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L iz Carlos Cagliari

,...,
ALFABETIZAÇAO
.. ~

& LINGUISTICA

LíNGUA PORTUGUESA
PEDAGOGIA
PSICOLOGIA
FONOAUDlOLOGIA
editora scipione
Catecismo asteca, 1'/,/111
o caminho que a criança percorre na alfabetização (' século XVI, para /110 drJi
muito semelhante ao processo de transformação pelo nos convertidos ao ,·,,111
qual a escrita passou desde a sua invenção. Assim como
os povos antigos, as crianças usam o desenho como for
ma de representação gráfica e são capazes de contar uma
história longa como significação de alguns traços por elas
desenhados ... Elas também podem utilizar "rnarqui-
nhas' , individuais ou estabelecidas por um consenso de
grupo, para representar aquilo que ainda não sabem es-
crever com letras.
As crianças vivem em contato com vários tipos de es-
crita: os logotipos, as placas de trânsito, rótulos e carta-
zes, além dos textos de revistas, jornais, televisão etc.
Todas essas informações e vivências devem ser aproveita-
das pelo professor para, 'juntamente com os alunos, re-
fletir sobre as possibilidades da escrita e observar que
marcas muito individuais restringem a possibilidade de
leitura e que, para facilitar a comunicação entre todas as
pessoas de uma sociedade, é que se estabeleceu um códi-
go, se convencionou um desenho para as letras.
É importante que, logo de início, a professora vá es-
clarecendo os alunos a respeito das distinções entre fala,
escrita e desenho.

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A HISTÓRIA DA ESCRITA
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af?~~ ~ 1 Vejamos agora a história da escrita nos seus aspectos ,'. ~
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mais gerais e importantes para o nosso estudo.
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A história da escrita vista no seu conjunto, sem seguir
uma linha de evolução cronológica de nenhum sistema
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e
especificamente, pode ser caracterizada como tendo três
fases distintas: a pictórica, a ideográfica e a alfabética. V
~~~o~'À \ li A fase pictórica se distingue pela escrita através de de-
senhos ou pictogramas. Estes aparecem em inscrições an-
tigas, mas podem ser vistos de maneira mais elaborada
.antos Ojlbwa. Um grupo d, I> nos cantos Ojibwa da América do Norte, na escrita aste-
cant« 1 puru crnmônia di' tntct« a (veja o catecismo astcca, por exemplo) (' mais recente-
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mente nas histl'lrias em quadllldlO\
Os pictograrnas não estão associados a um som, mas à A fase alfabética se caracteriza pelo uso de letras. Es-
imagem do que se quer representar. Consistem em re- tas tiveram sua origem nos ideogramas, mas perderam o
presentações bem simplificadas dos objetos da realidade. valor ideográfico, assurnindo uma nova função de escri-
A fase ideográfica se caracteriza pela escrita através de ta: a representação puramente fonográfica. O ideogra-
desenhos especiais chamados ideogramas. Esses dese- ma perdeu' seu valor pictórico e passou a ser simples-
nhos foram ao longo de sua evolução perdendo alguns mente uma representação fonética.
dos traços mais representativos das figuras retratadas e Os sistemas mais importantes são o semítico , o india-
tornaram-se uma simples convenção de escrita. As letras Alfabeto caneiforme, ti!'"
no e o greco-latino. Deste último provém o nosso alfabe-
em Ugant (atualm/'III
do nosso alfabeto vieram desse tipo de evolução. Por to (latino) e o cirílico (grego), que originou o atual alfa- Sbamra, na costa da \
exemplo, o a era a representação da cabeça de um boi na beto russo. exemplar mais anugo
Na base de toda escrita está a escrita egípcia: b- . Em grego, o alfa se escreve o<. . abecê completo.
pintura. Acima, uma gravura O b era a representação de uma casa egípcia: fi] . O d
em rocha encontrada no noroes-
era a figura de uma porta: q .
O m era o desenho das
te do Brasil.
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ondas da água: -'VVV\ . O era o desenho de uma cobra:
'-. O o era a figura de um olho: ~.
tava o peixe: ~,e assim por diante.
O x represen-
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As escritas ideográficas mais importantes são a egípcia
(também chamada de hieroglífica), a mesopotârnica (su- ~<.}>~~Vy~Y\~~ "
méria), as escritas da região do mar Egeu (por exemplo,
a cretense) e a chinesa (de onde provém a escrita japo-
nesa).
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.-.jp~t; t:'A?rl ~~~MtGn.(~lf~r~ mos atualmente, passou por inúmeras transformações.
~~~"-\.J-~~~A.~" á!.:;1L1~tv~ll\" 1 Primeiro surgiram os silabârios, que consistiam num

