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LP

EM.11.LP.3.31.8.P-2321

Sequência Didática do Professor


Leitura e

Campo artístico-literário
Interpretação

Ensino Médio Conto fantástico

Habilidades
FOCO
EM13LP01 Relacionar o texto, tanto na
produção como na leitura/escuta, com
suas condições de produção e seu contex-
to sócio-histórico de circulação, de forma
a ampliar as possibilidades de construção
de sentidos e de análise crítica e produzir
textos adequados a diferentes situações.
EM13LP49 Perceber as peculiaridades
estruturais e estilísticas de diferentes
gêneros literários para experimentar os
diferentes ângulos de apreensão do indiví-
duo e do mundo pela literatura.

Habilidades
RELACIONADAS
EM13LP03, EM13LP06 e EM13LP46.
HABILIDADES RELACIONADAS/ • EM13LP46 Compartilhar sentidos
BNCC: construídos na leitura/escuta de
• EM13LP03 Analisar relações de textos literários, percebendo dife-
intertextualidade e interdiscursivi- renças e eventuais tensões entre
dade que permitam a explicitação as formas pessoais e as coletivas
de relações dialógicas, a identifi- de apreensão desses textos, para
cação de posicionamentos ou de exercitar o diálogo cultural e agu-
perspectivas, a compreensão de çar a perspectiva crítica.
paráfrases, paródias e estilizações,
entre outras possibilidades.
• EM13LP06 Analisar efeitos de sen-
tido decorrentes de usos expres-
sivos da linguagem, da escolha de
determinadas palavras ou expres-
sões e da ordenação, combinação
e contraposição de palavras, dentre
outros, para ampliar as possibilida-
des de construção de sentidos e de
uso crítico da língua.
LP Leitura e
Interpretação
Campo artístico-literário | Conto fantástico

Ensino Médio

Orientação ao
PROFESSOR
Ponto de
PARTIDA

1ª parte DE OLHO NA BNCC


CAMPO ARTÍSTICO-LITERÁRIO Neste
Certamente, ao longo da sua vida, dentro ou fora da escola, você se deparou campo, trata-se, principalmente, de
com diversos gêneros literários, como poemas, romances, textos dramáticos e levar os estudantes a ampliar seu
contos. Dentre esses, deve se lembrar dos contos de fada, de aventura, de sus- repertório de leituras e selecionar obras
pense, de terror e contos fantásticos. Qual deles é seu preferido? significativas para si, conseguindo
apreender os níveis de leitura presentes
Você tem o hábito/gosta de ler contos? Quem são os autores desse gênero
nos textos e os discursos subjacen-
que você conhece? Em que lugar podemos encontrar textos assim? Como são
tes de seus autores. [...] A prática da
essas histórias? O que esse gênero tem de diferente dos outros? Em geral, que
leitura literária, assim como de outras
tipo de histórias são narradas nos contos? Comente linguagens, deve ser capaz também
Vamos fazer algo diferente! Por alguns minutos, tente se lembrar do último de resgatar a historicidade dos textos:
conto que você leu. Feito isso, preencha a ficha a seguir em relação ao conto e, produção, circulação e recepção das
depois, compartilhe as informações com a turma. obras literárias, em um entrecruzamen-
to de diálogos (entre obras, leitores,
Título:
tempos históricos) e em seus movi-
Autor: mentos de manutenção da tradição e
de ruptura, suas tensões entre códigos
estéticos e seus modos de apreensão
• Sobre o que era a história? da realidade. Espera-se que os leitores/
fruidores possam também reconhecer
na arte formas de crítica cultural e po-
lítica, uma vez que toda obra expressa,
inevitavelmente, uma visão de mundo e
• Qual era o enredo?
uma forma de conhecimento, por meio
de sua construção estética. (BRASIL,
2017, p. 523)

• Onde e em que tempo se passava?

• Quem eram os personagens?

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• E como era o narrador?
Orientação ao
PROFESSOR

• Como terminava o conto?

Ponto de
PARTIDA

Professor, o propósito do ponto de


partida é encaminhar um debate Agora defina com suas palavras
com a turma, a fim de levantar
• O que é um conto?
os conhecimentos prévios dos
estudantes (de mundo, textuais,
linguísticos), que envolvem o gênero
tema desta sequência didática:
o conto fantástico. Sendo assim, • Para que um conto é escrito?
as questões propostas, a ficha de
recordação do conto e as definições
servem para mobilizar os conheci-
mentos construídos até o momento
e formular hipóteses que poderão
ou não serem confirmadas ao longo 2ª parte
dos estudos propostos nesta SD.
É muito importante, nesse momen- Vamos discutir outra questão: o que é algo “fantástico” para você? Pense em
to, ouvir os estudantes, deixá-los outras palavras e expressões que podem servir de sinônimo. Cite um exemplo de
expressarem o que já sabem sobre alguma situação “fantástica” que você presenciou. O que aconteceu para você
o tema, formularem suas hipóteses, chamá-la de “fantástico”?
realizando uma “chuva de ideias".
No site www.sinonimos.com.br, entre as acepções para “fantástico” estão as
Tudo isso lhe dará subsídio para
seguintes palavras:
orientá-los nas demais atividades
do material. Sendo assim, começa-
mos a trabalhar alguns elementos
da Habilidade Foco EM13LP01.
Caso sinta necessidade, você pode Surpreendente, extraordinário, impressionante, incomum,
aprofundar o conceito do “fantásti- espantoso, assombroso, fantasioso, irreal.
co” ao explorar suas representações
na mídia e cultura de massa, como
séries, filmes, desenhos, HQs, apro- Disponível em: https://www.sinonimos.com.br/fantastico/
ximando-se do contexto dos alunos. Acesso em março de 2019.

Já aconteceu alguma coisa estranha na sua vida? Algo que o surpreendeu


muito e você não conseguiu explicar?
• Pensando em tudo o que discutimos, defina: o que é para você um “conto
fantástico"?

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Atividade 1

Vamos analisar a seguir uma lista de contos extraídos de dois livros bem conhecidos: Contos fantásticos do século XIX
e Os cem melhores contos brasileiros do século [XX].

