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Dissertação submetida ao
Programa de Pós Graduação em
História da Universidade Federal
de Santa Catarina para obtenção do
grau de mestre em História
Cultural. Orientadora: Profª. Drª.
Joana Maria Pedro.
Florianópolis
2014
A todas as pessoas vítimas de
violência sexual na história do
Brasil.
AGRADECIMENTOS
Gleidiane Ferreira
Conto baseado no processo de
Atentado ao pudor acontecido em 1929.
RESUMO
This thesis aims to analyze the speeches made on the issue of sexual
violence and deviant sexual behaviors under criminality in the city of
Fortaleza in the early twentieth century. Considering the social, political
and cultural changes that were happening in the city since the late
nineteenth century, as well as the Republican legislation about this kind
of violence, in this paper, I sought to problematize the discursive
disputes about sexual behaviors that are targets for police and judicial
intervention in the city, and how, were built and / or strengthened gender
hierarchies according to the themes of violence, morality and sexuality.
To do this, I took the speeches of doctors, law enforcement officers and
folks that were part of criminal cases, as bases to reflect on these issues
and the different power relations that were in the criminal life of the
city.
1 INTRODUÇÃO ........................................................................... 25
1.1 DO CONTEXTO .......................................................................... 25
1.2 DAS FONTES............................................................................... 28
1.3 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO ..................... 32
2 CAPÍTULO 1 – NA LETRA DA LEI: CLASSIFICANDO OS
CRIMES SEXUAIS E INTERPRETANTO A VIOLÊNCIA . 43
2.1 REFORMAS URBANAS E OS MODELOS DE FEMINILIDADE
E MASCULINIDADE NA CIDADE DE FORTALEZA EM FINS
DO SÉCULO XIX E INÍCIOS DO SÉCULO XX ....................... 43
2.2 DEFLORAR, ESTUPRAR OU ATENTAR CONTRA O PUDOR:
UMA CONSTRUÇÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL ................... 55
2.2.1 Entre a violência física e a violência moral ................................... 55
2.2.2 Materializando a violência ............................................................ 64
2.3 CORPO PENETRADO, CORPO VIOLADO: O ATO SEXUAL E
OS SIMBOLISMOS DE GÊNERO .............................................. 90
3 CAPÍTULO 2 – CONSTRUINDO O CRIMINOSO SEXUAL:
ENTRE DEGENERADOS E REPRESENTANTES DA
ORDEM ..................................................................................... 105
3.1 A VIDA ERRANTE: HOMEM DE COR, DESREGRADO E SEM
MORAL ...................................................................................... 105
3.2 DE DESREGRADOS A DEGENERADOS: ALCOOLISMO E
DOENÇAS VENÉREAS ............................................................ 137
3.3 CONSTRUINDO O LUGAR DA VIOLÊNCIA: ENTRE A CASA
E O MATAGAL ......................................................................... 159
4 CAPÍTULO 3 – ENTRE INOCENTES E DESONESTAS:
CONSTRUINDO A VÍTIMA DE CRIME SEXUAL ............ 177
4.1 PASSIVA E INOCENTE: IDEALIZANDO A VÍTIMA DE
CRIME SEXUAL ....................................................................... 177
4.2 IMORAL E DEGENERADA: A “MULHER DE VIDA
ALEGRE” ................................................................................... 199
4.3 UM ASSUNTO PARA MÉDICO: PRESERVANDO O CORPO
DA FUTURA MÃE .................................................................... 217
4.4 ESQUADRINHANDO AMBIENTES E RELAÇÕES
FAMILIARES: QUEM ERAM AS VÍTIMAS DE CRIME
SEXUAL? ................................................................................... 233
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................... 263
REFERÊNCIAS ........................................................................ 271
25
1 INTRODUÇÃO
1.1 DO CONTEXTO
1
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 01, Processo Nº 1926/01.
Relatório da promotoria. p. 02.
2
Entende-se por limpeza moral, uma política de atuação da esfera pública em
detectar e normatizar as condutas de homens e mulheres em prol de uma
sociedade limpa e virtuosa do ponto de vista da moralidade, com o motivo de
assegurar o progresso da sociedade brasileira. Esse discurso se vinculava às
teorias eugênicas do início do século e do Darwinismo social. Ver: (FLORES,
2002).
26
3
As fontes disponibilizadas para pesquisa no Arquivo Público do Estado do
Ceará são oriundas do fundo do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Essa
documentação fora organizada e catalogada pelo projeto “Conservar para
preservar e preservar para conhecer: processos-crime do Arquivo do Estado do
Ceará (1910-1950)” realizados pelas (os) bolsistas do Programa de Educação
Tutorial (PET-História) durante o período de 2003-2005. Graças a esse trabalho,
a pesquisa em questão pode ser realizada no próprio espaço do Arquivo Público
do Estado, de forma menos burocrática do que normalmente acontece nas
pesquisas com fontes judiciais, que em muitos casos estão nos espaços da
justiça e se encontram indisponíveis para consulta.
29
4
Segundo o trabalho Faces da atividade policial na capital cearense (1916-
1930) do pesquisador Francisco Linhares Fonteles Neto, a polícia cearense –
diferentemente do censo 1920, que apontava pouco mais de 70 mil pessoas –
registrava que a cidade de Fortaleza chegava aos 100 mil habitantes durante
essa década, e, consequentemente, a um número ainda maior de pessoas pobres
e de problemas sociais nesse período.
45
os espaços da cidade com aquelas elites que buscavam viver a sua Belle
Èpoque5.
Além da questão da seca, Fortaleza também presenciou uma
intensa epidemia de varíola no fim do século XIX, que vitimou uma
imensa quantidade de pessoas, especialmente as retirantes da seca que
viviam amontoadas na cidade. Esse fenômeno acabou por intensificar a
grande preocupação com a normatização das casas e dos modos de vida
da população mais pobre a partir de preceitos higiênicos.6 Com a
tentativa de disciplinar o espaço urbano e as pessoas que ameaçavam a
ordem social da família, do trabalho e da higiene – as atividades
policiais, os discursos médicos e sanitaristas, assim como os discursos
jurídicos do período – atuaram, principalmente, contra aqueles e aquelas
que não estavam configurados (as) nos modelos de vida burguês, e não
endossavam os projetos modernizadores das elites fortalezenses.
Segundo alguns trabalhos sobre a cidade de Fortaleza nesse
período – demonstrando a situação de desemprego, de fome e
desigualdades vividas pela grande maioria das pessoas – ressaltaram que
a população mais pobre foi alvo de estigma, controle, e intervenções do
poder público, visto que eram figuras tidas como portadoras de hábitos
que ameaçavam o desenvolvimento da cidade.
5
Termo utilizado no trabalho de Sebastião Ponte ao referir-se aos modos
“afrancesados” de organização urbana e de vivência das elites fortalezenses no
período.
6
Segundo Ponte, o Ceará foi palco, durante o século XIX, de diversas
epidemias, como a cólera, a varíola e febre amarela, e já era reconhecido como
um lugar propício a esses episódios. (PONTE, 2010, p. 84 e 85). No entanto, a
epidemia de varíola na década de 1870 deste século, foi a mais marcante em
termos e disseminação e mortalidade. Segundo a pesquisadora Letícia Lustosa
Martins, embora sabido que a epidemia de varíola atingiu personalidades da
elite fortalezense, esta passou a ser socialmente um estigma físico para aqueles
que sobreviveram à doença, devido às inúmeras marcas que ficavam pelo corpo.
Concomitante à pobreza, a epidemia de varíola vivida na capital cearense
também colaborou para o estigma das pessoas mais pobres da cidade.
(MARTINS, 2010).
46
7
Além das atividades relacionadas ao ócio e aos vícios, à repressão de
expressões populares, como as festas e bailes de carnaval também foram alvos
de desqualificação e repressão por parte da administração pública,
especialmente, em inícios do século XX. Sobre o tema consultar ver o trabalho:
A Cidade das Máscaras: Carnavais na Fortaleza das décadas de 1920 e 1930
(Mestrado em História – UFC).
8
Esse termo, utilizado pelo historiador, é relativo ao escritor José de Alencar.
47
9
Código Penal da República do Brasil de 1890.
50
10
Embora vinculada ao poder executivo, em que o Chefe de polícia era indicado
pelo Presidente do Estado, este deveria ser escolhido entre os bacharéis com
atuação no poder judiciário.
