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Sumário

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 11
Introdução 15

Artes visuais
Ler e escrever em artes visuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 23
Isabel Petry Kehrwald

iências
Idéias e palavras na/da ciência ou leitura e escrita:
que a ciência tem a ver com isso? 37
"esar V Machado Lopes e Elaine B. Ferreira Dulac

Educação física
Ler e escrever também com o corpo em movimento . . . . . . . . . . . . . .. 47
ílézio J. S. Gonçalves l'

eografia
Leitura e escrita na geografia ontem e hoje. . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . .. 67
iuilherme Reichwald Jr.
Ler e escrever a geografia
para dizer a sua palavra e construir o seu espaço. . . . . . . . . . . . . . . . . .. 73
Nestor André Kaercher
I.cr a paisagem, o mapa, o livro ...
Escrever nas linguagens da geografia. . 86
Neiva Otero Schãffer

Ilistória
Leitura e escrita na história .. . 107
l/emando Seflner
Língua estrangeira
Os desafios (?) do ensinar
a ler e a escrever em língua estrangeira, ' ' 123 ('

Maria da Graça Gomes Paiva 'l,"'

~~~
Apresentação
"

"
'I

Língua portuguesa "i

Não apenas o texto mas o diálogo em língua . -' '

escrita é o conteúdo da aula de português '


Paulo Coimbra Guedes e Jane Mari de Souza
137
Lere escrever: • , ;'
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Literatura um CQroprOlPl~SQ,; ;,,;

A literatura e o leitor
Diana Maria Marchi
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159
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de todas 'as areas ,,' .' " , ; ,,--, i

Ler e escrever literatura: a mediação do professor, ' 166


Angela da Rocha Rolla ,
.,('.' i'· I, Assumir que ensinar a ler e a escrever é tarefa de todas as áreas,
Matemática , ' um compromisso da escola e não exclusivamente doprofessorde pór-
Ler, escrever e compreender a matemática, (uguês.foi o desafio enfrentado pelos professores'quéintegram a equipe
ao invés de tropeçar nos símbolos "," ,,,',, !'U?:, do Núcleo de Integração UnlvérSidade8tEscola (NIUElúFRGS), Re-
Renita Klüsener ;' I' ,I ';1' i,I:: J." ! q
' .. ',GI .I._~! .lamarnos da má qualidade da leitura e' da escrita dos' estudantes em
},',. \ j''J.!.
;:",,1'92,; crál, rrlaSãqu~tea responsãbIIldaae~derevgHer essa situa-
Leitura e escrita na matemática , ..........
,li"" '.. i" . , ',1, \ \
ção? Para r~sppn'dera' esse desáfio forátp~roJ1'J.ôv1.dasdiv~~~a{çpor-
Lúcia Helena Marques Càrrasco
Iunidades para re~omar 'o terna, rediscuti-lo, ~prof~q.~~-lo,'estabelecer
Música \
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~../,~, , '.. '(I,.".
I""",'~"l-,.' 1 novas relações entre (Js olharesdas váriasáreas é, acrescentar outros a
Sobre as múltiplas fonri~~ ô~ l~~e ~~áeveFinúsia t,> '. :'.'! ',:',:,i07~ 'lisas relações com a leitura e a escrita.",,'
O que seria íer~escrever nas diferentes áreas do currículo'
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Jusamara Vieira Souza i,',','" I, I,,'"
\','" , l'·,. "t' -'1',,_ ':', j.j • I'
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escó- '_, ,,' I, "i,,::', ,I .. ,-_, • ."

lnr? Esse é ~m q()s';objetivos que e,st<,lbçlecem,os para este livrórdéscon-


'l~:Lr .:~ ''.'·':~l.) linar a discussão, sobre leitura é escrita, ampliando' o seu' âmbito desde a
Biblioteca escolar
Le~ e escrever nabibliotecá:,n',"" ,,'«,; f': ," -: ./' ,:1,:' í':"i:;;",\' ~\?: a,
hjb1i~tec~~' ~~I~~ê~,'~9~ug~êsp,a;àto~a,~ ,~s:c?la:E u~ :dos,lIl~nfQs
(lesse desconfinarnento foí a descoberta da leitura e da escnta como con-
lara Conceição Bitencourt Neves l'Iuêri6iáSmÚltidisCípltnaies,!);rraà'refle{(ão e !ação~eclagÓgic~,.•' •..: ' .