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conjunto de sinais específicos para representar cada síla-
ba. Os desenhos usados referiam-se às características fo-
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Os fen1cios utilizaram vários sinais da estrita cglpna
formando um inventário muito reduzido de caractcrcs,
cada qual escrevendo um som consonantal. Dadas as Cl
racterísticas das línguas semíticas, não era muito impor
tante escrever as vogais, sendo as palavras facilmente rc
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conhecidas apenas pelas consoantes, como encontramos , M°1',A7A13
até hoje num dos modos como se podem escrever o ára "3 , o 11
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'f Os caracteres dos sistemas de escrita pictográficos e
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o o ,10 ideográficos podem se basear na representação semânti-
11 11, 111'1 'l'J h., '1 1'11 ca correspondente a unidades morfológicas e, mais rara-
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mente, a unidades maiores ou menores do que as pala-
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<l q~ ~~~ ~ q~ "1<) ~~"'1.qI<l, vras (veja os símbolos e as cartas enigmáticas ... ). Os ca-
z.} ~ ~~ 'Ss ~ racteres dos sistemas ideográficos podem ser usados para
Ti T r TT T TT r r] representar sílabas, adquirindo, então, um caráter fono-
Diferentes formas de alfabetos \j 'i '('1 vyy v '/ i''I'( I i
x ~ gráfico. Por outro lado, uma sílaba pode também ser re-
gregos arcaicos. (4) q,
<D I presentada por uma letra do alfabeto, fazendo com que
a característica típica fonogrãfica da escrita alfabética
comece a se perder. Apenas Os caracteres do sistema alfa-
Os gregos adaptaram o sistema de escrita fenícia, ao
bético conseguem formar sistemas fonográficos, repre-
qual juntaram as vogais, uma vez que, em grego, as vo-
sentando os sons da fala em unidades menores do que a
gais têm uma função lingüística muito importante na
sílaba; é, portanto, o sistema mais detalhado quanto à
formação e no reconhecimento de palavras. Assim, os
gregos, escrevendo consoantes e vogais, criaram o siste- representação fonética.
ma de escrita alfabética. A escrita alfabética é a que Nem todos escrevem da esquerda para a direita e de
apresenta um inventário menor de símbolos e permite a cima para baixo, como nós, embora esse seja um modo
maior possibilidade combinatória de caracteres na escri- muito comum entre os sisternas de escrita. Os chineses e
ta. Posteriormente, a escrita grega foi adaptada pelos ro- japoneses escrevem da direita para a esquerda e em colu-
manos, e esta forma modificada constitui o sistema alfa- nas verticais. Os árabes escrevem da direita para a es-
bético greco-latino, de onde provém o nosso alfabeto. querda, mas não em colunas, e sim em linhas de cima

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Jogo de tabuleiro, prrJlld


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na oficina de jeban dI' C
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Mais recentemente apareceram o rádio, o cinema e a
televisão. A memória coletiva dos povos passou a ter ou-
tros meios de materialização. Ninguém pensa numa gra-
Inscrição do fórum romano. Do- vação como escrita, mas é de fato uma representação
cumento mais antigo do alfabeto magnética (ou digitada) dos sons, sendo de certo modo
latino. escrito em bustrofédon.
a maior sofisticação dos sistemas alfabéticos, operados
agora não pela análise lingüística, mas eletrônica da fala.
para baixo. O grego antigo era escrito de um modo cha-
mado bustrofédon, isto é, começava-se a escrever numa
linha em cima, à direita, e ia-se até o fim; a linha se-
guinte ia da esquerda para a direita, invertendo a dire-
ção das letras. A terceira linha era igual à primeira, e a
quarta igual à segunda, e assim por diante, com relação
à direção da escrita.
A escrita, seja ela qual for, sempre foi uma maneira
de representar a memória coletiva religiosa, mágica,
científica, política, artística e cultural. A invenção do li-
vro e sobretudo da imprensa são grandes marcos da His-
tória da humanidade, depois é claro, da própria inven-
ção da escrita. Esta foi passando do domínio de poucas
pessoas para o do público em geral e seu consumo é mais
significativo na forma de leitura do que na produção de
textos. Os jornais e revistas são hoje tão comuns quanto
a comida. Para a maioria das pessoas, além de aprender
a andar e a falar, é comum aprender a ler e a escrever.