52
11
Essa questão será retomada no terceiro capítulo deste trabalho.
55
12
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 01, Processo Nº 1924/01.
56
16
As promessas de casamento como algo compositor dos crimes de
Defloramento no início da República brasileira foi tema bastante desenvolvido
no primeiro capítulo do livro “Em defesa da honra” da brasilianista Sueann
Caufield. Trabalhando os aspectos debatidos por um dos juristas mais
importantes sobre a questão da moral no início do século, Viveiros de Castro, a
autora apresenta a forma com que o autor teorizou sobre os crimes de
Defloramento em caso de promessas de casamento. Segundo ele, em muitos
desses casos, a mulher honesta acabava “adiantando os direitos do marido”,
fazendo a sedução, o engano ou fraude serem definidos pela falsa promessa.
(CAULFIELD, 2000, p. 78).
17
Na historiografia brasileira, inúmeros foram os trabalhos que abordaram os
diversos usos dados aos crimes de Defloramento, especialmente no primeiro
momento da República. Destaco, por sua vez, as pesquisas que mais
influenciaram a realização deste trabalho. CAULFIELD, Sueann. Em defesa da
honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de janeiro (1918-1940).
Campinas: Editora Unicamp, 2000; ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas
perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle
Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989; LESSA, Andréa R. da Silva. Moças
Abusadas: concepções de honra e conflitos amorosos em Santo Antônio de
Jesus – Bahia (1890-1940). Santo Antônio de Jesus: UNEB. Dissertação de
Mestrado – UNEB, 2007.
58
18
Código Penal da República do Brasil de 1890.
59
penetrar uma mulher com uso de violência, mesmo que não fosse
evidenciada, nos artigos penais, a questão da penetração ou da cópula
carnal. Nesse sentido, é possível entender que outro tipo de “abuso” de
cunho sexual que não envolvesse necessariamente uma cópula carnal, na
grande maioria dos casos, não era fator suficiente para classificar um
crime como Estupro, e sim como atos atentatórios ao pudor (Art.266),
ou Ferimentos Leves (Art.303). Assim, a partir do texto do Código
Penal de 1890, a ideia generalizada de abuso e violência física
constituintes do crime de Estupro vão ao encontro à consumação da
penetração sexual, e ao uso da força física seria especialmente para esse
fim. Nesse sentido, a ação dos médicos-legistas passou a ser bastante
importante na definição desses crimes sexuais, na medida em que, a
medicina e seus procedimentos científicos serviam como mecanismos
centrais, e falas autorizadas, de definição dos elementos constitutivos
dos crimes praticados com violência.
Outra característica fundamental do Código Penal referente ao
Estupro era a definição explícita do gênero das vítimas e dos réus. O
artigo prevê uma definição de quem pode ser estuprador e de quem pode
sofrer um estupro ao definir que este crime era um ato “pelo qual o
homem abusa com violência de uma mulher”. Nesse sentido, um ato de
violência cometido por um homem contra outro, não poderia ser
classificado como Estupro, mesmo que se tratasse de um ato que
buscasse uma atividade penetrativa e fosse realizado com uso de
violência. Alguns dos trabalhos que tiveram tanto os crimes de
Defloramentos quanto os de Estupro como fontes centrais apontaram
que as características gerais desses crimes eram as preocupações com a
sexualidade das mulheres e a “preservação de sua honra”, ao buscar
regulamentar as várias experiências sexuais fora da norma que estas
poderiam vivenciar. Daí, portanto, o fato dos crimes de Defloramento e
de Estupro, além dos demais descritos nesses títulos – terem se
constituído como ferramentas legais que pretendiam abarcar as relações
entre sexo, pudor e violência que tinham as mulheres como
pressuposição.
O único artigo que abriu margens para práticas que não
especificavam as mulheres como vítima foi o crime de Atentado ao
Pudor. Segundo o Código de 1890, este crime era definido como:
19
Código Penal da República do Brasil de 1890.
62
20
Sueann Caufield e Martha Abreu também apontaram que essa era, também,
uma forma de desdobramento da ação criminal dos crimes de Defloramentos no
Rio de janeiro nas primeiras décadas do século XX.
63
21
Segundo o jurista Aureliano Leal, reconhecido Chefe de Polícia do Rio de
Janeiro no início do século, muitos são os fatores encontrados na legislação
criminal que demonstraram a pouca eficiência dessa legislação sobre a questão
“dos germens do crime”; segundo ele, em publicação de 1896, “a manutenção
do júri, a prescrição dos crimes, a fiança, a divisão da ação penal em pública e
privada, a anistia, a graça, o perdão do ofendido, o livramento condicional, a
impunidade do mandante, a reincidência e as nulidades processuais”. (LEAL
apud, ALVAREZ; SALLA; SOUZA, 2003).
65
22
Os bacharéis de Fortaleza, que atuaram nas primeiras décadas na capital eram
formados primeiramente nas Faculdades de Direito de Recife, e depois de 1903,
com a fundação da faculdade de Direito do Ceará, passaram a obter formação na
própria capital. É importante perceber, que muitos desses bacharéis entraram em
contato com as ideias positivistas de atuação jurídica características da
Faculdade de Direito de Recife, lugar onde atuaram importantes teóricos das
teorias raciais brasileiras, como o sergipano Sílvio Romero.
66
23
Este Juiz aparece também em outros processos durante o período aqui
estudado. Segundo o historiador Geraldo Nobre, Gabriel José Cavalcante era
filho do reconhecido capitalista cearense, José Cândido Cavalcante, um dos
presidentes da Junta Comercial do Ceará entre o fim do século XIX e inícios do
Século XX. Formou-se na Faculdade de Direito de Recife no ano de 1906.
Ocupou os cargos de Juiz de Direito substituto em 1907, e depois de 1930 foi
nomeado para o Superior Tribunal de Justiça. (NOBRE, 1975, p. 247-248)
67
24
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 01, Processo Nº 1924/01,
Parecer do Juiz. p 58.
68
25
Código Penal da República do Brasil de 1890.
69
26
A infância era alvo de preocupação social em todo Brasil, inclusive na cidade
de Fortaleza, desde a virada do século XIX. No entanto, a infância passava a ser
alvo de preocupação nesta cidade, principalmente, a partir das primeiras
décadas do século XX com o aumento populacional. Segundo Fonteles Neto
havia nessas primeiras décadas uma preocupação com a “infância abandonada”,
pois estas crianças viriam a ser os futuros “delinquentes” da cidade.
(FONTELES NETO, 2005. p. 32) Retornarei ao tema da infância no capítulo 3.
70
27
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC); Tribunal de Justiça; Série:
Ações Criminais; Sub-série: Crimes Sexuais; Caixa 01; Processo Nº 1924/01.
Auto de declaração das testemunhas. p. 13.
28
(APEC); Processo Nº 1924/01. Auto de declaração das testemunhas. p.14-15.
71
29
(APEC); Processo Nº 1924/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 16-17.
30
O trabalho da historiadora Sílvia Arend, em Santa Catarina, discute de que
forma a “proteção” da infância vai se constituindo nas primeiras décadas do
72
31
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1931/01.
Declaração das testemunhas. p. 04.
74
32
Membrana era uma forma mais técnica de referir-se à vagina. Certamente,
esse não era o termo utilizado pela depoente, mas uma reelaboração do escrivão
como forma de deixar o relato menos coloquial e mais técnico.
33
(APEC), Processo Nº 1931/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 8 e 9.
75
34
(APEC), Processo Nº 1931/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 13-14.
35
(APEC), Processo Nº 1931/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 16-17.
36
(APEC), Processo Nº 1931/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 53.
76
37
(APEC), Processo Nº 1931/01. Relatório do Inspetor. p.26.
38
Nos relatos dos populares, as “deformidades” e a situação de saúde das
vítimas eram colocadas como as principais preocupações que as mobilizaram a
efetuar a denúncia e encaminhar uma possível punição ao réu. No entanto, essas
informações ao serem lidas e significadas pelos representantes da justiça,
principalmente os promotores, prontamente apareciam como demonstração da
vida degenerada do réu, ao salientar os elementos da doença venérea.
