou na temporada mais sombria da minha vida. Amigos traziam
refeições e me ajudavam a cuidar das minhas filhas em homeschooling enquanto me afundava
nas trevas. Perdi 4,5 quilos em algumas semanas, ficando na cama por dias sem comer, puxando
as cobertas sobre minha cabeça, esperando que fosse tudo um pesadelo. Mas com o passar dos
dias, a realidade se estabeleceu. Eu era uma mãe solteira com duas filhas adolescentes.
Minhas meninas estavam compreensivelmente zangadas, descontando seus medos e
frustrações em casa. Nossa outrora pacífica casa se transformou em uma zona de guerra, com
raiva e decepção colorindo cada conversa. Elas decidiram que não queriam ter mais nada a ver
com “meu” Deus e se perguntaram se ele era mesmo real. Eu chorava antes de dormir todas as
noites, muitas vezes sussurrando da minha cama, “Deus, você ainda me ama?” Às vezes eu
gritava na escuridão: “Deus, por que você me odeia?” Ficava pensando que o pior tinha acabado,
mas cada dia parecia trazer mais dor.
Toda vez que leio essas palavras, elas me pegam. Como Jesus poderia amar Maria,
Marta e Lázaro e ainda atrasar? Se ele os amava, poderia ter ido imediatamente. Não precisava
deixar Lázaro morrer. Mas foi isso que aconteceu.
A resposta de Jesus me lembrou das maneiras em que ele me deixava sofrer. Por meses,
pedi a Deus pela libertação. E durante meses houve silêncio — assim como com Lázaro. Jesus
poderia ter ido a seu amigo, ou simplesmente dito uma palavra, e Lázaro teria sido curado. Mas
Jesus não fez nada.
Comecei a chorar quando percebi que este era o cerne da minha dor. Jesus poderia
consertar todas as minhas lutas em um instante. Ele poderia curar meu corpo, trazer meu marido
de volta, e mudar o coração das minhas filhas. Mas ele não estava fazendo nada. Senti como se
tivesse me abandonado, assim como ele tinha feito com Lázaro e suas irmãs.
A Bíblia diz que Jesus amava seus amigos, então ele se atrasou. Mas na minha maneira
de pensar, o amor resgata. O amor corre para ajudar. O amor responde. O amor não atrasa.
Buscando Na Escuridão
Queria entender essa passagem. Não fazia sentido para mim. E mais tarde, em João
11:40, o que Jesus significa quando diz a Marta: “Não te disse eu que, se creres, verás a glória de
Deus?”
Deus promete mostrar a Moisés sua glória em Êxodo 33, e ele cumpre essa promessa
alguns versos mais tarde, em Êxodo 34, ao falar de seus próprios atributos. “Senhor , Senhor
Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a
misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado” (Ex 34:6-7).
Uma maior compreensão de quem Deus é, como Deus é, o que ele faz — essa foi a
glória revelada por Deus, não um brilhante flash de luz ou algum êxtase indefinido. E a resposta
de Moisés a esta glória foi a adoração. Esta é a primeira vez que a Bíblia registra a adoração
espontânea e pessoal de Moisés. E depois desse encontro, o rosto de Moisés brilhou. Ele tinha
mudado. Moisés era diferente.
Na minha dor, eu gritei a Deus: “Quero ver você, e quero acreditar que você é a meu
favor. Eu creio, ajude-me na minha incredulidade. Mostre-me sua glória”.
Então eu esperei. Em silêncio. Por muito tempo.
Presença De Deus Revelada
Eu considerei sobre o que eu tinha orado e lido. Ao passo em que o fiz, pude ver Deus
mais uma vez através da lente das Escrituras, e imediatamente sua presença parecia encher meu
quarto. Ver a glória de Deus era tão simples, mas tão profundo. Ele é misericordioso e gracioso.
Tardio para se irar. Grande em misericórdia e fidelidade. Esses atributos não eram apenas
intelectuais. Eles foram especificamente direcionados para mim.
Deus estava falando comigo. Assim como com Moisés, Deus estava revelando quem ele
é. Deus me amou o suficiente para não me salvar. Ele sabia que precisava vê-lo, sentir sua
presença, entender seu coração. Precisava dessas coisas mais do que precisava de resgate.
Sempre haverá algo novo do qual eu precise ser resgatada, mas este encontro com Deus ficará
comigo para sempre.
Jesus amava Maria, Marta e Lázaro o suficiente para mostrar-lhes sua glória para que
pudessem ser transformados. Ele os amava o bastante para deixá-los sofrer para que pudessem
experimentar seu conforto. Ele os amava o suficiente para atrasar sua vinda para que pudessem
aprender a andar pela fé. Ver sua glória levou Maria a oferecer sua adoração extravagante,
derramando perfume caro nos pés de Jesus. Meu “ver” me levou a adorar, também. Jesus parecia
mais próximo do que jamais esteve, mais terno do que jamais tinha entendido, e mais glorioso do
que jamais imaginei.
Mais de Jesus
Todos precisamos mais de Jesus. Um único momento com ele nos muda, assim como
mudou Maria, Marta e Moisés. A transição do lamento para a adoração não tem nada a ver com a
mudança de circunstâncias; somos nós que somos mudados encontrando Deus, vendo sua
bondade e poder, entendendo seu caráter.
Essa experiência me levou a adorar, me firmou de maneiras que não posso explicar, e
isso me transformou para sempre. Jesus disse: “Não te disse eu que, se creres, verás a glória de
Deus?” (Jo 11:40).
E ver sua glória é um presente muito maior do que o livramento.[7]
PARTE 2: ATENTA PARA A
MINHA AFLIÇÃO
Atenta para a minha aflição e livra-me, pois
não me esqueço da tua lei. (Salmo 119:153)
7: LAMENTO E A BELEZA DA
AMARGURA
Quando a dor chega a quase nos estrangular e a escuridão é nosso amigo mais próximo,
o que devemos fazer?
Durante anos, achei que a melhor resposta era uma aceitação alegre. Uma vez que Deus
usa tudo para o nosso bem e sua glória, senti que a atitude mais honrada por Deus era parecer
alegre o tempo todo. Mesmo quando eu estava confusa e zangada. Mesmo quando meu coração
estava partido. E, especialmente, quando estava perto de pessoas que não conheciam Cristo.
Mas, desde então, aprendi a beleza de lamentar em meu sofrimento. O lamento destaca o
evangelho mais do que o estoicismo jamais poderia. Ouvir nosso autêntico lamento pode atrair
outros para Deus de maneiras inesperadas. Notei pela primeira vez o poder do lamento no livro
de Rute.
Alguns dias são mais difíceis que outros. Algumas manhãs, consigo ser alegre mesmo no
meio de circunstâncias difíceis, e outros dias esses mesmos problemas me sobrecarregam.
Alguns dias, acordo cheia de fé, e outros dias duvido que Deus se importe.
Invisível E Inconfundível
Foi uma daquelas manhãs difíceis quando o desânimo estava quase me sufocando. Eu
sabia que precisava de algo para me reanimar, então abri a Bíblia nos Salmos, meu “livro
padrão” para lamentos. Sou confortada pela disposição dos salmistas de colocarem suas dores
diante de Deus – de forma crua e sem filtros – e deixá-lo lidar com elas. Eu li o salmo 77, um
salmo de Asafe quando ele está desesperado.
Elevo a Deus a minha voz e clamo (...) para que me atenda. A minha alma recusa
consolar-se. (...) Esqueceu-se Deus de ser benigno? (...) Então, disse eu: (...)
Considero também nas tuas obras todas e cogito dos teus prodígios. Tu és o
Deus que operas maravilhas. Pelo mar foi o teu caminho as tuas veredas, pelas
grandes águas; e não se descobrem os teus vestígios (Sl 77: 1-2, 9-10, 12, 14,
19).
Meditei sobre a última linha por um bom tempo: “não se descobrem os teus vestígios”.
Asafe está se lembrando de uma época em que Deus guiou o povo de Israel, embora não
pudessem vê-lo. E ainda assim sua libertação foi tão milagrosa, tão extraordinária, tão
impossível, que só Deus poderia ter feito isso.
Preciso me lembrar das minhas próprias histórias. São evidências inconfundíveis de
Deus. Tempos em que o Senhor me ajudou. A Bíblia os chama de Ebenézers (1 Sm 7:12). Pedras
que nos lembram da presença de Deus, sua ajuda, sua fidelidade. Os israelitas frequentemente
reuniam essas pedras de lembrança, afirmando que sua vitória era o resultado da ajuda divina,
não da força humana. Lembrar do passado lhes deu esperança para o futuro.
O Fio Comum
Então hoje, eu costumo puxar o quadro e passar meus dedos pelas conchas. Vê-las
impulsiona minha fé. Assim como os israelitas, lembrar-me dos atos do Senhor me torna
agradecida por sua provisão no passado. Me dá coragem para confiar nele no presente. Isso me
dá esperança para o futuro. Sou grata quando olho para este quadro. Mas enquanto olho para as
conchas, percebo que elas têm algo em comum: sofrimento. Os momentos em que encontrei
Deus e senti sua presença eram todos compelidos pela dor.
Minha conversão ocorreu depois de dezesseis anos lidando com a poliomielite.
