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"Adere profundamente à realidade, com o coração do teu ser! Não há mais nada o que buscar!

"
dakini Lalita Devi

Vijñânabhairava Tantra: traduzido para o português por Thiago Goulart, a partir do livro
“Tantra Yoga – Le tantra de la connaissance suprême” traduit et commenté par Daniel Odier,
Collection “Spiritualités vivantes”, Éditions Albin Michel

Vijñānabhairava Tantra
Bhairava e Bhairavi, amorosamente unidos no mesmo conhecimento, saíram do indiferenciado
para que seu diálogo ilumine os seres.

1. Bhairavi, a Shakti de Bhairava, disse:

Ó Deus, tu que manifestas o Universo e brinca com essa manifestação, tu és nada mais do que o
meu Ser. Eu recebi os ensinamentos do Trika, a quintessência de todas as escrituras sagradas,
entretanto, ainda tenho algumas dúvidas.

2-4. Ó Deus, do ponto de vista da realidade absoluta, qual é a natureza essencial de Bhairava?
Reside ela na energia ligada aos fonemas? Na realização da natureza essencial ligada a
Bhairava? Em um mantra em particular? Nas três Shaktis? Na presença do mantra que vive em
todas as palavras? No poder do mantra presente em cada partícula do Universo? Reside ela nos
chakras? No som “Ha”? Ou ela é unicamente a Shakti?

5-6. Aquilo que é composto é proveniente da energia imanente e transcendente ou brota apenas
da energia imanente? Se o que é composto brota apenas da energia transcendente, então a
própria transcendência não teria mais objeto. A transcendência não pode ser diferenciada em
sons e em partículas pois sua natureza indivisa não a permite de se encontrar no múltiplo.

7-10. Ó Senhor, que tua graça afaste minhas dúvidas!

Perfeito! Perfeito! Tuas questões, ó bem amada, formam a quintessência dos tantras. Eu vou te
expôr um ensinamento secreto. Tudo o que é percebido como uma forma composta da esfera de
Bhairava deve ser considerado como uma fantasmagoria, uma ilusão mágica, uma cidade
fantasma suspensa no céu. Tal descrição serve apenas para guiar aqueles que são presas da
ilusão e de atividades mundanas para se voltarem à contemplação. Tais ensinamentos são
destinados àqueles que estão interessados pelos ritos e práticas externas e são sujeitos ao
pensamento dualístico.

11-13. Do ponto de vista absoluto, Bhairava não está associado nem às letras, nem aos fonemas,
nem às três Shaktis, nem á descoberta dos chakras, nem ás outras crenças, e a Shakti não
constitui sua essência. Todos estes conceitos expostos nas escrituras é destinado àqueles cujo
espírito é ainda muito imaturo para apreender a realidade suprema. São apenas guloseimas
destinadas a incitar aspirantes em direção a uma via de conduta ética e a uma prática espiritual,
afim que eles possam um dia realizar que a natureza última de Bhairava não está separada de
seu próprio Ser.

14-17. O êxtase místico não está sujeito ao pensamento dualístico, ele é totalmente livre das
noções de lugar, de espaço e de tempo. Essa verdade pode ser tocada apenas pela experiência.
Podemos atingi-la apenas quando nos liberamos totalmente da dualidade, do ego, e ao
estabelecermo-nos firmemente na plenitude da consciência do Ser. Esse estado de Bhairava é
embebido da pura felicidade da não diferenciação do tantrika e do Universo, apenas isto é a
Shakti. Dentro da realidade da sua própria natureza assim reconhecida e contendo o Universo
inteiro, tocamos a mais elevada esfera. Quem então poderia ser adorado? Quem então poderia
ser preenchido por esta adoração? Apenas esta condição de Bhairava reconhecida como
suprema é a Grande Deusa.

18-19. Como não há mais diferença entre a Shakti e aquele que a possui, nem entre substância e
objeto, a Shakti é idêntica ao Ser. A energia das chamas nada mais é do que o fogo. Toda
distinção é só um prelúdio à via do verdadeiro conhecimento.

