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SIGNIFICACAO
•
REVISTA BRASILEIRA DE SEMIÓTlCA
N.os 8 e 9 - OUTUBRO DE 1990
r
SIGNIFICAÇAO -
Revista Brasileira de Semiótica
Outubro de 1990
Números Se 9
17 A figurativização na publicidade
Lconilda Ranzani de Luca
63 A intertextualidade conotada
Eduardo Pcfiuela Cafiizal
85 A intertextualidade em Carlota/Amorosidade
Geraldo Carlos do Nascimento
- o da figuração,
- o da iconização
(Ver Greimas e Courtés, s/d: 185-187)
SIGNIFICAÇÃO. OUTUBRO/1990 . Nº 8 e 9
5
IGNACIO ASSIS SILVA
"Tendo perdido toda sua família, Niobe cai sentada no meio dos
corpos inanimados do marido e de seus filhos e filhas, enrigescida
pela dor. O vento não agita sequer um fio de cabelo; nem uma gota
de sangue colore suas faces; os olhos quedam imóveis 110 semblante
/,\, ,
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f>''-',--'
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v
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A
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.. ,~- '--------
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As Metamorfoses de um Touro - Pablo Picasso .
8 SIGNIFICAÇÃO· OUTUBR0/1990· Nº 8 e 9
INDAGAÇÕES SOBRE OS FUNDAMENTOS DA LINGUAGEM
Emst Cassirer (1945: 126) diz que "Si existe algún rasgo característico
y sobresaliente dei mundo mítico, alguna ley que lo gobierna, es ésta de la
metamorfosis ", para acrescentar, na página seguinte, que "Lo que caracteriza
a la 111 entalidad primitiva no es su lógica sino su sentimiento general dela vida ".
SIGNIFICAÇÃO· OUTUBRO/1990 . Nº 8 e 9 9
IGNACIO ASSIS SILVA
10 SIGNIFICAÇÃO. OUTUBRO/1990 . N· 8 e9
INDAGAÇÕES SOBRE OS FUNDAMENTOS DA LINGUAGEM
Heródoto disse que Homero e Hesíodo deram aos deuses gregos seus
nomes e esboçaram suas figuras. Cassicr - que nos dá essa infonnação--,
acrescenta: "La obra comenzada por la poesía griega fue completada por la
escultura: nos es difícil pensar en el Zeus olímpico sin representárnoslo en la
forma que le presto Fidias", (1945: 150). A arte dos fazedores de imagens
(escultura e pintura) e a arte da palavra (poesia) surgiamjá para os gregos como
dotadas de um embasamento comum, não obstante fossem postas numa relação
de complementaridade: a poesia esboçava as figuras dos deuses, o seu perfil,
enquanto a pintura e sobretudo a escultura lhes davam a plenitude figurativa.
É que os fazedores de imagem gregos estavam muito mais preocupados com
o eiconopoiein, com a figurativização, do que com a figurarividade.
SIGNIFICAÇÃO - OUTUBAO/1990 - Nº B e 9 11
IGNACIO ASSIS SILVA
Picasso queria "o mais real do que o real" e produziu "pinturas que
parecem não ter nada, mas têm tudo". Renê Passeron, comentando a descons-
trução construtivista da arte cubista, diz que ela está marcada por "uma vontade
de infrassistema" (1970: 161 e 162).
É curioso! Este homem-linha tão perto de nós, que tão bem nos resume,
lembra um outro homem tão longe de nós no tempo: aquele que traça a linha, o
rei indo-europeu evocado por Benveniste: ambos põem em jogo forças que,
transformando a aparência em sua origem, fazem surgir o espaço. Executam um
fazer mágico que recorta, um a tela, outro a terra, inaugurando, nesse gesto
radical, a emergência do mundo do sentido.
NOTAS:
(2°) "O mundo natural, da mesmaforma que as línguas naturais, não deve
ser considerado como uma semiôtica particular, mas antes como lugar de
elaboração e de exercício de múltiplas semiôticas. Quando muito, supondo-se
a existência de um certo número de propriedades comuns a todas essas
semiôticas, poder-se-ia tratá-las como uma macrossemiôtica .. (Greimas, s/d:
292). Nesse mesmo verbete, os Autores esclarecem que o qualificativo natural,
empregado para sublinhar o paralelismo do mundo natural com as línguas
naturais, serve para acentuar que o indíviduo se integra progressivamente -
pela aprendizagem - num mundo significante feito ao mesmo tempo de
"natureza" e de "cultura". A natureza não é um referente neutro, mas fortemente
culturalizado (Cf. Grcimas e Courtés, s/d: 291).
TRABALHOS CITADOS:
SIGNIFICAÇÃO. OUTUBRO/1990· N° 8 e 9 15
A Figurativização
na Publicidade
~
do visual, refigurativiza
metaforicamente, no vi-
sual, o sema contextual / Colônia :\uage. Refrescante e geladinha como
refrescante/ que compõe um mergulho de corpo inteiro na natureza.
r"
o aporte-predicado do
ator-objeto Colônia Nua- ,
ge sob o ponto de vista do
.
processo, ou seja, do tem- ••••. (tollllli,I'II.t:..:\
~,,:-:' :",:uild"
t) '\ 11"" 11.1111111.
po aspeetualizado.
Fig.2
Já no anúncio da
Volkswagen (fig.3), os vários objetos (ou fonnantes plásticos) refigurativizam,
metonimicamente, no visual, traços semânticos que compõem o aporte-predi-
cado do ator-sujeito (S2) expresso no verbal, sob o ponto de vista do estado, ou
seja, do espaço aspectualizado.
'.
. Fig.3
disfórico ~- "pintar o mundo 'de azul", se inscreve como valor no objeto moda
lee azul, conotando /Ilobrez'a/ e farte/o
J&e.
que está por
detrás de toda
cena textual
Fig4
desse universo
20 SIGNIFICAÇÃO. OUTUBRO/1990· N' B e 9
A FIGURATIVIZAÇÃO NA PUBLICIDADE
ª
deseja a realização dos mitos projetados por seus desejos. São estes desejos
que o anunciante propõe realizar (cf. e Q):
(a) investindo no objeto prático, valores de essência mítica (cf. ç e 0,
através da veiculação de um anúncio (cf. instância da enuncia-
ção do modelo); e
(b) persuadindo o leitor de que, se este adquirir o produto anuncia-
do, conseguirá a realização dos seus desejos; isto se dá, ao nível
do enunciado + enunciação enunciada, sob aforma de um
saber sobre o objeto e sobre a competência do leitor virtual -
espelhada no seu simulacro discursivo e que é interpretada pelo
leitor real (cf. I e 1).