Dezesseis anos de uma vida com raiva de Deus, imaginando o que eu tinha feito para merecer
minha deficiência. Na noite anterior à minha conversão, perguntava-me se havia algum propósito
para o meu sofrimento. Ao ler João 9 no dia seguinte, descobri a resposta.
Ouvi o sermão sobre deleite semanas depois de enterrar meu filho, Paul. Estava lutando
na minha fé, imaginando por que eu tinha sido escolhida para tal sofrimento. Imaginando por que
meu filho tinha que morrer. Imaginando se Deus se importava. Piper afirmou em seu sermão que
Deus está em todo o nosso sofrimento, e ele usa tudo. Isso foi radical, mas estranhamente
reconfortante para mim enquanto lutava para entender a morte de Paul.
A resposta claríssima à minha oração, celebrada pela minha terceira concha surgiu de
uma situação difícil, também. Uma pela qual eu tinha procurado o Senhor por anos, alternando
entre desesperança e raiva. Estava cansada de esperar. Muitas vezes me perguntava se ele
responderia.
As outras duas conchas também têm fios semelhantes. De início, isso me incomoda. Por
que todos os meus marcadores estão relacionados com a dor? Por que meus momentos
transformadores com Deus estavam ligados ao sofrimento? Deus encontra todo mundo assim?
Eu olho para o Salmo 77 novamente. Asafe estava relembrando a travessia do Mar Vermelho.
Uma libertação milagrosa da opressão da escravidão. E nos momentos antes do milagre, o povo
de Israel estava desesperadamente com medo. Eles estavam entre o exército do faraó e a água.
Não havia saída humana.
Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior
se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia. Porque a
nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória,
acima de toda comparação,não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas
que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são
eternas (2 Co 4:16-18).
Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim?
(Salmo 42:5)
11: COMO ORAR QUANDO A
VIDA DESMORONA
Aba, Pai
Jesus não começa com “Deus todo-poderoso, Criador do céu e da terra”. Claro, Deus é
Senhor de tudo e merece honra e reverência. Mas Jesus escolhe um termo de proximidade: Aba.
Ainda que Aba não significasse “papai”, foi usado como um termo íntimo e pessoal para Pai.
Jesus está pedindo ao seu Pai para fazer algo por ele. Cresci chamando meu pai de “papai”, e
ainda faço até hoje. Era um grande nome quando estava feliz com ele, mas quando estava
chateada eu queria chamá-lo de “senhor”. Eu podia me sentir distante e desafiadora por dentro
quando dizia “senhor”, mas não havia como me separar dele quando falava “papai”. E meu pai,
que sabiamente reconhecia isso, insistia que eu o chamasse de papai depois de nossos
desentendimentos. Quando era capaz de usar esse nome sinceramente, ele sabia que nossa
reconciliação estava completa. Da mesma forma, preciso me aproximar de Deus na minha dor.
Ele é o Senhor Todo-Poderoso, mas também é meu Aba Pai (Rm 8:15). Preciso me aproximar
dele como tal.
A notícia foi completamente inesperada. E perturbadora. Assim que ouvi, meu coração
começou a bater e um calafrio varreu meu corpo. Não podia acreditar que isso estava
acontecendo. Chocada e desapontada, pedi imediatamente misericórdia a Deus. E a graça de
responder bem.
Quando tive tempo de me acalmar e pensar, pedi a Deus para consertar a situação —
mais precisamente, pedi-lhe para fazê-la desaparecer. Eu não queria enfrentar este problema e me
senti mal com o que poderia estar por vir. Eu queria que Deus o tirasse, fizesse tudo “certo”, me
impedisse de sofrer. Queria o caminho que tornaria isso mais fácil para mim.
Comece A Falar
Depois de falar ao telefone com minha irmã, lembro-me das palavras de Martyn Lloyd-
Jones: “Você já percebeu que a maior parte de sua infelicidade na vida é devido ao fato de que
você está ouvindo a si mesmo em vez de falar consigo?”[10] E então, começo a falar. Eu me
lembro de todas as bênçãos extravagantes que o Senhor derramou sobre mim. As bênçãos
pessoais, como meu marido amoroso e minha família que me apoia. E aquelas bênçãos
exclusivamente cristãs que são derramadas em todos os crentes, como a redenção, o perdão dos
pecados, a presença do Espírito Santo, e a promessa de vida eterna. Recebemos tudo isso,
juntamente com inúmeras outras garantias da Bíblia. Garantias como: “Sabemos que todas as
coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o
seu propósito” (Rm 8:28). Romanos 8 me ajuda a ver que há um quadro maior. Não enxergo o
plano completo. Eu só consigo ver o hoje.
Lembrar-me de Romanos coloca minha vida em perspectiva. Deus não se surpreende
com notícias decepcionantes. Ele sabe de antemão e as usa para me conformar à imagem dele.
Enquanto reflito sobre a situação e o caráter de Deus, minha oração muda. Sou capaz de dizer:
“Embora eu não entenda esta situação, foi o Senhor que trouxe isso para a minha vida. Por causa
disso, sei que é bom. E sei que o Senhor vai usá-la – tanto para o meu bem quanto para a sua
glória. Quero confiar no Senhor. Ajude-me a fazer isso”.
Então, toda vez que penso na situação, decido procurar Deus. Em vez de me concentrar
no negativo, começo a orar para que Deus a use — na minha vida, pelo bem dos outros
envolvidos, para sua glória. Esta não é uma oração fácil. É uma escolha deliberada para afastar a
preocupação, a raiva e a autopiedade. Mas enquanto busco o Senhor e continuo falando com ele,
sou capacitada a levar meus pensamentos cativos. Lentamente, minha sensação de desespero se
dissipa.
Reconhecer que Deus vai usar esta provação me deixa mais calma. Então toda vez que
penso sobre o assunto, ao invés de ficar chateada e ansiosa, eu oro. Peço a Deus que opere na
situação. Para redirecionar minhas emoções. Para me ajudar a confiar nele. É fácil para mim tirar
conclusões precipitadas. Pensar que uma situação difícil vai levar à outra e depois à outra.
Muitas vezes extrapolo as dificuldades presentes para o futuro — que é o cerne de não confiar
em Deus. Essas dificuldades podem nunca se apresentar, mas mesmo que o façam, a graça de
Deus estará lá para me encontrar. Mesmo que o pior aconteça, Deus não falhará comigo.
Gostaria de lembrar dessas verdades quando surgem os problemas. Eu me preocupo
desnecessariamente quando poderia estar confiando em Deus. Não deveria ficar surpresa quando
as provações vêm. A Bíblia diz para esperar por elas. Elas me treinam e me refinam. Fazem um
trabalho profundo na minha alma. Revelam meu caráter.
Não sei como essa situação vai acabar, mas sei que Deus traz beleza das cinzas. Não
importa o que aconteça, sei que ele vai usá-la para o meu bem e sua glória. Não pode haver um
final melhor do que esse.
13: QUANDO O DESVIO SE
TORNA A NOVA ESTRADA
Este não é o bilhete que comprei. Foi o que pensei quando minha saúde fez um desvio e
me encontrei em uma estrada que não tinha antecipado. Uma estrada para a qual não estava
preparada. Uma estrada em que não queria viajar.
Laura Story entende como é isso. Tudo mudou radicalmente depois que seu marido foi
diagnosticado com um tumor cerebral. Vendo-o lutar para respirar e lidar com uma perda
significativa de memória, Laura implorou a Deus para curar seu marido e restaurar suas vidas de
volta ao jeito que haviam sido. A vida não tinha sido perfeita, mas tinha sido boa. Laura contou à
irmã de seu desejo de voltar à vida normal e livre de provações que ela tinha desfrutado antes. E
sua irmã respondeu perspicazmente: “Sabe, Laura, acho que o desvio em que você está é, na
verdade, a estrada”.[11]
O desvio em que você está é, na verdade, a estrada. Que pensamento aterrorizante.
Até quando, Senhor? Esquecer-te-ás de mim para sempre? Até quando ocultarás
de mim o rosto? (Salmo 13:1)
15: A AGONIA DE ESPERAR
Uma vez, no meio de uma palestra, eu quase desabei. Enquanto contava como implorei a
Deus para salvar a vida do meu filho, senti meu peito apertar. Lembrei-me de como me sentia
desesperada. Como tinha certeza que minha insistência seria eficaz. O quanto eu queria compelir
Deus a fazer o que tinha pedido.
Afinal, ele é Deus. Nada é impossível para ele. Nunca quis tanto nada na minha vida, e
era quase inconcebível que Deus dissesse não a um pedido tão intenso.
Mas Deus disse não. Enquanto implorava pela vida do meu filho, ele estava morrendo.
Como um Deus bom deixa isso acontecer? Não conseguia entender isso. E lembrei-me
vividamente de muitas outras vezes em que implorei a Deus por coisas que ele havia me
recusado. Quando criança, implorei a Deus que me curasse. Aos vinte anos, implorei a Deus que
reparasse um relacionamento romântico quebrado. E há vários anos, implorei a Deus para trazer
meu marido de volta.