O Homem de Areia O fantasma e o consertador


E.T.A Hoffmann de ossos
Joseph Sheridan Le Fanu

O elixir da longa vida


Honoré de Balzac A sombra
Hans Christian Andersen

A caçada
Lygia Fagundes Telles O espelho
Machado de Assis

A mão encantada
Gérard de Nerval Os buracos da máscara
Jean Lorrain

O gato preto
Edgar Allan Poe O demônio da garrafa
Robert Louis Stevenson

Orientação ao
PROFESSOR
Quem sabe diz
Você conhece ou já leu um desses contos, ou um dos auto-
res? Qual dos títulos dos contos chamou mais a sua aten-
Atividade 1
ção? Por quê? Qual texto deixou você com vontade de ler?
O que esses títulos sugerem de misterioso, fantástico ou sobrenatural? Professor, a atividade propõe a
Comente produção oral de um conto fantásti-
co para mobilizar os conhecimentos
que os alunos já possuem sobre a
composição do gênero e, ao mesmo
Agora, em grupo, escolham um desses contos e desenvolvam oralmente uma tempo, preparar a leitura do conto
história que seja possível a partir do título. Imaginem como seria esse conto. na atividade seguinte, envolvendo
essencialmente aspectos das ha-
Então, contem a seus colegas e professor. Para ajudar a desenvolver sua história,
bilidades EM13LP01 e EM13LP49.
tente garantir os seguintes aspectos:
A intenção aqui é que os grupos
• Situação inicial (personagens, tempo e espaço) explorem, por meio dos títulos
• Conflito (algo que rompe a tranquilidade do início) de contos fantásticos de outros
autores, as sensações de mistério e
• Desenvolvimento do conflito (a situação vai se agravando) o ambiente sobrenatural, conteúdos
• Clímax (revelação, ponto de maior tensão da história) temáticos próprios ao gênero conto
• Desfecho (solução ou término do conflito, que pode ser bom ou ruim)

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Orientação ao
PROFESSOR ?
Você
SABIA? Os contos são textos literários de curta extensão escri-
fantástico. Dessa forma, desperta- tos com a finalidade de narrar uma história de ficção para
-se a curiosidade deles para a leitura divertir, emocionar e envolver o leitor apreciador de histó-
de outros contos do mesmo gênero rias como essa. Assim como os outros gêneros pertencentes ao campo
e o engajamento nas atividades artístico-literário, esse gênero pode ser publicado/circular em livros
seguintes. As questões em Quem e coletâneas de contos, suplementos literários de jornais e revistas,
sabe diz visam orientar a discussão sites e blogs especializados, ou até nas redes sociais. No Brasil, alguns
e a análise dos títulos. dos contistas mais consagrados pelo cânone são Machado de Assis,
Enquanto os grupos estiverem ela- Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Lygia
borando o roteiro para o conto oral, Fagundes Telles, Luiz Fernando Veríssimo, Dalton Trevisan, entre outros.
é importante que você caminhe pela
sala para orientá-los no sentido de
garantir alguns aspectos básicos do
gênero (dispostos em tópicos), além
do elemento sobrenatural.
Quem sabe diz
Terminada essa etapa, separe Você está gostando de aprender mais sobre o gênero conto?
alguns minutos para a apresentação Conhece ou já leu algum dos autores citados? Tem preferên-
oral dos contos escolhidos pelos cia por algum deles? Qual? Por quê? Comente
grupos.

Atividade 2

Professor, o objetivo da atividade é


iniciar o processo de leitura do conto Atividade 2
“A caçada”, de Lygia Fagundes Telles,
de modo a trabalhar aspectos das
habilidades EM13LP03, EM13LP06, Com certeza, você já ouviu falar na escritora brasileira Lygia Fagundes Telles. Já
EM13LP46 e EM13LP49. Para isso, leu um de seus contos? Do que tratava a história? Gostou ou não gostou? Por quê?
é apresentada inicialmente uma Para conhecermos um pouco mais de sua obra, vamos assistir a uma rese-
resenha em vídeo no YouTube, subsi-
nha de um de seus livros de contos, chamado Antes do baile verde. O vídeo foi
diando a turma com informações so-
publicado por Isabella Lubrano, em seu canal sobre livros no YouTube “Ler antes
bre a vida, a obra e o estilo da autora,
de morrer".
de modo a despertar o interesse dos
alunos e motivá-los para a leitura.
É importante que você planeje com
antecedência a exibição do vídeo,
recorrendo à melhor estratégia pos-
sível: projetor, sala de multimídia ou
informática, ou até os celulares dos
próprios alunos se houver internet
(envolvendo o uso pedagógico do
aparelho). Em seguida, as perguntas
propostas antes do texto visam ante-
cipar e auxiliar a compreensão, além
de começar a engajá-los na história,
prendendo-lhes a atenção.

Disponível em https://youtu.be/HFyQn-mYaOs
Acesso em março de 2019

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• O que vocês entendem pela palavra “caçada? Quem são os principais personagens de uma caçada? Em que ambiente
ela acontece?
• Imaginem como seria uma caçada representada em uma pintura bem grande.
• Agora, pensem que essa pintura foi feita em uma tapeçaria antiga, muito envelhecida.
• Isso parece misterioso para você? Por quê?