SIGNIFICAÇÃO OUTUBRO/1990· N· 8 e 9 21
LEONILDA RANZANI DE LUCA
I
(OI nS2u02) (OI nS2u02)
j/l
-e ...,Oo- A) F(Sl)-[(OIUSln02)-(OlnSlu02)) (
> a) F(S2)-i{Ol nS2U02)-(01 uS2n02)) Competênda
I
Ü
O .s:::J .I (COMPRA!. PAGAR)
alualizante
(qdo.compra o
..:'"'" i=
z
-c
[VENDER, RECEBER)
produto)
>
o
...:
;::: o
'",.
o: Competênda
B) Sl-0IF(Sl)-[S20uOvmo)-(S2nOv",,)1I ( b) F(S2)-(S2UOvmo)-(S2nOvmo)
I
'"
e, -e
o I I virtualizante
'"o« !S (FAZERPERSUASIVO) (FAZERINTERPRETATIVO) (qdo.lê a teXlO)
zo ...,oz <:
«
....I t;
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C) F(Sl)-{(2uOvm;)-(S2nOvmi))
I > c) F(S2)-(S2uOvmi)-(S2nOvm;) Performance prindpal
mrnca(qdo. crê que é
.feflz. porque
(RECOMPENSAR) dER)
"- adquiriu o produto)
a:
w
a:
enunliadO ..,O
I
8
o
a: 111)Sl-0[F(Sl)-(S2)F!Ovm;)j -<: > 3) F(S2)-(S2~vml)
S
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!S w I I a: :::J
!li ~ a.
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(CRER-SERfTER) w
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U. (FAZER-SERfTER) a: ..,Z
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w
11)SI -O[F(Sl)-(S2"'OvPlmo)j < 2) F(S2)-(S2Wüvp/mo)j :!
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ª
õ (FAZER-PODER) (COMPRAR)
w
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I
(PNc da gfjuta
I) Sl-0[F(Sl)-(S2Wüvmo))
I < > 1) F(S2)-(S2f!Ovmo)
I PNcdallfilkJ.lO\
e,
ª
51· sujeito (FAZER-SABER) (FAZERINTERPRETATIVO) S2 - sujeito
operador operador
::>
:z 52 • sujeito de 111e 11:estruturas modais implícitas 3, 2 e 1: estruturas contratuais . S~ - sujeito de
w estado explid1asou implid1as estado
I : estruturas modais explicitas
Estruturas de manipulação segundo o saber
01- Objeto da vaíceemesouravei (ainheiro). 02" Obj.de valor éátiCO (bens de consumo) 11 ov; _Obj. de valor mítico E3 OVwrra" Obj. de valor prático e modal.(bens de
oonsumo) OvInO - Objeto de valor moda! (querer, saber, pOder)
Quadro I
22 SIGNIFICAÇÃO - OUTUBRO/1990 - N. 8 e 9
A FIGURATIVIZAÇÃO NA PUBUCIDADE
,-----
h
TENTAÇÃO/SEDUÇÃO sl~ __ ..,.:;2 INTIMIDAÇÃO/PROVOCAÇÃO
81 _
rnOVOCAçÃOlmlMIOAçÃn l?<!
W
SEDUÇÃO/TENTAÇAO
~
+.
I
....., DOAR "."
CONSUMIR 'x'
ANHAR 'x" ~
COMPRAR ·V"
DOAR 'v'
COMPRAR "x'
~
w
:::!:
8
I
S ={ CONSUM'.':l"x" CONSI!~JR ·V" ) = S
COMPRAR "x" COMPRAR "V'
L_
V
I lXl'M,"OM",UDAD'
h
C<Off~
~
L_
Quadro 11
24 SIGNIFICAÇÃO - OUTUBRO/1990 - N' 8 e 9
A FIGURATIVIZAÇÃO NA PUBUCIDADE
1Xl
S
s1 ~---7 s2
ascensão descensão
s2~---7 s1
não-descensão S não-ascensão
SIGNIFICAÇÃO· OUTUBRO/1990· N° 8 8 9 25
LEONILDA RANZANI DE LUCA
--- ----- . ---- - --- - -- - -- -- ------ ------ - ------ - ----- - --------------- --- --- ----------- ----- - ----
A - garoto: S2 Consumir "x" (s2) -> não consumir "x" (s2) ->
1) Linhas consumidor ganhar "y" (s2+s1) ->consumir "y" (s2)
Lipasa
(fig. 5)
B - costureira: S3 Comprar "x" (s1) -> doar "x" (s1+s2)->
comprador comprar "y" -> doar "y"
L --~----~I
Quadro 111
2) S I e S2 são sujeitos complementares na estrutura de manipulação
primária: SI só obtém o lucro se S2 comprar o produto. SI é sempre o sujeito
manipuladore S2 o sujeito manipulado. Este último assume os papéis temáticos
de comprador e consumidor, na estrutura de manipulação primária; todavia, o
esquema só retrata o percurso de S2;
28 SIGNIFICAÇÃO - OUTUBRO/HI90 - NQ B 8 9
A FIGURATIVIZAÇÃO NA PUBLICIDADE
I I
Ifeminilidadel lI:
w Inutritiva! lalegria!
2
Gerber w
Iresponsabilidadel
linstinto maternall
<D
lI:
w
o
Isaudável/./'"
k:Idedicaçãol
.«
. .«
Inão-dedicaçãol ~ :::E ••••...
:::E
!não-alegria!
:c
z
ã: V
(Fi9-7) «
o.. Iprática! »:: Iliberdadel
Inão-praticidadel
3 •...
Whisky
nr
z
-c lemancipaçãol ~
Ipureza!___... e
r-~~ Iseduçãol
Irequinte/"""""'-f.-!
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s, Irejeiçãol :c
,John Q
v~.--
lI:
w !não-sedutora!
:5 ~ lamorl
Pitt ::>
:::E
~eminilidadel Cf)
:;:
;;: Imagicidade0 1---5
:::E
(Fig.8 )
L-
Quadro IV
2) os traços /disccrnimento/ e lelegância/ são comuns às
mulheres dos anúncios dos cigarros Charm e Du Maurier.
SIGNIFICAÇÀO ,OUTUBRO/1990 Nº 8 e9 29
LEONILDA RANZANI DE LUCA
a) () da intcnsiflcaçâo de tra-
ços scrnânticos, podendo estes atin-
girem o seu grau máximo de iconici-
dade (cf. fig.S, refcrcntcmcntc ao tra-
Fig.9
ço scmânt ico/fclicidadc/);
h) o da substituiçâo de traços semânticos por seus contrários ou
contraditórios combinados ou não com traços complementares (relação de
implicação).