Tudo deve cooperar para o bem; tudo é necessário que ele envia; nada pode ser
necessário que ele retém Renda-se às suas prescrições, e lute contra cada
pensamento que represente como desejável ser permitido escolher por si mesmo.
Quando você não pode ver seu caminho, esteja convencido de que ele é seu líder.
[14]
Tudo é necessário que ele envia. Nada pode ser necessário que ele retém.
Deus sabe o que preciso e escolheu para mim o que não teria escolhido sozinha, dada a
minha perspectiva limitada sobre a vida e a minha propensão para o meu próprio conforto. Mas
se tivesse a perspectiva de Deus e soubesse o que ele sabe, eu, sem dúvida, escolheria o que ele
me deu.
Foi tudo necessário.
17: ANSEIOS NÃO REALIZADOS
Fiquei sozinha por anos. Eu ansiava por me casar de novo, mas não queria admitir isso a
ninguém. Nem mesmo para mim.
Não queria depositar minhas esperanças em algo que poderia nunca acontecer. E se
nunca me casasse de novo, não queria parecer que eu tinha desperdiçado minha vida, não tinha
confiado em Deus, e não poderia ser contente. Receberia pena dos outros e sentiria vergonha de
mim mesma. Eu não queria isso.
Honestidade É Melhor
É muito melhor ser completamente honesta com Deus. Oferecer meus anseios para ele.
Pedir-lhe para mudar a situação ou me dar a graça para lidar com isso. Estranhamente, esse
processo de clamar a Deus e ser honesta sobre a minha dor me atraiu para perto de Jesus.
Falso contentamento não faz isso. Muito pelo contrário, o contentamento fingido me
afasta de Cristo porque não posso nem ver a minha necessidade por ele. Amortecer nossos
desejos pode nos tornar estoicos, mas isso não nos fará seguidores apaixonados de Cristo. Um
“contentamento” que é resultado de suprimir nossos anseios leva a platitudes vazias na melhor
das hipóteses e hipocrisia amarga na pior delas.
Todos temos anseios. Clamar a Deus para realizá-los ou mudá-los ou nos dar força para
suportá-los fortalece nossa fé. Negar nossos anseios sob o pretexto de contentamento pode nos
afastar da dor, pode parecer mais espiritual, e pode nos tornar menos emocionais, mas pode levar
à morte espiritual.
Deus pode mudar meus desejos e trazer contentamento duradouro mesmo quando ele
nega meus queridos pedidos. Isso seria um grande presente. Mas nem sempre acontece assim. E
se isso não acontecer — se eu ainda sinto esses lugares crus na minha alma, se ainda anseio por
algo mais — ele pode querer que me incline para mais perto dele, confie nele mais
fervorosamente e me apegue com mais força. E isso é uma misericórdia também.
A vida é cheia de dor. Às vezes Deus milagrosamente nos liberta. Quando ele o faz, nos
alegramos e lhe damos glória. Ele faz todas as coisas novas e traz beleza das cinzas. Às vezes
não somos libertos, mas ele nos dá um verdadeiro contentamento em nossas circunstâncias, para
que o mundo possa ver sua paz e satisfação. E às vezes ele nos deixa com uma dor constante, um
lembrete de que este mundo não é nosso lar, e somos apenas estranhos passando por aqui.
Essa dor implacável é o que me deixa de joelhos, me traz a Jesus, me faz ansiar pelo céu.
E talvez no céu, agradecerei mais a Deus pelos meus anseios não realizados porque eles fizeram
o trabalho mais profundo e duradouro da minha alma.
Resultado
Naquela noite, escrevi meu diário. Eu comecei com, “Estou tão confusa e não sei o que
pensar... se você quer que eu seja curada Senhor, dê-me a fé. As dúvidas começaram a me
sobrecarregar. Eu me senti desesperada. No dia seguinte, escrevi: “Tenho tão pouca fé... você diz
que se não temos fé devemos pedi-la. Senhor, quero ser curada... me ajuda a confiar que vou
ser”.
Nos dias seguintes, minhas emoções estavam em uma montanha russa, alternando entre
implorar a Deus por fé para que fosse curada e demonizar este homem que me humilhou. Então
decidi que estava errado. Ele era um falso mestre. Minha fé era forte, e ninguém podia questioná-
la.
Eu precisava de graça. Graça para mim, para ver que minha cura não repousa em mim.
Graça para este homem, que estava tentando dar uma desculpa para justificar seu dom. Graça
para meus amigos, que estavam tentando me ajudar a discernir a verdade. Quando fui criticada,
presumi que não havia culpa minha. Foi um erro totalmente deste homem. Ninguém deveria ter
questionado minha fé. Mas quando olhei para o meu coração e o que estava na raiz da minha
revolta, vi meus próprios pecados de justiça própria, orgulho e arrogância.
Mas, ao mesmo tempo, não acredito que curandeiros da fé possam curar seja lá quem
quiserem. Só podem curar aqueles que Deus escolheu restaurar. A gloriosa mensagem do
evangelho é que o plano e as promessas de Deus não dependem de nós. Eles são totalmente
dependentes dele, pois ele fez tudo. Só Deus decide por quem e quando e onde a cura ocorrerá.
Beleza Batida
Eu fixo meus olhos nesses brincos. Eles são sofisticados. Do meu ponto de vista, não
estão marcados. Muito pelo contrário, parecem-se com o trabalho de um artesão habilidoso. O
dano produziu algo de tirar o fôlego.
A lição é vívida. Não quero lutar, pegar o caminho difícil, ser machucada. Prefiro uma
vida fácil e suave.
Mas é a batida que produz caráter, caráter esse que reflete a luz. Ao ver o ouro retorcido
brilhando, fico espantada com a beleza do que foi batido.
Enquanto falamos, meu olhar muda dos brincos de Joni para as mãos. Estamos jantando
e estou vendo ela comer. Isso não é curiosidade ociosa; sei com a pós-poliomielite que meus
braços estão falhando e eu também posso ter de lutar para me alimentar. Ela frequentemente
precisa de ajuda e deve se contentar com a forma como os outros a ajudam. Como cortam sua
comida, o que colocam em seu prato, quando podem atender às suas necessidades.
Como uma comilona, não posso imaginar comer dessa maneira. Quero que cada mordida
seja exatamente como eu imagino. Assisto e me pergunto se eu poderia aceitar ajuda com tanta
graça. Depois de um momento de observação, sei que não poderia. Pelo menos, não na minha
própria força. Digo a ela calmamente: “Joni, isso deve ser tão difícil - você nem sempre pode ter
as coisas do jeito que você quer”. Estou expressando minhas próprias lutas, meus próprios
medos, minha própria dor.
Ela ri e diz: “Eu sou uma pessoa tipo A, e com tetraplegia, nada é exatamente do jeito
que eu quero. Nada além da minha escrita”. Ela se inclina para mim, olha-me diretamente nos
olhos e declara com certeza inabalável: “Mas todas essas pequenas decisões, essas coisas
cotidianas que eu rendo, as escolhas que faço diariamente um dia brilharão em glória. Todas elas
vão contar”.
Tudo Conta
Engulo com força. Eu precisava ouvir isso. Essas pequenas escolhas, essas formas
aparentemente insignificantes em que tenho que abrir mão do que quero, quando ninguém vê e
ninguém mais sabe, todas elas contam. Porque alguém vê, e alguém sabe. Nenhum desses
sacrifícios será esquecido. Um dia, todos brilharão em glória. Todos contarão.
Penso nas entregas momento-a-momento. Suas escolhas de ser agradecida quando as
coisas não são perfeitas. Ela morrendo para si mesma. São atos de adoração. Elas têm um
significado eterno. Percebo que todas as minhas respostas importam também. Posso mostrar o
valor de Cristo quando sofro bem, quando aceito alegremente circunstâncias que são menos do
que perfeitas, quando abro mão de minha necessidade de controlar. Abrir mão do meu “direito”
de ter algo exatamente como quero pode ser um ato de adoração.
Joni Eareckson Tada me orientou de longe enquanto aprendi, através de sua escrita,
como persistir no meio do sofrimento. Ela demonstrou o que é ser entregue a Deus. Ela me
mostrou que a glória de Deus é algo pelo qual vale a pena sofrer, viver e morrer. Enquanto a
observava, silenciosamente afirmei: “Se é isso que a aflição faz na vida de alguém, se é assim
que poderia ser atraída a Deus, se esse é o caminho de mostrar Jesus a um mundo que observa,
pode me inscrever para o sofrimento”.
Joni me mostra que Deus é valioso não porque ele torna nossas vidas mais fáceis. Ele é
valioso porque ele é o Senhor do universo e conhecê-lo é melhor do que qualquer coisa nesta
vida. Conhecê-lo é a alegria final. Conhecê-lo vale qualquer provação que possamos suportar.
Este é um Deus digno de adoração. O Deus que tomou uma mulher que queria morrer
depois de ficar tetraplégica e a transformou de dentro para fora de modo que poderia mais tarde
dizer: “Sou grata pela minha tetraplegia”.[18]
O livro de Joni, When God Weeps (Quando Deus Chora), trouxe uma mudança de vida
para mim e ajudou a forjar minha teologia. Algumas das minhas citações favoritas são:
Nada acontece por acidente. (...) Nem mesmo a tragédia, Nem mesmo os pecados
cometidos contra nós.
