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Sumário:

CAPÍTULOS DESTAQUES
A finalidade das
artes marciais é a
As artes
mesma do Yoga:
marciais são
Marte - deus romano poderes
da guerra paranormais,
essencialmente  
INTRODUÇÃO uma via
estados
espiritual.
"superiores" de
consciência.
Sequências de
combate são
1 - AS ARTES descritas nos épicos
M'armam -
MARCIAIS NA clássicos, como no
pontos vitais
   
ÍNDIA ANTIGA Mahabhárata, no
Rámáyána, no Rig
Vêda.
O Yôga é uma
Shiva Natarája
filosofia que se Kalarippayat, arte
nyása, dança
caracteriza pela marcial indiana de
que se
sua estrutura
1.1 - SHIVA, assemelha a uma origem dravídica,
Shiva tem, entre iniciática (gupta
YOGESHWARA dança, mas que provém do Samhara
outros, os nomes de: vídya - tradição Tándava.
na realidade
(SENHOR DO Yôgêndra, secreta), ou seja,
constitui uma
YOGA) E Yôgêshwara, o aprende-se por
arte marcial
Senhor do Yôga mas transmissão oral Shiva, o criador
SOMASKANDA secreta da qual
também Sômaskánda, (parampará) da mitológico do Yôga,
(DEUS DA nasceu o Kempo é muitas vezes
GUERRA) o Deus da Guerra. boca do Mestre
(nome japonês representado na
(pati ou guru) ao
de Kung Fu), e iconografia como
ouvido do
posteriormente um guerreiro.
discípulo (vakrat
o Karate-Do.
vak tantraram).
O quase
O Vajramushti tem a
1.2 - O sua origem em época
desaparecimento
VAJRAMUSHTI do Budismo na
pré-ariana, quando a
Índia após o
DRAVÍDICO, Índia ainda era
século VI d.C.
 
habitada pelos Kalarippayat
PRIMEIRA ARTE determinou o
drávidas (3500 a
MARCIAL? desaparecimento
1500 a.C.).
do Vajramushti
1.3 - SÁMKHYA  A filosofia Sámkhya,  Cada uma das seis ... Sabendo que O Sámkhya é uma
FUNDAMENTO é que fundamenta o escolas ortodoxas as coisas do filosofia, e
TEÓRICO DO Yôga e, de filosofia ou mundo são simultaneamente
consequentemente, darshanas (Yôga, efémeras, é uma psicologia e
YOGA E DAS
as artes marciais Sámkhya, Nyáyá, preciso praticar uma metafísica, de
ARTES MARCIAIS
indianas, já que estas Vaishêshika, sempre o Yôga grande envergadura
INDIANAS derivam daquele. Mímánsá e do Senhor dos
Vêdánta) animais
prometia a (Pashupati).
libertação do
sofrimento da
existência.
O Sámkhya e o Yôga viram-se obrigados a postular a multiplicidade dos
Púrushas, pois, se não tivesse havido mais do que um só espírito, a salvação
teria sido um problema infinitamente mais simples, e o primeiro Homem
  liberto teria ocasionado a libertação de todo o género humano, isto é, se
existisse um só espírito universal, a existência concomitante dos espíritos
"libertos" e dos espíritos subjugados não seria possível.

1.3.1 - "CORPOS" Os planos do Universo conhecidos são: Em suma, em termos yôguicos, a


estrutura da personalidade humana
DO HOMEM E o físico, o emocional (também chamado
é uma réplica em miniatura (ksudra-
PLANOS DO astral), o mental, o intuicional e o
brahmánda) da estrutura do próprio
UNIVERSO monádico.
cosmos.
O processo
O caminho para o Autoconhecimento
O Yôga pode ser psicológico é
e para o desembaraçamento de tudo
1.3.2 - definido como a entendido pelo
o que não pertence à natureza
PSICOLOGIA DO tecnologia da Sámkhya e pelo
intrínseca do Homem é conseguido
SÁMKHYA-YÔGA transformação da Yôga, em termos
por meio do desapego (vairágya) e da
consciência. estritamente
prática constante (abhyása).
mecânicos.
Quando a kundaliní se eleva, o adepto
põe-se debaixo da protecção de
poderosas entidades, de egrégoras
psíquicas, de forças colossais, de O yôgin "morre para esta vida" para
1.4 - AS vigilantes angélicos que formam os renascer noutro modo de ser: o que
génios protectores e são os guardiães é representado pela libertação
INICIAÇÕES
do Umbral, os protectores, os deuses. (kaivalya). "Mata-se" a própria
GUERREIRAS: A A troco da sua protecção exigem existência profana, histórica, já
PROVA DO sacrifícios psíquicos; assim, alguns usada, para obter uma existência
LABIRINTO esgotamentos psíquicos, algumas imaculada, aberta, não conspurcada
formas de "tuberculosis mística" são as pelo Tempo.
manifestações dessas devoradoras
deidades quando se encontram com um
ser humano permeável.
2 - EXPANSÃO
DAS ARTES
MARCIAIS PELO
   
MUNDO

  Clique no texto seguinte para aceder à 2ª Parte - As Artes Marciais no Japão

INTRODUÇÃO

Denominam-se «artes marciais» (de Marte, nome romano do

deus grego Ares, o deus da guerra, dos agricultores e dos

pastores, filho de Zeus e Hera, e amante de Afrodite), os

diferentes métodos de defesa pessoal e técnicas militares que

têm servido aos diferentes povos para a defesa do território e


dos bens pessoais e públicos dos seus cidadãos (Natali, 1987).

No entanto, nos dias de hoje, são somente chamadas «artes

marciais», «artes de combate» ou «artes de combate e

meditação» (Lima, 1990), as artes de defesa pessoal de origem

oriental (e.g., Karate-Do, Judo, Kung Fu), talvez por possuírem

uma codificação mais sistemática, por estarem organizadas de

forma hierárquica, e possuírem uma metodologia mais uniforme

(Natali, 1987). Contudo, a finalidade original das artes marciais

orientais não é a vitória sobre um oponente, mas sim a mesma

do seu precursor, o Yôga, ou seja, desenvolver no Homem, não

só poderes paranormais, como estados "superiores" de

consciência, reveladores de uma suposta realidade

transcendente (Deshimaru, 1983; Jazarin, 1996; Maliszewski,

1996; Morris, 1993; Payne, 1981; Severino, 1988). Portanto, as

artes marciais são essencialmente uma via espiritual (Durix,

1978). A sua relação com o desporto é muito recente

(Deshimaru, 1983).

Quando a ambição, o sucesso e o jogo da vida (artha), da

mesma forma que o sexo e os prazeres sensuais (káma), já não

nos oferecem novas e interessantes expectativas nem

reservam mais surpresas, e quando começamos a nos fartar

também do virtuoso cumprimento das tarefas próprias a uma

vida decente e normal (dharma) - porque se tem convertido

numa monótona rotina -, ainda permanece o atractivo da

aventura espiritual (môksha), a busca de algo que exista


dentro (sob a máscara da personalidade consciente) e fora (por

trás do panorama visível do mundo exterior) (Zimmer, 1986).

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1 - AS ARTES MARCIAIS NA ÍNDIA


ANTIGA
Historicamente, sequências de combate são descritas nos

épicos clássicos, como o Mahabhárata e o Rámáyána, no Rig

Vêda, assim como noutros textos religiosos, como o

Buddhacarita Sútra, Jaiminiya Brahmana, e o

Saddharmapundarika Sútra. Pouco se sabe sobre estas práticas

ancestrais, que precederam o início do Budismo (500 a.C.).

Existem posteriores relatos escritos ou textos específicos a

várias artes marciais. No entanto, a maior parte dos modernos

textos disponíveis descrevem as formas de luta sem armas

(Binot, Kushti, Masti, Vajramushti, Skt.) e o arsenal de armas

(e.g., cilampam, Tamil; bana, lathi, pata, phari-gatka, Skt.). O

conhecimento dos pontos vulneráveis do corpo (m'armam)

encontra uma aplicação na prática da luta, assim como nos

sistemas organizados de combate com e sem armas, que

existem hoje em dia em Kêrala (sudoeste da Índia) e Tamilnadu

(sul e sueste da Índia) (Maliszewski, 1996).

1.1 - SHIVA, YOGESHWARA
(SENHOR DO YOGA) E SOMASKANDA
(DEUS DA GUERRA)
Na tradição hindu, Shiva, o Terceiro Aspecto da Trimurti

(Trindade) hindu, cujo atributo é a renovação (DeRose, 1999),

tem cem nomes (Zimmer, 1997), entre os quais: Yôgêndra,

Yôgêshwara ou Mahayôgi, o Senhor do Yôga (Daniélou, 1989),

mas também: Sômaskánda, o Deus da Guerra (Zimmer, 1997).

Yôga (união) é qualquer metodologia estritamente prática que

conduza ao samádhi, o estado de hiperconsciência, de

megalucidez, que proporciona o autoconhecimento, bem como o

conhecimento do Universo (DeRose, 1999). O Yôga é uma

filosofia que se caracteriza por ser estritamente prática e

também pela sua estrutura iniciática (gupta vídya - tradição

secreta), ou seja, aprende-se por transmissão oral ( parampará)

da boca do Mestre (pati ou guru) ao ouvido do discípulo

(shishya ou chêla) (vakrat vak tantraram) (Eliade, 1954). No

entanto, o papel do guru é como que exteriorizar, ou substituir,

o verdadeiro guru interior, o Átma (o Eu na filosofia hindu

Vêdánta), enquanto o iniciado não consegue ainda, por si

próprio, entrar em comunicação consciente com Ele (Barahona,

1996). As técnicas corporais do Yôga têm como objectivo

canalizar correctamente as energias ( pránas), a fim de que elas

circulem a um certo ritmo nos principais canais ( nádís) do

organismo subtil, para activar a formidável energia serpentina

kundaliní [1] enrolada no chakra [2] basal (múládhára),


localizado na base da coluna, e fazê-la subir através dos outros

chakras até ao «Lótus das mil pétalas» (sahásrara), localizado

no cimo do crânio (Fig. 1) (Eliade & Couliano, 1995). Segundo

Eliade (1989), o despertar da kundaliní refere-se ao poder

sagrado experimentado como um calor extremo, o qual é obtido

pela transmutação da energia sexual, geralmente através de

técnicas xamânicas, tântricas, yôguicas e místicas.