I I,.
- ----+-t:---4 Novos temas
Variações
mesmo tema
sobre o
Novos percursos
figurativos para o
mesmo tema
Por último, abordaremos mais uma vez os textos da Coca Cola (fig.ll) e
do Catchup Etti (fig.IO) com a finalidade de chamar a atenção para um aspecto
da problemática da construção discursiva t' textual do ator.
[.@;'M3â3âM'iil.~ ;7:~~::h~~
figurativo: o traço
suposto é substituí-
do pelo traço Inatu-
rall, no estado 2.
Convém ob-
servar que este enun-
ciado narrativo con-
ta a produção de um
objeto. Pertence ao
percurso de SI (su-
jeito enunciador-ma-
Fi .10
pelo texto verbal. Já os traços com função mítica !nutritiva! e !que dá vida! estão
dissimulados pelos procedimentos de enunciação, pois trata-se de um saber
enganoso acerca do valor do objeto. Na análise deste texto, o caminho para se
chegar a esse saber enganoso é utilizar os procedimentos de análise da semi ótica
plástica.
Tendo em vista que otexto publicitário propõe sempre dois objetos -um
objeto com valor prático e outro objeto com valor mítico- no texto da Coca-
Cola ambos estão explicitados no verbal; a figurativização, no visual, diz
respeito, portanto, à refuncionalização do objeto coca-cola:
Estadol Estado 2
A título de conclusão, nosso objetivo foi dar uma idéia de como ocorre a
figurativização/figuratividade no discurso publicitário a partir da seleção do(s)
valor(es) da estrutura profunda, procurando mostrar que o jogo de imagens e
figuras de um texto só pode ser compreendido e avaliado em funçâo do nexo
existente entre as instâncias semio-narrativa e discursiva.
- como disse Floch (op.cit.i, «por mais que as figuras estejam recheadas
de traços figurativos, elas não são uma imagem do mundo», no texto publici-
tário pode-se afirmar com certeza que elas simulam uma representação do
mundo para cumprir a sua função de persuasão -função que, muitas vezes,
ocorre através de figuras (não-signos) da expressão, que se tornam significantes
e passam a sustentar um discurso abstrato, como é caso do texto da Coca-Cola.
SIGNIFICAÇÃO· OUTUBRO/1990· N· 8 e9 35
LEONILDA RANZANI DE LUCA
BIBLIOGRAFIA
36 SIGNIFICAÇÃO - OUTUBRO/1990 - NO B e9
Função Poética
e
Televisão
À luz de tal estética, Calabrese faz uma revisão das dicotomias hoje
existentes, relacionadas diretamente com o que viemos expondo, por ele
sintetizadas como segue:
Como vimos nas palavras de Paz, o texto regido pela função poética
fortifica sobremaneira as relações intratextuais, criando um sentido de totaliza-
ção e de integração, já apontado por outros críticos (8).
42 SIGNIFICAÇÃO· OUTUBRO/1990 . N· 8 e 9
FUNÇÃO POÉTICA E TELEVISÃO
44 SIGNIFICAÇÃO· OUTUBRO/1990· N0 8 e 9
FUNÇÃO POÉTICA E TELEVISÃO
NOTAS
BIBLIOGRAFIA
46 SIGNIFICAÇÃO - OUTUBR0/1990 - N° 8 •• 9
FUNÇÃO POÉTICA E TELEVISÃO
1- Introdução
SlGNIACAÇÃO - OUTUBRO/1990 • NR 8 • 9 49
PAULO EOUARDO LOPES
2- A dimensão cognitiva na
teoria-padrão greimasiana
s n °
Greimas e Courtês (3) reconhecem, ainda, que a dimensão cognitiva do
discurso, constituída pela integração desses enunciados elementares, pressupõe
necessariamente a existência de uma dimensão pragmática, que lhe serve de
referente interno e à qual é hierarquicamente superior. Com isso, consolidou-
se na teoria padrão o seguinte esquema do enunciado cognitivo mínimo:
onde:
O, = objeto-valor descritivo;
S2 ~ sujeito cognitivo;
Os = objeto-valor de conhecimento.
s n O
--> dimensãocognitiva
onde:
0= enunciado-discurso
3- Avaliação
4- Os níveis cognitivos
52 SIGNIFICAÇÃO - OUTUBRO/1990 - N2 6 9 9
POR UM MODELO UNIFICADO DA COGNiÇÃO DISCURSIVA
6- Esquema gráfiCO
I/I
T E
B) NÍVEL DA A
R
V
CENA DA OBSERVAÇÃO ç A
(saber) O2 D
Dl / Ã A
J,
A,---------- O
-!,
A) NíVEL DA
CENA OBSERVADA
(ser/fazer)
r n °d u S2
I
P
O
S
E
S
P
E
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Dl O 2 T
Á
c
U
A L
--- o
SIGNIFICAÇÃO. OUTUBRO/1990 . N' 6 e9 53
PAULO EDUARDO LOPES
";.,
onde:
,-
SM = sernema;
Bc = base c1assemática.
- uma focalização, processo que funda a realidade de quc se vai falar e que
funda, concomitantemente, aquele que vai falar dessa realidade, estabelecendo,
portanto, a relação espectador/espetáculo; e
9- Verificação - relâmpago .
"FEMME
Elle s' ouvre
elle s'offre
elle souffre"
b) perspectivização:
- no, níve Ida Cena da Observação: o, sujeito, cognitivo observador
produz, por perspectivização analítica, dois contextos paradigmáti-
cos de integração, do, objeto:
FEMME
/ ""
"elle s'ouvre" "elle souffre"
"elle s'offre"
--~---- vs ---~----
"transitividade •• "reflexivídade ••
"transitividade" vs "reflexividade"
SI S2
S
"relacionamento"
"s'ouvre" vs "s'offre"
r.