20-21. Aquele que acessa a Shakti apreende a não distinção entre Shiva e Shakti e passa a porta
de acesso ao divino. Assim que reconhecemos o espaço iluminado pelos raios do sol, assim
reconhecemos Shiva graças à energia de Shakti que é a essência do Ser.

22-23. Ó Deus supremo! Tu que porta um tridente e um colar de crânios, como alcançar a
plenitude absoluta da Shakti que transcende toda noção, toda descrição e abole o tempo e o
espaço? Como realizar esta não dualidade com o universo? Em que sentido se diz que a
suprema Shakti é a porta secreta do estado Bhairaviano? Você pode responder pela linguagem
convencional a essas questões absolutas?

24. A suprema Shakti se manifesta quando o sopro inspirado e o sopro expirado nascem e
morrem nos dois pontos situados na parte superior e na parte inferior. Assim, entre duas
respirações, experiencia o espaço infinito.

25. Através do movimento e parada do sopro, entre a expiração e a inspiração, quando ele se
imobiliza nos dois pontos extremos, coração interior e coração exterior, dois espaços vazios te
serão revelados: Bhairava e Bhairavi.

26. O corpo relaxado no momento da expiração e da inspiração, perceba, na dissolução do


pensamento dualista, o coração, centro da energia onde flui a essência absoluta do estado
Bhairaviano.

27. Quando tiveres inspirado ou expirado completamente e que o movimento para por si
mesmo, nessa pausa universal e pacífica, a noção do “eu” desaparece e a Shakti se revela.

28. Considere a Shakti como uma luminosidade viva, mais e mais sutil, levada de centro a
centro, de baixo para cima, pela energia da respiração, através do caule de lótus. Quando ela se
apazigua no centro superior, é o despertar de Bhairava.

29. O coração se abre e, de centro em centro, a Kundalini corre como um raio. Então se
manifesta o esplendor de Bhairava.

30. Medite sobre os doze centros de energia, as doze letras conjuntas e liberta-te da
materialidade para atingir a suprema sutileza de Shiva.

31. Concentre a atenção entre as sobrancelhas, mantém teu espírito livre de qualquer
pensamento dualista, deixa tua forma ser preenchida com a essência da respiração até o topo de
tua cabeça e, lá, banha-te na espacialidade luminosa.

32. Imagine os cinco círculos coloridos de uma pena de pavão como sendo os cinco sentidos
disseminados no espaço ilimitado e reside na espacialidade de teu coração.

33. Vazio, parede, seja qual for o objeto de contemplação, ele é a matriz da espacialidade de teu
próprio espírito.

34. Feche os olhos, veja o espaço inteiro como se ele fosse absorvido por tua própria cabeça,
dirige teu olhar para o interior e lá, veja a espacialidade de tua verdadeira natureza.

35. O canal central é a Deusa, tal um caule de lótus, vermelho por dentro, azul por fora. Ele
atravessa teu corpo. Meditando sobre sua vacuidade interior, tu acessarás a espacialidade
divina.

36. Tampe as sete aberturas da tua cabeça com tuas mãos e te funde no bindu, o espaço infinito,
entre as sobrancelhas.

37. Se meditares sobre o teu coração, sobre o centro superior ou entre os dois olhos, se
produzirá a fagulha que dissolverá o pensamento discursivo, como quando se esfregam as
pálpebras com os dedos. Então, tu te dissolverás na consciência suprema.

38. Entra no centro do som espontâneo que vibra por si mesmo como o som contínuo de uma
cachoeira, ou, enfiando os dedos nos ouvidos, escuta o som dos sons e alcança Brahman, a
imensidão.

39. Ó Bhairavi, canta o mantra Om, o mantra da união amorosa de Shiva e Shakti, com presença
e lentidão. Entra no som e quando ele se desvanecer, desliza na liberdade de ser.

40. Concentre-se no surgimento ou o desaparecimento de um som e acesse a inefável plenitude


do vazio.