Até ao século XIX pensava-se que o Yôga teria sido um produto

trazido para a Índia, por nómadas das planícies eurasianas, em

torno de 1500 a.C. Hoje, essa tese está totalmente descartada

(Santos, 2000), uma vez que no Vale do Indo, foi encontrado

um selo representando o proto-Shiva Pashupati (o Senhor dos

animais), sentado numa posição de Yôga, rodeado de animais,

com três rostos (criador, conservador e renovador), e com o

falo erecto (Eliade & Couliano, 1995; Krishna, 1985; Wheeler,

1972). Segundo a tradição, Shiva é o primeiro Mestre yôgi

(Daniélou, 1989; DeRose, 1983, 1999; Michael, 1978; Van

Lysebeth, 1990).

Segundo Straube (n.d.), dentro do Swásthya Yôga (ou Shiva

Yôga) existe uma prática denominada Shiva Natarája nyása

(identificação com Shiva no seu aspecto de bailarino real), que

se assemelha a uma dança, mas que na realidade constitui uma

arte marcial secreta da qual nasceu o Kempo (nome japonês de

Kung Fu), e posteriormente o Karate-Do. No entanto, há que


ter presente que existem dois tipos principais e antagónicos de

dança, correspondendo às manifestações benévola e colérica de

Shiva. A Tándava, dança feroz e violenta, alimentada por uma

energia explosiva e arrebatadora, é uma erupção delirante que

provoca a devastação. Efusão violenta e frenética de energias

divinas, tem características que sugerem uma dança de guerra

cósmica destinada a despertar as energias destrutivas e a

provocar a devastação sobre o inimigo; é, simultaneamente, a

dança triunfal do vencedor. A dança da guerra converte em

guerreiros aqueles que a executam, despertando as suas

virtudes bélicas e transformando-os em intrépidos heróis

(Zimmer, 1997). Segundo a lenda, o Kalarippayat, arte marcial

indiana de origem dravídica, provém do Samhara Tándava,

dança de dissolução cósmica do deus Shiva, na qual aparecem

movimentos de ataque e defesa com base no princípio da

dualidade Homem-Mulher (Shiva-Shaktí) (G. Habersetzer & R.

Habersetzer, 2000). A Lásya, pelo contrário, é uma dança

lírica e suave, cheia de doçura e representa as emoções da

ternura e do amor. Shiva é o perfeito mestre das duas

(Zimmer, 1997).

Shiva, o criador mitológico do Yôga, é muitas vezes

representado na iconografia como um guerreiro, que tem como

"emblema" principal a trishúla, a lança tridente (Chevalier &

Gheerbrant, 1997), "a sua arma como herói" (Zimmer, 1997, p.

144). Shiva é também representado portando outras armas:


uma espada, um gancho, um laço, um escudo, e um arco e

flechas, pois, segundo a tradição védica, Shiva fora, em tempos

antigos, um caçador. Tal como o linga(m) (falo), a flecha de

Shiva é o veículo da sua energia: os dois são o mesmo (Zimmer,

1997). Por isso, Shiva também é chamado Agrionos (o Caçador)

e Sharva (o Arqueiro) (Daniélou, 1989).

O Kanda Puranam tamul (citado por Daniélou, 1989) narra que

os eremitas da floresta de Taruka eram hostis ao senhor

Shiva. Assim, Shiva enviou Vishnu a esta floresta, e ordenou-

lhe que tomasse a forma de uma cortesã, a fim de seduzir os

eremitas. Enquanto isso, Shiva, sob a forma de um mendigo, foi

até à frente da morada das esposas, cantando hinos. As

mulheres saíram excitadas ao vê-lo. Elas o seguiram e

perderam a castidade... Mas, a cortesã seguida pelos eremitas

e o mendigo e as suas mulheres encontraram-se na floresta. Os

eremitas ficaram furiosos com Shiva e buscaram um meio de

fazê-lo morrer. Ofereceram um grande sacrifício. Do centro

do sacrifício surgiu um tigre furioso ao qual ordenaram que

fosse matar o senhor. Mas, Shiva matou-o, rasgando a sua pele

para fazer roupa. Do fogo, saíram em seguida um tridente

(trishúla), do qual o deus se apoderou; depois, um antílope, que

ele pegou com a mão esquerda, e serpentes, com as quais se

enfeitou. Uma horda de demónios surgiu logo depois. Shiva com

um gesto acalmou a sua fúria e ordenou-lhes que formassem um

exército para o servir. Obedeceram. Em seguida, os eremitas


atiraram uma caveira contra Shiva. Ele a agarrou e colocou-a a

enfeitar os cabelos. Os eremitas, indignados com seus

fracassos, tentaram usar suas fórmulas mágicas. Estas

agruparam-se e ganharam a forma de um som terrificante que

saía de uma trombeta. O deus apoderou-se da trombeta e a

conservou na mão. Os ascetas ofereceram então um novo

sacrifício, do qual saiu um poderoso génio denominado

Muyalakan (também chamado: Apasmara Púrusha e Avídya).

Ordenaram-lhe, assim como ao fogo, que matasse o deus. No

entanto, este apanhou o fogo com a mão, derrubou o génio e

ficou em pé sobre as suas costas. Os eremitas lançaram

maldições contra Shiva. Nenhuma foi eficaz. Muyalakan,

esmagado pelos pés do mestre, debatia-se e virava a cabeça de

um lado para o outro. O deus começou a dançar sobre ele. Todo

o universo tremeu (Fig. 2). Quando a dança parou, os eremitas

prostraram-se aos pés do deus e cantaram seus panegíricos.

Shiva ordenou-lhes que, daquele momento em diante,

observassem os ritos do seu culto e continuassem a vida

austera. Depois disso, voltou para a sua montanha branca

coberta de neve.

De acordo com Eliade (1989), o despertar da kundaliní também

pode também ser proporcionado pelas iniciações militares.

Para este autor, vários termos do vocabulário "heróico" indo-

europeu (e.g., furor, ferg, wut, ménos) exprimem justamente

esse calor "mágico" e essa cólera que caracterizam, nos outros


planos da sacralidade, a incorporação do "poder". Assim, tal

como um yôgin (praticante de Yôga) ou um xamã (adepto do

Xamanismo), o jovem herói "aquece" durante um combate

iniciático. Maliszewski (1996) refere que os mestres da arte

marcial indiana Kalarippayattu, embora considerem o Yôga

como a prática suprema para alcançar o estado de

hiperconsciência (samádhi), realçam que também é possível

despertar a kundaliní, através do treino correcto desta arte

marcial. No entanto, segundo Morris (1993), os ensinamentos

sobre kundaliní nas artes marciais eram transmitidos

directamente do mestre ao discípulo, somente depois de este

ter passado muitos anos com o seu mestre e de ter provado

que merecia recebê-los. Além disso, Cangelosi (1997) realça

que os ensinamentos sobre a kundaliní (jing chi em chinês) nas

artes marciais são secretos, uma vez que o seu despertar pode

ser perigoso:

...Nem todos os indivíduos conseguem dominar marcialmente

este tipo de técnica, e muitos mestres do passado, realizando

provas da emissão desta energia, frequentemente sofreram

sérios transtornos no seu organismo. Isto explica a razão

destas técnicas serem na antiguidade, ensinadas de forma

secreta e selectiva. Por este motivo, com o passar do tempo,

muitos destes ensinamentos perderam-se. Exclusivamente

permanecem através de lendas e das histórias dos grandes


mestres do passado. Talvez seja melhor assim... (p. 47)

De facto, o despertamento da kundaliní deve ser precedido por

uma etapa de purificação intensiva do corpo e das nádís,

designada por bhúta shuddhi, não apenas com a prática de

mantras (vocalização de sons), kriyás (actividades de

purificação interna), pránáyámas (exercícios respiratórios para

expansão da bionergia), mas também com uma rígida selecção

alimentar, jejuns regulares moderados e com um sistema de

reeducação das emoções para que o praticante não conspurque

o seu corpo com os detritos tóxicos das emoções viscosas como

o ódio, a inveja, o ciúme, o medo, etc. Para além disso, também

é regulada a quantidade de exercício físico, de trabalho, de

sono, de sexo e de alimentos. Há uma medida ideal para cada

um desses factores. Qualquer excesso ou carência pode

comprometer o resultado almejado (DeRose, 1992, 1999).

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1.2 - O VAJRAMUSHTI DRAVÍDICO,


PRIMEIRA ARTE MARCIAL?
Embora considerada uma arte marcial budista por muitos

pesquisadores, o Vajramushti (Vajra: real, bastão, ceptro,

vara, directo, recto, correcto, sol, etc.; mushti: golpe, soco,

punho, raio, etc.) data de época muito anterior ao surgimento

do Budismo. As referências históricas não são exactas, visto

que o país de origem (a Índia), por sua própria filosofia social


de extrema religiosidade, nunca deu muita importância aos

registos históricos. Na realidade, o Vajramushti tem a sua

origem em época pré-ariana, quando a Índia ainda era habitada

pelos drávidas (3500 a 1500 a.C.). Esta arte marcial é

mencionada em quase todos os textos heróicos da civilização

dravidiana, e em várias lendas se atribui a Shiva a sua criação.