58 SIGNIFICAÇÃO - OUTUBR0/1990 • N° 8 e 9
POR UM MODELO UNIFICADO DA COGNiÇÃO DISCURSIVA
10- Resumo
-----> Espetáculo
enunciação
não enunciada
I pressuposta
enunciação enunciado
enunciada enunciado
SIGNIFICAÇÃO - OUTUBRO/1990 - N° 8 e 9 59
PAULO EDUARDO LOPES
11 - Ampliação do campo
NOTAS
BIBLIOGRAF1A
62 SIGNIFICAÇÃO· OUTUBRO/1990 - N° 8 e 9
A Intertextualidade
Conotada
Diz Roland Barthes que, diante de uma foto, "aconsciéncia não toma
necessariamente a via nostálgica da lembrança (quantasfotografias estão fora
do tempo individual), mas, sem relação a qualquer foto existente 110 mundo, a
via da certeza: a essência da Fotografia consiste em ratificar o que ela
representa". (1984: 127-128) Com base nessas palavras, tenho para mim que a
hipótese levantada pelo famoso sernioticista abre novos caminhos àcompreen-
são de mensagens fotográficas, embora seja conveniente acautelar-se da idéiá
de que aquilo que a foto representa se reduz à reprodução de elementos
exteroceptivos do mundo. É preciso admitir que as mensagens fotográficas
representam também aspectos ou traços do mundo e das linguagens que
interferem nos atos sociais que não são, forçosamente, visíveis. O fato de que
toda fotografia seja "um certificado de presença", como reconhece o autor da
Câmara Clara, não valida o princípio de que a presença de alguma coisa só se
manifesta quando se torna palpável.
~
•..
I I
hair, your eyes again, your nose and mouth. There are a hundred
separeted looks across time from which I synthesize my living
impression ofyou. And this is wonderful.lj, instead, I caught all of
you in one frozen look; the experience would be dead - it would be
like ... itwould be like looking at an ordinary photograph. "(Weschler,
1984:11).
s1 ~------------------~ s2
continuidade ruptura
morte vida
estaticidade dinamicidade
a si
não-ruptura descontinuidade
nêo-vki« não-morte
não-dinamicidade não-estaticidade
(Barros: 1988, 21). Quer me parecer, enfim, que o texto conotado que se
oculta nas mensagens fotográficas se legitima, semanticamente falando, em
SIGNIFIC,t,Ç.'O OUTUBAO.19!lJ N° 8 ~ 9 67
EDUARDO PENUELA CANIZAL
68 SIGNIFICAÇÃO· OUTUBRO/1990 • Nº 6 e9
A INTERTEXTUALlDADE CONOTADA
SIGNIFICAÇÃO· OUTUBR0/1990· N· 8 e 9 69
EDUARDO PENUELA CANIZAl
Ught Absence
Presence Darkness
70 SIGNIFICAÇÃO - OUTUBRO/1990 - NQ 8 e9
A INTERTEXTUALlDADE CONOTADA
Cada vez que me detenho no conteúdo dos versos em que Virgílio (1982)
expressa os momentos fundamentais do mito de Orfeu, insisto na idéia de que
a imagem de Eurídice na escuridão e o desejo que tem Orfeu de preservá-la
formam configurações definidoras do ritual fotográfico. Pouco' importa se
Orfeu, movido por pulsões ainda não muito bem esclarecidas, vela para sempre
a imagem que tanto ele queria livrar da escuridão, já que, em. termos de
significação, oreIevante são as gradações de luminosidade que ele enfrenta em
sua viagem ao reino dos manes e, ainda, as posições que ele ocupa nos
momentos decisivos de seu percurso. Neste ponto, as travessias de Orfeu
lembram de perto as andanças dos mortos descritas pelos' egípcios: longas e
tenebrosas jornadas durante as quais os protagonistas, tendo como única
companhia seus khaibits, tinham de traspassar as sombras densas assombras e
úmidas para conseguir chegar até as sombras exteriores. Talvez em razão dessa
experiência um poeta da 12a dinastia, ao dialogar com sua alma, refira-se à
morte desta maneira:
Além disso, minha leitura dos versos de Virgílio trabalha com a hipótese
de que o fato de que Orfeu olhe para Eurídice não significa que ele a veja. De
modo que olhar não seria, no caso, sinônimo de ver e, partindo desse pressupos-
to, tenho de admitir que, na fábula de Orfeu, esses dois verbos formam
enunciados de estado cujas diferenças podem ser percebidas a partir desta
estrutura profunda
ccinjunção disjunção
não-disjunção não-conjunção
Quero crer que, com base nela, seja legítimo afirmar que o estado de
olhar tem suas raízes na disjunção, ao passo que o estado de ver tem as suas na
conjunção. Essa é, pois, a premissa em que me apoio para dizer que a
permanência a que se refere Tomas se relaciona com a temporalidade. Dessa
perspectiva, uma foto seria, em princípio, algo que resiste às erosões do tempo
e expõe, como comprovante dessa resistência, a imagem de superfícies olháveis
em que, de algum modo, se faz visível o narcisismo secundário tal qual o entende
Freud e, seguindo esse raciocínio, não deixa de ser promissora a idéia de se
aproximar do discurso fotográfico acreditando, com Lacan, que o "regard ne se
situe pas simplement au niveau des yeux. Les yeux peuvent três bien ne pas
apparaitre, être masqués. Le regard n 'est pas forcément la face de notre
semblable, mais aussi bien la fenêtre derriêre laquelle nous supposons qu 'il
nous guette. C 'est un x,1 'objet devant quoi le sujet devient objet," (Lacan: 1975,
245).
ver (1)
SIGNIFiCAçÃO·
/\
OUTUBAO/l990·
ver (O)
N" 8 e 9
não-ver (1) não-ver (O)
73
EDUARDOPENUELA CANIZA!.
ÓÊIXIS DÊIXIS
Narcisismo Narcisismo
secundário primário
Com base nele, não me será difícil sistematizar minha leitura organizando
núcleos de. sentido: de um lado, o sobredeterminado pelos componentes da
dêixis do narcisismo secundário - aí se incluem a boneca sentada, o retrato sobre
a parede, a cadeira, a jovem agachada ...-; de outro, o sobredeterminado pela
dêixis do narcisismo primário - há no centro da foto uma configuração
indefinida, arredondamentos que pertubam e turvam a visão, que não deixam
ver, embora prendam o olhar e desafiem as forças racionais do sujeito que fita...
-. Em suma, creio ser esse um instrumento que, com certo grau de precisão, me
permite identificar os textos que formam a intertextualidade conotada dos
discursos fotográficos.
Referências Bibliográficas:
Esse conflito interno do sujeito, esse duelo entre duas realidades (essa
crise) exprime-se por um Iquerer-serl que passa a significar, então: uma
conjunção ao modo do parecer e uma disjunção ao modo do ser. Aqui, é claro,
esse Iquerer-serl que modaliza o sujeito apaixonado vem a ocupar o lugar de uma
carência, uma falta, um vazio existencial que é um anti-objeto de valor com o
qual o sujeito está em conjunção ao modo do ser.
