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IMAGINAÇÃO
E CRIATIVIDADE NA INFÂNCIA
01-10-2012 16:58:04
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
LEV SEMENOVITCH VYGOTSKY
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
IMAGINAÇÃO
E CRIATIVIDADE NA INFÂNCIA
ENSAIO DE PSICOLOGIA
ISBN: 978-972-576-616-3
Depósito legal: 000 000/12
1.ª edição: Outubro de 2012
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Introdução à obra .......................................................... 9
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Robert Rieber – O que é uma teoria e para que serve?
Lev Vygotsky – É um plano ou um conjunto de prin-
cípios orientadores que faculta uma explicação
das intenções humanas.
R. R. – Compreendo, mas de onde vem a teoria?
L. V. – Quer dizer, o que nos leva a teorizar? A questão
é complexa, mas tornemos algo claro desde já:
não nascemos com uma teoria e esta não nasceu
da cabeça de Zeus.
R. R. – Somos nós que a criamos, é isso?
L. V. – Não exatamente. Deixa-me pôr a coisa
da seguinte forma: criamos sobre ideias que
existem, construindo-as para que potenciem a
nossa habilidade de descoberta de respostas às
questões que nos interessam.
(Diálogo imaginado)
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explicam a pensamento de Vygotsky no domínio da
psicologia da imaginação criativa.2 Como encerramento
deste ciclo estético escreveu o texto «Sobre o problema da
Psicologia da Criatividade do Ator» (1932) que Roman
Jakobson incluiria numa das suas obras.3
O livro Imaginação e Criatividade na Infância é um
texto de referência dos estudos da psicologia da criativi-
dade (Smolucha, 1992; Gajdamaschko, 1999; Lindkvist,
2003; Smolucha, L. & Smolucha, F., 2012).4 O ensaio está
1
A tradução deste artigo foi publicada pelo autor desta introdução
no Journal of Aesthetic Education em 2011.
2
Imaginação e Criatividade do Adolescente (1931) e Imaginação e o seu
Desenvolvimento na Infância (1932). Estes textos foram incluídos nas
Obras Completas (Vol. I, 1982 e vol. II, 1984) editadas pela Academia
das Ciências Pedagógicas (URSS) e incluídos nas Collected Works
of Lev Vygotsky editadas por Robert W. Rieber e Aaron S. Carton
(Plenum Press). O texto de 1931 foi incluído no The Vygotsky
Reader (1994) editado por René van der Veer.
3
Texto publicado no livro de Roman Jakobson Psichologija tseni-
cheskikh chuvstv aktera (Psicologia dos sentimentos de palco dos ato-
res), Moscovo, 1936. Incluído nas Collected Works of Lev Vygotsky
editadas por Robert W. Rieber e Aaron S. Carton.
4
Larry Smolucha e Francine Smolucha (2012), Francine Smolucha
(1992), Gunila Lindkvist (2003), Natália Gajdamaschko (1999,
2005), Valéria Mukhina (1981) e Iurii Poluianov (2000) têm desen-
volvido a interpretação de Lev Vygotsky sobre a imaginação
criativa em várias modalidades expressivas. Outras edições do
presente livro surgiram em língua russa, respetivamente em
1967, 1991 e 2004 (Vygotskaya & Lifanova 1996; Hakkarainen,
2004). A edição de 2004 foi incluída na coletânea de textos de
L. Vygotsky intitulada Psicologia do Desenvolvimento da Criança,
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de Pavel Blonsky (1884-1941) no campo da linguagem,
Anatoli Bakushinsky (1883-1939) e Georg Kerschensteiner
(1854-1932) na área do desenho infantil, Theodule Ribot
(1839-1916) na psicologia da imaginação criadora e Lev
Tolstoi (1828-1910) na pedagogia da escrita criativa, tão
do agrado deste escritor.
Vygotsky apresenta neste ensaio um estado da arte
a partir de uma análise psicológica e pedagógica; define
conceitos, desfaz alguns mitos e apresenta linhas ins-
piradoras para a investigação futura com utilização de
exemplos de modalidades expressivas que as crianças
apreciam: o drama, o desenho, a leitura e a escrita criativa.
Todos estes modos de expressão, que a criança no seu
desenvolvimento elabora e a escola promove, potenciam
as funções psicológicas superiores e têm um natural sig-
nificado na educação da criança.
Nos últimos três capítulos apresenta exemplos
concretos a partir de três modalidades expressivas: a
escrita, a dramatização e o desenho. As conclusões e as
exemplificações que usa interessam aos destinatários
originais deste ensaio – pedagogos e psicólogos.
Não se pretende produzir, no espaço desta intro-
dução, uma análise exaustiva sobre a imaginação e a
criatividade no âmbito da Psicologia Histórico-Cultural
editada pela Eksmo. Por se tratar de um ensaio de divulgação
científica, segundo Vassily Davidov (1991) e Pentti Hakkarainen
(2004), este texto não integrou as Obras Completas (1982-1984).
São conhecidas várias traduções: japonês (1972), italiano (1973),
espanhol (1982), sueco (1995) e inglês (2004).
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relação entre a imaginação e a realidade; clarificação de
alguns dos mecanismos psicológicos de encadeamento
entre a imaginação e a criatividade; comparação da
imaginação criativa na criança e no adolescente; e, por
último, dos tormentos e inquietação pela qual os indiví-
duos passam na concreção da imaginação.
No primeiro domínio, a imaginação e a criatividade
articulam-se com a experiência individual. No seu sentido
lato, a imaginação e a criatividade estão em qualquer dos
âmbitos da vida dos indivíduos: nos mundos da cultura,
artes, técnica e ciência. A imaginação é, pela sua natureza,
antecipatória, porque possibilita ir além do apreendido dire-
tamente. Neste sentido, a plasticidade cerebral e a memória
orgânica são fatores decisivos dos nexos entre a capacidade
imaginativa da criatividade e a sua «antevisão das coisas».
Na imaginação distingue duas direções: a imagi-
nação reprodutiva ligada à memória e a imaginação
criativa que ultrapassa a própria memória. Na infância
encontramos a alternância de uma e outra forma de
imaginação concomitante ao desenvolvimento intelec-
tual, estruturada a partir das relações entre quantidade
e qualidade das imagens mentais. Esta alternância, raiz
comum da expressão artística da criança é, para Vygotsky,
evidenciada na perceção sincrética do mundo que tanto
fascina o «adulto atento» ao desenvolvimento das crian-
ças. Este tipo de sincretismo, o jogo e a atividade lúdica
têm um papel preparatório para o desenvolvimento do
pensamento analítico, permanecendo ao longo da vida
com o indivíduo. De facto, o jogo é a primeira atividade
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Para Vygotsky, a atividade criativa é realização
humana, geradora do novo, quer se trate dos reflexos de
algum objeto do mundo exterior ou de determinadas
elaborações do cérebro e do sentir que vivem e se mani-
festam apenas no próprio ser humano. A imaginação,
fundamento da atividade criativa, revela-se de modo
claro em todos os aspetos da vida cultural. Ela é a abertura
à criação artística, científica e técnica. A cultura, a técnica
e a ciência são produtos da imaginação e da criatividade:
«toda a descoberta, grande ou pequena, antes de se con-
cretizar e de se consolidar, esteve unida na imaginação
como uma estrutura mental mediante novas combina-
ções ou correlações». O outro aspeto importante para
Vygotsky reside em que a criatividade tem uma origem
social, veiculada através da atividade de troca simbólica
entre os indivíduos, palavras, ou através do diálogo
com uma «pintura» ou da leitura de um texto literário; é
historicamente determinada e faz parte de um sistema
de significados mais complexo que se modifica ao longo
dos estádios de desenvolvimento humano.
Um dos aspetos que deve ser sublinhado diz res-
peito ao princípio criativo inerente ao desenvolvimento
humano: ele é comum a todos os seres, é o fulcro da vida
das pessoas. Com alguma frequência reconhece-se que a
atividade dos poetas e dos cientistas é «naturalmente» cria-
tiva; no entanto, temos dificuldade em assumir o mesmo
na atividade do «homem comum». Vygotsky enfatiza a
transversalidade do processo criativo aos vários grupos. Ao
considerarmos a criatividade deste modo, encontramo-la
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de indivíduos e são reveladas precocemente.
O segundo domínio respeita às características, ao tipo
e à qualidade das conexões criadas entre a imaginação e a
realidade. Qualquer imagem mental, por mais fantástica
que seja, encerra sinais da realidade externa. Os traços
da imaginação fundam-se nas experiências precoces do
homem: a primeira forma de ligação entre a imaginação
e a realidade faz-se a partir das primeiras experiências do
sujeito com o «outro». É neste espaço entre a realidade
interna e externa, espaço potencial de desenvolvimento,
que a imaginação tem lugar. A segunda forma de ligação
entre a imaginação e a realidade corporiza-se no produto
final da imaginação com os elementos complexos da rea-
lidade. O quadro que se organiza na nossa mente sobre
um qualquer acontecimento, no qual não participámos,
resulta do trabalho da nossa imaginação. A imaginação
(imaginatio) é, para Vygotsky, uma cognição sensível, uma
capacidade para a reprodução de impressões sensoriais,
tal como Alexander Baumgarten (1714-1762) a definiu.
A terceira forma de ligação entre a imaginação e a realidade
é a emocional – «os psicólogos há muito notaram, que
cada sentimento tem não apenas uma expressão exterior
corpórea, mas também interior, que se mostra na escolha
dos pensamentos, das imagens e impressões».
A maior parte das imagens produzidas pela ima-
ginação, quaisquer que elas sejam, realizadas nos textos
literários, nas obras artísticas, estão de facto contaminadas
e contaminam através desta lei psicológica da realidade
emocional que o autor formula neste texto. Por último, a
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da pergunta: para que serve afinal a obra artística?
O terceiro domínio que o autor propõe respeita
à descrição do mecanismo psicológico da imaginação
criativa. Ela integra as características singulares do
objeto, as suas modificações; por exemplo, o exagero ou
a subestimação das situações e dos elementos do texto
– a ligação de elementos imutáveis em novas imagens
totais, a sistematização destas imagens, as associações e
as dissociações das impressões através da perceção, a sua
cristalização e corporização – «a paixão das crianças pelo
exagero, tal como dos adultos, tem fundamentos internos
[psicológicos] muito profundos», que ora enfatizam, ora
minimizam as necessidades e aspirações de cada um de
nós, alimentam-nos cognitiva e emocionalmente.
O quarto domínio caracterizador da problemática
da imaginação criativa diz respeito à relação entre a
experiência e a criatividade na criança e no adolescente.
Neste âmbito, propõe uma separação entre a imaginação
plástica, que usa as impressões externas, e a imaginação
emocional, que elabora a partir do próprio sujeito. Escla-
recemos que «a imaginação da criança não é mais pobre
nem mais rica do que a do [adolescente] ou do homem
adulto», refere Vygotsky, ela modifica-se ao longo do
processo do crescimento até atingir um certo tipo de
maturidade, facto que deve a todo o momento estar
presente na mente dos educadores.
Por último, Vygotsky fala da «angústia» que quase
sempre advém do ato de criação. Nem sempre o impulso
para criar vai ao encontro da capacidade exigida para a
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de materialização – «Não existe no mundo sofrimento que
se manifeste com tanta intensidade como o tormento da
palavra; em vão, às vezes, se irrompe da boca um grito
louco: inutilmente [a palavra] de amor está pronta a incen-
diar a alma porque por vezes a nossa pobre linguagem é
fria e miserável», disse Fiodor Dostoievsky.
Neste ensaio, o desenvolvimento teórico sobre a
imaginação e a criatividade foi organizado como um dos
fundamentos da pedagogia da imaginação criativa. Em
todos os capítulos relaciona a teorização sobre a imagina-
ção e a criatividade com os exemplos das aprendizagens
na área da escrita criativa, da expressão dramática e do
desenho. Para Vygotsky, a pedagogia da criatividade não
pode ser reduzida à actividade educativa supletiva ou a
uma qualquer moralidade, como é sugerido por alguns; ou
à expressão catártica, que perpassa nos discursos daqueles,
que aparentemente desejam a sua presença na escola.
A pedagogia da criatividade é uma possibilidade real para
o desenvolvimento cognitivo e emocional dos indivíduos.
No diálogo imaginado que serve de epígrafe à intro-
dução à obra Vygotsky diz que a teoria é sempre uma
construção de ideias que se dispõem para nós. Foi assim
que partiu à descoberta de respostas sobre um dos seus
interesses maiores: a imaginação como um impulso real
da criatividade. É este o desafio proposto neste ensaio.
Agradecimentos
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sidade de Leiden a leitura do texto introdutório. A Halima
Naimova coube o acompanhamento da tradução em
todas as suas etapas bem como da tradução dos poemas
e fragmentos literários utilizados por Vygotsky.
Bibliografia
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CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO
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Qualquer ato humano que dá origem a algo novo
é referido como um ato criativo, independentemente do
que é criado: pode ser um objeto do mundo exterior ou
uma construção da mente ou do sentimento que vive e se
encontra apenas no homem. Se observarmos o compor-
tamento do homem e toda a atividade que desenvolve,
com facilidade reparamos que podemos distinguir dois
tipos de atividade. A primeira, que podemos designar
de reprodutiva ou reprodutora, está associada, de modo
intrínseco, à nossa memória; a sua essência consiste no
facto de o homem reproduzir ou repetir modos de com-
portamento já anteriormente elaborados e produzidos
ou ressuscitar traços de impressões anteriores. Quando
me lembro da casa onde vivi na minha infância, ou de
países distantes que visitei no passado, estou a reproduzir
os traços daquelas impressões absorvidas na infância ou
durante as viagens. Do mesmo modo, quando desenho
a partir da natureza, escrevo ou faço algo segundo um
modelo, em todas estas situações reproduzo apenas o
que está perante mim, ou o que foi por mim anterior-
mente assimilado e elaborado. Em todos estes casos, o
denominador comum é o facto de que a minha atividade
não cria nada de novo, tão-só é baseada numa repetição
mais ou menos cuidadosa de alguma coisa já existente.
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meio exterior, criando e elaborando hábitos regulares que
se repetem em condições análogas.
A base orgânica desta atividade reprodutora, ou
memória, é a plasticidade da nossa substância nervosa.
Designa-se por plasticidade a propriedade de uma qual-
quer substância que possui a capacidade de se alterar e
de conservar os vestígios dessa alteração. Assim, dire-
mos que a cera é mais plástica do que a água, ou do que
o ferro, porque facilmente se sujeita à transformação,
conservando melhor do que a água os vestígios das suas
modificações. Somente estas duas qualidades, tomadas
juntas, constituem a plasticidade da nossa substância
nervosa. O nosso cérebro e os nossos nervos, providos
de uma enorme plasticidade, modificam com facilidade
a sua estrutura delicada sob a influência destas altera-
ções, ou outras ações, conservando os seus vestígios
sob determinada condição: que as ações sejam suficien-
temente fortes ou se repitam com bastante frequência.
No cérebro ocorre algo semelhante ao que acontece com
a folha de papel quando a dobramos ao meio; no lugar
da dobra fica a marca da dobra – resultado da modifi-
cação produzida; a marca da dobra ajuda a repetição
futura dessa mesma modificação. Basta soprarmos a
folha para que ela dobre no mesmo sítio, onde ficou
a marca da dobra.
O mesmo acontece com a marca deixada pela roda
na terra mole: forma-se um trilho que fixa as modificações
efetuadas pela roda ao passar na terra e que facilitará no
futuro passar por ali novamente. No nosso cérebro, as
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conserva a nossa experiência anterior e simplifica a
sua repetição. No entanto, se a atividade cerebral se
reduzisse apenas à conservação da experiência passada,
o homem seria uma criatura capaz de se adaptar com
preponderância às condições constantes e habituais do
meio exterior. Quaisquer novas e inesperadas trans-
formações no meio, que não tivessem sido operadas
anteriormente na experiência do homem, não seriam
capazes de causar nele a necessária reação de adaptação.
A par destas funções de conservação da experiência
anterior, o cérebro está dotado de uma outra função
não menos importante.
Além da atividade reprodutora, é fácil notar no
homem outro tipo de atividade que combina e cria.
Quando eu, por imaginação, desenho um quadro do
futuro, digamos, a vida do homem na sociedade socia-
lista, ou um quadro de uma parte da vida passada e da
luta do homem pré-histórico, em ambos os casos, não
repito impressões vividas por mim outrora. Não resta-
beleço simplesmente os traços de excitações nervosas
pretéritas que chegaram ao meu cérebro; na realidade,
eu nunca vi fosse o que fosse nem desse passado, nem
desse futuro, e, no entanto, posso imaginá-lo, formar
uma ideia, uma imagem ou um quadro.
A atividade do homem que não se confina à repro-
dução das experiências ou de impressões vividas, mas
que cria novas imagens e ações, pertence a esta segunda
função criadora ou combinatória. O cérebro não é ape-
nas um órgão que se limita a conservar e reproduzir a
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e novos comportamentos. Se a atividade do homem se
reduzisse apenas à reprodução do passado, então seria
uma criatura orientada somente para o passado e inca-
paz de se adaptar ao futuro. É precisamente a atividade
criadora do homem que desperta a sua essência que está
orientada para o futuro, tornando-o criativo e modifi-
cando o seu presente.
À atividade criadora baseada nas capacidades com-
binatórias do nosso cérebro, a psicologia chama imagi-
nação ou fantasia. Em geral, não é costume entender-se
os conceitos imaginação e fantasia da mesma forma que
a ciência os interpreta. Na sua aceção comum, imagina-
ção e fantasia designam tudo o que é irreal, o que não
corresponde à realidade e, portanto, sem qualquer valor
prático. De facto, a imaginação, como fundamento de
toda a atividade criadora, manifesta-se de igual modo
em todos os momentos da vida cultural, permitindo a
criação artística, científica e tecnológica. Neste sentido,
definitivamente, tudo o que nos rodeia e foi concebido
pela mão do homem, todo o mundo da cultura, ao con-
trário do mundo da natureza, tudo isto é o resultado da
criatividade e imaginação humanas.
«Toda a invenção», diz Ribot, «grande ou pequena,
antes de se realizar de facto e de se fortalecer, foi conce-
bida exclusivamente pela imaginação, como uma estru-
tura elaborada pela mente através das novas combinações
ou conexões.
«[…] Não sabemos quem realizou a maior parte das
invenções; preservaram-se apenas alguns dos nomes de
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que o arado, que no passado não foi mais do que um
simples bocado de madeira com um cabo queimado, se
transformasse, a partir deste tosco instrumento manual,
no que é hoje, após uma série de modificações, descritas
em manuais especializados, quem sabe avaliar quanta
imaginação foi necessária? De igual modo, as chamas
frágeis dos ramos resinosos dos pinheiros, que serviram
de archote para o homem primitivo, servem de exemplo
para uma longa linha de invenções até se chegar à ilu-
minação a gás ou à iluminação elétrica. Todos os objetos
do nosso quotidiano, não excluindo os mais simples e
habituais, são, por assim dizer, imaginação cristalizada.»
A partir daqui é fácil depreender que a nossa repre-
sentação usual sobre a criatividade não corresponde ao
sentido e à compreensão científica desta palavra. Na sua
aceção habitual, a criatividade é privilégio e dom de seres
eleitos, génios, talentos, dos que criaram grandes obras
artísticas, daqueles que realizaram grandes descobertas
científicas e inventaram aperfeiçoamentos importantes
na área da tecnologia. Reconhecemos e admitimos de
modo claro a criatividade inerente à obra de Tolstoi, de
Edison e Darwin, mas aceitamos que na vida do homem
comum a criatividade não existe.
No entanto, como já dissemos, este tipo de conceção
sobre o assunto é erróneo. Segundo a comparação de um
dos cientistas russos, a eletricidade atua e manifesta-se
não apenas no local onde ocorre uma grandiosa tempes-
tade ou na luminosidade dos relâmpagos ofuscantes, mas
também na lâmpada da lanterna de bolso; de igual modo,
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insignificante quando comparado com as realizações dos
génios. Se tomarmos em atenção a existência da criativi-
dade coletiva, que reúne todos estes contributos por si só
insignificantes da criatividade individual, compreende-se
melhor como grande parte de tudo o que foi criado pela
humanidade pertence precisamente ao trabalho criativo
e coletivo anónimo de inventores desconhecidos.
A maior parte das invenções foram realizadas por
desconhecidos, como a propósito deste assunto subli-
nhou Ribot. A compreensão científica deste problema
obriga-nos a tratar a criatividade mais como uma regra
do que como uma exceção. É certo que as manifestações
superiores da criatividade são até hoje apenas acessíveis
a um grupo de génios eleitos da humanidade, mas no dia
a dia a criatividade constitui-se como condição necessária
para a existência e tudo o que ultrapassa os limites da
rotina, mesmo uma pequeníssima quantidade de novi-
dade, é devida ao processo criativo humano.
Se compreendermos a criatividade deste modo,
então é fácil notar que os processos criativos se observam
já em toda a sua intensidade na primeira infância. Uma
das questões mais importantes da psicologia da educação
é o problema da criatividade, do seu desenvolvimento
e promoção, e do significado da atividade criativa para
o desenvolvimento geral e a maturação da criança. Na
primeira infância encontramos processos criativos que
se manifestam sobretudo nos jogos. O rapaz que cavalga
um pau imagina que monta um cavalo, a menina que
brinca com a boneca imagina-se como mãe dela, a criança
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É evidente que nos jogos as crianças reproduzem muito
do que viram. Todos sabemos qual a importância que
o papel da imitação desempenha na atividade lúdica.