Esta teria sido a arte marcial que Bôdhidharma, o vigésimo

oitavo patriarca do Budismo, levou para o mosteiro de Shaolin

na China, dando origem ao Kung Fu (Natali, 1987). Também

Muñoz-Delgado (1998) salienta que o Vyáyám (outro nome de

Vajramushti) é a mais antiga tradição marcial da Índia. O

termo Vyáyám provém do sânscrito e significa: "domar o alento

interno". Actualmente, ainda é praticado na Índia com nomes,

tais como: Maippayat e Kalarippayat (nomes dravídicos e

recentes). O seu princípio fundamental está baseado no

conhecimento profundo das nossas energias e sua projecção

interna e externa. Portanto, podemos dizer que o Vyáyám está

enquadrado no caminho do conhecimento da Energia, ou seja,

do conhecimento do Tantra [1] [ [1] 3 [1] ]

Após a invasão ariana (1500 a.C.) e o predomínio dessa

civilização sobre a dos drávidas, esta arte marcial começou a

desaparecer, tendo sido preservada apenas pela casta dos

guerreiros - kshatriyas - que conservaram a sua prática (cada

vez menos) até, aproximadamente, o século VI d.C. Dado à

peculiaridade de só transmitir os ensinamentos de ordem


filosófica, que perdiam sua actualidade com o passar dos

tempos e com a consequente transformação ideológica do povo

indiano, o Vajramushti passou por evoluções que o adaptaram às

modificações filosóficas dessas diversas fases. A última

adaptação de ordem filosófica porque passou o Vajramushti foi

a adopção do Budismo como filosofia básica. Se por um lado

essa adesão ao Budismo foi favorável à introdução do

Vajramushti no templo Shaolin na China, por outro lado foi

desfavorável à sobrevivência da própria arte marcial, devido ao

falecimento do seu último patriarca - Bôdhidharma - na China,

o que diminuiu a influência dessa doutrina na Índia (Natali,

1987). No plano intelectual indiano, a restauração do monismo

upanishádico foi levada a cabo por Shankarácharya (788-820

d.C.). Viajando a pé desde a terra do seu nascimento, Kêrala (no

sul da Índia), e percorrendo a Índia de norte a sul e de leste a

oeste, crê-se que derrubou os porta-vozes do Budismo e do

Jainismo em debate filosófico e estabeleceu os fundamentos

para o ensino do Adwaita Vêdánta (não-dualismo) em lugares

tão distantes como Dwaraka, no ocidente da Índia, Puri, no

leste, e Badrinath, no norte. Embora fosse sobretudo um

expoente do caminho do conhecimento e da interrogação

(jñána), Shankarácharya também escreveu vários hinos de

apaixonada devoção (bhakti) (Raghavan, 1984). Assim, o quase

desaparecimento do Budismo na Índia após o século VI d.C.

determinou o desaparecimento do Vajramushti como


consequência dessa união (Natali, 1987).

Uma arte de combate indiana que tem sido estudada até certo

grau, é a disciplina conhecida por Kalarippayattu (ou

Kalarippayat) (Maliszewski, 1996). O Kalarippayat é uma antiga

tradição marcial de Kêrala. Kalari significa «ginásio», e payat

«arte de combate». Hoje em dia, ainda é reconhecido como um

soberbo meio de autodefesa e como disciplina física. A sua

origem remonta ao deus Parashurama, o lendário fundador da

região de Kêrala. De acordo com a história, é evidente que o

Kalarippayat, tal como é praticado hoje em dia, apareceu entre

o século XII e o século XIV d.C., e atingiu o apogeu da glória

entre os séculos XIV e XVII (Nair, 1993). Nessa altura, o

Kalarippayat constituía uma componente da educação para a

casta guerreira de Kêrala (os nairs). Posteriormente, a sua

prática alargou-se a todas as castas e afiliações religiosas, até

incluir a casta mais elevada (os yatra brahmanas) e a mais

baixa (os tiyyas), assim como muitos muçulmanos e cristãos

(Maliszewski, 1996). Pesquisas recentes revelaram que esta

grande arte marcial teve uma profunda influência sobre a

forma e evolução de quase todas as artes de espectáculo de

Kêrala, nomeadamente o Kathakali. Ainda nos nossos dias, o

Kalarippayat é praticado na sua forma tradicional, isto é, num

kalari e sob a vigilância e direcção de um gurukal ou mestre

(Nair, 1993).
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1.3 - Sámkhya - fundamento teórico


do Yoga e das artes marciais indianas
Torna-se necessário estudar a filosofia Sámkhya, pois é ela

que fundamenta o Yôga e, consequentemente, as artes marciais

indianas, já que estas derivam daquele.

As línguas indianas não possuem no seu vocabulário uma palavra

que possa ser vista como sinónimo exacto de «filosofia», que no

seu sentido amplo identifica-se com o "pensar sobre". Alguns

dos termos sânscritos correspondentes que sugerem um

significado similar são tarka-shastra («ciência do raciocínio»),

darshana («ponto de vista»), e a mais moderna, tattwa-vidya-

shastra («ciência do conhecimento da realidade») (Feuerstein,

1977). A filosofia hindu não é simples especulação ou trabalho

de adivinhação; é uma doutrina organizada que se baseia na

experiência transcendente (Sarma, 1967).

Cada uma das seis escolas ortodoxas de filosofia ou darshanas

(Yôga, Sámkhya, Nyáyá, Vaishêshika, Mímánsá e Vêdánta)

prometia a libertação do sofrimento da existência (Eliade,

1954; Feuerstein, 1977; Raghavan, 1984). Destes seis

darshanas, o Sámkhya (dualista) e o Vêdánta (monista) eram

não-eclesiásticos e não-dogmáticos, mas prestavam tributo

nominal à santidade dos Vêdas (as mais antigas escrituras do

Hinduísmo, consideradas reveladas) e eram tolerados dentro


dos limites da ortodoxia brahmana - ao contrário dos jainistas,

budistas e brihaspatyas (aderentes da sétima escola de

filosofia, esta materialista, cujos textos em grande parte se

perderam), que negavam a verdade auto--evidente reclamada

pelos Vêdas (Raghavan, 1984). A importância considerável que

todas as metafísicas indianas dão ao conhecimento, incluindo a

técnica de ascese e o método de contemplação que é o Yôga,

explica-se mais facilmente quando se levam em conta as causas

do sofrimento humano. A miséria da vida humana não é devida a

uma punição divina, nem a um pecado original, mas à ignorância.

Não qualquer ignorância, mas somente a ignorância da

verdadeira natureza do espírito (avídya), a ignorância que nos

faz confundir o espírito com a experiência psicomental, que nos

faz atribuir "qualidades" e predicados a esse princípio eterno e

autónomo que é o espírito; em resumo, uma ignorância de ordem

metafísica (Eliade, 1954). No entanto, todos os sistemas

gnósticos indianos falham no explicar satisfatoriamente como o

Homem perdeu pela primeira vez a sua real identidade. Eles

simplesmente reconhecem o facto de que o Homem está num

estado de existência que não é autêntico (Feuerstein, 1977).

Mas, se a filosofia indiana é baseada na experiência

transcendente, por que não há apenas uma? De acordo com

Bentov e Mirtala (1991), à medida que a consciência evolui e que

a informação começa a entrar em abundância, esta é expressa

numa "língua" mais inteligível à pessoa envolvida. Por exemplo, a


um poeta, a Natureza da Criação apresentar-se-á em imagens

poéticas; a um artista, em símbolos visuais; a um matemático,

em equações abstractas; uma pessoa de índole prática haverá

de tê-la na forma de estrutura. Noutras palavras, cada grupo

de células (o ser humano individual) não apenas contém nesse

holograma a informação acerca da Criação, mas a contém numa

forma individualizada, específica. Felizmente, visto que pessoas

que participam da mesma opinião a contêm em formas

semelhantes, é possível a mútua verificação da informação.

Esse conhecimento parece, pois, ser consistente e passível de

reprodução.

O Sámkhya e o Yôga são considerados as duas doutrinas mais

antigas. O Mahabhárata chama-lhes as duas doutrinas eternas

(sanatanê dwê) (Michael, 1978). O Sámkhya e o Yôga remontam

à longínqua antiguidade indiana aborígene, não-védica. Contudo,

não aparecem em qualquer dos textos indianos ortodoxos até

uma data relativamente tardia - a saber, nas mais recentes

estratificações dos Upanishads e da Bhagavad Gítá. Após uma

longa história de inflexível resistência, a mentalidade

bramânica esotérica e exclusivista dos invasores arianos

tornou-se receptiva e, finalmente, aceitou as sugestões e

influências da civilização nativa (môksha). O Yôga, por sua vez,

trata especificamente da dinâmica do processo de livrar-se das

ataduras e delineia as técnicas práticas para se obter a

libertação ou "isolamento-integração" (kaivalya). Os dois


sistemas complementam-se reciprocamente e conduzem a

idêntico fim (Zimmer, 1986). Shiva disse: "O sagrado Pashupati

Yôga, o Yôga dos irmãos dos animais (através do qual se pode

dar a unidade dos seres vivos) e o Sámkhya (cosmologia) foram

ensinados por mim... Sabendo que as coisas do mundo são

efémeras, é preciso praticar sempre o Yôga do Senhor dos

animais (Pashupati)" (Linga Purana, 34, 11-23, citado por

Daniélou, 1989, p. 43). Portanto, não se pode escrever sobre

Yôga sem tratar do Sámkhya, tamanho são os vínculos entre

uma escola e outra. Todavia, ao mesmo tempo que o Yôga tomou

do Sámkhya grande parte da sua metafísica e certos aspectos

da sua psicologia, não podemos desconsiderar profundas

divergências que encontramos entre ambos. O Sámkhya é às

vezes chamado de Niríshwarasámkhya (o Sámkhya sem

Senhor) em contraposição ao Yôga, muitas vezes chamado

Sêshwarasámkhya (o Sámkhya com Senhor), isto é, toma-se as

escolas como se compusessem uma mesma metafísica, só que,

enquanto o Sámkhya é ateu (sem Íshwara - o Senhor), o Yôga é

atenuadamente teísta (com Íshwara) (Henriques, 1990). Outra

distinção está em suas metodologias, que podem ser

responsabilizadas por todas as restantes diferenças. Como

está claramente enunciado no Mahabhárata (XIII, 300, 7),

enquanto os seguidores do Sámkhya confiam na sua tradição

escritural (shastra), os yôgins guiam-se pela experiência

directa (pratyaksa). Ou seja, o Sámkhya Clássico confia na


capacidade intelectual de discernimento (vivêka) pelo qual o Eu

(Púrusha) pode ser compreendido como separado do não-eu (o

mundo terreno insensível e seus evolutivos). Segue-se a

renúncia a tudo o que foi revelado pela razão como não

constituinte da natureza essencial do Homem. O Yôga Clássico,

por outro lado, acentua a necessidade da compreensão

enstática como o instrumento para transformar e, por último,

transcender a consciência terrena empírica. Não se acredita

que o conhecimento racional por si só seja suficiente para

erradicar a identificação falsa do Homem com a natureza

insensível. As diferenças entre o Sámkhya e o Yôga

retrocedem ao período épico, quando ambas as tradições

assumiram o carácter de movimentos distintos (Feuerstein,

1977).