SIGNIFICÁÇÃO . OUTUBRO/1990 . N° 8 li 9 77
FLOR MARLENE E. LOPES
a
O suicídio é única chance que Werther tem de continuar a sua caminha-
da. Ele está 'associado, portanto, a um {Dever-serl indestrutível. Na visão de
Barthes, o s~icídio aparece como uma idéia de continuar vivo.
BIBLIOGRAFIA
Fica evidente, mesmo para quem assistiu ao filme uma única vez, que
Carlota/Amorosidade relaciona duas obras':hastante conhecidas, embora bem
distanciadas no tempo, Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland
Barthes, e Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe. Quem leu os
Fragmentos, de Barthes, sabe também que o autor francês vai pinçar exatamen-
te nesta obra de Goethe boa parte do exemplário que lhe serve de corpus para
suas reflexões e comentários. Isso quer dizer que já antes do filme Barthes havia
estabelecido um vínculo relacional entre as duas obras. O filme, contudo, não
se limita à visão de Barthes, embora, de certa forma, mantenha seu enfoque.
86 SIGNIFICAÇÃO - OUTUBRO/l990 N· 8 e 9
A INTERTEXTUALlDADE EM CARLOTA/AMOROSIDADE
NOTAS
BIBLIOGRAF1A
SIGNIFICAÇÃO· OUTUBAO/1990 • N° 8 e 9 91
JOSÉ LUIZ FlOR IN
Uma tipologia calcada nas teorias do discurso não pretende constituir uma
norma, mas, ao contrário, quer mostrar quais os mecanismos que geram os
diferentes tipos de discursos sociais: o científico, o didático, o religioso, o
político, etc.
SIGNIFICAÇÃO - OUTUBR0/1990 - NR 8 e 9 99
MARIA A.S.RODRIGUES MARTINS
Virgília replicou:
«As mulheres são para ele entes de mais elevada natureza que a sua,
ou pelo menos ele empresta-lhes as próprias idéias, supõe-lhes um
coração como o seu, imagina-as capazes, como ele de generosidade,
nobreza e grandeza.» (2, p.967).
«Satisfeito de si, nada lhe paralisa a audácia. Mostra a todos que a ama,
e solicita com instância provas de amor( ...) importuna-a, acompanha-a
nas ruas, vigia-a nas igrejas e espia-a nos espetáculos. Arma-lhe laços
grosseiros (...) porquanto revela-lhe o instinto, que pela adulação é que
se alcançam as mulheres» (2, p.967).
«Como não é ele que ama, é ele quem domina. Para venceruma mulher
finge por alguns momentos o excesso de desespero e paixão (...) Logo
depois recobra ele a tirania, e logo depois não a abdica mais» (2, p. 969).
«De resto, como nos tolos tudo é superficial e exterior, não é o amor um
acontecimento que lhes mude a vida: continuam como antes a dissipá-la
nos jogos, nos salões e nos passeios. » (2, p.967).
fazer, que realiza sua performance (faz-ser) e obtém uma sanção positiva. Seu
programa narrativo principal se defme a partir de um programa narrativo
secundário, de uso - casamento com Virgília - que lhe tomará possível obter
Seu propósito: a ascensão político-social.
«o tolo é abençoado do céu pelo fato de ser tolo, e é pelo fato de ser tolo,
que lhe vem a certeza de que, qualquer carreira que tome, há de chegar
felizmente ao termos (2, p.966);
Uma observação dos traços que caracterizam a águia e o pavão nos irá
conduzir a:
• PAVÃO ÁGUIA
* Horizontalidade * Verticalidade
* Hesitante * Impetuoso
MAS MAS
acredita possuir com o objeto-valor, pois não crê em sua competência, o que
concede a Lobo Neves a oportunidade de arrebatar-lhe Virgília e a candidatura.
Virgília, o «diabrete angélico», opta por Lobo Neves, pois crê na capaci-
dade do mesmo, que se mostra mais promissor que Brás Cubas, a fim de alcançar
seu objetivo de vida: ser poderosa e respeitada dama da nobreza. Logo, o
primeiro pretendente, marcado pela veleidade, não poderia servir a seus
propósitos ambiciosos, se comparado ao atuante - e de atuação manipulável
- Lobo Neves.
REFER~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) ASSIS, J.M.M.de - Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo, Editora
Ática, 1973 (4! edição).
(2) ASSIS, J.M.M.de - "Queda que as mulheres têm para os tolos", in Miscelânea,
Obra Completa. Rio de Janeiro, Ed.José Aguillar, 1962 (voI. ill).
(3) BARROS, D.L.P.de - Teoria do discurso. Fundamentos semióticos. São
Paulo, Atual Editora, 1988.
(4) CASTELO, J.A. - Machado de Assis - Crítica. Rio de Janeiro, Livraria Agir
Editora, 1959.
(5) COUTINHO, A. - A Filosofia de Machado de Assis e Outros Ensaios. Rio
de Janeiro, Livraria São José, 1959.
(6) DESMEDT, N. E. - Semi ótica da narrativa. Trad. Ora. Alice Maria Frias,
Coimbra, Livraria Almedina, 1984.
(7) GRUPO DE ENTREVERNNES - Analisis semiotico de los textos -
Introducción, teoría, práctlca. Trad. Ivan Almeida, Madrid, Ediciones
Cristiandad, 1982.
INTRODUÇÃO
Nesse livro, a autora recupera alguns temas e figuras próprios dos contos
de fadas tradicionais. Por que o faz? Tentareinos levantar uma hipótese após
análise, levando em conta, naturalmente, apenas o conto analisado.
Passemos ao trabalho.
SEGMENTAÇAO
ANÁLISE
PRIMEIRA SEQÜÊNCIA: O unicórnio como Sujeito
Como todo conto de fadas típico, este começa com uma situação inicial
eufórica, de paz (até excessiva) no reduto familiar; presença da heroína típica,
a princesa; do espaço típico, castelo vs.floresta; linguagem evocativa; indefini-
çâo temporal (verbos no pretérito imperfeito do indicativo). Causa, no entanto,
estranheza a presença do unicórnio, que pertence à mitologia cristã da Idade
Média e não ao contexto dos contos de fadas. Essa «intrusão- já sugere a
presença do «agressor», ou seja, daquele que vai' quebrar a paz familiar,
causando o «desequilíbrio» que desencadeará a ação.
o sujeito permanece virtual, por ser movido apenas pelo querer, faltando-
lhe, por ora, a modalização do saber e/ou poder para se tomar sujeito competen-
te, daí o «fugir».