Cada tristeza que provamos, um dia provará ser a melhor coisa possível que
poderia ter acontecido. Agradeceremos a Deus infinitamente no céu pelas
provações que ele nos enviou aqui.
Colossenses 1:24 diz “Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e
preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu
corpo, que é a igreja”. Não falta nada quando se trata do que Cristo fez na cruz.
Está consumado, assim como ele disse. Mas falta algo quando se trata de
mostrar a história da salvação para os outros. Jesus não está por perto em carne
e osso, mas você e eu estamos.
Quando sofremos e lidamos com isso com graça, somos como outdoors
ambulantes anunciando a forma positiva como Deus trabalha na vida de alguém
que sofre.
O maior bem que o sofrimento pode fazer por mim é aumentar minha capacidade
para Deus.[19]
Joni encerra seu livro de memórias inspirador, The God I Love (O Deus que Amo),
dizendo: “Há coisas mais importantes na vida do que andar”.[20]
E depois de conhecer Joni, tenho que concordar.
21: QUANDO A DOR NUNCA
ACABA
Gosto de dias ensolarados. Dias com pouco drama, estresse mínimo, sem dor. Quando
não há nada com que se preocupar e a vida é descontraída e fácil. Como beber limonada na
minha varanda com uma brisa fresca de verão no ar.
Mas quando olho para trás na minha vida, aqueles dias simples e alegres não são aqueles
pelos quais sou muito grata. Sou muito agradecida pelos dias em que tive que lutar pela fé. Os
dias em que clamei a Deus em desespero e dor. Os dias em que mal sobrevivi, lutei para
atravessar, me perguntei se a vida valia a pena, afinal. Os dias que me deixaram de joelhos. Estes
moldaram meu caráter, cresceram minha dependência, e me fizeram ver Jesus. Para mim, a
gratidão por esses dias é muitas vezes em retrospectiva. Olhando para trás, posso me alegrar com
o que Deus fez através dos meus testes de fé. Quando a dor se foi e só resta o fruto, vejo o valor
do meu sofrimento.
Provações Exaustivas
Mas para algumas provações, a dor nunca passa. Estas são as lutas diárias a longo prazo
que continuam a nos moer. Doença crônica. Um casamento difícil. Uma criança que é “atípica”.
Uma carreira decepcionante. Preocupações financeiras. Depressão.
Anseios não realizados. Quando vivemos com essas provações, tendemos a fantasiar
sobre o quão agradáveis e normais nossas vidas seriam sem elas. Sempre pensei: “Se não tivesse
que lutar com esse problema, poderia lidar com todo o resto. Esse problema supera todos os
outros e torna minha vida mais desafiadora do que a vida das pessoas ao meu redor”.
O que eu não enxergo é que este problema abrangente é o que está me aproximando de
Jesus. Aprendi com os santos, vivos e mortos, que preciso agradecer a Deus pelo meu mais
profundo sofrimento. Crentes que agradeceram a Deus pela cegueira, pela prisão e pela
tetraplegia. Sofrimento impensável, que a maioria consideraria insuportável, esses seguidores de
Cristo enxergaram como dons de Deus.
Presentes embrulhados em preto, mas, ainda assim, presentes.
Meu Deus, nunca Te agradeci pelo meu espinho. Agradeci-Te mil vezes pelas
minhas rosas, mas nem uma vez pelo meu espinho. Tenho estado ansioso por um
mundo onde vou obter compensação para a minha cruz, mas mas nunca pensei
na minha cruz como uma glória presente.
Foi-me concedido levar dos meus anos de prisão nas minhas costas curvadas,
que quase quebraram sob sua carga, esta experiência essencial: como um ser
humano se torna mau e como se torna bom. Na intoxicação de sucessos juvenis
senti-me infalível, e era, portanto, cruel. No ápice do poder, era um assassino e
um opressor. Nos meus momentos mais ruins, estava convencido de que estava
fazendo o bem, e estava bem abastecido com argumentos sistemáticos. Foi só
quando eu estava lá na palha da prisão que senti dentro de mim as primeiras
agitações do bem. Aos poucos foi revelado a mim que a linha que separa o bem e
o mal não passa por estados, nem entre classes, nem entre partidos políticos -
mas através de cada coração humano - e através de todos os corações humanos.
(...) É por isso que volto para os anos da minha prisão e digo, às vezes, para
espanto daqueles ao meu redor: “Bendita sejas, ó prisão!” Eu... já cumpri tempo
suficiente lá. Alimentei minha alma lá, e digo sem hesitação: “Bendita sejas, ó
prisão, por ter estado na minha vida!”[22]
A terceira, Joni Eareckson Tada, é uma escritora cristã, oradora e líder de ministério que
se tornou tetraplégica aos 17 anos após um acidente de mergulho. Joni diz:
A maioria de nós é capaz de agradecer a Deus por sua graça, conforto e poder
de sustentação em uma provação, mas não agradecemos a ele pelo problema,
apenas por encontrar Deus nele.
Mas muitas décadas em uma cadeira de rodas me ensinaram a não separar meu
Salvador do sofrimento que ele permite, como se um pescoço quebrado — ou no
seu caso, um tornozelo, coração ou casa quebrados — simplesmente
“acontecesse” e então Deus aparece após o fato para lutar e tirar algo bom
dele. Não, o Deus da Bíblia é maior que isso. Muito maior.
Assim como a capacidade de sua alma. Talvez essa cadeira de rodas tenha sido
uma tragédia horrível no começo, mas dou a Deus graças na minha cadeira de
rodas. (...) Sou grata pela minha tetraplegia. É uma contusão de uma bênção.
Um presente embrulhado em preto. É o companheiro sombrio que caminha
comigo diariamente, puxando e me empurrando para os braços do meu
Salvador. E é aí que está a alegria.
...
Sua “cadeira de rodas”, seja ela qual for, cai bem dentro dos decretos
abrangentes de Deus. Suas dificuldades e dor de cabeça vêm de sua sábia e
gentil mão e por isso, você pode ser grato. Nele e por ele.[23]
Agradeço a Deus por esses companheiros crentes, que me mostraram como minha dor é
preciosa. Nas mãos de um Deus todo-poderoso, minhas lágrimas fizeram meus arco-íris,
mostraram-me minha própria depravação, e me empurraram para os braços do meu poderoso
Salvador.
E todas essas bênçãos superam em muito a felicidade fugaz de beber limonada em dias
ensolarados.
Eu me peguei ficando com medo. Não é um medo que para o coração, abrangindo tudo,
mas o tipo que rói constante, que entra em seus ossos quando você ouve más notícias ou vê algo
dando errado. Quando você extrapola as tendências desanimadoras do presente para o futuro e
presume que as coisas nunca mudarão. Quando você pensa sobre onde está indo e sente seu
estômago apertar.
Perguntas permaneciam no fundo da minha mente. E se eu continuar nesse caminho? E
se nada melhorar? E se o pior acontecer?
E Se?
Passei a vida toda considerando os “e se”. Essas perguntas têm um jeito de me deixar
desconfortável, destruir minha paz, me deixando sem esperança. Quando possibilidades
negativas surgem diante de mim, não consigo controlar meus pensamentos. Só de perguntar “E
se...”, isso me perturba.
As pessoas na Bíblia também estavam perturbadas com perguntas de “e se”. Quando lhe
disseram para liderar os israelitas, Moisés perguntou a Deus: “E se eles não acreditarem em
mim?” O servo de Abraão perguntou sobre a futura esposa de Isaque: “E se a jovem se recusar a
vir comigo?” Os irmãos de José perguntaram: “E se José guardar rancor de nós?” Todos eles se
perguntavam o que aconteceria se as circunstâncias dessem errado. Assim como nós.
Todos nós enfrentamos uma incrível variedade de “e-ses”. Alguns são pequenos
inconvenientes, enquanto outros têm repercussões que potencialmente impactam uma vida. E se
eu perder meu emprego? E se eu nunca tiver filhos? E se eu tiver câncer? E se meu cônjuge
morrer? E se meu marido nunca me amar? E se meu filho nunca acreditar em Jesus?
A verdade desconfortável é que qualquer uma dessas coisas pode acontecer. Ninguém
está livre de tragédias ou dor. Não há garantias de uma vida fácil. Para qualquer um de nós.
Nunca.
Eu estava considerando essa realidade sóbria em um retiro silencioso anos atrás. Ao
longo de vários dias, eu tinha trazido numerosos anseios e pedidos perante o Senhor. Queria que
eles fossem realizados. Quando Deus faria isso? Enquanto escrevia meus pensamentos, senti
aquele medo familiar me agarrando.
Suficiente?
A pergunta ecoou em minha mente: E se meus anseios mais profundos nunca forem
atendidos e meus pesadelos se tornarem realidade? Eu nem queria entreter essa possibilidade.
Enquanto me sentava na capela vazia debruçada sobre minha Bíblia, senti Deus fazendo a mesma
pergunta com a qual lutei por décadas. “Sou suficiente? Mesmo que essas coisas assustadoras
aconteçam, eu sou suficiente para você?” Cada vez que essa pergunta tinha vindo à tona no
passado, eu tinha empurrado-a para fora da minha mente.