TEXTO 1

Parte 1

A CAÇADA

Lygia Fagundes Telles

A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus anos embolorados e livros comidos
de traça. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou voo e foi
chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas.
— Bonita imagem — disse ele.
A velha tirou um grampo do coque, e limpou a unha do polegar. Tornou a enfiar o grampo no cabelo.
— É um São Francisco.
Ele então voltou-se lentamente para a tapeçaria que tomava toda a parede no fundo da loja. Aproximou-se
mais. A velha aproximou-se também.
— Já vi que o senhor se interessa mesmo é por isso… Pena que esteja nesse estado.
O homem estendeu a mão até a tapeçaria, mas não chegou a tocá-la.
— Parece que hoje está mais nítida…
— Nítida? — repetiu a velha, pondo os óculos. Deslizou a mão pela superfície puída. — Nítida, como?
— As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma coisa nela?
A velha encarou-o. E baixou o olhar para a imagem de mãos decepadas. O homem estava tão pálido e perple-
xo quanto a imagem.
— Não passei nada, imagine… Por que o senhor pergunta?
— Notei uma diferença.
— Não, não passei nada, essa tapeçaria não aguenta a mais leve escova, o senhor não vê? Acho que é a poei-
ra que está sustentando o tecido acrescentou, tirando novamente o grampo da cabeça. Rodou-o entre os dedos
com ar pensativo. Teve um muxoxo: — Foi um desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro. Eu disse
que o pano estava por demais estragado, que era difícil encontrar um comprador, mas ele insistiu tanto… Preguei
aí na parede e aí ficou. Mas já faz anos isso. E o tal moço nunca mais me apareceu.
— Extraordinário…
A velha não sabia agora se o homem se referia à tapeçaria ou ao caso que acabara de lhe contar. Encolheu os
ombros. Voltou a limpar as unhas com o grampo.
— Eu poderia vendê-la, mas quero ser franca, acho que não vale mesmo a pena. Na hora que se despregar, é
capaz de cair em pedaços.
O homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em que tempo, meu Deus! em que tempo teria assistido a
essa mesma cena. E onde?…

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Agora, vamos discutir juntos e, junto com seu colega, responder a algumas questões:
1. No vídeo da atividade anterior, Isabella afirma que o estilo de Lygia Fagundes Telles é minucioso e detalhista. Encontre
um exemplo disso nessa parte do texto.

2. O espaço onde se passa a história sugere algo misterioso? Justifique.

3. Há algo no início do texto que anuncia um acontecimento trágico? O quê?

4. O texto apresenta referências religiosas? Quais? Que sentido elas acrescentam à história?

5. O que o narrador quer dizer com “anos embolorados", no 1º parágrafo? Como se chama essa figura de linguagem?

6. Qual é a reação do homem e da velha diante da tapeçaria? Eles têm a mesma percepção?

7. Há algo de misterioso na origem da tapeçaria? O quê?

8. A) Qual tempo verbal que mais aparece no discurso do narrador? Cite um exemplo.

B) E nas falas das personagens? Justifique com um trecho.

9. No último parágrafo, por que a mão do homem tremia? O que estava acontecendo com ele?

10. A quem pertence a seguinte fala no último parágrafo: Em que tempo, meu Deus! em que tempo teria assistido a essa
mesma cena. E onde?…? Está mais próxima do narrador ou do estado emocional do personagem? Como se chama esse
tipo de discurso? Justifique.

8
Orientação ao
PROFESSOR

Como estratégia nesse primeiro momento, você pode realizar a leitura do texto sozinho, de forma bem expressiva, ressaltando os
aspectos que conferem mistério e suspense à narrativa, a fim de criar uma tensão proposital e atenção nos alunos-ouvintes. Outras
estratégias também são possíveis nesse sentido, por exemplo, fechar as cortinas, apagar a luz da sala, colocar uma música de
suspense no fundo etc.
Após a leitura coletiva, ajude os alunos a se organizarem em duplas produtivas de trabalho para analisarem e responderem às
questões propostas, para as quais são esperadas as seguintes respostas:
1. Exemplos possíveis: “Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros.”; “A mariposa levantou voo e foi chocar-
-se contra uma imagem de mãos decepadas.”; “A velha tirou um grampo do coque, e limpou a unha do polegar.”
2. Sim. A loja de antiguidades remete ao passado; e a descrição do espaço, a algo sombrio, oculto, abandonado, empoeirado, corroído:
...tinha cheiro de uma arca de sacristia com seus anos embolorados e livros comidos de traça.
3. Sim. A mariposa que se choca com a imagem de São Francisco com as mãos “decepadas" prenuncia algo trágico, sangrento,
doloroso.
4. Sim, a arca da sacristia e a imagem de São Francisco. Professor, aproveite o momento para explorar com os alunos a relação de
intertextualidade com a tradição da cultura cristã. A arca da sacristia é o móvel onde são guardados os objetos sagrados para
realizar a missa, o que potencializa o sentido de enclausuramento do ambiente. Além disso, é importante também lembrar a
história de São Francisco, santo católico popularmente conhecido como o protetor dos animais.
5. O autor quis reforçar a ideia de ambiente consumido pela passagem do tempo. Trata-se de uma sinestesia.
6. Não. A velha não dá nenhum valor à tapeçaria e a vê envelhecida e estragada (como ela é no plano do mundo real); já o homem
fica admirado, enxergando-a nítida e viva (plano irreal, fantástico).
7. Sim. A forma como ela surgiu na loja: um desconhecido que precisava de dinheiro a deixou lá para ser vendida e nunca mais
apareceu.
8. Professor, oriente os alunos a reconhecer as formas no pretérito como o tempo verbal predominante no discurso do narrador,
bem como o presente no discurso dos personagens, retirando exemplos do texto.
9. A mão do homem tremia, provavelmente, porque ele estava nervoso. Ele tinha a sensação de já ter visto aquela cena antes.
10. Apesar de estar no discurso do narrador, a fala pertence ao personagem “homem" que “invade" a do narrador. Trata-se do discur-
so indireto livre, indicado pelos pontos de exclamação e interrogação e pelo conteúdo da fala, próximo à realidade do persona-
gem. Professor, chame atenção também para a ambiguidade do sujeito oculto na forma verbal “teria assistido”, que pode tanto
estar na 1ª como na 3ª pessoa.

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Atividade 3

Você está gostando do conto? O que você acha que vai acontecer agora? Está curioso? Vamos continuar a leitura e conferir!