Surge aqui o recorte temporal -aum dia»: que marca o início da narrativa
propriamente dita, prenunciando a ruptura da situação eufórica inicial.
DISJUNÇÕES ESPACIAIS:
«floresta» vs. «jardim»
lugar estranho lugar familiar
lugar hostil lugar pacífico
lugar escuro lugar luminoso, claro
DISJUNÇÃO TEMPORAL:
tempo indefinido vs. tempo fixado por um
«durantes dias» número cabalístico:
I
«três noites»
DISJUNÇÃO ACTORIAL:
«rel» vs. «princesa»
papel temático de
autoridade
I papel temático de
docilidade
DISJUNÇÃO INSTRUMENTAL:
DISJUNÇÕES SONORAS:
verbos que indicam vs. ausência de evocações
sons fortes e contínuos sonoras
«galopam
«correm
Talvez esses percursos figurativos contrários nos dois PNs que têm por
objetivo il, captura do unicórnio nos permitam deduzir que o objeto figurativo
«unicórnio» não terá, no decorrer da narrativa, o mesmo valor para os dois atores
(reie princesaj.respectivamente sujeitos dos dois PNs figurativizados pela caça
e pela captura. Voltaremos a esse ponto no desenrolar de nossa análise.
à graça de Deus».Já a rosa designa uma perfeição acabada, uma realização sem
defeito. «A rosa, por sua relação com o sangue derramado, parece, freqüente-
mente, ser o símbolo de um renascimento místico». Apesar de ter sido aproveitada
pela simbologia cristã, a rosa desde a Antiguidade é símbolo de regeneração. Já
a aproximação do branco com o vermelho simboliza a aproximação do profano
ao sagrado e combina as noções de paixão e pureza, de amor transcendental e
sabedoria divina. A figura do «sol morrente» (crepúsculo) reforça a aproximação,
ou mesmo a mescla dessas duas cores. E a palavra «sangue», em lugar de
«vermelho», reforça a idéia de sofrimento; a colocação da palavra «sangue»
antes da palavra «lírios», com que se fecha o texto, mostra o percurso do
sofrimento à pureza transcendental.
BALANÇO FINAL
* passagem de sujeito manipulado pelo pai para obter um objeto para ele,
dentro do PNde1e, para um PN independente onde é manipulada pelo próprio
objeto, até um PN que ela própria Se destina.
materialidade espiritualidf
não-espiritualidade não-materialidade
Apenas para concluir, diríamos que nossa leitura foi feita no sentido de
interpretar o texto como a representação do eterno percurso do ser humano,
figurativizado aqui pelo percurso da princesa: a constante busca da superação
de si mesmo, através do contínuo mudar-se, do constante transformar-se,
passando-se de um estágio a outro através do exercício do fazer interpretativo,
valorizando-se aqui não só o sofrimento como condição para a felicidade final,
mas também a necessidade de se assumir a própria identidade, a necessidade de
se fazer as próprias opções e de se confiar nos próprios recursos, embora a
solução mais fácil seja a de submeter-se ao poder estabelecido. Assim, o
percurso não é só da materialidade para a espiritualidade, mas também da
dependência para a independência, da submissão para a liberdade.
CONCLUSAO
BIBLIOGRAFIA
Marina Colasanti
Durante três noites trançou com osfios de seus cabelos uma rede de
ouro. De manhã vigiava a moita de lírios do jardim. E no nascer do
* **
INTRODUÇÃO
João Ubaldo Ribeiro, escritor baiano, autor de vários livros - Vila Real,
Vcncecavalo e o Outro Povo, Viva o Povo Brasileiro, entre outros - publica
em 1971 o romance Sargento Getúlio. Nele o protagonista, um sargento da
Polícia Militar de Sergipe, é encarregado de levar um prisioneiro político de
Paulo Afonso a Barra dos Coqueiros. A ação se situa num período histórico
brasileiro, a década de trinta aproximadamente, e tem como contexto as disputas
dos partidos políticos com seus confrontos e coligações. Como sargento,
Getúlio serve a um chefe político do Partido Social Democrático. O romance
focaliza os conflitos vividos por essa personagem incapaz de compreender, em
decorrência de suacosmovisão maniqueísta, as alianças efetuadas pelos líderes
partidários. O contexto histórico assim definido, compõe um nível de leitura
que, neste romance, importa como plano de' expressão da auto-definição do
homem do sertão, situado em um determinado.momento histórico, conseqüente
de vários movimentos políticos e sociais.
Do Romance:
Não gosto que o mundo mude, me dá uma agonia, fico sem saber
o que fazer. (p.94)
"Compro Quina Petróleo Oriental, como o chefe usa e sai todo besunta-
do, passeando na rua de João Pessoa, de roupa branca e um lenço no bolso e
dando aquelas paradas para conversar e explicar a situação (...)" (p.16).
outro lado, a escolha de Getúlio por Antunes para seu capanga, está fundamen-
tada em um tipo de saber específico que o sertanejo possui, e que se infere de
sua competência para a realização do PNl: trata-se de um saber essencialmente
pragmático que se manifesta em dois fazeres, saber matar e saber andar pelo
sertão. Praticamente desses dois temas se ocupa o capítulo I do romance.
Nessa busca, o sargento descobre o seu estado de não saber, ou, mais
exatamente, ele descobre que sabe que não sabe. Esse estado de carência e, ao
mesmo tempo, de consciência dessa carência, se traduz imageticamente como
um "oco" interior, expressão usada por ele mesmo no segmento abaixo:
O não contar caracteriza o saber não possuído por Getúlio como segredo.
É Nestor que se investe do papel actancial de adjuvante na interpretação das
coisas, o que leva o sargento à resistência. Aos seus olhos, o segredo e a mudança
de posição do Destinador significamo esvaziamento dos valores por ele
atribuído a Antunes. Pela primeira vez, Getúlio dissocia o ser do parecer do
chefe. Passa a distinguir entre o parecer homem forte, digno de confiança, dono
da verdade -tido até então como expressão de seu ser- e o ser homem não tão
forte nem digno. Tal dissociação se confirma quando, diante da resistência de
Getúlio, o Destinador se vê obrigado a realizar decisivamente um trabalho de
persuasão: em lugar de um delegado e conhecido do sargento, são enviados dois
e quase desconhecidos. Ao mesmo tempo, estes são forçados a descobrir um
pouco mais a realidade encoberta do segredo: revelam o não comparecimento
pessoal do chefe como cautela para que este não aparecesse como o Destinador
da ordem inicial dada a Getúlio. Em outras palavras, este se dá conta do seu papel
de parecer do chefe; por isso, são ele e o seu motorista quem vào presos.