41. Estando totalmente presente ao canto, à música, entra na espacialidade com cada som que
surge e se dissolve nela.

42. Visualize uma letra, deixa-te ser preenchido por sua luminosidade. A consciência aberta,
entra na sonoridade da letra e depois numa sensação cada vez mais sutil. Quando a letra se
dissolver no espaço, seja livre.

43. Quando tu capta a espacialidade luminosa de teu próprio corpo irradiando em todas as
direções, tu te liberta da dualidade e te integra ao espaço.

44. Se tu contempla simultaneamente a espacialidade do topo e da base, a energia fora do corpo


te leva além do pensamento dualista.

45. Reside simultaneamente na espacialidade da base, na do coração e na do topo. Assim, pela


ausência do pensamento dualista, floresce a consciência divina.
46. Em um instante, percebe a não dualidade em um ponto do corpo, penetre esse espaço
infinito e acesse a essência liberta da dualidade.

47. Ó mulher com olhos de gazela, deixa o éter penetrar teu corpo, funde-te na indescritível
espacialidade de teu próprio espírito.

48. Suponha que teu corpo é pura espacialidade radiante contida pela pele e acessa o ilimitado.

49. Ó Beleza! Os sentidos disseminados no espaço do coração, perceba a essência da Shakti


como um pó de ouro de uma indescritivelmente fineza que cintila em teu coração e de lá flui
para o espaço. Então tu conhecerás a beatitude suprema.

50. Quando teu corpo é todo permeado pela consciência, o espírito unidirecional se dissolve no
coração e tu penetras então a realidade.

51. Fixa teu espírito no coração entregando-se ás atividades do mundo, assim a agitação
desaparecerá e em poucos dias tu conhecerá o indescritível.

52. Concentre-se sobre um fogo cada vez mais ardente que se eleva de teus pés e te consome
inteiramente. Quando restar apenas cinzas espalhadas pelo vento, conheça a tranquilidade do
espaço que retorna ao espaço.

53. Veja o mundo inteiro transformado em um gigantesco braseiro. Então, quando tudo for
apenas cinzas, entra na beatitude.

54. Se os tattvas cada vez mais sutis são absorvidos em sua própria origem, a Deusa suprema te
será revelada.

55. Atinja uma respiração intangível, concentrado entre os dois olhos, então quando nasce a luz
deixe a Shakti descer até o coração e lá, na presença luminosa, no momento de adormecer, atinja
a mestria dos sonhos e conheça o mistério da morte.

56. Considere o Universo inteiro como se ele dissolvesse em formas cada vez mais sutis até sua
fusão na pura consciência.

57. Se meditares no Shiva tattva que é a quintessência do universo inteiro sem conhecer
quaisquer limites no espaço, tu conhecerás o êxtase supremo.

58. Ó grande Deusa! Perceba a espacialidade do universo e torne-se o jarro que o contém.

59. Olhe para uma tigela ou um recipiente sem ver os lados ou a matéria. Em pouco tempo toma
consciência do espaço.

60. Permaneça em um lugar infinitamente espaçoso, sem árvores, sem colinas, sem habitações;
deixe teu olhar se dissolver no espaço virgem, daí vem o relaxamento do espírito.

61. No espaço vazio que separa dois instantes de consciência, se revela a espacialidade
luminosa.
62. No momento preciso em que tiveres a impulsão de fazer alguma coisa, pare. Então, não
estando mais no impulso que precede nem naquele que se segue, a realização floresce com
intensidade.

63. Contempla as formas indivisas do teu próprio corpo e aquelas do universo inteiro como
sendo de uma mesma natureza, assim, teu ser onipresente e tua própria forma repousarão na
unidade e tu alcançarás a natureza da consciência.

64. Em toda atividade, concentre-se sobre o espaço que separa a inspiração da expiração. Assim,
acessa a felicidade.

65. Sente tua substância: ossos, carne e sangue, saturados pela essência cósmica, e conhece a
suprema felicidade.

66. Ó bela com olhos de gazela, considere os ventos como teu próprio corpo de felicidade. No
momento em que você estremecer, acessa a presença luminosa.