Mas na quietude da capela, sabia que precisava enfrentar isso. Senti Deus sussurrando
novamente: “Vaneetha, sou o suficiente? Se nenhum de seus sonhos se tornar realidade, eu sou
suficiente? Se sua saúde apenas deteriorar e você acabar em uma instituição, eu sou suficiente?
Se seus filhos se rebelarem e nunca andarem perto de mim, eu sou suficiente? Se você nunca se
casar de novo e nunca mais se sentir amada por um homem, eu sou o suficiente? Se seu
ministério não florescer e você nunca ver frutos dele, eu sou suficiente? Se o seu sofrimento
continuar e você nunca enxergar propósito nele, eu sou suficiente?
Gostaria de ter respondido automaticamente: “Sim, Senhor, você é suficiente”. Mas eu
agonizei. O peso dessas perguntas parecia esmagador. Não queria desistir dos meus sonhos,
entregar aquelas coisas que eram queridas para mim, abrir mão do que sentia ser direito. Refleti
sobre meu “contrato” não escrito com Deus, onde prometo fazer a minha parte se ele cumprir
meus anseios. Relutantemente admiti que parte do meu desejo de ser fiel estava enraizada na
minha expectativa de retorno. Deus não me deve nada? Mas e se eu não conseguisse?
Sabia que precisava abandonar meus desejos, mas era incapaz de fazê-lo sozinha.
Implorei ajuda a Deus. Para abandonar minhas expectativas. Deixar meus sonhos de lado e
abraçar os dele. Não predicar minha obediência em seus presentes. Chorei enquanto abria minhas
mãos, cheia de meus sonhos, e as entreguei a ele. Não queria amar a Deus pelo que ele poderia
fazer por mim. Queria amar a Deus pelo que ele é. Para adorá-lo porque ele é digno e não porque
eu esperava algo em troca.
Ainda Que
A presença de Deus sobreveio quando me ajoelhei na semi-escuridão e abandonei
minhas expectativas. Ele me lembrou que tenho algo muito melhor do que uma garantia de que
meus temidos “e-ses” não acontecerão. Eu tenho a garantia de que mesmo que eles aconteçam,
Deus estará lá no meio deles. Ele vai me carregar. Vai me confortar. Ele cuidará de mim. Deus
não me promete uma vida livre de problemas. Mas promete que estará lá no meio das minhas
tristezas.
Na Bíblia, Sadraque, Mesaque e Abednego não eram tiveram garantias de livramento.
Pouco antes de Nabucodonosor entregá-los ao fogo, eles pronunciaram algumas das palavras
mais corajosas já ditas. “Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da
fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a
teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste” (Dn 3:17-18).
Mesmo que o pior aconteça, a graça de Deus é suficiente. Esses três jovens enfrentaram
o fogo sem medo porque sabiam que não importa o resultado, seria, em última análise, para o
bem deles e para a glória de Deus. Eles não perguntaram e se o pior acontecesse. Eles estavam
satisfeitos sabendo que mesmo que o pior acontecesse, Deus cuidaria deles.
Ainda que. Essas duas palavras simples podem tirar o medo da vida. Substituir “e se”
por “ainda que” em nosso vocabulário mental é uma das trocas mais libertadoras que podemos
fazer, fazer. Nós trocamos nossos medos irracionais de um futuro incerto pela garantia amorosa
de um Deus imutável. Vemos que ainda que o pior aconteça, Deus nos carregará. Ele ainda vai
ser bom. E ele nunca nos deixará.
No final de Habacuque, vemos outra bela imagem de “ainda que”. Habacuque quer
libertação para seu povo e implora a Deus para salvá-los. Mas ele conclui seu livro com um
requintado “ainda que”.
Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira
minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do
aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no
Deus da minha salvação. (Hb 3:17-18)
23: A SOLIDÃO DO SOFRIMENTO
Uma das coisas mais difíceis para mim acerca do sofrimento é a solidão.
Inevitavelmente me sinto solitária. Embora meus amigos possam ajudar, eles não podem
compartilhar minha tristeza. É um poço fundo demais. Quando a perda é recente, as pessoas
estão por toda parte. Elas ligam, oferecem ajuda, enviam cartões e trazem refeições. Seus
cuidados ajudam a aliviar a dor aguda. Por um tempo.
Mas então elas param. Não há mais refeições. O telefone fica estranhamente silencioso.
E a caixa de correio vazia. Ninguém sabe o que dizer. Não sabem o que perguntar. Então, na
maioria das vezes elas não dizem nada.
Às vezes, tudo bem. É difícil falar de dor. E eu nunca quero dó, com olhares tristes, o
aperto no braço, e a pergunta silenciosa, “Então, como você está?”. Não sei como responder a
isso. Não sei como estou. Parte de mim está arrasada. Nunca mais serei a mesma. Minha vida
está radicalmente alterada. Mas outra parte de mim anseia pela normalidade. Um retorno ao
familiar. Para se misturar na multidão.
O Presente Da Comunidade
No entanto, ao mesmo tempo, também anseio pelo conforto dos meus amigos. Preciso de
comunidade. E preciso mais agudamente quando estou sofrendo. Essa necessidade sempre me
pareceu de alguma forma profana. Uma parte da minha carne pecaminosa que um dia seria
redimida. Uma fraqueza que diminuiria com o tempo. Presumi que meu papel na comunidade
deveria ser apenas de servir, não receber.
Então eu vi. Quando notei pela primeira vez, me assustou. Em seus momentos mais
sombrios, Jesus queria seus amigos. Marcos 14:32-34 diz:
Então, foram a um lugar chamado Getsêmani; ali chegados, disse Jesus a seus
discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto eu vou orar. E, levando consigo a Pedro,
Tiago e João, começou a sentir-se tomado de pavor e de angústia. E lhes disse: A
minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai.
Jesus não queria ficar sozinho em seu sofrimento. Ele queria companhia humana. Jesus
não pediu aos seus discípulos para acompanhá-lo quando estava se comunicando com seu Pai.
Ele frequentemente levantou-se no início da manhã para estar com Deus sozinho. Mas vemos
que em sua hora de desespero, quando ele estava enfrentando uma agonia indescritível, pediu a
seus amigos para estarem com ele.
Simplesmente Humano
Uma vez que Deus, o Pai sempre teve comunhão ininterrupta na Trindade, ele nunca
sentiu falta de comunidade. Mas Jesus, no jardim, sabia que sua comunhão com Deus logo seria
completamente cortada, e ele desejava companheirismo. Claramente esse anseio não era
pecaminosamente fraco ou carente. Não refletia uma falta de confiança em Deus ou uma fé
frágil. Era simplesmente humano. Deus encarnado ansiou por comunhão. Porque Deus nos criou
para viver em comunidade.
Da mesma forma, nossos amigos muitas vezes anseiam por presença em seu sofrimento.
Cuidar deles à distância não é suficiente. Não estão procurando respostas para suas perguntas
mais profundas ou soluções para seus problemas mais urgentes. Só precisam da nossa presença.
Para alguns de nós, é uma tarefa difícil. Muito mais difícil do que parece. É mais fácil
contar histórias. Oferecer conselhos. Discursar sobre otimismo. Recitar um versículo bíblico ou
até mesmo entregar um mini-sermão. Isso é mais fácil do que ficar com alguém em sua dor.
Queremos alívio instantâneo, para nós e para nossos amigos. Por isso, é tentador tentar apressar
sua cura, corrigir seus problemas, aliviar suas dúvidas. Então, sentimos que conseguimos algo.
Simplesmente Sentando
Sentar parece tão inútil. Tão ineficiente. Tão sem propósito. E ainda assim é
incrivelmente valioso. Nossa presença por si só é um presente. Enquanto nos sentamos, nossos
amigos sofredores podem não responder à conversa. Alguns se comunicam pouco em sua dor.
Eles processam internamente. Não oferecem palavras. Talvez algumas lágrimas. Talvez um olhar
vago. Talvez apenas um vasto vazio.
Outras pessoas são processadores verbais, inundando-nos com palavras sobre como
estão se sentindo e o que estão pensando. A maioria dessas palavras não são cuidadosamente
pensadas. Ou totalmente teológicas. Na melhor das hipóteses, são gemidos dolorosos e não muito
destinados a avaliação ou julgamento.
Mas não importa como eles a processam, ninguém está nos pedindo um dilúvio de
palavras em resposta. Só querem alguém lá com elas.
Simplesmente estar presente com nossos amigos tem mais efeito curativo do que
podemos imaginar. Ainda me lembro de uma amiga que costumava passar lá em casa depois que
nosso filho, Paul, morreu. Ela raramente falava e, na maioria das vezes, sentava-se comigo
discretamente. Adorava recebê-la lá. Não achava que tinha que conversar. Mas, ao mesmo
tempo, sabia que ela ouviria se eu quisesse falar. Não queria ficar sozinha, embora eu nunca teria
expressado dessa forma. Simplesmente sabia que a presença dela era um grande conforto.
O autor Joe Bayly teve uma experiência semelhante depois de enterrar seu segundo filho.