O jogo da criança serve com frequência apenas como
reflexo daquilo que ela viu e ouviu dos mais velhos; no
entanto, estes elementos da sua experiência anterior
nunca se reproduzem no jogo do mesmo modo como na
realidade se apresentaram. O jogo da criança não é uma
simples recordação do que viveu, é antes uma reelabo-
ração criativa das impressões já vividas, uma adaptação
e construção, a partir dessas impressões, de uma nova
realidade-resposta às suas exigências e necessidades afe-
tivas. A propensão das crianças para o devaneio e para a
fantasia é resultado da atividade imaginativa, tal como
acontece na sua atividade lúdica.
«O menino de três anos e meio», diz Ribot, «ao ver
um homem a coxear na rua, diz:
– Mamã, olha para a perna deste pobre coitado!
Depois começou a romancear o que via: ele montava
num cavalo muito alto, caiu em cima de um penhasco
enorme e machucou muito a perna; é necessário encon-
trar um remédio para curarmos a perna.»
Neste caso, a atividade combinatória da imaginação
é extraordinariamente evidente. Temos perante nós uma
situação criada pela própria criança. Todos os elementos
desta situação são conhecidos da criança da sua expe-
riência anterior; de outro modo, não poderia ter criado
tal situação. Todavia, a combinação destes elementos
constitui algo de novo, resulta da atividade criativa que
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de combinar os elementos velhos em novas combinações,
constitui o fundamento do processo criativo.
Com total razão, muitos autores assinalam que as
raízes de tal combinação criativa podem também ser
observadas nos jogos de alguns animais. O jogo do ani-
mal é também, com frequência, resultado da imaginação
motora. No entanto, tais rudimentos da imaginação
nos animais não puderam, dadas as condições da sua
existência, enveredar por um desenvolvimento seguro
e consistente, e só o homem desenvolveu esta forma de
atividade ao nível que nele hoje se apresenta.
IMAGINAÇÃO E REALIDADE
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Entretanto surge uma questão: como se origina
esta atividade combinatória criativa? De onde surge,
como é condicionada e como se subordina às leis do seu
desenvolvimento? A análise psicológica desta atividade
destaca a sua enorme complexidade. Ela não surge de
repente, mas lenta e gradualmente, desenvolvendo-se a
partir de formas elementares e simples para outras mais
complexas e, em cada etapa etária do desenvolvimento,
detém uma expressão particular. Cada etapa da infância
é caracterizada por uma forma de atividade criativa espe-
cífica. Daí em diante, esta atividade não está separada do
comportamento humano, mas está na dependência direta
de outras formas da nossa atividade e, em particular, está
ligada à experiência acumulada.
Para compreender o mecanismo psicológico da
imaginação e a atividade criativa com ela conexa, o
melhor é começar com a clarificação da ligação que
existe entre a fantasia e a realidade no comportamento
humano. Já tínhamos chamado a atenção para a ideia
errónea de senso comum que estabelece uma divisória
intransponível entre a realidade e a fantasia. Tentaremos
agora mostrar as quatro formas fundamentais que ligam
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como atividade que paira no ar, mas como uma função
primordialmente necessária.
A primeira forma de ligação da imaginação com a
realidade consiste no facto de que qualquer criação da
imaginação é elaborada a partir de elementos toma-
dos da realidade e retirados da experiência anterior
do homem. Seria um milagre se a imaginação pudesse
surgir do nada ou tivesse origem noutras fontes para as
suas criações e não na experiência passada. Só as repre-
sentações religiosas e místicas sobre a natureza humana
poderiam atribuir a origem dos resultados da fantasia
não à nossa experiência passada, mas a uma força exterior
sobrenatural.
De acordo com essas conceções, os deuses ou os
espíritos incutem nas pessoas os sonhos, nos poetas a
inspiração para as suas obras, ditam aos legisladores os
dez mandamentos. A análise científica de algumas das
mais fantásticas elaborações afastadas da realidade, por
exemplo, os contos, mitos, lendas, sonhos, etc., convence-
-nos de que as fantasias mais elaboradas que representam
não são mais do que uma nova combinação de elementos
semelhantes, de facto retirados da realidade, mas apenas
submetidos à alteração ou à reelaboração pela ação da
nossa imaginação.
Como sabemos, a cabana (izbá) com patas de galinha
não existe a não ser no conto, mas os elementos a partir
dos quais o conto é elaborado foram retirados da expe-
riência humana; a sua combinação dá ao conto um tom
fantasioso, o que o torna na sua construção distante da
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Um fio de ouro cinge o tronco
Do verde roble à beira-mar:
O gato sábio dia e noite
Anda pelo fio a cirandar.
Vai à direita – ergue um canto,
Vai pela esquerda – conta um conto.
Ali – prodígio – erra o silvano,
Pousa nos ramos a ondina;
Na vereda insondada o rasto
De alimárias nunca vistas;
Em pés de galinha assenta a casa
Não tem porta, não tem postigo.1
1
Prólogo de «Russlan e Liudmila», in Aleksandr Púchkin, O Cavaleiro de
Bronze e Outros Poemas. Seleção, tradução e notas de Nina e Guerra e
Filipe Guerra, Lisboa: Assírio e Alvim, 1999, p. 111. (N. T.)
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Deste modo, a imaginação elabora sempre a partir
dos materiais captados da realidade. De facto, como se
pode ver a partir do trecho citado, a imaginação pode
criar novos e novos graus de combinações, misturando,
em primeiro lugar, os elementos da realidade (o gato,
o fio de ouro, o carvalho), combinando depois as imagens
da fantasia (a ondina, o silvano), etc. Mas os elementos
derradeiros, a partir dos quais são criados os elemen-
tos da realidade mais distante da representação fan-
tástica, mesmo esses elementos últimos, são sempre
elementos da realidade.
Encontra-se aqui a primeira e a mais importante
lei a que se subordina a atividade imaginativa. Esta lei
pode formular-se do seguinte modo: a atividade criadora
da imaginação está em relação direta com a riqueza e a
variedade da experiência acumulada pelo homem, uma
vez que esta experiência é a matéria-prima a partir da qual
se elaboram as construções da fantasia. Quanto mais rica
for a experiência humana, mais abundante será a matéria
disponível para a imaginação. Assim, a razão pela qual a
imaginação da criança é menos rica do que a do adulto
deve-se ao facto de a sua experiência ser mais pobre.
Se seguirmos a história das grandes realizações e
das grandes descobertas, podemos verificar que quase
sempre surgiram como resultado da enorme experiência
previamente acumulada. É exatamente com esta acumu-
lação da experiência que começa a imaginação. Quanto
mais rica a experiência, tanto mais deverá ser rica, em
circunstâncias semelhantes, a imaginação.
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inicia-se o período de amadurecimento (incubação). Em
Newton o período de amadurecimento durou 17 anos e, no
momento de estabelecer definitivamente as suas descobertas
nos cálculos, foi invadido por um sentimento tão forte que
foi obrigado a confiar a tarefa a outrem para a finalização
das suas descobertas. O matemático Hamilton disse que o
seu método de «quaterniões» lhe surgiu de repente quando
atravessava a ponte de Dublin: «Nesse momento encontrei
o resultado de quinze anos de trabalho». Darwin recolheu
dados durante as suas viagens, observou longamente as
plantas e os animais e, após a leitura do livro de Malthus,
que encontrou por acaso, elucidou definitivamente os seus
estudos e definiu de modo claro a sua teoria. Exemplos aná-
logos podem ser encontrados abundantemente no âmbito da
criação literária e artística.
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apoia-se nela e apresenta os seus dados em combina-
ções renovadas. A atividade combinatória do cérebro
fundamenta-se no facto de ele conservar os traços das
anteriores estimulações. O cérebro combina esses traços
em posições diferentes daquelas em que se encontravam
na realidade.
A segunda forma de ligação da fantasia com a rea-
lidade é diferente e mais complexa: não se realiza entre
os elementos de construção fantástica e a realidade, mas
entre o produto final da fantasia e determinados ele-
mentos complexos da realidade. Quando eu, na base do
estudo das descrições dos historiadores ou dos viajantes,
imagino para mim mesmo o quadro da grande Revolução
Francesa ou dos desertos em África, então, em ambas as
situações o panorama obtido é o resultado da atividade
criativa da minha imaginação. Ela reproduz o que foi por
mim percebido nas experiências anteriores, mas cria, a
partir destas experiências, novas combinações.
Neste sentido, ela subordina-se inteiramente à
primeira lei anteriormente descrita. E estes produtos da
imaginação elaboram-se a partir destes elementos trans-
formados e tomados da realidade, sendo necessário dis-
por de uma grande reserva de experiência passada para
podermos construir as imagens de que falamos através de
tais elementos. Se eu não tivesse uma ideia da carência e
da falta de água nos grandes espaços e dos animais que
habitam o deserto, não conseguiria criar uma imagem
sobre o deserto. Se não tivesse um conjunto de ideias e
representações históricas, também não conseguiria criar
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mesmo tempo, há nestas elaborações da fantasia algo de
novo, que as distingue de modo essencial do trecho de
Púshkin, que analisámos atrás. Quer no quadro da beira-
-mar com o gato sábio, quer no caso do deserto africano
que nunca vi, estes são também, na sua essência, constru-
ções da imaginação, combinações fantasiosas elaboradas
a partir de elementos da realidade. Contudo, o resultado
da imaginação, a própria combinação destes elementos,
num dos casos, não é real (conto), enquanto no outro
caso a ligação destes elementos, o próprio produto da
fantasia, e já não apenas os seus elementos, corresponde
a um fenómeno da realidade. É exatamente esta ligação
do produto final da imaginação com este ou outro fenó-
meno real que representa esta segunda forma, superior,
de ligação da fantasia com a realidade.
Esta forma de ligação torna-se possível apenas gra-
ças à experiência alheia ou à socialização. Se ninguém
tivesse visto nem descrito um deserto africano e a Revo-
lução Francesa, formar uma ideia adequada de deserto ou
de Revolução Francesa seria uma tarefa completamente
impossível. É porque a nossa imaginação trabalha, não
livremente, em ambas as situações, mas sim orientada
pela experiência alheia, agindo como se fosse impulsio-
nada através de outros; é só graças a isto que se pode
conseguir o resultado obtido na situação presente, no
qual o produto da imaginação coincide com a realidade.
Neste sentido, a imaginação adquire uma função
muito importante no comportamento e no desen-
volvimento humanos, transforma-se em meio para o
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a descrição daquilo que na sua própria experiência pes-
soal não existiu, o que não está limitado pelo círculo e
fronteiras estritas da sua própria experiência, mas pode
também ir para além das suas fronteiras, assimilando, com
a ajuda da imaginação, a experiência histórica e social de
outros. Sob esta forma, a imaginação é condição absoluta-
mente necessária de quase toda a atividade intelectual do
homem. Quando lemos o jornal e conhecemos inúmeros
acontecimentos não testemunhados diretamente, quando
a criança estuda geografia ou história, quando simples-
mente a partir de uma carta tomamos conhecimento do
que ocorreu com outra pessoa, em todos estes casos, a
nossa imaginação está ao serviço da nossa experiência.
Consegue-se uma dependência dupla e recíproca da
imaginação com a experiência. Se, no primeiro caso, é a
imaginação que se apoia na experiência, então, no segundo,
é a própria experiência que se apoia na imaginação.
A terceira forma de ligação entre a imaginação e a
realidade é a conjunção emocional. Esta ligação manifesta-
-se de dois modos. Por um lado, todo o sentimento e
emoção tende a revelar-se em determinadas imagens que
lhe correspondem, como se a emoção tivesse a capacidade
de escolher as impressões, os pensamentos e as imagens
que estão em consonância com um determinado estado
de humor e disposição que nos domina nesse preciso
momento. Sabe-se que, no desgosto e na alegria, não
vemos as coisas com os mesmos olhos. Os psicólogos
aperceberam-se, faz tempo, de que cada sentimento
não tem apenas uma expressão exterior corporal, mas
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sentimentos. O medo, por exemplo, não se manifesta ape-
nas na palidez do rosto, no tremor, na secura da garganta,
alteração do ritmo respiratório e no batimento cardíaco,
mas também, além disso, no facto de todas as impressões
percecionadas pelo homem nesse momento, de todos os
pensamentos que lhe passam pela cabeça, se rodearem, de
uma forma geral, do sentimento que o domina. Quando
o ditado diz que o corvo assustado tem medo do arbusto,
isso quer dizer que a influência dos nossos sentimentos
tinge a perceção das coisas exteriores. Do mesmo modo
que as pessoas aprenderam há muito tempo a manifestar
por meio de impressões exteriores os seus estados de
espírito interiores, assim as imagens da fantasia servem de
expressão interior dos sentimentos. O homem assinala o
desgosto e o luto com a cor negra, a alegria com o branco,
a calma com o azul, a revolta com o vermelho. As imagens
e fantasias concedem igualmente uma linguagem interior
para as nossas emoções. Este sentimento seleciona ele-
mentos isolados da realidade e combina-os de modo a que
essa combinação, condicionada de dentro, corresponda
à nossa disposição interior e não à lógica exterior dessas
mesmas imagens. Os psicólogos chamam a esta influên-
cia – o fator emocional na fantasia combinatória – lei do
sinal emocional comum. A essência desta lei consiste em
que as impressões e as imagens com um sinal emocional
comum, que causam um efeito emocional coincidente,
tendem a agregar-se entre si, apesar de não existir entre
elas qualquer ligação de semelhança ou contiguidade,
interior ou exterior, entre as imagens. Resulta numa obra
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«As representações», diz Ribot, «acompanhadas pelas
mesmas reações afetivas, associam-se posteriormente entre
si, uma vez que a semelhança afetiva une e tece entre si
representações diferentes. Tal distingue-se das associações
por contiguidade, que consistem na repetição da experiên-
cia e das associações por semelhança no sentido intelectual.
As imagens combinam-se entre si, não porque tenham
sido dadas anteriormente em conjunto, não porque
tenhamos percebido relações de semelhança entre elas,
mas porque possuem um tom afetivo comum. A alegria,
tristeza, admiração, o amor, ódio, tédio, orgulho, cansaço,
etc., podem tornar-se centros de gravidade aglutinadores
de representações ou acontecimentos sem relação racional
entre si, mas marcados com o mesmo indício emocional, a
uma mesma característica, por exemplo, de alegria, tristeza,
erotismo, etc. Esta forma de associação é muitas vezes
representada nos sonhos ou nos devaneios, isto é, em
estados da mente, em que a imaginação está em liberdade
e trabalha sem regras e ao acaso. É fácil compreender que
estas influências implícitas ou explícitas do fator emocio-
nal devem proporcionar o surgimento de agrupamentos
totalmente inesperados e constitui um campo aberto a
novas combinações, uma vez que o número de imagens
com marca afetiva semelhante é enorme.»
Para exemplificar de uma forma simples esta
combinação de imagens, detentoras de sinal emocional
semelhante, temos as situações correntes de aproximação
estabelecida entre duas quaisquer impressões distintas,
que nada têm em comum entre si, exceto provocarem em
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causarem em nós estados de humor semelhantes. É fácil
perceber que a fantasia imbuída deste fator emocional,
pela lógica interna dos sentimentos, representa o mais
subjetivo e íntimo tipo de imaginação.
Mas existe, além disso, uma relação inversa entre
a imaginação e as emoções. Se, no caso por nós descrito
primeiramente, são os sentimentos que influenciam a
imaginação, então, no outro caso é, pelo contrário, a ima-
ginação que influencia os sentimentos. Este fenómeno
poderia ser denominado lei da realidade emocional da
imaginação. A essência desta lei é formulada por Ribot
nos seguintes termos.
«Todas as formas da imaginação criativa», diz ele,
«incluem em si elementos afetivos.» Isto significa que toda
a construção da fantasia, inversamente, influencia os nos-
sos sentimentos e, no caso de esta construção, por si só,
não corresponder à realidade, todos os sentimentos por
ela desencadeados são reais, vividos verdadeiramente e
integrados pelo homem que os sente. Imaginemos uma
situação simples de ilusão. Ao entrar às escuras no quarto,
a criança, por ilusão, toma o vestido pendurado por uma
pessoa estranha ou um ladrão que entrou em sua casa.
A imagem do ladrão criada pela fantasia da criança não
é real, mas o medo que a criança sente, o seu susto, são
de facto impressões reais para a criança. Algo semelhante
sucede também com todas as elaborações fantásticas e
esta lei psicológica deve explicar-nos claramente por que
exercem em nós uma impressão tão forte as obras de arte
criadas pela fantasia dos seus autores.
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de acontecimentos irreais, invenções da fantasia. E isto
deve-se ao facto de as emoções com as quais somos con-
tagiados, a partir da leitura das páginas de um livro ou
da cena de uma peça de teatro, por efeito das imagens
artísticas, serem verdadeiramente reais e de as sentirmos
profundamente. Frequentemente, uma simples combi-
nação das impressões do exterior, como, por exemplo, a
impressão que a obra musical causa na pessoa que a ouve,
desperta um mundo inteiro de vivências e sentimentos.
Este alargamento e aprofundamento dos sentimentos
e a sua reconstrução criativa são a base psicológica da
arte musical.
Falta ainda falar da quarta e última forma de ligação
da fantasia com a realidade. Esta última forma está, por
um lado, estritamente ligada à que acabámos de descre-
ver, mas, por outro lado, distingue-se dela de modo radi-
cal. A essência desta última consiste em que a construção
da fantasia pode representar por si algo essencialmente
novo, de não existente na experiência do homem, e
qualquer coisa que não corresponde a nenhum outro
objeto da realidade; mas ao encarnar uma nova forma do
exterior, tomando uma forma material, esta imaginação
«cristalizada», ao tornar-se objeto, começa a existir de
facto no mundo e a atuar sobre os outros objetos.
Tal imaginação torna-se realidade. Exemplo desta
imaginação «cristalizada» ou encarnada pode ser um
qualquer dispositivo técnico, máquina ou ferramenta.
Resultado da imaginação combinatória do homem, estes
novos objetos não correspondem a nenhum exemplo
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e exercem a sua ação no mundo exterior.
Estes produtos da imaginação atravessaram uma
história muito longa que talvez se deva sublinhar de um
modo esquemático e sucinto. É possível dizer que no
curso do seu desenvolvimento eles descreveram um ciclo.
Os elementos a partir dos quais foram construídos foram
tomados pelo homem da realidade e dentro dele, no seu
pensamento, foram sujeitos a um trabalho de reconstru-
ção, transformando-se em produtos da imaginação.
Por fim, ao serem materializados, voltaram outra
vez à realidade, mas voltaram com uma nova força ativa,
transformadora dessa realidade. Este é o ciclo completo
da atividade criativa.
Seria erróneo supor que só no domínio da técnica,
da ação prática sobre a natureza, a imaginação é capaz
de cumprir este ciclo completo. Tal como no domínio da
imaginação emocional, isto é, na imaginação subjetiva,
é possível descrever um ciclo completo que não é difícil
de observar.
Acontece que, exatamente quando temos perante
nós um ciclo completo traçado pela imaginação, os dois
fatores – intelectual e emocional – aparecem, em igual
medida, necessários para ato criativo. O sentimento e o
pensamento movem a criatividade humana.
«Qualquer pensamento dominante», diz Ribot,
«é sustentado sobre alguma necessidade, aspiração
ou desejo, isto é, por um elemento afetivo, pois seria
absurdo acreditar na constância de qualquer ideia,
que por hipótese existisse em puro estado intelectual,
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a qual permaneceria num estado impreciso… Vemos,
assim, que estes dois termos – pensamento dominante
e emoção dominante – são quase iguais entre si, que um
e outro incluem elementos inseparáveis e apontam para
o predomínio de um ou outro.» Para nos convencermos
disto, o melhor é dar um exemplo a partir da imaginação
artística. Na realidade, para que serve a obra artística?
Influenciará ela, no nosso mundo interior, os nossos
pensamentos e sentimentos, tal como as ferramentas
técnicas, relativamente ao mundo externo, ao mundo
da natureza? Damos um exemplo muito simples, a
partir do qual podemos esclarecer sob a forma mais
elementar a ação da imaginação artística. O exemplo é
tirado do conto de Aleksandr Púshkin A Filha do Capitão.
Nele se descreve o encontro de Pugatchov com o herói
da história, Grinev, em nome do qual é desenvolvida a
narração. Grinev, oficial feito prisioneiro de Pugatchov,
tenta persuadi-lo a deixar os seus companheiros e a
recorrer ao perdão da imperatriz. Ele não compreende
o que move Pugatchov.
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perguntou ao corvo: «Diz-me, corvo pássaro, porque vives tu
no mundo trezentos anos e eu só trinta e três?» «Isso, paizi-
nho», respondeu-lhe o corvo, «é porque tu bebes sangue vivo
e eu alimento-me de carne podre!» A águia pensou: vamos lá
experimentar e alimentar-nos de igual modo. A águia e o corvo
voaram juntos. Viram uma carcaça de um cavalo. Desceram e
pousaram sobre ela. O corvo começou a dar bicadas e a elogiar.