O termo Sámkhya foi interpretado de diferentes maneiras,

tais como: «aquilo que explana o todo» (Ajaya, 1983),

«número», «enumeração», «investigação», «análise», «acção de

examinar», «cálculo», «contagem através da enumeração dos

elementos constitutivos», «determinação de um conceito pela

enumeração do seu conteúdo», ou «investigação das categorias

da existência». Não se pode excluir a possibilidade de que

todos esses significados tenham sido conhecidos e aceitos na

Índia antiga. Entretanto, o sentido de «discriminação» e

«discernimento» parecem mais prováveis, pois o propósito

desta filosofia é a dissociação entre o Espírito ( Púrusha) e a


Natureza (Prakrití). O tratado mais antigo é a Sámkhya Kariká

de Íshwarakrishna (Eliade, 1954), que é um sumário métrico do

Sasti Tantra, que deve ter significado simplesmente uma

doutrina dos «seis tópicos» ou também referido a uma antiga

obra com este nome (Feuerstein, 1977). De facto, o Sámkhya é

parte do Tantra, sua fracção inicial (Santos, 2000). O termo

«Sámkhya Clássico» refere-se especialmente ao sistema

proposto por Íshwarakrishna na Sámkhya Kariká, composta

provavelmente no século IV d.C. (Feuerstein, 1977). Qualquer

que seja a data exacta da Sámkhya Kariká, é certo que

Íshwarakrishna não é o primeiro autor da escola Sámkhya: a

kariká (estrofe) 70 lembra que o sábio Kapila, fundador mítico

do sistema, ensinou a doutrina a Asuri e este a transmitiu a

Pañcasikha; é deste último que a recebeu Íshwarakrishna

(Eliade, 1954). Kapila, que significa «o Vermelho», é um epíteto

do sol. A julgar por sua influência no período de Mahavira

(fundador do Jainismo) e Buda, deve ter vivido antes do século

VI da era pré-cristã, mas os textos clássicos do sistema

filosófico, cuja fundação lhe é atribuída, pertencem a uma data

muito posterior (Zimmer, 1986). A contribuição do Sámkhya à

filosofia indiana não pode ser subestimada. Ele não só

enriqueceu o Yôga mas também o movimento do Vêdánta, e o

seu impacto foi sentido ao mesmo tempo por muitas outras

escolas ortodoxas e heterodoxas de pensamento. Parece que o

movimento Sámkhya foi força vigorosa no pensamento indiano


até à época de Shankarácharya (788-820 d.C.); depois disso

entrou num período de declínio. Contudo, o Sámkhya

experimentou um renascimento no século XV, quando foi

composto o Sámkhya Pravachana Sútra (Feuerstein, 1977),

atribuído ao sábio Kapila, cuja data provável é o século XIV

(Eliade, 1954). Este tratado inspirou dois eruditos importantes

- Aniruddha (1500) e Vijñána Bhiksu (1550) - a escreverem

comentários sobre ele (Feuerstein, 1977).

O Sámkhya é uma filosofia, e simultaneamente uma psicologia e

uma metafísica, de grande envergadura (Jazarin, 1996).

Conforme o Sámkhya, o mundo não é o resultado de um acto de

um Criador. A contribuição mais importante do Sámkhya à

filosofia hindu reside na sua interpretação estritamente

psicológica da existência. Suas análises do micro-macrocosmo,

bem como de toda a série de problemas humanos, são

apresentados em termos de uma espécie de funcionalismo

psicológico protocientífico (Zimmer, 1986). A teoria da escola

Sámkhya é a teoria da evolução. De acordo com esta filosofia,

o universo consiste de duas realidades eternas, uma consciente

(Púrusha) e outra inconsciente (Pradhána ou Prakrití). Existem

inúmeros Púrushas (ou espíritos), todos independentes uns dos

outros e despidos de quaisquer qualidades. São os

espectadores silenciosos das várias modificações da Prakrití

(Natureza). A Prakrití do sistema Sámkhya é matéria ou

energia universal. Possui três gunas ou qualidades, conhecidas


como: sattwa ou pureza, rajas ou paixão, e tamas ou inércia.

Quando estas qualidades se encontram em equilíbrio, diz-se

que a Prakrití está quiescente (Sarma, 1967). É através do

conceito de tattwa (princípio) que o Sámkhya ganha uma

conotação mais sistemática, fazendo jus ao seu carácter

técnico e numérico. Os tattwas constituem a espinha dorsal

desta filosofia. Todas as escolas de Sámkhya têm em comum

24 tattwas dependentes da Prakrití (o 25.º tattwa é o Púrusha,

o Si) (Fig. 3). A partir de um certo período da história,

profundamente marcado pela fé e crenças religiosas, foi

introduzido um 26.º princípio: Íshwara (o Senhor) (Santos,

2000). No entanto, Íshwara é desprovido da grandeza do Deus

criador e todo-poderoso. Ele nada mais é do que um arquétipo

(um «modelo exemplar») do yôgin (Eliade, 1954).

Quando o equilíbrio é perturbado pela presença de Púrushas, os

gunas começam a agir uns sobre os outros, e temos uma

evolução na seguinte ordem: Prakrití faz surgir mahat ou

buddhi, o poder supra-intelectual ou intuicional das

experiências; ahamkára ou autoconsciência (ego); manas ou

pensamento; os cinco aspectos dos elementos subtis

(tanmátras): sonoro (shabda), olfactivo (gandha), visível (rúpa),

sápido (rása) e tangível (sparsha); as cinco faculdades dos

sentidos (jñánêndriyas): audição (srôtra), olfacto (ghrána),

visão (chakshu), paladar (rasana) e tacto (spárshana); as cinco

faculdades da acção (karmêndriyás): voz (vák), reprodução


(upashtha), excreção (páyu), preensão (páni) e locomoção

(páda); e, os cinco aspectos dos elementos grosseiros

(mahabhútas): éter (ákásha), ar (váyu), fogo (agni), água (ápas)

e terra (prithiví). A evolutiva Prakrití é cega e inconsciente por

si só, mas todas as suas actividades são propositais, sendo sua

realização a frutificação do destino dos espíritos. No final de

um kalpa (4 320 000 anos) o mundo é dissolvido e os três gunas

da Prakrití tornam a equilibrar-se. Portanto, na teoria Sámkhya

o efeito é inerente à causa. O mundo é inerente em Prakrití;

torna-se manifesto apenas por meio da evolução, assim como o

óleo aparece quando se comprime a semente (Santos, 2000;

Sarma, 1967).