Bayly diz:
Eu estava sentado, despedaçado pela dor. Alguém veio e falou comigo sobre os
negócios de Deus, de por que aconteceu, de esperança além do túmulo. Ele
falava constantemente, dizia coisas que sabia que eram verdade. Fiquei
impassível, só que queria que ele fosse embora. Ele finalmente foi.
Outro veio e sentou-se ao meu lado. Ele não falou. Não fez perguntas pensadas.
Apenas sentou-se ao meu lado por uma hora ou mais, ouviu quando eu disse
algo, respondeu brevemente, orou de forma simples, saiu.
Eu entendo o primeiro amigo de Bayly. Ele queria melhorar as coisas. Queria fazer algo,
e as palavras pareciam ser a resposta. Pensou que suas palavras trariam conforto.
Estou bem familiarizada com essa atitude. Quando há algo a ser feito, eu quero fazer.
Mas quando não há mais nada para fazer, costumo fugir. É menos desconfortável. Menos
desconfortável para mim, isso é.
O pediatra neonatal chamado Dr. John Wyatt não foge. Em sua prática médica, teve que
tomar decisões clínicas difíceis e dolorosas. Às vezes não há tratamentos para seus pacientes
minúsculos; seu treinamento e experiência não podem fazer mais nada. É então que Wyatt
simplesmente se senta e chora com os pais em luto. E talvez esse seja o seu maior serviço.
Ele diz em seu livro, Matters of Life and Death (Questões de Vida ou Morte),
Que lembrete poderoso de como podemos confortar aqueles que sofrem. E como os
outros podem nos confortar também. Pois o sofrimento é um mistério que exige uma presença.
25: QUANDO VOCÊ LUTA PARA
CRER QUE DEUS TE AMA
Entendo como você se sente. Essas provações implacáveis podem fazer você
sentir que Deus não se importa, ou não te ama. Nada poderia estar mais longe
da verdade. Mesmo que Deus possa parecer distante, ele está mais perto agora
do que nunca.
Está fazendo coisas em sua vida que vão surpreendê-la quando for capaz de dar
um passo e olhar para elas. Esta chuva torrencial em sua vida é um sinal de seu
amor.
Eu não posso dizer quantas vezes eu fui capaz de persistir porque sei que minha
vida está em exibição Não sofremos em vão e nunca sofremos sozinhos. Minha
resposta às dificuldades nunca é isolada. Não é verdade que ninguém se importa
ou nota. As apostas são altas e a reputação de Deus está em jogo. É tudo pela
glória de Deus.
Quando o mundo espiritual vê os braços fortes de Deus te segurarem em sua
fraqueza, o Pai recebe a glória. O mundo espiritual nos vê perseverar sob
pressão e sabe o que eles pensam? “Ah, como o Deus dela deve ser grande para
inspirar tal lealdade através de tamanho sofrimento”.[27]
A fala de Joni me lembrou de novo que minha vida está sendo vivida diante de um
número incontável de seres. Todos os dias tenho a oportunidade de mostrar o valor de Cristo
para o mundo invisível que me assiste.
Posso glorificar a Deus quando sou injustamente acusada e optar por responder com
graça. Quando estou preocupada com um ente querido e escolho não temer. Quando estou cheia
de dor física ou emocional e escolho louvar a Deus mesmo assim. Todas essas escolhas
importam. Porque hostes celestiais estão assistindo. Não para nos julgar ou nos condenar. Mas
para ver se nosso Deus é digno de adoração. Se vale a pena viver por ele. E ainda mais, se vale a
pena morrer por ele.
Portanto, vamos continuar. Lute com alegria. Seja fiel. Nossas vidas estão sempre em
exibição.
28: A GRAÇA SEMPRE CURA
MAIS PROFUNDAMENTE
O devocional de Joni Eareckson Tada, Beside Bethesda (Ao lado de Betesda), começa
com essa dedicação: “Para meus amigos de dores que conheci ao redor do tanque de Betesda.
Com cada devocional neste livro, oro por eles. Esses amigos, como eu, que lidam diariamente
com dor. Juntos, estamos descobrindo que a graça sempre cura mais profundamente”.[28]
A graça sempre cura mais profundamente. Essas palavras me atingiram com força.
Entendo a verdade por trás delas. Para a maioria de nós, “a graça sempre cura mais
profundamente” é uma ideia linda, mas preferimos a cura física. Ou cura emocional. Ou o
retorno do nosso filho rebelde. Ou a reversão de um desastre financeiro. Essas coisas são
tangíveis. E visíveis. Um motivo de comemoração.
Mas a graça. É uma cura invisível. Para alguém de fora, nada parece diferente. A vida
ainda parece despedaçada e Deus pode parecer distante. Mas isso é só para o observador casual.
Na realidade, estamos profundamente mudados.
A graça nos dá coragem para enfrentar qualquer coisa, curadas de dentro para fora. Pois
essa cura não é só para esta vida, mas para a próxima. É soprada pelo Espírito, não é
compreensível humanamente. É permanente, não temporária.
“Obrigada”, sussurrei. “Obrigada pela cura que você me deu. A cura mais
profunda. Ah, Deus, você foi tão sábio em não me dar uma cura física. Porque
esse ‘não’ significava ‘sim’ para uma fé mais forte em você, uma vida de oração
mais profunda, e uma maior compreensão de sua palavra. Ele purgou o pecado
da minha vida, me forçou a depender de sua graça, e aumentou minha
compaixão por outros que estão feridos. Esticou minha esperança, me deu uma
confiança animada e viva em você, despertou uma excitação sobre o céu, e me
levou a agradecer em tempos de tristeza.
Aumentou minha fé e me ajudou a te amar mais. Jesus, eu te amo mais”.
Ele não me deu a cura física que eu queria, mas a cura mais profunda que
precisava bem mais.[30]
Deus convida a todos nós para experimentar essa cura mais profunda. Este milagre de
um coração mudado ao invés de circunstâncias alteradas. Essa cura que fortalece nossa vida de
oração, aumenta nossa fé, e nos ajuda a amar mais Jesus. Essa cura que não é superficial ou
fugaz. Vai durar toda a eternidade.
Pois a graça sempre cura mais profundamente.
29: SOFRIMENTO É UM
PRESENTE
As provações podem ser uma bênção? Certamente elas não pareceram como bênçãos
quando eu estava no meio delas, mas ao refletir depois, percebo que elas foram o moldar da
minha fé.
Deus demonstrou vividamente essa verdade para mim através de uma discussão com
alguns amigos que tinham sido líderes de ministério há muito tempo. Anos antes, tinham ido a
uma conferência para ajudá-los a discernir onde o Senhor os estava levando. Na conferência,
cada um deles recebeu um grande pedaço de papel e pediram para traçar uma linha do tempo dos
pontos altos e baixos de sua vida. Mais tarde, eles conectaram esses pontos em um gráfico que
tinha grandes picos, significando momentos de realização e tempos de puro prazer, e vales
representando perda dolorosa, rejeição e solidão.
Depois de refletir sobre o que estava acontecendo nesses picos e vales, o conselheiro
então virou seus gráficos de cabeça para baixo. Ele disse: “Esta é a perspectiva de Deus sobre
seus pontos altos e baixos. É o oposto da sua perspectiva. Deus vê nossos momentos mais baixos
como nossos altos espirituais porque é quando ele está fazendo a obra mais profunda em nós. E é
a partir desses vales que Deus nos dá nossa plataforma para o ministério. Esses pontos baixos são
essenciais para nós enquanto discernimos nosso chamado e nossa caminhada com Cristo. A
partir deles vem nosso crescimento mais significativo e nossa maior dependência de Deus”.
Dos nossos pontos emocionais mais baixos vem nosso crescimento mais significativo.
Nossa maior dependência de Deus. Nossa plataforma para o ministério. É nestes pontos baixos
que Deus faz sua obra mais profunda em nós.
Inverta O Gráfico
É claro. Quão simples, mas quão profundo. Eu sabia que somos moldados por nossas
provações, mas fazer o simples exercício para mim tornou tudo muito mais claro.
Quando olhei pela primeira vez para o gráfico como tinha desenhado, antes de virá-lo de
cabeça para baixo, ver os pontos baixos me lembrou o quão agonizantes eles eram. Como
pareciam durar para sempre. Como me deixaram me sentindo sozinha e abandonada.
Honestamente, não senti que Deus estava fazendo algo que valesse a pena na minha vida
enquanto lutava com dúvida, medo e raiva. Deus muitas vezes parecia distante enquanto eu me
perguntava por que ele não respondia às minhas orações.
Olhar para os pontos altos do gráfico me fez sorrir. Eu podia ver a mão de Deus neles. Vi
respostas às minhas orações, realização dos meus sonhos, satisfação no meu trabalho. Eram
definitivamente tempos de alegria e abundância. Embora não fossem tempos de profundo
crescimento espiritual, eram tempos de gratidão. Eram importantes e davam vida, pois sem eles,
poderia ter caído em desespero.
Virar os gráficos de cabeça para baixo revelou uma imagem completamente diferente.
Retratou lindamente como a perspectiva de Deus é totalmente diferente da minha. Os vales
anteriores tornaram-se os topos das montanhas. Os tempos que havia sentido como agonizantes e
dolorosos me ensinaram a confiar em Deus e a me apoiar nele. Tornaram-se a base do meu
ministério. Muitas vezes, foram pontos de virada na minha vida e me treinaram para andar por fé
e não por vista.