Os autores, ' , .. ' , . ' , ' .: ... l: ;,',~
,I': ,~ ,I, d." .rv..; ;','; ::',,;;\';:~:i~ I ••"."'.:,'~',,,:,,~ 2~'i! Os artigos qrie'Q ~ompoem· inost~arri as' Idéias firmád~~ :sôbre ler
(' escrever corno compromisso daescola, Neles surgem as questões que
,("\\ . ', \ '/-0" l\.,\. t '\1..)',,; .:;',/'

.crcam tal dlscussão1como a participáção do professor, a'ciiáção de


~','\('} .r"r.~·~. :~:·v\~;.r',·,=. I". t'; L ::"j,1 sspaçós coletivos para iif.çªdp~d~j~gica: 'ÇOl!,lI,i.!Ú,' a 'm"q'riip1iCídid~de
.'.' ',';\,~i:'{': :~<_:.,,:rl·.'~
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." ....:-'.1;;: t Iinguagens.:e]Ienovôs códigº§gQ~_provocam, na escola.aadóção de
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()lItros~compoitãffiéritos~rMassalienta-sé, sobretudo,' à Únpôrtâqda'de
que cada professor tenha um conhecimento profundodasçaracterísti-
',i, " : ",i J i .~asdo ler e do escfêvefna sua área de atuação 'para -,que entre~. eLªs o
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diálogo se faça com segurança e fecundidade.j
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Ler e escrever: um compromisso de todas as áreas 11


Em todos os textos reforçamos nosso entendimento inicial: ler e A escola é aqui unanimemente responsabilizada pela tarefa de le-
escrever não é questão exclusiva da aula de português, mas compro- VIII' o aluno a atrever-se a errar; a construir suas próprias hipóteses a res-
misso da escola como um todo. Respeitada essa premissa, particulari- pci to do sentido do que lê e a assumir pontos de vista próprios para es-
zamos nossos procedimentos disciplinares desenvolvendo a visão do rrcver a respeito do que vê, do que sente, do que viveu, do que leu, do
ler e do escrever nas diversas áreas, seus mecanismos, estratégias e que ouviu em aula, do que viu no mundo lá fora, promovendo em seus
práticas. Por tal razão, os artigos se apresentam numa seqüência alfa- Il'xtOS um diálogo entre vida e escola, entre a disciplina e o mundo.
bética das áreas, sem P'Q~~giar-n(mhuma delas, inclusive e so5~ Nestes textos, o professor encontrará uma outra unanimidade: sem
do língua ortuguesa. m artigo final busca salientar a incompletude I ilunos e professores lendo e assumindo sua tarefa de mediadores de lei-
p ma escola a o"nela é inexistente ou inoperante a biPJio~,....J urra, escrevendo e dialogando, nada mais haverá na escola além da re-
'cOIDO o es~o mais público dentre os espaços escolar~ produção. Essa é a prática que rejeitamos: as atividades de leitura e es-
É uma obra que seoifige1fiüifo esp-e-c-iãlmenteao professor que 'f'i ra, nas diversas modalidades, transformadas em ritual burocrático, no
atua no ensino fundamental e médio, visto por nós como o principal qual o aluno lê sem poder discutir, responde questionários mecanicamen-
mediador de leituras e escritas significativas, promotoras do crescimen- li' C escreve textos buscando concordar com o professor. a que deseja-
to pessoal e social de cada estudante. ~..s leitores, professo- 1110S é um aluno - e também um professor -leitor e produtor de textos.
~.~es de fazer a sua escrita, a sua comunic~~ Daí decorre um outro entendimento. Mais importante que reter
s~quakl!!.~LgosSilJi~nç_a naspráticas tradi-; I i n formação obtida pela leitura tradicional dos muitos textos, nas mui-
~~tit~~ IIIS áreas que compõem o cotidiano na escola, os exercícios de leitura
Temos claro que ler e escrever sempre foram tarefas indissociá- (I de escrita devem propiciar aos alunos condições para que eles pos-

veis da vida escolar e das atribuições dos professores. Ler e escrever bem IIn, de forma permanente e autônoma, localizar a nova informação,
forjaram o padrão funcional da escola elitizada do passado, que atendia I'cla leitura do mundo, e expressá-Ia, escrevendo para o mundo.