A sistematização de valores agora lhe é possível por ter ele conhecido dois
pontos de vista diferentes e contar, assim, com referenciais que lhe propiciem
organizá-los segundo uma nova ideologia. Nesse processo, a evocação de
motivos folclóricos regionais o conduz à sua identificação com mitos populares.
Seu discurso toma-se lírico quando ele se percebe dono de seu querer,
porém já está só. Sua companheira Luzinete (cujo nome evoca luz e saber),
dentro de um contexto mítico popular, se transforma em lua. Seu companheiro
Amaro, uma saudade. E ele próprio, um sujeito de SER com sua identificação
como homem do sertão:
DO FILME
A passagem do texto escrito para o texto fílmico se dá com o aparecimento
de um novo ponto de vista que determina cada cena, cada fala, cada luz e
movimento. Com a figura do diretor, a narrativa passa, de certa fonna, por uma
espécie de filtro que determina seqüência e sentidos.
Essa leitura está corroborada pela trilha sonora em que uma composição
traduz a imagem visual:
ainda, os tons em ocre e amarelo que adquirem relevância, pois o diretor recorre
a eles em momentos de luta enquanto que o tom azul é destinado aos momentos,
às vezes líricos, em que se manifestam as reflexões do ator.
Esta cena volta tendo como interpretante o segmento do seu encontro com
Luzinete em que Getúlio diz: ••...é que eu tinha me esquecido de quem era eu.
Mas, aquele dia do padre, eu vi que eu sou eu." Esta cisão, entre passado e
presente, tem seu desfecho na seqüência final.
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
Filme:
Poesia Latina:
Anotações Lingüísticas
e Fonoestilísticas
Este escrito não é propriamente um artigo, ainda que breves mas antes,
o relato do que foi dito em junho de 1988, numa reunião do Centro de Estudos
Semi óticos, que o acolhe em sua revista. Resulta das notas recolhidas em poetas
e pensadores para servirem de exemplo e ponto de referência àquela fala, bem
como da própria fala, que aparece aqui com acréscimos e em melhor forma, já
que tempo me foi dado para repensar os pontos ali esflorados e para melhor
redigi-los. Resulta também das observações que lá foram feitas pelos colegas
presentes, a resposta às quais achei por bem incorporar ao texto, a fim de que
fique mais legível e, conseqüentemente, seja de mais utilidade, se utilidade ele
tiver, conforme é do meu desejo.
Ao professor de latim que por mais de duas décadas teve que contentar-
se com o latim rudimentar dos principiantes, reduzido, por absoluta falta de
condições externas e de uma didática por pouco que seja apropriada, ao
arcabouço frasal do idioma, é um grande conforto poder voltar aos primeiros
anos da vida acadêmica, quando o trabalho, quer o de ensino, quer o de pesquisa,
ainda se fez com textos e não com enunciados esparsos, limitados estes, por seu
turno, à função de lugar das primeiras determinações morfossintáticas que a
gramática escolar da tradição de ensino põe à disposição. Não que um tal estudo
deixe de ter o seu encanto. É que, circunscrito aos seus próprios resultados, pu
seja, sem os textos, sem no mínimo uma referência a efeitos estilísticos no "
produto final que são os textos, ele se toma à origem de um grande
descontentamento, na forma da inquietude que dão os empreendimentos come-
çados mas não levados a termo, como a comprovação de que o preço da obra
inconclusa é a frustração.
Muita coisa boa e bonita se produziu nos últimos três decênios em matéria
de reflexão sobre poesia, de que me socorro. Penso em particular no Jakobson
de "Lingüística e poética" (1960), edição brasileira de 1969, em Ivan Fonagy,
com seu bonito ensaio "Le langage poétique: forme et fonction" (1966) e em
Greimas, com "Pour une théorie du discours poétique" ,(1972). Isso sem
esquecer, é claro, o L. Hjelmslev das "Semiotiques connotatives"(1968), que
continua sendo o ponto de partida mais sólido eprodutivo de toda metalingua-
gem poética.
névoa dos muitos anos, gestos e ruídos ingênuos no patear e no fremir do fogoso
cavalo. A métrica é a gesticulação imitativa do poeta:
Foi sem querer e por mera coincidência que a grande poesia de Virgílio
- o mérito é dela - veio ao encontro da minha pobre e despretensiosa prosa,
para confirmá-la, espero. Como se vê, ou melhor, como se ouve, Virgílio
reproduz, com a utilização de símbolos sonoros insisto, e na musicalidade do seu
hexâmetro, o ruído das numerosas patas percutindo surdamente sobre a terra
fofa - putrem campum - no avanço incontido da cavalaria, não como força
da destruição, mas da construção do futuro:
como o menino, convocando a energia vital com que se fará homem, imita,
simboliza, com a boca o para ele atordoante alarido da sua cavalgada turbulenta
pela vida a dentro. Os símbolos do mantuano o são, quando apreciados à luz do
sentido poético, esteticamente consumido no momento da leirura do poema. No
mais, eles são a língua latina, aquela que o sujeito competente em latim
descreverá pelos simples trâmites lingüísticos da fonética, da fonologia, da
morfologia, da sintaxe e do léxico. E isso quaisquer que sejam os efeitos da
assonância ou da aliteração aí contidos, para falar apenas do plano significante.
faber não se faz, nem mesmo se sustenta à custa dos rebuscamentos mais ou
menos explícitos do "estilo" tal qual descrito por retóricos e tratadistas. Entre as
figuras de Cícero, o mais poderoso e fecundo repositório delas,a julgar pelas
estilísticas, deixou-se de enumerar como tal a que mais eminentes efeitos
produz: a frase latina! Uma simples flexão de caso serve tão bem aos propósitos
da expressividade quanto uma onomatopéia: me miserum, duas formas em
acusativo, uma delas por concordância, estão por ai de mim! com toda a sua
força de exclamação interjetiva. É por aí que me é dado entender o dito de
Unamuno, para quem "poeta efilósofo são irmãos gêmeos, se é que não são a
mesma coisa". Efetivamente, para ambos, o problema não é o da simples
comunicação, a menos que por esse termo entendamos o passar, e com isso,
tornar um, não de algo mais ou menos exterior aos sujeitos do comunicar, mas
do próprio ser deles, de maneira que o seu comunicar venha a ser o do próprio
ser, o do próprio um, que será também o bom, o verdadeiro e o belo! Mas não
é a esse comunicar total e incondicionado que chamamos expressar? Há poucos
anos, as disciplinas da nossa escola de 12 grau, correspondentes ao aprendizado
da língua materna receberam, pretensiosa mas levianamente, confessemo-lo,
como tudo que se refere ao ensino, a designação substitutiva de comunicação
e expressão, sem que os burocratas plantonistas suspeitassem sequer que
. estavam consagrando no âmbito da escola pública e leiga uma distinação que,
a ficar nos rótulos, se perverte, e o faz precisamente porque, esvaziadas da sua
substância histórico-culLural, essas duas palavras perdem seu alcance cducacio-
nal e passam a servir à retórica malvada dos usurpadores do poder.