Os eventos anteriores no topo da montanha não eram realmente meus pontos baixos
espirituais — enquanto virar o gráfico é útil, não quero levar a técnica muito longe — mas esses
momentos de pico eram muitas vezes estações de foco em mim mesma. Embora estivesse grata
pela forma como Deus me abençoou nos picos, precisava me proteger para não me tornar
arrogante ou orgulhosa desses eventos.
Valorize Os Vales
Já refleti muitas vezes sobre esse exercício quando estou lutando. Porque, quando estou
no poço, gostaria de eliminar todos os vales do meu gráfico. Ficaria feliz se a linha da minha
história de vida apresentasse picos frequentes para cima — tempos de sucesso e realização —
mas que pelo menos fosse mais plana. Assim não haveria mais vales, nem angústia, lágrimas ou
dor. Apenas felicidade. E isso soa maravilhoso.
Mas ao girar esse gráfico, eu encontraria uma vida espiritual chata, não-examinada e
infrutífera. Uma vida não-provada, marcada pela superficialidade e sentimento de direito. Uma
vida cheia de felicidade temporária, mas pouca alegria duradoura.
Sofrimento e provações são presentes. Eles refinam meu caráter, me atraem a Deus,
aprofundam minha fé. Moldaram minha teologia e esculpiram em mim a capacidade de grande
alegria. Em muitos aspectos, são as maiores bênçãos de Deus.
Anos atrás, estava falando com uma amiga que tinha experimentado poucas provações
na vida. Ela estava financeiramente próspera, tinha um casamento sólido, e desfrutava de
crianças com boa saúde, obedientes e amorosas. Por sua própria admissão, sua vida não faltava
nada. Mas então ela falou sobre as lutas que teve em sua fé. Deus parecia distante e vago para
ela. Ela invejava aqueles que tinham passado por sofrimento por causa da forma como os
transformou. Eles tinham uma paixão por Deus e uma frutificação no ministério que a animava.
Ela tinha certeza que havia algo em sua experiência com Deus que estava faltando.
Falamos sobre isso várias vezes, e eu queria que ela visse que sentir-se perto de Deus
não é a única coisa que importa. Às vezes precisamos ter fé no escuro, sem ter fortes emoções de
sermos atraídas por ele. A fé é muito mais relacionada a caminhar consistentemente com o
Senhor e confiar nele do que em sentir sua presença, ou ter “experiências” espirituais.
Mas ao mesmo tempo, entendia o que ela estava dizendo. A fé parece mais fácil para
aqueles que sofreram. É como se o sofrimento fosse um estranho presente de Deus, um dom que
relutantemente recebemos e sempre queremos retribuir. Mas tem um poder extraordinário para
nos mudar. Muda nossa perspectiva, nossa fé, nossa caminhada com Deus. Quando passamos por
provações, nunca mais somos os mesmos. O aprendizado acadêmico pode ser esquecido ou
descartado, mas as lições que aprendemos com o sofrimento são tecidas na malha do nosso ser.
Elas se tornam parte de nós.
No meio de provações, raramente sinto que o crescimento espiritual está acontecendo.
Muitas vezes estou deprimida e apenas tentando aguentar. A vida é cinza, e não vejo o trabalho
de Deus. Mas, em retrospectiva, é no aguentar firme, na confiança no escuro, na espera paciente
por Deus, onde ocorre o crescimento real.
Quero uma vida de profundidade e significado, uma vida que reflita Jesus acima de tudo,
uma vida marcada pela fidelidade e alegria nele. Mas essas qualidades são duramente
conquistadas, e para muitos de nós, para chegar lá devemos segurar as mãos do Sofrimento e
Tristeza, como o Muito Medo fez na alegoria, Hinds Feet on High Places (Pés de Corça sobre
as Alturas).[31]
Os vales da minha vida foram solitários e dolorosos, mas eles deram frutos que as
montanhas nunca conseguiram. Nesses vales escuros, aprendi a confiar em Deus. No final, isso
fez toda a diferença.
30: GRAÇA SUSTENTADORA
Eu entro no estudo bíblico hesitante. Esta semana estamos falando de oração. Não sei o
quanto devo ser honesta. Embora veja um enorme valor na oração, tive minhas próprias lutas
com ela. Especialmente quando as pessoas falam sobre suas respostas milagrosas. As que
acontecem logo após terem orado sobre algo pela primeira vez — enquanto orei sobre as coisas
por anos e nada mudou.
“Algumas das minhas orações permaneceram sem resposta por décadas”, comento
provisoriamente. Parece estranho dizer isso em voz alta. Minha evidente decepção parece tão
pouco espiritual, tão incrédula, tão superficial.
Desdenhoso De Graça
Mas então Florence diz algo que reconcentra minha atenção. Imediatamente, sei que as
palavras dela são para mim. “Nunca se ouve ninguém na Bíblia reclamando da abertura do Mar
Vermelho”, diz ela. “Todo mundo adora a graça que nos liberta. Mas os israelitas, como nós,
estavam insatisfeitos com o maná diário. Todos nós reclamamos da graça que apenas nos
sustenta”.
Todos nós reclamamos da graça sustentadora. A verdade disso me atinge com força.
Mal posso prestar atenção no restante da discussão enquanto penso. Minhas orações por
livramento foram respondidas com o dom do sustento? Será que não vejo que isso foi uma
resposta, também? E muitas vezes tão milagrosa quanto? Por que não sou grata pelo maná? O
cotidiano, a graça sustentadora de Deus.
Quando comento mais tarde com Florence como suas palavras estão ficando comigo,
como elas estão mudando tudo para mim, ela escreve isso para mim: “Lembro-me de estar
atordoada com a percepção de quanto eu amo a libertação e o quão pouco aprecio o sustento.
Essencialmente, estava dizendo : “Onde está a vitória no sustento — parece apenas sobreviver”.
Será que não estava sendo desdenhosa da graça?”.
Desdenhosa da graça. Exatamente. Sempre fui culpada disso.
Ao esperar pelo enorme e monumental livramento, do tipo em que posso colocar meu
problema na cama e nunca mais ter que orar sobre isso, esqueci da graça que continua me
atraindo para ele. As orações que podem parecer sem resposta, na verdade são cumpridas de
maneiras que me mantêm dependente, conectada, necessitada.
O Dom Da Dependência
O povo de Israel estava familiarizado com o dom da dependência. Maná caiu do céu para
que eles não passassem fome enquanto vagavam pelo deserto (Ex 16). Mas eles precisavam de
Deus para fornecê-lo diariamente; não eram capazes de armazená-lo. E assim eles não poderiam
evitar a dependência total de Deus.
Os israelitas receberam pão para que confiassem em Deus e vivessem por sua palavra.
Mas como eu, muitas vezes eles desdenharam (Nm 11). Maná era simples, pouco excitante,
monótono. Não foi o que pediram. Não foi extraordinário ou gloriosamente vitorioso como a
travessia do Mar Vermelho (Ex 14) ou alguns dos milagres ainda por vir, como a queda de Jericó
(Js 6) ou a cura de Naamã (2 Rs 5). Não impressionou as pessoas. Maná simplesmente supria
suas necessidades quando estavam no deserto. Tornou-se esperado. E era tido como certo.
Eu sei como eles se sentiram. Muitas vezes me sinto assim também. Não aprecio a
presença infalível de Deus ao longo do dia. Não reconheço que ele me fortalece quando estou
fraca. Ignoro o poder vivificador da palavra de Deus. Quero libertação milagrosa. Não um
sustento comum.
Mas ao olhar para trás na minha vida, vejo que Deus me libertou e respondeu algumas
orações com um “sim” retumbante de cair o queixo, maneiras inexplicáveis. Lembro-me dessas
respostas com gratidão e admiração. Mas as respostas de “espere” ou “não” fizeram um trabalho
muito mais profundo em minha alma. Me mantiveram ligada ao Doador e não aos seus dons.
Elas me forçaram a procurá-lo. E ao procurá-lo, encontrei uma alegria sobrenatural além de
qualquer comparação. Uma alegria não baseada nas minhas circunstâncias. Nada baseada na
minha libertação. Simplesmente baseada em sua presença terna.
Graça libertadora ou graça sustentadora. Qual é mais preciosa?
Estou ouvindo uma palestrante, e ela está falando de um período difícil em sua vida.
Anos em que suas orações pareciam sem resposta e Deus parecia distante e indiferente. Anos em
que ela desistiu e até parou de orar. Anos em que nada parecia mudar.
Sou imediatamente atraída para a história dela porque entendo como isso se parece.
Lembro-me de sentir como se estivesse me afogando, imaginando se eu conseguiria respirar.
Ofegante por fôlego, aguentando, sobrevivendo — mas apenas por pouco. Foi quase uma década
antes que pudesse respirar profundamente novamente.
Sou grata por finalmente ter conseguido recuperar o fôlego. Mas nem todos podem. Há
pessoas que vivem em angústia dia após dia, mês após mês, ano após ano. E nada muda. Nunca.
Para eles, a vida nesta terra é apenas uma luta sem fim atrás da outra.