67. Quando teus sentidos estão em frêmito e que teu pensamento atinge a imobilidade, entra na
energia do alento e, no momento em que sentir um formigamento, conheça a alegria suprema.

68. Quando você pratica o ritual sexual, que o pensamento resida no frêmito dos sentidos como
o vento nas folhas, acessa então a felicidade espacial do êxtase amoroso.

69. No começo da união, esteja no fogo das energias liberadas pelo gozo intimo; funde-te na
divina Shakti e continue a queimar no espaço sem conhecer as cinzas no final. Estas delícias são
na realidade aquelas do Eu.

70. Ó Deusa! O gozo da felicidade íntima nascida da união pode se reproduzir a qualquer
momento pela presença luminosa do espírito que se rememora intensamente desse prazer.

71. Quando tu reencontrares um ser amado, esteja totalmente nessa felicidade e penetra esse
espaço luminoso.

72. Durante a euforia e a expansão causada pelas iguarias e bebidas delicadas, esteja por inteiro
nesse deleite e, através dele, prove a suprema felicidade.

73. Funda-se na alegria sentida durante o prazer musical ou naqueles que encantam os outros
sentidos. Se tu és apenas esta alegria, tu acessas ao divino.

74. Lá onde tu encontras satisfação, a essência da felicidade suprema te será revelada se tu


permaneces nesse lugar sem flutuação mental.

75. No momento de dormir, quando o sono ainda não veio e que o estado de vigília desaparece,
nesse momento preciso, conhece a Deusa suprema.

76. No verão, quando teu olhar se dissolve no céu, claro ao infinito, penetra nessa claridade que
é a essência de teu próprio espírito.

77. A entrada na espacialidade de teu próprio espírito se produz no momento em que a intuição
se libera pela fixidez do olhar, a sucção ininterrupta do amor, os sentimentos violentos, a agonia
ou a morte.

78. Sentado confortavelmente, pés e mãos no vazio, acessa ao espaço da plenitude inefável.

79. Numa posição confortável, as mãos abertas na altura dos ombros, uma zona de
espacialidade luminosa se difunde gradualmente entre tuas axilas, ela encanta o coração e causa
uma paz profunda.

80. Fixando o olhar sem piscar sobre uma pedra, um pedaço de madeira, ou outro objeto
ordinário qualquer, o pensamento perde todo suporte e acessa rapidamente à Shiva/Shakti.

81. A boca aberta, coloque sua mente na sua língua no centro da cavidade bucal, com a
expiração emite o som HA e conheça a presença pacífica no mundo.

82. Quando estiver deitado, vê teu corpo como privado de suporte. Deixe o teu pensamento se
dissolver no espaço, então o conteúdo das profundezas de tua consciência também se
dissolverão, e tu conhecerás a pura presença, liberta do sonho.

83. Ó Deusa, goza da extrema lentidão dos movimentos do teu corpo, de uma montaria, de um
veículo e, com o espírito tranquilo, mergulhe no espírito divino.

84. O olhar aberto sobre um céu muito puro, sem piscar, a tensão se dissolve com o olhar e aí
você alcança a maravilhosa estabilidade de Bhairava.

85. Penetra a luminosa espacialidade de Bhairava disseminada dentro de tua própria cabeça,
saia do espaço e do tempo, seja Bhairava.

86. Quando acessares Bhairava dissolvendo a dualidade no estado de vigília, que essa presença
espacial continue no sonho, e que tu atravesses a noite do sono profundo na própria forma de
Bhairava, conhece o infinito esplendor da consciência desperta.

87. Durante uma noite escura e sem lua, os olhos abertos na escuridão, deixe que todo o teu ser
se dissolva nessa escuridão e acessa à forma de Bhairava.

88. Com os olhos fechados, dissolva-se na escuridão, em seguida abre teus olhos e te identifica à
forma terrível de Bhairava.

89. Quando um obstáculo se opõe a satisfação de um dos sentidos, capta esse instante de
vacuidade espacial que é a essência da meditação.

90. Com todo o teu ser pronuncia uma palavra que termina com o som "AH" e no "H" deixa-te
ser levado pela torrente de sabedoria que surge.

91. Quando fixamos a mente livre de toda estrutura sobre o som final de uma letra, a
imensidão se revela.

92. Andando, dormindo, sonhando, a consciência tendo abandonado todo suporte, conhece a ti
mesmo como presença luminosa e espacial.
93. Belisca uma parte do teu corpo e, por esse único ponto, acessa o
domínio radiante de Bhairava.

94. Quando através da contemplação se revela a vacuidade do ego, do intelecto atuante e da


mente, qualquer forma torna-se um espaço ilimitado e a própria raiz da dualidade se dissolve.

95. A ilusão perturba, as cinco couraças obstruem a visão, as separações


impostas pelo pensamento dualístico são artificiais.

96. Quando tomar consciência de um desejo, considere-o pelo tempo de um


estalar de dedos e então, de repente, abandone-o. Assim ele retorna ao espaço do qual
ele surgiu.

97. Antes de desejar, antes de saber: "Quem sou eu, onde estou?" esta é a
verdadeira natureza do “Eu”. Essa é a espacialidade profunda da realidade.

98. Quando desejo e conhecimento se manifestarem, esqueça o objeto desse desejo ou desse
conhecimento e fixa teu espírito sobre o desejo e o conhecimento liberados de todos os objetos
como sendo o Ser. Então alcançarás a realidade profunda.

99. Qualquer conhecimento particular é de natureza falaciosa. Quando se manifesta a sede de


conhecer, imediatamente realiza a espacialidade do próprio
conhecimento e seja Shiva/Shakti.

100. A consciência está em toda parte, não há diferenciação, realiza isso


profundamente e assim triunfa sobre o tempo.

101. Em estado de desejo extremo, raiva, cobiça, confusão, orgulho ou


inveja, entra em teu próprio coração e descubra o apaziguamento subjacente a esses estados.

102. Se perceberes o universo inteiro como uma fantasmagoria, uma inefável


alegria surgirá dentro de ti.

103. Ó Bhairavi! Não reside nem no prazer nem no sofrimento, mas esteja
constantemente na realidade inefável e espacial que os une.

104. Quando realizas que estás em todas as coisas, o apego ao corpo


se dissolve, a alegria e a felicidade aumentam.

105. O desejo existe em ti como em todas as coisas. Realiza que ele se encontra
também nos objetos e em tudo que o espírito possa captar. Então,
descobrindo a universalidade do desejo, penetra em seu espaço radiante.

106. Todo ser vivo percebe sujeito e objeto, mas o tantrika


reside na união entre ambos.

107. Sente a consciência de cada ser como a tua própria consciência .


108. Liberta o espírito de todo suporte e acessa a não dualidade. Então,
Mulher dos olhos de gazela, o ser limitado se torna o Ser absoluto.

109. Shiva é onipresente, onipotente e onisciente. Desde que tu tens os atributos de


Shiva, és semelhante a ele. Reconhece o divino em ti.

110. As ondas nascem no oceano e nele se perdem, as chamas sobem e depois morrem, o sol
surge e depois desaparece. Assim tudo encontra sua fonte na espacialidade do espírito e a ele
retorna.

111. Vaga ou dança até a exaustão, em uma total espontaneidade. Então, bruscamente, deixe-se
cair no solo e, nessa queda, seja total. Então se revela a essência absoluta.

112. Suponha que estás gradualmente sendo privado de energia e


de conhecimento. No instante dessa dissolução, teu ser verdadeiro te será
revelado.

113. Ó Deusa, escuta o último ensinamento místico: basta fixar seu olhar sobre o espaço, sem
piscar, para acessar à espacialidade de teu próprio espírito.

114. Pare a percepção do som tapando as orelhas. Contraindo o ânus, entra em ressonância e
toca aquilo que não está sujeito nem ao espaço nem ao tempo.

115. À beira de um poço, sonda, imóvel, sua profundidade até o estado de maravilhamento e
funde-te no espaço.

116. Quando teu espírito vagueia externa ou internamente, é precisamente


aí que o estado shivaísta se encontra. Onde poderia então o pensamento se refugiar
para não mais saborear esse estado?

117. O espírito está em ti e ao teu redor. Quando tudo é pura


consciência espacial, acessa a essência da plenitude.

118. No estupor e ansiedade, através da experiência de sentimentos extremos, quando tu pulas


um precipício, que tu fuja do combate, conheça a fome ou o terror, ou mesmo quando espirra, a
essência da espacialidade de teu próprio espírito pode ser compreendido.

119. Quando a vista de um certo lugar faz emergir memórias, deixe teu pensamento
reviver estes instantes, então, quando as memórias se esgotam, a um passo além, conhece a
onipresença.

120. Olha para um objeto, então, lentamente, retira teu olhar. Em seguida, retira
teu pensamento e torne-se o receptáculo da plenitude inefável.

121. A intuição que emerge da intensidade da adoração apaixonada flui no


espaço, liberta e permite acessar o domínio de Shiva/Shakti.

122. A atenção fixada em um só objeto, penetra-se qualquer


objeto. Relaxe então na plenitude espacial de teu próprio Ser.
123. A pureza exaltada pelos religiosos ignorantes parece impura
ao tantrika. Liberte-se do pensamento dualista e não reconheça nada
como puro ou impuro.

124. Compreenda que a realidade espacial de Bhairava está presente em


todas as coisas, em todos os seres e seja essa realidade.

125. A felicidade reside na igualdade entre sentimentos extremos. Reside em


teu próprio coração e acessa a plenitude.

126. Liberta-te do ódio assim como do apego. Então, desconhecendo repulsão ou amarra,
desliza no divino em teu próprio coração.

127. Tu, de coração aberto e doce, medita sobre o que não pode ser
conhecido, sobre o que não pode ser captado. Toda dualidade estando fora do
alcance, onde poderia então a consciência fixar-se para escapar do êxtase?

128. Contempla o espaço vazio, acessa a não percepção, a não distinção, ao


incompreensível, além do ser e o não ser: toca o não espaço.

129. Quando o pensamento se dirige a um objeto, utiliza essa energia.


Vá além do objeto, e ali, fixa o pensamento sobre esse espaço vazio e
radiante.

130. Bhairava é um com tua consciência luminosa, cantando o nome de


Bhairava, tu te torna Shiva.

131. Quando tu afirma: "eu existo", "eu penso isso ou aquilo", "tal
coisa me pertence", acessa aquilo que não tem fundamento e, além de tais
afirmações, conhece o ilimitado e encontra a paz.

132. “Eterna, onisciente, insustentável, Deusa de todo o mundo


manifestado..." Seja essa e acessa Shiva/Shakti.

133. O que chamas de universo é uma ilusão, uma aparição mágica. Para ser
feliz, considere-o como tal.

134. Sem o pensamento dualista, pelo que a consciência poderia ser limitada?

135. Na realidade, vínculo e liberação existem apenas para aqueles que são
aterrorizados pelo mundo e não conhecem sua natureza fundamental. O universo se
reflete no espírito assim como o sol sobre as águas.

136. No momento em que tua atenção desperta através dos órgãos dos
sentidos, penetra na espacialidade de teu próprio coração.

137. Quando conhecimento e conhecido são de uma essência única, o Ser resplandece.
138. Ó bem amada, quando o espírito, o intelecto, a energia e o ser limitado
desaparecem, então surge o maravilhoso Bhairava!

139. Ó Deusa, acabei de te revelar cento e doze dharana. Aquele que os conhece
escapa do pensamento dualista e alcança o conhecimento perfeito.

140. Aquele que realiza um único destes dharana se torna Bhairava em pessoa. Sua
palavra se realiza no ato e ele obtém o poder de transmitir ou não a Shakti.

141-144. Ó Deusa, o ser que domina uma só destas práticas


se liberta da velhice e da morte, ele adquiri poderes supranormais, as
yoginis e os yogis o tem em alta estima e ele preside seus encontros
secretos. Liberado no próprio seio da atividade e da realidade, ele é livre.

A Deusa disse:
Ó Senhor, que sigamos essa realidade maravilhosa que é a natureza
da Shakti suprema! Quem então é adorado? Quem é o adorador? Quem entra
em contemplação? Quem é contemplado? Quem recebe a oblação e quem lhe faz oferendas? A
quem nos sacrificamos e quem é o sacrifício?

Ó Mulher de olhos de gazela, todas estas práticas são aquelas do caminho


exterior e correspondem às aspirações grosseiras.

145. Somente essa contemplação da mais alta realidade é a prática do tantrika. Aquilo que
ressoa espontaneamente em si é a fórmula mística.

146. Um espírito estável e desprovido de características, é esta a real contemplação.


As visualizações imaginadas de divindades são apenas artifícios.

147. A fé adoração não consiste em oferendas, mas na realização de que o coração é a


suprema consciência livre do pensamento dualista. No perfeito ardor,
Shiva/Shakti dissolvem-se no Ser.

148. Se penetramos apenas um dos yogas descritos aqui, conheceremos uma plenitude
que se estende dia após dia até a mais alta perfeição.

149. Quando lançamos ao fogo da suprema realidade, os cinco


elementos, os sentidos e seus objetos, o espírito dualista e até mesmo a
vacuidade, então tem-se a real oferenda aos Deuses.

150-151. Ó Deusa suprema, aqui, o sacrifício nada mais é que a satisfação


espiritual caracterizada pela felicidade. O verdadeiro lugar de peregrinação, Ó Pârvati, é a
absorção na Shakti que destrói todas as impurezas e protege todos os
seres. Como poderia existir outra adoração e quem a receberia?

152. A essência do Ser é universal. Ela é autonomia, felicidade e


consciência. A absorção nessa essência é o banho ritual.

153. As oferendas, o adorador, a suprema Shakti são uma só. Isso é adoração
profunda.

154. A respiração sai, a respiração entra, sinuosa por si própria. Perfeitamente


sintonizada com a respiração, Kundalini, a Grande Deusa, ascende.
Transcendente e imanente, ela é o lugar mais elevado de peregrinação.

155. Assim, profundamente estabelecido no rito da grande felicidade,


plenamente presente á ascensão da energia divina, graças à Deusa, o yogin
alcançará o supremo Bhairava.

155a-156.
O ar é expirado com o som SA e inspirado com o som HAM. Portanto a recitação do mantra
HAMSA é contínua. A respiração é o mantra, repetido vinte e uma mil e
vezes, noite e dia, é o mantra da suprema Deusa.

157-160.
Ó Deusa! Eu acabo de te expor os ensinamentos místicos últimos que nada supera. Que eles
sejam transmitidos apenas aos seres generosos, àqueles que veneram
a linhagem dos Mestres, às inteligências intuitivas libertas da oscilação
cognitiva e da dúvida e aqueles que os colocarão em prática. Pois sem a prática, a
transmissão se dilui, e aqueles que tiveram a maravilhosa ocasião de
receber esses ensinamentos retornam ao sofrimento e à ilusão, enquanto tinham um tesouro
eterno entre as mãos.

Ó Deus, eu agora captei o coração dos ensinamentos e a quintessência dos


tantras. Será necessário deixar essa vida, mas por que renunciaríamos ao
coração da Shakti? Assim que reconhecemos o espaço iluminado
pelos raios do sol, assim reconhecemos Shiva graças à energia da Shakti que é
a essência do Ser.

Então, Shiva e Shakti, brilhando de beatitude, se uniram novamente


no indiferenciado.

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