77
39
João Jorge de Pontes Vieira estudou no Liceu do Ceará e bacharelou-se pela
Faculdade de Direito do Ceará em 1918. Foi Professor de Geografia e História,
promotor, juiz Municipal, advogado da Justiça Militar, delegado de polícia de
Fortaleza e Procurador Fiscal. Posteriormente, foi Deputado Federal e integrou
o grupo da Constituinte de 1934. Foi Desembargador do Tribunal do Estado
entre os períodos de 1941 e 1944 e membro da Academia Cearense de Letras.
Fonte: http://www.ceara.pro.br/cearenses/listapornomedetalhe.php?pid=33094
40
(APEC), Processo Nº 1926. Denúncia elaborada pelo Promotor de Justiça. p.
02.
78
41
Utilizo aqui uma definição de “bem jurídico” bastante simples, e que resume
os debates sobre suas definições. O bem jurídico seria “a expressão de um
interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um
certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso
juridicamente reconhecido como valioso”. Essa definição foi baseada na obra:
DIAS, Jorge de Figueiredo. In: Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte
Geral – Tomo I. 2ª ed. [S.l.: s.n.], 2007. vol. I. Fonte: Wikipédia. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Bem_jur%C3%ADdico> Acessado em:
22/07/2013.
42
O Centro Médico era uma associação que visava agregar médicos e
profissionais de saúde do Ceará, sediado na cidade de Fortaleza. O Centro
divulgava e difundia estudos das ciências médicas do Brasil e do mundo, e
discutia sobre a contribuição desses profissionais para os principais problemas
da sociedade local.
79
43
Martha Abreu, ao trabalhar os processos criminais na cidade do Rio de
Janeiro, ressalta a forma com que, a atuação da polícia e da justiça carioca
mesclava essas formas de desigualdades e preconceitos no cotidiano criminal.
80
44
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 01, Processo Nº 1937/02.
Auto de corpo de delito, p.05.
81
46
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 01, Processo Nº 1937/02.
Auto de corpo de delito, p.49.
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47
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1929.
Denúncia do 1º Promotor de Justiça. p. 02.
48
No processo em questão, o Juiz ressalta no seu parecer, as dificuldades
existentes em materializar as provas para este tipo de crime, tanto por se tratar
de delito geralmente cometido em âmbito privado, como também, por se tratar
de atos que não necessariamente se relacionavam à penetração carnal. E
justamente por isso, as provas em muitos casos eram os depoimentos dos que
acusavam, o que poderia significar muitas “não verdades” sobre o fato
delituoso.
49
Segundo o decreto de Setembro de 1915, assinado pelo presidente Wenceslau
Braz, os crimes de Atentados ao Pudor, eram colocados como crimes que
correspondiam a práticas sexuais que corrompiam a moralidade. O artigo
deixava de ter parágrafo único e se desmembrava em dois parágrafos que
destacavam: “§ 1º Excitar, favorecer ou facilitar a corrupção de pessoa de um ou
de outro sexo, menor de 21 annos, induzindo-a á pratica de actos deshonestos,
viciando a sua innocencia ou pervertendo-lhe de qualquer modo o seu senso
moral; Pena – de prisão cellular por seis mezes a dous annos. § 2º Corromper
pessoa menor de 21 annos, de um ou de outro sexo, praticando com ella ou
contra ella actos de libidinagem: Pena – de prisão cellular por dous a quatro
anos”.
87
50
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC); Tribunal de Justiça; Série:
Ações Criminais; Sub-série: Crimes Sexuais; Caixa 01; Processo Nº 1922. Auto
de declaração das testemunhas. p. 14 e 15.
89
51
(APEC), Processo Nº 1922. Relatório da Promotoria. p. 43.
90
52
É importante destacar, que embora o pensamento médico e higienista atuasse,
especialmente, no cotidiano dos pobres da cidade, as famílias de elite,
principalmente as mulheres, também eram objeto de debate nos círculos
médicos. Um exemplo bastante interessante desse aspecto foram as campanhas
92
53
Entendo jogos de gênero como mobilizações estratégicas de gênero. Esses
jogos são uma instrumentalização, um artifício de luta para se alcançar um
objetivo particular. Um uso teatral e tático, consciente ou não, de mobilização
de estereótipos de gênero reconhecidos socialmente, com finalidades
específicas. Guardando as devidas proporções espaciais e temporais, tomo como
referência os debates realizados pela historiadora Ana Rita Fonteles, ao discutir
os jogos de gênero nas memórias das mulheres que militaram no Movimento
Feminino pela Anistia no Ceará (MFPA). Tal autora observou a forma com que
as mulheres do movimento mobilizaram o gênero como forma de atuar
politicamente durante o período da ditadura militar no Brasil. O uso estratégico
do gênero – como o reforço do sentimento maternal e o apelo à esfera
sentimental – foi de grande importância para lograrem conquistas para as suas
causas. (FONTELES, 2009) Nesse sentido, utilizar-se do gênero como tática de
fundamentação das narrativas prestadas em âmbito judicial, também foi
estratégia importante nas ações judiciais de crimes sexuais.
94
54
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1934/01.
Auto de declaração das testemunhas. p. 38 e 39.
55
(APEC), Processo Nº 1934/01. Auto de declaração das testemunhas. p.35 e
36.
96
56
(APEC), Processo Nº 1934/01. Denúncia da Promotoria. p. 02.
97
57
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 01, Processo Nº 1926-1.
Auto de declaração das testemunhas. p. 04 e 05. O documento original possui a
repetição do trecho “segundo sua mulher”. Como afirmado anteriormente, optei
por manter a literalidade do documento no momento da transcrição.
98
58
(APEC), Processo Nº 1926/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 9 e 10.
99
59
(APEC), Processo Nº 1926/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 20.
101
60
(APEC), Processo Nº 1926/01. Ofício expedido pela chefatura de polícia, em
10 de março de 1926.
61
Nem sempre as figuras paternas foram muito presentes nos casos de crimes
sexuais em Fortaleza, visto que, grande parte dos crimes aqui analisados tinham
as mães como figuras centrais para a realização da queixa e para a mobilização
da vizinhança para a apuração do caso. As questões que envolvem esse
cotidiano familiar das pessoas envolvidas em processos de crimes sexuais serão
melhor exploradas no terceiro capítulo deste trabalho.
62
O objetivo do artigo de Noélia foi pensar a forma com que várias
justificativas realizadas por acusados de casos de agressões e assassinatos de
mulheres em Fortaleza, podia ser pensado em termos de defender a honra “dos
homens de bem”, ou seja, dos homens que buscavam ter a sua visão pública
preservada.
102
que se tinha nesse momento. Desse modo, pensar a forma como a justiça
fortalezense atuou na compreensão da violência para os crimes sexuais e
como esses estavam imbricados por simbologias e hierarquias de gênero
foi o desafio proposto neste capítulo.
Os discursos disciplinadores no âmbito criminal em Fortaleza
construíram sobre o tema da violência sexual uma imagem que
ressaltava o aspecto “anormal”, fora da ordem das condutas e dos
desejos. Manter relações sexuais com crianças, praticar sexo “com fins
lascivos” e não reprodutivos, delineava a violência sexual no plano do
específico. Os acusados desses crimes, aos poucos, eram construídos no
decorrer dos julgamentos dos processos criminais, por sua
“bestialidade”, “covardia”, e “repugnância”, e o próprio ato de violência
sexual era entendido, muitas vezes, pela má conduta generalizada do
acusado, e muito menos, por uma violência de gênero.
A legislação republicana, ao instituir o casamento como divisor
moral da sexualidade saudável, tendo a virgindade e a pureza como os
maiores bens morais e jurídicos a serem preservados, distanciavam as
possibilidades de que mulheres adultas, prostitutas e ou meninas com
comportamentos considerados não tão “honestos” pudessem ser
entendidas como pessoas suscetíveis a “proteção legal” em casos de
violências sexuais. Nos crimes encontrados em Fortaleza, a preocupação
cada vez maior com a cidade higiênica, a maternidade saudável, a
mortalidade infantil, e a construção de filhos fortes para a nação
relacionou, cada vez mais, os comportamentos sexuais idealizados aos
objetivos de produzir bons cidadãos para a sociedade; e por isso, a
preocupação com os casos que envolvessem mulheres jovens e crianças
girava em torno das lesões que esses crimes poderiam deixar para a
posteridade.