2 Coríntios 4:17 (...) diz que a glória eterna supera em muito o nosso pior
sofrimento. Não é que o sofrimento temporário seja tão pequeno; é que a glória
eterna é tão imensa. Seu sofrimento pode ser uma formação rochosa do tamanho
da Rocha de Gibraltar. Mas suponha que você coloque essa rocha de um lado da
balança, então do outro lado você coloca o planeta Júpiter. Em si mesmos,
nossos sofrimentos podem ser pesados, mas compará-los com a glória eterna,
felicidade eterna, beleza sem fim e relacionamentos ininterruptos. Os pesos
relativos mudam nossa perspectiva, não é?[32]
Lendo esta comparação, fui convencida de minha miopia espiritual. Preciso me lembrar
por que estou aqui. Fui criada para glorificar a Deus e apreciá-lo para sempre — com a
esmagadora maioria do “para sempre” não gasto na Terra. Por causa da morte de Jesus na cruz,
posso passar toda a eternidade com Deus no céu.
Essa perspectiva de vida me encoraja a antecipar o céu. Tudo o que eu amo e anseio na
Terra estará lá, só que melhor. E vai mais do que compensar qualquer sofrimento que eu tenha
experimentado na Terra. A vida nesta terra pode ser incansavelmente difícil, e podemos viver
com dor interminável. Mas por causa do evangelho, Deus tem toda a eternidade para nos
derramar o seu amor. No céu não haverá mais lágrimas ou choro ou dor.
Como Alcorn diz: “‘Todos viveram felizes para sempre’ não é apenas um conto de
fadas. É a promessa de Deus comprada por sangue para todos que confiam no evangelho”.[34]
A promessa de Deus comprada pelo sangue para aqueles que confiam no evangelho é
que viveremos felizes para sempre no céu. Que garantia surpreendente. E um futuro glorioso.
AGRADECIMENTOS
Joel, meu amado marido, você trouxe alegria inimaginável à minha vida e me mostrou a
bondade de Deus de maneiras que não posso expressar.
Katie e Kristi, vocês são filhas incríveis e adoro ver vocês crescerem na sua fé,
regozijando-se com a beleza de Cristo em vocês.
Pai, Mãe e Shalini, vocês me deram meu primeiro gostinho de amor incondicional e
foram âncoras infalíveis ao longo da minha vida.
Jennifer e Lisa, minhas fiéis parceiras de oração, vocês me apoiaram de maneiras
incalculáveis durante nossos 20 anos de oração juntas.
Christ Covenant Church, vocês me apontaram para o nosso glorioso Deus ao adorarmos
juntos.
Aos leitores do meu blog, vocês permaneceram comigo enquanto lutava para encontrar
minha voz, me apoiaram ao longo do caminho, e me confiaram suas preciosas histórias.
Ao pessoal do DesiringGod, particularmente John Piper, que me ensinou a ver Deus em
todo o meu sofrimento, e David Mathis, que sugeriu que eu escrevesse este livro e me encorajou
durante todo o processo.
Há inúmeras pessoas que me orientaram, consciente e inconscientemente, ao longo dos
anos. Gostaria de poder agradecer a cada um aqui, pois fui moldada por suas palavras e suas
vidas.
Devo gratidão a todos vocês. Obrigada.
[1]
Baseado em uma linha do poema Joseph’s Coat (A Túnica de José) de George Herbert.
[2]
Michael Card, “Known by the Scars,” em Known by the Scars, Sparrow Records, 1983.
[3]
“Scar,” Dictionary.com. http://www.dictionary.com/ browse/scar. Acessado em 21 de Junho de 2016.
[4]
Conteúdo amplamente adaptado de “I Was Bullied as a Child,” publicado originalmente em 10 de setembro de 2014 em
Today’s Christian Woman (associado ao Christianity Today). http:// www.todayschristianwoman. com/articles/2014/september-
week-2/i-was-bullied-as-child.html. Acessado em 4 de outubro de 2016.
[5]
Christa Wells, “Held,” Weimarhymes Publishing, Inc., 2001.
[6]
Conteúdo adaptado de “The Hardest Thing to Ask For,” publicado originalmente em 7 de Janeiro de 2015 em Today’s
Christian Woman (associado a Christianity Today). http:// www.todayschristianwoman.com/ articles/2015/january-week-
1/hardest-thing-to-ask-for.html. Acessado em 10/4/2016.
[7]
Conteúdo adaptado de “From Wailing to Worship,” publicado originalmente em 5 de Abril de 2016 em Today’s Christian
Woman (associado a Christianity Today). http://www. christianitytoday.com/women/2016/ april/from-wailing-to-worship.html.
Acessado em 10/4/2016.
[8]
Laura Story, “Blessings,” em Blessings, New Spring, 2011.
[9]
Atribuída ao Reverendo John Watson, conhecido pelo pseudônimo Ian MacLaren, por volta de 1897.
[10]
D. Martyn Lloyd-Jones, Spiritual Depression: Its Causes and Cures (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1965), 20. [edição em
português: Depressão espiritual: suas causas e cura (São Paulo: Editora PES, 2017).
[11]
Caroline Lusk, “Storytelling: Laura Story finds blessings in the story gone different.” CCM Magazine, 7 de Maio de 2011.
[12]
Edward Mote, “My Hope is Built on Nothing Less,” Hymns of Praise. 1836.
[13]
Paul Tripp, “God’s Will for Your Wait (part 2),” Paul Tripp Ministries, 27 de Maio de 2013.
http://www.paultripp.com/articles/posts/godswillfor-your-wait-part-two. Acessado em 27 de Junho de 2016.
[14]
John Newton, The Letters of John Newton (Edinburgh: Banner of Truth, 1960), 180, citado em Timothy Keller, Walking with
God Through Pain and Suffering (New York: Penguin Group, 2013), 266.
[15]
Charles Spurgeon, “The Simplicity and Sublimity of Salvation,” pregado em 5 de Junho de 1892.
[16]
Essa citação é popularmente atribuída a Charles Spurgeon, mas a autora não conseguiu identificar a fonte.
[17]
Arthur Bennet,“The Valley of Vision.” The Valley of Vision: A Collection of Puritan Prayers and Devotions (Edinburgh:
Banner of Truth, 2003), xxv. [edição em português: O vale da visão: uma coletânea de orações puritanas (Brasília, DF: Editora
Monergismo, 2020).
[18]
Joni Eareckson Tada, prefácio do livro Choosing Gratitude: Your Journey to Joy de Nancy Leigh DeMoss (Chicago: Moody
Publishers, 2009), 12.
[19]
Joni Eareckson Tada and Steve Estes, When God Weeps: Why Our Sufferings Matter to the Almighty (Grand Rapids:
Zondervan, 1997), 56, 56, 84, 84, 101, 137.
[20]
Joni Eareckson Tada, The God I Love (Grand Rapids: Zondervan, 2003), 357.
[21]
George Matheson citado em L. B. Cowman, Streams in the Desert (Grand Rapids: Zondervan, 1996), 114.
[22]
22 Alexander Solzhenitsyn, The Gulag Archipelago: 1918– 1956, Vol. 2, 615–617 citado por John Piper, “Thank You, Lord,
for Solzhenitsyn,” em Desiring God, 4 de Agosto de 2008. http://www.desiringgod.org/ articles/thankyou-lord-for-solzhenitsyn.
Acessado em 28 de Junho de 2016.
[23]
Joni Eareckson Tada, prefácio do livro Choosing Gratitude: Your Journey to Joy de Nancy Leigh DeMoss (Chicago: Moody
Publishers, 2009), 12.
[24]
Joseph Bayly, The View from a Hearse (Colorado Springs: David C. Cook Publishing, 1972) 40.
[25]
John Wyatt, Matters of Life and Death (Downers Grove: InterVarsity Press, 2009).
[26]
D. A. Carson, How Long, O Lord?: Reflections on Suffering and Evil (Grand Rapids: Baker Academic, 1990), 109.
[27]
Joni Eareckson Tada, “The Stakes Are Higher than You Think,” (palestra, True Woman Conference, Indianapolis, IN, 24 de
Setembro de 2010).
[28]
Joni Eareckson Tada, Beside Bethesda: 31 Days Toward Deeper Healing (Carol Stream: NavPress, 2016), Dedicatória.
[29]
Ibid., 81.
[30]
Ibid., 168.
[31]
Hannah Hurnard, Hinds’ Feet on High Places (Carol Stream: Tyndale, 1975).
[32]
Randy Alcorn, “C. S. Lewis on Heaven and the New Earth: God’s Eternal Remedy to the Problem of Evil and Suffering,”
Desiring God, 28 de Setembro de 2013, acessado em 21 de Junho de 2016. http:// www.desiringgod.org/messages/c-s-lewis-on-
heaven-and-the-new-earthgod-seternal-remedy-to-the-problem-of-evil-and-suffering.
[33]
Randy Alcorn, entrevista conduzida por Gavin Ortlund, “Looking Forward to a Heaven We Can Imagine,” The Gospel
Coalition, 9 de Março de 2015. https://www.thegospelcoalition.org/article/lookingforward-to-a-heaven-we-canimagine. Acessado
em 21 de Junho de 2016.
[34]
Ibid.