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Os instrumentos de escrita também têm se transfor
mado muito ao longo dos tempos, indo desde o pincel, dendo da habilidade lingüística do leitor e de sua capa-
o cinzel, o estilete, o lápis, a caneta, até as teclas das m cidade de ler o que está escrito.
quinas de escrever e dos computadores. Numa escrita ideográfica algo como 1iit pode ser
Diante das mais recentes conquistas tecnológicas lido casa, bouse , maison etc. ~ será casas, bouses,
dos novos hábitos da vida moderna, talvez alfabetizar na maisons etc. Como já apontamos antes, os sinais de
forma tradicional seja um anacronismo. É curioso notar trânsito são escritas ideogrãficas, os logotipos são escritas
atualmente uma preocupação, talvez a mais séria da ideográficas e a escrita dos números e das notações cien-
História, com relação à alfabetização do tipo tradicional, tíficas também são escritas ideográficas.
num momento em que breve será considerado analfabe- Uma escrita ideográfica traz consigo em geral signifi-
to quem não conseguir operar as máquinas e computa- cados mais abrangentes do que outros sistemas de escri-
dores: ser alfabetizado nas belas letras hoje representa ta. Pelo que tenho observado, a unidade semântica me-
uma ameaça bem menor a quem detém as formas de po- nor que esse sistema de escrita traduz é a palavra (rnor-
der da sociedade do que aprender a operar os computa- fema).
dores, que são hoje as verdadeiras bibliotecas, o lugar da O outro tipo de sistema de escrita é o baseado no sig-
memória coletiva da nossa sociedade. Memória que não nificante e depende essencialmente dos elementos sono-
só guarda os valores em uso da sociedade, mas que traça ros de uma língua para poder ser lido e decifrado. Esse
também os destinos das pessoas e da própria humanida- tipo depende crucialrnente da ordem linear da escrita,
de, como antigamente faziam as bibliotecas, os livros, os que vem assinalada de uma maneira padronizada.
pergaminhos e as próprias representações pictóricas das Os sistemas ideogrãficos em geral tiveram sua origem
cavernas.
numa escrita pictórica, icônica, cujas formas lembravam
coisas do conhecimento do escritor e do leitor. Na pró-
pria combinação de caracteres icônicos surgiu a possibili-
dade de escrita motivada foneticamente através desse
mesmo processo, tornando a relação icônica cada vez
o SISTEMA DE ESCRITA mais fraca, e a relação fonográfica cada vez mais forte.
Todo sistema de escrita tem um compromisso direto
ou indireto com os sons de uma língua, e como as lín-
Como já vimos, a escrita tem como objetivo a leitura. guas inexoravelmente mudam com o tempo, transfor-
A leitura tem como objetivo a fala. A fala é a expressão mando a forma fônica das palavras, a escrita começa a
lingüística e se compõe de unidades, de tamanho variá- ser de difícil leitura. Historicamente, muitos sistemas
vel, chamadas signos e que se caracterizam em sua essên- ideográficos foram se reformulando e acabaram incorpo-
cia pela união de um significado a um significante .. rando muitos elementos de escrita fonográfica.
Os sistemas de escrita podem ser divididos em dois O contrário também acontece quando sistemas alfa-
grandes grupos. Os sistemas de escrita baseados no sig- béticos procuram representações escritas silábicas, rnor-
nificado (escrita ideográfica) e os sistemas baseados no fológicas e até além disso, em geral por necessidade de
significante (escrita fonográfica). simplificação do excesso de detalhes que a escrita alfabé-
Os sistemas baseados nos significados são, em geral, tica produz, em certas circunstâncias, para palavras de
pictóricos, iconicamente motivados pelos significados uso muito específico. Corrigindo o rascunho de um tra-
que querem transmitir, e dependem fortemente dos co- balho de uma aluna, encontrei palavras escritas da se-
nhecimentos culturais em que operam. Por outro lado, guinte maneira:
esse tipo de escrita não depende de uma lín~a específi-
ca. Sua leitura pode ser feita em várias línguas, depen- cças (crianças), til (normal)
i/c (atualmente). II}() (tt'lllpO)

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