Parte 2

Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apontando para uma touceira es-
pessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador espreitava por entre as árvores do bosque, mas esta era
apenas uma vaga silhueta, cujo rosto se reduzira a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro
caçador, a barba violenta como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à espera de que a caça levantasse
para desferir-lhe a seta.
O homem respirava com esforço. Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de
tempestade. Envenenando o tom verde-musgo do tecido, destacavam-se manchas de um negro-violáceo e que
pareciam escorrer da folhagem, deslizar pelas botas do caçador e espalhar-se no chão como um líquido malig-
no. A touceira na qual a caça estava escondida também tinha as mesmas manchas e que tanto podiam fazer
parte do desenho como ser simples efeito do tempo devorando o pano.
— Parece que hoje tudo está mais próximo — disse o homem em voz baixa. — É como se…Mas não está
diferente?
A velha firmou mais o olhar. Tirou os óculos e voltou a pô-los.
— Não vejo diferença nenhuma.
— Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta…
— Que seta? O senhor está vendo alguma seta?
— Aquele pontinho ali no arco… A velha suspirou.— Não vejo diferença nenhuma.
— Mas esse não é um buraco de traça? Olha aí, a parede já está aparecendo, essas traças dão cabo de tudo —
lamentou, disfarçando um bocejo. Afastou-se sem ruído, com suas chinelas de lã. Esboçou um gesto distraído:
— Fique aí à vontade, vou fazer meu chá.
O homem deixou cair o cigarro. Amassou-o devagarinho na sola do sapato. Apertou os maxilares numa con-
tração dolorosa. Conhecia esse bosque, esse caçador, esse céu — conhecia tudo tão bem, mas tão bem! Quase
sentia nas narinas o perfume dos eucaliptos, quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada, ah, essa
madrugada! Quando? Percorrera aquela mesma vereda aspirara aquele mesmo vapor que baixava denso do céu
verde…Ou subia do chão? O caçador de barba encaracolada parecia sorrir perversamente embuçado. Teria sido
esse caçador? Ou o companheiro lá adiante, o homem sem cara espiando por entre as árvores? Uma perso-
nagem de tapeçaria. Mas qual? Fixou a touceira onde a caça estava escondida. Só folhas, só silêncio e folhas
empastadas na sombra. Mas, detrás das folhas, através das manchas pressentia o vulto arquejante da caça.
Compadeceu-se daquele ser em pânico, à espera de uma oportunidade para prosseguir fugindo. Tão próxima a
morte! O mais leve movimento que fizesse, e a seta… A velha não a distinguira, ninguém poderia percebê-la, redu-
zida como estava a um pontinho carcomido, mais pálido do que um grão de pó em suspensão no arco.
Enxugando o suor das mãos, o homem recuou alguns passos. Vinha-lhe agora uma certa paz, agora que sa-
bia ter feito parte da caçada. Mas essa era uma paz sem vida, impregnada dos mesmos coágulos traiçoeiros da
folhagem. Cerrou os olhos. E se tivesse sido o pintor que fez o quadro? Quase todas as antigas tapeçarias eram
reproduções de quadros, pois não eram? Pintara o quadro original e por isso podia reproduzir, de olhos fechados,
toda a cena nas suas minúcias: o contorno das árvores, o céu sombrio, o caçador de barba esgrouvinhada, só
músculos e nervos apontando para a touceira…“Mas se detesto caçadas! Por que tenho que estar aí dentro?”

10
Agora vamos pensar juntos e responder a algumas questões oralmente e
Orientação ao
outras por escrito PROFESSOR
1. A) Qual parágrafo descreve a pintura da tapeçaria? Qual é o tempo verbal
predominante nessa descrição?
B) O narrador usa outras expressões para detalhar a descrição? Atividade 3

2. Que palavras no texto sugerem imagens fortes, de sofrimento, dor? Qual é a


Professor, a atividade busca dar
relação disso com o tema do conto?
continuidade à leitura e compreen-
3. No 1º parágrafo, há alguma referência implícita a uma figura mitológica? são do conto. Portanto, tratam-se
Qual? Em qual trecho? dos mesmos encaminhamentos e
habilidades envolvidas na atividade
4. No 2º parágrafo, o que é possível entender pelas “manchas de um negro-vio-
anterior. A ideia é que as questões
láceo"? Onde elas aparecem e o que devem representar?
de 1 a 5 possam ser respondidas
5. No segundo dia, o que mudou na percepção do homem sobre a pintura? oralmente, de modo a evitar que
Quais palavras expressam essa passagem de tempo? Justifique. a atividade fique cansativa para
os alunos, que deverão registrar
6. A) Em que parte do texto, o homem parece entrar na pintura? O que no
apenas as questões de 6 a 10. Eis
texto indica isso?
as respostas esperadas:
1. O 1º parágrafo descreve com
minúcias a pintura da tapeçaria,
sendo uma das marcas o predo-
B) E em que momento ele parece sair dela? Por quê? mínio do verbo no pretérito im-
perfeito. Além disso, expressões
como “No primeiro plano” e “Num
plano mais profundo” ajudam a
detalhar essa descrição.
7. No penúltimo parágrafo, o homem se coloca várias perguntas. O que ele está
procurando saber? A que conclusão ele chega? Em que trecho isso aparece? 2. Termos como “barba violenta”,
“céu de tempestade”, “Envenenan-
do”, “maxilares numa contração
dolorosa” antecipam a violência
que a caça vai sofrer, além de re-
produzir e potencializar a tensão
8. Que verbos são usados para indicar a fala dos personagens em discurso vivida pelo personagem.
direto? 3. Sim, um dos caçadores tem a
“barba violenta como um bolo de
serpentes”, o que remete à figura
9. No discurso indireto livre, a fala e emoção do personagem surge dentro do de Medusa, ser da mitologia
discurso do narrador, como se vê no trecho grega que tinha os cabelos de
serpente e petrificava as pessoas
A — Parece que hoje tudo está mais próximo — disse o homem em voz que olhassem para ela. Profes-
baixa. sor, aproveite esse momento
B — “Mas se detesto caçadas! Por que tenho que estar aí dentro?” para explorar com a turma a
relação de intertextualidade
C — essas traças dão cabo de tudo — lamentou, disfarçando um bocejo. mitológica sugerida pelo conto,
D — quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada, ah, essa explicando a história de Medusa
madrugada! e perguntando aos alunos qual é
a relação dela com o texto lido.
E — Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta…
4. Tudo indica se tratar do sangue
10. No último parágrafo, há algum exemplo do estilo detalhista da autora? Qual? do animal escondido atrás da
touceira, cuja coloração se tor-
nou negro-violáceo (violeta escu-
recido) pelo aspecto envelhecido
e desbotado da pintura.