a parcelas pouco numerosas da população em idade escolar. Ler e es- Ler e escrever são tarefas na escola, em cada sala de aula e na
crever massiva e superficialmente .tem sido a questão dramática da es- hlhlioteca, esta como o espaço convergente de todas as atividades. É
cola recente, sem equipamentos e.estendida a quase toda a população. nela que se estimula a circulação e a transferência da informação, que
A sociedade vê a escola come-e éspaç~vilegiado para o desen- , favorece a convivência dos diferentes segmentos da comunidade
volvimento da leitura e da escrita, já que é nela que se dá o encontro deci- I!Ncolar,pertencendo, portanto, a todos os usuários e, ao mesmo tem-
sivo entre a criança e a leitura/escrita. Todo estudande deve ter acesso a po, não sendo propriedade exclusiva de uns ou de outros. A escola que
ler e a escrever em boas condições, mesmo que nem sempre tenha uma 11110 olha para sua biblioteca, que não a vê como espaço do professor-
caminhada escolar bem traçada. Independente de sua história, merece res- rum livros para seu aperfeiçoamento continuado! e do aluno, descura
peito e atenção quanto a suas vivências ~ expectativas. Daí a importância tlu leitura e da escrita que realiza.jl.er e escrever, portanto, implica re-
da intervenção mediadora do professor e da ação sistematizada da escola rllmensionar nossas práticas e nossos espaços.
na qualificação de habilidades indispensáveis à cidadania e à vida em so- Nossos textos visam provocar uma reflexão sobre a nossa rela-
ciedade, para qualquer estudante, como são o ler e o escrever. çno pessoal com o desenvolvimento da leitura e da escrita em nossas
a professor é aquele que apresenta o que será lido: o livro, o texto, da de aula e, no limite, propõem desencadear novos comportamen-
a paisagem, a imagem, a partitura, o corpo em movimento, o mundo. los em relação ao ler e ao escrever na escola.
É ele quem auxilia a interpretar e a estabelecer significados. Cabe a Esse objetivo ambicioso pressupõe que a leitura deste livro não
ele criar, promover experiências, situações novas e manipulações que ;.ia seletiva. É uma obra que desejamos seja lida, nos seus diversos
I' conduzam à formação de uma geração de leitores cápazes de dominar 111'1 igos, por todos os professores. Que o livro não seja tomado na par-
as múltiplas formas de linguagem e de reconhecer os variados e irio- IIl. na área de cada um, mas que seja uma leitura para a escola, para
vadores recursos tecnológicos, disponíveis para a comunicação humana rodos os professores. Que suscite uma discussão e uma aproximação
presentes no dia-a-dia. '\!llre aqueles que hoje, isoladamente, participam da mesma grande ta-

12 Ler e escrever II:r e escrever: um compromisso de todas as áreas 13


refa: a forma ãode novos cidadãos para um mundo em permanente
.mudan~a n ~'suas escritas, e cada veifilaisexigente quanto àqualidã- L·

de da le~~ - - - --.- .' ~


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.',Esperamos que os textos possam provocar um olhar e um refle-


tir sobre a ação da escola, sobre seu compromisso. Que eles venham a Introdução
abrir perspectivas para que, 'na escola, um.pergunte.ao.outro sobre o
que pensa ser o ler e escrever em sua área; que desperte o interagir ori-
eritadopara.umaformação mais ampla, completa e'dinâmica; Que en- Leitura .eescríta
caminhe-ações interdisciplinares possíveis e desejáveis, como os tan-
tos exemplos apontados nos textos que seguem. ào..·tar~f;jS:,idâ'~escQla:.;·;
,
,Com este livro, a equipe do Núcleo de Integração Universidade
& Escola/UFRGS.assume um dos compromissos básicós.dauniversi-
dade.oda extensão daquilo que pesquisa. Com ele procura provocar,
I l}<19 só.doprofessor-.
entre os colegas professores das universidades e das escolas de ensino
.básico, um diálogo. a respeito das atividades de ler e escrever, isto é,
e português
,
sobre a nossa atividade de ensinar.propiciando a nós e a nOSS0Salu-
I'AULO' COIMBRA' ClUEDES' ;1' ,.
.nos a oportunidade de construir sentido e produzir conhecimento. Esta
é apenas uma primeira tomada da palavra, Um primeiro turno de uma ,II\ME MARfoE SOUZA"::·
conversação que ora se inicia: i"
I : ~
)',

OS ORGANIZADORES \ ,. ,""",
A tarefade~nsinar~ler ea escrever uili.téxjh'dê'hí'St6h~édo
1I1()rcssor'â~ hist9ri~~~~(): do pr9i~ss()Fci~'pb~túguê~:.. e.p,:. A.\~r#Nd~
nur a lerea esctever um texto de ciências édo professor de ciências'
IlllnO ciopr,ofe~sqr,qep?r.tug.uês. A tar,e~adeel1s~l1ar,aler~â"~s.crti~ér
11111 Idto denlatemáticaé" dó professor clelllateIliática e 'n~odopro-
IIlNN'orde'portu'gúês.:'A,tar.ef~de' énsinara lere ·aescr.e~~r~jlnextodb

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11II professor dep()rtug~ês é ensinar alê'f a literáturhbrasiléir&.'."
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I'Nllldahte; que~responsabilid<\de dá esc,0la, Ensinar é dar cóúdições


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Illddo e s."einsir"<l,11~ssaç9n,êt~çãoso,m~ procll,lt()ricle,e:?Ilhecill}entó.
I'III~ nar
I éen~inaia ler pata queóaluno setórne'capaza~ssa'apropria-
~'n(I, i?Õi~."b'~~~tl.t~~c:un:,~lâd9;es.fá.:e~critb;!eWll~~osl.\r~yl~,tâ~'"
/1111111 I s, reiatoTlOs"ar!1Ul v()~.,pqslhar e ensInar 11 es~orque. ~ re-
I/!\xhó sóbre a produção de coriheCimento sé expressa por escrito. .

I , II!lrH e escrita são tarefas da escola .. " 15


14 Ler e escrever
Numa primeira instância, ensinar a ler e escrever é alfabetizar, uuugcira começa pela familiaridade que desenvolvemos com ela. Logo,
levar o aluno ao domínio do código escrito. E já aqui é preciso rever a 111)1'1 só vamos aprender a ler e a escrever em português se praticarmos
crença de que ao alfabetizar-se o aluno não está propriamente apren- "",~fllntea leitura e a escrita em português, se praticarmos muito mais
dendo uma língua, mas apenas transpondo a língua que já fala para um .111 que nos mandaram praticar. Onde? Só tem um lugar: na escola.
outro código. Isso não é verdade para nós, aqui no Brasil. Os estudos E só tem um meio: nós, professores de todas as áreas, em vez de
de nossa língua falada, levados a efeito por vários pesquisadores, en- 11111'1 limitarmos a choramingar que nossos alunos não têm o hábito da
tre eles um grande grupo de lingüistas de todo o Brasil reunidos no "'llunt, devemos nos dedicar a proporcionar muitas e muitas oportuni-
Projeto de Gramática do Português Falado, estão mostrando não só que d"dl,;spara que todos descubram que ler é uma atividade muito interes-
há uma grande variação lingüística (geográfica e social) interna no País tinle, que a leitura nos proporciona prazer, diversão, conhecimento, li-
- ao contrário do que sempre disse o mito da unidade lingüística brasi- 111 -rdade, uma vida melhor, enfim. E essas oportunidades terão de ser tan-
leira -, mas também que a língua que falamos difere muito da língua JIIN quantas forem necessárias para que o aluno passe a gostar de ler e,
falada em Portugal, a qual deu origem ao português escrito. Na verda- 11111' isso, contraia a necessidade da leitura e que esta vire hábito.
de, hoje podemos dizer que falamos uma língua e temos de aprender a Oportunidade de ler o quê? Tudo, pois o único lugar onde a tele-
ler e escrever em outra língua. \'IHL10 ainda pode ser desligada é na escola. A sala de aula é o único
E esse novo saber que a ciência da linguagem nos proporciona 111",lIr onde as crianças podem ser colocadas quietas nos seus cantos
faz duas revelações de transcendental importância a nosso respeito:
a) nós, de fato, falamos muito maio português, não porque seja-
I"
1 n um livro na mão para aprender que ler é um diálogo solitário com
11111 texto que se vai desvelando ao seu olhar. E para a grande maioria
mos estúpidos, incompetentes, vagabundos, desleixados, incapazes, ,11'nossas crianças a escola é o único lugar onde há livro - e não só as
como sempre tentaram nos fazer crer, mas porque falamos - muito bem, rln clusse popular, onde não sobra dinheiro para comprar livro, mas tam-
tão bem quanto qualquer outro povo do mundo - uma outra língua, pa- 111'111 na classe média, onde o dinheiro que sobra não costuma comprar
recida com o português, com a qual somos capazes de dar conta de 11V 1'0.Ler tudo, desde as banalidades que possam parecer divertidas
nossas necessidades expressivas; , Ille us coisas que o professor julga que devem ser lidas para o desen-
b) nós falamos uma língua apenas parecida com o português e, vnlvimento pessoal do aluno como pessoa sensível, civilizada, culta,
por razões de política cultural, temos de aprender a ler e escrever em , IIi 110cidadão, para o estabelecimento de seu senso estético, de sua so-
português. 1IIIIII'icdadehumana, do seu conhecimento.
Por que são tão importantes essas revelações? Porque, em pri- Isso é tarefa do professor de português? É. É tarefa do professor
meiro lugar, podemos deixar de nos culpar por não termos aprendido dl\ história, de ~e<?grafia,de ciências, de artes, de educação física, de
a ler e escrever direito na escola, pois a escola tentou ensinar-nos a ler uuuemãtica ... E. E tarefa da escola: a escola - os professores reunidos
e escrever em português como se fôssemos falantes de uma língua eu- 1111 mais básica das atividades interdisciplinares - vai reservar alguns
jas frases têm sujeito e predicado, cujos pronomes pessoais mudam de 1"\1rodos da semana para que os alunos se dediquem, em suas salas de
forma conforme a função sintática que exercem na frase, com desinên- IIltllI,à leitura individual, solitária, silenciosa de todo tipo de material
cias verbais próprias para as segundas e as terceiras pessoas, cujos fu- . 11I'IH'eSso: livros, jornais, revistas noticiosas e especializadas, romances,
turos são simples e em que o adjetivo concorda com o substantivo. , IIfllos, ensaios, memórias, literatura infanto-juvenil, literatura adulta,
Como a língua que falamos não tem nada disso, agora podemos pôr a [uuudidáticos de todas as áreas, textos de todo tipo, enfim, postos à sua
culpa na escola, que não nos ensinou direito e nos culpou por não ter- dlllposição para que o exercício da leitura os transforme em leitores. E
mos aprendido. VIII I ler a respeito de quê? Nessa leitura interdisciQlinar de forma..Çl!od~.
Em segundo lugar, porque podemos, agora, começar a pensar num 1I'II000os vão ler, principalmente,o-que acharem interessante: começan-
modo mais adequado de ensinar a ler e escrever nessa língua que não 1IIIpor hlstória~ .de_ª~;ãe deamor, que sâtisfaçam s'üãllêcessloade
falamos, nessa língua apenas parecida com a língua que falamos, nessa Ih.''nntasi~ p~ssando-por,põemãs dtlO:4óJipo, que dêem'v:lZãoaosseús
língua estrangeira. E aí está um rumo: o aprendizado de uma língua es- 1IIIlirnentose os organizem, passando por reportagens de atualídãcles,

16 Ler e escrever , IIllru e escrita são tarefas da escola ... 17

I I
de divulgação científica,-'l!:!~_n~~lIl?inhemsua curiosidade e fQIQ~ n-rcsse que se vai formando em cada um, faz sugestões, discute e
uma base Qara dimensionar o mundo em que-vivem, notícias sobre a ci- iprofunda os assuntos, responde perguntas e lê com seus alunos. A
dade,-sõbre o estado.opaís, ensaios sobre história do Brasil, daAilléri- hihlioteca é o lugar de outra magia: lá está o tesouro inesgotável do
ca,o.QmUflQ()-,_sobie"üs problemas do presente, sobre outros {l~~on- I unhecimento construído historicamente pela humanidade. Na bibli-
témporâneos ou antigos, sobre a política, os costumes, os esportes, a tec- III oca, o aluno, explorando o seu acervo, vai expandir seus interes-
nologia, as.cíêncíaa.as.aneaetc.c. -- - 111';:
vai descobrir que existem enciclopédias, mapas, atlas, manuais,
Trata-se fundamentalmente de exercitar a leitura para praticar, u-vlstas, livros de todo o tipo e sobre todos os assuntos, ou vai con-
numa primeira instância, a decodificação da escrita, adestrando o olho 11"ltrar-se numa leitura de aprofundamento de um determinado inte-
para enxergar mais do que uma letra de cada vez, mais do que apenas II'SSU criado na leitura em sala de aula. A sala de aula é lugar da cria-
uma palavra, para entender os processos de construção das palavras \) de um vínculo com a leitura, pela inserção do aluno na tradição
(os radicais, os afixos, as desinências), para enxergar as discrepâncias 11IIconhecimento. A biblioteca é o lugar do cultivo pessoal desse vín-
que caracterizam a ortografia, para atribuir significado a expressões, 11110;lá se processa o amadurecimento intelectual.
a metáforas, para familiarizar-se com a sintaxe da língua escrita (a con- Ao lado dessa atividade de leitura orientada pelo gosto, pelo pra-
cordância verbal e nominal, as formas e os tempos verbais, o uso das 1'1'de atribuir sentido a um texto, cada professor, na aula de sua respec-
preposições, as conjunções e outros nexos), para entender o significa- IIVII6rea (ou dois ou mais professores em trabalho multidisciplinar), vai
do dos sinais de pontuação, o das letras maiúsculas e o das minúscu- 1\lIImovera leitura de textos que valem a pena ser aprofundados: agora
las, o das margens do texto, para construir um repertório de enredos, 111111 lS vão viver o encantamento da descoberta dos muitos sentidos em
de personagens, de raciocínios, de argumentos, de linhas de tempo, de 1IIIIIextodecisivo para o conhecimento produzido pela humanidade. Esta
conceitos que caracterizam as áreas de conhecimento, para, enfim, I11IIII'ade inserção do aluno no universo da cultura letrada desenvolve a
movimentar-se com desenvoltura no mundo da escrita. Esta leitura de 11111111 idade de dialogar com os textos lidos, através da capacidade de ler
formação de leitor visa desenvolver no aluno a familiaridade com a 1111profundidade e interpretar textos significativos para a formação de
língua escrita através da leitura de todo o tipo de texto, numa quanti- 1111cidadania, cultura e sensibilidade.
dade tal que o faça gostar de ler e de perceber a importância da leitura O mesmo para a escrita: se nós, professores de todas as áreas, pro-
para sua vida pessoal e social, transformando-a num hábito capaz de I""l'ionarmos a nossos alunos oportunidades para que escrevam muito
satisfazer esse gosto e essa necessidade. I111111 dizer coisas significativas para leitores a quem querem informar,
E como os professores trabalhariam com esses livros? Ensinan- , 1111 vencer, persuadir, comover, eles acabarão descobrindo que escrever
do a ler, começando por colocar o aluno na mais adequada postura para 110116 aquela trabalheira inútil de preencher 25 linhas, de copiar livro
ler: sentados em silêncio - administrando a retirada dos livros, conver- ,IIIII11ico e pedaços de enciclopédia. Nossos alunos descobrirão que são
sando com o aluno que solicitar orientação a respeito do assunto do I "Iulzesde escrever para dizer a sua palavra, para falar deles, de sua gente,

livro, incentivando-o a olhar no dicionário alguma palavra-chave para 1""11contar a sua história, para falar de suas necessidades, de seus an-
o entendimento do texto, ajudando o aluno a usar o dicionário, forne- , 11IS, de seus projetos e acabarão por descobrir que são gente, que têm
cendo-lhe indicações bibliográficas nas quais poderá procurar mais 'I qlle dizer, que têm história, que têm necessidades, anseios, que têm
informações a respeito de um assunto que lhe despertou interesse mais "I,,-Iro a satisfazer suas necessidades, a fazer projetos, que podem aspi-
forte, estimulando esse interesse, incentivando-o a falar aos colegas ti 1,11/I lima vida melhor, enfim.
respeito do que está lendo, a trocar impressões com os colegas a res- Por isso, cada professor em sua sala de aula vai vincular - atra-
peito de leituras comuns. I'" ela produção escrita - conteúdos específicos das áreas com a vida
E por que em sala de aula e não na biblioteca? Porque a sala de 01, IH.:US alunos, solicitando-Ihes que escrevam sobre aspectos de
aula é o lugar onde o professor ensina, onde ele mostra, por sua pre- IIIIH vidas, propondo que esses textos sejam lidos para os colegas
sença e sua atuação, a importância da leitura: ele traz os livros, apre- rllxcutidos em sala de aula. Cada professor lerá esses textos com
senta-os, quer que todos escolham o que vão ler, fica sabendo do in un-rcsse pelo que dizem e não apenas para corrigir o português ou

18 Ler e escrever 1,1111111


c escrita são tarefas da escola ... 19

)
verificar o acerto de suas respostas. Orientará a reescrita desses tex-
tos para que digam com mais clareza e mais precisão o que querem
dizer. E mandará ler um poema, uma notícia, um conto, uma repor-
tagem, um artigo, um livro que diga coisas interessantes a respeito
de um tema suscitado nas discussões desses textos, aprofundando
essa leitura com os alunos e pedindo que voltem ao assunto para
incorporar os dados novos trazidos por essa leitura, dando conti-
nuidade à discussão.

20 Ler e escrever

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