A razão desse encontro fraternal do filósofo que pensa com o poeta que
exprime é um dos primeiros desdobramentos do princípio da arbitrariedade do
signo: não há dependência, entre o lingüístico, seja qual for o ponto de vista sob
que o consideremos, e o poético. Refiro-me à força de coesão com que, por
exemplo, o conceito de adjetivo seleciona o de substantivo, ou, no domínio das
flexões, um acusativo do objeto determina, faz supor a presença do verbo
transitivo, ou ainda, pensando no que é específico de cada idioma, uma oração
interrogativa indireta condiciona-se em latim à existência de um subjuntivo,
mas não em português, por exemplo. Isso prova que sem a dependência, não há
idiomas. Quais sejam elas,porém, é impossível estabelecê-lo a priori, isto é,
dedutivamente. É o mesmo que dizer, como faz Benveniste, que a relação entre
significante e significado é necessária por força da convenção social que situa
cada signo num sistema, vale dizer aqui, num idioma. Fora dessa convenção
maior, quer a chamemos língua ou competência, não há significação lingüística
possível. Que o nosso ouvido chegue a captar cá e lá sons que parecem
reproduzir acusticamente, ou seja, por analogia e não por convenção lógica
aquilo mesmo que designam, é um fato tão esporádico e aletaório na massa dos
de natureza convencional que a sua existência há de ser tomada já como o
primeiro sinal da sua natureza não lingüística, ou se o for, a sua descrição se fará
pelos mesmos procedimentos por que se tratam todos os demais fatos da língua.
Ninguém é tão ingênuo a ponto de pensar que a descrição fonética do verbo
ronronar tenha alguma coisa a ver com o "rumor contínuo, produzido pela
traquéia do gato, especialmente quando está descansando", ou que ele possa
ocorrer em enunciados portugueses, a não ser que se submeta à conjugação, para
fins de concordância e coerência em número, pessoa, tempo e modo, além de se
conformar às determinações adverbiais possíveis.
Seja como for, a proposta de que a leitura dos textos seja muito exigente,
mas prescinda dos graus e títulos acadêmicos, parecerá radical demais a quem,
com espírito de corpo, considere como privilégio dos portadores de diploma a
última palavra sobre poesia. A verdade universitária só justa quando ratificada
é
Pondo de parte por ora o fato de que são versos c considerando só aspectos
morfossintátieos e semânticos dos dois enunciados que a pontuação permite ler,
identificam-se aí duas frases, cuja leitura (tradicional) é a seguinte: Em vez de
introduzir um -is, "este" como antecedente do relativo qui, o que resultaria em:
Quis fuit is I
qui protulit horrerulos enses primus.
em vez disso, numa visão mais moderna, inspirada em Benveniste (1966) com
o princípio de que unidades lingüísticas de um nível se tornam subunidades do
nível superior, não se aerescenta nada, simplesmente se justapõe, como predi-
cativo defuit toda a seqüência que eomeça em horrendos:
Pelo que toca à mensagem verbal, ou seja, excluído da passagem todo procedi-
mento figurativo, quer do significante quer do significado e opondo-se ao -quis
interrogativo o quam exclamativo que torna retórica ou conotada a pergunta e
ainda, lembrando Um outro dado comum da civilização romana, em que cada
cidadão crê que o uso primeiro de todo e qualquer instrumento ele o recebeu das
mãos de um deus inventor, podemos resumir assim o conteúdo do enunciado
contido nas duas frases:
o poeta Tibulo põe em jogo, de vez que dá a esse conteúdo expressão pessoal
e até mesmo corporal, pelo recurso a procedimentos auditivos, por exemplo. É
claro que o emprego de componentes fonéticos e prosódicos para fins de
significação direta, isto é, sem ser pela intermediação dos signos que formam,
sendo menos usual e mais exigente e delicado, pois não está sujeito à determi-
nação prévia do sentido, acaba por favorecer o jogo das simulações com que o
individual parece emergir do social.Não importa que elementos de métrica e
,
r'
prosódia estejam de alguma forma codificados. Não existem, como ocorre para
outros aspectos dos idiomas, dicionários de rimas e de outros procedimentos
fônicos, que os ponham em relação com os significados que supostamente
indicariam. Seja como for e qualquer que seja o desenvolvimento que tenham
os estudos de métrica e prosódia, eles nunca deverão servir à mera constatação
de que por exemplo, o dístico de Tibulo em apreço contém muitos efeitos
aliterativos e assonantes. Nem mesmo indicações mais precisas como as de que
a assonância em semivogais parece, por suas características físicas apicais,
homologar-se ao sentido "agudo", "penetrante", que ensis lexicalmente evoca.
Não é a maior ou menor elaboração do plano de expressão que confirma ou
invalida a existência de um poema. Da mesma forma, não basta declarar quc o
"caráter de uma língua é determinado pela maneira em que é usada, em
particular na poesia e na filosofia" e que, como conseqüência, ':um grande
escritor ou pensador pode modificar o caráter da Ifngúa c enriquecer seus meios
de expressão sem afetar-lhe a estrutura gramatical". A expressão poética
começa por certo nos processos de elaboração do significante. Mas começa
apenas e não há nenhuma garantia de que plano de expressão sofisticado dê
como resultado poema bem feito.O estudo da expressão poética só terá valor se
servir à verificação vez por vez de como é que esse esforço de afirmação do real,
do indivíduo decame e osso diante de entidades menos concretas e menos
palpáveis, mas não menos consistentes que formam o tecido social, se realiza.
É pela afirmação da sua identidade pessoal, concreta, o que ele obtém graças ao
talento com que manipula os meios de expressão do idioma matemo, que o
poeta, por que não o filósofo?, confirma, pelo simples fato de que se serve de
códigos, li solidez dos laços com que se mantém ao mesmo tempo a identidade
de um povo.
REFERtNCIAS BIBLIOGRÁFICAS