Por isso, a partir da análise das ideias de violência manejadas
pelos diversos pareceres e relatos encontrados nesses processos, foi
possível perceber que durante as primeiras décadas do século passado,
as classificações e as imagens construídas para as pessoas acusadas e
ofendidas nos crimes sexuais em Fortaleza, estiveram diretamente
marcadas pelos “papéis” de gênero desejados nesse momento, e que
foram reforçados nos momentos de mudanças políticas, sociais e
culturais que a cidade vivia desde o fim do século XIX.
Os debates suscitados por esses processos demonstraram os
anseios das elites bacharelescas em tornar a capital livre dos estigmas da
104
63
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1926/02.
Relatório do Inspetor. p.18.
106
Imagem 1
107
Imagem 2
108
68
(APEC), Processo Nº 1926/02. Auto de declaração das testemunhas. p. 13-14.
69
(APEC), Processo Nº 1926/02. Auto de declaração das testemunhas. p. 14-15.
70
(APEC), Processo Nº 1926/02. Auto de declaração das testemunhas. p. 15-16.
115
71
(APEC), Processo Nº 1926/02. Auto de declaração das testemunhas. p. 15-16.
72
(APEC), Processo Nº 1926/02. Auto de declaração das testemunhas. p.10.
116
73
O termo caboclo é originário do tupi e se refere às pessoas que possuem uma
cor de pele acobreada. É também, nome que se dá, geralmente, aos mestiços de
brancos e índios no Brasil. Fonte: Dicionário Priberam on-line:
http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=caboclo
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Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1934/01.
Auto de declaração das testemunhas. p. 06-07.
118
75
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1936/02.
Auto de declaração das testemunhas p. 18-19.
120
76
(APEC), Processo Nº 1936/02. Auto de declaração das testemunhas. p. 63.
77
(APEC) Processo Nº 1936/02. Auto de declaração das testemunhas. p. 72-73.
121
78
Para estudo mais detalhado sobre as idealizações do policiamento da capital
cearense em inícios do século XX ver a dissertação de Fonteles Neto,
Vigilância, impunidade e transgressão: faces da atividade policial na capital
cearense, especialmente, o primeiro capítulo.
122
79
(APEC), Processo Nº 1926/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 4.
123
80
(APEC), Processo Nº 1936/02. Auto de declaração das testemunhas. p. 56-57.
124
81
Aqui falo de honestidade como um valor distinto daquele atribuída às figuras
femininas que tem no recato e no comportamento sexual, seu valor principal. A
ideia de honestidade mobilizada nesses processos para as figuras masculinas
aparece como um contraponto à figura do gatuno, do homem que vivia “sem
eira nem beira”. O homem honesto, nesse sentido, seria aquele que não
trapaceava, trabalhador e provedor da família, que cumpre suas palavras e
compromissos, em especial, os financeiros.
82
(APEC), Tribunal de Justiça, Série: Ações Criminais, Sub-série: Crimes
Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1931/04. Auto de declaração das testemunhas.
p.34.
126
83
(APEC), Processo Nº 1931/04. Auto de declaração das testemunhas. p. 37.
84
Gatuno significa: Que ou quem se dá ao furto. Larápio, ratoneiro. In
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-
2013, http://www.priberam.pt/dlpo/gatuno [consultado em 27-09-2013].
127
85
(APEC), Processo Nº 1931/04. Auto de declaração das testemunhas. p. 24-25.
86
(APEC), Processo Nº 1931/04. Auto de declaração das testemunhas. p. 26-27.
128
87
(APEC), Processo Nº 1931/04. Auto de declaração das testemunhas. p. 115. É
importante destacar que o município de Canindé localizado no sertão central do
estado, tinha desde a primeira década do início do século XX uma intensa
atividade religiosa, tendo como padroeiro São Francisco das Chagas. Durante
todo esse século a cidade se destacou como um importante lugar de
peregrinação religiosa, sendo atualmente um dos mais importantes destinos do
“turismo religioso” do Brasil, e compondo uma das maiores romarias da
América Latina.
129
88
(APEC), Tribunal de Justiça, Série: Ações Criminais, Sub-série: Crimes
Sexuais, Caixa 01, Processo Nº 1926/01. Auto de declaração das testemunhas. p.
04-05.
132
89
(APEC), Tribunal de Justiça, Série: Ações Criminais, Sub-série: Crimes
Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1932. Auto de declaração das testemunhas. p. 9.
134
90
(APEC), Processo Nº 1932. Auto de declaração das testemunhas. p. 17 e 18.
91
Sidney Chalhoub também fala sobre a relação de trabalho e dignidade para as
mulheres pobres. A dedicação cotidiana ao trabalho, mesmo que com péssima
remuneração, poderia ser usado por essas mulheres como forma de reafirmação
dos próprios valores maternos e de preocupação com a família que deveriam ser
primordiais para a vida das mulheres. A afirmação da labuta diária como forma
de manter uma vida digna e prover a necessidade dos filhos, em alguns casos,
poderia constituir uma visão positiva sobre a conduta dessas mulheres. No
entanto, nem sempre esses elementos são verificáveis nos processos criminais
que tiveram as mulheres pobres como denunciadas, e nem todas as formas de
trabalho são vistas da mesma forma. No caso de Maria Etelvina, a luta pela
demonstração de um trabalho “aceitável” aos olhos dos representantes da
justiça, e de uma necessidade concreta de busca de sobrevivência foram
elementos fundamentais para a elaboração de sua defesa. (CHALHOUB, 2001,
p. 207 e 208)
135
92
Justificar a atividade de labor pela ausência do marido, ou pela insuficiência
do trabalho do marido, era relato recorrente entre as mulheres que viviam e
sustentavam as famílias sozinhas desde o XIX, como demonstrou a historiadora
Joana Maria Pedro em Mulheres honestas e faladas: uma questão de classe.
(PEDRO, 1994, p. 124)
136
93
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1931/04.
Parecer da promotoria. p. 02.
138
94
CARVALHO, Demosthenes. “A Semana Anti – Alcoolica”, Revista Ceará
Médico, Fortaleza, nº3, 1928. p. 02-03.
95
CARVALHO, Demosthenes. “A Semana Anti – Alcoolica”, Revista Ceará
Médico, Fortaleza, nº3, 1928. p. 02-03.
141
E continuava:
96
LOBO, Octavio. “Conferência em 15 de Outubro de 1928”, Revista Ceará
Médico, Fortaleza, nº3, 1928. p. 03-05.
143
97
Revista Ceará Médico. “O crime de Tom”, Fortaleza, nº3, p. 32, 1928.
146
98
SOMBRA, José. “Conferência em 16 de Outubro de 1928”, Revista Ceará
Médico, Fortaleza, nº3, p. 7-10, 1928.
148
Guiomar vivia em uma família composta por pai, mãe e uma irmã mais
velha, que segundo os vários depoimentos do processo, era a pessoa
quem frequentemente fazia trabalhos em “casas de família” como forma
de ajudar na renda familiar.
No dia 31 de março de 1933, Manoel Norberto teria chegado à
casa da família – que era original da região de Baturité no interior do
Ceará – dizendo que buscava uma moça para auxiliar a esposa do dito
“Capitão Jehová” na localidade de Porangaba99. Devido ao fato de a
filha mais velha encontrar-se doente, a mãe e o pai resolveram enviar a
filha mais jovem Guiomar Moreira para assumir o trabalho. No entanto,
segundo o depoimento que originou a queixa e que posteriormente foi
reafirmado pelas testemunhas, durante a ida para esse trabalho, o
acusado, sob o pretexto de encurtar a caminhada, teria levado a menor a
um matagal, e armado de um canivete a teria violado sexualmente.
O acusado, já no momento da queixa na delegacia fora
identificado por foto pela família, pois já tinha sido preso anteriormente,
e se encontrava foragido devido a um furto cometido dias anteriores. O
caso segue, com a solicitação da prisão preventiva de Manoel Norberto,
e ganha destaque pelos debates realizados posteriormente no julgamento
acerca da “natureza” do réu.
O caso foi o único dos aqui estudados que conta com mais de
vinte páginas de análises, por parte da promotoria, sobre as
possibilidades jurídicas de definição desse tipo de criminoso. O
promotor, citando inúmeros autores teóricos do direito e da medicina
legal, dizia encontrar-se em dúvida acerca de como proceder sobre a
formação da culpa do caso, pois acreditava estar diante de um “louco
moral”, ou seja, acreditava estar diante de um caso cuja situação do
acusado deveria ser analisada primeiramente por um médico psiquiatra e
não apenas pelos profissionais do direito. Em decorrência da dúvida, a
promotoria solicita, no seu primeiro parecer, a participação de um
profissional da saúde que atestasse a sanidade mental, ou não, do réu, e
desse modo, viabilizasse um julgamento coerente “com os princípios
mais modernos do direito penal”.