É provável que tenham existido muitas escolas Sámkhya, que

diferiam sobretudo por seu teísmo mais ou menos pronunciado

e sua concepção de alma. Gunaratna (século XIV), o comentador

do Saddarshanasamuccaya menciona duas escolas Sámkhya: a

maulikya (original) e a uttara (tardia). A primeira afirma que

existe uma Prakrití (Natureza) para cada alma (Púrusha),

enquanto a segunda acredita - com o Sámkhya Clássico - que

existe uma só Prakrití para todas as almas individuais (Eliade,

1954). O Púrusha é definido como "espírito puro" (caitanya),

como evidência do facto de que é não-matéria; contudo, está

muito longe de qualquer conceito ocidental de espiritualidade

porque, segundo o Sámkhya, todas as condições daquilo que

chamamos «alma» são os efeitos do reino da matéria subtil, que


ocorrem no corpo subtil; e tal corpo não deve ser, de maneira

nenhuma, identificado com a mónada vital. Sobre o Púrusha

nada pode ser dito (além da declaração de que Ele é), excepto

em termos negativos: é sem forma ou conteúdo; não tem

princípio nem fim; não tem atributos, qualidades, partes ou

movimento; é eterno e imperecível; inactivo e impassível; não é

afectado por dores nem por prazeres; carece de emoções e

sentimentos; é completamente indiferente às sensações. Está

fora das categorias do mundo. O Púrusha é comparável a um

vidente no momento em que nada vê, ou a um espelho que nada

reflecte. Coisa alguma chega à sua esfera, salvo ele próprio,

ainda que todas as coisas exteriores a ele sejam iluminadas,

activadas e adquiram consciência graças ao seu brilho puro,

impassível e verdadeiro. Inicialmente foi imaginado como do

tamanho de um átomo, mas depois foi concebido como todo-

penetrante e infinito, sem actividade, imutável, além da esfera

dos movimentos, no "topo". A mónada está desapegada e

ilibada, absolutamente indiferente, sem inquietações e

desprendida; portanto, jamais está realmente cativa nem é, em

verdade, libertada, senão eternamente livre. De facto, a

libertação implicaria um estado de prévio encarceramento e

não se pode dizer que tal prisão seja capaz de tocar o "Homem

interior". O problema do Homem consiste, simplesmente, em

que não compreende sua permanente e sempre presente

liberdade, devido ao estado turbulento, ignorante e dispersivo


da sua mente. Todavia, o Sámkhya e o Yôga, em contraste com

a concepção bramânica ortodoxa, consideram que a actividade

dos gunas não é menos real nem menos auto-suficiente do que

o transcendente repouso da mónada vital. A matéria ( Prakrití,

composta dos gunas) oculta realmente a mónada vital; não é

uma simples sobreposição ilusória e enganosa. O Púrusha estava

coberto pelos veículos do corpo e da personalidade, e os

obscuros e espessos gunas não permitiam que sua imagem se

revelasse. Apenas a translúcida essência de sattwa clarificado

permite que se torne visível, como um cristal nas águas calmas

de um pequeno lago. E, no momento em que é reconhecido, sua

manifestação nos faz saber de imediato que ele é nossa

verdadeira identidade. Lembramos e saudamos a mónada vital,

mesmo sendo distinta de tudo o que há neste composto

fenoménico de corpo e psique, os quais, sob a ilusão causada

por nossa habitual ignorância e consciência indiscriminadora

(avídya), havíamos torpemente confundido com a essência

permanente e real de nosso ser. Mas, apesar de isolado, ele é

todo-penetrante e dotado de omnisciência, pois, uma vez que

sua essência livrou-se das características qualificantes,

individualizantes, ele é absolutamente ilimitado. O acesso à

verdade demanda uma passagem para além do âmbito do

pensamento ordenado, da razão. E, na mesma moeda, o

ensinamento da verdade transcendente não pode ser

transmitido mediante a lógica, mas somente através de


fecundos paradoxos, símbolos e imagens. A mente pode elevar-

se e entrar na sublime esfera mediante as asas dos símbolos

que representam a Verdade-além-dos-pares-de-opostos,

escapando, por meio dessas asas, da armadilha criada pelo

princípio fundamental da vulgar lógica humana, o princípio

elementar da incompatibilidade dos opostos. Porque o

"transcendente" significa o acto de transcender (entre outras

coisas) as leis básicas, lógicas e limitadoras que regem a mente

humana (Zimmer, 1986).

O Sámkhya é realista, na medida em que toma por ponto de

partida a dualidade que está na base de todo o universo

manifestado, para desembocar finalmente num estado em que a

Prakrití, como princípio evolutivo, deixa de existir para o

espírito libertado. O "desaparecimento" da Prakrití, que não é

explicado, mas apenas ilustrado através de algumas metáforas

sugestivas, tais como, a da bailarina que se retira, ou a da

jovem pudica que se esconde ao ser surpreendida por olhares

indiscretos, lembra-nos que um dos nomes da Prakrití é Máyá,

a magia ou o poder de ilusão. Assim, que a ilusão é reconhecida

como tal desvanece-se. A Natureza é a grande sedutora, que

mantém todos os seres encarnados sob a acção do seu encanto,

sujeitos à sua jurisdição. Mas, quando o sujeito consciente

"acorda", o jogo cósmico desaparece. A Prakrití desaparece,

funde-se (layati), é reabsorvida no seu princípio, o poder de

exterioridade é reintegrado no imutável, o princípio Feminino é


reconduzido ao princípio Masculino, a dualidade é abolida,

permanecendo apenas a Realidade única (Michael, 1978).

Em suma, as características principais do Sámkhya, são:

1) afirmação de que toda a vida é necessariamente sofrimento;

2) indiferença ao teísmo e ao ritualismo dos sacrifícios

védicos;

3) declarada oposição às extravagâncias ascéticas;

4) a crença no parináma-nityatva, o "constante devir do mundo"

(Zimmer, 1986).

Do seu continuum imanifesto original emerge o universo

manifesto, de acordo com um projecto definido ou «plano

terreno». Esta teoria recebe o nome técnico de sat-karya-

váda, ou, mais precisamente prakrití-parináma-váda

(Feuerstein, 1977) ou, simplesmente, parináma-váda (Sarma,

1967). O primeiro termo implica que o efeito (karya) é

preexistente (sat) na causa; o segundo significa que o efeito é

uma modificação real do mundo terreno e não apenas a

aparência ou ilusão. Isto significa que tudo quanto passe a

existir não é uma produção completamente nova, diferente de

tudo, mas a manifestação (avirbhava) de possibilidades

latentes; além disso, o desaparecimento de um objecto

existente não significa seu aniquilamento total, mas apenas


tornar-se latente outra vez. Isso é designado por tirôbhava ou

«desaparecimento» (Feuerstein, 1977); (5) para o Sámkhya (e

para o Yôga) existe Prakrití (a matéria primordial), que ao

emanar se divide; e, Púrusha, que é múltiplo, ou seja, existe

Prakrití e Púrushas (Henriques, 1990).

O Vêdánta critica a concepção da pluralidade dos Si

(Púrushas), tal como a formularam o Sámkhya e o Yôga (Eliade,

1954). Kapila, o mítico fundador da doutrina Sámkhya, foi

primeiramente considerado como heterodoxo e nenhum nome

de mestres brahmanas da linha védica aparece entre os

primitivos expositores do Sámkhya e do Yôga (Zimmer, 1986).

De facto, afirmam estas duas escolas, existem tantos

Púrushas quantos Homens existem. Cada Púrusha é uma

mónada, completamente isolada, pois o Si não pode ter nenhum

contacto, nem com o mundo ao redor (derivado da Prakrití) nem

com os outros espíritos. O cosmos é povoado por esses

Púrushas eternos, livres, imóveis, mónadas entre as quais

nenhuma comunicação é possível. Segundo o Vêdánta, essa

concepção não tem fundamento e a pluralidade dos Si é uma

ilusão. Contudo, o Sámkhya e o Yôga viram-se obrigados a

postular a multiplicidade dos Púrushas, pois, se não tivesse

havido mais do que um só espírito, a salvação teria sido um

problema infinitamente mais simples, e o primeiro Homem

liberto teria ocasionado a libertação de todo o género

humano, isto é, se existisse um só espírito universal, a


existência concomitante dos espíritos "libertos" e dos

espíritos subjugados não seria possível. E mais ainda, nesse

caso, nem a morte, nem a vida, nem a diversidade dos sexos e

das acções teriam podido coexistir (Eliade, 1954). Todavia, no

século XV d.C., no Vêdántasára, e novamente no século XVI, nos

escritos de Vijñána Bhiksu, ambas as filosofias são

apresentadas simultaneamente, conforme a teoria de que

revelam a verdade sob dois pontos de vista. Na verdade, os

protagonistas das duas escolas colaboraram na Índia durante

séculos, emprestando-se mutuamente importantes conceitos

com o propósito de expor os mistérios do caminho que leva ao

seu objectivo comum: o môksha (libertação) (Zimmer, 1986).

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1.3.1 - "Corpos" do Homem e planos do


Universo
Os planos do Universo conhecidos são: o físico, o emocional

(também chamado astral), o mental, o intuicional e o monádico.

Depois, o ádi (primordial) e o anupádaka. O ser humano actua

nesses planos através de veículos ou "corpos" que tenham o

mesmo comprimento de onda: no plano físico, um corpo físico;

no plano mental um corpo mental; e assim sucessivamente

(DeRose, 2000). O arcaico Taittiriya Upanishad, escritura

esotérica sânscrita do século VIII ou IX a.C., já falava de

cinco revestimentos ou "corpos" (kôshas), que inibem a luz do


Eu ou Espírito transcendental. Esta teoria foi adoptada depois

pela maioria das escolas vídicas. O revestimento mais

rudimentar é o corpo físico denso, composto por quatro

elementos materiais. É conhecido como revestimento feito de

alimento (annamáyákôsha). Um pouco mais subtil, está o

revestimento de força vital ou corpo físico energético

(pránamáyákôsha). Seguindo a hierarquia, vem o revestimento

mental (manômáyákôsha), responsável pelo processamento de

toda a informação recebida pelos sentidos. Depois, vem a

mente superior (vijñánamáyákôsha). E, por último, o

revestimento feito de bem-aventurança (ánandamáyákôsha)

[4] (Feuerstein, 1995). Ou seja, o organismo humano compõe-se

de distintas partes, mais ou menos indissoluvelmente

conectadas, denominadas: sthúla sháríra (corpo físico ou

denso), súkshma sháríra ou linga sháríra (corpo subtil ou

astral) e karana sháríra (corpo causal). O corpo denso tem

somente um veículo: annamáyákôsha; o corpo astral tem três:

pránamáyákôsha, manômáyákôsha e vijñánamáyákôsha; e o

corpo causal possui o último: ánandamáyákôsha (Devananda,

1974; Feuerstein, 1997). No entanto, a maioria das escolas

filosóficas de inspiração orientalista, adopta a divisão

didáctica em sete níveis de actuação do ser humano no

universo, em ordem de subtileza crescente. Desses sete

veículos de manifestação da consciência, os quatros primeiros

(corpo físico denso, físico energético, emocional e mental


concreto), considerados concretos, chamam-se quaternário

inferior ou personalidade (simbolizados pelo quadrado); os

três mais subtis (corpo mental abstracto, intuicional e

mónada), considerados abstractos, denominam-se tríade

superior ou individualidade (simbolizados pelo triângulo). Para

os reencarnacionistas, a tríade é a parte que reencarna e o

quadrado consome-se totalmente, entre uma encarnação e

outra (DeRose, 1992). Cada revestimento possibilita um avanço

progressivo em direcção à realidade e à comunhão superior. Por

isso, os iniciados esforçam-se cada vez mais para melhorar o

seu autoconhecimento. Esse é o único meio de alcançar

patamares cada vez mais altos. O alvo é o despertar como Eu

(Púrusha), livre de todos os revestimentos (Feuerstein, 1995).

A correspondência entre os chakras e os "corpos" do Homem,

é: o múládhára é a sede da kundaliní; swáddhisthána

corresponde ao corpo físico denso; manipura, ao físico

energético; anáhata, ao emocional; vishuddha, mental; ájña,

intuicional; sahásrara, monádico. A correspondência entre os

níveis de consciência e os planos do Universo onde os "corpos"

ou veículos do Homem se manifestam, é: plano físico

corresponde ao inconsciente; plano emocional, ao

subconsciente; plano mental, ao consciente; intuicional, ao

supraconsciente; e o monádico, ao hiperconsciente (DeRose,

2000).
Em suma, em termos yôguicos, a estrutura da personalidade

humana é uma réplica em miniatura (ksudra-brahmánda) da

estrutura do próprio cosmos; noutras palavras, ele mostra as

mesmas camadas do ser que também compõem a hierarquia da

natureza (Feuerstein, 1977).

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1.3.2 - PSICOLOGIA DO SÁMKHYA-


YÔGA
O Yôga pode ser definido como a tecnologia da transformação

da consciência. A primeira esfera de operação no Yôga é a

mente humana. Por causa da pressão da mente profunda,

dependente da acção recíproca incessante dos constituintes

primários (gunas), e devido à regeneração constante através

dos canais sensoriais, a mente está num contínuo estado de

excitação ou fluxo (vritti) (Feuerstein, 1977). Esta constante

agitação da mente (Zimmer, 1986), oculta a verdadeira

natureza do Homem (o Púrusha) (Sivananda, 1992). De acordo

com a teoria hindu, a mente transfigura-se continuamente nas

formas dos objectos que percebe. Sua subtil substância toma

as formas e as cores de tudo que lhe oferecem os sentidos, a

imaginação, a memória e as emoções. Noutras palavras, está

dotada de um poder de transformação ou metamorfose

ilimitado e incessante. Assim, a mente é uma onda contínua,

como a superfície de um lago submetida à brisa, tremulando


com reflexos entrecortados, variáveis e dispersos. O processo

psicológico é entendido pelo Sámkhya e pelo Yôga, em termos

estritamente mecânicos. O constante tumulto da

transformação provocado no órgão interno pela percepção, a

emoção, o pensamento e a vontade, não difere em sentido

específico das mudanças observáveis no mundo externo. A

única diferença está em que no mundo externo a matéria é

densa, ao passo que no interno é subtil (Zimmer, 1986).

De acordo com a análise da psique elaborada pelo Sámkhya e

adoptada como certa pelo Yôga, o Homem é "activo" através

dos cinco "órgãos de acção" (karmêndriya), e "receptivo"

através dos cinco "órgãos de percepção" (jñánêndriya). São

conhecidos como as "faculdades que agem para fora"

(báhyêndriya) e funcionam como se fossem muitas "entradas"

ou "portas", ao passo que o "intelecto" (ou aparelhagem mental

comum) - manas), o "ego" (ou sentido de individualidade) -

ahamkára, e o "julgamento" (ou faculdade intuitiva) - buddhi,

actuam como "porteiros". Os três últimos, tomados em

conjunto, constituem o chamado "órgão interno" (ou mente,

consciência) - antahkarana ou chitta. O ahamkára é o "conceito

errado", o convencimento, a suposição ou a crença que reporta

todos os objectos e actos da consciência a um "eu" (aham). O

ahamkára acompanha todos os processos psíquicos, produzindo

a ideia errónea de que "eu ajo", "eu ouço", "eu vejo", "eu sou

rico e poderoso", "eu desfruto", "eu vou sofrer", etc.; porém,


na verdade, nosso ser real, o Púrusha, carece de tais

modificações, pois não está implicado com os processos da

matéria vivente (Prakrití) (Zimmer, 1986). De facto, o Homem

não é apenas uma aglomeração ou arranjo casual dos valores

constituintes da natureza insensível. Sua essência é o Eu

(Púrusha), que está além do domínio da existência cósmica e,

assim, além da personalidade humana. Não há, então, nenhuma

conexão real entre o complexo corpo-espírito humano e o Eu

eterno [1] [ [1] 5 [1] ]. Esta identificação do Homem com o

complexo corpo-espírito, que sem a proximidade do Eu seria

simplesmente matéria inconsciente funcionando

mecanicamente, é devida à ignorância (avídya). Esta aparente

"união" entre o sujeito transcendental (Púrusha) e a natureza

objectiva (Prakrití) é responsável pela inquietação, dependência

e sofrimento (dúhkha) do Homem. A ignorância humana de sua

natureza essencial, é vista como o solo do qual nascem a

egoidade, o apego, a aversão e a ânsia de vida. Estas são as

«causas do sofrimento» (os klêshas). Sua atenuação e

erradicação última são o único objectivo do Yôga (Feuerstein,

1977). A mente, por si mesma jamais ficaria parada como um

espelho perfeito e cristalino, em seu "estado próprio",

reflectindo tranquilamente o Homem interior porque, para que

isso aconteça, será necessário deter as impressões sensórias

vindas do exterior (que são como as águas afluentes,

turbulentas e perturbadoras da substância translúcida), bem


como os impulsos internos: recordações, pressões emocionais e

as incitações da imaginação (que são como fontes internas)

(Zimmer, 1986). Assim, um simples entendimento intelectual de

que o Homem não é idêntico ao complexo corpo-espírito -

conforme a aplicação do Sámkhya Clássico - é considerado

insuficiente por Pátañjali. Assim, ele compreendeu a

importância das tendências subliminais na profunda consciência

humana, que nenhuma atitude racional pode desmascarar e

eliminar. Ele antecipou, então, a ideia psicanalítica do

«inconsciente». De acordo com o Yôga, toda a experiência

deixa sua impressão na mente profunda (buddhi) que, por sua

vez, influencia o pensamento e o comportamento. Estas

impressões são chamadas samskáras. Os samskáras de um

mesmo tipo combinam-se para formar configurações ou

"rastros" (vásanás) na mente profunda (Feuerstein, 1977).

Vásaná pode usar-se com referência ao odor que persiste numa

roupa que foi perfumada com um vapor fragrante. Uma vasilha

de barro cru conserva o aroma da primeira coisa que conteve, e

da mesma forma o corpo subtil está impregnado pelos vásanás

de todo o seu karma (acção) anterior. Estes vásanás tendem a

causar samskáras, cicatrizes permanentes que acompanham o

corpo subtil de vida em vida (Zimmer, 1986). Os vásanás são as

forças ocultas postadas atrás da vida consciente do Homem e

formam o depósito latente de seu destino (karma-acaya). A

menos que eles sejam completamente exterminados pela


prática do samprájñata samádhi, o Homem é aprisionado no

ciclo de nascimentos e mortes sucessivas (samsara-chakra)

(Feuerstein, 1977).

O objectivo do Yôga é, portanto, reduzir todas as falsas

identificações do Homem com os agregados da matéria

primordial insensível até ao ponto em que ele possa

transcender completamente a matéria primordial. Este estado

de Autodescoberta ou Autocompreensão é a libertação

(kaivalya). O "Contemplador" não existe para nenhum outro que

o Eu transcendente do Homem (Púrusha) que habita

eternamente além dos sentidos e da mente e que é consciência

pura. Ele é a essência imutável do Homem. Tudo o mais não

passa de matéria insensível. Baseando-se neste dualismo

inflexível, o rei Bhôja, que escreveu um comentário sobre o

Yôga Sútra, sugere que o Yôga signifique realmente viyôga ou

«separação»: sua técnica básica é o discernimento entre o Eu e

o não-eu ou o universo material. Todavia, este dualismo

rigoroso conduz a um sério problema filosófico. Pois se não há

nenhum vínculo real entre o Ser-Percepção (o Eu) e o

aglomerado inconsciente dos elementos (o organismo), como se

pode afirmar que o Eu induz a consciência? A resposta dada

por Pátañjali no Yôga Sútra, é que a Percepção transcendental

do Eu causa um "reflexo" no componente mais altamente

organizado da matéria primordial ou, em termos psicológicos,

da personalidade humana, chamado buddhi - com sua


predominância de sattwa-guna. Este "reflexo" é a consciência

comum. As consequências práticas deste modelo psicológico são

evidentes. Se a natureza real do Homem repousa além do

organismo psicossomático, então o Homem deve reidentificar-

se, em virtude da consciência humana, com o Eu. Sua habilidade

para isto é garantida pelo facto de que o ser e a consciência

são correlatos, dado que compartilham da mesma estrutura. O

caminho para o Autoconhecimento e para o desembaraçamento

de tudo o que não pertence à natureza intrínseca do Homem é

conseguido por meio do desapego (vairágya) e da prática

constante (abhyása). A essência do primeiro está na aplicação

de vários graus de experiência enstática (samádhi)

(Feuerstein, 1977). O ponto de partida para este estado de

hiperconsciência é a concentração num só ponto, firme e

contínua (êkágratá) (Eliade, 1954). Vyása, em seu Yôgabháshya

(I, 1), distingue cinco estados da mente:

        1) kshipta - instável;

        2) mudha - confusa;

        3) vikshipta - distraída;

        4) êkagra - unipunctual; e,

        5) nirôdha - reprimida.

Os dois primeiros estados são característicos da mente


neurótica e indisciplinada, enquanto que o terceiro é uma

combinação de unilateralidade e distracção temporária. Apenas

os dois últimos estados pertencem ao Yôga (Feuerstein, 1977).

O Yôga baseia-se, portanto, numa doutrina de funcionalismo

psicológico. Para controlar e experimentar este funcionalismo,

o pré-requisito necessário é uma soberana independência de

todos os pares de opostos (dvandva) que, vindos de fora,

atacam e reduzem o Homem. Somente um yôgin completo, no

perfeito domínio do seu próprio microcosmo, pode diluir as

entidades pertencentes ao reino macrocósmico do nome e da

forma, e fazê-las reaparecer segundo sua vontade. Mediante o

Yôga, as transformações ou tattwas voltam a dissolver-se e

este movimento inverso representa um processo de involução.

O processo anterior, isto é, o da evolução dos tattwas a partir

do subtil para o denso, está caracterizado por um contínuo

aumento do guna tamas, ao passo que, com o processo inverso, o

guna sattwa volta a prevalecer. No entanto, o Púrusha, a

mónada vital, não tem nenhum envolvimento nestes processos.

O Púrusha está absolutamente além do sistema dos gunas, quer

seja evolutivo ou involutivo. Autoluminoso e auto-existente,

majestoso, ele nunca muda, enquanto Prakrití continuará

mudando sempre. Quando se alcança o conhecimento perfeito

do Púrusha, não se abandona imediatamente o corpo denso e o

subtil; a vida continua durante um tempo considerável. O corpo

do kêvalin (isolado) continua com todos os seus processos


naturais - densos e subtis - mesmo quando o próprio

Conhecedor, muito acima deles, está simplesmente a

contemplar com sublime indiferença; porque a vida actual é o

resultado de acções anteriores, é o fruto de sementes

plantadas antes de atingir a emancipação e devem amadurecer

até à plenitude de seus dias. Por outro lado, a força

germinativa de todas as sementes que ainda não brotaram é

detida e consumida. O Conhecedor sabe que não pode haver

vida ou vidas futuras para ele, porque retirou seus impulsos do

processo. Daqui em diante, ele simplesmente suporta os

acontecimentos da sua existência sem se comprometer com

nada novo, até ao momento em que - quando a força das acções

que frutificam se extingue - a morte o leva sem possibilidade

de retorno (Zimmer, 1986). Porém, devido à simultaneidade e

às relações que irão se estabelecer entre Púrusha e Prakrití,

pode-se dizer que há sob este dualismo explícito um monismo

implícito. É Púrusha que dá sentido à Prakrití, e no estado de

hiperconsciência (samádhi), o dualismo desaparece, só a

realidade de Púrusha é percebida, ou melhor, é auto-percebida.

Para isso, o caminho do Púrusha até ao mundo sensorial e

concreto, como manifestação da Prakrití, deve ser percorrido

pelo yôgin ao contrário, pois o intelecto, como individuação de

buddhi, só pode compreender o que surge dele; jamais mahat,

jamais Púrusha (Henriques, 1990). Se a kundaliní depois de

despertada não pára na sua progressão, o princípio ( tattwa)


inferior é dissolvido no princípio imediatamente superior, o

grosseiro no subtil, o efeito na causa, etc. (Marinho, 1985).

Quando a kundaliní (pólo espécie, feminino, negativo, dinâmico)

se une a Shiva (ou Púrusha) (pólo indivíduo, masculino, positivo,

estático), no sahásrara chakra, o yôgin entra em samádhi

(Woodroffe, 1979). A palavra Yôga (união), refere-se a este

"casamento de energias" (mahamaithuna) de pólos opostos, que

elimina toda a dualidade (masculino/feminino, bem/mal,

interior/exterior, superior/inferior, etc.) (Chaudhuri, 1992). O

procedimento de trazer a kundaliní desde a base da coluna

(múládhára chakra) até ao topo do crânio (sahásrara chakra),

designa-se por shaktí-chalana (Sivananda, 1953). Shat-chakra

bhêda(na), refere-se à travessia da kundaliní através dos

chakras (Feuerstein, 1998; Michael, 1978; Woodroffe, 1979).

Em resumo:

        devido à ignorância que nos faz confundir o Eu (Púrusha, o

"espírito", que é eterno, puro e beatitude) com a experiência

psicomental, estamos todos presos num ciclo existencial (de

transmigrações), que resulta inevitavelmente em sofrimento

(Eliade, 1954);

        a mente está em constante agitação (Zimmer, 1986),

ocultando a verdadeira natureza do Homem (Sivananda, 1992);

        porém, a prática de meditação pode suprimir estas ondas


de pensamento (Sivananda, 1992). No momento em que a

quietude da mente é consumada, a mónada (o Eu) revela-se,

como a jóia no fundo de um manso lago (Zimmer, 1986). Ou

seja, o conhecimento do Eu só é possível se os estados

ordinários de consciência forem substituídos por uma

"experiência" enstática, supra-sensorial e extra-racional

(samádhi) (Eliade, 1954). O intelecto funciona dentro do reino

da dualidade, mas é inefectivo no reino da não-dualidade. Única

e exclusivamente através da intuição se pode obter o

conhecimento do Ser; só a intuição pode compreender o

Infinito (Sivananda, 1992);

        nesse mesmo instante dá-se a libertação do ciclo

existencial (kaivalya; môksha). Não é algo que se alcance

depois da morte (Sivananda, 1992). O ideal do Yôga: o estado

de jívanmukta (liberto vivo) é o de viver num «eterno

presente», além do tempo (Eliade, 1954).

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1.4 - As iniciações guerreiras: a prova


do labirinto
Para qualquer sociedade tradicional, o sofrimento possui um

valor ritual, porque se crê que a tortura é efectuada por seres

sobre-humanos e tem como finalidade a transmutação

espiritual da vítima. A tortura é, também ela, uma expressão da

morte iniciática. Ser torturado significa que se é cortado em


bocados pelos demónios - mestres da iniciação. O objectivo é

"matar" o Homem profano para lhe permitir regenerar-se.

Identificando as forças do mal com os demónios, o Cristianismo

retirou-lhes quaisquer funções positivas na economia da

salvação (Eliade, 1989). Quando a kundaliní se eleva, o adepto

põe-se debaixo da protecção de poderosas entidades, de

egrégoras psíquicas, de forças colossais, de vigilantes angélicos

que formam os génios protectores e são os guardiães do

Umbral, os protectores, os deuses. A troco da sua protecção

exigem sacrifícios psíquicos; assim, alguns esgotamentos

psíquicos, algumas formas de "tuberculosis mística" são as

manifestações dessas devoradoras deidades quando se

encontram com um ser humano permeável (Riviére, 1962). O

simbolismo dos guardiães remete claramente para a iniciação (a

entrada), que pode ser interpretada como passagem pela porta.

A porta simboliza o lugar de passagem entre dois estados,

entre dois mundos, entre o conhecido e o desconhecido, as

trevas e a luz, a penúria e o tesouro. A porta abre-se para um

mistério. Mas, tem um valor psicológico; pois não só indica uma

passagem, como ela convida a atravessá-la. É o convite à viagem

para o além... (Chevalier & Gheerbrant, 1997). O iniciado tem

que atravessar a porta, o «Umbral», e ultrapassar as rasteiras

do seu guardião. Na mitologia hindu, o guardião das portas (o

«Senhor do Umbral») é Ganêsha ou Ganapati (Chevalier &

Gheerbrant, 1997; Daniélou, 1989), o filho de Shiva, o deus


com cabeça de elefante, «Senhor e Chefe das hostes

elementais de Shiva», os ganas, e «Senhor e Chefe dos

Obstáculos» (Daniélou, 1989; Zimmer, 1997). Enquanto mestre

dos obstáculos é chamado Vighnêshwara. É ele que cria as

dificuldades em todas as realizações humanas ou espirituais.

Simbolicamente, Ganêsha representa a união fundamental do

macroscosmo e do microcosmo, do Ser imenso (o elefante) e do

ser individual (o Homem). Esta identidade aparentemente

impossível é a chave de toda a experiência transcendente ou

ritual, assim como das possibilidades do Yôga. O veículo de

Ganêsha é o rato, o animal que penetra no interior das coisas,

desvenda os mistérios. Numa analogia com a lenda cretense,

Ganêsha (o Minotauro), ao serviço da deusa (kundaliní), guarda

a entrada do labirinto (a rede de nádís), os misteriosos

caminhos no interior do corpo humano que partem da energia

enrolada na base da coluna vertebral (Daniélou, 1989). "Um

labirinto é a defesa, por vezes mágica, de um centro, de uma

riqueza, de uma significação. Penetrar aí pode ser um ritual

iniciático, como o vemos pelo mito de Teseu [1] [ [1] 6 [1] ]. Esse

simbolismo é o modelo de toda a existência que, através

numerosas provações, avança para o seu próprio centro, para si

mesmo, para o Átmam (o Eu), para empregar o termo indiano..."

(Eliade, 1987, p. 137). No Yôga, o centro de Ganêsha encontra-

se situado na região do recto. Para lá da porta, encontra-se o

labirinto de entraves, os caminhos tortuosos, que conduzem aos


órgãos vitais. Não agrada aos deuses que o Homem chegue ao

conhecimento, libertar-se da ilusão do mundo das formas. Tudo

está previsto para despistá-lo. É por isso que o caminho do

conhecimento é torto. Todas as vezes que julgamos estar

próximo da verdade, perdemo-nos. Precisamos voltar atrás,

mudar de caminho. O espírito humano não pode alcançar

directamente a realidade divina. Para consegui-lo, é necessário

seguir caminhos tortuosos, vias subterrâneas, inesperadas,

misteriosas. Mas, aquele que com coragem encontrar a saída do

labirinto, torna-se um víra (heroí) (Daniélou, 1989). Nas

iniciações guerreiras, a prova iniciática típica é a luta com o

"monstro". Ao nível tântrico, estes "monstros" figuram nas

forças do inconsciente saídas do "vazio" universal: trata-se de

vencer o medo que eles suscitam. Ora, sabe-se que a grandeza

e o aspecto terrível destes "monstros" não são outra coisa que

uma criação do "medo iniciático". Este aspecto da iniciação

revela certas similitudes de estrutura entre o mandala [1] [ [1] 7

[1] ] e o labirinto. Para além das suas funções ritualísticas, o

mandala pode simbolizar o além, e ao ser conquistado e

penetrado, graças à iniciação, realiza efectivamente uma

descida aos infernos ("morte" seguida de "ressurreição"); por

outro lado, representa um "sistema de defesa", tanto espiritual

(defesa contra os maus espíritos e os demónios, forças do

caos) quanto material (contra os inimigos) (Eliade, 1954).

Também o yôgin "morre para esta vida" para renascer noutro


modo de ser: o que é representado pela libertação (kaivalya).

"Mata-se" a própria existência profana, histórica, já usada,

para obter uma existência imaculada, aberta, não conspurcada

pelo Tempo (Eliade, 1989), ou seja, o yôgin transcende o mundo

fenomenal e entra no estado não-condicionado e intemporal

onde "não existe dia nem noite" ou "não existe doença ou

velhice", fórmulas que pretendem significar a "libertação do

Tempo". Transcender "o dia e a noite" significa transcender os

contrários (masculino/feminino, bem/mal, interior/exterior,

superior/inferior, etc.); é a coincidência entre o tempo e a

Eternidade. No plano puramente "humano", é a reintegração no

Andrógino primordial, a união, no seu próprio Eu, do macho e da

fêmea, numa palavra: a reconquista da plenitude que precedeu

toda a Criação (Eliade, 1954). Barahona (1996) escreveu: "Da

mesma maneira que o Homem caiu da elevação do seu estado

edénico por causa do conhecimento do bem e do mal, é deste

mesmo conhecimento que deverá, finalmente, libertar-se" (p.

339); Jung (1997) escreveu: "Na Índia o que me preocupou

acima de tudo foi o problema da natureza psicológica do mal...

Para um oriental, o problema moral não parece ocupar o

primeiro plano, tal como ocorre connosco. Para ele,

pertinentemente, o bem e o mal são integrados na natureza, e

em suma, são apenas diferenças de grau de um único ou mesmo

fenómeno. Espantava-me o facto de que a espiritualidade

indiana contivesse tanto o bem como o mal. O cristão aspira


pelo bem e sucumbe ao mal; o indiano, pelo contrário, sente-se

fora do bem e do mal, ou procura obter esse estado pela

meditação ou o Yôga... A meta do indiano não é atingir a

perfeição moral, mas sim o estado de nirvana" (p. 242-243); e,

Buda (1996) disse: "Aquele que neste mundo foi para além do

bem e do mal, que, liberto de sofrimentos, está livre de

paixões e é puro - a ele chamo brahmana (membro da casta

sacerdotal hindu)" (p. 149). Portanto, a iniciação (díkshá) é uma

passagem dum estado de ser a outro estado de ser. É uma

espécie de morte, uma "morte activa". Aquele que "renasce" é

uma pessoa diferente. Esta transformação diz respeito ao ser

humano como um todo. Será mesmo o corpo que é

transfigurado, com as suas energias funcionais. É o Homem

inteiro, físico e mental, que deverá "ressuscitar",

transfigurado de entre os mortos (Daniélou, 1989).

Sivananda (1953, 1991) é da opinião que um cobarde é

absolutamente inapto para o caminho espiritual, pois, às vezes,

seres elementais aparecem durante a meditação. Sivananda diz

que são figuras estranhas: umas têm dentes compridos e

rostos grandes, outras têm três cabeças, outras têm a cara no

ventre, algumas não têm carne nem pele, etc. São bhútas

(elementais), habitantes de bhuvar lôka (plano astral inferior).

Supõe-se que são ajudantes (os ganas) do Senhor Shiva. Têm

formas terroríficas, mas não causam dano algum. Simplesmente

aparecem em cena, para pôr à prova a força e a coragem do


yôgin. Não podem fazer nada perante um aspirante puro e

ético. A repetição de ÔM ou o mantra do guru (Mestre) os

arremessará para longe.

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2 - EXPANSÃO DAS ARTES


MARCIAIS PELO MUNDO
A maioria dos historiadores considera que o "berço" das artes
marciais foi a Índia, tendo-se difundido dali para a China,
Birmânia e mesmo para o Ocidente, tendo chegado à Pérsia e
Grécia (Nieto, 1986).

A lenda diz-nos que no século VI d.C. um certo monge indiano


chamado Bôdhidharma (em chinês: Ta-mo ou Da-mo; em
japonês: Daruma Taishi ou Bodai Daruma) cruzou os Himalaias a
pé e chegou ao Templo de Shaolin nas montanhas Song Ham
(segundo outros autores seria nas montanhas Shao-Shi) no
norte da China. O propósito desta missão era revitalizar o
movimento budista na China. Bôdhidharma encontrou os monges
aí residentes numa terrível condição física, iniciando então uma
série de exercícios respiratórios baseados no Yôga. Na sua
recuperação, Bôdhidharma instigou um regime de
condicionamento físico, em dezoito exercícios, que foi mais
tarde documentado num manuscrito que ficou conhecido por I-
Chin-Ching ou o clássico do desenvolvimento muscular. Uma
arte marcial foi desenvolvida a partir destes exercícios,
chamada Shih pa lo han ou "as dezoito mãos de lo han".
Tradicionalmente, ela tornou-se o método Shaolin de boxe
chinês, e a base de todos os estilos de Kung Fu de Shaolin
(Lewis, 1986). Durante os primeiros estágios do seu
desenvolvimento, o Kung Fu praticado no mosteiro de Shaolin
teve muitos nomes. Às vezes, foi designado por Nalo-jan e
também Arohan. Mais tarde, foi chamado I-jinsin (Corcoran &
Farkas, 1988).

Alguns historiadores encontram a origem do Pancrácio, uma


forma de luta grega pré-cristã, que englobava uma combinação
de formas antigas de boxe e luta, na arte indiana do
Vajramushti (Corcoran & Farkas, 1988).

Da China, as artes marciais difundiram-se em tempos antigos


para a Mongólia, Coreia, Japão e Okinawa (actualmente
pertence ao Japão), bem como para a Birmânia, Java, Sumatra,
Bornéo e Filipinas. Actualmente, depois da grande expansão que
tiveram após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as artes
marciais são praticadas em todo o mundo. Contudo, a mente
ocidental encontra-se mais aberta à adopção das disciplinas
orientais como actividade desportiva do que como continente
de valores filosóficos, nem sempre compreensíveis nem
assimiláveis (Nieto, 1986).

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NOTAS:

[1] Termo sânscrito que pode ser traduzido por serpentina ou


enroscada, aquela que tem a forma de uma serpente. É um
termo feminino por ser o Poder Ígneo, de natureza feminina,
isto é, de polaridade negativa. Kundaliní é uma energia física,
de natureza nervosa e manifestação sexual (DeRose, 1992,
1999; Santos, 2000).

[2] Termo sânscrito que pode ser traduzido por roda ou


círculo. São centros de força situados em todo o corpo humano;
os sete principais localizam-se no plano médio-sagital (ao longo
da coluna vertebral, intercílio e topo do crânio) (DeRose, 1999).

[9] [3] Tantra é o nome dos antigos textos de transmissão oral


(parampará) do período pré-clássico da Índia (Civilização do
Vale do Indo ou Harappiana), portanto, de mais de 5000 anos.
Mais tarde (por volta do século VIII d.C.), alguns desses
textos foram escritos e tornaram-se livros ou escrituras
secretas do Hinduísmo (DeRose, 1992, 1998). Tantra pode
significar rede, tecido (DeRose, 1999), trama do tecido ou teia
(DeRose, 2000). De uma maneira poética e iniciática, Tantra
seria como uma teia de aranha na floresta pela manhã,
incrustada de gotas de orvalho, como subtis diamantes
brilhando ao Sol. E, quando ela fosse tocada grosseiramente
pelo profano, se desvaneceria instantaneamente (Santos,
2000). Outras traduções de Tantra são: "aquilo que espalha o
conhecimento", "manual que expõe uma doutrina" (DeRose,
1992), ou "regulado por uma regra geral" (DeRose, 1998). De
acordo com DeRose (1998), Tantra pode ainda designar o
encordoamento de um instrumento musical. Breaux (1991)
refere também que, Tantra deriva da raiz tan, que significa:
continuar, multiplicar, expandir. Na Índia antiga, era usada com
o significado de «entrelaçar», descrevendo a natureza
entrelaçada do mundo e das nossas acções, a continuidade de
causa e efeito e a interdependência essencial de tudo o que
existe. Por outro lado, o Kamika Ágama (citado por Sivananda,
1979, e por Mahadeva, 1979) declara que o Tantra chama-se
assim porque explica o conhecimento relativo a tattwa
(Verdade ou Brahman) e mantra (vocalização de sons), e porque
salva (tranat).

[10]   [11] [4] Algumas escolas consideram ainda um corpo


emocional (kámamáyákôsha), antes do mental.

[12] [5] Para o Budismo o eu é o não-eu, isto é, anatha (ou


anátmam). No Vêdánta monista, o eu existe, mas não o mundo,
este é máyá, ilusão. No Yôga existe o mundo e o eu; ilusória é a
relação entre ambos (Henriques, 1990).

[13] [6] Herói grego, filho de Egeu e rei de Atenas, personagem


semi-histórica, semi-lendária. Os seus trabalhos oferecem
certa analogia com os de Hércules. Guiado no labirinto de Creta
pelo fio de Ariadne, filha de Minos, conseguiu matar o
Minotauro, monstro que se alimentava de carne humana
(Dicionário prático ilustrado, 1963).

[14] [ [15] 7 [16] ] Símbolo complexo e labiríntico, geralmente


composto por círculos (concêntricos ou não) (DeRose, 1999).

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58 - Wheeler, Sir M. (1972). Índia e Paquistão. Lisboa: Editorial Verbo.


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59 - Zimmer, H. (1986). Filosofias da Índia. São Paulo: Palas Athena.

60 - Zimmer, H. (1997). Mitos e símbolos na arte e civilização indianas.


Lisboa: Assírio & Alvim.

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