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Campo artístico-literário | Conto fantástico 11
Orientação ao
PROFESSOR

5. O homem enxerga a pintura mais nítida: “— Parece que hoje tudo está mais próximo”/ “Ontem não se podia ver se ele tinha ou
não disparado a seta…” A passagem de tempo é marcada pelos advérbios hoje e ontem.
6. No penúltimo parágrafo, após o homem deixar cair o cigarro e tensionar o maxilar. A partir da frase: “Conhecia esse bosque, esse
caçador, esse céu...” predominam os verbos no pretérito imperfeito, o que indica a perspectiva do homem imersa na pintura.
Quando o ponto de vista dele sai da pintura, os verbos voltam a ficar no pretérito perfeito: “Compadeceu-se daquele ser em
pânico [...] Enxugando o suor das mãos, o homem recuou alguns passos.”
7. Com as perguntas, o homem procura saber quem ele foi na cena. A única conclusão é de que ele foi um dos personagens da
cena representada: “Uma personagem de tapeçaria”.
8. Os verbos de elocução disse e lamentou.
9. Alternativa D, principalmente devido ao trecho ah, essa madrugada!
10. Sim, a possível lembrança do homem quando teria pintado a cena “podia reproduzir, de olhos fechados, toda a cena nas suas
minúcias: o contorno das árvores, o céu sombrio, o caçador de barba esgrouvinhada...”

Atividade 4

Está gostando? Pelo andar da história, o que você acha que vai acontecer no final? Encontrou alguma pista nos parágra-
fos anteriores? Vamos logo ver como termina o conto!

Parte 3

Apertou o lenço contra a boca. A náusea. Ah, se pudesse explicar toda essa familiaridade medonha, se pudes-
se ao menos… E se fosse um simples espectador casual, desses que olham e passam? Não era uma hipótese?
Podia ainda ter visto o quadro no original, a caçada não passava de uma ficção. “Antes do aproveitamento da
tapeçaria…” — murmurou, enxugando os vãos dos dedos no lenço.
Atirou a cabeça para trás como se o puxassem pelos cabelos, não, não ficara do lado de fora, mas lá dentro,
encravado no cenário! E por que tudo parecia mais nítido do que na véspera, por que as cores estavam mais
fortes apesar da penumbra? Por que o fascínio que se desprendia da paisagem vinha agora assim vigoroso,
rejuvenescido?…
Saiu de cabeça baixa, as mãos cerradas no fundo dos bolsos. Parou meio ofegante na esquina. Sentiu o cor-
po moído, as pálpebras pesadas. E se fosse dormir? Mas sabia que não poderia dormir, desde já sentia a insônia
a segui-lo na mesma marcação da sua sombra. Levantou a gola do paletó. Era real esse frio? Ou a lembrança
do frio da tapeçaria? “Que loucura!… E não estou louco”, concluiu num sorriso desamparado. Seria uma solução
fácil. “Mas não estou louco.”.
Vagou pelas ruas, entrou num cinema, saiu em seguida e quando deu acordo de si, estava diante da loja de
antiguidades, o nariz achatado na vitrina, tentando vislumbrar a tapeçaria lá no fundo.
Quando chegou em casa, atirou-se de bruços na cama e ficou de olhos escancarados, fundidos na escuridão.
A voz tremida da velha parecia vir de dentro do travesseiro, uma voz sem corpo, metida em chinelas de lã: “Que
seta? Não estou vendo nenhuma seta…” Misturando-se à voz, veio vindo o murmurejo das traças em meio de
risadinhas. O algodão abafava as risadas que se entrelaçaram numa rede esverdinhada, compacta, apertando-se
num tecido com manchas que escorreram até o limite da tarja. Viu-se enredado nos fios e quis fugir, mas a tarja
o aprisionou nos seus braços. No fundo, lá no fundo do fosso, podia distinguir as serpentes enleadas num nó
verde-negro. Apalpou o queixo. “Sou o caçador?” Mas ao invés da barba encontrou a viscosidade do sangue.

12
Acordou com o próprio grito que se estendeu dentro da madrugada. Enxugou o rosto molhado de suor. Ah,
aquele calor e aquele frio! Enrolou-se nos lençóis. E se fosse o artesão que trabalhou na tapeçaria? Podia revê-la,
tão nítida, tão próxima que, se estendesse a mão, despertaria a folhagem. Fechou os punhos. Haveria de des-
truí-la, não era verdade que além daquele trapo detestável havia alguma coisa mais, tudo não passava de um
retângulo de pano sustentado pela poeira. Bastava soprá-la, soprá-la!
Encontrou a velha na porta da loja. Sorriu irônica:
— Hoje o senhor madrugou.
— A senhora deve estar estranhando, mas…
— Já não estranho mais nada, moço. Pode entrar, pode entrar, o senhor conhece o caminho…
“Conheço o caminho” — murmurou, seguindo lívido por entre os móveis. Parou. Dilatou as narinas. E aquele
cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro? E por que a loja foi ficando embaçada, lá longe? Imen-
sa, real só a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com suas manchas
esverdinhadas. Quis retroceder, agarrou-se a um armário, cambaleou resistindo ainda e estendeu os braços até
a coluna. Seus dedos afundaram por entre galhos e resvalaram pelo tronco de uma árvore, não era uma coluna,
era uma árvore! Lançou em volta um olhar esgazeado: penetrara na tapeçaria, estava dentro do bosque, os pés
pesados de lama, os cabelos empastados de orvalho. Em redor, tudo parado. Estático. No silêncio da madruga-
da, nem o piar de um pássaro, nem o farfalhar de uma folha. Inclinou-se arquejante. Era o caçador? Ou a caça?
Não importava, não importava, sabia apenas que tinha que prosseguir correndo sem parar por entre as árvores,
caçando ou sendo caçado. Ou sendo caçado?… Comprimiu as palmas das mãos contra a cara esbraseada, enxu-
gou no punho da camisa o suor que lhe escorria pelo pescoço. Vertia sangue o lábio gretado.
Abriu a boca. E lembrou-se. Gritou e mergulhou numa touceira. Ouviu o assobio da seta varando a folhagem, a dor!
“Não…” – gemeu, de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração.

Publicado no livro “Antes do baile verde”, José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1979, foi incluído entre “Os cem melhores contos brasileiros do século”, seleção de Ítalo
Moriconi, Editora Objetiva – Rio de Janeiro, 2000, pág. 265.

Agora, vamos discutir algumas questões oralmente e responder a outras por escrito.
1. No início do texto, o homem questiona se aquela sensação com a pintura é ou não real. Que trechos indicam isso?
2. No 2º parágrafo, o homem se pergunta por que sente a pintura cada vez mais nítida. Qual é sua hipótese? O que isso
sugere?
3. Em algum momento o personagem sonha? Em qual parágrafo? Como é possível saber que ele sonhou?
4. No 5º parágrafo, há alguma referência ao caçador? Como o homem descobre que ele não é o caçador na pintura?

Releia os trechos

— Já não estranho mais nada, moço. Pode entrar, pode entrar, o senhor conhece o caminho…

“Conheço o caminho” — murmurou, seguindo lívido por entre os móveis. Parou. Dilatou as narinas. E
aquele cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro? E por que a loja foi ficando embaçada, lá
longe? Imensa, real só a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com
suas manchas esverdinhadas.

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Campo artístico-literário | Conto fantástico 13
5. O homem repete a frase da velha com o mesmo sentido? A que “caminho” ele
Orientação ao
PROFESSOR se refere?

Atividade 4
6. Que palavras no trecho indicam que o homem entrou na cena da tapeçaria?
Continuação da leitura e com- Como esse movimento é narrado?
preensão do conto, envolvendo as
mesmas habilidades das atividades
anteriores. Optou-se mais uma vez
por propor parte das questões a
7. Que trecho marca a imersão completa do homem na tapeçaria? Que tempo
serem discutidas e respondidas
oralmente e outras por escrito. Eis verbal indica isso? Justifique.
as respostas esperadas:
1. Sim, no 1º e 2º parágrafo, nos
trechos: a caçada não passava
de uma ficção. Antes do aprovei- 8. Afinal, quem era o homem na pintura? O caçador ou a caça? Qual trecho do
tamento da tapeçaria… — mur- texto dá essa certeza?
murou [...] Era real esse frio? Ou
a lembrança do frio da tapeçaria?
“Que loucura!… E não estou louco”,
concluiu num sorriso desampara-
do. Seria uma solução fácil. “Mas
não estou louco.”.
2. Resposta pessoal, porém, nesse
momento da leitura é esperado
?
que os alunos percebam que o Você
homem é atraído e vai “entrando” SABIA? Na composição do conto, uma das características é apre-
cada vez mais na pintura, que vai sentar já no primeiro parágrafo uma chave de leitura sobre
ganhando vida. seu desfecho, indicando uma pista para o leitor decifrar.
3. Sim, no 5º parágrafo. Professor,
chame a atenção para trechos
que misturam ações de den- Agora, vamos comparar o início (I) com o final (II) do conto A caçada:
tro e de fora do sonho, como
“atirou-se de bruços na cama”,
“A voz tremida da velha parecia
vir de dentro do travesseiro...” e I A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com
“O algodão abafava as risadas seus anos embolorados e livros comidos de traça. Com as pontas
que se entrelaçaram”. É possível dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa
perceber que se tratava de um levantou voo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos decepa-
sonho no começo do 6º pará- das.
grafo: “Acordou com o próprio
II Abriu a boca. E lembrou-se. Gritou e mergulhou numa touceira.
grito que se estendeu dentro da
Ouviu o assobio da seta varando a folhagem, a dor!
madrugada. Enxugou o rosto
molhado de suor.” [...]
4. No 5º parágrafo há uma referên- “Não…” – gemeu, de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E
cia ao caçador por meio da barba rolou encolhido, as mãos apertando o coração.
com “as serpentes enleadas”. O
homem percebe não ser o ca-
çador no sonho, pois apalpou o
queixo e não encontrou a barba, 9. Há algum elemento do início que se repete no fim do conto? O quê? Qual é a
mas a “viscosidade do sangue”, relação de sentido entre eles? O que mudou de um para o outro?
antecipando uma pista de que
ele será a caça no final.

14
10. No início do conto, quem era representado na imagem com “as mãos dece-
Orientação ao
padas”. Isso ajuda a explicar o final trágico? Por quê? PROFESSOR

5. Não. A velha se refere a conhecer


o caminho da loja de antigui-
dades; já o homem, ao repetir
a frase dela, dá a entender que
? conhece o caminho da cena
representada na pintura: a caça.
Você 6. No início do antepenúltimo
SABIA? O conto fantástico vigorou nos países latino-america-
nos a partir do século XX, como forma de denunciar a parágrafo, após o verbo “Parou”,
realidade opressiva vivida pelos anos de ditadura militar. quando o homem “Dilatou as
Nesse gênero, vemos um mundo irreal, situações improváveis, ações que narinas” e sentiu o cheiro da
transpassam a realidade e que vão além do humano. Há presença de folhagem, ele já estava dentro
magia que dá margem para que fatos absurdos aconteçam ao longo da da tapeçaria. Professor, chame a
narrativa. Logo, situações contrárias à vida comum acontecem como se atenção para as formas verbais
fossem normais. no gerúndio que indicam o movi-
mento da tapeçaria a tomar con-
De acordo com o teórico da literatura Tzvetan Todorov, em seu livro ta do homem e do espaço, no tre-
Introdução à literatura fantástica no conto fantástico: “Há um fenômeno cho: “Parou. Dilatou as narinas. E
estranho que se pode explicar de duas maneiras, por meio de causas aquele cheiro de folhagem e terra
naturais e sobrenaturais. A possibilidade de se hesitar entre os dois criou [...] E por que a loja foi ficando
o efeito fantástico.” embaçada, lá longe? Imensa,
Dentre algumas das características do conto fantástico estão: real só a tapeçaria a se alastrar
• Narrativa que alia o elemento fantástico e o real ou a ficção à realida- sorrateiramente pelo chão, pelo
de, contrapondo dois planos: real e irreal. teto, engolindo tudo...”

• Realidade ilógica distante da realidade humana, composta de elementos ma- 7. O trecho do antepenúltimo
ravilhosos, inverossímeis, imaginários, extraordinário, bem como a presença parágrafo: “não era uma coluna,
de magias e poderes sobrenaturais. era uma árvore! Lançou em volta
um olhar esgazeado: penetrara
• Enredo não linear ou ziguezagueante (mescla de presente, passado e na tapeçaria, estava dentro do
futuro) com utilização de recursos como o flashback (voltar ao pas- bosque...” O verbo que indica isso
sado) e o tempo psicológico (tempo das emoções e das recordações está no pretérito mais-que-perfei-
vividas pelos personagens). to, logo após os dois pontos.
• Sensações de “estranhamento” provocadas no leitor, por meio da 8. No penúltimo parágrafo, no tre-
ruptura realidade-ficção. cho: “Era o caçador? Ou a caça?
[...] caçando ou sendo caçado. Ou
sendo caçado?…” A repetição em
Texto adaptado dos sites: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/redacao/conto-fantastico.htm Acesso em destaque reforça a pista do sonho
março de 2019. (de que o homem seria a caça),
https://www.todamateria.com.br/conto-fantastico/ Acesso em março de 2019.
confirmando-se no final quando
o homem sente “a dor” da flecha:
11. Explique oralmente por que é possível considerar A caçada, de Lygia Fagun- “Não…” – gemeu, de joelhos.
des Telles, um “conto fantástico”. Que características do conto fantástico 9. e 10 Professor, essas duas
estão presentes no texto lido? questões exigem maior atenção
12. Quais são os dois planos (natural e sobrenatural) presentes na história? Há por se tratar de um nível mais
presença de flashbacks ou tempo psicológico, em que passagem? complexo de interpretação,
exigindo inferência de implíci-
13. O conto causou estranhamento para você? Por quê? tos. O quadro Você sabia? visa
subsidiar aos alunos um dos
elementos composicionais muito
importantes do gênero conto,
segundo a tradição da teoria

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Campo artístico-literário | Conto fantástico 15
Orientação ao
PROFESSOR

literária: o fato de o primeiro parágrafo apresentar uma pista/chave de leitura do conto, antecipando o desfecho. Para isso, releia
os trechos com os alunos com o cuidado de não lhes antecipar a resposta. É importante que eles identifiquem que as “mãos
decepadas” na imagem de São Francisco, no 1º parágrafo, reaparecem simbolicamente na cena final, com o destaque para as
mãos do próprio homem “apertando o coração” após levar a flechada. Além disso, é possível dizer que uma pista para esse final
é justamente o fato de a imagem desse santo específico ter as mãos decepadas no começo, uma vez que ele é o santo protetor
dos animais (alvos das caçadas). Porém, sua imagem com as “mãos decepadas” no início sugere que ele estava impossibilitado
de proteger a caça de seu destino trágico.
Professor, o quadro Você sabia? apresenta informações teóricas sobre o gênero conto fantástico, a serem estudadas conjuntamen-
te com a turma a fim de subsidiar as respostas às questões de 11 a 13.
11. É esperado que os alunos reconheçam o elemento fantástico, sobrenatural, impossível no mundo real, como o fato de uma
pintura “ganhar vida”, ou um homem literalmente entrar em uma pintura e participar da cena representada nela: no caso, tomar o
lugar da caça e ser atingido pela flecha.
12. Professor, o principal elemento que permite tratar o conto A caçada como fantástico é a hesitação entre o mundo natural/real
(a loja de antiguidades) e o sobrenatural/irreal (a tapeçaria ganhando vida), predominando este último. O tempo psicológico no
conto se manifesta em algumas lembranças vagas do homem, como a sensação de já ter visto ou participado da cena represen-
tada na pintura, além do sonho narrado no 5º parágrafo.
13. Resposta pessoal.

Atividade 5

Vamos conhecer um pouco mais da vida e obra de Lygia Fagundes Telles?

?
Você
SABIA? Lygia Fagundes Telles (1923) é uma escritora brasileira. Romancista e contista, nasceu e vive em São Paulo.
Considerada pela crítica uma das mais importantes escritoras brasileiras, publicou ainda na adolescência o
seu primeiro livro de contos, Porão e sobrado (1938). Estudou direito e educação física antes de se dedi-
car exclusivamente à literatura. Foi eleita para a Academia Brasileira de Letras em 1985 e em 2005 recebeu o Prêmio
Camões, o mais importante da literatura de língua portuguesa. O conto “A caçada” foi publicado na coletânea de contos
Antes do Baile Verde, em 1970.

Texto adaptado de: https://www.ebiografia.com/lygia_fagundes_telles/ e https://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=02644 Acesso em março de 2019.

Pensando nessas informações, vamos pensar sobre o contexto de produção do conto “A caçada”, preenchendo a
tabela a seguir:

16
1.
Orientação ao
PROFESSOR
a) Quem é a auto-
ra? Que imagem ela
transmite por meio de Atividade 5
sua obra?

Professor, o objetivo da ativida-


b) Quem pode ser seu de é, após a leitura integral do
público leitor? conto, apresentar informações
adicionais sobre a vida e obra
da autora, bem como elementos
c) Em que contexto da composição do gênero conto,
histórico esse conto segundo a tradição da teoria lite-
foi escrito? Como rária. Portanto, as questões pro-
isso se relaciona postas visam trabalhar as habili-
com o tema?
dades EM13LP01 e EM13LP49.

d) Com que finalidade


a autora escreveu o
conto?

?
Você
SABIA? Tradicionalmente, o gênero conto é tido como uma narrativa ficcional breve, de curta extensão, menor do
que a novela e o romance. Sua estrutura é mais fechada, concisa, desenvolvendo-se a partir de apenas
um conflito, poucos personagens e espaço e tempo mais delimitado no enredo. Isso tem a finalidade de
envolver o leitor de forma rápida e direta, “numa tacada só".
Esse gênero literário se popularizou sobretudo a partir do século XIX, acompanhando o ritmo acelerado e as novas neces-
sidades de tempo do homem moderno, surgidas no contexto de industrialização, crescimento dos centros urbanos e de-
senvolvimento da imprensa, com destaque para o jornal, suporte em que esses textos eram publicados. Um dos grandes
nomes do gênero na época foi o escritor americano Edgar Allan Poe, teórico e autor do gênero.

2. Lendo o conto, foi possível você perceber sua forma breve, concisa e direta? Você foi “pego” “numa tacada só”? Explique.
3. Vamos relembrar cada momento que compõe o enredo da narrativa. Em linhas gerais, preencha a tabela a seguir, con-
forme cada parte do conto A caçada.

Situação inicial

Conflito

Complicação (de-
senvolvimento do
conflito)

Clímax

Desfecho

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Campo artístico-literário | Conto fantástico 17
Orientação ao
PROFESSOR

Eis as respostas esperadas:


1.

a) Quem é a autora? Que A premiada escritora brasileira Lygia Fagundes Telles.


imagem ela transmite Pelo estilo de seu texto, ela passa a imagem de uma
por meio de sua obra? escritora que domina a arte da literatura, narrando uma
história rica em detalhes, envolvente, além de conhecer
mitologia, psicologia, pintura e referências da cultura
católica, temas que aparecem em seu conto.

b) Quem pode ser seu Qualquer pessoa que goste de ler obras literárias como
público leitor? os contos e se interessa pelos temas abordados pela
autora.

c) Em que contexto O conto foi escrito nos anos 1970, período da ditadura
histórico esse conto foi militar no Brasil. Professor, ajude os alunos a relacionar
escrito? Como isso se esse contexto ao conto lido, por exemplo, reconhecendo
relaciona com o tema? as imagens de violência. Além disso, muitos escritores
na época usavam a literatura fantástica como forma de
camuflar as críticas ao regime, escapando da censura.

d) Com que finalidade a Por ser um conto, a autora o escreveu com a finalidade
autora escreveu o conto? de narrar uma história de ficção, despertando emoções
no leitor.

2. Reposta pessoal. Professor, esse é o momento de escutar os alunos compartilharem suas impressões pes-
soais sobre a obra literária lida e, ao mesmo tempo, confrontá-las com as impressões coletivas do grupo,
ampliando a construção de sentido sobre o texto.
3.

Situação inicial A apresentação do cenário (a loja de antiguidades) no 1º parágrafo e a conversa inicial entre o
homem e a velha, explicando como a tapeçaria chegou na loja. (Parte 1)

Conflito O fascínio/atração do homem pela pintura da tapeçaria, a sensação de já ter visto ou participa-
do daquela cena: “O homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em que tempo, meu Deus!
em que tempo teria assistido a essa mesma cena. E onde?…” (final da Parte 1)

Complicação (de- A descrição detalhada da pintura, as idas e vindas do homem à loja para ver a tapeçaria, que ia
senvolvimento do parecendo cada vez mais nítida, o sonho, a dúvida sobre quem ele teria sido na cena: o caçador
conflito) ou a caça. (parte 2 e início da parte 3)

Clímax No antepenúltimo parágrafo da parte 3: quando o homem entra de vez na pintura da tapeçaria, e
sabemos que ele na verdade é a caça.

Desfecho Dois últimos parágrafos da parte 3, quando o homem-caça é atingido pela flecha e sente a dor,
caindo com as mãos no coração.

18
Orientação ao
PROFESSOR
Sistematizando
APRENDIZAGENS SINTETIZANDO APRENDIZAGENS
Professor, chegando ao final da
Sequência Didática, propomos uma
Afinal, como foi para você estudar o gênero conto fantástico? O que mais conversa com os alunos, para eles
chamou sua atenção? O que você desenvolveu até aqui será importante na conti- mesmos avaliarem seu desempe-
nuação dos seus estudos? O que você sente que precisa retomar ou aprofundar? nho durante os estudos, levando-
Em linhas gerais, como você avalia seu desempenho nesta Sequência Didática? -os, ainda, a retomar a definição
do gênero formulada por eles no
Volte agora à definição que você formulou para o gênero “conto fantástico” no
Ponto de Partida. Isso permite que
Ponto de Partida (começo da SD) e repense:
enxerguem, no processo, o desen-
• Alguma coisa mudou? O que aprendeu de novo? Acrescentaria algo? volvimento, ou crescimento, entre o
que já sabiam e o que aprenderam
de novo sobre o tema abordado. O
quadro no final propõe uma síntese
do contexto de produção, da cons-
trução composicional e do estilo
que tipificam o conto fantástico.

Conto fantástico

• Gênero textual produzido com a finalidade de narrar uma história de ficção, mis-
turando o mundo real com elementos sobrenaturais/extraordinários. Em geral, é
Contexto de Produção
publicado em livros, coletâneas de contos, mas pode ser encontrado na internet, em
sites e blogs dedicados ao tema.

• Narrativa breve, concisa e direta;

• Narrador em 1ª ou 3ª pessoa;
Composição
• Personagens, enredo, tempo e espaço;

• Situação inicial, conflito, desenvolvimento, clímax e desfecho.

• Predomina o tempo verbal no pretérito no discurso do narrador e no presente nas


falas das personagens;

• As falas dos personagens podem aparecer em discurso direto, indireto ou indireto livre;

Estilo e linguagem • No discurso direto, as falas podem ser marcadas por travessão, aspas e verbos de elocução;

• No discurso indireto livre, as falas e emoções dos personagens “invadem” o discur-


so do narrador, sem marcas.

• Presença de figuras de linguagem, como a metáfora e a sinestesia.

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Campo artístico-literário | Conto fantástico 19

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