99
Porangaba, chamada atualmente de Parangaba, é hoje parte integrante da
própria cidade de Fortaleza.
149
100
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1933/02.
Parecer da Promotoria. p. 73
101
Os crimes cometidos pelo acusado, segundo o relatoria da promotoria,
seriam: “Em summario illustrámos nossa asserção com um officio do Dr 1º
Delegado informando ter o denunciado sido recolhido aos cárceres de sua
estação policial SETE VEZES assim resumidas – a) ESTUPRO – em 18.11.26
b) Tentativa de assassinato a uma EX-AMANTE – em 11. 11. 31 c) Roubo e
Furto a menores e a UMA MERETRIZ – em 20. 1.32 d) Furto – em 20.12.32 e)
Agressão a uma MERETRIZ que não se deixou ESTUPRAR – em 24.3.33 f)
Fuga da cadeia em 7.4.33 g)ESTUPRO – em 6.9.33” (grifos meus). (APEC),
Processo Nº 1933/02. Parecer da promotoria. p. 106 e 107.
150
102
(APEC), Processo Nº 1933/02. Parecer da Promotoria. p. 72.
103
O promotor utiliza-se diversos autores, dentre médicos e juristas, para
fundamentar tal debate teórico acerca da imputabilidade criminal de loucos, e
também da própria forma de diferenciação entre loucos e criminosos. Para citar
alguns deles, estavam presentes em seu debate: Petris y Regis; Krafft-Ebing; De
Joffey; De Garnier. (APEC), Processo Nº 1933/02. Parecer da Promotoria. p.
60, 70 e 71.
104
(APEC), Processo Nº 1933/02. Parecer da Promotoria. p. 106.
151
105
O pedido realizado pelo promotor, sobre a avaliação médica do acusado, fora
negado segundo seu segundo relatório do caso, devido à falta de condições e de
estrutura para tal. Essa afirmação parece expressar a pouca relação estrutural
existente entre a ação da justiça penal e os médicos da cidade.
106
(APEC), Processo Nº 1933/02. Parecer da Promotoria. p. 108.
152
107
Nasceu em Fortaleza em 1899. Bacharelou-se na Faculdade de Direito do
Ceará em 1925. Foi nomeado Juiz de Direito em 1931, sendo titular durante
anos na 1ª Vara da Comarca da Capital. Em 26 de março de 1947 foi nomeado
Desembargador, ocupando a Presidência em 1955. Pertenceu ao Tribunal
Regional Eleitoral. Link da Fonte: http://www.tjce.jus.br/institucional/ex-
presidente_020.asp
153
108
O “cavalo”, como aparece registrado no depoimento do acusado, se refere à
infestação chamada cancro mole. No caso de José Almeida, os médicos legistas
encontravam vários desses cancros em seu pênis no momento do corpo de
delito. A “blenorreia” seria outro nome popularmente atribuído à gonorreia.
154
109
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1936/02.
Relatório do delegado. p. 102.
110
(APEC), Processo Nº 1936/02. Parecer do Juiz. p. 165.
155
111
A historiadora Raquel Caminha, ao analisar a cena em que muitos dos crimes
de Calúnia, Injúria e Ferimentos foram cometidos, destacou a forma com que a
construção das casas populares em Fortaleza – chamadas casas germinadas, que
seriam aquelas em que uma única parede dividia duas casas – favoreciam uma
relação próxima entre a vizinhança e possibilitava, também, muitos conflitos
entre as pessoas que viviam próximas. Essa reflexão foi importante para aguçar
minha percepção sobre alguns dos cenários de crimes sexuais estudados nessa
pesquisa, como no caso contra João Gabriel Filho. Como afirmado acima, réu e
vítima eram vizinhos e partilhavam o mesmo quintal, lugar onde teria
acontecido o crime de Atentado ao Pudor. (ROCHA, 2010)
156
112
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1938/02.
Relatório do delegado. p. 24.
157
113
(APEC), Processo Nº 1938/02. Denúncia da promotoria. p. 02.
158
Imagem 3
114
A dissertação de mestrado de Idalina Freitas, ao analisar os casos de crimes
contra as mulheres na cidade de Fortaleza, também se refere às simbologias e
discursos sobre as relações entre mulheres e espaço urbano. Ter acesso ao
espaço urbano, em especial para as mulheres que inevitavelmente ganhavam a
vida nesse espaço, significava estar suscetível a uma série de violências, sejam
162
115
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1929/01.
Auto de declaração das testemunhas. p. 38 e 39.
164
116
(APEC), Processo Nº 1929/01. Auto de declaração das testemunhas. p.36-37.
117
(APEC), Processo Nº 1929/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 38.
165
118
(APEC), Processo Nº 1929/01. Parecer do Promotor. p.2.
119
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 01, Processo Nº 1922/01.
Auto de declaração do acusado. p.13.
166
121
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1931/04.
Auto de declaração do acusado. p. 45.
169
122
(APEC), Processo Nº 1931/04. Auto de declaração da vítima. p. 08.
170
123
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1937/01.
Auto de declaração das testemunhas. p. 84.
171
124
(APEC), Processo Nº 1937/01. Parecer do advogado de defesa. p. 108.
172
125
(APEC), Processo Nº 1937/01. Auto de declarações das testemunhas. p. 29 e
30.
126
(APEC), Processo Nº 1937/01. Auto de declarações da ofendida. p. 13.
173
127
Os dois trabalhos tiveram como objetivo problematizar as relações de
violência que permeavam o cotidiano das mulheres na cidade de Fortaleza em
inícios do século XX. Noélia, pela problematização da questão da honra
colocada para os crimes de agressões contra mulheres, ressaltou a forma com
que a honra masculina estava diretamente ligada aos comportamentos
femininos, e também, como entre as relações matrimoniais a legitimidade de
algumas agressões faziam parte das relações entre homens e mulheres. Na
mesma perspectiva, a historiadora Idalina Freitas ressaltou como a rua, o acesso
aos espaços urbanos e as transgressões dos modelos de gênero vivenciados pelas
mulheres, em especial as mulheres pobres, mobilizaram diferentes formas de
agressões e assassinatos por homens em suas companheiras de relação.
175
128
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1937/01.
Apelação do advogado de defesa. p. 192.
178
129
É importante relembrar, como mostrado no primeiro capítulo deste trabalho,
que a idade era fator importante na fundamentação jurídica de classificação dos
crimes, e na própria construção discursiva do que era considerado violento. O
Código de Menores de 1927 não se reportou ao tema da violência sexual em
seus artigos e, portanto, não construiu especificações dessas violências para a
legislatura dos menores. Todavia, uma das possíveis explicações para isso foi o
próprio privilégio colocado no Código Penal de 1890 para as vítimas menores
de idade. As definições de violência sexual já se construíam profundamente
marcadas pelas idades da vida. Relembro aqui as diferenças interpretativas nos
crimes contra pessoas que estavam fora da menoridade e do encaixe da
violência presumida, como nos crimes contra mulheres adultas e idosas.
179
130
A preocupação com o problema da delinquência norteou enormemente a
construção do Código de Menores de 1927, que buscava regulamentar,
principalmente, as relações de tutoria e de trabalho que marcava a vida das (os)
menores. Definir as obrigações de mães, pais e outros responsáveis, além de
regular as condições e as atividades laborais que poderiam ser por elas e eles
exercidas – com a finalidade de garantir suas integridades físicas e morais –
caracterizou grande parte dos artigos desse código. O privilégio por essas
temáticas mostrava também a forma com que a educação dessa fase da vida,
especialmente sob a moral do trabalho, era vista como central no tratamento
dado à temática da delinquência.
180
132
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1931/04.
Auto de perguntas feito ao acusado. p. 45 e 46.
183
133
Pesquisando os crimes de Defloramentos na cidade do Rio de Janeiro, a
historiadora Martha Abreu explanou sobre a forma com que o sangramento na
primeira relação sexual apareceu como um argumento bastante utilizado na
declaração da não virgindade das mulheres ofendidas, e também, como
apropriação por parte destas, para ressaltar suas virgindades em âmbito judicial.