A águia bicou uma vez, bicou outra, bateu as asas e disse ao
corvo: «Não, irmão corvo, a viver trezentos anos comendo
carne putrefacta é preferível saciar-se de sangue vivo e o resto
se Deus quiser!» Que tal achas da história calmuque? 2
2
Aleksandr Púshkin, A Filha do Capitão. Lisboa: Novo Imbondeiro Editores.
Tradução do russo por Manuel Seabra, p. 100. (N.T.)
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diferença que se encontra com uma completa evidência
e enorme força do sentimento inscrita na consciência do
narrador através do conto.
O conto poderia esclarecer as relações complexas
do dia a dia; as suas personagens como que iluminariam
um problema do quotidiano; o que um diálogo frio e pro-
saico não o poderia fazer por si só, fê-lo o conto através
de uma linguagem imaginativa e emocional. Púshkin
tem razão quando diz que o verso pode cortar os cora-
ções com uma força desconhecida e noutro poema fala
da realidade da vivência emocional causada a partir da
invenção: «Sobre a imaginação lavar-me-ei em lágrimas.»
Vale lembrar a influência que exerce na consciência social
uma obra de arte, para que nos convençamos de que
aqui a imaginação descreve o mesmo ciclo tão completo
como o que é encarnado numa ferramenta material.
Gogol criou o Inspetor; os atores representaram-no no
teatro; o autor e os atores criaram imagens de ficção, e
a própria peça, representada em cena, desnudou com
tal clareza todo o terror da Rússia de então, que, com
tal força, ridicularizou os pilares nos quais assentava a
vida e que pareciam inabaláveis, o que todos sentiram, e
mesmo o próprio czar também sentiu mais do que todos,
ao assistir à estreia, que a peça comportava uma grande
ameaça para aquele regime.
«Hoje todos foram atingidos e eu mais do que
todos», disse Nikolai na primeira representação da peça.
As obras artísticas podem exercer uma influência
forte na consciência social das pessoas porque possuem
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arbitrariamente umas sobre as outras, pela vontade do
acaso, como nos sonhos ou no devaneio sem sentido. Ao
contrário, elas seguem a lógica interna das imagens em
desenvolvimento e esta lógica interna é condicionada
pela ligação que a obra estabelece entre o seu mundo e
o mundo externo. No conto sobre o corvo e a águia as
imagens dispõem-se e combinam-se segundo a lei da
lógica das duas forças representadas pelas personagens
de Grinev e Pugatchov. Um exemplo muito curioso deste
ciclo completo que uma obra literária deste tipo contém,
dá-nos L. Tolstoi nas suas obras. Tolstoi descreve como lhe
surgiu a imagem da Natacha no romance Guerra e Paz.
«Eu peguei em Tânia», diz ele, «dialoguei com a
Sónia e surgiu a Natacha.»
Tânia e Sónia são a sua cunhada e a sua mulher,
duas mulheres reais, cuja combinação resultou na ima-
gem artística. Estes elementos tomados da realidade
combinam-se a seguir, não pelo livre capricho do artista,
mas segundo a lógica interna da imagem artística. Tolstoi
ouviu, em certa altura, a opinião de uma das suas leitoras,
que lhe disse que ele procedera de modo muito cruel
com Ana Karenina, a heroína do seu romance, quando
a obrigou a lançar-se para baixo das rodas do comboio
em andamento. Tolstoi observou:
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Fazem o que eles próprios deviam fazer na realidade e como
acontece na vida real, não como eu quero.
O MECANISMO
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DA IMAGINAÇÃO CRIATIVA
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importantes deste processo são as dissociações e associa-
ções das impressões adquiridas através da perceção. Cada
impressão representa um todo complexo composto por
um conjunto de múltiplas partes separadas. A dissociação
implica a fragmentação deste todo complexo, separando
as suas partes individuais; certas partes individuais
destacam-se essencialmente por comparação umas com
as outras; umas são guardadas na memória, enquanto
outras são esquecidas. A dissociação é, deste modo,
uma condição necessária para a subsequente atividade
da fantasia.
Para ligar os diferentes elementos, o homem deve,
antes de tudo, fragmentar a associação natural dos ele-
mentos tal como inicialmente foram percebidos. Antes de
criar a personagem de Natacha em Guerra e Paz, Tolstoi
teve de detetar as características particulares das duas
mulheres que lhe eram próximas; se não o fizesse, não as
conseguiria misturar ou fundir na personagem de Nata-
cha. A esta escolha de traços individuais e o abandono de
outros podemos na verdade denominar dissociação. Este
processo é muito importante em todo o desenvolvimento
mental do homem, serve de base do pensamento abstrato
e é o fundamento da formação de conceitos.
Esta capacidade de realçar traços individuais de
um conjunto complexo tem significado para todo o tra-
balho criativo que o homem realiza sobre as impressões.
No seguimento do processo de dissociação sucede-se
o processo de modificação a que são sujeitos estes ele-
mentos dissociados. Este processo de modificação ou de
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se armazenam de modo imóvel no nosso cérebro como
as coisas no fundo de uma cesta. Estes traços represen-
tam processos que se movem, mudam, vivem, morrem,
e é neste movimento que reside a garantia das suas
modificações sob a influência de fatores internos, que
os deformam e reelaboram. Podemos dar como exemplo
desta modificação interna o processo de subestimação e
de sobrestimação de elementos isolados das impressões,
que assumem uma enorme importância na imaginação
em geral e na imaginação da criança em particular.
As impressões captadas da realidade mudam,
aumentando ou reduzindo as suas dimensões naturais.
A inclinação das crianças que as leva a exagerar, do
mesmo modo que essa mesma forte inclinação ocorre
nos adultos, tem uma causa interna muito profunda.
Estas causas consistem, na maior parte das vezes, na
influência que o nosso sentimento interior exerce sobre
as impressões exteriores. Exageramos porque queremos
ver as coisas na sua forma aumentada, quando isto cor-
responde às nossas necessidades, ao nosso estado de
espírito interior. A tendência das crianças para o exagero
está bem exemplificada nos contos. Karl Groos dá-nos
um exemplo da sua filha, quando ela tinha cinco anos e
meio de idade.
«Era uma vez um rei», começava a pequena, «que
tinha uma filha pequenina. A filha estava deitada no
berço, e ao aproximar-se junto dela o rei reconheceu
nela a sua filha. Depois disso eles celebraram o seu
casamento. Uma vez, quando eles estavam sentados
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adormeceram, menos o rei que ficou a vigiar por eles,
e se eles ainda não morreram, é porque devem estar
vivos ainda hoje.»
«Este exagero», diz Groos, «é despertado pelo
interesse por tudo o que é extraordinário e invulgar,
ao qual se junta o sentimento de orgulho agregado à
ideia de se possuir alguma coisa imaginada e especial:
Eu tenho trinta moedas, não, cinquenta; não, cem;
não, mil! Ou: Eu acabei de ver agora uma borboleta do
tamanho de um gato; não, do tamanho de uma casa!»
Bühler especifica, com toda a razão, que neste processo
de modificações, e especialmente no exagero, ocorre na
criança o exercício de lidar com grandezas desconheci-
das na sua experiência direta. É fácil de ver a enorme
importância aceite por estes processos de modificação
e, em especial, de exagero nos exemplos da imaginação
numérica citados por Ribot.
1
Arshin: 0,71 metros.
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tempo descendente. Cada um deles tem uma duração imensa:
2 000 000 000 000 000 oceanos de anos, sendo cada oceano
de anos igual por si só a 1 000 000 000 000 000 anos...
A meditação sobre a vastidão do tempo semelhante deve
causar tonturas ao budista devoto.
2
Seguidores do jainismo.
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nação, de um modo geral, é tão necessário na arte como
na ciência. Não fosse esta capacidade, que se manifestava
de modos tão divertidos no conto da menina de cinco
anos e meio, a humanidade não seria capaz de criar a
Astronomia, a Geologia e a Física.
A parte constituinte seguinte nos processos imagina-
tivos é a associação, ou seja, a junção dos elementos disso-
ciados e alterados. Como já foi notado anteriormente, esta
associação pode ter lugar sobre bases diferentes e tomar
formas diferentes, que vão da união puramente subje-
tiva de imagens até à junção científica objetiva, como a
que evidencia, por exemplo, a representação geográfica.
E, por último, o momento final e último do trabalho pré-
vio da imaginação é a combinação de imagens isoladas
que são afinadas num sistema, incluídas num quadro
complexo. A atividade da imaginação criativa não ter-
mina neste ponto. Como já referimos antes, o ciclo com-
pleto desta atividade só estará completo quando a imagi-
nação se converter ou cristalizar em imagens exteriores.
No entanto, sobre este processo de cristalização, ou
transição do imaginado para a realidade, falaremos em
separado. Aqui mesmo, concentrando-nos apenas sobre
os aspetos internos da imaginação, teremos de indicar
os principais fatores psicológicos dos quais dependem
todos estes processos isolados. De entre estes fatores, o
primeiro, como estabelece a análise psicológica, cons-
titui a necessidade que o homem tem de se adaptar ao
ambiente que o envolve. Se a vida que o rodeia não lhe
desse trabalhos, se as suas reações habituais e herdadas
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mundo que o rodeia nada poderia desejar, não buscaria
outra coisa e certamente não poderia criar. Por isso, na
base da ação criadora está sempre subjacente a inadap-
tação a partir da qual surgem necessidades, aspirações
e desejos.
«Cada necessidade», diz Ribot, «aspiração ou desejo,
por si só ou conjuntamente com outros, pode servir de
impulso para a criação. A análise psicológica deve em
cada caso decompor a “criatividade espontânea” nestes
seus elementos primários... Qualquer invenção tem assim
uma origem motora; a essência principal da invenção
criativa é, em todas as situações, de ordem motora.
As necessidades e os desejos, por si só, não podem
produzir coisa alguma. São simples estímulos e molas
motoras. Para inventar, é necessária, além disso, a pre-
sença de uma outra condição: o aparecimento espon-
tâneo das imagens. Chamo aparecimento espontâneo
o que acontece de repente, sem causas óbvias e claras.
As causas existem de facto, mas as suas ações estão
envoltas com uma forma oculta do pensamento por
analogia através do estado mental afetivo e da função
cerebral inconsciente.»
A presença de necessidades e aspirações põe deste
modo em movimento o processo imaginativo e faz
renascer os traços das excitações nervosas que fornecem
um material que possibilita o seu funcionamento. Estas
duas condições são necessárias e suficientes para que
compreendamos a atividade da imaginação e de todos
os processos que nela entram.
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solto, já acima enumerados por nós.
Já dissemos que a atividade imaginativa depende da
experiência, das necessidades e interesses em que estas
necessidades são manifestas. Facilmente se compreende
que ela depende da capacidade combinatória e do exer-
cício desta atividade, que consiste em dar forma material
aos produtos da imaginação; de igual modo, depende da
habilidade técnica e das tradições, isto é, dos exemplos
criativos que influenciam o homem. Todos estes fatores
têm uma enorme importância, mas são tão visíveis e
simples que não nos ocuparemos deles agora. Menos
visível, e por isso mais importante, é a ação de um outro
fator: o meio envolvente. Habitualmente, a imaginação é
representada como uma atividade estritamente interna,
independente das condições exteriores, ou, no melhor
dos casos, dependente dessas condições apenas por um
lado, porque estas condições determinam o material
que a imaginação trabalha. No que respeita aos pró-
prios processos da imaginação, a sua direção, à primeira
vista, parece ser dirigida simplesmente de dentro pelos
sentimentos e pelas necessidades do próprio homem
e por isso condicionados pelas causas subjetivas e não
objetivas. De facto, isto não se passa assim. Já há muito
tempo que na psicologia foi estabelecida uma lei segundo
a qual o anseio para criar é inversamente proporcional à
simplicidade do meio.
«Por isso», diz Ribot, «quando compararmos os
negros com os brancos, os primitivos e os civilizados, o
resultado é que, para a mesma quantidade de população,
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contexto é muito bem explicada por Waismann. Ele diz:
«Suponhamos que nas ilhas Samoa nasce uma criança
dotada com o talento e o génio de Mozart. O que pode
ela fazer? Quando muito, o que ela pode fazer é ampliar
a gama de três ou quatro até sete tons e criar uma série de
melodias um pouco mais complexas, mas seria incapaz
de compor uma sinfonia ou, como Arquimedes, de criar
a máquina electrodinâmica.»
Qualquer inventor, mesmo que seja um génio, é
sempre o produto do seu tempo e época. A sua criati-
vidade parte de necessidades que foram criadas antes
dele e apoia-se nas possibilidades que residem fora dele.
É por isso que notamos uma sucessão rigorosa na história
do desenvolvimento da técnica e da ciência. Nenhuma
invenção ou descoberta científica surge antes de se cria-
rem as condições materiais e psicológicas necessárias para
o seu surgimento. A criatividade representa um processo
histórico contínuo, em que toda a forma subsequente é
definida pela anterior.
É exatamente isto que explica a distribuição despro-
porcional dos inovadores e cientistas entre diferentes
classes sociais. As classes privilegiadas dão incomen-
suravelmente uma percentagem maior de criadores na
ciência, na técnica e na arte, porque, de facto, nestas
classes existem mais condições para a criação.
«Em geral», diz Ribot, «fala-se tanto sobre o voo
livre da imaginação, sobre o todo-poderoso génio, que se
esquecem as condições sociológicas (sem falar de outras),
das quais a cada passo depende uma e a outra. Por muito
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toda a invenção existe sempre uma colaboração de tra-
balho anónimo.»
A IMAGINAÇÃO DA CRIANÇA
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E DO ADOLESCENTE
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imaginação e a força da sua fantasia começam a diminuir.
Esta opinião assenta numa série de observações sobre a
atividade da fantasia.
As crianças podem fazer tudo, disse Goethe, e esta
simplicidade e pouca exigência da fantasia infantil, que
deixa de ser livre no adulto, foi confundida frequen-
temente com a liberdade e riqueza da imaginação infantil.
Os produtos da imaginação infantil divergem abrupta-
mente da experiência do adulto e isto é tomado como
a base para a conclusão de que as crianças vivem num
mundo do fantástico. Outros traços são as imprecisões,
as distorções da experiência real e o exagero característico
das fantasias das crianças e a sua propensão e gosto pelos
contos e narrações fantásticas.
Tudo isto, no seu conjunto, serviu de base para
afirmar que a fantasia na idade infantil é mais rica e
variada do que a fantasia no adulto. No entanto, esta
opinião não encontra fundamentação na investigação
científica. Sabemos que a experiência da criança é mais
pobre do que a experiência do adulto. Sabemos também
que os seus interesses são mais simples, elementares e
mais pobres; por fim, a sua relação com o seu contexto
é igualmente menos complexa, desprovida da precisão
e variedade do comportamento da pessoa adulta, sendo
que todos estes fatores são importantíssimos definidores
do trabalho da imaginação. A imaginação na criança,
como mostra esta análise, não é mais rica, mas mais
pobre do que a imaginação do homem adulto; ao longo
do processo de desenvolvimento da criança também
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criativa, em todas as áreas da atividade criativa, perten-
cem à fantasia amadurecida. À medida que se aproxima a
maturidade, também começa a amadurecer a imaginação,
e, na idade de transição – a partir do amadurecimento
sexual dos adolescentes –, a força da imaginação, em
ascensão muito poderosa, une-se aos primeiros estágios
de maturidade da fantasia. Os autores que escreveram
sobre a imaginação assinalaram a ligação muito próxima
entre o amadurecimento sexual e o desenvolvimento da
imaginação. É possível compreender esta relação quando
temos em atenção que, neste período, o adolescente
amadurece e equilibra uma ampla experiência, ao mesmo
tempo que se definem os denominados interesses per-
manentes, se extinguem rapidamente e suspendem os
interesses infantis e, em relação com a maturidade geral,
a atividade imaginativa adquire uma forma mais acabada.
Nas suas investigações sobre a imaginação criativa,
Ribot desenha uma curva (Figura 1) que representa sim-
bolicamente o desenvolvimento da imaginação e permite
compreender as particularidades do desenvolvimento
da imaginação infantil, da do homem maduro e da do
período de transição de que nos ocuparemos agora.
A lei principal do desenvolvimento da imaginação, que
esta curva representa, formula-se do seguinte modo: a
imaginação, ao longo do seu desenvolvimento, passa
por dois períodos divididos por uma fase crítica. A curva
IM representa o desenvolvimento da imaginação no pri-
meiro período. Eleva-se bruscamente e depois, durante
bastante tempo, mantém-se no nível atingido. A linha
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aumenta mais lentamente, porque requer uma grande
acumulação de experiência e uma maior complexidade
na sua elaboração. É só no ponto M que as duas linhas do
desenvolvimento da imaginação e do desenvolvimento
da inteligência coincidem.
A parte esquerda da figura representa graficamente
de modo claro a originalidade que caracteriza a atividade
imaginativa na idade infantil, aquilo que, na realidade, foi
considerado por muitos investigadores como a riqueza
da imaginação infantil. A partir da figura é fácil ver que o
desenvolvimento da imaginação e da inteligência se dis-
tanciam muito entre si na infância e de que esta relativa
autonomia da imaginação infantil, a sua independência
em relação à atividade cognitiva, não prova a riqueza
mas antes a pobreza da fantasia da criança.
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a partir do qual se constrói a imaginação é mais pobre
na criança do que no adulto, como também o caráter das
combinações que se juntam a esse material é, na sua qua-
lidade e variedade, inferior em relação às combinações
realizadas pelo adulto. De todas as formas de ligação
com a realidade que acima enunciámos, a imaginação da
criança está ao nível da imaginação do adulto apenas no
que diz respeito à primeira, quer dizer, na realidade dos
elementos a partir dos quais é construída. É provável que
a raiz emocional da imaginação da criança se expresse
também tão fortemente como no adulto; mas no que res-
peita às outras duas formas de conexão, será necessário
sublinhar que elas se desenvolvem apenas com o passar
dos anos, e se vão desenvolvendo muito lentamente e
muito gradualmente. A partir do momento do encontro
das duas curvas, a da imaginação e a do pensamento no
ponto M, o desenvolvimento posterior da imaginação
segue, como mostra a linha MN, sensivelmente paralelo
à linha do desenvolvimento do pensamento XO. A diver-
gência típica da idade infantil desaparece; a imaginação,
estreitamente associada com o pensamento, segue-o
agora ao mesmo passo.
«As duas formas intelectuais», disse Ribot, «encon-
tram-se agora uma em frente à outra como forças rivais.»
A atividade da imaginação «prossegue, mas atra-
vés de uma transformação preliminarmente transfor-
mada, adaptando-se a condições racionais, deixando
de representar uma imaginação pura, mas misturada».
No entanto, isto nem sempre sucede, porque em muitas
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redução da imaginação. «A imaginação criativa diminui
e isto é o caso mais frequente. A exceção é devida apenas
aos mais dotados de imaginação talentosa, a maioria dos
quais entra a pouco e pouco na prosa da vida quotidiana,
enterra os sonhos da juventude, considera o amor uma
quimera, etc. Isto, todavia, é apenas uma regressão e
não uma anulação, porque a imaginação criativa não
desaparece por completo em ninguém, mas passa a ser
algo acidental.»
E, de facto, onde persistir uma fração ínfima da vida
criativa, haverá lugar para a imaginação. Sabemos que
na idade adulta, com frequência, a curva da vida criativa
diminui. Esta é uma situação conhecida. Olhemos agora
mais de perto esta fase crítica MX que divide os dois perí-
odos. Como já dissemos, esta fase ocorre no período de
transição, que é a que mais nos interessa agora. Se com-
preendermos a natureza daquela encruzilhada específica
que atravessa a curva da imaginação, teremos a chave
para a compreensão adequada de todo o processo criativo
nesta idade. Neste período tem lugar uma transformação
profunda da imaginação, que passa de subjetiva para
objetiva. «No plano fisiológico, a causa de tal crise deve-
-se à formação do organismo adulto e do cérebro adulto,
e no plano psicológico é devida ao antagonismo entre a
subjetividade pura da imaginação e a objetividade dos
processos de raciocínio ou, por outras palavras: entre a
instabilidade e a estabilidade da mente.»
Sabemos que a idade de transição se caracteriza, em
geral, por um conjunto de atitudes antitéticas, contradi-
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psicológico infantil é quebrado e o equilíbrio do orga-
nismo adulto ainda não foi alcançado. Deste modo, a
imaginação deste período caracteriza-se pela fratura
e a destruição e pela procura de um novo equilíbrio.
O facto de a atividade imaginativa, como se manifestava
na idade infantil, ir declinando nos adolescentes é evi-
dente, porque a criança desta idade, em regra, perde o
gosto pelo desenho. Apenas algumas crianças continuam
a desenhar, sobretudo os mais talentosos nesta atividade
ou quando estimulados pelas condições exteriores, como,
por exemplo, através de aulas especiais de desenho, etc.
A criança evidencia uma atitude crítica em relação aos
seus próprios desenhos, os esquemas infantis deixam
de a satisfazer, por lhe parecerem demasiadamente
subjetivos, e acaba por concluir que não sabe desenhar,
abandonando essa atividade. Esta interrupção da fantasia
infantil é notada no desinteresse pelos jogos ingénuos da
infância precoce e pelas histórias e contos fantasiosos.
A duplicidade da nova forma de imaginação, que agora
nasce, pode ser observada claramente a partir do facto
de que a forma mais comum e extensa da imaginação
nesta idade ser a criação literária. Ela é estimulada pelo
forte aumento das vivências subjetivas, pelo alargamento
e o aprofundamento da vida íntima do adolescente
que, deste modo e nesta fase, está a criar o seu próprio
mundo interior. No entanto, esta fase subjetiva tende
a personificar-se em formas objetivas: nos versos, nos
contos, e nas formas criativas que o adolescente perce-
ciona, capta a partir da literatura adulta que o rodeia.
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a maioria dos adolescentes perde o interesse pela criati-
vidade literária própria. Tal como acontecera antes com
os desenhos, começa agora a não ficar satisfeito com a
insuficiente objetividade da sua escrita e abandona-a.
Verifica-se deste modo que a ascensão da imaginação e
a profundidade da sua transformação são os elementos
que caracterizam bem esta fase crítica.
Neste mesmo período sobressaem com toda a clareza
dois tipos de imaginação: a imaginação plástica e a imagi-
nação emocional, isto é, externa e interna. Estes dois tipos
principais caracterizam-se especialmente pelo material
com o qual é construída a fantasia e as leis desta constru-
ção. A imaginação plástica utiliza preferencialmente dados
fornecidos pelas impressões exteriores, constrói a partir
do uso de elementos emprestados a partir do exterior;
a imaginação emocional, pelo contrário, constrói com
elementos a partir do interior. Podemos denominar uma
como objetiva e a outra como subjetiva. A revelação de um
e outro tipo de imaginação e a sua diferenciação gradual
são precisamente características desta idade.
Sobre isto deveria ser assinalado também que a
imaginação pode desempenhar um papel duplo no com-
portamento humano. Pode levar a pessoa a aproximar-se
ou a afastar-se da realidade. Janet diz: «A própria ciência,
pelo menos a ciência natural, não é possível sem a ima-
ginação. Newton usou a imaginação para ver o futuro e
Cuvier para ver o passado. As grandes hipóteses a partir
das quais nascem as grandes teorias são resultado da ima-
ginação.» No entanto, Pascal, com toda a justiça, diz que a
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deixar de lado os raciocínios e as observações e a tomar as
suas fantasias por verdades comprovadas; a imaginação
desvia-nos da realidade com as suas admiráveis mentiras,
ela, segundo a certeira expressão de Malebranche, é a
criança traquinas que desalinha a casa.» É especialmente
na idade de transição que se revelam estes aspetos peri-
gosos da imaginação. Satisfazer-se com a imaginação é
muito fácil e a fuga para o sonho e o escape para o mundo
imaginado frequentemente pode desviar da realidade as
energias e a vontade do adolescente.
Alguns autores acreditaram até que o desenvolvi-
mento do espírito sonhador e concomitante desprendi-
mento do real, o fechamento e a imersão em si são o traço
obrigatório desta idade. Poderia mesmo afirmar-se que
todos estes fenómenos constituem apenas a fase sombria
desta idade. Esta tonalidade do espírito sonhador, que
se abate sobre esta idade, faz deste duplo papel da ima-
ginação um processo complexo cujo domínio se torna
muito difícil.
«Se o professor», diz Groos, «desejar desenvolver de
modo adequado a capacidade valiosa da fantasia criativa,
cabe-lhe então enfrentar uma tarefa difícil: domar este
ginete selvagem e assustado de nobre estirpe e desviá-lo
para servir o bem.»
Para Pascal, como dissemos, a imaginação era um
professor ardiloso. Goethe designou-a como o prenúncio
do pensamento. E um e outro estavam certos.
Surge então a pergunta: dependerá a atividade
imaginativa do talento? Existe uma opinião muito
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Esta posição não é justa, como já acima tentámos escla-
recer. Se entendermos a criação no plano estritamente
psicológico, como criação de algo novo, facilmente se
conclui que a criatividade é fortuna de todos, em maior
ou menor grau, e que ela é a companheira habitual e
permanente do desenvolvimento infantil.
Na infância encontramos os designados wunderkin-
der, as crianças prodígios, que em idade muito precoce
demonstram um desenvolvimento e uma rápida matu-
ração de certo dom especial.
Com maior frequência encontramos os wunderkinder
na área da música. Os wunderkinder pintores são raros.
Um exemplo de wunderkinder é Willy Ferrero, que há
vinte anos adquiriu renome mundial por mostrar possuir
dons musicais extraordinários numa idade precoce. Um
wunderkinder deste género, por vezes aos 6-7 anos, pode
dirigir uma orquestra sinfónica, executar obras musicais
muito complexas e, de um modo virtuoso e admirável,
tocar um instrumento musical, etc. Mas há muito que
se notou que em tal desenvolvimento prematuro e fora
do comum do dom, há algo que está muito próximo da
patologia, que não é normal.
E, no entanto, um aspeto ainda mais importante,
há uma regra quase sem exceção segundo a qual estas
crianças prodígios, de amadurecimento prematuro, se se
desenvolvessem de um modo normal, deveriam superar
todos os génios conhecidos da história da humanidade;
mas, de um modo geral, à medida que vão crescendo
perdem também o talento; a sua criatividade, até ao
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fáceis de identificar nas crianças normais, mas não o são
nas crianças sobredotadas. Isto não significa que o dom
ou o talento não surja na infância precoce. A partir das
biografias de pessoas ilustres ficamos a saber que sinais
desta genialidade se revelaram desde cedo.
Como exemplos de desenvolvimento precoce pode-
mos citar Mozart com a idade de três anos, Mendelssohn
de cinco anos, Haydn de quatro; Handel tornou-se com-
positor aos doze anos, Weber também aos doze, Schubert
aos onze e Cherubini aos treze anos... Nas artes plásticas,
a vocação e as capacidades para a criação revelam-se de
um modo claro mais tarde – em média aos catorze anos;
Giotto revelou-se aos dez anos, Van Dyck aos nove,
Rafael aos oito e Greuze aos oito, Miguel Ângelo aos
treze anos, Dürer aos quinze, Bernini aos doze. Rubens
e Jordaens também se desenvolveram muito cedo. Na
poesia não se encontram obras com elevado valor antes
dos dezasseis anos.
Mas estes indícios da genialidade futura ainda estão
longe da verdadeira e superior criatividade, são apenas
relâmpagos de uma tempestade que se adivinha, indi-
cadores do despertar futuro desta atividade.
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A criação traz ao homem criador grandes alegrias,
mas está igualmente associada ao sofrimento, a que
tem sido dada a designação memorável de tormento da
criação. Criar é difícil e o impulso para criar nem sempre
coincide com a capacidade para criar, daí surgir um senti-
mento de tortura e sofrimento; o pensamento não vai ao
encontro da palavra, como dizia Dostoievsky. Os poetas
chamam a este sofrimento o tormento da palavra:
«Não existe no mundo sofrimento1 que se manifeste
com tanta intensidade como o tormento da palavra; em vão,
às vezes, se irrompe da boca um grito louco: inutilmente [a
palavra] de amor está pronta a incendiar a alma porque por
vezes a nossa pobre linguagem é fria e miserável.»
Este desejo de transmitir através da palavra os sen-
timentos, ou pensamentos, o ensejo de contagiar com
este sentimento a outra pessoa, e ao mesmo tempo a
consciência da impossibilidade de o fazer, costuma surgir
de forma muito intensa na criação literária dos jovens.
Lermontov nos seus primeiros versos descreve isto assim:
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palavras para a descrever, e neste instante estou pronto para
me sacrificar, para que possa, de algum modo, verter a sombra
da paixão noutro peito.2
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O mensageiro levantou-se e ficou no meio do quarto,
preparando-se para dobrar o outro dedo da mão.
– Aqui ainda não se disse nada do que é mais impor-
tante. E tem de se fazer assim porque: por exemplo... – aqui
calou-se por um momento e perguntou com vigor: – E a
alma, quem ta deu?
– Deus.
– É verdade. Muito bem. Agora, olha para aqui...
Preparávamo-nos para olhar, mas o mensageiro trope-
çou novamente, perdeu a força e, pondo as mãos na cintura,
desesperadamente gritou:
– Não. Não há nada a fazer. Não é nada assim... Meu
Deus! Sim eu digo-te. Aqui é preciso falar. Aqui é preciso
falar do fundo da alma. Não, não consigo.»
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dos impulsos a ser criativa, isto é, atuante e ativa,
transformadora daquilo para a qual está orientada a
sua atividade. Neste sentido, Ribot, com toda a justeza,
compara o devaneio com a falta de vontade. Para este
autor, esta forma fracassada da imaginação criativa é
completamente análoga à falta de vontade. Para ele, «a
imaginação é para o intelecto o que a ação é para a von-
tade». As pessoas geralmente desejam sempre alguma
coisa – que tanto pode ser algo insignificante como algo
de muito valor; os homens inventam sempre para um
fim determinado – quer seja um Napoleão, que pensa
num plano para uma batalha, ou um cozinheiro, que
inventa um novo prato.
… Em toda a sua forma normal e finalizada, a von-
tade acaba em ação, mas nas pessoas indecisas e sem von-
tade, as indecisões nunca terminam ou as decisões ficam
sem concretização, impossibilitadas de serem concretiza-
das e postas em prática. A imaginação criativa em toda a
sua forma tenta afirmar-se tomando forma objetiva, não
apenas para o próprio criador, mas também para todos
os outros. Pelo contrário, para os simples sonhadores, os
contemplativos, a imaginação permanece num estado
pouco elaborado e desenvolvido, não se encarnando
nas produções artísticas e nas realizações práticas.
O sonho e a contemplação acabam por equivaler à
abulia; o sonhador é incapaz de manifestar a imaginação
criativa. O ideal consiste na construção da imagina-
ção criativa; e só seria, então, uma verdadeira força da
vida, se orientasse as ações e os atos do homem, aspirando
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claro que, em toda a educação da criança, a formação da
imaginação possui não apenas um significado parcial
do exercício e da promoção de uma função isolada, mas
igualmente um significado global que se reflete em todo
o comportamento do homem. Neste sentido, o papel da
imaginação no futuro não é menor do que aquele que
tem no presente.
«O papel da fantasia combinatória», diz Lunat-
charsky, «no futuro não será de modo algum menor do
que hoje. É muito provável que assuma um caráter muito
particular, combinando elementos científicos experimen-
tais com os voos vertiginosos da fantasia intelectual e
imagética.»
Se tivermos em atenção o que foi dito acima, de
que a imaginação é o impulso da criação, podemos
concordar com a posição de Ribot fundada nas suas
investigações:
«A imaginação criadora atravessa com a sua criati-
vidade toda a linha da vida pessoal e social, especulativa
e prática, em todos os seus aspetos; ela é omnipresente.»
A CRIATIVIDADE LITERÁRIA
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NO PERÍODO ESCOLAR
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o modo expressivo que nesta idade dá à criança a possi-
bilidade de expressar melhor o que a preocupa. Com a
passagem para outra fase do desenvolvimento, a criança
eleva-se a um nível superior da sua idade; ela muda e,
com isso, muda o caráter da sua criação.
O desenho fica para trás como uma etapa já vivida,
e o seu lugar começa a ser ocupado por um esforço novo,
o da criação verbal ou literária, criação que dominará
sobretudo no período de maturação sexual do adoles-
cente. Alguns autores supõem que apenas a partir desta
idade se pode falar da criatividade verbal nas crianças
no sentido específico da palavra.
«A própria criatividade literária», diz o professor
Soloviev, «no sentido genuíno da palavra, tem a sua
origem precisamente quando surge o despertar da sexua-
lidade. É necessária uma reserva de vivências pessoais, é
necessária a sua experiência pessoal, a capacidade para
analisar as relações entre as pessoas em várias situações,
para poder criar e exprimir através de palavras algo seu
e de novo (a partir de um ponto de vista próprio) encar-
nado e combinado pelos factos da vida real. A criança em
idade escolar (precoce) não o pode ainda fazer e, por isso,
a sua criação tem também um caráter condicional e, sob
muitos aspetos, é extremamente ingénua.»
Existe um facto fundamental que muito convincen-
temente mostra que a criança deve amadurecer primeiro
para chegar à criação literária. Apenas a partir de um
grau elevado de experiência acumulada e de um nível
elevado da acumulação do domínio da fala e num grau
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no desenvolvimento na linguagem escrita comparativa-
mente com a linguagem falada.
«Como é sabido», diz Gaupp, «a expressão escrita
dos pensamentos e sentimentos dos alunos fica signifi-
cativamente atrás da sua capacidade de os expor verbal-
mente. Encontrar uma explicação para este facto não é
fácil. Quando falamos com um rapaz ou uma rapariga
que se entusiasmam sobre as coisas que são familiares ao
seu entendimento e interesses, então vemos que habi-
tualmente ouvimos deles descrições vivas e respostas
acertadas. A conversa com eles torna-se um verdadeiro
prazer. Mas se às mesmas crianças for pedido para, de
um modo livre, escrever sobre o assunto da conversa
que tivemos mesmo agora, obteríamos apenas algu-
mas frases escassas. Como são monótonas, forçadas e
pobres em conteúdo as cartas das crianças para o seu pai
ausente e como são vivas e ricas as descrições verbais
quando o pai regressa. Parece que no momento em que
a criança pega na caneta o seu pensamento é travado,
é como se o trabalho de escrever a assustasse. “Eu não
sei o que escrever. Não me ocorre nenhuma ideia” – é
a queixa frequente da criança. Daqui se depreende ser
erróneo avaliar o nível do seu desenvolvimento mental,
da sua inteligência, nos alunos dos primeiros anos de
escolaridade, a partir da qualidade das suas composições
escolares.»
A explicação para esta falta de correspondência
do desenvolvimento da linguagem oral e escrita deve-
-se fundamentalmente à diversidade das dificuldades
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muito mais pequena.
«Basta complicar à criança o trabalho linguístico»,
diz Blonsky, «dando-lhe uma tarefa difícil, isto é, a de a
obrigar a exprimir-se no papel, e de imediato vemos que
a sua linguagem escrita se torna mais infantil do que a
linguagem falada: aparecem palavras desconectadas
nas orações e aumentam muito os modos imperativos.
Podemos ver isto praticamente em tudo; quando a
criança executa um trabalho intelectual difícil, começa
novamente a manifestar todas as peculiaridades de uma
idade mais jovem. Se mostramos a uma criança de sete
anos uma imagem com um conteúdo adequado à sua
idade e lhe pedimos que fale sobre a mesma, ela falará
como uma criança de sete anos, isto é, diz o que se passa
na imagem. Mas se lhe mostrarmos uma imagem difícil,
ela começará a descrevê-la como uma criança de três
anos, isto é, inicia simplesmente a nomeação dos objetos
representados na imagem sem os ligar uns aos outros.»
O mesmo acontece quando a criança passa da
linguagem oral para a linguagem escrita. A linguagem
escrita é mais difícil porque tem as suas próprias leis que
diferem, em parte, das leis do discurso oral, e a criança
ainda não domina bem essas leis.
Muitas vezes, as dificuldades que a criança expe-
rimenta na passagem para a linguagem escrita podem
ser explicadas por razões internas muito profundas.
A linguagem falada é sempre compreensível para a
criança; resulta da comunicação viva com as outras
pessoas; é uma reação completamente natural, é uma
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preende para que é necessário escrever. A criança não
detém uma necessidade intrínseca para a escrita.
Isto manifesta-se especialmente nas situações em
que a criança escreve sobre temas que lhe são atribuídos
na escola. Na velha escola, o desenvolvimento da cria-
tividade para a escrita dos alunos das classes primárias
seguia este curso: o professor escolhia um tema para a
elaboração de uma composição e as crianças escreviam
a composição aproximando a sua redação, tanto quanto
possível, da linguagem literária dos adultos, ou do estilo
dos livros que liam. Tais temas eram estranhos à com-
preensão dos alunos, desligados da sua imaginação e dos
seus sentimentos. Não se davam às crianças exemplos
de como elas deveriam escrever. Só raramente o próprio
trabalho se referia a um objetivo familiar e compreensível,
ao alcance da criança. Tais professores, ao não orientar
bem a criatividade literária das crianças, com frequência
matavam a beleza espontânea, as particularidades e
a vitalidade da linguagem infantil e obstaculizavam a
aquisição da linguagem escrita como expressão particular
dos seus próprios pensamentos e sentimentos, e incutiam
nas crianças, como dizia Blonsky, o jargão escolar, cons-
truído a partir da introdução da repetição mecânica da
linguagem livresca dos adultos.
«A arte principal do professor no ensino da língua»,
diz Tolstoi, «e o principal exercício que deve ser usado
na orientação das crianças para a escrita de composições
consiste na atribuição dos temas, mas não tanto na sua
indicação, assim como na oferta de uma grande variedade
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sem sentido, como: “O fogo inflamou-se, começaram a
arrastar as coisas e eu fui para a rua” – o resultado desta
escrita era nulo, apesar de o tema da composição ser rico
e ter deixado uma impressão profunda na criança. Elas
não compreendiam o mais importante: por que motivo
deviam escrever e qual era a utilidade da escrita? Elas não
compreendiam a arte – a beleza de representar a vida na
palavra e a atração dessa arte.»
O desenvolvimento da criatividade literária da
criança torna-se imediatamente mais fácil e bem-sucedido
quando é estimulada a escrever sobre um tema que
lhe é internamente compreensível, que a emociona e,
mais importante, que a desperta para a expressão do
seu mundo interior através da palavra. Muitas vezes a
criança escreve mal porque não tem nada sobre o que
ela quer escrever.
«É necessário ensinar a criança», diz Blonsky, «a
escrever apenas sobre o que ela conhece bem, sobre
o que ela pensou profundamente. Não há nada pior
para a criança do que dar-lhe um tema sobre o qual
ela pouco pensou e sobre o qual ela tem pouco para
dizer. Isto significa educar um escritor superficial e oco.
Para incutir na criança o gosto pela escrita é necessá-
rio desenvolver nela um grande interesse pelo que se
passa à sua volta. A criança escreve melhor sobre o que
mais lhe interessa, sobretudo quando compreendeu
esse assunto. É necessário ensinar à criança a escrever
sobre o que lhe interessa fortemente e sobre o que ela
pensou muito e profundamente, e conhece bem. Deve
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completamente ao contrário, aniquilando deste modo
o potencial escritor na criança.»
Por essa razão, Blonsky aconselha que se escolham
os tipos de obras literárias mais adequadas para crianças,
como pequenas notas, cartas ou pequenas histórias.
«Se a escola deseja ser educativa, então deve ter
em atenção este tipo de obras literárias. A propósito, as
cartas (pessoais e de negócios) são as formas de escrita
mais frequentes entre as pessoas. É evidente que o estí-
mulo para a escrita de cartas é a comunicação com os
que estão longe. Assim, a educação social motiva e educa
a criança-escritor no mesmo sentido: quanto maior é o
círculo de pessoas com o qual a criança está ligada, maior
é o estímulo para a escrita de cartas, o que faz as cartas
falsas e artificiais, dirigidas a pessoas desconhecidas ou
inexistentes, não parecerem fazer algum sentido para
a criança.»
Deste modo, a tarefa consiste em motivar a criança
para a escrita e seguidamente ajudá-la a dominar a
técnica da escrita. Lev Tolstoi descreveu uma experi-
ência extraordinária relacionada com o despertar do
gosto para a escrita nos filhos dos camponeses, e na
qual ele próprio participou. No artigo que escreveu,
«Quem deve aprender a escrever a partir de quem?»
[Komu u kogo uchit’sia pisat? – krest’ianski rebiatam u nas ili
nam u krst’ianskih rebiat]1, este grande escritor chegou à
1
«As crianças camponesas a partir de nós ou nós a partir das crianças
camponesas.»
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as crianças camponesas e não o contrário. Esta experiên-
cia de despertar o gosto pela escrita criativa das crianças
camponesas mostra como decorre o processo da escrita
criativa na criança, como ela nasce e se desenvolve, e
que papel pode o professor desempenhar quando deseja
contribuir para o adequado desenvolvimento deste pro-
cesso. A essência desta descoberta de Tolstoi consiste no
facto de ele ter detetado os traços da escrita das crianças
característicos apenas desta idade e ter compreendido
que a verdadeira tarefa da educação consiste não em
inculcar prematuramente na criança a linguagem dos
adultos, mas em ajudar a criança a desenvolver e formar
a sua própria linguagem literária. Tolstoi deu aos seus
alunos a tarefa de escreverem uma composição baseada
no provérbio: «Ele alimenta-te com a colher e depois
dá-te no olho com ela...»
«Imagina, disse eu, que o camponês tomou a seu
cargo um pedinte e depois, porque lhe deu ajuda, lhe
atirou à cara o bem que lhe tinha feito, concluindo-se
daqui que quem “alimenta com a colher com ela pode
bater no olho”.» De início as crianças recusaram-se
a escrever, pensando que este assunto não estava ao
seu alcance, e foi Tolstoi, ele próprio, que escreveu a
primeira página:
«Qualquer pessoa imparcial», diz o escritor, «com
sensibilidade artística e gosto pela cultura popular, ao ler
esta primeira página, escrita por mim, e as outras pági-
nas seguintes da história, escritas pelos próprios alunos,
distinguirá esta página por comparação com as outras,
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nês semiletrado de repente mostrasse tal força artística
consciente, que nem o próprio Goethe, com o seu nível
de desenvolvimento artístico, poderia alcançar. Isto
pareceu-me tão humilhante e estranho que eu, o autor
de Infância, com algum êxito e reconhecimento do meu
talento artístico pelo público letrado russo, não pudesse
contribuir artisticamente com nada, no sentido de ajudar
ou mesmo instruir o pequeno Semka ou o Fedka de onze
anos, senão só com dificuldade, e graças a um surto afor-
tunado de inspiração feliz, fui capaz de acompanhá-los e
compreendê-los. Isto pareceu-me tão estranho que eu não
acreditei no que ontem sucedeu.»
Como foi capaz Tolstoi de despertar nestas crian-
ças, que antes não tinham qualquer ideia sobre a escrita
criativa, a capacidade para se expressarem neste modo
complexo e difícil? As crianças começaram a criar coleti-
vamente. Tolstoi começava a narrar-lhes e eles davam-lhe
sugestões.
«Uma das crianças dizia que o velho era um bruxo;
outro dizia: não, não é necessário – ele será apenas um
soldado; ou não, é melhor que ele os roube; não, isto não
corresponde ao provérbio, etc. – diziam elas.» Todas as
crianças participaram na redação da composição; ficaram
interessadas e atraídas pelo próprio processo da composi-
ção e isto foi o primeiro impulso na direção da inspiração
criativa. «Aqui», escreve Tolstoi, «é óbvio que estavam a
experimentar o encanto de captar os pormenores artís-
ticos através das palavras.» As crianças compunham,
criavam personagens, descreviam a sua aparência, com
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estava a compor a história, «as suas mãos sujas e pequeni-
nas torciam-se; ele zangava-se e insistia continuadamente
comigo: escreveste, escreveste? – perguntava ele.» Tratava
as outras crianças de modo despótico e irritado, queria
ser o único a falar, não a falar do modo habitual das pes-
soas que o fazem, mas a falar como escrevem, isto é, de
forma artística, imprimir através da palavra imagens e
sentimentos; por exemplo, não suportava a modificação
da ordem das palavras escritas, dizendo: «Tenho nas
pernas feridas», e não: «Tenho feridas nas pernas.» Neste
último exemplo vemos como era forte o sentimento da
forma verbal nesta criança, que, pela primeira vez, tinha
abordado a criação escrita, o sentido da forma verbal.
A alteração das palavras e a sua ordem é para a
literatura o mesmo que a melodia para a música, ou o
fragmento para a pintura. E o sentimento deste dese-
nho verbal, dos pormenores picturais, do sentimento
da proporção – tudo isto, de acordo com Tolstoi, foi na
criança claramente expresso em grau elevado. A criança
representava quando escrevia; quando pronunciava as
palavras das personagens; às vezes falava «num tom
cansado e calmo, sério e, ao mesmo tempo, benevolente,
apoiando a cabeça com a mão, que as outras crianças se
rebolavam de tanto rir». Esta colaboração real entre o
escritor adulto e as crianças foi por elas compreendida
como um verdadeiro trabalho conjunto, no qual elas se
sentiam no mesmo plano dos adultos. «Vamos publicar o
texto?», perguntou um rapaz a Tolstoi – tal como é neces-
sário publicar as obras de Makarov, Morozov e Tolstoi.
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acidente, mas da criação consciente de uma obra... Não
encontrei nada que fosse parecido com estas páginas na
literatura russa.»
Na base desta experiência, Tolstoi ia ao ponto de
defender o seguinte: segundo ele, para se desenvolver a
escrita criativa das crianças é apenas necessário dar-lhes
estímulo e material para a criação.
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Por mais instrutiva que seja a experiência de Tolstoi,
a interpretação que faz da sua experiência mostra uma
idealização da natureza da criança e uma atitude negativa
em relação à cultura e à criação artística, que caracteri-
zaram as suas ideias ético-religiosas no último período
da sua vida. De acordo com a teoria e os pressupostos
reacionários de Tolstoi:
«O nosso ideal não está no futuro mas no passado.
A educação estraga e não melhora as pessoas; ensinar
e educar a criança é impossível e absurdo pela simples
razão de ela estar mais perto do que eu, mais próxima
do que qualquer adulto do ideal de harmonia, verdade,
beleza e bondade, até ao qual eu, no meu orgulho, desejo
elevá-lo. A consciência deste ideal é mais forte nele do
que em mim.»
Este é um vestígio da teoria de Rousseau, ultrapas-
sada há muito pela ciência. «O homem nasce perfeito»
– esta é a grande frase de Rousseau e esta expressão,
como pedra, mantém-se dura e verdadeira. – «Ao nascer,
o homem é um protótipo da verdade, da harmonia, da
beleza e da bondade.»
Nesta visão incorreta da natureza da criança está
encerrado o segundo erro que Tolstoi comete em rela-
ção à educação. Se a perfeição está antes de nós e não à
frente, então é completamente lógico negar o significado,
o sentido e a possibilidade da educação. No entanto, será
suficiente rejeitarmos a primeira proposição, não confir-
mada pelos factos, para se tornar claro que a educação
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a partir do nosso relato, que o que Tolstoi fez com as
crianças camponesas foi simplesmente facultar-lhes uma
educação literária. Ele despertou nas crianças um método
de expressão da sua experiência pessoal e da sua atitude
em relação ao mundo; com as crianças construiu, compôs,
combinou, contagiou-as emocionalmente, deu-lhes um
tema; ou seja, na sua essência, orientou todo o processo
da criação, mostrou-lhes os métodos da criação, etc. Ora,
tudo isto, para todos os efeitos, é educação no sentido
mais puro e autêntico deste conceito.
A compreensão adequada e científica da educa-
ção das crianças não é inculcar artificialmente, de fora,
os ideais, sentimentos ou estados de espírito alheios.
A verdadeira educação consiste em despertar na criança
aquilo que ela já tem em si e ajudá-la a desenvolvê-lo,
e orientar o seu desenvolvimento numa determinada
direção. Tolstoi fez tudo isto com as crianças de quem nos
fala. O que é mais importante para nós não é a teoria geral
de Tolstoi sobre a educação; interessa-nos sobremaneira
a sua maravilhosa descrição do despertar da criatividade
literária apresentada nas páginas que evocámos.
Que as crianças escrevem com maior desejo quando
se manifesta nelas a necessidade para a escrita, é muito
evidente na criação das crianças abandonadas. As cria-
ções verbais destas crianças, na maior parte das vezes,
assumem-se sob a forma de canções, que entoam e
refletem todos os aspetos da sua vida, sendo na maioria
canções profundamente tristes e melancólicas. Como
Púshkin disse: «Do cocheiro até ao mais sublime e puro
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a doença, a orfandade, o abandono, o desamparo – são
estes os motivos permanentes destas canções, ainda que
por vezes se revele também nestas canções outro motivo
de nota, um género de coragem, jactância, que promove
a exortação dos seus feitos:
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lugar à mesa e pelas canetas e, feito o gesto de benzer, durante
várias horas respeitosa e cuidadosamente escreviam, pedindo
a ajuda dos vizinhos, reescrevendo e comparando com páginas
impressas de um livro despedaçado. Nestas histórias, com
exceção daquelas onde as crianças queriam abrir-se com-
pletamente e ficavam caladas ou incrédulas, manifesta-se
o traço principal de todas as criações deste género. Existe
alguma coisa acumulada dentro da pessoa dorida, que tenta
exteriorizar-se, reclama expressão, que quer sair através das
palavras. Quando a criança tem alguma coisa para escrever,
escreve-o com extrema seriedade.
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
centou a seguinte nota à sua autobiografia, que exprime
o profundo sentimento e a especificidade autêntica das
experiências associadas com a sua composição literária:
«As memórias e a saudade da minha casa na província
de Vologda, na aldeia de Vymsk, na floresta perto do rio.»
É muito fácil compreender a ligação que existe
entre o desenvolvimento da criação literária e a idade
de transição da adolescência. O facto mais importante
desta idade é o despertar da sexualidade. A partir deste
aspeto central e fundamental podem ser explicados todos
os outros, relacionados com esta característica essencial
desta idade; é este facto que faz desta idade um período
crítico na viragem da vida da criança. Neste período da
vida entra em cena um novo e poderoso fator ,consti-
tuído pelo despertar da sexualidade e do instinto sexual.
O anterior equilíbrio estável do período inicial da escola
foi entretanto destruído, enquanto um novo equilíbrio
ainda não pôde ser encontrado. Esta rutura do equilíbrio
anterior e a procura de um novo forma a essência da
crise que a criança experimenta nesta idade. Mas em que
consiste a natureza desta crise?
A resposta a esta pergunta não foi até hoje encon-
trada pela ciência com a devida acuidade. Alguns
consideram que a principal característica desta crise é a
astenia, a fragilidade da constituição e do comportamento
da criança, que a atinge neste período crítico. Outros,
pelo contrário, acreditam que na base desta crise está o
aumento poderoso da energia vital que envolve todos
os aspetos do desenvolvimento infantil e que esta fase
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nho e da estrutura corporal adulta.
Todo um novo mundo de experiências íntimas,
impulsos e aspirações se abre nesta idade; a vida inte-
rior torna-se infinitamente mais complexa quando
comparada com a dos primeiros anos da infância.
As relações com os que estão à sua volta tornam-se
muito mais complexas; as impressões do mundo exterior
são alvo de uma análise profunda. Há um traço muito
óbvio no comportamento do adolescente diretamente
relacionado com a tendência para a criatividade literária
deste período – é a intensificação da emocionalidade, o
aumento da excitabilidade dos afetos na adolescência.
Quando o comportamento humano tende para condições
conhecidas e invariáveis, não se deteta neste comporta-
mento qualquer emoção visível ou forte. Geralmente,
estamos calmos ou indiferentes quando agimos em meio
conhecido; mas quando o equilíbrio no comportamento
é quebrado, surge de imediato uma reação forte e vivaz,
a reação emocional. As emoções e a ansiedade surgem
em nós sempre que o nosso equilíbrio é quebrado.
Se esta rutura se traduz no reforço da nossa posição
e na ultrapassagem relativa das dificuldades com as quais
nos confrontámos, em geral sentimos emoções positivas:
felicidade, orgulho, etc. Se, pelo contrário, este equilíbrio
é perturbado, não nos beneficiando, se as circunstâncias
são mais fortes do que nós e nos sentimos em seu poder,
conscientes da nossa insegurança, fraqueza, fragilidade,
humilhação, surgem em nós emoções negativas: cólera,
medo, tristeza. É completamente compreensível que os
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emocionais ou em sentimentos. A segunda parte da idade
escolar é a época da maturação sexual e constitui-se como
uma mudança, uma crise interna no desenvolvimento
da criança, que se caracteriza pelo agravamento e cresci-
mento da intensidade e a labilidade das emoções: como
já aludimos, o equilíbrio entre a criança e o meio que a
circunda rompe-se nesta idade devido à ocorrência de
um fator novo, que até então não se fazia sentir com tanta
acuidade como agora.
Esta é a fonte da instabilidade emocional desta
idade, que explica, em certa medida, o facto de, ao
aproximar-se dela, a criança substituir o desenho, a sua
forma favorita de criatividade no período pré-escolar,
pela escrita criativa. A palavra permite mais facilmente
do que o desenho transmitir as relações complexas
do seu sentir, nomeadamente as de natureza interior.
A linguagem verbal também é melhor para expressar
o movimento, a dinâmica e a complexidade de algum
acontecimento do que o infantil e imperfeito desenho da
criança. Por isso, o desenho infantil, que é uma atividade
completamente adequada aos estádios da relação simples
e pouco complexa da criança com o mundo, é substituído
pela palavra, meio de expressão correspondente a uma
relação mais profunda e complexa com o mundo interior
da criança em relação à vida, em relação a si mesma e
aos outros. Surge então uma questão fundamental: que
atitude devemos adotar em relação à emocionalidade
elevada característica desta idade de transição? Como
podemos avaliá-la? Como um facto positivo ou um
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da realidade? De acordo com o que é visível frequente-
mente nesta idade, ou com esta emotividade, pode ser
um fator positivo, que enriquece infinitamente e alarga
as relações da criança com o seu mundo externo? Nada
de importante ou de grande na vida se faz sem sentir
uma grande emoção.
«A educação artística», diz Pistrak, «dá não tanto o
conhecimento nem aptidões, mas o tom para a vida ou,
talvez, o fundo para a atividade vital. As convicções que
podemos assimilar na escola através dos conhecimentos,
apenas poderão criar raízes no psiquismo da criança
quando são reforçadas emocionalmente. Não se pode ser
um lutador convicto se no momento da luta não houver
no cérebro imagens claras, fortes e inspiradoras para a
luta; não se pode lutar contra o que é velho sem saber
odiá-lo e a capacidade para odiar é também emoção. Não
se pode construir o novo com entusiasmo se não se amar
com entusiasmo o novo, e o entusiasmo é resultado de
uma educação artística adequada.»
F. Giese realizou antes da guerra uma investigação
sobre a criação literária das crianças em diferentes ida-
des. Teve acesso a mais de três mil trabalhos escritos por
autores com idades compreendidas entre os cinco e os
vinte anos. Este estudo foi realizado na Alemanha antes
da guerra e, por essa razão, os resultados não podem ser
extrapolados para nós, uma vez que o estado de espírito,
os interesses e todos os fatores de que depende a escrita
criativa são diferentes daqueles com os quais Giese lidou
na sua investigação. Além disso, como o seu estudo foi
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literárias predominantes nas várias idades. No entanto,
estes resultados podem ter para nós um interesse deci-
sivo como primeira tentativa de análise geral da escrita
criativa das crianças e como dados para essa análise, em
que se refletem determinadas características etárias que,
sob uma forma ou outra e em certas condições, podem
manifestar-se em nós.
Por fim, estes dados têm interesse porque nos dão
material para os compararmos com os nossos. Os resulta-
dos que o autor cita demonstram como variam, na prosa e
na poesia dos rapazes e raparigas os temas principais em
função da idade. A experiência pessoal pouco se reflete
na poesia dos rapazes e das raparigas; na prosa, pelo
contrário, a temática pessoal ocupa um lugar dominante,
o que é claro quando comparado com idades anteriores
a catorze e quinze anos. Nos rapazes, durante estes dois
anos, a percentagem de prosa relativa à experiência pes-
soal sobe de 23,1% para 53,4%, e nas raparigas de 18,2%
para 45,5%, isto é, aumenta mais do dobro, enquanto
a proporção destes temas na poesia nos rapazes e nas
raparigas de dezasseis e dezassete anos é nula. A propor-
ção relativamente alta de temas tomados da experiência
pessoal nas crianças mais novas é explicada pelo facto de
Giese incluir nesta categoria todos os acontecimentos tri-
viais, episódios do dia a dia, como, por exemplo, um fogo,
uma viagem fora da cidade, a visita a um museu. Sobre
os acontecimentos ocorridos na escola, este tema apenas
inclui 2,6% na prosa e 2,2% nos versos, o que demonstra
o grau de insignificância que os acontecimentos na escola
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nas raparigas do que nos rapazes: aos doze, treze anos.
Enquanto nos rapazes a percentagem desta temática é
nula, ela alcança o montante de cerca de 36,3% na escrita
das raparigas, decaindo entre os catorze e os quinze anos;
aumenta aos dezasseis, dezassete anos e, novamente, mais
nas raparigas do que nos rapazes.
«O mundo dos contos de fadas», diz Giese, «é cla-
ramente o mundo da poesia feminina, que os rapazes
ignoram.»
É muito interessante observar a presença insigni-
ficante de motivos sociais na poesia e na prosa destes
jovens autores alemães. Estes temas estão ausentes na
poesia em todas as idades, enquanto na prosa alcan-
çam uma percentagem muito pouco significativa,
constituindo cerca de 13,8% nas raparigas de doze e
treze anos (máximo). Nota-se aqui o incremento do
coeficiente dos temas filosóficos na poesia, o que, sem
dúvida, se relaciona com o despertar do pensamento
abstrato e o interesse por questões abstratas nesta idade.
Por fim, o coeficiente do tema dedicado à natureza, na
poesia e na prosa, entre raparigas e rapazes está bem
representado.
As raparigas de nove anos dedicam a maior parte
dos seus trabalhos a este tema e os rapazes de treze e
catorze anos escrevem sobre a natureza em metade dos
seus trabalhos. As crianças alemãs dedicam uma elevada
percentagem dos trabalhos aos temas religiosos, sobre-
tudo as raparigas. No entanto, este tema diminui em
percentagem perto dos dezasseis anos.
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temas não surgem distribuídos de modo proporcional
em dois tipos de escrita criativa: o tema heroico, por
exemplo, representado na idade escolar por uma elevada
percentagem, cerca de 54,6 %, reduz-se na escrita livre
para 2,4%. Pelo contrário, os temas eróticos e filosóficos
ocorrem apenas em 3% das composições escolares,
mas elevam-se a 18,2% e 29% nas composições livres.
O mundo dos contos de fadas está representado neste
tipo de criação quinze vezes menos nas composições
escritas em casa do que nas composições escolares.
E, por fim, os temas restantes, não figurados na poesia
escolar, estão representados em cerca de 28,1% em casa.
O humor das crianças manifestado nestes dois tipos de
criação também não coincide. Assim, por exemplo, nas
composições, o humor triste e sério está representado
cinco vezes mais nos textos escritos na escola do que em
casa. Esta comparação tem uma importância significativa
porque mostra até que ponto a escrita criativa da criança
é estimulada e alterada pela ação de influências exteriores
e de que forma a criança se assume quando é deixada a
si própria.
A conclusão seguinte refere-se aos dados da pre-
sença do humor dominante nas composições literárias
analisadas por Giese. A partir destes resultados observa-
-se que os estados de espírito de abatimento e de tristeza
se encontram muito raramente na criação literária das
crianças e que os estados de espírito alegres prevalecem.
Assim, se na poesia dos rapazes um e outro estado estão
próximos – 5,9% e 5,2% –, em proporção semelhante,
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predomina a disposição alegre. É de notar a percentagem
insignificante do humor aventureiro, porque este género
é difícil para a criação das crianças; do mesmo modo o
humor cómico e crítico é insignificante quando confir-
mado pela baixa percentagem dos temas satíricos. Mas
será necessário sublinhar que o humor prevalecente é o
fator que mais facilmente se modifica na escrita criativa
da criança e, por isso, nos exemplos referidos devem ser
apenas considerados como indicadores genéricos dentro
desta problemática.
Seria desejável que entre nós a escrita criativa das
crianças fosse também estudada, evidenciando deste
modo quais os temas prevalecentes e os humores nas suas
composições. Os dados seguintes caracterizam as formas
literárias mais frequentes na criação infantil.
Como era esperado, o mais frequente é o relatório
ou o ensaio, quer dizer, a escrita de comunicação prática;
em segundo lugar está a história e em terceiro lugar, o
conto. A percentagem de trabalhos relacionados com o
drama (0,1%) e a escrita de cartas (1,9%) é extremamente
baixa. Este último resultado explica-se porque esta é, no
seu sentido psicológico, a forma mais natural da escrita
infantil e a menos cultivada na educação tradicional da
criança. Os dados sobre a forma gramatical e o volume
das composições infantis não deixam de ter interesse.
Com a idade aumenta a extensão dos trabalhos das
crianças. Uma avaliação do número médio de sílabas na
poesia e na prosa dos rapazes e das raparigas de várias
idades mostrou que o aumento em termos externos
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a criança. No seu entender, se encontramos estas formas
na criação infantil é porque elas são fundamentalmente
o resultado das influências externas. Por outro lado,
a prosa é, em sua opinião, o género mais adequado à
criação da criança. Os dados de V. P. Vakhterov sobre
este problema geraram os resultados seguintes: 57% das
crianças estudadas escreviam em verso, 31% em prosa
e 12% escreviam em forma de drama. É sabido que a
riqueza da forma gramatical da linguagem infantil é um
fator muito importante para a apreciação da expressão
literária da criança. Os psicólogos estabeleceram há
muito que o período da fala não gramatical da criança
é um período especial e particular do desenvolvimento
da linguagem infantil.
De facto, a ausência das formas gramaticais no
discurso é um sinal claro de que no pensamento verbal
da criança e na sua representação faltam as indicações
relativas às relações e associações entre os objetos e os
fenómenos, uma vez que são as formas gramaticais os
signos usados para afirmar estas associações e relações.
É por isso que o período do surgimento das orações
subordinadas no discurso da criança, segundo Stern,
assinala a entrada na quarta e mais elevada fase do desen-
volvimento do discurso da criança, porque a presença das
orações subordinadas põe em evidência o domínio pela
criança de relações complexas entre diferentes fenóme-
nos. V. P. Vakhterov, que se ocupou da análise deste aspeto
do discurso da criança, chegou aos seguintes resultados.
O seu estudo identifica duas etapas: a dos quatro aos oito
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a criança se desenvolve, aumenta o uso de declinações
indiretas, o que é a demonstração clara de que a criança
passa a uma etapa da compreensão das relações que a
declinação transmite na forma gramatical. A análise do
discurso da criança, do ponto de vista do uso que ela faz
dos elementos da proposição, conduz a uma conclusão
semelhante.
De novo, os dados mostram-nos que a criança
aumenta o uso dos elementos gramaticais como cir-
cunstâncias determinativas e complementares de lugar,
tempo, etc.
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diz: «Se cada palavra fosse pronunciada pela criança de
7-8 anos, em média, cinco vezes e meia, então o pronome
pessoal singular seria pronunciado cem vezes mais – 542
vezes e os pronomes pessoais na segunda pessoa com
uma frequência 25 vezes maior – 135 vezes.» Gaupp subli-
nha que as crianças dos quatro aos seis anos, quanto mais
desenvolvidas forem, com maior frequência utilizarão as
orações subordinadas. Alguns autores propõem dividir
em três períodos o desenvolvimento da criatividade
infantil: o primeiro período é o da expressão oral, que
se prolonga dos três aos sete anos; o segundo período é
o da expressão escrita, que se prolonga dos sete anos à
adolescência e, por fim, o período literário, que se estende
desde o fim da puberdade à idade da juventude. É preciso
dizer que, no fundamental, esta divisão corresponde de
facto à realidade, uma vez que, como já sublinhámos, o
desenvolvimento do discurso oral ocorre mais cedo do
que o desenvolvimento da linguagem escrita. No entanto,
é muito importante notar que esta superioridade da lin-
guagem oral sobre a linguagem escrita continua depois
de o primeiro período da expressão oral ter terminado.
No seu desenvolvimento subsequente, as crianças
expressam-se oralmente com mais brilho expressivo do
que através da escrita.
A transição para a linguagem escrita imediatamente
obscurece e dificulta a sua linguagem. O investigador
austríaco Linke chegou à conclusão de que, se com-
parássemos as produções escritas e orais das crianças,
concluiríamos que o modo como a criança de sete anos
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passagem a uma forma escrita mais complexa. É um facto
extremamente notável que as composições das crianças
camponesas que Tolstoi tanto admirava não eram mais
do que exemplos da sua expressão verbal. As crianças
falavam e Tolstoi escrevia o que elas diziam e, nas suas
notas, registava todo o encanto do discurso oral infantil.
Nestas histórias revelava-se ainda uma característica
original e importante da criação infantil, à qual alguns
autores chamam sincretismo, que se revela no facto de
a criação infantil não estar ainda muito diferenciada em
relação às várias modalidades artísticas, nem em função
das diferentes formas literárias; os elementos da poesia,
da prosa e do drama na produção infantil unem-se num
todo.
O processo da escrita criativa que Tolstoi descreveu
está muito próximo do teatro pela sua forma. A criança
não ditou apenas a história, mas também a descreveu e
representou os protagonistas da própria história. Nesta
ligação da criação oral e a arte dramática, como adiante
veremos, está alicerçada uma das mais originais e pro-
dutivas formas de criação artística na infância.
Um interessante exemplo da expressão verbal foi-
-nos dado pelo professor Soloviov. Diz ele que o discurso
escrito de uma criança em idade escolar é «muito mais
pobre e esquemático» do que o discurso oral. É como se
estivéssemos na presença de dois tipos de reações ver-
bais. Uma rapariga camponesa de oito anos e meio, ainda
que fosse capaz de escrever, nunca escreveria de modo
a corresponder cabalmente aos seus pensamentos (ao
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muito lixo voa e divirto-me com o lixo a voar, é como se
ele estivesse a lutar.» Neste discurso vivo da criança está
muito bem expressa a sua vivacidade emocional.
A. Busemann realizou uma investigação completa
com vista ao estudo da questão sobre o modo como
a atividade infantil é revelada na criação literária e
encontrou um coeficiente específico de atividade que
exprime as relações das características existentes entre
a menção das ações e os valores qualitativos descritivos
encontrados nas produções orais e escritas das crianças.
Este indicador de atividade mostrou-se mais elevado nas
crianças com idade entre seis e oito anos, e nos rapazes
e nas raparigas entre os três e os nove. Na idade dos
nove aos dezassete anos, este indicador foi maior nos
nove e treze anos. A comparação do discurso oral e
escrito levou Busemann à conclusão mais importante
da sua investigação: «O discurso oral tende mais para
a atividade enquanto o discurso escrito tende para um
estilo descritivo.»
Esta conclusão é confirmada pelas longas expressões
orais escritas. O discurso oral tomou muito menos tempo
do que o escrito; no espaço de quatro ou cinco minutos as
crianças diziam aquilo que só em quinze a vinte minutos
conseguiriam no discurso escrito. Este abrandamento do
discurso escrito causa não apenas mudanças qualitativas,
mas também quantitativas, porque, como resultado deste
retardamento, as produções linguísticas infantis desen-
volvem um novo estilo e caráter psicológico. O foco da
atividade que estava no primeiro plano do discurso oral
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O foco da atividade do discurso infantil é só um
reflexo da atividade geral da sua idade. Alguns autores
calcularam a quantidade de conceitos relacionados com a
ação nas histórias das crianças. Um exemplo deste cálculo
pode ser visto em diferentes relatórios que enumeram a
frequência dos objetos, das ações e dos traços peculiares
que ocorrem nas histórias de crianças de diversos níveis
de escolaridade. A partir destes dados depreende-se que
nas histórias infantis aparecem com maior frequência as
ações, com menor frequência os objetos e, ainda mais
raramente, as características particulares dos objetos.
É necessário, no entanto, fazer aqui uma ressalva
em relação à influência do discurso dos adultos, das
suas formas literárias, na linguagem escrita das crianças.
É sabido como as crianças são contagiadas pela imitação.
É compreensível, assim, que seja enorme a influência do
estilo literário dos livros nas crianças, o que frequente-
mente obscurece as verdadeiras características da sua
linguagem escrita. Neste sentido, o estilo mais puro é o
das crianças camponesas órfãs e outras que, de um modo
geral, foram menos influenciadas pelo estilo do adulto.
Damos alguns exemplos tomados das autobiografias das
crianças abandonadas. Estes exemplos são óbvios em
relação ao modo como o discurso destas crianças está
muito próximo do seu discurso verbal. Semeon Vekshin,
de quinze anos, escreve:
«Eu tinha então doze anos, o meu irmãozinho
dez anos, e sofríamos porque não tínhamos pai e mãe.
Como eu era o mais velho tinha às vezes de cozer o
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outros que têm pai e mãe são livres e brincam. E assim
trabalhei e sofri até ao ano de 1920.»
Outra criança abandonada escreve:
«Dantes eu tinha pais. Agora fiquei sem eles. É mau
não ter pais. Eu tinha uma casa. Tinha um cavalo e uma
vaca. Agora não tenho nada. Em casa ficaram três ovelhas,
dois porcos e cinco galinhas. Acabei.»
Neste sentido, em geral, quanto mais nova a criança,
mais a sua escrita reflete as características do discurso
infantil e se distancia do discurso dos adultos. Como
exemplos citaremos dois curtos excertos de composições
de crianças: um foi escrito por um rapaz de treze anos,
filho de um trabalhador e o outro por um rapaz de doze
anos, filho de um tanoeiro. O primeiro texto é sobre a
primavera, que se anuncia assim:
«Depois da neve, depois dos sombrios dias de
inverno, o Sol espreitava-nos através da janela com
raios primaveris. A neve começou a derreter e os riachos
corriam por todo o lado e a primavera na sua beleza
aproxima-se e traz-nos alegria. Eis que o mês de maio
chegou e a relva verde despontou, em todos nós surgiu
uma nova alegria.»
Outra composição era sobre o tema «À espera»:
«Na montanha, no penhasco da encosta sobre o
Volga, abriga-se uma cabana de um pescador, negra como
azeviche. Os madeiros apodreceram. O vento espalhou
o telhado de colmo e no interior da cabana soa o grito do
vento. Dentro da cabana esperam a vinda do pescador.
O dia está a chegar ao fim. O ar está frio. No horizonte
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uma mancha, que crescia. Chegou ao penhasco, era um
barco e nele vinha um pescador.»2
Nestas histórias sobressai de um modo claro o sin-
cretismo da escrita da criança. Nelas, a prosa não está
separada da poesia. Algumas frases são rigorosamente
cadenciadas e outras são fundadas num ritmo livre. Esta é
ainda uma história indiferenciada, semiprosa e semipoé-
tica, cuja frequência é habitual nas crianças desta idade.
Citaremos aqui um exemplo composto em prosa. O autor
é um rapaz de doze anos, filho de um operário.
«A maior floresta é a taiga. Os pinheiros altos não
deixam penetrar o sol. É enorme como o mar; por onde
quer que vás há floresta e floresta. Do lago Ladoga até
às montanhas do Ural são 1500 quilómetros. Se entrares
no matagal não sairás de lá. Ali no inverno é frio. A neve
é tanta que não se consegue passar e atravessar e, no
verão, faz tanto calor como aqui. A rapaziada apanha
cogumelos e frutos silvestres, as pessoas só têm medo
dos animais selvagens. A floresta tem linces, ursos,
lobos, alces, etc.»
Neste caso, a tarefa prosaica de descrever a região
florestal ditou à criança uma forma de narração em
prosa. No entanto, os temas emocionais que preocupam
as crianças são por elas transmitidos numa prosa com
2
Estes exemplos da expressão literária infantil, como outras imagens que
apresentamos, foram tomados, na maior parte, do livro do professor
I. M. Solovev – Criação Literária e a Linguagem Infantil da Idade Escolar
[Literaturnoe tvorchestvo i iazyk detei shkol’nogo vozrasta] (1927).
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«Anoitecia, a debulhadora apitava e ouviam-se as
vozes das pessoas. De repente tocou o sino e todos foram
para casa. O silêncio era absoluto. Tudo o que se podia
ouvir era o mugir das vacas e a voz alta do pastor. Quando
ele passou perto da debulhadora deixou cair uma ponta
de cigarro. Deflagrou o fogo e no meio da noite toda a
palha se ateou. Tocou o sino. O povo correu com água
para apagar o fogo. As crianças gritavam e choravam.
Toda a aldeia estava virada do avesso. Depois de apagado
o fogo, todos recolheram a casa, estavam todos desolados
porque tinham perdido o pão.»
Como exemplo da escrita criativa coletiva, citamos
uma história apresentada numa exposição no Instituto
Pedagógico em 1925/1926. Este trabalho é da autoria
de crianças do quinto ano de escolaridade de uma das
escolas de Moscovo, com idades entre os doze e os
quinze anos. Ao todo são sete os autores, seis raparigas
e um rapaz. O rapaz foi o responsável pelo plano geral
e pela redação de todo o trabalho de composição, sob
o tema «A história do vagão número 1243 contada pelo
próprio». Este tema surgiu por iniciativa das próprias
crianças na relação direta com o estudo que fizeram
sobre a indústria.
Neste trabalho coletivo infantil, as crianças mani-
festam todas as características fundamentais da criação
literária infantil: a fantasia combinatória, que atribui
sentimentos e experiências humanas ao material de
que era feito e ao próprio vagão; o registo emocional,
que leva as crianças não apenas a compreenderem e a
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ração emocional e imaginativa a partir de uma forma
verbal externa para a poderem concretizar. É fácil ver-
mos em que medida a criação infantil se alimenta das
impressões que têm a sua origem na realidade externa,
como são elaboradas estas impressões e como isso leva as
crianças a uma compreensão e empatia com a realidade.
No entanto, observa-se também nesta história aquilo
que se pode sublinhar relativamente a todo o trabalho
criativo da criança, principalmente a imperfeição da
sua atividade criadora, isto se a olharmos a partir da
perspetiva das exigências que temos em relação à ver-
dadeira literatura.
«Os trabalhos criativos das crianças», diz G. Révész,
«tanto pelo conteúdo, como pela técnica, são na sua maio-
ria primitivos, imitativos, de valor desigual e desprovidos
do princípio da tensão gradualmente crescente.»
Este trabalho criativo é mais importante para a
criança do que propriamente para a literatura em si
mesma. Seria incorreto e injusto tratar a criança como
se fosse um escritor e exigir dos seus trabalhos o que se
exige ao escritor profissional. A escrita da criança está para
a escrita dos adultos como o jogo da criança está para a
vida. O jogo é necessário para a própria criança, tal como
o é a escrita, antes de mais para o desenvolvimento dos
impulsos do próprio autor; o jogo é necessário também
para o meio em que a criança nasceu e para o qual é diri-
gido. Tal não significa, de modo algum, que a criatividade
da criança deva surgir apenas espontaneamente por
impulso interno, nem que todas as manifestações da arte
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jogar, mas a utilidade objetiva e o significado objetivo do
jogo, do qual a própria criança não se apercebe. Este sig-
nificado, como é sabido, consiste no desenvolvimento e
no exercício de todas as forças e capacidades das crianças.
Do mesmo modo, a escrita criativa das crianças pode ser
estimulada e orientada a partir de fora e deve ser avaliada
a partir do ponto de vista do significado objetivo que tem
para o seu desenvolvimento e educação. Tal como aju-
damos as crianças a organizar os seus jogos, escolhemos
e orientamos a sua atividade lúdica, também podemos
estimular e orientar a reação criativa das crianças. Há
muito que os psicólogos estabeleceram um conjunto de
procedimentos e técnicas que servem um objetivo: o de
induzir experimentalmente a reação criativa da criança.
Para esta finalidade dão-se às crianças tarefas especiais,
ou temas, ou propõe-se uma série de estímulos musicais,
artísticos, tomados da realidade, etc., com o objetivo de
induzir nas crianças a criatividade literária. No entanto,
todas estas técnicas enfermam de uma artificialidade
extrema e todas elas servem um único objetivo, para o
qual foram criadas, quer dizer, o de causar uma reação
nas crianças que possa servir como uma boa matéria de
estudo.
Precisamente no sentido do seu estudo, esta rea-
ção deverá ser evocada através de um estímulo simples
conhecido do psicólogo, para que este possa segurar nas
suas mãos a linha dessa reação criativa. Outras tarefas
completamente distintas oferecem-se à estimulação peda-
gógica da criação infantil. Aqui, a tarefa é diferente, tal
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a possibilidade da criação infantil. Como exemplo pode-
mos referir as revistas ou os jornais de parede infantis.
«O jornal, se for bem organizado», diz Zhurin,
«combina mais capacidades do que qualquer outra ativi-
dade. As mais diversas capacidades das crianças podem
ser aqui aplicadas: as crianças que gostam de pintura
e de desenho pintam e ilustram; as que têm tendência
para a literatura escrevem; os que gostam de organizar,
organizam as reuniões e distribuem o trabalho; os que
gostam de copiar, colar e recortar, e que são muitos, com
gosto se envolvem nestas atividades. Numa palavra, na
conceção de um jornal podemos encontrar aplicação
para as capacidades e interesses das crianças. Os mais
velhos e os mais capazes arrastam atrás de si os menos
hábeis. E tudo isto se realiza naturalmente, sem qualquer
pressão externa. O jornal pode desempenhar um papel
importante no desenvolvimento da linguagem escrita
da criança. É bem sabido que o trabalho que as crianças
realizam com interesse e de livre vontade traz melhores
resultados do que quando são obrigadas a fazê-lo.»
O maior valor da revista, em certa medida, reside
no facto de ela aproximar a escrita criativa da criança da
sua própria vida. As crianças começam a compreender
porque têm as pessoas necessidade da escrita. A escrita
torna-se para elas uma atividade com sentido e uma
tarefa imprescindível. Os jornais de parede escolares têm
a mesma ou maior importância, permitem também juntar
no esforço coletivo o trabalho de diferentes tendências
infantis, ou tardes criativas, e semelhantes formas de
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dade da criança é o sincretismo, isto é, a forma em que não
se distingue ainda a poesia e a prosa, a narrativa e o texto
dramático. Deste modo, falamos do sincretismo literário
das crianças que não distinguem os géneros artísticos.
Mas existe ainda um sincretismo mais amplo, que consiste
sobretudo na ligação de diferentes modalidades artísticas
numa única ação artística. A criança inventa, compõe e
imagina tudo aquilo de que fala, como acontecia com as
crianças mencionadas por Tolstoi.
A criança desenha e fala ao mesmo tempo sobre
o que está a desenhar. A criança dramatiza e compõe o
discurso para a sua personagem. Este sincretismo aponta
para a raiz comum a partir da qual se separaram todos os
géneros da arte infantil. Esta raiz comum é representada
pelo jogo infantil que serve de etapa preparatória para
a criatividade artística. Mas mesmo quando, desta raiz
comum do jogo sincrético geral, se diferenciam formas
independentes, mais ou menos autónomas da criação
das crianças, como o desenho e a dramatização da com-
posição escrita, mesmo nessa situação, cada uma das
formas não se autonomiza completamente das outras,
antes absorve e assimila ativamente os elementos das
outras formas.
Numa das características da criação infantil encon-
tramos o traço do jogo a partir do qual ela procede.
A criança raramente trabalha durante muito tempo sobre
a sua própria obra, na maioria das vezes completa-a num
único momento. O esforço criativo infantil lembra, neste
caso, o jogo que surge a partir da urgente necessidade da
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no facto de, tanto na criação literária infantil como nos
jogos, na sua base, a criança ainda não ter cortado os
laços com os seus interesses e a sua experiência pessoal.
Bernfeld investigou as novelas escritas por adolescentes
dos catorze aos dezassete anos. Em todas elas, como
refere o autor, há uma marca profunda da vida privada
dos autores, algumas representam uma autobiografia
disfarçada, outras modificam em grande medida a base
íntima da narrativa, mas não tanto que ela se perdesse
completamente do seu trabalho. Baseando-se neste sub-
jetivismo da criação infantil, muitos autores inclinam-se
para a afirmação de que já na infância podemos distinguir
dois tipos de escrita: a escrita subjetiva e a escrita objetiva.
Parece-nos que estas duas características da escrita infantil
podem ser encontradas durante o período de transição, na
adolescência, pois são o reflexo do ponto de viragem que a
criatividade imaginativa infantil experiencia na passagem
do tipo subjetivo para o objetivo. Em certas crianças, os
traços do passado podem ser mais expressivos; noutras,
serão mais marcados os traços da imaginação futura.
Não há dúvida de que este facto está diretamente
ligado às características individuais de uma determinada
criança. Tolstoi identificava-as por referência aos dois
tipos que correspondem à imaginação plástica e emo-
cional, definidas por Ribot. A sua personagem Semka
destacava-se pelo tipo de criatividade plástica. A sua
narrativa caracterizava-se pelo modo como construía a
descrição artística, em que os pormenores mais verda-
deiros se sucediam uns aos outros.
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se tornavam em carvão quando a velha os atirava para
a lareira.» A sua imaginação reproduzia e combinava as
imagens visuais exteriores e construía a partir delas um
quadro novo. Fedka criava combinando de modo geral os
elementos emocionais e juntava-lhes as imagens externas.
Ele «via apenas aqueles pormenores que evocavam nele o
sentir com que olhava para um rosto familiar». As impres-
sões que selecionava, na base de uma emoção comum,
eram apenas aquelas impressões que correspondiam à
emoção predominante que o dominava: o sentimento de
pena, de compaixão e comoção. Alfred Binet chamou a
estes dois tipos o «observador» e o «imaginativo» e con-
siderou que estes dois tipos poderão ser encontrados, em
igual proporção, entre os artistas e os homens de ciência,
como entre os adolescentes. Binet estudou os produtos
da criatividade artística de duas raparigas de onze e doze
anos e meio, uma das quais era do tipo criativo objetivo
e a outra do tipo subjetivo.
O professor Solovev, ao analisar a criação de dois
adolescentes, mostrou em que medida a pertença a um ou
a outro tipo define todos os pormenores e as particulari-
dades do discurso da criança. Isto reflete-se na escolha dos
epítetos, isto é, das definições, tanto das próprias imagens
como dos sentimentos com os quais elas estavam imbuí-
das. Eis algumas das imagens dos epítetos que encontrá-
mos na criação artística de raparigas (artistas objetivas):
a neve é fofa, branca, argêntea e limpa. Uma violeta é
azul, uma borboleta colorida, as nuvens são ameaçadoras,
mãos geladas, as espigas douradas, o bosque bem cheiroso,
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
não se passa com a outra rapariga. Os seus epítetos, face
a toda a sua expressividade e visualidade, são sobretudo
emocionais: a tristeza sem esperança e os pensamentos
negros e sombrios, como um corvo.
Resta concluir. Quem observar com cuidado a cria-
ção literária da criança poderá perguntar-se: qual é o
sentido da criação literária se não for capaz de alimentar
na criança um futuro escritor, um criador, ou se não for
mais do que apenas um curto e episódico fenómeno
no desenvolvimento do adolescente, que mais tarde se
desvanece e, por vezes, desaparece completamente?
O sentido e a importância desta criação literária residem
no facto de ela permitir à criança fazer uma viragem brusca
no desenvolvimento da imaginação criativa, imprimindo
uma nova direção à sua fantasia que permanecerá para
o resto da sua vida. O seu sentido reside no facto de ela
aprofundar, alargar e purificar a vida emocional da criança,
que é despertada e sintonizada, pela primeira vez, para o
lado sério, e a ela se dispõe; por último, o seu significado
reside no facto de que a criatividade, ao exercitar as suas
tendências criativas e hábitos, permite à criança dominar
a linguagem humana, a ferramenta mais subtil e complexa
de transmissão do pensamento e dos sentimentos huma-
nos, o mundo interior do homem.
A CRIATIVIDADE TEATRAL
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NA IDADE ESCOLAR
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Na forma dramática é expresso, de modo claro, o
ciclo completo da imaginação sobre o qual falámos no
primeiro capítulo. Aqui, a imagem, criada a partir de ele-
mentos da realidade, concretiza-se e encarna de novo a
realidade, apesar da sua forma condicional; o anseio para
a ação e a concretização da realização, que está presente
no próprio processo da imaginação, encontram aqui a
sua plena realização. A criança, que pela primeira vez vê
um comboio, dramatiza a sua representação: martela e
joga imitando ser a própria locomotiva, apita, tentando
repetir o que viu. E esta dramatização das impressões
sobre o comboio dá à criança um enorme prazer. A autora
que acabámos de citar refere-se a um rapaz de nove anos
que, depois de ver escavadoras,
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e aqui as folhas». A criança levanta lentamente os braços
mexendo os dedos. «Vês? O vento sopra e abana-me». E a
«árvore» começa a inclinar-se e a agitar os seus dedos-folhas.
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tes para demonstrar até que ponto as representações
infantis têm as suas raízes na ação. O jogo é a escola de
vida da criança, que a educa espiritual e fisicamente.
O seu significado é enorme para a formação do caráter
e para o amadurecimento da mundividência do futuro
adulto. Podemos considerar o jogo a primeira forma
de dramatização, caracterizada por uma significativa e
valiosa qualidade que une o ator, o espectador, o autor
da peça, o cenarista e o técnico numa única pessoa. Nela,
a criatividade da criança assume um caráter de síntese:
os seus poderes, intelectual, emocional e volitivo, são
estimulados diretamente pela força da própria vida sem
nenhuma tensão excessiva do seu psiquismo.»
Alguns pedagogos estavam terminantemente con-
tra a criação teatral das crianças. Eles apontavam para o
perigo desta modalidade expressiva no desenvolvimento
precoce da vaidade infantil e para a natureza não natural
do teatro, etc. E, na verdade, as atividades teatrais que
tentam reproduzir as formas do teatro adulto são pouco
conformes e recomendáveis para a criança. Partir do texto
literário, memorizar palavras de outras pessoas, que nem
sempre coincidem com o entendimento da criança e com
os seus sentimentos, constrange a criatividade infantil
e torna a criança num mero transmissor do texto e das
palavras de uma outra pessoa. É por isso que as peças
escritas pelas próprias crianças, ou criadas e improvisa-
das por elas, estão mais próximas do seu entendimento.
Aqui podemos incluir as mais variadas formas e dife-
rentes graus do texto literário, elaborado e trabalhado
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serão obrigatoriamente desajeitadas e menos literárias
do que as peças já concretizadas e escritas pelos adultos,
mas terão a grande vantagem de terem sido realizadas a
partir do trabalho criativo das próprias crianças. É neces-
sário não esquecer que a lei básica da criatividade infantil
demonstra que o seu valor se baseia não nos seus resulta-
dos, não no produto da criação, mas no próprio processo.
O que é importante não é o que as crianças criaram mas o
que elas criam e fazem exercitando a imaginação criativa e
a sua implementação. Numa verdadeira produção infan-
til, tudo, desde o pano de cena ao desenrolar do drama,
deve ser feito pelas mãos e pela imaginação das próprias
crianças. Apenas deste modo a representação dramática
adquire o seu pleno significado e poder para a criança.
Como já foi dito, em torno da representação criam-se
então, e organizam-se, as diferentes formas da criativi-
dade infantil: técnica, cénica e artística, verbal e dramá-
tica, no sentido pleno da palavra. O valor intrínseco dos
processos criativos da criança revela-se principalmente
no facto de os momentos instrumentais, como, por exem-
plo, o trabalho técnico de preparação da cena, assumirem
para a criança um significado de modo algum menor do
que a própria peça e a sua representação em cena. Petrova
descreve a realização de uma peça de teatro na escola e
o interesse manifestado pelas crianças pela parte técnica
do trabalho relacionado com a encenação da peça.
«Para se abrir buracos», diz ela, «precisamos de um
instrumento, que nem sempre se encontra no inventário
instrumental escolar – como é o caso de um berbequim.
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
momento importante na vida do próprio grupo: as
crianças fizeram buracos em cubos grossos e em pranchas
de madeira, que depois ligavam com paus em diversas
combinações. Dos buracos nasceram florestas, jardins
e cercas. O berbequim, aos olhos das crianças, era um
género de milagre da técnica…»
Tal como na obra teatral, é necessário disponibilizar
o material às crianças para produzirem toda a construção
do espetáculo; impor às crianças um texto de outra pes-
soa conduz a um desalento mental; do mesmo modo, o
objetivo e o caráter principal da peça devem ser próximos
e compreensíveis para as crianças. Elas ficarão confusas
e inibidas num palco por todas as formas exteriores do
teatro dos adultos, se diretamente transferidas para a
cena infantil; a criança é um mau ator para as outras
crianças, mas é um excelente ator para si próprio; por
isso, todo o espetáculo deve ser organizado de tal modo
que as crianças sintam que atuam para si próprias e
sejam envolvidas pelo próprio interesse do enredo da
peça, pelo próprio curso das coisas e não pelo resultado
final. A grande recompensa é o prazer que o espetá-
culo em si providencia à criança a partir da sua própria
preparação, do próprio processo do jogo dramático, e
não do êxito ou aprovação e dos aplausos dos adultos.
Do mesmo modo como as crianças, ao escreverem
uma peça literária, devem compreender por que o fazem
e estar cientes do objetivo subjacente à escrita, assim tam-
bém na produção teatral desenvolvida por elas devem
ter um objetivo bem definido.
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ilustrar este ou aquele aspeto da Revolução ou de um
evento extraordinário, ou a dramatização do trabalho
realizado no semestre anterior; todo o teatro dos Pionei-
ros, ao mesmo tempo que visa este objetivo, não pode
renunciar à sua função como educação estética; todo o
teatro dos Pioneiros, além do seu sentido e propósito
propagandístico, deve definitivamente conter em si
alguns aspetos de criação artística.»
Próximo do teatro da criança, como forma expres-
siva, encontra-se o contar das histórias, ou seja, a sua
expressão criativa oral, verbal e a dramatização, no
sentido mais estrito da palavra. O pedagogo e educador
A. V. Chicherin descrevia uma das produções infantis do
seguinte modo:
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Este espetáculo-jogo está muito próximo da dra-
matização, tão perto que, com frequência, as fronteiras
entre um e outro se desvanecem completamente. Sabe-
-se que alguns pedagogos introduzem as dramatizações
e o jogo dramático como método de ensino. Esta forma
ativa de expressão através do próprio corpo corresponde
à natureza motora da imaginação plástica da criança.
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O desenho, como já referimos, é a forma preferen-
cial da atividade criativa das crianças na idade precoce.
«À medida que a criança vai crescendo e se aproxima do
período da adolescência, de um modo geral, começa a
desvanecer e a arrefecer o seu interesse pelo desenho.»
Herman Lukens, ao escrever sobre os resultados das
investigações que realizou sobre desenho infantil, rela-
ciona este desinteresse com a idade entre os dez e os
quinze anos. Depois desta atenuação do interesse, o gosto
para o desenho é novamente retomado na idade entre
os quinze e os vinte anos. No entanto, este renascimento
da criatividade plástica surge apenas nas crianças com
manifesto talento artístico. Quando o desinteresse surge,
a maioria das crianças deixa de desenhar para o resto
da vida e os desenhos de um adulto que não desenha
regularmente não são muito diferentes dos desenhos
das crianças de 8-9 anos, a idade em que o gosto pelo
desenho esmoreceu. Estes dados demonstram que, na
idade a que fazemos referência, a atividade do desenho
deixa de interessar a criança que, em geral, a abandona.
Barnes, que estudou mais de 15 000 desenhos, concluiu
que esta quebra de interesse surge entre os treze e os
catorze anos.
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desenhar completamente têm mais de treze anos. Outras
investigações nestas áreas mostram que, aos treze anos,
isto é, na puberdade, as crianças passam por uma trans-
formação dos seus ideais.»
Este enfraquecimento do gosto das crianças em
relação ao desenho, na sua essência, oculta a transição da
capacidade no desenho para um estádio novo e superior
do seu desenvolvimento, apenas acessível às crianças
quando elas se encontram em condições de estimulação
favoráveis, como, por exemplo, a aprendizagem do dese-
nho na escola, ou de terem acesso a modelos artísticos
em casa ou de possuírem um talento especial para esta
modalidade artística. Para se compreender este ponto
de viragem em relação ao desenho infantil, que ocorre
neste período, convirá salientar em traços muito gerais
as características principais do desenvolvimento do
desenho infantil. Georg Kerschensteiner desenvolveu
estudos sistemáticos sobre o desenho infantil e divide
todo o trajeto do desenvolvimento do desenho infantil
em quatro níveis.
Se ignorarmos o estádio da garatuja, dos traços
aleatórios no papel, informes, de elementos separados, e
considerarmos imediatamente o estádio em que a criança
começa a desenhar na verdadeira aceção da palavra,
encontraremos a criança na primeira etapa, ou seja, no
estádio do esquema. Neste estádio, a criança representa
de modo esquemático o objeto, muito pouco conforme à
imagem real desse objeto. No desenho da figura humana
a criança incluirá a representação de uma cabeça, pernas,
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
humana chamamos «cabeças de duas pernas», quer dizer,
seres esquemáticos que a criança desenha em vez de
figuras humanas. Corrado Ricci, investigador do desenho
infantil, perguntou em certa ocasião a uma criança que
desenhou a tal cabeça com duas pernas:
«– O teu desenho só tem cabeça e pernas?
– Claro – respondeu a criança –, é o que lhe chega
para ver, andar e passear.»
A característica essencial deste estádio é a circuns-
tância de a criança desenhar de memória e não a partir
da natureza. Um psicólogo pediu a uma criança que
desenhasse a sua mãe, que estava sentada mesmo à sua
frente; verificou por observação direta que a criança
desenhava a mãe sem olhar para ela uma única vez. No
entanto, não apenas as observações diretas mas também
a análise do desenho revelaram que a criança desenha
de memória. Ela desenha o que sabe sobre as coisas, o
que nelas considera essencial e não o que vê ou o que,
por conseguinte, para si imagina das coisas a desenhar.
Quando uma criança desenha um cavaleiro montado de
perfil num cavalo, desenha de modo claro as duas pernas
do cavaleiro, embora para o observador, a partir daquele
ponto, seja visível apenas uma perna.
«Se ela quer desenhar um homem vestido», diz
Bühler, «então procede como se estivesse a vestir uma
boneca: em primeiro lugar, desenha-o nu, depois
veste-o; deste modo, todo o corpo é transparente e, no
bolso, pode ver-se um porta-moedas e, dentro deste,
as moedas.»
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
a criança desenha uma pessoa vestida, desenha as per-
nas debaixo da roupa, que não vê. Uma outra prova
clara do facto de nesta idade a criança desenhar de
memória é a incongruência e a inverosimilhança do
desenho infantil. As partes maiores do corpo humano,
como por exemplo o tronco, estão frequentemente
ausentes do desenho, as pernas crescem diretamente
a partir da cabeça e, por vezes, também os braços; os
membros do corpo são frequentemente unidos de um
modo completamente diferente daquele que a criança
observa quando olha para o corpo de alguém que está
perto de si. Os desenhos que se encontram no apêndice
deste livro mostram a representação esquemática do
homem, nos quais se vê de modo claro o que envolve um
bosquejo esquemático. James Sully refere justamente a
propósito deste estádio:
«Reconhecer que a criança de 3-4 anos não é capaz
de desenhar uma representação da face humana melhor
do que o faz na realidade parece absurdo. Não há dúvidas
sobre isto; de facto, o desenho da figura humana sem
cabelo, orelhas, torso e mãos está muito aquém do que
a criança sabe e conhece. Como se explica? Eu explico-o
com o facto de que o pequeno artista é mais simbolista
do que naturalista, não está minimamente preocupado
com a semelhança precisa, deseja apenas representar
os indícios superficiais.» É obvio que esta pobreza nos
pormenores é resultado também das limitações técnicas.
Uma cabeça redonda com duas linhas de suporte corres-
ponde ao que a criança pode desenhar com facilidade
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terísticas estáveis e fundamentais dos objetos. Quando
a criança desenha, desenha o que sabe sobre o objeto e
não o que vê. Por isso, a criança desenha mais do que
ela própria vê. Com frequência, pelo contrário, deixa de
fora muito do que indubitavelmente vê, porque para ela
não é o elemento essencial para o objeto considerado.
Os psicólogos concluíram unanimemente que neste está-
dio o desenho da criança é como uma narração gráfica,
ou, melhor dizendo, é o relato gráfico sobre o objeto que
está a representar.
Diz Bühler: «Quando se pede a uma criança de sete
anos para descrever um cavalo, o que ocorre é a mesma
enumeração de pormenores do corpo tal como no ato de
desenhar: o cavalo tem uma cabeça e uma cauda, duas
pernas à frente e duas atrás, etc. Por isso, o desenho por
memória é entendido como narrativa gráfica.»
De facto, podemos encontrar para nós uma expli-
cação para estas coisas no seguinte: quando a criança
está a desenhar, pensa no objeto que está a desenhar
como se estivesse a descrever o objeto para si própria.
Na sua descrição verbal, ela não está cingida estrita-
mente à continuidade temporal ou espacial do objeto e
pode assim, dentro dos limites de referência do objeto,
considerar algumas partes isoladas ou então omiti-las e
saltar por cima delas: por exemplo, um coelho tem uma
cabeça grande e duas patas muito curtas, brancas como
neve, dedos e um nariz vermelho. Se a mão do pequeno
pintor for conduzida ingenuamente ou, com mais preci-
são, orientada acriticamente por esta descrição simples
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
mãos e o nariz pode ocupar o centro da cabeça redonda.
Isto é precisamente o que, de facto, se pode observar em
muitos dos desenhos de crianças.
O seguinte estádio é designado como o estádio da
forma e da linha. A criança, gradualmente, desenvolve
a necessidade de não apenas nomear características
concretas do objeto descrito, mas igualmente transmitir
as relações formais dos objetos. Neste segundo estádio
do desenvolvimento do desenho infantil observa-se
uma mistura da representação formal com a represen-
tação esquemática; os desenhos são ainda «desenhos-
-esquemas», mas neles detetam-se já os primórdios da
verdadeira representação e semelhança com a realidade.
Este estádio não pode, com certeza, ser separado abrup-
tamente do estádio anterior; no entanto, é portador de
um maior número de pormenores, numa busca atenta
e mais realista da representação e inserção no desenho
das diferentes partes do objeto: as faltas gritantes, como,
por exemplo, a omissão do tronco, deixam de existir; o
desenho na sua globalidade aproxima-se já da imagem
atual do próprio objeto.
O terceiro estádio, segundo Kerschensteiner, é o
estádio da representação realística, no qual o esquema
desaparece totalmente dos desenhos das crianças.
O desenho tem agora a forma de uma silhueta ou con-
torno. A criança não transmite ainda a ideia da pers-
petiva, a plasticidade do objeto, que é desenhado no
plano, mas, em geral, a criança dá à sua representação
uma verosimilhança real. «São poucas as crianças», diz
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
se encontram em alguns casos excecionais. A partir
dos onze anos começa a ser possível identificar uma
percentagem determinada de crianças que possuem
um certo talento para a representação tridimensional
dos objetos.»
No quarto estádio da representação plástica, algu-
mas partes dos objetos são representadas de um modo
expressivo com a utilização da luz e da sombra; surge a
perspetiva, sugerem-se os movimentos e mais ou menos
a impressão plástica e tridimensional do objeto.
De modo a distinguir melhor os matizes destes
quatro estádios e seguir a evolução gradual por que
passa o desenho infantil, damos alguns exemplos.
Consideramos quatro exemplos sequenciais de repre-
sentações de elétricos. O primeiro desenho [Apên-
dice, Figura 8] é um esquema puro: alguns círculos
irregulares, que representam as janelas, e duas linhas
alongadas, que representam o próprio vagão. É tudo
o que a criança desenhou ao transmitir o desejo de
representar a carruagem do elétrico. No próximo dese-
nho [Apêndice, Figura 9], segue igualmente o esquema
puro, apenas as janelas estão distribuídas ao longo dos
lados do elétrico; transmite uma ideia mais verdadeira
da relação formal entre as partes. O terceiro desenho
[Apêndice, Figura 10] é uma representação esquemá-
tica do elétrico com a enumeração pormenorizada das
diferentes partes e dos pormenores: veem-se pessoas,
assentos, rodas, mas tudo continua ainda no registo do
desenho esquemático [Apêndice, Figura 11]. Por fim,
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aparência real do objeto. As características dos quatro
estádios do desenvolvimento do desenho das crianças
acentuam-se mais quando elas realizam representações
da figura humana ou de um animal, aliás, dois dos
temas favoritos das crianças [Apêndice, Figuras 1-6].
Nos primeiros desenhos vemos puras representações
esquemáticas da figura humana, limitadas por vezes à
representação de duas ou três partes do corpo. A pouco
e pouco, este esquema vai sendo enriquecido com certos
pormenores e surge então o desenho em «raio-X», muito
mais pormenorizado.
No segundo estádio encontramos novamente um
tipo de representação esquemática em «raio-X», como
pode ser visto de modo claro no desenho de um rapaz de
dez anos, que desenhou o pai vestido com um uniforme
de condutor de elétrico [Apêndice, Figura 7]. O tronco
e as pernas podem ser vistas através da roupa, o boné
tem um número e o casaco tem duas filas de botões. Mas
apesar da riqueza dos pormenores o desenho continua no
primeiro estádio do esquema puro. No segundo estádio,
na combinação do esquema e da representação formal,
vemos uma tentativa para representar de um modo
mais realístico a imagem do objeto. Estamos perante a
combinação do esquema com a aparência e a forma real
do objeto. Neste caso vemos um desenho feito por uma
criança de dez anos. O desenho representa o pai e a mãe
da criança. Nestas figuras é muito fácil discernir os traços
da representação esquemática, mas as figuras são já domi-
nadas pela representação formal do objeto. Por fim, os
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dade e do balanço, a criança torna-se realista; desenha o
que vê, transmite a ideia de postura e de movimento e
considera o ponto de vista do observador; o esquema no
seu desenho está agora completamente ausente.
Finalmente, no quarto estádio, a representação
plástica (tridimensional) tem em conta a forma do objeto
representado. Um exemplo disto é o desenho do rapaz a
dormir [Apêndice, Figura 18]. Este desenho foi feito por
um rapaz de treze anos.
Os mesmos quatro estádios podem ser observados
na representação dos animais, o que demonstra clara-
mente que a diferença na representação não resulta do
conteúdo e da natureza do tema do desenho, mas, ao
invés disso, está ligada à evolução experimentada pela
própria criança.
A primeira figura [Apêndice, Figura 19] representa
um cavalo que em vez de uma cabeça de cavalo tem uma
cara de pessoa. Neste primeiro estádio, as crianças dese-
nham todos os animais do mesmo modo. Os esquemas
de representação do gato, do cão e frequentemente da
galinha não se distinguem entre si. De modo constante e
esquemático, a criança desenha invariavelmente o tronco
e as pernas. Na nossa imagem, a cabeça tem definitiva-
mente um aspeto humano, apesar de pertencer a um
cavalo. No segundo estádio a criança continua o esquema
de um cavalo, junta-lhe alguns traços, que correspondem
ao aspeto real do cavalo, por exemplo, no tratamento
da forma típica da cabeça e do pescoço. O desenho da
criança de um cavalo distingue-se já do desenho do gato
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
sionais, mas já com uma representação realista do cavalo,
e só no quarto estádio, como se pode ver [Apêndice,
Figura 20], a criança representa a imagem do cavalo
em perspetiva. Só então a criança desenha o que vê.
À primeira vista é paradoxal a conclusão que se pode
tirar daqui quando consideramos estes quatro estádios.
Esperar-se-ia que o desenho por observação fosse mais
fácil do que o desenho por memória. No entanto, as
experiências e a análise dos dados disponíveis mostram
que o desenho de observação, a representação real do
objeto, é apenas um estádio superior e mais concluído
do desenvolvimento do desenho infantil; é um estádio
que apenas algumas crianças alcançam.
Como pode explicar-se tudo isto?
Recentemente, o investigador do desenho das crian-
ças, o professor Bakushinsky1, ensaiou uma explicação
para este fenómeno, dizendo que o primeiro período
do desenvolvimento da criança, de acordo com esta
explicação, põe no plano da sua perceção do mundo
que a circunda a forma de orientação motora e tátil.
Estas formas de orientação são primárias em relação às
impressões visuais. A perceção visual subordina-se a
1
Anatoli Vassilevitch Bakushinsky (1883-1939), professor da Universi-
dade de Moscovo, organizador da Academia das Artes, conservador
da Galeria Tretyakov. Foi impulsionador dos estudos em pedagogia nos
museus de arte nos anos vinte. Pela primeira vez, na Rússia, estudou
o problema da relação entre a pedagogia das artes e as capacidades
criativas da criança, propondo uma teoria do desenvolvimento estético
e artístico. (N. T.)
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
como os produtos da sua criação podem ser compreendi-
dos e explicados, no todo e nas suas partes, como relação
entre as dimensões motora-tátil e visuais da perceção do
seu mundo. A criança é um ser de movimentos reais e
espontâneos. Ela cria as ações reais. Antes de tudo, está
interessada no processo de agir e não no resultado da
ação. Prefere mais fazer coisas do que imaginá-las. Se pos-
sível, tenta utilizá-las de um modo utilitário, sobretudo
através do jogo, mas é indiferente, ou quase indiferente
em relação à sua contemplação, sobretudo durante um
longo período de tempo. Durante este tempo, as ações
da criança têm uma tonalidade emocional muito forte.
A ação física domina o processo analítico da consciência.
Os produtos criativos caracterizam-se por serem extre-
mamente esquemáticos e, em geral, representam aspetos
simbólicos genéricos das coisas. As suas alterações e
ações não se reproduzem; refere-se a elas por palavras
ou mostra-as no jogo.»
A direção principal da evolução da criança consiste
num incremento crescente do papel da visão no domínio
do mundo. A partir da sua posição inicial de subordi-
nação torna-se gradualmente dominante e os sistemas
comportamentais motrizes e táteis subordinam-se ao
sistema visual. Durante o período de transição verifica-
-se uma luta entre duas disposições antagónicas do
comportamento da criança, que termina com a vitória da
disposição visual pura da perceção do mundo.
«O novo período está relacionado com o enfraque-
cimento da atividade física exterior», diz Bakushinsky, «e
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
e da adolescência. O papel dominante na perceção do
mundo e representação criativa desta perceção é agora
balizado pelos órgãos da visão. O adolescente torna-
-se mais e mais visual, olha agora o mundo através de
vários aspetos, experimenta-o mentalmente como um
fenómeno complexo e perceciona nesta complexidade
não tanto a variedade e a presença das coisas, tal como
ocorreu no período anterior, mas a globalidade de rela-
ções entre as coisas e suas alterações.»
A criança interessa-se pelo processo, não tanto com
o processo da própria atividade, mas com o processo
decorrente no mundo exterior.
Nas artes visuais, neste período, o adolescente tende
para uma forma ilusória e naturalista da representação.
Ele quer fazer as coisas tal como estas são na realidade;
o aparelho visual permite-lhe dominar os métodos da
representação do espaço através do uso da perspetiva.
Vemos assim que a passagem para a nova forma
de desenhar está relacionada neste período com as
alterações profundas que ocorrem no comportamento
do adolescente. É interessante analisar os dados de
Kerschensteiner em relação à frequência em que ocor-
rem os quatro estádios. Vimos que o quarto estádio
de Kerschensteiner apenas se inicia quando a criança
tem onze anos, ou seja, exatamente na idade em que,
segundo a maioria dos autores, ocorre nas crianças o
desalento e a perda de interesse pela arte de desenhar.
É evidente, como já referimos anteriormente, que esta-
mos aqui a falar de crianças particularmente talentosas,
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
espontânea, voluntária, ou seja, uma ação espontânea
da criatividade infantil torna-se antes numa criatividade
associada à habilidade, com determinadas capacidades
criativas e a mestria do uso dos materiais, etc. A partir
dos dados proporcionados pelo autor pode fazer-se
uma ideia da distribuição relativa dos quatro estádios
em relação às idades: vemos que todas as crianças de
seis anos se encontram no primeiro estádio, do puro
esquema. A partir dos onze anos este estádio é menos
comum à medida que o desenho melhora e, no início
dos treze anos, surge o verdadeiro desenho no sentido
mais pleno do termo.
F. Levinstein [citado por Volkelt, 1930]2, outro
investigador que estudou o desenho infantil, obteve
dados muito interessantes que mostram como a criança,
em diversas idades, inclui os vários pormenores numa
representação esquemática da figura humana.
Vemos assim que o tronco está presente em cerca
de 50% dos desenhos de crianças de quatro anos e 100%
nas de treze anos; as pálpebras e as sobrancelhas estão
em 92% dos desenhos das crianças de treze anos, e nove
vezes menos nas de quatro anos. A conclusão geral a que
podemos chegar, observando estes dados, é a seguinte:
as pernas, cabeça e mãos encontram-se nos estádios mais
precoces do desenho infantil, as outras partes do corpo,
pormenores e roupa, crescem à medida que aumenta a
idade.
2
Hans Volkelt, Die Prinzipien der Raumdarstellung der Kindes, 1930. (N. T.)
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
estimulá-la, dar-lhe significado, cultivá-la nos adoles-
centes, ou deveremos pensar que esta forma de criati-
vidade morre naturalmente na fronteira deste período
de transição?
Eis como uma adolescente avalia os resultados do
seu trabalho no ateliê de educação artística, orientada
por Sakulina3:
«Agora as cores dizem-me alguma coisa. A forma
como elas se combinam causa em mim um determinado
estado de espírito. As cores e o desenho explicam o con-
teúdo da pintura, o seu sentido, e então a minha atenção
concentra-se principalmente pelo modo de agrupamento
dos objetos, que igualmente cria uma determinada orga-
nização na pintura e, de igual modo, a luz e a sombra dão
muita vida à pintura. Eu estou muito interessada nesta
luz. Quando desenho a partir da natureza tento sempre
transmiti-la o mais possível, porque com ela tudo se torna
mais vivo; mas é muito difícil representar a luz.»
No desenvolvimento da criatividade artística
infantil, incluindo as artes visuais, deve observar-se o
princípio da liberdade como condição essencial de toda
a criação. Isto quer dizer que as atividades criativas das
crianças não podem ser nem obrigatórias nem impostas
e devem surgir apenas a partir dos interesses da própria
criança. Por isso, o desenho no período de transição não
3
O trabalho desta autora e dos seus seguidores está incluído na coletâ-
nea de textos A Arte na Escola Profissional [Iskusstvo v trudovoi shkole],
Moscovo, 1926.
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
um significado cultural de enorme importância. Como
foi dito no comentário acima citado, quando as cores e o
desenho começam a dizer alguma coisa ao adolescente,
ele domina uma nova linguagem que alarga os seus
horizontes, aprofunda os sentimentos e lhe transmite na
linguagem das imagens o que através de um outro modo
não poderia ter sido trazido à sua consciência.
Dois problemas importantes estão relacionados
com o desenho na idade da transição (adolescência), aos
quais daremos atenção ao terminar. O primeiro reporta-
-se ao facto de que para o adolescente não basta o mero
exercício da imaginação criativa, deixa de o satisfazer o
desenho feito de qualquer modo. Para a concretização da
sua imaginação criativa, o adolescente necessita agora de
adquirir hábitos e competências artísticas profissionais.
Ele deve aprender a dominar o material, método
específico de expressão providenciado pela pintura. Só
pelo cultivo deste domínio do material poderemos pro-
porcionar o desenvolvimento do desenho da criança no
caminho adequado à sua idade. Vemos, deste modo, o
problema em toda a sua complexidade. Este problema é
constituído por duas partes: por um lado, é necessário
cultivar a imaginação criativa; por outro lado, é necessá-
rio o desenvolvimento especial de conhecimentos para
o processo de concretização das imagens criadas pela
imaginação. Apenas quando estes aspetos estiverem
suficientemente desenvolvidos, a criança poderá progre-
dir adequadamente e revelar o que de facto esperamos
dela. Outra questão relacionada com o desenho nesta
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
crianças na área da gravura. Neste processo de criação,
as crianças produziram uma gravura que exigia deles o
domínio de uma série de processos técnicos envolvidos
na sua preparação e impressão.
«O processo de impressão», diz a autora, «motivou o
interesse das crianças, sobretudo no processo de entalhe,
corte. Depois de realizadas as primeiras impressões, o
número de participantes neste ateliê cresceu conside-
ravelmente.»
A gravura transformou-se para a criança num
objeto, não apenas de criação artística, mas igualmente
de criação técnica. Com frequência, devido às particula-
ridades da sua técnica, a gravura foi usada para outros
objetivos não artísticos. As crianças produziram títulos,
anúncios, carimbos; usaram a técnica da gravura nos
jornais de parede, prepararam ilustrações para as ciên-
cias naturais e as ciências sociais, estabelecendo novos
diálogos no seu trabalho com a atividade tipográfica.
A autora, com toda a razão, conclui:
«O interesse manifestado pelos adolescentes pela
atividade técnica torna evidente que o método mais
adequado para captar a sua atenção para esta técnica pro-
dutiva consiste em envolver neste processo a criatividade
artística pessoal.» Esta síntese entre o trabalho artístico e
o produtivo corresponde cabalmente à criatividade da
criança neste período. As duas gravuras referidas pela
autora na sua obra, representando um moinho e um
camponês, mostram até que ponto podem ser complexos
os processos técnicos e criativos quando se fundem.
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
os exercícios criativos é, invariavelmente, o mais valioso
dos métodos que o pedagogo dispõe para esta idade.
Labunskaia e Pestel descreveram assim a experiência de
trabalho no âmbito da produção artística.
«Que importância pode ter», perguntam os autores,
«a produção artística para as crianças no período de tran-
sição e, mais difícil ainda, no sentido artístico-pedagógico
no período dos 13-14, 15 anos, quando mesmo os mais
dotados parecem contagiar-se pela ideia: “Não conse-
guimos fazer isto como deve ser; como não sabemos,
não vale a pena fazer.” A educação artística continuada
pode ajudá-los a manter a motivação para a criação e
para o domínio dos materiais através do envolvimento
na produção artística. O lápis, o barro e as tintas, quando
são usados nos projetos artísticos, tornam-se aborrecidos.
Os novos materiais e os novos projetos utilitários darão
um novo ímpeto à criatividade. Se em idade mais precoce
a superação das dificuldades técnicas inibiam e minimiza-
vam os esforços criativos, agora o contrário é verdadeiro:
determinadas limitações, as dificuldades técnicas, como a
necessidade de usar o poder inventivo dentro de certos
limites, tornam mais importante a atividade criativa –
daqui o valor e a importância da orientação vocacional
para produção.»
A importância do fator técnico, com o qual se deve
munir a criatividade, para que seja possível neste período,
revela-se evidente quando temos em atenção ser este o
fator que faculta à criança a forma mais exequível para o
trabalho criativo. Os autores dizem, com toda a razão, que
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bandeiras, os cartazes, os adereços do teatro, os jornais
de parede, etc.). Os autores, na sua experiência, utiliza-
ram os bordados, a pintura em madeira, os padrões na
tela, os brinquedos, a costura e a carpintaria. Todas estas
experiências conduziram a um mesmo resultado positivo:
ao mesmo tempo que houve um desenvolvimento das
capacidades criativas das crianças, ocorreu também o
desenvolvimento das capacidades técnicas. O próprio
trabalho adquiriu outro sentido e tornou-se alegre. A cria-
tividade, ao deixar de ser uma diversão e um jogo, que
não interessava ao adolescente, e ao ser construída na
base da técnica que ia dominando gradualmente, assim
como o seu empenho, passou a alimentar uma atitude
mais séria e crítica das crianças face às suas ocupações.
Observamos aqui, e na experiência da organização das
peças teatrais das crianças, como é fácil encontrar uma
saída para o âmbito da sua criação puramente técnica.
Seria completamente incorreto pensar que todas as
potencialidades criativas das crianças se limitam exclusi-
vamente à criatividade artística. Infelizmente, a educação
tradicional, ao manter as crianças longe do trabalho,
levou a que as crianças revelassem e desenvolvessem as
capacidades criativas, antes de tudo, na área da arte. É por
isto que a criação artística infantil foi mais bem estudada
e conhecida. No entanto, também na área das técnicas
encontramos um desenvolvimento intensivo da criativi-
dade da criança, particularmente nesta idade, a que mais
nos interessa agora. A elaboração de modelos de aviões e
de máquinas, a criação de novas construções, de desenho,
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atenção das crianças para uma nova área, na qual se pode
revelar a imaginação criativa do Homem.
Como vimos, a ciência e a arte permitem a utilização
da imaginação criativa. A tecnologia é produto dessa
mesma atividade, é a imaginação cristalizada, tal como
a designou Ribot. As crianças que procuram dominar
os processos da criação científica e artística apoiam-se
também, do mesmo modo, na imaginação criativa, tal
como na área da criação artística. Nos nossos dias, com
o desenvolvimento da rádio, a difusão geral da educação
tecnológica nos últimos anos permitiu o desenvolvimento
de uma rede de ateliês de eletrotécnica. A par destes
ateliês existe uma série de clubes juvenis nas fábricas: de
aviação, de química, de construção, etc.
Este tipo de tarefa é também implementado no
desenvolvimento da criatividade da criança nos clubes
de jovens naturalistas, que procuram articular a atividade
criativa com projetos que visam o incremento económico;
os ateliês dos jovens naturalistas, juntamente com os
ateliês dos jovens técnicos, que se organizam nos clubes
de Pioneiros, deverão tornar-se escolas da criação técnica
dos nossos adolescentes.
Não nos deteremos em pormenor nesta ou noutra
forma de criatividade, como a musical, a escultórica, etc.,
porque não é nosso propósito facultar a enumeração
do quadro geral e sistemático de todas as modalidades
criativas das crianças. O nosso objetivo também não é
descrever os métodos de trabalho que as crianças uti-
lizam em cada uma das modalidades artísticas. O que
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através dos exemplos das formas mais bem estudadas
de criatividade nesta idade, mostrar o funcionamento
deste mecanismo e a presença daquelas características.
Em conclusão, interessa salientar a particular impor-
tância do cultivo e da promoção da criatividade na idade
escolar. Todo o futuro do Homem é conquistado através
da imaginação criativa. A orientação para o futuro, atra-
vés de um comportamento baseado no futuro e derivado
desse futuro, é a mais importante função da imaginação.
Por isso, o objetivo educacional mais significativo do
trabalho pedagógico é a orientação do comportamento
da criança na idade escolar, com a intenção de a preparar
para o amanhã, na medida em que o desenvolvimento e
o exercício da criatividade constituem a principal força
no processo de concretização deste objetivo.
A formação de uma personalidade criativa virada
para o futuro prepara-se através da imaginação criativa
materializada no presente.
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1
Organizada por Pentti Hakkarainen (2004) e João Pedro Fróis.
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Bakushinsky, Anatoli (1883- Dostoievsky, Fiodor M. (1821-
-1939) – académico e -1881) – escritor russo 16,
museólogo russo 11, 132, 69
133 Gaupp, Reinhard (18-?-19-?)
Barnes, Earl (1861-1935) – – psicólogo alemão 77, 100
psicólogo americano 123 Giese, Fritz (1890-1935) –
Binet, Alfred (1857-1911) – psicólogo alemão 93-96
psicólogo francês 112 Gornfeld, Arkady (1867-1941)
Blonsky, Pavel (1884-1941) – crítico literário, literato e
– psicólogo e pedagogo tradutor 70
russo 11, 78-81 Groos, Karl (1861-1946) –
Bühler, Karl (1879-1963) – psicólogo alemão 49, 50,
psicólogo alemão 50, 125, 65
127 Janet, Pierre (1859-1947) –
Busemann, Adolf (1887-?) – neurologista e psicólogo
psicólogo alemão 102 francês 64
Chicherin, A.V. (1900-?) – Kerschensteiner, Georg
filólogo russo 121 (1854-1932) – psicólogo e
Compayre, Jules G. (1843-1913) pedagogo alemão 11, 124,
– pedagogo francês 65 128, 129, 134
Darwin, Charles R. (1809- Levinstein, Siegfried (1876-?)
-1882) – naturalista inglês – psicólogo e pedagogo
25, 33 alemão 135
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
-1933) – político e homem colaborador de
de cultura russo 73 L. S. Vygotsky 76
Malabranche, Nicolas (1638- Stern, William (1871-1938) –
-1715) – teólogo e filosofo filósofo e psicólogo
francês 65 alemão 98
Petrova, A. N. (18-?-19-?) – Sully, James (1842-1923) –
pedagoga russa 115, 118, psicólogo inglês 126
119 Tolstoi, Lev (1828-1910) –
Pistrak, Moiseii escritor russo 11, 25, 45,
0LNKDLÛ×ORYLFK 48, 79, 81-87, 89, 90, 101,
– pedagogo e educador 110, 111
russo 93 Vakhterov, Vassili (1853-1924)
Púshkin, Aleksandr (1799- 98
-1837) – poeta russo 30, Volkelt, Hans (1886-1964) –
35, 42-45, 87 psicólogo alemão 135
Révész, Géza (1878-1955) – Waismann, Friedrich (1896-
psicólogo húngaro 107 -1959) – matemático
Ribot, Theodule (1839-1916) e filósofo austríaco 55
– psicólogo francês 11, 24, Wundt, Wilheim (1832-
26, 27, 33, 38, 39, 41, 50, 51, -1920) – psicólogo
53-55, 59, 60, 61, 72, 73, e fisiologista alemão 46
111, 143
Ricci, Corrado (1858-1934) –
historiador de arte
italiano 125
01-10-2012 16:58:10
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
Imaginação e Criatividade na Infância.indb 150
01-10-2012 16:58:10
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
APÊNDICE 151
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
Figura 1.&DUURJDUDWXMDscribbling
Figura 2 e 3.'XDVFDEHoDVFRPSHUQDV
Figura 4.'HVHQKRGHPHPyULDGHXPDUDSDULJDGHVHWHDQRV
5HSUHVHQWDomRWtSLFDGD¿JXUDKXPDQDVHPWRUVR(VTXHPDSXUR
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Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
Figura 5.'HVHQKRGHPHPyULD(VTXHPD
SXUR7RUVRHPIRUPDRYDO'HVHQKDGR
SRUXPUDSD]GHTXDWURDQRVQR-DUGLP
GH,QIkQFLD
Figura 6.'HVHQKRGHPHPyULD
'HVHQKDGRSRUXPDUDSDULJDGHVHWHDQRV
VHPDFHVVRDOLYURVLOXVWUDGRV
2WRUVRpUHWDQJXODU(VTXHPDSXUR
Figura 7.(VTXHPDSXUR7RUVRHPIRUPDGH
OLQKDDUUHGRQGDGD2GHVHQKRHVWiYHVWLGRFRP
XPXQLIRUPHFDOoDVERQp7RGRVRVERW}HV
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UHWDPHQWHQDVFDOoDV'HVHQKDGRSRUXPUDSD]
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GRVHXSDLXPFRQGXWRUGHFDUURVHOpWULFRV
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
Figuras 8 e 9.5HSUHVHQWDomRGHPHPyULDGHXPHOpWULFR
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HQWUHRVVHWHHRVGH]DQRVTXHQmRGHVHQKDHPFDVD
QHPWHPDFHVVRDOLYURVLOXVWUDGRV
Figura 10.'HVHQKRGHPHPyULDGHXPFDUURHOpWULFR3XURHVTXHPD
'HVHQKDGRSRUXPDUDSDULJDGHGR]HDQRVeLQWHUHVVDQWHSRUTXHR
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Figura 11.'HVHQKRGHPHPyULDGHXP
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Figura 12.6ROGDGR
Figura 13.3LRQHLURDID]HUXPDVDXGDomR
Figura 14.$PmHHREHEp
Figura 15.(VWiGLR'HVHQKR
QmRHVTXHPiWLFRUHDOL]DGR
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Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
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$SHVDUGHDOJXQVHUURVRVEUDoRV
H[FHVVLYDPHQWHORQJRVHWF
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TXHFRUUHVSRQGHjIRUPDDWXDO
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Figura 18.5HSUHVHQWDomRWULGLPHQVLRQDOGHXPDSHVVRDDSDUWLU
GRUHDO(VWiGLR2GHVHQKRUHSUHVHQWDXPUDSD]DGRUPLU
)HLWRSRUXPUDSD]GHWUH]HDQRV¿OKRGHXP
FRUUHHLUR$UHSUHVHQWDomRGDVSHUQDVHVSHFLDOPHQWHGRV
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Figura 19.(VWiGLR3XUR(VTXHPD'HVHQKDGRSRUXPDUDSDULJD
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$UHSUHVHQWDomRGRFDYDORFRPRFHQWDXURpPXLWREHPFRQVHJXLGD
$FDEHoDSHUWHQFHDRFDYDORHQmRDRFDYDOHLUR
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LEV SEMENOVITCH VYGOTSKY
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
de Medicina da Universidade de Moscovo. A atividade
como investigador iniciou-se na altura em que organizou
o Laboratório de Psicologia no Instituto de Pedagogia de
Gomel e continuou, a partir de 1924, como investigador
de 2.ª classe no Instituto de Psicologia de Moscovo. Em
1925, com a apresentação da dissertação de doutora-
mento sob o título Psicologia da Arte foi-lhe atribuído
o lugar de investigador de 1.ª classe daquele instituto.
A partir dessa altura tornou-se membro efetivo respeti-
vamente dos Institutos de Atividade Nervosa Superior
e de Pedagogia Cientifica (Leontiev, A. A, 1990).
Durante a década de 1924-1934, Vygotsky escreveu
mais de duas centenas de obras, parte significativa dos
quais sobre metodologia do conhecimento científico
na psicologia. No final do ano de 1933, Vygotsky havia
escrito, publicado ou em vias disso, vários livros, artigos,
traduções e prefácios: Psicologia pedagógica (1925), Psico-
logia da Arte (1925), O significado histórico da crise na Psicolo-
gia (1927), Pedologia da idade escolar (1928), Pedologia do
adolescente (1930), Estudos sobre a história do comportamento
(1930), História do desenvolvimento das funções psicológicas
superiores (1931), Pensamento e linguagem (1932). Vygotsky
morreu em Moscovo no dia 11 de junho de 1934.
Copyright © Dinalivro, Lev Semenovitch Vygotsky e João Pedro Fróis, 2012 (Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou difundida electronicamente)
João Pedro Fróis é docente e investigador da Univer-
sidade de Lisboa. Publicou estudos sobre Lev Vygotsky
no Journal of Aesthetic Education e no livro Essays on Aes-
thetic Education for the 21st Century. Traduziu do mesmo
autor a História do Desenvolvimento das Funções Psicológicas
Superiores.