Embora fosse algo mais relacionado às tradições culturais sobre honra e
virgindade, a autora desenvolve como a questão do sangramento na primeira
relação sexual fora debatida entre médicos e juristas no início do século, como
forma de melhor definir as honra das mulheres pela medicina legal. (ESTEVES,
1989, p. 173-174).
184
134
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1931/04.
Auto de perguntas feitas ao acusado. p. 45.
135
Nesse depoimento o acusado se refere à tia e à avó da ofendida como as
pessoas que ensinaram maus comportamentos à menor. A tentativa de
desqualificar o comportamento das mães e mulheres da família como forma de
defesa será questão melhor trabalhada no último tópico deste capítulo.
185
136
(APEC), Processo Nº (1924/1). Parecer do Promotor de Justiça. p. 02.
187
137
(APEC), Processo Nº (1926/1). Parecer do Promotor de Justiça. p. 33.
188
138
(APEC), Processo Nº (1926/2). Parecer do Juiz. p. 34-35.
189
139
Esse caso foi um dos poucos em que pudemos observar a possibilidade de
uma violência intra-familiar. No entanto, é importante frisar que o acusado se
encontrava a pouco tempo vivendo na casa do irmão, e, portanto, cunhado da
irmã de Sebastiana. Durante vários momentos do processo foi possível perceber
que o indiciado não era alguém de grande proximidade afetiva com a família, o
que facilitou a própria efetuação da denúncia.
190
140
Relembro aqui, que uma das principais características que marcaram os
crimes de Atentados ao pudor e Estupro era justamente a inviabilidade moral e
biológica de casamento, elemento este que norteou a seleção das fontes para
esta pesquisa e que foi objeto de discussão do primeiro capítulo deste trabalho.
A reflexão que trago sobre essa questão, mais se relaciona aos crimes de
Defloramentos que eram cometidos contra menores de idade e que
recorrentemente eram “resolvidos” pelo casamento das partes envolvidas.
192
141
(APEC), Processo Nº (1931/1). Auto de declaração do acusado. p. 06.
193
142
(APEC), Processo Nº (1931/1). Denúncia do Promotor de Justiça. p. 02.
194
143
Essas afirmativas coincidem com a mesma ideia encontrada no Rio de
janeiro pela historiadora Martha Abreu sobre as “meninas perdidas”. Além do
elemento da desonra que ficava estampado sobre essas menores, existia
também, o medo da prostituição, que era costumeiramente entendida como um
“destino” para as meninas “manchadas” na honra. (ESTEVES, 1989)
195
144
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 02, Processo Nº 1931/02.
Auto de declaração de testemunha. p.15.
196
145
(APEC), Processo Nº 1931/4. Auto de declaração das testemunhas. p. 24.
197
146
Sobre a pluralização das relações de trabalhos e econômicas das mulheres da
capital cearense, ver a dissertação: As mulheres na expansão material de
Fortaleza nos anos de 1920 e 1930, do historiador Mário Martins Viana Júnior.
(VIANA JÚNIOR, 2009)
198
147
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1937/01.
Parecer do advogado de defesa. p. 108. O sublinhado do texto é próprio do
documento original.
200
148
Outro fator observado na pesquisa nesta documentação foi o fato de que,
embora o meretrício fosse visto muitas vezes como atividade “fácil”- sendo
buscada por aquelas que supostamente representavam a degeneração da família,
a desordem, a ausência de relações conjugais ou que não tivessem filhos, ou
mesmo que viviam somente da “diversão” – era muitas vezes realizada por
mulheres que mantinham outras formas de atividades laborais, inclusive aquelas
consideradas “honestas” para as mulheres. Um exemplo disso foi o próprio caso
de Maria Monteiro, que além de ser considerada prostituta nos depoimentos,
aparecia como trabalhadora de “casa de família”, além de ser considerada uma
mulher casada.
149
Vale a pena destacar que na imprensa cearense era bastante comum a
divulgação de notas que pensavam como as palavras, os gestos, os
comportamentos poderiam ser denunciantes de uma conduta moral não
desejada. Muitas vezes em forma de “dicas”, essas proposições
comportamentais inseriam uma lógica que buscava disciplinar o comportamento
daqueles, e principalmente daquelas, que não se introduziam no nível de
202
150
É importante pensar que a “bodega” era um lugar popular para a feitura de
compras de gêneros alimentícios. No entanto, além desse tipo de produtos, a
“bodega”, lugar onde se vivenciou os primeiros momentos do crime, muitas
vezes funcionava também como um botequim. Estes eram lugares entendidos
como próprios de sociabilidades masculinas. Para as mulheres, frequentar esses
lugares significava muitas vezes colocar dúvidas sobre a própria honra. Nesse
sentido, “havia no imaginário fortalezense uma divisão entre a casa e o
botequim, sendo o primeiro concebido como espaço da mulher, da sutileza e da
fragilidade, enquanto o botequim seria o lócus do masculino, do universo varão.
Nele, a ingestão de bebida alcoólica e o uso da violência física marcariam
inclusive, o momento de transição na vida do homem que sairia da adolescência
para a fase adulta”. (SOUSA, 1997 apud VIANA JUNIOR, 2009, p. 60-61)
204
151
APEC, Processo Nº 1937/02. Auto de denúncia do Promotor de Justiça. p. 2 e
3.
152
APEC, Processo Nº 1937/02. Parecer do Promotor de Justiça. p. 123.
205
153
APEC, Processo Nº 1937/02. Auto de declaração das testemunhas. p. 06.
206
154
APEC, Processo Nº 1937/02. Auto de declaração das testemunhas. p. 09.
155
APEC, Processo Nº 1937/02. Auto de declaração das testemunhas. p.11.
207
156
APEC, Processo Nº 1937/02. Parecer do Juiz. p. 75 e 76. Esses dois
depoimentos, além do prestado pelo dono da bodega que também confirmava
elementos da versão da vítima, foram fundamentais na formação da culpa no
inquérito policial do processo. Depois de enviado para apreciação judicial esses
depoimentos foram contestados pelo advogado de defesa dos réus, que tentará
sugerir que esses dois depoentes seriam os verdadeiros autores dos crimes.
Fundamentando a partir do estado de embriagues da ofendida, que, segundo ele,
invalidariam a sua acusação sobre os réus, pois ela poderia não ter certeza
quanto à autoria da violência, tal advogado questionava o interesse dos dois
depoentes em depor a favor da meretriz, que seria justificado pelo fato de
possuírem interesse direto sobre o caso.
208
157
APEC, Processo Nº 1937/02. Auto de corpo de delito. p. 24. A hipótese de
que teriam desconsiderado possíveis violações vaginais na ofendida foi lançada,
pois normalmente o corpo de delito nega os elementos da queixa que não foram
verificados no exame. Nesse auto, no entanto, não foi feita nenhuma menção às
queixas levantadas de que Maria Monteiro teria sido violada de outras formas.
209
158
APEC, Processo Nº 1937/02. Parecer do advogado de defesa. p. 129. As
palavras grifadas foram destacadas na documentação.
210
159
APEC, Processo Nº 1932. Parecer do Promotor de Justiça. p.65.
211
160
Novamente, destaco que os trabalhos do historiador Fonteles Neto e da
historiadora Marta Emisia trazem reflexões fundamentais sobre esse cotidiano
da repressão na capital cearense durante as primeiras décadas do século XX.
161
APEC, Processo Nº 1932. Parecer do Promotor de Justiça. p. 69.
213
162
O trabalho de Fonteles Neto, em especial o segundo capítulo, discute de
forma bastante interessante as relações cotidianas estabelecidas entre prostitutas
e policiais em Fortaleza durante as primeiras décadas do século XX. De
apadrinhamento à abusos de poder, o autor demonstra as tensões que se
colocavam na vida dessas mulheres na cidade. (FONTELES NETO, 2005) O
trabalho de Marta Emisia, por sua vez, apresenta uma cartografia, um registro
de onde e como circulavam essas mulheres na cidade. Através dos registros de
queixa emitidos nas delegacias, essa historiadora pôde perceber trajetos
efetuados nas ruas da capital, não apenas pelas meretrizes, mas também, por
muitas das mulheres pobres que eram acometidas pela ação policial.
(BARBOSA, 1996)
214
163
O historiador Georges Vigarello, ao historicizar as sensibilidades em torno
das violências sexuais no Ocidente, destacou o elemento da possibilidade
igualitária de defesa das vítimas que teria marcado grande parte da história
moderna e contemporânea das legislações criminais. Antes da construção das
distinções biológicas para justificar a inferioridade feminina, a violência era
compreendida principalmente quando exercida por intermédio de mais de uma
pessoa (estupro coletivo), pois se compreendia que a luta de uma pessoa contra
outra jamais poderia viabilizar esse tipo de violência, o que muitas vezes
culminava em uma interpretação de ter havido concessão por parte da vítima no
momento do crime. Após as elaborações das teses científicas de que o corpo das
mulheres era inferior ao corpo masculino, em termos de força e agilidade, a
interpretação da violência ficava marcada por outros elementos, como a
superioridade em força, em idade, e pelo conceito de sedução que aos poucos
vai sendo construído na linguagem jurídica. Porém, o autor aponta para
permanências e rupturas sobre essas formas de se construir discursos e
sensibilidades acerca desse tema, e que podem ser identificados durante boa
parte do século XX. (VIGARELLO, 1998, p. 48-49) As reflexões colocadas por
esse historiador são de grande importância para a apreciação dos crimes aqui
estudados. Embora os elementos que destacavam as diferenças corporais e
mentais fossem considerados na interpretação desses crimes – o que pode ser
pensado pela própria construção jurídica da menoridade como elemento
fundamental da classificação – a figura da meretriz ainda suscitava o argumento
da possibilidade de defesa e da impossibilidade de ser “seduzida”, pois a
construção discursiva da vítima estava profundamente marcada por uma
oposição conceitual entre atividade e passividade. Sem considerar a
215
165
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 01, Processo Nº 1926/02.
Auto de corpo de delito. p.6.
219
166
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1937/01.
Auto de corpo de delito. p.8.
167
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1936/02.
Auto de corpo de delito. p.6.
220
168
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1937/01.
Auto de corpo de delito. p. 06.
222
Imagem 4169
169
A imagem acima se refere a uma propaganda do medicamento
ACETYLARSAN produzido no Laboratório USINES DU RHONE em Paris.
Tal medicamento aparecia como tratamento de ponta para todas as formas de
manifestação da sífilis, dentre elas, as que afligiam mulheres grávidas e
crianças, e que se encontrava disponível na capital.
223
170
Revista Ceará Médico. “Estatutos do Centro Médico Cearense”, Fortaleza, nº
4, p. 16. 1928.
225
171
AGUIAR,Virgílio. “Como e porque se deve fazer a hygiene prénatal”,
Revista Ceará Médico, Fortaleza, nº 7-8, p. 5-11, 1936.
172
Um dos marcos dessa atuação dos médicos da cidade foi criação da
“Maternidade Dr. João Moreira” que funcionava com uma ala da Santa Casa de
Misericórdia e visava engendrar uma forma científica de lidar com a
maternidade, em detrimento das práticas “arcaicas” que ainda eram realizadas
nas famílias cearenses. Como afirmou a historiadora Aline Medeiros, ao estudar
a relação conflituosa que foi sendo estabelecida entre médicos e parteiras, os
saberes sobre a reprodução, em especial sobre o momento do parto, foram temas
importantes para que os médicos empreitassem uma tentativa de centralizar os
saberes sobre o corpo feminino. Segundo essa autora: “Encarar o momento do
nascimento como crucial na determinação da morte de crianças, e mesmo de
parturientes, pareceu desencadear todo um investimento sobre o corpo das
mulheres, pressupondo o acionamento de um conjunto muito particular, pois
que historicamente datado, de saberes sobre a conformação e o funcionamento
do corpo feminino, seja em seu estado típico, seja nos momentos da
maternidade (gestação, parto e puerperio). Assim, para os representantes do
saber médico do Ceará, estabelecer as verdades científicas do corpo feminino
significou, por um lado, condição para melhor controlá-lo e mantê-lo livre dos
perigos que rondam mulheres e crianças, em especial, durante a gravidez, o
parto e o puerperio; e por outro lado, a desqualificação absoluta de concepções
e práticas corporais voltadas para os períodos da maternidade que passassem a
largo dos veredictos da ciência. Nessa perspectiva é que se empreendeu todo
um movimento no sentido de denegrir as atuações das parteiras curiosas ou
aparadeiras, mulheres que eram tradicionalmente solicitadas pelas famílias
227
174
Para citar alguns: “Mulheres Infanticidas: o crime de infanticídio na cidade
de Fortaleza na primeira metade do século XX” da pesquisadora Marla Atayde;
“As mulheres na expansão material de Fortaleza nos anos de 1920 e 1930” do
historiador Mário Martins Viana; “Do recato à moda: moral e transgressão na
Fortaleza dos anos 1920” da historiadora Diocleciana Paula da Silva; e os
trabalhos das já citadas neste trabalho, Raquel Caminha “Aparta que é briga:
discurso, violência e gênero em Fortaleza (1919-1948)” e Idalina Freitas
“Crimes Passionais em Fortaleza: o cotidiano construído nos processos-crime
nas primeiras décadas do século XX”. Todos esses trabalhos, a partir de fontes e
perspectivas diferentes, apontam para os conflitos sobre a idealização das
mulheres na Fortaleza de inícios do século XX.
229
177
AGUIAR, Virgílio. “Esculapianas”, Revista Ceará Médico, Fortaleza, nº 7, p.
15-19. 1935. Nesse texto, escrito na sessão “Esculapianas” da revista, o médico
conta uma história de quatro mulheres que quiseram compor a tripulação de
uma expedição científica para o vale do Amazonas no norte do Brasil. O médico
concorda com a atitude do oficial da tripulação, o Capitão Iglezias, em negar a
presença das quatro mulheres na tripulação, porque segundo sua defensa, a
presença das quatro “Evas” supostamente alteraria a harmonia entre os
tripulantes. Despertando a libido dos homens da expedição a presença feminina
em uma ambiente como o navio serviria apenas para trazer discórdia e
atrapalhar os objetivos científicos da empreitada. É a partir dessa história, que
não apareceu esclarecida se se tratava de uma história real, o clínico articulou a
sua crítica ao feminismo esboçada acima.
232
178
(APEC) Nº 1924/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 43
235
Segundo o relato de Maria Pedra, sua filha não tinha outra pessoa
com quem conviver enquanto a mãe trabalhava, e por ser filha única não
poderia contar nem com a companhia de outros irmãos e irmãs. A
preocupação da mãe em justificar os motivos de sua ausência no
momento do crime se alinhava aos preceitos de maternidade que se
reforçavam na sociedade brasileira nesse período, em que o trabalho
feminino e a maternidade eram apresentados pelos discursos jurídicos,
mas principalmente, médicos, como questões conflituosas e, às vezes,
como oposições. Nesse sentido, baseado nas definições idealizadas pelas
elites brasileiras, as mulheres trabalhadoras e/ou pobres seriam
entendidas como mães potencialmente fora desses modelos de
maternidade ideal, pois não se encaixavam nos ideais de mulher que
tinha a casa como ambiente principal de atuação.
A idealização da figura materna se focava na imagem da boa mãe
dedicada exclusivamente ao ambiente doméstico e aos cuidados da
prole. No entanto, no decorrer dessas ações, muitas meninas ofendidas
estavam inseridas em arranjos familiares bastante distintos daqueles que
eram idealizados pela norma burguesa de organização familiar. Meninas
que viviam exclusivamente com as mães, ou com outras (os) parentes –
como tias (os) e avós – apareceram nesses processos de forma bastante
recorrente.180 Embora seja demarcado como um elemento importante
para as mães pobres, a questão do trabalho aparecia como um tema
conflituoso para essas mulheres, pois de algum modo impedia a
dedicação exclusiva aos cuidados das(os) filhos. Como afirmou a
179
(APEC) Nº 1924/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 10.
180
A pesquisa da historiadora Sílvia Arend, Histórias do Abandono: infância e
justiça no Brasil (Década de 30) mostra a diversidade dessas configurações
familiares que marcavam os populares no início do século XX. A não adequação
com os modelos burgueses, assim como outras concepções de vivenciar as
relações familiares, apareceram em grande parte dos arranjos familiares das
famílias que tiveram os menores incluídos no programa de “colocação familiar”
na década de 30, na cidade de Desterro, atual Florianópolis. Esse perfil não era
privilégio de Santa Catarina, mas podia ser identificado em outras cidades
brasileiras, como em São Paulo, Rio de Janeiro e Santo Antônio de Jesus na
Bahia. Ver: (ESTEVES, 1989; SOIHET, 1989; LESSA, ANO 2007).
236
181
Embora assumindo valores diferenciados, pois as mulheres pobres exerciam
atividades de baixa remuneração e de pouca possibilidade de crescimento
econômico, é importante destacar que muitas mulheres de classe média e de
classes mais abastadas realizavam atividades profissionais, até mesmo pelas
possibilidades diferenciadas de educação. Como destacou o historiador Mário
Martins, com o crescimento material de Fortaleza nos anos 20 e 30, as mulheres
passaram a ocupar, aos poucos, atividades que até o século XIX eram exclusivas
237
182
Embora essa informação não apareça clara nos relatos e pareceres desse
processo, a mãe das ofendidas parecia deixar os filhos sozinhos durante todo o
dia em que se encontrava trabalhando, só os vendo durante o período da noite.
239
186
(APEC) Nº 1936/02. Auto de declaração das testemunhas. p. 56.
187
Como já fora destacado no trabalho de Marta Abreu, a preocupação com os
ambientes em que estavam inseridos os envolvidos em crimes sexuais era
elemento importante de avaliação das condutas.
241
188
(APEC) Nº 1931/04. Auto de declaração das testemunhas. p. 45.
242
189
(APEC) Nº 1937/01. Auto de declaração das testemunhas. p. 64-65.
190
(APEC) Nº 1937/01. Parecer do advogado de defesa. p. 112-113.
243
192
(APEC) Nº 1924/01. Auto de corpo de delito. p. 8.
245
193
(APEC) Nº 1931/01. Denúncia do Promotor de Justiça. p. 02. O sublinhado
do texto é próprio da fonte original.
246
194
Um exemplo de pai que apareceu como compositor do ambiente familiar,
mas que assumiu uma imagem absolutamente secundária diante do
protagonismo da esposa foi no caso de violência contra o menino Simphonio em
1922. Conhecido como o “cego Simphônio”, o pai do menor apareceu nos
relatos dos processos como um homem “inválido”, vivendo do trabalho da sua
esposa que em vários momentos tentou justificar o seu protagonismo com
relação à administração familiar e à mobilização da vizinhança para prestar
queixa na delegacia e levar o caso para a justiça. Afirmava que: “seu marido é
cego, e se acha adoentado, motivo por que mandou mandou (sic) a depoente
queixar-se à polícia, e (ilegível) que processasse o criminoso”. p. 09. A situação
de cegueira do pai do menor, também de nome Simphônio, pode ser explicada
como uma marca em consequência da varíola. Embora não exista uma
confirmação dessa informação no processo, sabe-se que muitas das pessoas que
sobreviveram à epidemia de varíola na cidade em fins do século XIX perderam
a visão em decorrência da doença. Em alguns casos, essas pessoas passavam a
ser estigmatizadas e também identificadas pela própria marca da sequela, como
no caso de Simphônio, que aparecia referenciado no processo como o “cego
Simphônio”.
247
195
O protagonismo feminino na gestão de famílias pobres não fora
exclusividade da cidade de Fortaleza. Muitos trabalhos apontaram para as
lideranças de mulheres quanto às atividades familiares e subsistência dos filhos
no início do século, rompendo grandemente com os modelos de família das
elites do país, cuja figura paterna era relacionada ao espaço público, ao sustento
do lar e à defesa da família; muitas dessas mulheres, não apenas assumiam a
responsabilidade do cuidado dos filhos, mas também, eram de grande
importância no provimento da família. O trabalho de Raquel Caminha também
expõe as divergências cotidianas que culminaram na movimentação de crimes
de calúnia, injúria e ferimentos, em que as mulheres saíam em defesa da própria
honra e da honra da família. Denunciar as pessoas da vizinhança ou conhecidos
por ofenderem ou expressarem verbalmente alguma “injúria” à elas e às suas
famílias demonstrava, segundo a historiadora, uma forma de autonomia dessas
mulheres, e também, uma forma de defesa utilizada por elas. (ROCHA, 2011)
248
196
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº 1937/03.
Parecer do Promotor de Justiça. p. 02.
197
(APEC) Nº 1937/03. Parecer do Promotor de Justiça. p. 02.
249
198
(APEC) Nº 1937/03. Parecer do Promotor de Justiça. p. 82 e 83
250
Imagem 5199
199
Na imagem 3, que corresponde ao registro civil da menor Sebastiana Nilce,
autenticado pelo Cartório João de Deus em 1931. Esse registro fora realizado
no decurso do processo criminal com o objetivo de afirmar a menoridade da
ofendida, e também, a responsabilidade civil sobre ela. A feitura de
documentação durante o processo foi uma prática que aconteceu em alguns
casos, pois alguns menores não possuíam documentação.
252
200
É interessante pensar que a justiça republicana, assim como a medicina
higiênica, buscou adentrar os espaços domésticos como forma de disciplinar os
comportamentos das pessoas mais pobres, que eram vistas como ameaçadoras
da ordem burguesa que se construía no Brasil. Os processos criminais, nesse
sentido, precisam ser analisados de forma bastante cuidadosa, pois as queixas e
a solicitação da intervenção judicial nem sempre era marcada por um viés
autoritário de ação policial e judicial. No que se refere aos crimes sexuais, que
eram de foro privado, a queixa realizada por parte dos populares demonstrava
também que essas camadas viam na justiça uma possibilidade de resolução das
violências. Acredito que pensar também as possíveis motivações que poderiam
253
suspeitava ter sido a vítima violentada, e por onde o acusado teria fugido
em companhia da vítima – também apareceu de forma central na atitude
do pai em buscar a filha raptada:
202
(APEC), Processo Nº (1931/4). Auto de declaração das testemunhas. p.35-36.
255
203
(APEC), Processo Nº (1931/4). Auto de declaração das testemunhas. p.38-39.
256
204
Arquivo Público do Estado do Ceará (APEC), Tribunal de Justiça, Série:
Ações Criminais, Sub-série: Crimes Sexuais, Caixa 03, Processo Nº (1931/02).
Auto de declaração das testemunhas. p. 15
205
(APEC), Processo Nº (1921/02). Auto de declaração das testemunhas. p. 21
257
206
(APEC), Processo Nº (1922/01). Auto de declaração das testemunhas. p. 09.
258
207
(APEC), Processo Nº (1931/4). Auto de declaração de testemunhas. p. 46.
Embora o Código de Menores de 1927 previsse punições para mães, pais e
tutores que aplicasse castigos “imoderados” – como disposto no Art. 137 e Art.
138 – durante o estudo desses processos foi bastante comum observar o
exercício de práticas de agressões contra as (os) menores vítimas de violência
sexual. Essas práticas podem ser entendidas a partir de duas perspectivas: a
primeira se relacionava à naturalidade com que a correção dos menores via
“agressão física” fazia parte do cotidiano social de muitas famílias, de modo
que, em nenhum momento essa questão foi mais sistematicamente
problematizada pelos representantes jurídicos. E o segundo elemento implicava
na própria desconfiança colocada para as declarações dos infantes, que
primeiramente, aos olhos de alguns dos familiares eram vistos como
responsáveis pelas coisas que lhes acontecia.
259
208
(APEC), Processo Nº (1931/4). Auto de declaração das testemunhas. p. 47.
261
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
209
As informações sobre o caso se encontram em artigo publicado na página do
Instituto Patrícia Galvão. Link:
http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/index.php?option=com_content&view
=article&id=6530:13122013-em-caso-de-estupro-a-vitima-sera-a-culpada-
sempre&catid=43:noticias Acessado em: 12/01/2014
264
210
Esses casos são estimados em quantidade bastante superior, pois tais
dados não consideram a rede privada de saúde. Informações em:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/03/130308_violencia_mulh
er_sus_kawaguti_rw.shtml Acesso em: 12/01/2014
211
Link: http://www.compromissoeatitude.org.br/mulheres-estao-
denunciando-mais-afirma-ministra-sobre-estupros-globo-news-02122013/
Acesso em: 12/01/2014
265
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
FONTES PESQUISADAS
Legislação:
277
Processos Criminais: