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apresenta

História da
Pedagogia 2

Precursor da teoria
histórico-cultural
A importância da
cultura e da linguagem
na constituição
do psiquismo
história da pedagogia 2

Aprendizagem e
desenvolvimento
A perspectiva
vigotskiana e seus
desdobramentos para
o campo educacional

Vigotski
Lev
R$ 13,90

O legado de um pesquisador que revolucionou o estudo do desenvolvimento humano


JEAN PIAGET principais teses Lev Vigotski sumário

6 20
Biografia intelectual Principais teses

REVOLUCIONÁRIO A CONSTITUIÇÃO SOCIAL


INQUIETO DO DESENVOLVIMENTO
por Marta Kohl de Oliveira e por Elizabeth dos Santos Braga
Teresa Cristina Rego
Não nos relacionamos com um
Materialista histórico e dialético,
mundo físico bruto, mas com
Vigotski buscou um modo mais
um mundo interpretado pelos
abrangente de estudar os processos
outros. O que apreendemos e
psicológicos humanos. Fez uma
tornamos nosso se estabelece
rigorosa revisão crítica da história e
inicialmente em uma relação
da situação da psicologia na Rússia
social e significativa
e em outras partes do mundo

30 40 48
contribuições para a educação O legado – I o legado – II

MODOS DE ENSINAR, A CONSTRUÇÃO DOCÊNCIA: PESQUISA


MODOS DE PENSAR CULTURAL DA IMAGINAÇÃO E INTERVENÇÃO
por Ana Luiza Bustamante Smolka e por Zilma de Moraes Ramos de Oliveira por Claudia Davis e Wanda Maria
Lavínia Lopes Salomão Magiolino Junqueira Aguiar
A importância das relações
O drama humano, o Os professores armazenam,
sociais na formação da consciência
sentimento trágico da vida, a formam e transformam seu
e do sentido de si pelo sujeito
literatura e a arte repercutem repertório de ação, por meio
reside em serem elas a matriz
profundamente nas reflexões da elaboração de outros
de introdução do recém-nascido
teóricas de Vigotski estilos, que vão surgindo pela
no conjunto de signos da cultura
observação e reflexão acerca
da atividade docente

58 68 76
o legado – III Excertos BIBLIOGRAFIA COMENTADA

A perspectiva CONHECIMENTO Traduções publicadas


vigotskiana VIVO e fecundo no Brasil (1984-2010)
e as tecnologias por Ana Mercês Bahia Bock por Achilles Delari JÚnior

por Maria Teresa de Assunção Freitas Os trechos selecionados Num período de 26 anos, 31
O computador e a internet não e expostos exemplificam títulos de Vigotski foram
garantem a inovação no processo a riqueza e o refinamento publicados no Brasil,
de aprendizagem escolar. Tudo da produção intelectual distribuídos em 18 volumes
depende da mediação do professor, vigotskiana distintos. Isto representa apenas
que torna eficazes as duas outras cerca de 10% de sua produção
mediações: a técnica e a simbólica

4 história da pedagogia
editorial

Presidente: Edimilson Cardial


Diretoria:

Cultura e
Luciano do Carmo
Marcio Cardial
Rita Martinez

psiquismo
www.revistaeducacao.com.br
www.twitter.com/revistaeducacao
ISSN: 1415-5486
Agosto/2010

História da
Pedagogia

E
ste número da cole- ideias no campo da educação foram Diretor-Geral: Luciano do Carmo
ção História da Pe- difundidas, valorizadas e, em certos Editor: Rubem Barros
rubembarros@editorasegmento.com.br
dagogia é dedicado à casos, banalizadas. Smolka e Magio- Subeditora: Beatriz Rey
beatrizrey@editorasegmento.com.br
reflexão sobre o le- lino, em um dos artigos aqui publi-
gado do bielo-russo cados, analisam o tema: “Falar de Consultoria editorial e coordenação: Teresa Cristina Rego
Projeto gráfico e diagramação: Cleber Estevam
Lev Semionovitch Vigotski* (1896- Vigotski hoje adquire já um sentido Capa: Milton Rodrigues/Casa Paulistana
Pesquisa iconográfica: Ana Teixeira
1934), expoente no estudo da natu- de lugar comum. A divulgação de seu Colaboradores: Achilles Delari Júnior, Ana Luiza
reza humana no século XX e um dos trabalho, sobretudo nas três últimas Bustamante Smolka, Ana Mercês Bahia Bock, Cláudia
Davis, Elizabeth dos Santos Braga, Lavínia Lopes Salomão
principais fundadores da chamada décadas, tem colocado em destaque Magiolino, Maria Teresa de Assunção Freitas, Marta
Kohl de Oliveira, Wanda Maria Junqueira Aguiar, Zilma
psicologia histórico-cultural. ideias e conceitos como a natureza de Moraes Ramos de Oliveira (texto); Eugenio Vinci de
Sua originalidade como investi- social do desenvolvimento humano, Moraes (copidesque); Maria Stella Valli (revisão).
Processamento de imagem: Paulo Cesar Salgado
gador, sua erudição e interesse em o papel do outro, a mediação semi- Produção gráfica: Sidney Luiz dos Santos
dialogar, seu espírito independente e ótica, a Zona de Desenvolvimento PUBLICIDADE
o esforço para compreender o sujeito Proximal. [...] Qual a atualidade de Gerente comercial: Cristiane Verpa
Executivos de negócios: Givani Dantas e Sueli Benetti
em sua historicidade e complexidade suas ideias? O que faz diferença na Coordenadora de marketing: Rose Morishita
transformaram e ultrapassaram o es- Estagiária de marketing: Priscilla Rodrigues
sua proposta? Quais as implicações Criação e Design: Danusa Freitas
tado de conhecimento de seu tempo. de seu posicionamento teórico?”
Escritórios regionais
Falecido há mais de 70 anos, seus Os autores dos textos aqui reuni- Paraná – Marisa Oliveira
estudos fundados no materialismo dos dão respostas, ainda que parciais, Tel.: (41) 3027-8490 – parana@editorasegmento.com.br
Rio de Janeiro – Edson Barbosa
histórico-dialético, com o propósito a essas questões e oferecem ao leitor Tel.: (21) 4103-3868 ou (21) 8181-4514
edson.barbosa@editorasegmento.com.br
de compreender o desenvolvimento informações sobre a vida e a obra do
Web
psicológico como um processo his- autor, trabalhos contemporâneos ins- Webmaster: Eder Gomes
tórico e a natureza cultural do psi- pirados em seus postulados, alguns Assistente: Leandro Assis

quismo, ainda despertam a atenção de excertos de sua autoria e uma análise CIRCULAÇÃO E marketing
Gerente: Carolina Martinez
pesquisadores de diferentes áreas do sobre seus títulos publicados no Bra- Supervisora de circulação: Beatriz Zagoto
conhecimento) entre elas, psicologia, sil. A eles devo meu agradecimento Estagiárias de marketing: Cláudia Lino e Natali Siqueira
Operação de assinaturas: Edson Dantas
neurologia, linguística e educação). pela parceria (em especial a Marta
Distribuição exclusiva para todo o Brasil:
Vários textos de sua ampla produ- Kohl, pela assídua contribuição). Dinap Distribuidora Nacional de Publicações S.A.
ção (cuja publicação foi proibida na Que este conjunto de ensaios Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678 – Jd. Belmonte
Osasco – SP – Cep: 06045-390
ex-URSS stalinista), elaborada num possa levar a um público mais amplo
História da Pedagogia é uma publicação especial da Editora
período de vida bastante curto e em - de modo rigoroso, porém acessível-, Segmento. Esta publicação não se responsabiliza por ideias
circunstâncias políticas e sociais tur- as ideias de um autor tão revolucio- e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que
expressam apenas o pensamento dos autores, não represen-
bulentas, têm sido traduzidos em vá- nário, instigante e inspirador como tando necessariamente a opinião da revista. A publicação
se reserva o direito, por motivos de espaço e clareza, de
rias partes do mundo até o momento. Lev Vigotski. resumir cartas e artigos.
No Brasil, o contato com sua obra
Editora Segmento
teve início nos anos 1980. Desde en- Teresa Cristina Rego é professora da
Rua Cunha Gago, 412 – 1o andar
CEP 05421-001 – São Paulo (SP)
tão, é notável a rapidez com que suas Faculdade de Educação da USP Central de atendimento ao assinante
De 2a a 6a feira, das 8h30 às 18h
Tel.: (11) 3039-5666 / Fax: (11) 3039-5643
*Em razão das diferentes formas de transliterar os fonemas da língua russa para as línguas e-mail: assinatura@editorasegmento.com.br
ocidentais, os nomes próprios utilizados nos diversos artigos foram padronizados. Optou-se pelas acesse: www.editorasegmento.com.br
grafias adotadas por Zoia Ribeiro Prestes (2010), estudiosa das traduções dos textos de Vigotski.

história da pedagogia 5
Lev Vigotski Biografia intelectual

REVOLUCIONÁRIO
INQUIETO
*

por Marta Kohl de Oliveira e Teresa Cristina Rego

Materialista histórico e dialético, Vigotski buscou um modo


mais abrangente de estudar os processos psicológicos humanos.
Fez uma rigorosa revisão crítica da história e da situação
da psicologia na Rússia e em outras partes do mundo

O
bielo-russo Lev Semionovitch volvimento humano de seu tempo.
Vigotski foi professor e pes- Sua produção escrita foi vastíssima para uma
quisador nas áreas de psicolo- vida muito curta (morreu com 37 anos, vítima
gia, pedagogia, filosofia, litera- de tuberculose) e seu interesse diversificado e
tura, deficiência física e mental, sua formação interdisciplinar definiram a natu-
atuando em diversas instituições de ensino e pes- reza dessa produção. Escreveu aproximadamente
quisa. Ao mesmo tempo em que lia textos em 300 trabalhos científicos, cujos temas vão desde
diversas línguas, escrevia e ministrava conferên- a neuropsicologia até a crítica literária, passando
cias. Inquieto e obstinado, dedicou sua vida ao por deficiência física e mental, linguagem, psico-
esforço de romper, transformar e ultrapassar o logia, educação e questões teóricas e metodológi-
estado de conhecimento e reflexão sobre o desen- cas relativas às ciências humanas.
© Reprodução

Trechos deste texto foram extraídos de obras anteriormente publicadas pelas autoras sobre o mesmo tema
Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico (Scipione, 4ª ed., 2008), de Marta Kohl de
Oliveira, e Vygotsky: uma Perspectiva Histórico-Cultural da Educação (Vozes, 21ª. ed., 2010), de Teresa Cristina Rego.

6 história da pedagogia
Lev Vigotski e sua
filha Guita em foto
tirada em maio
de 1933, um ano
antes de sua morte

história da pedagogia 7
Lev Vigotski Biografia intelectual

A tuberculose e o fato de saber partir de 1962, data da primeira edição


que teria uma vida tão curta marca- norte-americana desse mesmo livro.
ram, de certa forma, o estilo de seus No Brasil o contato com seu pensa-
textos: densos, cheios de ideias, numa mento foi ainda mais tardio: somente
mistura de reflexões filosóficas, ima- a partir de 1984, ano da publicação
gens literárias, proposições gerais do livro A Formação Social da Mente.
e dados de pesquisa que exemplifi- A análise de seu percurso acadê-
cam essas proposições. Sua produção mico e profissional permite identifi-
escrita não chega a constituir um car as marcas do contexto sociopolí-
sistema explicativo completo, arti- tico e cultural em que esteve inserido.
culado, do qual pudéssemos extrair Tanto o clima de renovação da socie-
uma “teoria vigotskiana” bem estru- dade soviética quanto os dilemas pre-

© Kazimir Malevich, Suprematist composition (blue rectangle over purple beam), óleo sobre tela, 1916. Reprodução
turada. Não é constituída, tampouco, sentes na psicologia da época em que
de relatos detalhados dos seus tra- Vigotski viveu foram definidores de
balhos de investigação científica, por seu programa de trabalho. Como tra-
meio dos quais o leitor pudesse obter taremos a seguir, o ambiente político
informações precisas sobre seus pro- e intelectualmente fecundo da Rússia
cedimentos e resultados de pesquisa. do início do século XX e o estímulo in-
Também devido a sua enfermidade, telectual obtido na família certamente
muitos dos seus textos não foram foram constitutivos do perfil estu-
originalmente produzidos na forma dioso, dedicado e criativo de Vigotski.
escrita, mas criados oralmente e dita-
dos a outra pessoa que os copiava, ou A família e a infância
anotados taquigraficamente durante Lev Semionovitch Vigotski nas-
suas aulas ou conferências. ceu em Orcha, uma pequena cidade
A publicação de suas obras foi às margens do rio Dnieper, perto de
proibida na ex-União Soviética, no pe- Minsk, capital da Bielorrússia, em
ríodo de 1936 a 1956, devido à censura 17 de novembro de 1896. Em alguns
do totalitário regime stalinista, e seus textos a data de seu nascimento é
livros foram, por um longo período, outra: 5 de novembro de 1896. Essa
ignorados no Ocidente. Começou a divergência se explica pela mudança
ser redescoberto a partir de 1956, data de calendário que houve na ex-União
da reedição soviética do livro Pensa- Soviética, em 1918 (pelo antigo calen-
mento e Linguagem. As ideias de Vi- dário, 5 de novembro; e pelo atual, 17
gotski puderam ser (parcialmente) de novembro). Um ano depois a fa-
conhecidas no mundo ocidental a mília mudou-se para a cidade de Go-

CRONOLOGIA

1913
1896 1911 Após concluir o curso secundário,
Nasce Lev Semionovitch Vigotski, Ingressa pela matricula-se na Faculdade
em Orcha, na Bielorrússia, 1897 primeira vez numa de Medicina da Universidade
segundo filho de Semion Muda-se, com sua instituição escolar, Imperial de Moscou, mas logo
Lvovitch Vigodski (1869- família, para a após anos de transfere sua matrícula para
1931) e de Cecília Moiseevna cidade de Gomel, instrução com a Faculdade de Direito. Nesse
Vigodskaia(1874-1935). na Bielorrússia. tutores particulares. período passa a viver em Moscou.

8 história da pedagogia
mel, também na Bielorrússia, situada velha ordem se refletia na consciência
num território destinado aos judeus da intelligentsia em diferentes tendên-
na Rússia czarista, onde Vigotski vi- cias filosóficas e em reflexões ator-
veu até ingressar na universidade de mentadas sobre sua própria relação
Moscou, em 1913, e novamente depois com o povo privado de todos os direi-
de formado, em 1917. Foi, portanto, tos e sobre o destino futuro da Rússia.
em Gomel que ele viveu os impor- O surgimento do senso de dignidade
tantes anos iniciais de sua vida. Foi pessoal depois da abolição da servidão
lá também que ele deu início à sua colocou cada pessoa pensante numa
formação e carreira profissional. situação de escolha moral”. Essa nova
A infância e a juventude de Vi- consciência, por sua vez, se traduzia
gotski transcorreram no período que numa espécie de efervescência e entu-
antecedeu a queda do Império Russo, siasmo com relação a tudo que dizia
que, dentre outros aspectos, se carac- respeito à cultura e às suas diferentes
terizava pela concentração de poder formas de expressão. Segundo Yaro-
nas mãos do czar, sustentado pela shevsky, “o desejo de liberdade cria-
aristocracia agrária. Mikhail Yaro- tiva foi expresso no florescimento da
shevsky faz uma interessante análise literatura e da arte. Poesia, teatro e
das aspirações e do clima político da pintura carregaram a marca dessas
Rússia pré-revolucionária bem como transformações no espírito do tempo:
das repercussões das transformações foi a ‘era de prata’ das artes na Rús-
que se anunciavam no ideário da po- sia. Essa foi a atmosfera espiritual
pulação: “Uma revolução, causada em que a vida de Vigotski começou”.
por profundos processos socioeconô- Sua família também lhe propi-
micos, era iminente. A vida espiritual ciou um ambiente bastante inte-
da sociedade estava sendo instigada. lectualizado e instigante, com uma
A presença do colapso iminente da excelente biblioteca doméstica, além
da disposição dos pais em debater
com os filhos e seus amigos os mais
diversos assuntos. Seu pai, Semion
Pintura do artista russo Lvovitch Vigodski (1869-1931), era
Kazimir Malevich, mentor chefe de departamento em um banco
do movimento conhecido e representante de uma companhia
como Suprematismo, uma das
grandes correntes da vanguarda de seguros. Era um homem culto e
ideológica e revolucionária russa rígido, mas ao mesmo tempo irônico
e de mentalidade aberta, que valo-

1914 1916 1917


Começa a frequentar aulas de História Escreve A Tragédia de Hamlet, Príncipe No ano em que eclode a
e Filosofia na Universidade Popular da Dinamarca, como trabalho de Revolução Russa, Vigotski,
de Chaniavski. Interessado no efeito conclusão do curso universitário. Mais então com 21 anos, se forma
da linguagem sobre os processos de tarde, em 1925, este texto dará origem em Direito, na Universidade de
pensamento, aprofunda seus estudos ao livro Psicologia da Arte, publicado na Moscou. Retorna a Gomel, onde
em psicologia, língua e literatura. União Soviética somente em 1965. inicia sua vida profissional.

história da pedagogia 9
Lev Vigotski Biografia intelectual

rizava o universo dos livros e da ternalização do diálogo social.


cultura de modo geral. Graças a sua A maior parte da educação for-
iniciativa, uma biblioteca pública foi mal de Vigotski não foi realizada na
aberta em Gomel. Sua mãe, Cecília escola. Seus pais não consideravam
Moiseevna (1874-1935), professora adequado o ensino oferecido pela es-
formada, mas que não exercia a pro- cola pública de Gomel. Sua formação
fissão, também era uma pessoa culta, inicial foi coordenada por sua pró-
bem informada e que, como seu pai, pria mãe. Mais tarde seus pais op-
dominava vários idiomas. Com ela, taram por contratar um tutor par-
Vigotski aprendeu desde cedo vá- ticular, Salomon Ashpiz, que acabou
rias línguas e a apreciar a poesia. exercendo grande influência sobre
Moravam num amplo apartamento Vigotski. Ex-exilado político e for-
e buscavam oferecer oportunidades mado em matemática (embora mi-
educacionais de alta qualidade aos nistrasse aulas sobre todas as disci-
filhos. De origem judaica, sua família plinas), era um homem gentil e bem
lhe deu uma educação dentro dessa humorado, que estimulava seus alu-
tradição, incluindo a leitura da Torá nos a pensarem de modo original e

© http://www.marxists.org/archive/vygotsk. Reprodução
em hebraico e a passagem pelo ritual independente. Assim, fora da escola,
do Bar Mitzva. O estimulante uni- ele construiu uma densa e multifa-
verso familiar em que Vigotski viveu cetada formação intelectual. Desde
deixou marcas facilmente identificá- cedo frequentou a biblioteca pública,
veis nas suas formulações teóricas. se dedicou ao aprofundamento em
Angel Rivière nos oferece um in- várias áreas do conhecimento, orga-
teressante exemplo dessas influên­ nizou grupos de estudo, aprendeu
cias. Ele identifica relações entre diversas línguas (além do russo, o
as conversas e discussões animadas alemão, inglês, francês e hebraico) e
realizadas no ambiente doméstico, mergulhou no campo das artes, es-
todas as tardes, ao redor do chá, com pecialmente na leitura de obras de
algumas das concepções posteriores literatura, poesia e teatro. Na infân-
de Vigotski sobre o processo de in- cia seus passatempos favoritos eram

Ao longo de sua vida Vigotski construiu uma


CRONOLOGIA

1918 1924
Começa a se interessar por temas ligados à pedagogia, 1920 Após realizar uma importante conferência
embora nesta fase a maior parte dos seus trabalhos se Contrai tuberculose no II Congresso de Psiconeurologia de
relacione aos temas da estética, crítica e teoria literária. e interna-se pela Leningrado muda-se para Moscou, a
Participa de modo ativo da vida cultural de Gomel, primeira vez num convite de Kornilov, para trabalhar no
chegando a fundar uma pequena editora e uma revista sanatório. Convive com Instituto de Psicologia de Moscou. Aos
literária (Veresk). Dirige ainda a Seção de Teatro do a doença por quatorze 28 anos casa-se com Roza Semerrova,
Comissariado de Instrução Pública da cidade. anos, até a sua morte. com quem teve mais tarde duas filhas.

10 história da pedagogia
Vigotski em
foto com
sua família

colecionar selos, jogar xadrez e es-


crever cartas em esperanto. Quando
jovem passou a participar de grupos
de discussão, ler poesia, e assistir
constantemente a peças teatrais.
Nessa fase, além de seu tutor
particular, outra pessoa exerceu
grande influencia sobre ele: seu
primo David Vigodski (1893-1943).
Erudito e três anos mais velho, foi
uma espécie de mentor intelectual
durante sua formação em Gomel.
Eles tinham uma série de interesses
em comum: pela semiologia e pelos
problemas linguísticos, pela poesia
e pelo teatro, pela filatelia e pelo es-
peranto. Poliglota, David traduzia
textos de dezenas de línguas para
o russo, entre elas algumas línguas
antigas. Foi ele quem traduziu, pela
primeira vez, um texto de um autor
brasileiro para o russo: um poema de
Mario de Andrade. Tempos depois
manteve correspondência com Jorge

densa e multifacetada formação intelectual

1925
Realiza sua única viagem ao exterior para apresentar um trabalho 1925-1939 1926
em um congresso em Londres e visitar instituições voltadas à Nesse período, sete Meses depois de regressar de
questão da deficiência (na Alemanha, França, Inglaterra e Holanda). artigos de sua autoria são sua viagem à Europa ocidental,
Nesse ano escreve Psicologia da Arte e organiza o Laboratório de publicados no mundo é hospitalizado para um longo
Psicologia para Crianças Deficientes (transformado, em 1929, no ocidental. Depois desta tempo de tratamento já que
Instituto de Estudos das Deficiências e, após sua morte, no Instituto fase isso viria a ocorrer as crises decorrentes da
Científico de Pesquisa sobre Deficiências da Academia de Ciências novamente somente a tuberculose haviam se agravado.
Pedagógicas). Nasce sua filha Guita, falecida em julho de 2010. partir de 1962. Publica Psicologia Pedagógica.

história da pedagogia 11
Lev Vigotski Biografia intelectual

Amado e outras personalidades da recorrendo a esse e a outros trechos

©Reprodução
cultura brasileira, segundo apurou literários, Vigotski explora a ideia
Zoia Prestes recentemente. Anos de que é sempre possível a com­
mais tarde, além de professor, David preensão, baseada em uma lingua-
se tornou um importante linguista gem abreviada, entre pessoas que vi-
e, como Vigotski, também foi perse- vem em grande contato psicológico.
guido pelo obscurantismo reinante
no regime stalinista. É interessante A juventude e o
observar que o sobrenome original tempo de formação
de Lev Semionovitch Vigotski era, Após o período de estudo com
na verdade, Vigodski. Ele optou seu tutor, Vigotski, aos 15 anos, in-
por mudar a grafia desse nome por gressou num colégio privado ju-
acreditar que sua família vinha ori- daico, onde frequentou os dois úl-
ginalmente de uma pequena cidade timos anos do curso secundário,
chamada Vigotovo, como mostram formando-se em 1913. Nessa ocasião
René Van der Veer e Jaan Valsiner. recebeu medalha de ouro pelo seu
Seu interesse por literatura, ges- desempenho. Apesar das evidências
tado nesses primeiros anos de for- de sua brilhante capacidade intelec-
mação, permeia sua obra acadêmica. tual, Vigotski, por ser judeu, teve
Ao longo de seus textos Vigotski Capa de um dos livros escritos por enormes dificuldades de ingressar
Vigotski e um de seus principais
recorre frequentemente a citações na universidade. Nessa época, na
companheiros de trabalho,
extraídas de obras literárias para Aleksandr Romanovitch Luria Rússia, os judeus sofriam as mais
exemplificar ou aprofundar questões diversas formas de discriminação,
de que está tratando teoricamente. tinham que viver em territórios res-
Cita Púchkin, Dostoiévski, Tolstói, tritos, disputavam, por sorteio, um
Gógol e diversos outros autores, ração de amor entre Kiti e Liévin, número limitado de vagas na univer-
russos e estrangeiros. Ao abordar, em Anna Kariênina, de Tolstói, que sidade e eram impedidos de exercer
por exemplo, o fenômeno da fala conversam entre si por meio da es- certas profissões.
abreviada e as possibilidades de sua crita apenas de iniciais de palavras Ainda em 1913, superando esses
compreensão por diferentes inter- (por exemplo, ntoqeependda signi- obstáculos, ele consegue ingressar na
locutores, no texto “Pensamento e ficava “Não tenho o que esquecer e Faculdade de Medicina da Universi-
Palavra”, do livro A Construção do perdoar. Eu nunca deixarei de amá- dade Imperial de Moscou, passando a
Pensamento e da Linguagem, Vigotski la”). A plena compreensão entre os viver nesta cidade. Mas como a esco-
contrasta uma anedota sobre um amantes só era possível pelo fato de lha da Medicina fora fruto das pres-
diá­logo entre surdos, onde prevalece eles, previamente, compartilharem sões exercidas por seus pais, o curso
a total incompreensão, com a decla- conteúdos e significados. Sempre não lhe despertava interesse e o jo-

CRONOLOGIA

1927 1930-1934
Escreve “O Significado Histórico Escreve importantes textos, dentre
da Crise da Psicologia”. Esse eles: “O Instrumento e o Símbolo no
texto não chegou a ser publicado Desenvolvimento da Criança” (1930), 1931
em vida. Depois de extraviado “A História do Desenvolvimento das Artigos críticos
durante a Segunda Guerra 1930 Funções Psicológicas Superiores” sobre suas ideias
Mundial, foi encontrado em 1960 Nasce sua filha Assia, (1931, inédito até 1960) e começaram a circular
e finalmente publicado em 1982. falecida em 1985. Pensamento e Linguagem (1934). na ex-União Soviética.

12 história da pedagogia
vem estudante logo transfere sua ma- profunda lógica: a concepção histó- políticas. A experiência nessa uni-
trícula para a Faculdade de Direito. rica do desenvolvimento das funções versidade teve um papel bastante
Rivière analisa as razões que superiores, a que havia chegado gra- destacado na formação de Vigotski.
motivaram sua desistência do curso ças à formação humanista, o levava Embora não tenha aí recebido ne-
de medicina: “Antes de começar os a recolocar o problema da organi- nhum título acadêmico, a formação
estudos universitários em Moscou, zação neurológica daquelas funções. obtida nessa universidade permitiu
Vigotski havia desenvolvido uma De modo que Vigotski iniciou seus que ele aprofundasse seus estudos
importante formação humanista. estudos de medicina (que não pôde em psicologia, filosofia e literatura,
É essencial compreender isto para terminar, por sua morte prematura) historiografia, estética e linguística,
analisar a abordagem posterior de quando sua própria evolução inte- o que foi de grande valia em sua
Vigotski à psicologia: a análise crí- lectual o levou a eles, e não antes, vida profissional posterior. Atual-
tica dos problemas com os instru- por pressões externas”. mente a Universidade de Chaniavski
mentos que lhe proporcionava a sen- Ao mesmo tempo em que seguia denomina-se Universidade Estadual
sibilidade humanista, a tendência a sua carreira universitária principal, Russa de Ciências Humanas, onde
considerá-los de uma perspectiva passou a frequentar a Faculdade de funciona o Instituto de Psicologia L.
histórica com um enfoque dialético, História e Filosofia da Universidade S. Vigotski.
e o interesse por sua vertente semio-
lógica foram as premissas em que se
basearam suas importantes aborda- Vigotski havia desenvolvido uma importante
gens posteriores”.
É interessante observar que mais formação humanista. É essencial a
tarde, com mais de 30 anos, depois compreensão desse fator para que se possa
de já ter realizado um grande vo- analisar sua abordagem posterior da psicologia
lume de leituras e escritos na área de
psicologia e devido a sua intenção de
trabalhar com problemas neurológi- do Povo de Chaniavski, uma institui- Nos dois últimos anos que pas-
cos como forma de compreender o ção livre, cujas titulações não eram sou como estudante universitário em
funcionamento psicológico humano, reconhecidas pelas autoridades edu- Moscou, Vigotski dividia um quarto
Vigotski voltou a estudar medicina, cativas da Rússia czarista. Essa foi a com sua irmã mais nova, Zinaida
parte em Moscou e parte em Khar­ alternativa que ele encontrou para Vigodski. Possivelmente essa irmã,
kov. Novamente é Rivière quem dar continuidade aos interesses que que depois se tornou uma linguista
procura explicar as razões que leva- cultivava já havia um bom tempo. O bastante proeminente, foi mais uma
ram Vigotski a retomar um campo ambiente intelectual dessa univer- das pessoas importantes em sua
de estudo ao qual havia renunciado sidade era de grande efervescência. formação, das que lhe trouxeram
aos 17 anos: “esse aparente paradoxo Lá estavam reunidos importantes informações e contribuíram para o
biográfico tem, sem dúvida, uma pensadores, perseguidos por razões desenvolvimento de seu interesse

1932
Nos últimos anos de sua vida Vigotski se interessou cada 1936-1956 1956
vez mais por problemas da neurologia e neuropatologia, Durante esse período Reedição do
chegando a realizar alguns cursos de medicina, 1934 as publicações da clássico Pensamento
parte em Moscou e parte em Kharkov. Nessa fase Morre de tuberculose, obra de Vigotski foram e Linguagem,
participou ativamente na organização do departamento aos 37 anos, no proibidas na União coincidindo com
de Psicologia na Academia Psiconeurológica de dia 11 de junho, no Soviética, devido ao um período da
Kharkov, assim como colaborou intensamente com Sanatório Serebreni obscurantismo do “desestalinização”
os membros da clínica neurológica de Moscou. Bor, em Moscou. regime stalinista. da ex-URSS.

história da pedagogia 13
Lev Vigotski Biografia intelectual

em língua, literatura e dramaturgia. fazer uma nova sociedade e desen- fazer investigações práticas simples
Nessa época Vigotski já nutria um volver uma nova cultura”. Foi, por- e onde ele próprio começou a prepa-
significativo interesse pelo teatro. tanto, neste contexto efervescente rar um de seus principais livros, Psi-
Esse interesse acabou motivando a que Vigotski deu início aos estudos cologia Pedagógica. Ele dava aulas de
elaboração de uma análise de Ham- mais diretamente relacionados ao língua e literatura russa, lógica, psi-
let, de Shakespeare, autor por quem campo psicológico. cologia e pedagogia. Nesse perío­do
ele tinha grande admiração, que foi proferiu palestras também sobre
apresentada como trabalho de con- Os anos em Gomel: estética e história da arte e partici-
clusão do curso realizado na Univer- experimentações profissionais pou de grupos de discussão sobre
sidade de Chaniavski. Em 1925 essa Vigotski começou sua carreira literatura. Além de ajudar a criar
análise foi incorporada, sob forma profissional propriamente dita aos o Museu da Imprensa de Gomel,
modificada, a seu livro Psicologia da 21 anos, após a Revolução Russa, em também fundou uma editora e uma
Arte, publicado na Rússia somente 1917, quando retornou a Gomel ao revista literária, que duraram pou-
em 1968. De acordo com Rivière, terminar seu curso na universidade quíssimo tempo devido à carência
nessa fase um outro personagem de Moscou. Lá permaneceu por um de papel na ex-União Soviética. Foi
parece ter exercido uma papel des- período de sete anos, até 1924, ano em ainda o coordenador da divisão de
tacado em sua formação: Vladimir que se mudou novamente para Mos- teatro do Departamento de Educa-
Uzin, autodidata, tradutor e crítico cou. No período de 1918 a 1924, além ção do Povo, de Gomel, participando
literário. Ele foi um importante in- de escrever críticas literárias e rese- da seleção do repertório, da monta-
terlocutor de Vigotski, principal- nhas sobre peças teatrais, lecionou e gem e direção das peças, e editou a
mente em relação aos temas ligados proferiu palestras sobre temas liga- seção de teatro de um jornal local.
ao campo da arte. dos à literatura, ciência e psicologia. De acordo com Zoia Prestes, nesse
Em 1917 Vigotski concluiu as Já nessa época preocupava-se também período Vigotski escreveu mais de
duas graduações. No mesmo ano, com questões ligadas à pedagogia. 70 resenhas teatrais que em breve
portanto, da vitória da revolução Em 1922, por exemplo, publicou um serão republicadas na Rússia, em
bolchevique. Rivière faz uma perti- estudo sobre os métodos de ensino suas obras completas, que está em
nente síntese do contexto histórico da literatura nas escolas secundárias. fase de preparação. Seu papel ativo
vivido por Vigotski nestes anos de Nessa fase ministrou aulas em na vida cultural da cidade o levou a
formação: “Os estudos universitá- várias instituições, entre as quais se conhecer várias figuras importantes
rios de Vigotski coincidiram com destacam a Escola Soviética do Tra- no cenário cultural, tanto de Gomel
os turbulentos anos anteriores à balho, a Escola Noturna para Adul- como de outras localidades.
revolução soviética e sua conclu- tos Trabalhadores, o Curso Prepa- Rivière destaca que, sob a apa-
são, com o estado revolucionário de ratório para Pedagogos e o Instituto rente diversidade de ocupações e
1917. Em muitos sentidos, Vigotski de Formação de Professores, no qual interesses dessa etapa de vida em
era um filho da revolução e se in- ele instalou um pequeno laboratório Gomel, Vigotski já revelava uma
corporou ativamente ao projeto de de psicologia, onde os alunos podiam unidade de propósito, que consistia

CRONOLOGIA

1962 1984 1987


Lançamento de Primeira publicação brasileira Início da publicação
Pensamento e de uma obra de Vigotski, 1987 de The Collected
Linguagem nos 1982-1984 A Formação Social da Mente, Publicação de Works of L. S.
Estados Unidos. Essa Edição das traduzida da publicação Pensamento e Vigotski”, nos Estados
edição, adaptada, Obras Reunidas original em inglês (coletânea Linguagem no Brasil Unidos, tradução
foi reduzida a menos de Vigotski na de textos de Vigotski (tradução da versão em cinco volumes das
da metade da ex-URSS organizada por pesquisadores norte-americana obras reunidas
versão original. (em seis tomos). norte-americanos). resumida). diretamente do russo.

14 história da pedagogia
na tentativa de “dar conta das fun- dramático quadro, em poucos meses tanto, ter sido ligada à situação polí-
ções da criação cultural, tanto na Vigotski perde outro irmão, vítima tica instável na área de Gomel. [...]
arte como na educação, a partir de da febre tifoide. Vigotski, em 1920, Além disso era difícil, naturalmente,
uma consideração científica da na- também se tornou tuberculoso, lu- obter permissão para se estabelecer
tureza das funções superiores espe- tando contra a doença até sua morte, em Moscou e, finalmente, uma his-
cificamente humanas. Os interesses em 1934. tória de amor pode ter tido um papel
psicológicos de Vigotski nasceram Apesar das dificuldades, Vigotski nesse caso: em 1924 Vigotski casou-
de uma preocupação mais primária prolonga sua permanência em Gomel. se com Roza Semerrova, de Gomel, e
pela gênese da cultura (de forma se-
melhante a como os interesses psi-
cológicos de Piaget se originaram O início da carreira de Vigotski coincide com
em uma preocupação mais primor-
dial pela gênese do conhecimento)”. o período pós-Revolução Russa. Em 1917, aos
Ao mesmo tempo, em sua volta 21 anos de idade, ele retornou a Gomel para
para Gomel, Vigotski viveu os sé- terminar seu curso na Universidade de Moscou
rios problemas de seu país naquele
momento: a queda do império cza-
rista, o advento da revolução, vários René Van der Veer e Jaan Valsiner aí partiu para Moscou”. Vigotski teve
partidos e ideólogos que saíram do analisam assim, em Understanding Vi- duas filhas com Roza Semerrova.
ostracismo ou voltaram do exílio e gotski: a Quest for Synthesis, essa opção: A mais velha, Guita, formou-se em
que disputavam o poder e a adesão “Poderíamos nos perguntar por que, psicologia da educação e vivia em
dos cidadãos, a ofensiva alemã que nessas circunstâncias desesperadas, Moscou, aposentada, até seu faleci-
incorporou Gomel ao território da Vigotski não tentou mudar-se para mento em julho de 2010. A mais nova,
Ucrânia, a ameaça dos contrarrevo- Moscou. Moscou era definitivamente Assia, especialista em biofísica, mor-
lucionários. Além disso, ocorreram um centro de importantes atividades reu em 1985. Roza morreu em Mos-
problemas familiares, agravados culturais e científicas, um fato que cou, em 1979.
pela situação difícil do país. Seu ir- era necessariamente importante para
mão de 12 anos adoeceu de tuber- um jovem tão interessado em teatro, Os anos em Moscou
culose e Lev o acompanhou, junta- arte e literatura. Além disso, Vigotski O ano de 1924 significou um
mente com sua mãe (que também se certamente havia feito muitos ami- grande marco na sua carreira in-
recuperava de uma tuberculose), a gos lá, durante seus anos de universi- telectual e profissional. A partir
um sanatório na Crimeia, emprei- dade. A explicação dada por Dobkin dessa data se dedicou mais siste-
tada que exigiu grande dispêndio de é provavelmente a mais acurada [...]: maticamente à psicologia e passou
energia e de tempo. O irmão acabou Vigotski não queria deixar seus pais a ocupar um lugar de destaque na
falecendo em 1918. Sua mãe, abatida, durante esse período difícil e sua relu- história da psicologia soviética. No
voltou a adoecer. Para complicar o tância em ir para Moscou pode, por- início desse ano realizou uma pales-

1999
Publicação, no Brasil, de “Psicologia da 2001
1991-1997 Arte” e “A Tragédia de Hamlet, Príncipe Lançamento do livro A
Edição das Obras da Dinamarca”. Esses dois textos, que Construção do Pensamento e
Escogidas, na Espanha, em juntos compõem o livro original de da Linguagem no Brasil, versão
cinco volumes, tradução das Vigotski intitulado Psicologia da Arte, integral do livro Pensamento e
obras reunidas de Vigotski foram seus primeiros livros traduzidos Linguagem de Vigotski, traduzido
diretamente do russo. diretamente do russo no Brasil. diretamente do russo.

história da pedagogia 15
Lev Vigotski Biografia intelectual

tra no II Congresso Russo de Psi-

© M.C.Escher, Mão com esfera refletora, litografia, 1935. Reprodução


coneurologia em Leningrado, que
na época era considerado um dos
principais encontros dos cientistas
ligados à psicologia. Nas suas ex-
posições Vigotski, com apenas 28
anos, causou surpresa e admiração
devido à complexidade dos temas
que abordou, à qualidade de sua
explicação e à proposição de ideias
revolucionárias sobre o estudo do
comportamento consciente humano.
Graças a essa comunicação, Vigotski
foi convidado a trabalhar no Insti-
tuto de Psicologia Experimental de
Moscou, considerado então a insti-
tuição mais relevante da psicologia
soviética e que, com a Revolução
Russa, enfrentava o desafio de reor­
ganizar-se a partir das premissas
dialético-materialistas. Nesse insti-
tuto Vigotski teve a oportunidade de
conviver com destacados pesquisa-
dores, dentre eles Aleksandr Roma-
novitch Luria (1902-1977) e Aleksei
Nikolaievitch Leontiev (1903-1979),
que viriam a ser dois de seus
principais colaboradores.

Ritmo intenso
Já instalado em Moscou, Vigotski
continuou com o seu frenético ritmo
de trabalho. Em pouco tempo, além
das atividades no Instituto de Psi-
cologia Experimental de Moscou,
assumiu também a coordenação da auditivos e de fala que aconteceu em Gravura de 1935, de Escher,
subseção de educação e treinamento Londres, em 1925. Nessa ocasião vi- artista holandês. Segundo Smolka:
de crianças com deficiências físicas e sitou também instituições voltadas à “a literatura e a arte, a pedagogia
e a pedologia, a psicologia e a
mentais, do Departamento de Pro- questão da deficiência na Alemanha,
defectologia articulam-se todas
teção Legal e Social de Menores e França e Holanda. Essa foi a única no campo de interesse e
começou a ser reconhecido como vez que saiu de seu país. investigação de Vigotski”
uma referência na área da chamada Após retornar de sua viagem, Vi-
defectologia, termo usado no início gotski recebeu o título de doutor em
do século XX para o campo das defi- psicologia por sua tese Psicologia da
ciências. Por essa razão foi escolhido Arte, embora não tenha conseguido, Nessa fase, apesar da doença e das
para representar a ex-União Sovié- por problemas de saúde (que o obri- frequentes hospitalizações, Vigotski
tica, a convite do governo inglês, em garam a ficar internado por vários demonstrou um ritmo de produção
um importante congresso sobre a meses), cumprir as formalidades intelectual excepcional. Trabalhou
educação de crianças com problemas acadêmicas da defesa pública. em diversas instituições em diferen-

16 história da pedagogia
tes localidades dentro da ex-União articulam-se todas no campo de in- ses e muitas vezes teve que sofrer
Soviética, como professor, pesquisa- teresse e investigação de Vigotski”. tratamentos cansativos e dolorosos.
dor e editor. Como avaliam Van der Nesse período Vigotski escreveu Operações foram repetidamente pla-
Veer e Valsiner “a carreira científica alguns de seus mais importantes nejadas e depois adiadas outra vez, e
de Vigotski chegou a um ápice no trabalhos, dentre eles: “A Consciên- os períodos regulares em hospitais e
final da década de 1920 e no começo cia como Problema da Psicologia do sanatórios superlotados podiam ser
da década de 1930”. Rivière precisa Comportamento” (1924), Psicologia intrinsecamente horríveis. [...] Em
que entre os anos 1924 e 1934 (ano da Arte (1925), Psicologia Pedagógica quarto lugar, por volta de 1931 arti-
de sua morte) Vigotski viveu uma (1925), “O Significado da Crise em gos críticos de suas ideias começa-
década “furiosa”. Ana Smolka faz um Psicologia” (1929) e “Manuscrito de ram a ser publicados nos principais
interessante balanço desse período: 29”. Sua expressiva produção co- periódicos de psicologia e pedologia,
“A década de 1924 a 1934 – os dez meçou a receber severas críticas na no contexto de um ataque cuidado-
últimos anos de sua vida – concentra Rússia a partir dos primeiros anos samente orquestrado à sua teoria
sua intensa produção. O crítico lite- da década de 1930. Durante o go- histórico-cultural. [...] Por fim, Vi-
rário, que se fez professor, tornou-se verno de Stálin, suas teorias foram gotski ficou profundamente ferido
também investigador do drama hu- consideradas “idealistas” pelas au- pela ‘deserção’ de vários de seus
mano. Com A. Luria e A. Leontiev, toridades soviéticas (de 1936 a 1956 colaboradores e alunos”.
seus companheiros mais próximos as obras de Vigotski chegaram a ser Vigotski faleceu em Moscou, em
de trabalho, Vigotski compunha um proibidas na ex-União Soviética). 11 de junho de 1934, aos 37 anos, no
grupo de pesquisa na Universidade Hospital Sanatório Serebreni Bor,
de Moscou que era referido como Uma carreira precocemente vítima da doença contra a qual lutou
troika na psicologia russa. Dirigindo interrompida durante 14 anos. Está enterrado no
um laboratório de defectologia, Nos últimos anos Vigotski vi- cemitério de Novodevechy, na atual
criado em 1925, reunia as preocupa- veu uma fase bastante difícil, já que capital da Rússia. Seu legado com-
ções e discutia as formas de atuação as condições de vida em Moscou prova não somente o quão revolu-
e investigação sobre o desenvolvi- não eram fáceis e, como as descre- cionárias eram as suas ideias para a
mento humano; as possibilidades vem Van der Veer e Valsiner, “nem época em que viveu, como também a
da criação humana; os sentidos da sempre propícias ao trabalho cien- vitalidade de suas proposições para
criação literária; as contradições e os tífico criativo. Nos últimos anos de o nosso tempo.
sentidos da vida”. sua vida a situação ficou ainda pior,
Partindo de uma perspectiva ma- tornando-se quase intolerável. Para
Marta Kohl de Oliveira é professora
terialista histórico-dialética e bus- ilustrar isso, as condições nas quais livre-docente da Faculdade de Educação
cando um modo mais abrangente de Vigotski compunha seus livros são da USP. É mestre e doutora em Psicologia
da educação pela Universidade de Stanford
estudar os processos psicológicos reveladoras. Primeiramente, ele, e pós-Doutora pela Universidade da
humanos, Vigotski e seu grupo bus- sua esposa e duas filhas viviam em Califórnia, San Diego. É autora entre
outros, de Cultura & Psicologia: questões sobre
cavam fazer de modo quase obsti- um cômodo de um apartamento su- o desenvolvimento do adulto (Hucitec, 2009),
nado uma revisão crítica da história perlotado – condição que ele com- Vygostky: Aprendizado e Desenvolvimento, Um
e da situação da psicologia na Rússia partilhava com milhões de seus Processo Sócio-Histórico (Scipione, 4ª ed.,
2008) e coautora de Piaget, Vygotsky, Wallon
e em outras partes do mundo. Nessa compatriotas. Em segundo lugar, (Summus, 1992) e de Piaget, Vigotski: Novas
fase lia com avidez obras de diversas para sobreviver, Vigotski assumiu Contribuições para o Debate (Ática, 1993).
áreas do conhecimento e a perspec- uma enorme quantidade de traba-
Teresa Cristina Rego é professora da
tiva interdisciplinar que sempre ado- lho editorial para editoras e pesada Faculdade de Educação da USP e co-editora
tara se evidencia, segundo Smolka: carga didática, que envolvia viagens da Revista Educação e Pesquisa (Feusp). É
mestre e doutora em Educação pela USP e
“a literatura e a arte, a pedagogia (as de ida e volta entre Moscou e Le- pós-Doutora pela Universidad Autónoma
orientações e os modos de ensinar) e ningrado e Kharkov. Em terceiro de Madrid. É autora, entre outros, de
Vygotsky: uma perspectiva histórico cultural da
a pedologia (a ciência da infância), a lugar, Vigotski sofria de ataques educação (Vozes, 21ª. ed., 2010), Memórias
psicologia (o estudo do desenvolvi- recorrentes de tuberculose. Várias de escola: cultura escolar e constituição de
singularidades (Vozes, 2003) e coautora de
mento humano e da consciência na vezes os médicos lhe disseram que Psicologia, Educação e as Temáticas da Vida
história e na cultura), a defectologia ele morreria dentro de alguns me- Contemporânea (Moderna, 3ª. ed., 2008)

história da pedagogia 17
Lev Vigotski Genealogia intelectual

Herança e invenção
por Marta Kohl de Oliveira e Teresa Cristina Rego

Para Vigotski, “todo inventor, até mesmo um gênio, também é fruto do seu tempo e do seu ambiente”

L
eitor poliglota, além de Spinoza, Marx, Engels, Hegel e Darwin, Vigotski dialogou com um conjunto
expressivo e diversificado de autores, da literatura e das artes (como Blok, Dostoiévski, Shakespeare,
Maiakóvski, Púchkin e Iessiênin), da linguística (como Potebnya e Humboldt), da psicologia (como
Kornilov, Blonsky, Pavlov, Betkterev, Watson e os gestaltistas Wertheimer, Kohler, Koffka e Lewin) e
da sociologia e antropologia (tais como Durkheim, Thurnwald e Lévy-Brühl). Fez também análises
importantes sobre os trabalhos de Freud, Nietzsche e Piaget. É expressivo, ainda, o número de pesquisadores por ele
influenciados, na Rússia e fora dela. Segue uma pequena amostra deste amplo quadro de influências.

Baruch Spinoza
(1632-1677)
Nascido em
Amsterdã, foi
um dos grandes
racionalistas do
século XVII dentro da
chamada filosofia moderna.
Toda a obra de Vigotski é
profundamente marcada pela
filosofia de Spinoza.

Karl Marx
(1818-1883)
Intelectual e
revolucionário Friedrich Engels
alemão, fundador (1820- 1895)
da doutrina comunista Teórico
moderna. Seus postulados revolucionário
influenciaram profundamente alemão, junto
as proposições de Vigotski, em com Marx
Influenciou Vigotski
cuja obra podemos identificar fundou o chamado
os pressupostos filosóficos, socialismo científico.
Influenciados por Vigotski
epistemológicos e metodológicos Suas concepções sobre a sociedade,
da teoria dialético-materialista. o trabalho, o uso de instrumentos e
a dialética homem/natureza foram
fundamentais para as teses de Vigotski
sobre o desenvolvimento humano
18 história da pedagogia
enraizado na cultura e na história.
Aleksandr
Romanovitch Luria
(1902-1977)
Aleksei Nikolaievitch
Um dos principais
Leontiev
colaboradores de
(1904-1979)
Vigotski, dedicou-se ao
Juntamente com
estudo das bases biológicas do
Luria, foi um dos
funcionamento psicológico, tornando-se
colaboradores mais
um destacado neuropsicólogo. Conduziu
próximos de Vigotski. Propôs
também a famosa pesquisa intercultural
a chamada Teoria da Atividade,
na Ásia Central nos anos 1930.
que define o comportamento
humano como orientado por
objetivos e contextualizado
num sistema de relações sociais.

Jerome Seymour
Bruner (1915 - )
Referência
unânime na
psicologia
norte-americana
contemporânea, tem vasta
produção sobre processos cognitivos
e questões educacionais. Faz uma
leitura atual da obra de Vigostki, em
diálogo com a produção científica de
diversos outros autores.

Vladimir P.
Zinchenko (1931 -)
Pesquisador
que trabalhou
Lucien Lévy-Brühl diretamente com
(1857-1939) Vigotski nos anos 1930, é
Filósofo, um dos principais pensadores
antropólogo e russos da atualidade na tradição
sociólogo francês, da psicologia histórico-cultural.
sua tese de que os Dedica-se principalmente à
membros das chamadas psicologia da percepção e à
sociedades primitivas teriam psicologia do trabalho.
uma mentalidade pré-lógica, baseada
em representações míticas, foi
importante fonte para as propostas de
Vigotski sobre diferenças culturais.
história da pedagogia 19
Lev Vigotski PRINCIPAIS TESES

© Claude Monet, Retrato de Stéphane Mallarmé, óleo sobre tela,1876. Reproduçao


A CONSTITUIÇÃO
SOCIAL DO
DESENVOLVIMENTO
por Elizabeth dos Santos Braga

Não nos relacionamos com um mundo físico bruto,


mas com um mundo interpretado pelos outros. O
que apreendemos e tornamos nosso se estabelece
inicialmente em uma relação social e significativa

L
ev Semionovitch Vigotski foi, sem mento humano que se produz na história e na cul-
dúvida, um dos grandes pensado- tura, em processos de significação. Sua concepção
res da psicologia do século XX. foi marcada pelo interesse por assuntos relativos a
Suas ideias marcaram gerações de literatura, teatro e crítica literária e pelas atividades
pesquisadores em várias partes do que desenvolveu nessas áreas. A admiração pela poe­
mundo, em estudos teóricos e empíricos sobre de- sia, especialmente a simbolista, lhe trouxe sensibili-
senvolvimento, linguagem, cultura, conhecimento, dade para a problemática da linguagem, do signo e
educação, deficiência, entre tantos outros temas. Sua do símbolo.
vida breve e intensa e sua dinâmica elaboração teó- Leitor de obras de autores de vários campos do
rica constituíram um autor instigante de textos que conhecimento desde a adolescência – Hegel, Spi-
desafiam seus leitores com novas possibilidades de noza, Shakespeare, Goethe, Dostoiévski, James,
análise a cada leitura. Freud, Darwin... – desenvolveu o gosto pela inter-
Assumindo o pressuposto da constituição social locução. Suas análises são permeadas por diálogos
dos processos psíquicos e contrapondo-se às visões com outras perspectivas. Além das questões teóri-
naturalistas, mecanicistas e idealistas da época, Vi- cas, sua produção foi orientada para o atendimento
gotski inaugurou uma concepção de desenvolvi- a demandas práticas, num contexto de inúmeros

20 história da pedagogia
Retrato do poeta Stéphane
Mallarmé, pintado por Claude
problemas sociais, depois da Primeira lado, a psicologia subjetiva, com raízes Monet. Vigotski tinha grande
Guerra Mundial, da Revolução Russa na filosofia idealista de Descartes, via o admiração pela poesia simbolista,
da qual Mallarmé é um dos
e da Guerra Civil. estudo dos fenômenos psíquicos como principais representantes
Juntamente com outros compa- manifestação do espírito, dos quais só
nheiros, entre os quais Luria e Leon- se podia obter uma descrição subjetiva,
tiev, formou um grupo de pesquisa na negando uma abordagem naturalista
Universidade de Moscou que traba- dos fenômenos. Por outro, a psicologia consciência, influenciado por Marx e
lhava intensamente, embora suas con- naturalista científica, própria do posi- Engels, concluindo que as origens das
dições de vida nem sempre fossem pro- tivismo evolucionista, considerava a formas superiores de comportamento
pícias para o trabalho científico. Esse atividade consciente do homem como consciente deveriam ser buscadas nas
grupo se empenhou na reformulação resultado direto da evolução do mundo condições sociais de vida historica-
de disciplinas como a pedagogia e a animal, reduzindo a ação dos comple- mente formadas.
psicologia. Vigotski desenvolveu uma xos acontecimentos psicológicos a Luria, em Linguagem, Desenvolvi-
análise da psicologia no começo do mecanismos elementares, estudados mento e Aprendizagem, assim se referiu
século XX cuja situação, segundo ele, em laboratório por meio de técnicas à sua forma de trabalho: “Uma das
era extremamente paradoxal. Por um exatas. Vigotski enfatizou o estudo da múltiplas características do trabalho

história da pedagogia 21
Lev Vigotski PRINCIPAIS TESES

de Vigotskii [...] foi sua insistência o materialismo histórico e dialético. O coletivo na fabricação dos primeiros
no fato de que a pesquisa psicológica caráter histórico do materialismo de instrumentos teria criado a neces-
nunca deveria limitar-se a uma especu- Marx e Engels o diferencia de outras sidade de um meio de comunicação.
lação sofisticada e a modelos de labo- concepções materialistas da época. Com base nessa hipótese, os fatores
ratório divorciados do mundo real. Os Para Marx, toda ciência é histórica e decisivos dessa transformação são:
problemas reais da existência humana, é produto da atividade humana, não o trabalho social, a invenção e o em-
tais como são sentidos na escola, no tra- um resultado puro da razão. O cará- prego dos instrumentos de trabalho, o
balho ou na clínica, serviam como con- ter materialista da dialética de Marx surgimento da linguagem.
textos nos quais Vigotskii lutava para e Engels, por sua vez, marca a dife- Para falar do processo de desenvol-
formular um novo tipo de psicologia”. rença entre a sua dialética e a de ou- vimento humano, Vigotski baseia-se na
tros autores (em especial, Hegel), na distinção bastante comum na psicolo-
Cultura e história na constituição consideração das condições concretas gia da época entre funções elementares
do psiquismo humano da produção do conhecimento. e funções superiores, relacionada à con-
A teoria iniciada por Vigotski e Vigotski, Luria e Leontiev distin- sideração de duas linhas no desenvol-
cada vez mais difundida em diferentes guem dois períodos na filogenia hu- vimento: uma “natural” e outra “social”
países e áreas é conhecida como abor- mana: a evolução biológica (explicada ou “cultural”. As funções elementares
dagem histórico-cultural, sociocultu- na teoria da evolução de Darwin) e a ou naturais têm sua origem na evolu-
ral, sócio-histórica, sociointeracionista, história humana (conforme análise ção biológica. As funções superiores
teoria da atividade. Cada uma dessas de Marx e Engels). Embora Vigotski ou culturais, tais como a atenção e a
denominações diz respeito a aspectos concorde com a ideia da evolução, ele memória voluntárias, a capacidade de
que ele considerava essenciais na cons- separa o comportamento dos animais planejamento, a linguagem etc., encon-
tituição do psiquismo. Salientamos o e dos homens pela emergência da cul- tram-se em um nível qualitativamente
lugar ocupado pelos conceitos de cul- tura e atribui um papel limitado à base novo de funcionamento psicológico.
tura e de história na sua elaboração genética do comportamento humano. Nesse sentido, segundo Vigotski, não
teórica do desenvolvimento humano. Enquanto as leis biológicas explicam a podem ser aplicados os mesmos prin-
Para Vigotski, o funcionamento evolução das espécies, são leis sócio-his- cípios explicativos para os dois tipos de
psicológico fundamenta-se nas rela- tóricas que explicam o desenvolvimento processos. Ele baseou-se nos seguintes
ções sociais, as quais se desenvolvem do homem com o início da cultura. Os critérios para caracterizar os proces-
no interior da cultura (ao mesmo animais são dependentes de progra- sos mentais superiores: a mudança do
tempo em que constantemente a pro- mas hereditários de comportamento controle do ambiente para o indivíduo;
duzem) e num processo histórico. Se e/ou de resultados da experiência in- a realização consciente de processos
pensarmos no adjetivo cultural atri­ dividual (por treinamento ou por sua mentais; a origem e natureza social; e
buído a essa perspectiva, devemos le- vida em sociedade); diferentemente, a a mediação por signos.
var em conta que toda interação social atividade consciente do homem se ba-
é aqui analisada como emergente em seia nos conhecimentos e habilidades A superação do dualismo
uma cultura, envolvendo os meios so- presentes na experiência da humani- Segundo Angel Pino, em “O Social e
cialmente estruturados (como os gru- dade, acumulada no processo da histó- o Cultural na Obra de Lev S. Vigotski”,
pos e instituições), os instrumentos ria social, como nota Luria, no Curso de ao propor dois tipos de funções, Vi-
e a linguagem. E o histórico funde-se Psicologia Geral. As características es- gotski não segue a via do dualismo; ao
com o cultural, já que os instrumentos pecificamente humanas são, portanto, contrário, propõe a superação: “As fun-
foram inventados e aperfeiçoados ao desenvolvidas culturalmente, em pro- ções biológicas não desaparecem com a
longo da história social do homem. cessos de interação. emergência das culturais mas adquirem
Além disso, os fenômenos psicológi- A distinção assumida entre evo- uma nova forma de existência: elas são
cos nessa abordagem são considera- lução biológica e história humana é incorporadas na história humana. Afir-
dos em processo de mudança, ou seja, baseada nos escritos de Marx e, mais mar que o desenvolvimento humano é
tratados historicamente. intensamente, de Engels, com a ex- cultural equivale portanto a dizer que
A abordagem histórica de Vi- plicação para a origem do Homo sa- é histórico, ou seja, traduz o longo pro-
gotski relaciona-se a um dos princi- piens na postura ereta e na liberação cesso de transformação que o homem
pais fundamentos de suas elaborações: das mãos para o trabalho. O trabalho opera na natureza e nele mesmo como

22 história da pedagogia
parte dessa natureza. Isso faz do ho- os produtos artísticos e os processos
mem o artífice de si mesmo”. de criação. Para Vigotski, a cultura é
Um aspecto crucial e muitas ve- a totalidade das produções humanas:
zes esquecido na sua obra é a ideia técnicas, artísticas, científicas, insti-
do desenvolvimento histórico dos tuições e práticas sociais. Daí, o termo
processos especificamente huma- “desenvolvimento cultural” usado por
nos. Vigotski considera que eles ele para descrever o desenvolvimento
estão continuamente em transfor- psicológico. A mediação pela cultura
mação. Portanto, estudar uma fun- em Vigotski é o que define o funcio-
ção historicamente é estudá-la em namento psicológico humano.
processo de mudança, requisito do
método dialético. A mediação
Outro aspecto importante da A mediação é um princípio fun-
teo­ria vigotskiana relacionado à sua dante da teoria histórico-cultural
abordagem histórica é a articulação e atravessa todos os escritos de Vi-
entre os planos filogenético (história gotski. Na sua concepção, ao invés de
da espécie humana) e ontogenético agirmos de forma direta, imediata no
(história pessoal). Vigotski e Luria se mundo físico e social, nosso contato é
apoiaram nas pesquisas sociológicas indireto ou mediado por signos e ins-
etnográficas de Durkheim, Lévy- trumentos, pelo outro. A mediação,
Bruhl e Thurnwald, que marcaram para ele, é a marca da consciência hu-
sua maneira de entender outras mana. A compreensão da emergência
culturas e a relação entre cultura e e da definição dos processos mentais
processos mentais em aspectos tais especificamente humanos e da ligação
como: a correspondência entre varie- entre os processos sociais e históricos
dade cultural de representações cole- e os processos individuais é alicerçada
tivas e diferentes funções mentais; a nessa noção.
diferença entre as funções psicológi- As ideias sobre a emergência do
cas superiores do homem primitivo humano e a característica distintiva
e as do homem civilizado; superiori- de usar instrumentos para controlar
dade da mente moderna em relação a natureza, na perspectiva histórico-
à pré-histórica, explicada não pelas cultural, como vimos, basearam-se no
características biológicas, mas pelas pensamento de Marx e Engels.
diferenças culturais. Para Vigotski, a A transformação do comporta-
cultura e o pensamento/ação cultu- mento imediato, impulsivo, dirigido
ralmente mediados são considerados diretamente a um objeto, em compor-
a marca da emergência dos seres hu- tamento instrumental, mediado por
manos como espécie distinta. um instrumento, foi considerada por
De acordo com Michael Cole e Vigotski e Luria na análise das seme-
Natalia Gajdamaschko, Vigotski es- lhanças e diferenças entre o compor-
tava profundamente imerso em uma
tradição acadêmica e social que tinha
como pressuposto uma forte liga- “Os problemas reais da
ção entre a evolução sociocultural e existência humana, tais como
a história. A cultura era vista como são sentidos na escola, no
fenômeno histórico, o que se torna trabalho ou na clínica, serviam
© Reprodução

central para o aspecto comparativo como contextos nos quais


Vigotski lutava para formular
da teoria. Além desses aspectos, a cul- um novo tipo de psicologia”
tura ainda abrange, nos seus escritos,

história da pedagogia 23
Lev Vigotski PRINCIPAIS TESES

tamento instrumental dos primatas dicalmente a história humana, que pas- Mas, para Vigotski, a analogia en-
antropoides, a partir dos experimentos sou a ser a história do desenvolvimento tre signos e instrumentos deveria ser
de Köhler na década de 1920, e o com- desses “meios de comportamento auxi- vista com reserva: “[...] essa analogia,
portamento de crianças pequenas. O liares artificiais” e a história do controle como qualquer outra, não implica uma
uso de ferramentas, para os primatas, do homem sobre si mesmo. identidade desses conceitos similares.
tem valor secundário na sua adapta- Não devemos esperar encontrar muitas
ção; eles são “estranhos” ao trabalho, Fala e pensamento semelhanças entre os instrumentos e
enquanto, no homem, é o que marca a Um grande número de pensadores, aqueles meios de adaptação que cha-
cultura, o que desempenha um papel entre eles Koffka, sugeriu que a fala mamos signos. E, mais ainda, além
decisivo na luta pela sobrevivência. humana poderia ser vista como um dos aspectos similares e comuns par-
O trabalho humano tem como ca- instrumento do pensamento. Sua ob- tilhados pelos dois tipos de atividade,
racterísticas a atividade coletiva e a servação, feita em um contexto filoge- vemos diferenças fundamentais”. A
relação com a atividade comunicativa, nético, foi particularmente importante analogia básica entre os dois encontra-
enquanto nos animais atividade produ- para Vigotski, que considera que o uso se, segundo o autor, em sua função
tiva e comunicativa não se confundem. de signos como meios auxiliares para mediadora. O conceito de mediação foi
Além disso, a divisão técnica imprime a solução de um problema psicológico tomado de Hegel e Marx. Hegel consi-
profundas modificações na estrutura (como lembrar, imaginar, comparar, derava a mediação a característica fun-
da atividade humana. Mas é a prepara- avaliar etc.) é análoga ao uso de instru- damental da razão humana e fez dela
ção dos instrumentos, segundo Luria, mentos no trabalho, chamando-os de uma noção essencial para distinguir as
o que distingue a atividade do homem “instrumento técnico” e “instrumento atitudes animal e humana, concebendo
primitivo do comportamento do ani- psicológico”. Ele classificou tais pro- o trabalho como uma ação humana e
mal, que apenas emprega os instru- cessos humanos como “atos instru- humanizadora. Marx via na atividade
mentos. A preparação não é dirigida mentais artificiais” e sugeriu a mo- do trabalho uma dupla produção:
por motivo biológico imediato; supõe dificação do esquema de Pavlov para transformação da natureza em cultura
o sentido de uso futuro, podendo ser os reflexos condicionados, resumindo e transformação do próprio homem, no
chamada de primeira forma de ati- na figura de um triângulo o estabele- processo de produção. O processo de
vidade consciente. E o instrumento cimento de uma relação mediada por trabalho seria o processo privilegiado
usado pelo homem é um objeto social, um terceiro elemento (instrumento ou nas relações homem/mundo, para
para além de suas propriedades físicas; signo) na atividade instrumental: Marx e Engels. Vigotski, estendendo
é fabricado pelo homem para realizar S R essa análise, distinguiu o instrumento
sua atividade produtiva. e o signo na sua função mediadora pela
Além disso, segundo Vigotski, a orientação: enquanto os instrumentos
habilidade de produzir um signo, de in- são externamente orientados, para o
X
troduzir recursos psicológicos auxilia- controle da natureza, levando a trans-
res, marca o comportamento humano A forma elementar de comporta- formações nos objetos, os signos são
e a cultura e diferencia os primatas do mento seria direta, representada na orientados internamente, para a comu-
homem mais primitivo. Nesse sentido, fórmula S  R. A estrutura de ope- nicação e a autorregulação (controle
a outra condição que levou à modifi- rações com signos, segundo Vigotski, e domínio do comportamento). Como
cação da história, tornando-a cultural, requer um elo intermediário entre o exemplos de instrumentos, temos
foi a emergência da linguagem. Köhler estímulo e a resposta. Essa colocação desde a enxada até as máquinas em
observou que o limite na inteligên- do elo faz com que o indivíduo par- geral usadas pelo homem, desenvol-
cia dos chimpanzés se deve à falta do ticipe ativamente no estabelecimento vidas ao longo de sua história. Como
“inestimável instrumento técnico” da dessa ligação, e tem a característica de exemplos de signos, podemos citar as
fala. Além disso, o autor concluiu que ação reversa, de agir sobre o indiví- palavras, números, símbolos algébri-
os chimpanzés não criam instrumen- duo e não sobre o ambiente. No caso cos, obras de arte, sistemas de escrita,
tos para o amanhã porque não possuem da memória, por exemplo, se a pessoa esquemas, mapas, plantas, notação mu-
linguagem, e têm um poder imagina- anota na agenda um compromisso, sical etc. A utilização de signos e ins-
tivo limitado quanto ao tempo. O uso essa anotação funcionaria como um trumentos não se limita à experiência
de símbolos e signos transformou ra- signo para a recordação. pessoal de cada indivíduo, mas refere-se

24 história da pedagogia
© http://www.marxists.org/archive/vygotsk. Reprodução

à incorporação da experiência anterior trumentos. Vigotski e Luria criticam Para Luria, “as características
de um determinado grupo cultural. Ao a consideração por muitos autores do especificamente humanas são
desenvolvidas culturalmente,
longo da história da espécie humana, as uso de instrumentos e signos isolada- em processos de interação”
representações da realidade foram or- mente. Essa é a distinção da sua abor-
ganizadas em sistemas simbólicos, isto dagem: a consideração da fusão entre
é, os signos são compartilhados pelo instrumento e signo.
conjunto de membros do grupo social, Além dos signos e instrumentos, o presente em muitos dos trabalhos de
permitindo a comunicação, a interação outro também medeia a nossa relação Vigotski e colaboradores (como nos
e a organização do real, sendo a lingua- com o mundo, com as outras pessoas estudos do desenvolvimento dos con-
gem o sistema simbólico básico de to- e com nós mesmos. Para Vigotski, “o ceitos e da memória), onde é salientada
dos os grupos humanos, como observa caminho do objeto até a criança e desta a função dos signos na organização da
Marta Kohl de Oliveira. até o objeto passa através de outra pes- atividade. O segundo tipo é a “media-
soa. Essa estrutura humana complexa ção implícita”, que, segundo Wertsch,
Instrumento e signo é o produto de um processo de desen- tende a ser menos óbvia e mais difícil
É importante salientar uma ideia volvimento profundamente enraizado de detectar, correspondendo a formas
básica para a análise de Vigotski: a re- nas ligações entre história individual e de mediação de natureza efêmera, tran-
lação entre o instrumento e o signo. história social”. Esse outro nem sempre sitória, o que as torna “transparentes”
Para ele, não há um sistema de ativi- está fisicamente presente, mas está in- para um observador descuidado. Ela
dade organicamente predeterminado corporado no processo de apropriação também envolve signos, a linguagem,
na criança. A transição para a atividade de signos e instrumentos, no uso que no processo de comunicação. Nesse
mediada muda fundamentalmente a fazemos dos objetos que são sociais. A tipo, os signos não são proposital-
atividade humana no mundo, assim esse respeito, James Wertsch faz uma mente introduzidos na ação humana,
como os processos psicológicos. O distinção bastante esclarecedora entre mas são parte de uma corrente de ação
controle da natureza e o controle do dois tipos de mediação. O primeiro tipo comunicativa preexistente. As ideias
comportamento estão mutuamente li- ele denomina “mediação explícita”: sobre a mediação implícita encontram-
gados na ontogênese e na filogênese: quando um indivíduo ou outra pessoa se em vários escritos de Vigotski, em
a transformação na natureza altera a que está conduzindo a atividade desse especial no texto Pensamento e Palavra.
natureza do homem e a transformação indivíduo introduz intencionalmente Se considerarmos suas preciosas aná-
do psiquismo altera a relação humana um estímulo-meio na dinâmica da lises nesse texto, podemos dizer que,
com o mundo e a forma de usar ins- atividade. Esse tipo de mediação está para Vigotski, mesmo a linguagem in-

história da pedagogia 25
Lev Vigotski PRINCIPAIS TESES

terior é mediada pela linguagem social;


o pensamento, pela palavra.

Internalização
A internalização é outro princípio
que está na base da teoria de Vigotski

© Robert Feintuch, Looking Out, resina acrílica e óleo sobre painel de alumínio, 2007. Reprodução
sobre o desenvolvimento humano. É
um fenômeno fundamental para a for-
mação dos processos psicológicos, pois,
se as características especificamente
humanas são desenvolvidas cultural-
mente, em processos de interação e me-
diação, o que inicialmente é partilhado
deve se transformar em um plano
psicológico interno: “Chamamos de in-
ternalização a reconstrução interna de
uma operação externa”, diz Vigotski.
O plano interno, para ele, não é um
plano de consciência preexistente que
é atualizado, nem uma cópia do plano
externo, haja vista o caráter de “recons-
trução” enfatizado pelo autor mais de
uma vez: “Uma operação que inicialmente
representa uma atividade externa é recons-
truída e começa a ocorrer internamente”. O
plano externo, sabemos, para Vigotski, é
feito de interações entre sujeitos e com
o mundo, mediadas pelos instrumentos,
signos e por outros sujeitos. Essas inte- No seu “Manuscrito de 1929”, tam- Pintura do americano Robert
rações são a base para o estabelecimento bém intitulado “Psicologia Concreta do Feintuch. “Afirmar que o
do plano interno. Ou seja, na perspectiva Homem”, Vigotski esclarece: “Para nós, desenvolvimento humano é
de Vigotski, externo e interno se vinculam falar sobre processo externo significa fa- cultural equivale portanto a dizer
que é histórico (...) Isso faz do
geneticamente. Esses termos podem lar social. Qualquer função psicológica
homem o artífice de si mesmo”
remeter à dicotomia interno/externo; superior foi externa – significa que ela
dessa forma, o conceito de “internaliza- foi social; antes de se tornar função, ela
ção” tem sido problematizado por vários foi uma relação social entre duas pes-
autores. Ana Luiza Smolka, em “Inter- soas”. Nesse sentido, as funções psico- de internalização está relacionada à linha
nalização: seu Significado na Dinâmica lógicas são originalmente relações so- social ou cultural do desenvolvimento,
Dialógica”, aponta a dificuldade de se ciais, emergem no plano da ação entre ou seja, à transformação de um fenô-
traçarem movimentos de internaliza- sujeitos (social), para então se internali- meno social em fenômeno psicológico.
ção e externalização como algo que vai zarem e constituírem o funcionamento O princípio de que o meio sociocul-
“para dentro” e “para fora” e, em outro interno (individual, do sujeito). Essa tural tem um papel constante e consti-
texto, ela sugere o termo “apropriação” consideração da dimensão social não tutivo no funcionamento do indivíduo,
(usado por Bakhtin e Leontiev com dife- está presente em outros autores que segundo o qual Vigotski formulou sua
rentes sentidos, e relacionado à dialética usam o mesmo termo ou termos com teoria psicológica, teve influência e, ao
de Marx e Engels). No entanto, apesar concepções aparentemente semelhan- mesmo tempo, redimensionou um dos
da possível inadequação do termo, jul- tes sobre a passagem do plano externo postulados marxistas, na tese VI sobre
gamos importante elucidar o seu sig- ao interno como, por exemplo, Bühler, Feuerbach: “[...] a essência humana não
nificado no escopo teórico de Vigotski. Freud e Piaget. Para Vigotski, a noção é uma abstração inerente ao indivíduo

26 história da pedagogia
singular. Em sua realidade, é o conjunto e intrapsíquico –, que não significa sim- dirigida para eles e a sua conservação
das relações sociais [...]”. Um dos pres- plesmente que os indivíduos aprendem na memória – a linguagem designa os
supostos fundamentais da tentativa de participando do funcionamento inter­ objetos e acontecimentos pelas pala-
Vigotski de reformular a psicologia psicológico. Segundo o autor, Vigotski vras, mesmo quando eles estão ausen-
a partir dos princípios marxistas, se- propõe que se situe a transição da “in- tes (por exemplo, ficamos sabendo de
gundo Wertsch, era que, para entender fluência social fora do indivíduo” para a fatos que ocorreram em várias partes
o indivíduo, deve-se primeiro entender “influência social dentro do indivíduo” do mundo quando lemos o jornal pela
as relações sociais das quais ele participa. no centro da pesquisa psicológica. manhã); 2. a possibilidade de abstração
Maria Cecília Góes comenta que Pensando nessa “influência social de propriedades dos objetos e de ge-
Vigotski, ao assumir a constituição dentro do indivíduo”, lembramos a neralização, relacionando-se as coisas
das formas de ação e da consciência análise da fala egocêntrica na criança perceptíveis a categorias (chamamos
do sujeito nas relações sociais, aponta feita por Vigotski: no desenvolvimento de jarra diferentes objetos, de vários
caminhos para que se supere a dico- inicial, a atenção e a ação da criança são tamanhos, materiais diversos, e inclu-
tomia social/individual. Vigotski evita dirigidas pela fala do outro (fala social). ímos esse objeto na categoria “deco-
tanto o “reducionismo psicológico in- Depois, a criança vai gradualmente rativo”); 3. a possibilidade de trans-
dividual” quanto o “reducionismo so- usando a fala para afetar a ação do missão de informações, ao longo do
ciológico” no estudo do sujeito e situa outro (fala comunicativa), ao mesmo desenvolvimento histórico-social, por
o seu interesse nos processos sociais tempo em que ela usa a fala para si (fala constituir a linguagem um “meio de
“inter-psicológicos” ou “intermentais”, egocêntrica). Aos poucos essa fala para comunicação” e o “veículo mais impor-
nos termos de Wertsch. si passa a organizar e guiar a ação da tante do pensamento” (podemos dar
É bastante conhecida a “lei genética própria criança (autorregulação) e ela uma aula sobre a Idade Média com
geral do desenvolvimento cultural”, aumenta em termos quantitativos (a base nos conhecimentos acumulados
que Vigotski formula em A Formação criança fala para si como fala para o sobre esse período).
Social da Mente: “Todas as funções no outro). Aos poucos, a fala egocêntrica Articulando resultados de pesqui-
desenvolvimento da criança aparecem se internaliza, dando lugar ao discurso sas no nível filogenético e ontogené-
duas vezes: primeiro, no nível social, e, interno (que também é social). tico, Vigotski analisa a natureza das re-
depois, no nível individual; primeiro, A internalização é, assim, um con- lações entre o uso de instrumentos e o
entre pessoas (interpsicológica), e, depois, ceito que se refere ao processo de desen- desenvolvimento da linguagem. Büh-
no interior da criança (intrapsicológica). volvimento e aprendizagem humana ler, ao estabelecer similaridades entre o
Isso se aplica igualmente para a aten- como incorporação da cultura, numa comportamento de crianças pequenas
ção voluntária, para a memória lógica e visão própria da perspectiva históri- e macacos antropoides quanto às ma-
para a formação de conceitos. Todas as co-cultural e contrária a perspectivas nifestações da inteligência prática (uso
funções superiores originam-se das re- naturalistas, inatistas ou cognitivistas. de instrumentos), descobriu que o seu
lações reais entre indivíduos humanos.” início em crianças é independente da
Vale notar os adjetivos usados pelo au- A centralidade da linguagem fala e afirmou que essa independência
tor: “genética” (diz respeito à sua forma e da significação nas relações permanece por toda a vida. Vigotski
de abordagem das funções psicológicas e nos processos psíquicos concordou com parte dessa análise,
humanas) e “cultural” (demonstrando A importância das relações sociais pois, para ele, há uma integração entre
que para ele o desenvolvimento das na constituição do psiquismo humano, fala e raciocínio prático ao longo do de-
funções psicológicas é cultural, ou seja, na perspectiva histórico-cultural, arti- senvolvimento. Ao discutir este e ou-
que não separa o desenvolvimento psi- cula-se à transformação possibilitada tros achados, Vigotski considera que
cológico do desenvolvimento cultural pela linguagem, pela criação e uso de a fala tem um papel essencial na orga-
ou social). Essa lei envolve afirmações signos, processos de significação. nização das funções psicológicas supe-
fortes, sob dois aspectos apontados por Ao tratar dos fatores decisivos riores. Ele critica o estudo do uso de
Wertsch: os termos como atenção vo- do início da história humana, Luria instrumentos isolado do uso de signos,
luntária e memória lógica podem ser destaca a linguagem, apontando três comum entre os psicólogos que anali-
atribuídos tanto a grupos quanto a indi- mudanças essenciais que ela imprime sam o processo simbólico em crianças,
víduos; há uma conexão inerente entre à atividade consciente do homem: 1. a que costumam tratar o uso de signos
os dois planos de funcionamento – inter discriminação dos objetos, a atenção como um exemplo do intelecto puro

história da pedagogia 27
Lev Vigotski PRINCIPAIS TESES

ou produto da atividade mental (como de conceber o funcionamento mental: rizar passa a ser estabelecer e encontrar
Stern), ou ainda como fenômenos pa- um sistema interfuncional amplo e relações lógicas. Vigotski considera
ralelos (como Piaget), e não como pro- complexo. Sua abordagem dos “sistemas que as conexões que estão por trás das
duto da história do desenvolvimento funcionais” é dinâmica e dialética: du- palavras são radicalmente distintas na
da criança. Diferentemente dos chim- rante o processo de desenvolvimento criança e no adulto: nas palavras infan-
panzés de Köhler que solucionam as do comportamento, em especial no tis, o significado se constrói de forma
tarefas somente se os estímulos esti- processo de seu desenvolvimento his- distinta do que nas nossas. Vigotski
verem incluídos no campo visual ime- tórico, o que muda não são tanto as fun- escolheu o significado da palavra como
diato, uma criança que fala demonstra ções, mas as relações entre as funções. a unidade de análise das funções psico-
uma liberdade incomparavelmente Devido ao lugar que a linguagem lógicas culturais por ser um fenômeno
maior das operações. Em experimen- ocupa no escopo da teoria, Vigotski tanto da palavra quanto do pensamento.
tos seus e de colaboradores, Vigotski relaciona as transformações na pa-
observou que a fala não só acompanha lavra e as transformações no sistema Dimensão semiótica
a atividade prática, mas tem um papel funcional. Por exemplo, ao relacionar Wertsch considera que, ao longo da
específico na sua realização: no plane- a memória e o pensamento, ele analisa investigação de Vigotski, houve uma
jamento da solução do problema, no como, na criança pequena, o pensa- evolução na noção de “instrumento
controle do comportamento do ex- mento é fortemente determinado pela psicológico”, para uma direção mais
perimentador (quando a criança lhe sua memória. Um dos exemplos citados semioticamente orientada, e ele passou
faz perguntas) e da própria criança por ele refere-se à emergência do con- a enfatizar cada vez mais a natureza
(fala egocêntrica). Eles observaram ceito na criança. Ao lhe perguntarem significativa e comunicativa dos sig-
que, inicialmente, a fala segue a ação; o que é um caracol, ela responde que é nos. Essa orientação é explicada como
posteriormente, ela se desloca para pequeno, escorregadio e pode ser es- tendo origem nos estudos literários e
o início da atividade, surgindo uma magado com o pé, pois, para a criança filológicos empreendidos por Vigotski,
nova relação entre as duas atividades. pequena, pensar é recordar. Durante o e ela certamente guiou a sua investiga-
Na maioria de seus textos, Vigotski desenvolvimento da criança, perto da ção sobre o significado da palavra e a
focaliza duas ou mais funções psicológi- adolescência, produz-se uma mudança linguagem interior.
cas, observando como interagem entre decisiva. As relações interfuncionais va- O primeiro trabalho de Vigotski
si e, principalmente, com a linguagem. riam, então, em sentido oposto: para o foi uma análise de Hamlet, de Shakes-
Essa prática é coerente com o seu modo adolescente, recordar é pensar. Memo- peare – A Tragédia de Hamlet, Príncipe
da Dinamarca. Em 1925, ele publicou A
Psicologia da Arte. São reconhecidas as
© Waltércio Caldas, O colecionador, lito-offset e serigrafia, 2003. Reprodução

influências no pensamento do autor da


semiótica e da poesia russas, bem como
da linguística, mais especialmente do
Formalismo Russo, com relação ao
qual há também discordâncias. Estas
participam na constituição da noção de
mediação semiótica de Vigotski, a qual,
em muitas análises realizadas sobre o
seu trabalho, fica restrita à in­fluência
da explicação de Pavlov sobre o “se-

Gravura do artista brasileiro


Waltércio Caldas. Ao longo da história
da espécie humana, as representações
da realidade foram organizadas
em sistemas simbólicos, sendo a
linguagem o sistema simbólico básico

28 história da pedagogia
O plano externo, para Vigotski,
“é feito de interações entre
sujeitos e com o mundo,
mediadas pelos instrumentos,
signos e por outros sujeitos”

cultural passa por três estágios: “em


si, para outros, para si”. Não nos rela-
cionamos com um mundo físico bruto,
mas com um mundo interpretado pelos
outros. O que apreendemos e torna-
mos nosso (objeto, atividade, imagem

©Ana Teixeira. Reprodução


etc.) se estabelece inicialmente em uma
relação social e significativa. O que é
internalizado é a significação da ação,
não a ação ou os objetos em si mes-
mos, mas a signficação que tem para as
pessoas e emerge na relação, conforme
analisa Pino. Dessa forma, a noção de
gundo sistema de sinais”, conforme a alcance; suas mãos, esticadas em dire- internalização não pode ser pensada
análise de Werstch. ção àquele objeto, permanecem paradas sem a referência à noção de mediação
Vigotski estendeu a formulação no ar. Seus dedos fazem movimentos simbólica ou semiótica, mais especifi-
de Pavlov, ao realizar a distinção en- que lembram o pegar. Nesse estágio camente a mediação pela linguagem.
tre sinalização e significação. “Se a ati- inicial, o apontar é representado pelo Os princípios da mediação e da in-
vidade fundamental e mais geral dos movimento da criança [...]. Quando a ternalização na teoria vigotskiana de-
hemisférios cerebrais dos animais e mãe vem em ajuda da criança, e nota vem ser vistos, segundo Smolka, como
dos homens é a sinalização, então a ati- que o seu movimento indica alguma relacionados aos processos de signifi-
vidade básica e mais geral dos homens, coisa, a situação muda fundamental- cação, na consideração da centralidade
a atividade que sobretudo distingue mente. O apontar torna-se um gesto do signo e do estatuto da linguagem
os homens dos animais do ponto de para os outros. A tentativa malsucedida na obra do autor. No movimento in-
vista psicológico, é a significação [...] da criança engendra uma reação, não do tersubjetivo, no processo relacional de
A significação é a criação e o uso de objeto que ela procura, mas de uma outra produção de signos e sentidos, torna-
signos, isto é, de sinais artificiais [...]”. pessoa. Consequentemente, o signifi- mos nossos os significados partilhados,
Esse aspecto criador do homem, de cado primário daquele movimento mal- que nem sempre coincidem. Hoje po-
atribuir significados, é que o distingue sucedido de pegar é estabelecido por demos dizer que múltiplos significados
radicalmente dos animais. A “criação e outros. Somente mais tarde, quando a e sentidos se produzem no processo de
uso de signos”, segundo Wertsch, não criança pode associar o seu movimento apropriação da cultura, na participação
fez parte das questões que Pavlov le- à situação objetiva como um todo, é que em práticas sociais e históricas.
vantou. Para Vigotski, a emergência ela, de fato, começa a compreender esse
da significação está ligada a “um novo movimento como um gesto de apontar.
Elizabeth dos Santos Braga é pós-doutora
princípio regulador da conduta”. Nesse momento, ocorre uma mudança pela Universidade de Oxford, professora
Uma das passagens mais bonitas, naquela função do movimento: de mo- da Faculdade de Educação da USP (área de
Psicologia da Educação) e pesquisadora do
incluída em A Formação Social da Mente, vimento orientado pelo objeto, torna-se Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem
sobre a forma de analisar o psiquismo um movimento dirigido para uma outra da Unicamp. É autora de A Constituição
Social da Memória: uma Perspectiva Histórico-
humano emergente em processos de pessoa, um meio de estabelecer relações. Cultural (Unijuí, 2000) e coautora de A
significação é a sua análise do gesto O movimento de pegar transforma-se no ato Significação nos Espaços Educacionais: Interação
Social e Subjetivação (Papirus, 1997), Relações
de apontar do bebê: “A criança tenta de apontar”. No “Manuscrito de 1929”, Estéticas, Atividade Criadora e Imaginação
pegar um objeto colocado além de seu Vigotski afirma que o desenvolvimento (UFSC, 2006), dentre outras.

história da pedagogia 29
© Pedro Geraldo Escosteguy, Objeto Popular, acrílico sobre madeira, 1966. Reprodução
Lev Vigotski CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO

MODOS
DE ENSINAR,
MODOS
DE PENSAR
por Ana Luiza Bustamante Smolka e Lavínia Lopes Salomão Magiolino

O drama humano, o sentimento


trágico da vida, a literatura e a
arte repercutem profundamente
nas reflexões teóricas de Vigotski

A
ideia de que “há um tempo para cada coisa”
é quase um lugar comum hoje. Livros,
músicas e outros meios a proclamam e a
disseminam há séculos. Ela aparece regis-
trada, por exemplo, em uma das reuniões
do grupo de pesquisa, da qual participavam Vigotski, Leon-
tiev, Luria e outros companheiros, em 1933. Eles discutiam
sobre o problema da consciência e ao darem-se conta da
necessidade e da importância de uma mudança de foco nas
investigações que vinham desenvolvendo, ao reconhecerem

30 história da pedagogia
Obra do artista brasileiro
Escosteguy, feita em plena ditadura
militar. “A particularidade da
criação no nível individual implica,
sempre, um modo de apropriação e
participação na cultura; encontra-se,
sempre, historicamente situada”

que não haviam considerado anterior-


mente algumas questões que se tor-
navam relevantes, um deles, provavel-
mente Zaparozetz, anotou na margem
do caderno: há um “tempo para espa-
lhar as pedras e outro para recolhê-
las”, trecho do Eclesiastes (3:5). O
trabalho investigativo levava o grupo
a novas indagações, que geravam no-
vas formulações dos problemas, que
resultariam em novas conclusões, que
demandariam novas pesquisas... Ideias
em movimento, (trans)formação das
ideias, trabalho interminável na cons-
trução de conhecimento.
Vigotski não só participa dessa
construção, mas indaga-se sobre ela,
investiga e teoriza sobre a produção
histórica do conhecimento e sobre a
participação dos indivíduos, sujeitos
singulares, nessa produção.
Ao proferir uma série de palestras
para professores sobre imaginação e
criação na infância, em 1930, ele es-
creveu um trecho que tem se tornado
epígrafe em muitos trabalhos acadê-
micos: “Todo inventor, até mesmo um
gênio, também é fruto do seu tempo
e do seu ambiente [...]. Nenhuma in-
venção ou descoberta científica pode
vir à luz antes de terem aparecido as
condições materiais e psicológicas ne-
cessárias à sua manifestação”.
Vigotski insiste nesse ponto: é na
trama social, a partir do trabalho e
das ideias dos outros, nomeados ou
anônimos, que é possível criar e pro-
duzir o novo. Não se cria do nada.

história da pedagogia 31
Lev Vigotski CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO

A particularidade da criação no ní- problematizar, dizer, dadas as suas Darwin e Marx, Freud e Nietzsche;
vel individual implica, sempre, um condições de existência. Kohler e Pavlov; Buhler e Berg-
modo de apropriação e participação Mas se os movimentos de elabo- son; Blonski e Lewin; Janet e Ribot;
na cultura; encontra-se, sempre, ração filosófica, teórica e conceitual Shakespeare, Tolstói, Dostoiévski;
historicamente situada. As afirma- são situados em contextos ou cir- Stanislavski e Eisenstein; Potebnia,
ções, que ressaltam a importância cunstâncias específicas de espaço e Eikenbaum, Yakubinski etc., só para
das condições históricas e da am- tempo, perguntamos: como as ideias mencionar alguns.
biência cultural na produção do co- e as teorias se sustentam para além
nhecimento, têm raízes em outros de suas épocas? Como elas persis- Circunstâncias históricas
textos, de outras épocas. tem? Como se transformam? O que Vigotski é afetado, mobilizado
A filosofia da história de Hegel e persiste das teorias, o que delas so- pelas ideias desses autores enquanto
as discussões que Marx empreendia brevive, e o que as torna interessan- é impactado pelos acontecimentos
com essas ideias filosóficas encon- tes, viáveis, fecundas em outros mo- – Revolução Russa; discriminação;
tram-se nas raízes das inspirações mentos, em outras épocas? enfermidade... Há quase um século,
de Vigotski. Hegel, no século XVIII, Podemos dizer que o que torna ele produziu uma obra que se si-
mostrava uma preocupação explícita uma teoria viva é a possibilidade da tuou primordialmente no âmbito
com o pensamento situado histori- interação e do diálogo que se viabi- da psicologia do desenvolvimento
camente, e dizia que cada filosofia é liza entre leitores e autores de um humano. Essa obra, que caracteriza
“o espírito da época existente como texto; as condições de interlocução o seu trabalho como psicólogo, se
espírito que se pensa”. Há um pen- e seus interlocutores; o que ressoa delineou e ganhou corpo com base
samento que emerge em cada tempo das ideias ou o que elas produzem na literatura, na arte, no teatro, no
histórico; ele surge “no devido mo- em seus desdobramentos; o que elas drama. O conjunto de seus escritos
mento, nenhum ultrapassou o seu provocam e instigam, o que possi- nos mostra uma profunda preocu-
tempo”. Marx, por sua vez, no “Edi- bilitam enxergar e compreender do pação com a condição humana, uma
torial número nº 179 da Gazeta da Co- mundo e do homem no mundo. O enorme ânsia de conhecimento, uma
lônia” argumentava que “os filósofos que faz uma elaboração teórica per- grande sensibilidade e abertura às
não brotam da terra como cogume- sistir é a relação daquilo que a teoria ideias de outros e, ao mesmo tempo,
los, eles são os frutos de seu tempo, explica ou ajuda a compreender com uma reiterada convicção, consisten-
de seu povo, cujas forças mais sutis e o modo como os leitores respondem temente argumentada, da constru-
ção social e histórica da consciência.
Falar de Vigotski hoje adquire já
A filosofia da história de Hegel e as discussões um sentido de lugar comum. A di-

que Marx empreendia a partir dessas ideias vulgação de seu trabalho, sobretudo
nas três últimas décadas, tem colo-
filosóficas encontram-se nas raízes das cado em destaque algumas ideias e
inspirações de Lev Vigotski e de sua obra conceitos como a natureza social do
desenvolvimento humano, o papel do
outro, a mediação semiótica, a Zona
mais ocultas se traduzem em ideias ou replicam a ela; mas é também o de Desenvolvimento Proximal. Re-
filosóficas. O mesmo espírito fabrica modo como os leitores participam percutindo fortemente no âmbito da
as teorias filosóficas na mente dos fi- das ideias, se apropriam delas, e ne- educação, essas ideias e conceitos têm
lósofos e constrói as estradas de ferro las se implicam. circulado atualmente em muitas pro-
com as mãos dos operários”. É das ideias de Vigotski que postas e programas de ensino. Cur-
De fato, é cada vez mais aceita a vamos falar aqui. Ideias que foram sos, concursos, teses e projetos têm
ideia de que as invenções e as elabora- tecidas a partir de uma ampla e in- apontado a teoria de Vigotski como
ções teóricas de um autor enraízam- tensa herança cultural, envolvendo importante e necessária às discussões
se na sua própria vida, na am­biência as contribuições de incontáveis pen- sobre a educação contemporânea.
cultural de sua época, naquilo que sadores, como Platão e Aristóteles, Qual a atualidade de suas ideias?
ele pôde perceber, sentir, conhecer, Descartes e Spinoza, Kant e Hegel, O que faz diferença na sua proposta?

32 história da pedagogia
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Para Vigotski “o
Quais as implicações de seu posicio- conceitos, especialmente, no campo
desenvolvimento não se
namento teórico? Quais podem ser, da psicologia. Para isso, eles exa- orienta para a socialização, mas
hoje, as contribuições de Vigotski, se minam os diferentes contextos de para a conversão das relações
ele mesmo advogou a transformação produção, as preocupações e os ar- sociais em funções psíquicas”
e a produção histórica e sempre re- gumentos levantados pelos vários
novada do conhecimento? pensadores para a sustentação teó-
Em se falando da produção his- rica desse modo de conceber a di-
tórica do conhecimento, vale comen- mensão psíquica do homem (como: tal especificamente humano. Assim,
tar aqui sobre um livro intitulado Le Bon, Janet, Baldwin, Mead). uma das diferenças que se mostra na
The Social Mind. Construction of the Ao final do livro podemos perce- proposta de Vigotski consiste no seu
Idea (A mente social. Construção da ber como as elaborações de Vigotski modo de explicar a emergência histórica
ideia), publicado em 2000, por Jaan não só se coadunam com, e reúnem de do psiquismo humano e a dinâmica de
Valsiner e René Van der Veer, dois maneira consistente, muitas das con- seu funcionamento.
renomados comentaristas e divul- tribuições de seus contemporâneos, Discutindo com psicólogos, re-
gadores de Vigotski. Eles apresen- mas adensam argumentos em rela- flexólogos, filósofos, médicos, lin-
tam um minucioso estudo analítico ção a elas. Ou seja, nas elaborações de guistas e antropólogos da época, ele
das propostas de vários pensadores Vigotski encontramos uma discussão argumenta sobre a plausibilidade de
que, na passagem do século XIX e a explicitação de argumentos que se pensar a sociogênese do desenvolvi-
para o século XX, debatiam a no- nos ajudam a compreender, tanto no mento humano e do conhecimento, en-
ção de mente social. Essa ideia se âmbito da história quanto na esfera fatizando a importância de se conce-
dissemina e ganha relevo especial do desenvolvimento individual, a for- ber e investigar o desenvolvimento
nas últimas décadas do século XX. mação social da mente. ontogenético, do indivíduo singular,
O objetivo de Valsiner e Van der Se muitos dos autores admitiam profundamente afetado pela cultura
Veer é compreender a construção a dimensão social da mente, eles não e pela história. Em um de seus tex-
histórica da noção de psiquismo so- necessariamente consideravam a tos, ele diz: “Modificando a conhe-
cial e dar visibilidade à trama dos gênese social do funcionamento men- cida tese de Marx, poderíamos dizer

história da pedagogia 33
Lev Vigotski CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO

que a natureza psíquica do homem as funções psíquicas superiores”. Psicologia e educação:


vem a ser o conjunto das relações Os esforços de compreensão do desenvolvimento
sociais convertidas em funções da desenvolvimento histórico da cons- cultural e organização
personalidade [...]. Vemos nessa ciência e a incorporação do princí- dramática do psiquismo
tese a expressão mais completa de pio da sociogênese a partir das bases Ao levarmos em consideração a
todo o desenvolvimento cultural materiais da existência possibilitam repercussão de conceitos já ampla-
[...] Diferentemente de Piaget, su- um salto qualitativo nas suas elabo- mente discutidos (internalização,
pomos que o desenvolvimento não rações teóricas e na sua argumen- mediação, ZDP, elaboração concei-
se orienta para a socialização, mas tação com pesquisadores nos mais tual etc.), optamos por destacar aqui
para a conversão das relações so- diversos campos de investigação. três noções que se encontram pro-
ciais em funções psíquicas [...]. A E Vigotski conclui: “A história do fundamente relacionadas na concep-
pergunta que fazemos é como o co- desenvolvimento cultural nos leva de ção de Vigotski – desenvolvimento
letivo cria, em uma ou outra criança, cheio aos problemas da educação”. cultural, psiquismo e drama. Ana-
lisaremos posteriormente algumas
implicações dessas relações.
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No “Manuscrito de 29” (texto


traduzido diretamente do russo para
o português e publicado na revista
Educação e Sociedade em 2000), Vi-
gotski propõe que a psicologia seja estu-
dada em termos de drama. E afirma: “as
funções mentais são relações sociais
internalizadas”. Levanta, assim, a hi-
pótese de uma “organização dramá-
tica do psiquismo humano” e busca
explicar essa organização como re-
sultante da dinâmica das relações so-
ciais vivenciadas pelos indivíduos.
A procura de uma explicação
plausível para a emergência histó-
rica da consciência, nos planos indi-
vidual e social, levou os pesquisado-
res da chamada troika, na psicologia
russa, aos estudos sistemáticos dos
processos psíquicos. Com base nas
contribuições dos neurologistas
Anokin e Goldstein, Vigotski e Lu-
ria se referem ao conceito de sistema
funcional complexo, que possibilitava
a compreensão de uma relação dinâ-

Vigotski fala na história do


desenvolvimento cultural da criança
e busca articular aspectos que
ele considerava separados
na psicologia da época:
comportamento, personalidade;
vontade, consciência

34 história da pedagogia
mica e de interconstituição entre as sonalidade como obra social, enfati- gicas e criam a base para a estrutura
funções psicológicas. O argumento é zando que a personalidade individual social da personalidade. “Eu sou uma
que as funções psicológicas não fun- se constrói nas relações do indivíduo relação social comigo mesmo; A dinâ-
cionam apenas de forma isolada ou com outras pessoas com as quais ele mica da personalidade é drama”, afirma
paralela, mas se afetam, entram em interage. Outras formulações tam- Vigotski, no “Manuscrito de 29”.
conexão e, nesse processo, promo- bém sustentam essa posição: “O ho- Angel Pino expande essa ideia no ar-
vem profundas e significativas mu- mem é geneticamente social; o outro tigo “O Social e o Cultural na Obra
danças no psiquismo humano. é um eterno parceiro do ‘eu’”, afirma Vigotski”: “[...] Podemos então di-
Falar de psiquismo, para Vigotski, Wallon. “O homem é um agregado zer que as funções psicológicas são
é falar, portanto, do conjunto das fun- de relações sociais”, escreve Marx. a conversão, na esfera privada, da
ções psicológicas (percepção, aten- “Para nós, o homem é uma pessoa significação que as posições sociais
ção, memória, imaginação, raciocínio social”, diz Vigotski. têm na esfera pública [...] as funções
ou pensamento lógico, linguagem, Em seus esforços de elaboração psicológicas são função da significação
emoção etc.), de seu funcionamento teórica, Vigotski propõe a emer- que as múltiplas relações sociais têm
e interconstituição intrinsecamente gência da dimensão semiótica, isto para cada um dos envolvidos nelas,
relacionados às condições e formas é, a produção de signos, o princípio com todas as contradições e conflitos
de organização das relações sociais.
Essa concepção permite a Vigotski
defender e ancorar teoricamente a No plano individual, as formas de interação
noção de que as funções psicológicas
superiores são ao mesmo tempo in- verbal participam da constituição das funções
telectuais e afetivo-volitivas. “Tudo psicológicas e criam a base para a estrutura
reside no fato de que o pensamento social da personalidade do indivíduo
e o afeto representam partes de um
todo único – a consciência humana.”
A relação de interfuncionalidade e da significação, como chave para se que elas envolvem em determinadas
interconstituição das dimensões in- com­preender a conversão das rela- condições sociais”.
telectual e emocional, que se torna ções sociais nas funções psicológicas. Vigotski comenta e elabora sobre
possível na história humana, redi- Vigotski apresenta uma aproximação o drama. Faz alusão aos personagens
mensiona as condições e possibilida- entre signo e instrumento, ressal- da Commedia del’Arte, que já fazem
des de desenvolvimento. tando as características da atividade parte de nosso imaginário, como a
Vigotski fala na história do desen- mediada. O signo, instrumento da ati- Colombina e o Arlequim, e assinala
volvimento cultural da criança e busca vidade psicológica, opera de maneira os papéis fixos que cristalizam dife-
articular aspectos que ele considerava análoga ao papel de um instrumento rentes dramas: a mulher apaixonada,
separados na psicologia da época: no trabalho. A essência desta atividade o homem venturoso que tem o seu
comportamento, personalidade; von- consiste no fato de os homens serem amor... Para ele o drama com papéis
tade, consciência. Em vários momen- capazes de afetar o seu próprio com- fixos representa a antiga psicologia,
tos de seu trabalho ele argumenta portamento através dos signos. Aqui cuja noção de uma personalidade fixa
que “o homem domina os processos se coloca a fundamental importância ele critica. Ao fazer referência à psi-
de seu próprio comportamento. Mas da forma verbal de linguagem que, ao cologia de Politzer, Vigotski analisa
a premissa imprescindível para esse viabilizar formas específicas de gene- os papéis sociais – de juiz, marido – e
domínio é a formação da personali- ralização e comunicação, possibilita a hierarquia das funções psicológicas
dade [...]”. Ele busca os fundamentos também a regulação do comporta- que muda nas diferentes esferas da
dessa formação nas relações sociais. mento e o planejamento de ações. vida social. A ordem, a hierarquia e as
As contribuições de P. Janet e J. A palavra faz a mediação e pode relações entre pensamento e desejo
Baldwin são particularmente rele- regular as relações entre as pessoas. mudam de acordo com as posições
vantes. Eles trabalham com a ideia Operando no plano individual, as for- sociais que os sujeitos ocupam.
de socius, um participante social da mas de interação verbal participam Interessante acompanhar a aná-
vida individual, e propõem a de per- da constituição das funções psicoló- lise que Vigotski faz de Hamlet. En-

história da pedagogia 35
Lev Vigotski CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO

quanto a crítica literária apontava teóricas, portanto, traziam em seu


a covardia e a loucura na inação do âmago a questão da educação.
herói, Vigotski se torna sensível ao É da educação formal que vamos
drama do sujeito que deve matar, falar agora e optamos, para tanto,
mas não mata; deve vingar a morte por fazer um comentário analítico de
do pai, mas adia a decisão; duvida, di- uma cena do cotidiano escolar. Vimos
vaga, hesita. Comprovada a traição, ressaltando neste texto duas ideias
a vingança é socialmente legitimada. que consideramos fundamentais nas
No entanto, ele posterga a ação. O elaborações teóricas de Vigotski: o
drama se converte em tragédia. desenvolvimento cultural e a organi-
Hamlet é, para Vigotski, o ho- zação dramática do psiquismo. Pen-

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mem que, prototipicamente, vivencia sando nas possíveis repercussões, ins-
múltiplos papéis: é filho e sobrinho; pirações e implicações dessas ideias
louco e sofredor; príncipe e covarde. nas relações de ensino, procuramos
Constitui-se em diferentes posições, desdobrar e dar visibilidade a três
imerso numa complicada trama de aspectos que nos parecem fecundos
relações e acontecimentos. A per- para a discussão: 1. a posição dos su-
sonagem de Shakespeare sintetiza o jeitos e a produção de sentidos na ati-
drama humano ao mesmo tempo que vidade humana; 2. o desenvolvimento
mostra a dinâmica das relações so- e a dinâmica das funções superiores; bastante determinado: “Ô dona eu
ciais constitutivas da personalidade e 3. os instrumentos técnicos e semi- sei, eu sei!” A professora hesita e
individual. Condensa as tensões e as óticos no processo de apropriação da concorda: “Tá! Você é o poeta! Vai
contradições da condição humana cultura e do conhecimento. aparece lá o poeta. Poeta tem que
e, nesse sentido, desfaz dualismos: ser bem sério”. O aluno posiciona-se
a dimensão individual é intrinseca- Cena ao lado da lua e do sol, sorrindo,
mente social; a biológica é cultural; Quarta série do ensino funda- tenta certificar-se de que fora mesmo
a racional é emocional. Vida e arte se mental, escola pública, rede estadual escolhido: “Qualquer um?”. O aluno
entretecem, se confundem. de ensino. A professora da turma sorri, arruma a camisa dentro da
O drama humano, o sentimento propõe aos alunos a leitura e a dra- bermuda. Um colega ainda tenta
trágico da vida, a literatura e a arte re- matização de um poema. Os papéis intervir: “Deixa eu falar um”, e põe
percutem profundamente e se transfor- são distribuídos e uma aluna inicia a mão em concha em seu ouvido. O
mam nas reflexões teóricas de Vigotski. a leitura. A cena é registrada em ví- aluno se vira, desvencilhando-se,
A pesquisa que ele realiza no campo deo por uma pesquisadora, ex-pro- parece querer se concentrar e se
da psicologia, e que se impõe como fessora da escola. preparar para recitar o poema.
uma busca de compreensão da história Cruza os braços sobre o peito e
do homem e da produção da cultura Uma aluna lê timidamente: “Um faz uma cara séria. A narradora
se articula, dialeticamente, à cons­ poema animado anima a alma, a lua recomeça: “Um poema anima a alma,
ciência dramática de sua própria vida. inspira o poeta...”. Pesquisadora, a lua inspira o poeta...”. O aluno-
professora, e alunos se surpreendem: poeta declama: “Olhos que penetram
Relações de ensino e instituição haviam esquecido o poeta! A em minha alma e me aquecem. Corpo
escolar: implicações e inspirações professora indaga: “Quem quer que me enreda de beleza no mundo
de uma posição teórica arriscar um versinho?”. Várias dos mortais. Enrolo-me em seus
É importante primeiramente crianças se oferecem. Um aluno, sem braços, em seu corpo e assim sinto
lembrar que uma preocupação cen- esperar consentimento, diz: “Subi todo seu amor!” Palmas, risos e
tral nos trabalhos de Vigotski, desde e desci não te esqueci! Subo e desço assobios. Todos parecem surpresos. A
o início, dizia respeito aos modos de não te esqueço!”. Todos parecem não professora diz: “Que poeta, hein?”. A
ensinar, aos modos de estudar as rela- prestar atenção. Até que, um dos pesquisadora murmura: “Onde você
ções de ensino, e aos resultados ou efei- alunos levanta-se em frente à câmera arrumou esse versinho?”. Ele, com
tos dessas relações. Suas elaborações e caminha em direção à professora um sorriso no rosto, afirma: “Ah, eu

36 história da pedagogia
Vigotski analisa os papéis
sociais – de juiz, marido – e
a hierarquia das funções
psicológicas que muda nas
diferentes esferas da vida social

definem as condições e os modos de


participação e apropriação do co-
nhecimento nas relações de ensino:
quem ensina e quem aprende, quem
sabe e quem não sabe, quem pode e
quem não pode ocupar quais lugares.
Como esse aluno, com essas marcas,
pode ocupar um lugar de poeta?
O que não aparece na cena des-
crita são pressupostos ou preconcei-
tos que se mantêm contidos, oculta-
decorei de um cartão telefônico”. e modos de participação no grupo, dos com relação ao aluno, mas que se
As crianças leem e encenam um um dos alunos se aproxima da pro- insinuam, de repente, na hesitação da
poema: podemos dizer que temos fessora, afirma saber e querer arris- professora e na reação de surpresa do
aqui uma cena (dramatização do car um verso. Protagonista inusitado grupo. Problematizar a surpresa con-
poe­ma) dentro de outra cena (situa- na situação, surpreende a todos. Por tribui para explicitar aspectos impor-
ção vivenciada em aula), que aparece quê? O que produz esta surpresa? tantes que significam na situação.
ainda registrada em outra instância, O aluno desempenha seu papel
o vídeo. Mostra-se, então, um inte- com firmeza e desenvoltura. A sur- Processos de interconstituição
ressante jogo de cenas, possibilitado presa decorre do inesperado de seu Mesmo sendo considerado um
pelas tecnologias. Operando com o desempenho, que não corresponde às dos mais “difíceis” da classe, o aluno
zoom de uma câmera imaginária, va- imagens correntes que os outros fazem é acolhido pela professora apesar de
mos nos aproximar da composição de sua pessoa. É importante levar em sua hesitação. Ela conhece sua histó-
da encenação do poema. conta, então, a história desse sujeito ria de vida. Essa história, no entanto,
Os alunos devem representar o que se entretece à rede de demandas não é usada para justificar a indispo-
sol e a lua. Mas é para o “poeta es- e expectativas na prática escolar. As sição do aluno frente às tarefas e ao
quecido” que vamos orientar nossas imagens que caracterizam esse aluno conhecimento escolar. Compreen-
análises. Vejamos: poeta é o autor do correspondem à noção do insucesso der essa história é compreender o
poema, aquele que dá alma às pala- escolar: é fruto de “família desestru- sujeito em seu processo de constitui-
vras, dá alma às imagens, aquele que turada”, é “malcuidado” e “desinteres- ção e mudança em meio às con(tra)
cria poesia. Mas é também a perso- sado”, “desatento” e “problemático”. dições que se (im)põem na vida e na
nagem, aquele a quem o sol e a lua Se as imagens se constituem so- escola. Isto abre a possibilidade de
afetam e animam. Na encenação, o cialmente, no jogo de relações, no e construir outras histórias, viabili-
lugar de poeta, móvel e transitório, pelo discurso, na e pela palavra do zar outros modos de participação e
permanece vazio. Quem dentre os outro, como essas palavras e ima- constituição da subjetividade. Esse
alunos pode ou deseja assumir o pa- gens afetam os sujeitos nesse pro- aluno, que se dispõe a assumir o lu-
pel? A professora orienta as ações cesso? Como interferem no sentido gar de um poeta, mostra-se concen-
das crianças; indica alguns alunos desta atividade, nos modos de apro- trado, inspirado; encanta, emociona.
que se recusam, enquanto outros, priação do conhecimento dentro e A palavra da professora, as palmas,
que não são chamados, recitam ri- fora da escola? Palavras e imagens assobios e elogios dos colegas vão co-
mas. Em meio às diferentes posições afetam os sujeitos e muitas vezes locando o aluno em outra posição: o

história da pedagogia 37
Lev Vigotski CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO

A preocupação com a dinâmica


dos aspectos afetivo e intelectual
marca os trabalhos de Vigotski

ção professor-aluno. O problema não


é ser ou não ser afetivo, ter ou não
ter afeto, e demonstrá-lo ou não para
seus alunos. A questão passa a ser
outra. Falamos aqui da emoção que
participa intrinsecamente na inter-
constituição do funcionamento men-
tal. Falamos daquilo que mobiliza e
afeta os sujeitos nas relações com os
outros e com o conhecimento, e dos
modos como os sujeitos se implicam
e se envolvem nessas relações.
Assim, a história do aluno, a mu-

©Reprodução
dança de lugar, a mudança de posi-
ções nessa intrincada trama produ-
zem novos sentidos e significados,
novas relações entre as funções,
aluno-poeta, o poeta. Ser poeta muda culado à situação. Por outro lado, cha- novas relações entre pensamento e
a relação, muda o sentido da ação. Ser mava a atenção para o fato de que a emoção, que reverberam no modo
aceito, poder falar, ter voz, ser ouvido, mudança de papéis, ao incidir na dinâ- como ele passa a se relacionar com
afeta não só o aluno-poeta, mas os su- mica afetivo-volitiva que, por sua vez, o conhecimento – do outro, de si, do
jeitos em relação. Neste processo de afeta a dinâmica intelectual, (trans) mundo, da escola. O conhecimento
interconstituição, o social e o pessoal forma o sentido, a própria experiên- passa a fazer sentido para o sujeito.
vão se (trans)formando dialeticamente, cia e a personalidade. A personalidade
abrindo a possibilidade para que as ex- não se constrói como um papel fixo, A produção do conhecimento
periências sejam (cri)ativamente (re) de forma cristalizada, objetificada, O que pode surpreender ainda na
significadas num processo singular e mas vai sendo dialeticamente forjada, situação analisada é a possibilidade
ao mesmo tempo coletivo. Essa dinâ- emergindo da interação entre várias desse aluno declamar o poema que
mica das relações constitui-se como imagens, papéis e relações sociais. declama, referir ao poeta que refere.
um drama, que, vivenciado no âmbito Na relação de ensino, a prática Ele declama Fernando Pessoa e o su-
das relações interpessoais, torna-se de leitura e a dramatização do texto porte do poema é um cartão telefô-
significativo na esfera individual. literário possibilitam uma mudança nico. O aluno poeta nos leva a refle-
A preocupação com a dinâmica dos de papéis (aluno malsucedido – aluno tir sobre como funcionam as práticas
aspectos afetivo e intelectual marca poeta) e uma mudança na dinâmica de memória na sala de aula e sobre o
os trabalhos de Vigotski. Em suas afetivo-intelectual (desinteresse – que tem sido esquecido nas práticas
investigações ele analisou uma série interesse; indisposição – disposição; escolares. A situação nos leva pen-
de experimentos que visavam a estu- desafeto – afeto). Numa íntima re- sar em como instrumentos técnicos
dar a atividade da criança durante a lação de conflito e interconstituição e signos afetam e constituem a me-
solução de tarefas. Ele aponta que o – pensamento, memória e emoção mória humana; e a indagar sobre os
sentido da situação era de fundamen- acompanham-se, (re)compõem-se objetos como lugares de externali-
tal importância e determinava para a numa (in)tensa relação dialética. zação da memória, como suportes de
criança toda a força e a dinâmica do A emoção, aqui, não se reduz à memória. Esse foi um dos assuntos
impulso afetivo e do pensamento vin- tão proclamada afetividade na rela- particularmente caros a Vigotski em

38 história da pedagogia
seus estudos sobre a mediação. escola – que abrangem desde os re- no modo como ele acolhe, no campo
Encontrar fragmentos da obra cursos considerados mais primários, de suas elaborações teóricas, o mo-
literária disseminada e reproduzida como o giz, o lápis e o papel, cader- vimento tenso e dialético de (trans)
num cartão telefônico também pode nos e livros, até as novas tecnologias formação social da mente; em como
surpreender. O que parecia inconcebí- de (in)formação – leva-nos a indagar ele concebe o desenvolvimento cul-
vel até pouco tempo já vai se tornando não só sobre o que os homens fazem tural e explica a constituição histó-
ultrapassado. Hoje, não são mais os com os instrumentos, mas também rica do psiquismo humano; em como
cartões telefônicos que se carregam sobre o que os instrumentos fazem ele nos ensina a ver, a analisar, a in-
nos bolsos. São os celulares multifun- com os homens, afetando e transfor- vestigar e a compreender os modos
cionais, que carregam textos, fotos, mando as práticas sociais. de participação dos sujeitos na pro-
música, dicionário, catálogo, mapas, Vamos percebendo que se, por um dução coletiva de conhecimento.
internet. Os usos das tecnologias são lado, os novos recursos como a mídia e
rapidamente incorporados, enquanto a informática são fundamentais como
parecem ser cada vez mais ignorados e conteúdo da educação das novas ge- Ana Luiza Bustamante Smolka é mestre pela
University of Arizona; doutora em Educação
distanciados os conhecimentos que as rações, por outro lado, não podemos pela Unicamp e pós-doutora em Psicologia da
viabilizam, as produzem, as sustentam. descartar as muitas outras formas de Educação pela Clark University. É professora
Os usuários, os consumidores, os produção humana: o poema, o livro, na Faculdade de Educação da Unicamp, onde
integra o Grupo de Pesquisa Pensamento e
portadores do conhecimento, parecem o teatro... Mudam os saberes, mudam Linguagem. É autora entre outras obras de
ter o mundo cada vez mais rápido na os suportes, mudam as práticas ins- A Criança na Fase Inicial da Escrita (Cortez,
1993), coautora de A Linguagem e o Outro no
palma da mão. Têm a memória no critas nos corpos, mudam os gestos... Espaço Escolar (Papirus, 1993) e organizadora
bolso, podem ter acesso à informação mudam também os modos de ensinar do Cadernos Cedes, n. 50, sobre as “Relações de
Ensino na Perspectiva Histórico-Cultural”.
em tempo real e pesquisar qualquer e de aprender. Mas parecem persistir,
assunto on-line. As práticas, o conhe- nas práticas e na história humana, as Lavínia Lopes Salomão Magiolino foi
cimento, encontram-se condensados relações de ensino. professora do ensino fundamental na rede
pública, é pedagoga e doutora em Educação
num pequeno apetrecho portátil. Os Uma importante contribuição de pela Unicamp, onde defendeu uma tese
gestos abreviam-se num aperto de bo- Vigotski parece se mostrar, assim, sobre as emoções na obra de Vigotski (2010).
tão, num toque na tela. É nesse sentido
que ressaltamos o estatuto dos instru-
©Reprodução

mentos técnicos e semióticos na his-


tória da produção cultural do homem,
e as condições de acesso e utilização
dessa produção nas relações de ensino.
As ideias de Vigotski, que enfatizam
o aspecto constitutivo e transforma-
dor dos instrumentos e signos na ati-
vidade e no psiquismo humano, nos
ajudam a enxergar, a problematizar e
a investigar essas questões.
A compreensão do impacto que
tem a utilização dos inúmeros ins-
trumentos técnico-semióticos na

Mudam os saberes, mudam os


suportes, mudam as práticas
inscritas nos corpos, mudam
os gestos... mudam também os
modos de ensinar e de aprender

história da pedagogia 39
Lev Vigotski O LEGADO – I

A CONSTRUÇÃO
CULTURAL DA
IMAGINAÇÃO
por Zilma de Moraes Ramos de Oliveira

A importância das relações sociais na formação da


consciência e do sentido de si pelo sujeito reside
© Reprodução
em serem elas a matriz de introdução do recém-
nascido no conjunto de signos presente na cultura

A
vida de Vigotski, segundo Alex manos. Para ele, todas as funções psicológicas
Kozulin, apresenta uma notável superiores – o modo de memorizar, de resolver
e sugestiva qualidade literária, problemas, de localizar-se espacialmente, de ela-
que repousa sobre uma tensão borar conceitos, de sensibilizar-se por algo ou
criativa entre um pensador e a por alguém – originam-se da internalização de
nova sociedade que se delineava em seu tempo. relações sociais envolvendo o sujeito e seus par-
Desafiado a refazer as bases da psicologia que ceiros em uma cultura, tema que começou a ser
então se conhecia no Ocidente, ele partiu de um debatido no final do século XIX e início do XX
aprofundado estudo crítico que fez a várias áreas por autores como James Baldwin e Pierre Janet,
do conhecimento e elaborou um rico pensamento e que ele reformulou a partir de Marx.
sobre as bases históricas e culturais da formação A importância das relações sociais na forma-
do Homem. ção da consciência e do sentido de si pelo sujeito
Vigotski buscou identificar os aspectos ca- reside em serem elas a matriz de introdução do
racterísticos da conduta e do conhecimento hu- recém-nascido no conjunto de signos presente

40 história da pedagogia
Para Vigotski, a emergência da
linguagem verbal, de um agir
na cultura. Estes não são criados ou A apropriação desses signos e comunicacional, vai regular a
descobertos pela criança, mas são o uso deles pela criança como re- atividade em geral da criança
por ela apropriados desde o nasci- cursos de sua atividade psicológica
mento na sua relação com parcei- reestruturam esta atividade, inten-
ros mais experientes, os quais atri- sificando e ampliando suas possibi-
buem determinadas significações lidades, assim como o emprego de ções cotidianas utilizando formas de
a suas ações em situações em que ferramentas como a pá, o martelo ação mais complexas e sofisticadas.
estão presentes determinadas for- etc. transforma a atividade natural Esse olhar privilegiado para as
mas de relações sociais e de uso de dos órgãos dos sentidos e dos ór- interações sociais leva Vigotski a
signos na execução de tarefas (ou gãos motores. Conforme a criança investigar a ligação entre cognição
seja, formas de desempenho de pa- passa a utilizar signos socialmente e emoção, e a nos convidar a apre-
péis determinados: de pai, de juiz, e construídos e aprendidos em sua ex- ender as ações humanas na interface
também de perguntador, apoiador, periência anterior para orientar seu dos motivos, necessidades, inclina-
opositor e outros). comportamento, ela reage às situa- ções e impulsos pessoais presentes

história da pedagogia 41
Lev Vigotski O LEGADO – I

nas experiências diárias dos indi- que os parceiros, particularmente com isso compreender a ideia vi-
víduos. Segundo ele, os fenômenos a criança pequena, têm dificuldade gotskiana de que “atos interindivi-
emocionais podem ser considerados de perceber sua ação separada da do duais criados na situação cognosci-
como a resposta do sujeito diante de parceiro. Com a experiência, há pro- tiva convertem-se assim em ações
uma situação existente ou possível, gressiva individuação à medida que intraindividuais da criança”.
que favorece ou não uma atividade os parceiros apreendem a totalidade De início gesto e palavra expres-
vital e corresponde, ou não, a certas da situação, diferenciando seus pa- sam uma relação com um objeto ou
normas e orientações de valor. Em péis conforme imitam o outro ou o uma situação, nexo esse construído
cada ideia, continua ele, está contida, confrontam, apropriando-se do polo pelo adulto no processo de comuni-
sob uma forma elaborada, a relação que lhe faltava na tarefa, ou seja, das cação com a criança, que usa a palavra
afetiva do homem com a realidade instruções, questionamentos e apon- para agir sobre ela. Depois processos
nela representada. tamentos que o parceiro lhe ofere- verbais adquiridos e dominados pela
O foco nas interações com ou- cia, podendo assim fazer indicações criança de início como atos sociais
tros indivíduos levou Vigotski a a si mesmo. tendentes à satisfação de determi-
reconhecer que a apropriação da Uma fala egocêntrica, ou para si nadas necessidades transformam-se
linguagem de seu grupo social em mesmo, marcaria o estágio de transi- em instrumentos do pensamento e
decorrência destas interações cons- ção de uma fala social dirigida a ou- de toda a regulação do seu compor-
titui o processo mais importante no tros sujeitos para uma fala interna, tamento. A fala começa a preceder
desenvolvimento humano. A emer- dirigida a si mesmo: de mediadora o comportamento, indicando sua
gência da linguagem verbal, de um do comportamento social dos par- função planejadora: a criança passa
agir comunicacional, vai regular a ceiros para mediadora do comporta- a empregá-la para fazer indicações a
atividade em geral da criança, pelo mento individual de cada um deles. si mesma. Mais tarde a fala é interio-
estabelecimento de um acordo sobre O desenvolvimento humano é, rizada fundindo-se ao pensamento,
os objetivos e as formas de ação mais nessa concepção, uma tarefa con- tornando-se veículo de autodirecio-
complexas, que podem ser então pla- junta e recíproca. Tentativas do namento , assumindo um caráter de
nejadas, avaliadas. bebê de realizar um movimento de diálogo interno por meio do qual o
Os adultos interagem com as agarrar um objeto são interpretadas sujeito “fala com seus botões”.
crianças estimulando-as a incorpo- por um membro adulto de seu en- A linguagem permite que o
mundo seja refratado na consciên-
cia através dos significados culturais
Os adultos interagem com as crianças selecionados pelos sujeitos e por eles
estimulando-as a incorporar, desde o apropriados com um sentido pró-
prio embora impregnado de valores
nascimento, os significados e conhecimentos e motivos socioculturais e guiado
construídos historicamente em uma cultura igualmente por elementos afetivos.
No sistema funcional de participa-
ção com parceiros mais experientes,
rar, desde o nascimento, os significa- torno social como um gesto de indi- a criança pode analisar a experiência
dos e modos de operar com a informa- cação do objeto, sendo provável que conjunta, diferenciar os papéis en-
ção que foram sendo historicamente o adulto tome o objeto e o entregue volvidos na solução da tarefa e in-
construídos em uma determinada ao bebê. Considerado um signo pelo dicar formas de agir para si própria.
cultura. Isso se dá por meio de ges- parceiro, o movimento do bebê gra- Esta participação com parceiros em
tos indicativos e de questões estru- dativamente se aperfeiçoa e se torna tarefas culturalmente estruturadas
turadoras trocadas pelos parceiros um signo para a própria criança, que com seus complexos significados
em tarefas conjuntas (brincar, deco- passa a fazer gesto de indicar uma cria uma “zona de desenvolvimento
rar nomes, prestar atenção a sons, ação ao parceiro esperando receber proximal”, ou seja, um processo
entender uma piada, descrever uma o objeto como resposta e, depois, intersubjetivo em que se formam
gravura etc.). Nessas situações, a ati- a indicar a si mesmo a forma de “sistemas partilhados de consciên-
vidade interpessoal é tão integrada executar a ação esperada. Pode-se cia” culturalmente elaborados e em

42 história da pedagogia
contínua transformação. Em tais si-
tuações, os modos do adulto de agir
e lidar com o conhecimento e de
envolver a criança por meio de ins-
truções, apontamentos e representa-
ções interagem com a gestualidade,
a emoção e o raciocínio das crianças,
o que promove seu desenvolvimento.
Para explicar isso Vigotski retoma a
questão da imitação.

A cultura cria a brincadeira


que cria a cultura
Preocupado em estudar o psi-
quismo não como um dado primor-
dialmente orgânico, mas como uma
construção cultural, investigando
como representações coletivas e
modos de significar o mundo e a si
mesmo são apropriados pelas crian-
ças por meio de diferentes práticas
sociais, Vigotski lançou-se a discutir
a brincadeira infantil, em especial o
faz-de-conta, ou “jogos de papéis”.
Para ele, a brincadeira infantil cons-
titui a principal atividade promotora
do desenvolvimento da criança no
período pré-escolar. Pelas caracterís-
ticas de sua realização, ela promove
© Reprodução

uma série de aprendizagens e revolu-


ciona o desenvolvimento da criança
em pontos fundamentais. Ela seria
uma oportunidade para recriação da
Os modos do adulto de agir e
cultura em um contexto interacio- sua rede de experiências sociais, e lidar com o conhecimento e de
nal cheio de conflitos, de posições transformando-o em um mediador envolver a criança por meio
diversas e de inerentes negociações. interno para novas ações. de instruções, apontamentos e
Brincar dá à criança oportunidade Brincar possibilita à criança su- representações promovem
para refletir sobre as regras sociais perar importantes restrições em seu desenvolvimento
e reconhecer não apenas o seu papel, suas possibilidades de agir. Na brin-
como também o de seus parceiros, cadeira, os objetos perdem sua força
à medida que os observa durante a determinadora sobre o comporta- vocada pelo forte imbricamento dos
ação e assume o papel do parceiro mento da criança, que começa a po- aspectos motivacionais e motores de
(em geral indivíduos mais experien- der agir independentemente daquilo sua atividade, pode ser mediada por
tes) e atribui a outro seu próprio que ela percebe. Embora na vida imagens por ela elaboradas a partir
papel, a uma boneca por exemplo. real a ação domine o significado, de suas experiências anteriores em
Com isso, a criança vai além de seu na brincadeira é o significado que uma cultura concreta e pode transi-
comportamento diário, experimen- domina a ação. Com isso, a criança tar pela fantasia culturalmente im-
tando um dado modelo, inicialmente pequena, que está limitada em suas pregnada. Com isso a ação mediada
diferente de si, mas que é parte de ações pela restrição situacional pro- por regras apropriadas pela criança

história da pedagogia 43
Lev Vigotski O LEGADO – I

no cotidiano começa a ser determi- impulsos imediatos e a se controlar


nada por ideias, embora ainda com pelo bem da brincadeira, criando um
suporte de objetos, indumentárias, desejo de segunda ordem, um afeto
ou outros mediadores externos. que incorpora outro afeto. Assim, as
Dessa forma, a brincadeira atua crianças criam necessidades e dese-
como um mediador na formação da jos relacionando-os a um “Eu” fictí-
representação, desde que seu funcio- cio e se apropriam de normas sociais.
namento possibilite a distinção en- Isso possibilita a criação de uma
tre um significado e um objeto real, situação imaginária que tem de se
à medida que os gestos da criança articular com as limitações coloca-
lhe atribuam a função de substituto das sobre as possíveis ações que são
adequado e criem uma definição trazidas à brincadeira pelas crian-
funcional de conceitos e de objetos, ças. Dessa maneira a brincadeira é
utilizando alguns objetos como brin- simulta­neamente mais real e menos

Vigotski defende que brincar, mesmo


que sozinho, constitui uma “zona de
desenvolvimento proximal” para a criança,
um espaço de relações interpessoais

quedos e executando com eles um parecida com a vida real. Ela pro-
gesto representativo. Ao participar move uma “ilusória liberdade”.
© Reprodução

na criação de uma situação de faz- Vigotski defende que brincar,


de-conta na qual ela encena situações mesmo que sozinho, constitui uma
extraídas da realidade utilizando re- “zona de desenvolvimento proxi-
gras de comportamento socialmente mal” para a criança, um espaço de
constituídas e transmitidas, a criança relações interpessoais no qual um situações interativas e veículos de
envolve-se em um mundo ilusório parceiro mais experiente, ou seja, significações, portanto, de comuni-
e imaginário onde desejos não rea- aquele que tem seu comportamento cação. Nesse sentido têm um valor
lizáveis podem ser realizados, onde mais mediado pelo conjunto de sig- funcionalmente privilegiado para
papéis de diferentes dramas podem nos presente em uma cultura, não evocar uma ação, contribuindo para
ser desempenhados pela criança em precisa estar concretamente pre- a construção de imagens mentais. A
confronto com os papéis que as ações sente, mas pode ser trazido à situa- imitação do gesto do outro possibi-
de seus parceiros apresentam na si- ção pelas ações das crianças e, gra- lita a reprodução de atos alheios e a
tuação concreta. A brincadeira, dessa dativamente, pelas representações identificação pelo sujeito que imita
maneira, permite que a criança de- dele que elas começam a construir. das indicações neles contidas.
senvolva as motivações de segunda Depois, graças a um lento pro-
ordem necessárias tanto para a escola Fazer igual e fazer diferente: cesso de dissociação, alteração e as-
quanto para o trabalho. o caminho da imaginação sociação de impressões sensoriais,
Ao brincar a criança desenvolve Um outro aspecto que a obra de com gradativa infiltração de ele-
formas de motivação propriamente Vigotski traz para a discussão diz mentos do pensamento conceitual,
humanas. Como toda brincadeira é respeito à interação e ao desenvol- imagens perceptuais reelaboradas
governada por regras (as da ima- vimento da imaginação durante a pela cognição da criança, e por ela
ginação), brincar constrange as brincadeira. Assim como ressalta- afetivamente significadas, servem de
crianças ao mesmo tempo em que as ram Mead e Wallon, para Vigotski suporte para a imaginação. Por sua
libera, ou seja, as ajuda a dominar os gestos também são recortes de vez, o maior domínio da fala amplia

44 história da pedagogia
Na brincadeira, os objetos
perdem sua força determinadora
sobre o comportamento da
criança, que começa a poder
agir independentemente
daquilo que ela percebe

meninos, examinam em separado caixas


de madeira cheias de placas de diferentes
tamanhos, formas e espessuras. Uma das
meninas bate com uma placa de madeira
nos vários lados da caixa que examina.
Alguns segundos depois, um dos me-
ninos começa a bater no fundo de sua
caixa com uma placa e o faz por algum
tempo, observado pelas demais crianças,
que largam os objetos que seguram e pe-
gam placas de madeira e batem com elas
em uma das caixas, o que cria um jogo
de sons que muito as divertem”.
Em outras situações a imitação
imediata, apoiada na percepção dos
parceiros, evolui de uma sincroni-
zação dos ritmos posturais e das
verbalizações dos parceiros até a
criação de brincadeiras cooperativas
mais elaboradas, com reprodução
o desenvolvimento da imaginação ros na realização de uma atividade, dos aspectos básicos dos compor-
da criança e medeia a formação de ela pode passar do que sabe fazer tamentos dos parceiros. Conforme
representações, o que lhe possibilita para aquilo que não sabe. reproduzem alguns gestos básicos,
representar objetos que ela nunca viu Para aprofundar estes pontos, expressões faciais, posturas corpo-
antes, ou dar um novo uso a um ob- apresentaremos uma breve análise rais e verbalizações que são encon-
jeto já conhecido, inserindo-o em um de episódios de interação baseada na tradas em experiências cotidianas,
novo contexto criado pela fantasia. observação do cotidiano de crianças com uso simbólico de alguns obje-
Nesse processo a imitação tem de 2 e 3 anos em uma creche munici- tos, as crianças criam e se submetem
um valor fundamental. Entendida pal de São Paulo para compreender à rede de significados circulando na
em um amplo sentido, a imitação re- o processo de formação sócio-histó- situação e expressos em palavras.
presenta a principal forma pela qual rica da mente humana, segundo a Vejamos outro episódio: “Uma me-
ocorre a influência da aprendizagem visão vigotskiana. nina de 2 anos examina atenta uma
sobre o desenvolvimento. A apren- Imitar, para crianças nessa faixa colher na sala de sua turma na creche,
dizagem é possível onde a imitação de idade, pode ser apenas a reprodu- olha para a pesquisadora que filma a
também é possível. O processo de ção de um gesto e de um ritmo, ou cena , diz: ‘Tomá remedi!’, anda até ela
aprender se dá na medida em que pode incluir alternância entre apre- e pergunta: ‘Remédio, tia?’ indo depois
capacidades ainda não amadureci- sentação e repetição de um compor- brincar com outros objetos. Um minuto
das da criança recebem o impulso de tamento. No exemplo a seguir, isso depois, novamente segurando a colher, a
ações de outros parceiros. Conforme fica bem nítido: “Na creche, quatro menina aproxima-se de outra menina e
a criança imita a ação destes parcei- crianças de 2 anos, duas meninas e dois lhe diz: ‘Pega remédio!’. Depois ela se

história da pedagogia 45
Lev Vigotski O LEGADO – I

© Reprodução
A imitação tem um valor em particular, pelas educadoras da ou seja, papéis anteriormente cons-
fundamental, pois representa a creche: “Uma menina, sentada no chão truídos, no caso, facetas do papel de
principal forma pela qual ocorre
a influência da aprendizagem da sala da creche, bate ritmadamente adulto que cuida de crianças (mãe
sobre o desenvolvimento uma colher dentro de um copo, como que ou educadora), papel esse que é as-
batendo leite em pó. Ela ergue-se e estende sumido por ela ao mesmo tempo
a colher para a pesquisadora , dizendo: em que, por sua ação, atribui à ou-
‘pápa’, tia, pápa!’ Depois ela aproxima tra criança, à educadora, à boneca, o
volta para a pesquisadora e pergunta: a colher de sua boca, finge comer algo papel complementar daquele que é
‘Remédio, tia?’.” e exclama: ‘Bom!’ Olhando para a co- cuidado. Gradativamente, contudo,
A reprodução de situações faz com lher e o copo, diz, sorrindo: ‘Pápa, tia, a criança passa a usar os objetos de
que a criança cada vez mais diferencie pápa! Qué? pápa! Qué?’ Ela faz gesto um modo simbólico, mais mediado
os elementos originais que são trazi- de mexer a colher no copo, põe a colher por imagens, como um substituto
dos para a situação presente. Poste- em sua boca e novamente no copo. Depois para outros objetos diferenciados de
riormente, uma melhor definição de ela olha para um menino que brinca a seu sua forma empírica.
temas pode ser então notada, e o de- lado com um objeto de plástico, e lhe diz: Nesse processo a linguagem tor-
senvolvimento de novas habilidades ‘Pápa, João. Vamos, pápa!’”. na-se um dos elementos reguladores
ajuda as crianças a tornar o enredo Através do uso de um objeto co- fundamentais da interação das crian-
mais completo, com reprodução de nhecido, no caso a colher, a criança ças na medida em que constitui um
mais aspectos dos papéis assumidos, recupera uma situação já vivenciada, substrato material necessário à re-

46 história da pedagogia
presentação e à troca de mensagens. Ao jogar com papéis na atmosfera nados por suas considerações teó­
A entonação, o ritmo, o conteúdo de faz-de-conta criada na brincadeira ricas oferecem novas perspectivas
linguístico configuram elementos simbólica e em outras situações, as para o debate sempre presente entre
cada vez mais básicos ao desempe- crianças necessitam seguir, de uma professores e pais sobre o valor da
nho de papéis. O domínio maior da maneira não necessariamente cons- brincadeira para a aprendizagem e o
fala leva as crianças a sugerirem ciente, um modo de agir que requer desenvolvimento da criança. Seu va-
atividades, conferirem uma hipótese complexas habilidades, lidando com lor como mediador da imaginação, da
sobre a brincadeira, orientarem a posturas, gestos e representações fantasia e da construção do sentido
ação do outro: “é meu!”, “eu sou a emergentes. Com isto, aspectos pes­ de si pela criança colocam a brinca-
mãe, né?”. Assim, a criança pode agir soais – embora socialmente cunhados deira infantil como excelente aliada
não só como ator, mas também como – são elaborados pelo processo dia- dos professores no alcance das metas
diretor de cena e como audiência. lético de imitação/oposição em con- educacionais que eles estabelecem.
À medida que a linguagem verbal textos cujas ações são carregadas de
mais efetivamente faz a mediação do significados históricos. Estes são cap-
processo de coordenação de papéis, turados pelas crianças, à medida que Zilma de Moraes Ramos de Oliveira é livre-
docente em Psicologia do Desenvolvimento,
as crianças mais velhas apresentam elas praticam e dominam novas formas professora aposentada da Faculdade de
um enredo mais bem planejado, no complexas de ação – modos historica- Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
da USP e pesquisadora do Cindedi (Centro
qual algumas representações estão mente construídos de pensar, sentir, de Investigação sobre o Desenvolvimento
sendo mais claramente negociadas: memorizar, mover-se, gesticular etc. Humano e Educação Infantil). Publicou, entre
outros títulos, Educação Infantil: Fundamentos
“Em outra turma da creche, um menino O exame das reflexões de Vi- e Métodos (Cortez, 2002) e Educação Infantil:
de 3 anos finge derramar o conteúdo de gotski e de dados de pesquisa ilumi- Muitos Olhares (Cortez, 1994).
uma garrafa plástica vazia sobre sua
cabeça, dizendo a outro garoto de sua
© http://www.sxc.hu Reprodução

idade: ‘Põe na cabeça, assim!’”.


Cada vez mais se observa a criança
ser capaz de evocar eventos. Ela não
faz isso em separado da ação de outra
criança, mas coordenando suas ações
a partir da atenção conjunta, da con-
sideração da parceira como um estí-
mulo privilegiado para agir. Outros
processos de coordenação de papéis
vão sendo observados, tais como o
uso de novos elementos lingüísticos -
os condicionais e as justificativas - na
interação com parceiros, como forma
de submetê-los a seu próprio enredo
no faz-de-conta, o que aponta para a
apropriação pelas crianças de formas
de exercer o poder sobre os outros.

As crianças necessitam seguir, de


uma maneira não necessariamente
consciente, um modo de agir que
requer complexas habilidades,
lidando com posturas, gestos e
representações emergentes

história da pedagogia 47
Lev Vigotski O legado – II

DOCÊNCIA:
PESQUISA E
INTERVENÇÃO
por Claudia Davis e Wanda Maria Junqueira Aguiar

© Ana Teixeira. Reprodução


Os professores armazenam, formam e
transformam seu repertório de ação, por meio da
elaboração de outros estilos, que vão surgindo pela
observação e reflexão acerca da atividade docente

T
em sido recorrente, no campo formação de professores na França, sugerem
educacional, o reconhecimento que elas se devem ao fato de haver uma oposição
da importância de qualificar entre o que chamam de “epistemologia dos sabe-
melhor o professor para que ele res” (ligada ao saber e ao rigor científico) e “epis-
possa oferecer um ensino capaz temologia da ação” (voltada para a pertinência
de atingir – e beneficiar ‑ todos os seus alunos. profissional), que se reflete na organização e
Aprimorar as habilidades pedagógicas e os co- administração dos institutos universitários de
nhecimentos acadêmicos dos docentes está, por- formação de professores. Para os autores, essas
tanto, na ordem do dia, fazendo com que a for- epistemologias estabelecem uma falsa oposição
mação inicial e a continuada passem a constituir entre saber e ação, que poderia ser sanada me-
aspecto fundamental em praticamente todas as diante uma análise do trabalho e de seu desen-
propostas que buscam melhorar a qualidade da volvimento, ao articular os polos envolvidos.
educação. Marc Durand, Jacques Saury e Philippe A pesquisa que detalharemos aqui tenta fazer
Veyrunes, refletindo sobre as dificuldades de isso, dando visibilidade à atividade realizada pe-

48 história da pedagogia
A linguagem nos faz seres
sociais, pois somos, por meio
los professores, acreditando que se docentes e submetido à aprovação dela, constantemente afetados
ela for compreendida será possível ao Conselho de Escola. A sala de pelo Outro, ao convertê-lo
transformá-la no sentido esperado. aula observada possui 21 alunos, ativamente em nós mesmos
Seguindo os pressupostos teóricos entre 8 e 12 anos de idade. Ana,
da teoria sócio-histórica em psi- a professora indicada pela dire-
cologia e da ergonomia francesa tora, concordou em participar da
atual, analisaremos aqui a atividade pesquisa. Com 30 anos, casada e Como professora polivalente, prefe-
docente de uma professora das sem filhos, a professora é pedagoga ria ensinar a ler e escrever.
séries iniciais. formada na rede de ensino superior
A escola pesquisada é vinculada privada da Grande São Paulo. Há Linguagem e história
à rede pública de ensino da cidade quase doze anos atuava no magisté- Nesse estudo, a linguagem é tida
de São Paulo e conta com um pro- rio, inicialmente em escolas da rede como aspecto central, posto ser por
jeto pedagógico sólido, elaborado particular e, mais tarde, como pro- seu intermédio que se pode anali-
com a participação da maioria dos fessora concursada, na rede pública. sar o trabalho docente e o modo de

história da pedagogia 49
Lev Vigotski O legado – II

pensar, sentir e agir dos professo-


res. Além disso, a linguagem nos faz
seres sociais, pois somos, por meio
dela, constantemente afetados pelo
Outro, ao convertê-lo ativamente
em nós mesmos. Essa atividade de
reconversão do Outro e de afetação
pelo Outro permite que ele se torne
um recurso central para nosso pró-
prio desenvolvimento, questão bem
estudada por Vigotski em Pensamento
e Linguagem, no que concerne ao psi-
quismo. Trata-se, portanto, de veri-
ficar se o desenvolvimento avança
por meio do diálogo que se passa en-
tre três atores (um professor-sujeito,
um seu colega de profissão e um pes-
quisador). O esperado é que se possa
criar, artificialmente, por meio da
interação entre eles, um espaço de
interlocução destinado a produzir ‑
e a mobilizar ‑ recursos dialógicos
© http://www.sxc.hu. Reprodução

novos, capazes de transformar situa­


ções comuns e corriqueiras de tra-
balho. Procura-se, assim, organizar
a conversa dos professores acerca
dos obstáculos que encontram em
seu ofício e, sobretudo, organizar o
diálogo entre eles sobre tais obstácu-
los, incluindo, na análise, aquilo que
poderia ter sido feito ou dito, mas
A atividade é o meio pelo qual
não o foi, bem como aquilo que foi assumir o comando das relações que
o sujeito se constitui, pois ele
feito ou dito para não se fazer o que estabelece com seu processo real de só se mostra ao outro por meio
deveria ser dito ou feito. vida, recuperando o controle sobre da atividade e, por sua vez, os
Esse é, de fato, o trabalho do pes- ele. Esse movimento requer que se outros só são e só se mostram
quisador: provocar uma apreciação distinga entre tarefa e atividade. A ao sujeito via atividade
daquilo que, na situação em que a tarefa refere-se ao prescrito, ao que
atividade ocorre, não pode ser obje- deve ser realizado. Já a atividade é
tivado, para assegurar o desenvolvi- apenas o que foi efetivamente cum-
mento do real do diálogo (suas inúme- prido, a realização de um dentre os logique du Travail, Clot afirma que
ras possibilidades), no seio do diálogo vários cursos de ação. Com base o real da atividade envolve tanto o
realizado em torno de uma atividade de em Vigotski, Yves Clot afirma que, que foi realmente feito quanto tudo
trabalho. Parte-se do suposto de que, nessa situação, o desenvolvimento aquilo que poderia ter sido feito, que
ao se converter em diálogo realizado, da atividade que prevaleceu sobre as se procurou fazer sem o conseguir,
o real do diálogo se desenvolve, per- demais é regido pelos conflitos que que se queria ter podido fazer, que
mite fazer ou dizer aquilo que não se estabelecem entre a atividade rea- ainda se pretende fazer em outra
podia, até o momento, ser feito ou lizada e as outras formas de realizar ocasião. Envolve, também, o que se
dito. Ao tomar ciência de novas pos- a mesma tarefa. faz para não se fazer o que deve ser
sibilidades, o sujeito estará apto a re- Assim, em La Fonction Psycho- feito. Considerando que as ativida-

50 história da pedagogia
des não realizadas (ou seja, as que Roger, Roger e Yvon, em “In- o ponto de partida: sabe-se que eles
fracassaram) têm, inegavelmente, terrogation pour une Analyse de contêm mais do que aparentam e que,
um impacto na atividade realizada, o l’Activité Enseignante”, postulam por meio de um trabalho de análise
autor propõe que elas sejam também que a atividade docente – enquanto e interpretação, pode-se caminhar
incluídas na análise da atividade. Em unidade básica de análise – deve ser para zonas mais instáveis, fluidas e
outro texto, “Clinique de l’Activité encarada como aquela que coloca profundas, ou seja, para as zonas de
et Pouvoir d’Agir”, Clot ressalta, no o professor em uma tripla relação, sentido. Afirmam os autores, assim,
entanto, que não se trata de buscar ou seja, a que ele mantém com: 1. os que o sentido é mais amplo que o
um hiato entre a prescrição social objetos de formação submetidos à significado, pois o primeiro consti-
e a atividade real. Ao contrário, ele aprendizagem dos alunos; 2. o am- tui a articulação dos eventos psico-
aponta que há, entre elas, simulta- biente profissional e social onde não lógicos que o sujeito produz frente
neamente: 1. uma reorganização da
tarefa por parte dos coletivos pro-
fissionais; e 2. uma recriação da or- A atividade docente coloca o professor em uma
ganização do trabalho, pelo trabalho
de organização do coletivo. A esse tripla relação: com os objetos de formação;
duplo movimento o autor dá o nome com o ambiente profissional e social e seus
de “gênero social do ofício” ou “gê- outros sujeitos; e, por fim, com ele mesmo
nero profissional”. Dessa maneira,
o gênero é um meio de saber como
se organizar em determinadas si­ apenas ele, mas outros sujeitos (alu- a uma realidade. O sentido deve ser
tuações, evitando, tanto quanto pos- nos e demais atores da escola) reali- entendido, portanto, como um ato do
sível, o erro em face do previsto. zam suas atividades; 3. ele mesmo, homem mediado socialmente, não
Recurso para enfrentar as exi- ou seja, com tudo aquilo que é alvo sendo, no entanto, nem diretamente
gências da ação, o gênero é, também, de suas preocupações. A atividade é observável (pois suas possibilidades
alvo de ajustes e retoques por parte o meio pelo qual o sujeito se cons- são infinitas) nem necessariamente
daqueles que o empregam. A esse titui, pois ele só se mostra ao outro consciente. Os sentidos encon-
processo de ajustes dá-se o nome por meio da atividade e, por sua vez, tram-se, assim, mais no campo do
de estilo. De fato, ao retocar uma os outros só são e só se mostram ao sujeito, de sua singularidade. Como
regra, um gesto ou uma palavra do sujeito via atividade. Esta última, os sentidos entram em conflito, eles
gênero, o sujeito cria uma variante – por sua vez, é sempre social: ainda geram sínteses provisórias, relati-
o estilo – que será avaliada e, even- que realizada individualmente, ela vamente estáveis e compartilhadas:
tualmente, validada pelo coletivo, é sempre permeada pela cultura e, os significados. O caráter comparti-
assegurando a vida e o desenvolvi- portanto, pelo social. lhado dos significados faz com que
mento do próprio gênero. Pode-se Considerar o trabalho como so- se situem mais no âmbito do social
dizer, portanto, que o estilo, ao li- cial implica reconhecer que ele é e é nessa condição que são apreendi-
bertar o homem do gênero, abre o também significado, ou seja, nunca dos pelos sujeitos, configurando-se
caminho para seu desenvolvimento, é apreendido em si, mas sempre em novos sentidos. Tem-se claro,
aumentando o poder de ação sobre por meio de um ponto de vista. no entanto, que a singularidade e a
o meio e sobre si mesmo: a autor- Em “Núcleos de Significação como objetividade são constituídas dia-
regulação da conduta. A análise da Instrumento para a Apreensão da leticamente, tendo a historicidade
atividade docente que se quer em- Constituição dos Sentidos”, Aguiar como um componente essencial.
preender deve, assim, permitir que, e Ozella defendem que esses pontos
primeiro, o sujeito desenvolva seu de vista são formados por sentidos A pesquisa: como
poder pessoal de agir, de modo a en- e significados constituídos pela uni- fazer e para quê?
frentar melhor a situação de traba- dade contraditória do simbólico e Para estudar o trabalho do pro-
lho; e, segundo, o coletivo expanda do emocional. Desta forma, na pers- fessor, selecionam-se previamente
seu campo de ação, por meio das pectiva de melhor compreender o alguns episódios da sua atividade,
ações inovadoras do sujeito. sujeito, os significados constituem episódios que serão analisados, em

história da pedagogia 51
Lev Vigotski O legado – II

seguida, por ele mesmo, compa- quisador) e variam, dependendo de


rando suas concepções à sua efeti- a quem se destinam, permitindo aos
vação ou não. outros pensarem, sentirem e agirem
Isso é feito em três momentos: 1. de acordo com sua perspectiva.
a auto-observação, em que o sujeito A finalidade da pesquisa é inves-
se observa na ação e entabula um tigar a atividade docente. Para isso,
diálogo interno com o real da ati- fazem-se perguntas interligadas,
vidade; 2. a autoconfrontação sim- para que a resposta alcançada em
ples, em que o sujeito descreve ao uma delas possa fornecer subsídios
pesquisador os episódios que acabou para a compreensão da outra. São
de ver, passando de “observado” a elas: “Quais são os sentidos e signifi-
“observador”, uma vez que sua aná- cados que o professor atribui à ativi-
lise decorre das interpretações do dade docente?” e “Como é a dinâmica
momento anterior. A atividade, que do desenvolvimento profissional do
antes era essencialmente intrapsico- sujeito, pela observação e análise da
lógica, torna-se, ao ser descrita, in- própria atividade docente?”.
terpsicológica e, assim, transforma-
se em um meio de pensar a própria Coleta de dados

© Ana Teixeira. Reprodução


atividade. Exteriorizadas, as expe- Para se obterem os dados da
riências do sujeito se revelam ainda pesquisa, foram empregados os se-
vivas, embora sob outra configura- guintes instrumentos: 1. história de
ção: não é mais apenas o que foi pos- vida da professora, contendo descri-
sível fazer ou alcançar, mas também ção de trajetória profissional e opi-
aquilo que não foi nem feito nem al- nião sobre a própria atuação, sobre
cançado e, ainda, o que poderia ou o papel da escola e da educação; 2.
deveria ter sido feito e/ou alcançado. observação do espaço físico esco- impressões para a pesquisadora que
Ao observar e comentar a atividade lar; 3. e filmagem das atividades de a filmara e, finalmente, discutir o
para o Outro, surgem novas formas Ana em sala de aula. Das filmagens, ocorrido com a outra pesquisadora.
de organizar o vivido, de apreendê- utilizaram-se episódios que foram
lo por outras óticas que revelam, vistos, analisados e comentados pela Análise e interpretação
também, novas possibilidades e no- professora, primeiro com uma das dos resultados
vos limites. Com isso, o pesquisador pesquisadoras e, depois, com a outra, Os dados oriundos dos diferen-
é levado, pelo sujeito, a compreen- pois este trabalho contou com duas tes instrumentos foram reunidos,
der a significação que ele atribuiu à pesquisadoras. Os critérios para se- articulados entre si e analisados,
própria atividade observada, avan- leção dos episódios foram, primeiro, primeiro, à luz do contexto educa-
çando, portanto, em direção às zonas o de mostrar as diferenças entre a tivo da escola; segundo, com base
de sentido; 3. e a autoconfrontação atividade prescrita e a real, segundo nos sentidos atribuídos à atividade
cruzada, em que os episódios são o relatado na história de vida; e, se- docente; e, por último, levando em
vistos mais uma vez, agora pelo su- gundo, de incidir em uma situação conta o referencial teórico empre-
jeito, por um colega de trabalho, e que permitisse várias formas de gado. O procedimento de análise do
pelo pesquisador. Nesse momento, condução. Aqui somente um epi- relato da professora consistiu em
o sujeito não se dirige mais apenas sódio será analisado, ligado a uma identificar todos os temas aborda-
à atividade realizada: ele se volta atividade de língua portuguesa. O dos por ela em sua história de vida
também para as observações que o último instrumento empregado (3.) e agrupá-los por semelhança temá-
colega faz sobre ela. A análise é feita, serviu para realizar autoconfronta- tica, contradições percebidas e por
agora, pelo colega de trabalho. Seus ções simples e cruzada: os episódios aspectos complementares. Assim, os
comentários se dirigem a diferentes selecionados foram apresentados assuntos tratados foram reunidos,
interlocutores (o sujeito – aquele para que Ana pudesse primeiro se inicialmente, em 32 pré-indicado-
que realizou a atividade – e o pes- observar e, depois, descrever suas res, que sofreram novo processo de

52 história da pedagogia
Um dos estereótipos veiculados
na área da Educação é o de
creditar-se o fracasso escolar à
falta de interesse dos pais pela
escolarização dos filhos, isentando a
escola e professores de sua parcela
de responsabilidade na questão

ensino pela estabilidade de emprego,


ainda que isso, dificultasse investir
em aprimoramento profissional.
Essa é a contradição: reconhecer a
importância de se capacitar continua­
mente e, ao mesmo tempo, furtar-
se a isso. Esse é o caso da pós-gra-
duação, meta que sempre almejou,
mas adiou, com receio de não passar
na seleção e arruinar sua reputação.
Contradições como essa − tônica
desse núcleo − apesar de construí-
rem um campo propício para a gera-
ção de uma crise, parecem promover,
quando muito, uma desestabilização
agrupamento, dando origem a cinco docente lhe trouxe novos motivos nos sentidos, cuja função é a de adiar
indicadores, os quais, também aglu- geradores de sentidos, o que a fez a crise e justificar os motivos pelos
tinados, resultaram em dois núcleos se concentrar na profissão e buscar quais o sujeito se apoia para não se
de significação, conjunto de ideias construir um cabedal teórico sólido. transformar na direção esperada.
que exprimem melhor a singula- No entanto, Ana acha que a princi-
ridade da professora Ana, como se pal fonte de conhecimentos sobre Núcleo 2: vivência profissional e
verá a seguir: a atividade docente foi o exercício possibilidades abertas pela escola
prático, “é trabalhando que você se No relato de história de vida,
Núcleo 1: formação torna uma boa professora”. Ana reconhece sua atividade docente
teórica, técnica e prática Ressalta que nem sempre esteve como algo que precisa de aperfeiçoa-
A escolha profissional de Ana de- preparada para enfrentar as deman- mento, notadamente para lidar com
correu de uma idealização originária das da educação e foi fazer cursos, as questões de alfabetização. Antes,
na família, que vinculava docência à investir em si mesma. Formou uma só trabalhava com as séries mais
nobreza, com uma implicação pes- rede de relacionamentos ampla, que avançadas do ensino fundamental,
soal: “minha mãe sempre dizia que lhe permitiu ter boas propostas de porque gosta mais de crianças mais
a chave para mudar o mundo estava trabalho. Lecionou em várias escolas velhas. Há dois anos, assumiu a re-
nas mãos dos professores”. Ana diz e foi perdendo o pavor de fracassar e gência de um 3º ano, em razão do
sentir prazer em ensinar. Conta que pouco a pouco se sentiu mais segura. precário domínio da língua que os
fez uma boa faculdade e estágios in- Com o passar do tempo, na prática, alunos apresentam ao final do 2º ano.
teressantes. Diz ter aproveitado bem construiu uma identidade profissio- Considera que é, nesta escola, muito
as oportunidades. Concluiu, antes de nal. Julgava-se, no momento da pes- incentivada a enfrentar desafios.
se casar, especialização em psicope- quisa, competente, capaz de dominar Além desse apoio, acha que assumiu
dagogia. Se a escolha profissional a sala de aula e de ensinar bem os novos riscos por dois outros fatores:
foi pouco fundamentada, a atividade alunos. Optou pela rede pública de confiar na renomada competência

história da pedagogia 53
Lev Vigotski O legado – II

©Reprodução

O papel da observação e da
reflexão sobre a atividade é o sua parcela de responsabilidade na seguida, voltou-se para os três me-
de ampliar horizontes para os questão. Essa postura parece atuar ninos e uma menina que precisavam
docentes e pesquisadores como forma de se tranquilizar, de aprimorar a expressão oral e propôs
não sofrer profissionalmente. a eles que a orientassem como em-
brulhar um livro para presente. En-
A aula de Ana cerrou a atividade antes do previsto,
da equipe gestora; ter-se tornado Agora vamos dar uma espiada porque a aluna disse que a atividade
professora efetiva da rede, algo que em uma aula de Ana, que depois será estava muito aborrecida.
eliminou o medo de ser despedida. analisada por ela e confrontada com A professora assistiu ao vídeo
Ana diz gostar de se sentir parte os pressupostos vistos acima. atenta e silenciosamente. Explicou
dessa escola e vê, na atuação conjunta, Ela inicia a aula dando boas-vin- que havia tentado demonstrar que é
um sentido positivo. Isso lhe dá não das aos alunos, faz a chamada, de- preciso falar de forma clara e obje-
só um sentido de pertença ao grupo, pois informa que vai trabalhar mais tiva para se comunicar bem e reco-
como também a leva a qualificar po- de perto com quatro alunos e que, nhecia que essa não era uma tarefa
sitivamente a atividade docente. Por nesse meio tempo, os demais devem fácil. Explicou que usara recursos
outro lado, Ana demonstra não ser formar pares, ou trios. Propôs às como dar modelo, fazer perguntas
imune aos estereótipos veiculados crianças identificarem erros na lição e discutir respostas. Percebeu que
na área da Educação: credita o fra- de casa, que, depois, seriam corrigi- as crianças, especialmente uma, se
casso escolar à falta de interesse dos dos na lousa. Ana fez rearranjos na cansaram da atividade e, por isso,
pais pela escolarização dos filhos, formação dos grupos e permitiu que decidiu encerrá-la. Eis um trecho
isentando a escola e professores de dois alunos ficassem sozinhos. Em deste episódio:

54 história da pedagogia
[...] procurei expandir o vocabulário cações para as dificuldades. Afirma, A: Nem me ocorreu [...] isso! Mas
dessas crianças, [...] acho que essas são por exemplo, que “na prática, as coi- essa ideia é legal, porque eu poderia
as crianças que têm mais dificuldade sas são mesmo muito mais difíceis”, trabalhar conceitos, que é o que eu
de se expressar [...]. Estava até indo validando a antiga e, ainda, não su- gosto. Já tinha achado bobagem,
bem, com todos trabalhando [...], perada discussão sobre o papel da quando assisti ao vídeo pela
até a Clarinha dizer que [...] estava teoria na prática, tendendo a achar primeira vez.
chato [...]. Daí, [...] me perdi [...]. que “na prática a teoria é outra”. P: Trabalhar com conteúdos é uma
Tentei me explicar, mas não deu Concepções assim dicotômicas forma de fazer melhor o que você
muito certo. [...] Estimei mal o tempo: só podem ser superadas se forem fez! [...] A minha sugestão é [...]
demorou mesmo muito para eles darem elaboradas dialeticamente, tanto na A (interrompendo): Que eu faça isso
ordens diretas e, também, eu acho que dimensão objetiva como na subje- com conceitos, articulando a
não sabia como é difícil falar tudo tiva. Ana avança, ao concluir ser linguagem de todo o dia com os
direitinho para o outro entender. preciso “avaliar melhor a duração conhecimentos escolares.
[...]. Na prática, tudo é mais difícil... das atividades”. Mas não percebe P: Isso! Eu não conseguiria me
[...] Acredito que eu posso melhorar, que não se trata apenas de alterar expressar melhor!
[...] mas fiz o que precisava [...]: dei sua prática, mas modificar a pró- A: Acho que preciso estudar mais.
ajuda [...], mostrei a importância de pria concepção acerca da atividade. Voltar a ler a Ana Smolka... Eu gosto
falar com clareza, fiz boas perguntas Trata-se de entender a prática pela das propostas dela [...]
e respondi às deles da melhor forma mediação da teoria, ou seja, de prá- P: É verdade... Mas, voltando para
possível. Gostei dessa parte [...]
Preciso avaliar melhor a duração das
atividades. [...]. Só isso. E não gostei O potencial da estratégia de autoconfrontação
de me ver dando aula.
está relacionado à possibilidade de observar a
Ao acompanhar o relato de Ana, atividade, de revivê-la e, a partir daí, encontrar
percebe-se que ela não avança em caminhos para decifrá-la de algum modo
suas reflexões, o que ocorre são al-
terações em sua forma de pensar e
sentir. Primeiro, Ana confronta-se xis. Na sessão de autoconfrontação o vídeo, você trabalha muito com o
consigo mesma e mobiliza novas cruzada, quando a segunda pesqui- Daniel [...] e ele é um menino que
alternativas para a realidade vi- sadora comenta essa mesma ativi- usa bem a linguagem. Por que ele
vida. Novos sentimentos surgem e dade, a situação muda. Vejamos a estava nesse grupo?
pressionam a mudança no sentido síntese da conversa entre elas A: Você achou isso? Eu fico surpresa,
atribuído à atividade: “tentei me ex- porque ele tem 11 anos, vive com a avó e
plicar, mas não deu muito certo”. Pesquisadora (P): Eu gostei muito é uma criança muito calada. Hoje, até
Presencia-se aí um momento de de poder ver o seu trabalho [...]. que ele falou mais, mas eu achei que ele
desestabilização de sentidos e a Gostei da ideia de trabalhar a fez isso porque quis me ajudar.
mobilização de novas formas de expressão oral, mas [...] não P: Posso estar errada, mas veja
significar a realidade. Ana começa foi fácil... como as ordens dele são precisas
a duvidar de sua eficácia e começa Ana (A): E eu que queria me sair [voltam o vídeo].
rever aspectos da atividade e, inclu- bem... [...] tentei, mas não me saí tão Ana: Aqui, ele se mostrou bem
sive, suas metas. Neste momento, bem como esperava. competente. Eu estava tão atrapalhada
tem-se o potencial da estratégia de P: Por que você não escolheu nessa hora, que nem o elogiei... Acho
autoconfrontação: observar a ativi- trabalhar com algum conteúdo que o fato dele participar e topar
dade é revivê-la e, de algum modo, curricular? [...], como plantar continuar participando foi importante
decifrá-la. Mas será que o temor de uma muda de flor em um vaso. para eu não ficar arrasada com os
fracassar leva Ana à paralisia ou à Você poderia cumprir seu objetivo comentários da Clarinha.
busca de alternativas? Ana busca e ensinar também questões P: Eu achei bom ela ter dito o que
um lugar mais confortável, expli- relacionadas ao solo e ao plantio. estava pensando! Ela nos deixou

história da pedagogia 55
Lev Vigotski O legado – II

ver a atividade pelo ponto de vista e a conversa flui. Expectativas são para os docentes e pesquisadores.
de uma criança. Isso enriqueceu a expressas e relativizadas. Ao final da Isso ocorreu, pois as novas preocu-
nossa experiência. sessão, Ana relatou que, já na auto- pações de Ana se distanciaram muito
A: Claro, a vantagem é essa. Mas logo confrontação simples, tinha se dado de “passar uma boa impressão”: ela
quando vocês estavam filmando? [...] conta de que a atividade analisada percebeu os efeitos involuntários
P: Porque a classe é arrumada desse era complexa, o que veio a se confir- da atividade realizada sobre os alu-
jeito, com as carteiras enfileiradas? mar na autoconfrontação cruzada. A nos: cansaço, aborrecimento, tédio,
Isso não atrapalha a interação [...] partir daí, a atividade em si dá lugar incompreensão do que se fazia. Es-
A Isso não tem saída. Se não tivesse e voz ao sujeito da atividade. ses imprevistos passaram a constar
aula à noite, ou se todos os professores O movimento para recuperar o do universo dos possíveis, porque a
usassem círculos [...] “poder de agir” poderia ter seguido autoconfrontação cruzada permitiu
P: Mas isso não pode ser discutido inúmeros cursos. As sessões de au- deslocar o foco de análise da intera-
na escola? toconfrontação não se propõem a ção professora-alunos para a própria
A: Pode, mas mudança é sempre um prescrever procedimentos. O papel professora que, com isso, toma cons-
problema. da observação e da reflexão sobre a ciência de novas possibilidades de
P: E o número das carteiras, não dá atividade é o de ampliar horizontes ação e de novas necessidades. Entre
para retirar algumas?
A: Nem pensar. A turma que vem à
©Reprodução

noite é numerosa e não dá para ficar


pondo e tirando carteiras [...]
P: Está certo, Ana. Essa á a
realidade, mas podemos sonhar, né?
Esse recorte mostra o movi-
mento ao longo das autoconfronta-
ções: a posição da professora ganha
força na e pela observação e se mo-
difica na dialogia com os dois par-
ceiros. Vê-se, assim, que Ana recu-
pera, aos poucos, o “poder de agir”.
Na confrontação cruzada, seu ponto
de vista se desloca, pois ela encon-
tra novas facetas em sua atividade.
Se antes estava preocupada em ser
(ou parecer ser) uma boa profes-
sora, depois da interlocução com a
pesquisadora se apropriou dos ob-
jetivos desta: entender o que estava
visível na atividade, algo que exige
lógica distinta, que acaba sendo par-
tilhada. Uma simetria é estabelecida

O gênero não é suficiente


para assegurar que a atividade
selecionada pelos docentes seja
bem-sucedida, pois é preciso
constituir um estilo pessoal,
na e pela observação do que foi
feito, refletido e discutido

56 história da pedagogia
elas, estudar mais. A teoria sobre o dos invariantes da atividade”, e isso mente) constitui a principal media-
processo de alfabetização é também significa preocupar-se “menos com ção na escolha da atividade e norteia
fonte de desenvolvimento, porque a apreensão da estrutura da ativi- sua condução. As capacitações para
os vínculos entre ela e a atividade dade como tal e mais com a estru- língua portuguesa têm salientado
prática foram estabelecidos na e pela tura de seu desenvolvimento”. As- a necessidade de se trabalhar a ex-
interação de Ana com as pesquisa- sim, interessa aqui os mecanismos pressão oral, sobretudo nas séries
doras. Esse é um conhecimento que que promovem esse desenvolvi- iniciais. No entanto, o gênero não é
não é “teórico”, pois constitui um mento, fiel ao preceito vigotskiano, suficiente para assegurar que a ativi-
problema da prática e não é, tam- segundo o qual “é apenas por meio dade selecionada pelos docentes seja
pouco, um conhecimento “prático”, do movimento que um corpo mos- bem-sucedida, pois é preciso consti-
porque decorreu de reflexão. tra o que é”, o caso analisado, a tuir um estilo pessoal, na e pela ob-
auto-observação e o diálogo com as servação do que foi feito, refletido
Da prescrição à transformação pesquisadoras foram centrais para e discutido. O estilo pessoal pode,
A perspectiva sócio-histórica estabelecer uma zona de desenvol- eventualmente, modificar o gênero
dedica-se ao estudo, segundo Jean- vimento próximo que impulsionou e, também, ser nele incorporado,
Luc Roger, do “desenvolvimento o desenvolvimento pessoal e en- tornando-se patrimônio dos profes-
riqueceu a atividade docente. As sores. A abordagem aqui seguida, se
mudanças da professora ganham utilizada em capacitações iniciais e/
nitidez: se na autoconfrontação ou continuadas, pode vir a fortalecer
simples ela se julgou adequada, o coletivo docente, a quem cabe o
na autoconfrontação cruzada ela papel de armazenar, formar e trans-

O processo de auto-observação e o espaço de


diálogo com as pesquisadoras impulsionaram
o desenvolvimento pessoal e enriqueceram a
atividade docente, expondo sua complexidade

percebeu que a atividade fora de- formar seu repertório de ação, pela
masiadamente complexa. O temor elaboração de outros estilos, que vão
de fracassar gradualmente convive surgindo na e pela observação e re-
com sentimentos de entusiasmo, flexão acerca da atividade docente.
ambição, com possibilidades de re-
novação. As diversas apreensões
Claudia Davis é doutora em Psicologia do
manifestadas em diferentes mo- Escolar pelo Instituto de Psicologia da USP,
mentos se interpenetram, criando professora titular do Departamento de Estudos
conflitos de sentidos e significados, Pós-Graduados em Educação da PUC-SP e
pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas.
chegando ao próprio processo de É autora, entre outras obras, de Psicologia
alfabetização. Isso se dá pela apro- do Desenvolvimento (Editora Pedagógica e
Universitária Ltda., 2005) e coautora de
priação subjetiva, intra­psicológica, Psicologia na Educação (Cortez, 2ª. ed., 2008).
do que estava ocorrendo no plano
Wanda Maria Junqueira de Aguiar é doutora
inter­psicológico. Novos objetivos e em Psicologia Social pela PUC-SP, professora
configurações para a atividade reali- titular do Programa de Pós-Graduação em
Educação e da Faculdade de Psicologia dessa
zada poderão ser então formulados. mesma Universidade. Publicou, entre outras
É importante mencionar que o obras, “Reflexões sobre Sentido e Significado”
(Cortez, 2009); e organizou Sentidos e Significados
“gênero” (as inúmeras prescrições do Professor na Perspectiva Sócio-Histórica –
acerca de como atuar profissional- Relatos de Pesquisa (Casa do Psicólogo, 2006).

história da pedagogia 57
Lev Vigotski O Legado – III

A perspectiva
vigotskiana e
as tecnologias
por Maria Teresa de Assunção Freitas

O computador e a internet não garantem a inovação


no processo de aprendizagem escolar. Tudo
depende da mediação do professor, que torna eficazes
as duas outras mediações: a técnica e a simbólica

H
oje, diante do avanço das tec- neidade. A forma histórica, social, cultural
nologias digitais uma pergunta como pensou o homem permite hoje o diá-
surge e dela não podemos esca- logo, a partir de sua teoria, com esses novos
par: É possível compreender o instrumentos culturais.
computador e a internet como Vigotski tem uma concepção do conheci-
instrumentos culturais de aprendizagem? Per- mento que avança em relação às teorias psico-
gunta que pode ser respondida, creio, com lógicas subjetivistas e objetivistas que se apre-
base na teoria psicológica de Vigotski, a partir sentam fragmentadas e a-históricas, considerando
dos sentidos que dá aos termos instrumento, o sujeito de forma abstrata e descontextualizada.
cultura, e aprendizagem. Apesar de esse autor Dessa forma, acentuam a natureza individual do
ter vivido em um tempo no qual computador homem em detrimento das circunstâncias sociais
e internet eram ainda impensáveis, sua obra que o envolvem. A insatisfação com esses dois
pode se constituir como um olhar teórico cria- modelos psicológicos fez com que Vigotski bus-
tivo sobre essas tecnologias da contempora- casse superá-los numa perspectiva que, basean-

58 história da pedagogia
© Reprodução

Para Vigotski a
relação do sujeito
com o conhecimento
não é uma relação
direta, mas mediada

história da pedagogia 59
Lev Vigotski O Legado – III

© http://www.sxc.hu Reprodução

Como instrumento
informático, o computador é relação com o outro. Uma relação se processa via um outro, via instru-
um operador simbólico, pois dialética entre sujeito e objeto, isto mentos e signos.
seu próprio funcionamento O conceito de mediação é central
depende de símbolos
é, entre o sujeito e o meio histórico.
É uma questão de base social, de em sua teoria e, para melhor com-
uma relação não só com objetos, mas preendê-lo, é preciso partir do que
principalmente uma relação entre Vigotski considera como instru-
do-se na dialética marxista, pudesse pessoas, entre sujeitos, como lemos mento. A noção de instrumento não
compreender o homem real e con- em A formação social da mente: “O ca- pode ser considerada desvinculada
creto. Ao empreender uma crítica da minho do objeto até a criança e desta da perspectiva do desenvolvimento
psicologia de seu tempo, ele apre- até o objeto passa através de outra humano visto como o entrelaça-
sentou não uma terceira via para se pessoa. Essa estrutura humana com- mento do natural, biológico com o
compreender a construção do co- plexa é o produto de um processo cultural. Ao formular o princípio
nhecimento. Foi mais longe do que de desenvolvimento profundamente geral de sua teoria afirmando que as
isso. Promoveu um rompimento ao enraizado nas ligações entre história funções mentais superiores especifi-
elaborar uma proposta psicológica individual e história social”. Para ele, camente humanas têm uma origem
inovadora: a perspectiva histórico- a relação do sujeito com o conheci- social, Vigotski está dizendo que
cultural, para a qual o conhecimento mento não é, portanto, uma relação na história do homem há um duplo
não é adquirido, mas construído na direta, mas mediada. Essa mediação nascimento: o biológico e o cultural.

60 história da pedagogia
A inserção na cultura, pela intera- modifica em nada o objeto da opera- dução humana e que essa produção
ção com o outro via linguagem, é o ção psicológica. Constitui um meio tem como fontes a vida e a atividade
que possibilita a criança se tornar, da atividade interna dirigido para sociais do homem. Diz ainda que
de um simples ser biológico, um ser o controle do próprio indivíduo; o esse conceito de cultura engloba
cultural humano. Nesse sentido, de signo é orientado internamente. Es- uma multiplicidade de coisas dife-
acordo com Angel Pino em As mar- sas atividades são tão diferentes uma rentes que têm em comum o fato de
cas do humano, a humanização do da outra, que a natureza dos meios serem constituídas dos dois compo-
indivíduo confunde-se com o pro- por elas utilizados não pode ser a nentes que caracterizam as produ-
cesso de apropriação dessa cultura. mesma”. ções humanas: a materialidade e a
Apropriação que se processa por um Esses conceitos de instrumento significação. Isso permite entender
exercício ativo da criança na relação material ou técnico e instrumento a existência de dois subconjuntos
com o outro. É nesse contexto teó- psicológico ou simbólico permitem de produções humanas ou objetos
rico que Vigotski inclui a noção de compreender que a mediação para culturais. O primeiro é resultado da
instrumento elaborada a partir da Vigotski pode ser exercida por fer- ação física do homem sobre a natu-
concepção de trabalho em Marx e ramentas e signos. Assim, é possível reza, conferindo-lhe uma forma ma-
Engels. O trabalho, para esses au- dizer que há na sua obra três clas- terial que veicula uma significação.
tores, aparece como um processo ses de mediadores: ferramentas ma- O segundo é formado pelas produ-
de hominização, pois, através dele, teriais, ferramentas psicológicas e ções resultantes da atividade mental
o homem, ao dominar a natureza, outros seres humanos. Diante disso, do homem sobre objetos simbólicos,
assume o controle de sua evolução, indago: é possível afirmar que com- com o uso de meios simbólicos (di-
que, por sua vez, é histórica. No tra- putador e internet são instrumentos ferentes tipos de linguagem) cuja
balho o homem utiliza instrumentos culturais? Como essas mediações exteriorização (comunicação com os
para efetuar modificações no objeto acima referidas podem ocorrer no outros) se faz por formas materiais
e, ao fazê-lo, modifica-se a si mesmo. uso do computador e da internet? de expressão.
Assim, o uso de instrumentos é
também uma forma de humaniza-
ção, pela qual o homem transforma A diferença mais essencial entre signo e
o curso de sua existência de natural
para cultural. instrumento, e a base da divergência real
Vigotski constrói, a partir dessa entre as duas linhas, consiste nas diferentes
ideia de instrumento material, uma maneiras com que orientam o comportamento
analogia para chegar ao conceito de
instrumento psicológico ou signo,
procurando mostrar em que eles se Pensando o computador e a in- Continuando suas reflexões,
distinguem: “A diferença mais es- ternet com o olhar da perspectiva Pino afirma que “Instrumentos e
sencial entre signo e instrumento, histórico-cultural, procuro inicial- símbolos constituem os dois meios
e a base da divergência real entre as mente compreender como, com base de produção da cultura. [...] Esses
duas linhas, consiste nas diferentes na ideia de cultura em Vigotski, dois meios de natureza tão diferente
maneiras com que eles orientam o posso chamá-los de culturais. A têm em comum o fato, já apontado
comportamento humano. A função questão da cultura está presente no por Vigotski, de serem mediadores
do instrumento é servir como um todo da obra de Vigotski, mas não da ação humana – sobre a natureza,
condutor da influência humana so- há um texto específico a ela dedi- no caso do instrumento, e sobre as
bre o objeto da atividade; ele é orien- cado. Em A construção do pensamento pessoas, no caso do símbolo. [...]
tado externamente; deve necessaria- e da linguagem há uma pequena re- ambos são já produto dessa mesma
mente levar a mudanças nos objetos. ferência explicitando que: “cultura ação humana. Ora, o que define o
Constitui um meio pelo qual a ati- é o produto, ao mesmo tempo, da produto da ação humana é que ela é
vidade humana externa é dirigida vida social e da atividade social do a concretização da ideia que dirige
para o controle e o domínio da na- homem”. Partindo desse enunciado, a ação. [...] Todas as produções hu-
tureza. O signo, por outro lado, não Pino afirma que a cultura é uma pro- manas, ou seja, aquelas que reúnem

história da pedagogia 61
Lev Vigotski O Legado – III

as características que lhe conferem O computador é um objeto físico, o de bate-papos em canais de chats
o sentido do humano, são produções hardware, mas ele tem também uma ou participamos de comunidades
culturais e se caracterizam por se- dimensão simbólica, pois seu funcio- como o Orkut, Facebook e outros.
rem constituídas por dois compo- namento depende do software, a parte É lendo/escrevendo que navegamos
nentes: um material e outro simbó- lógica que coordena suas operações. por sites da internet num trajeto hi-
lico, um dado pela natureza e outro Como instrumento informático, o pertextual em busca de informações
agregado pelo homem”. computador é um operador simbó- ou entretenimento.
Assim, vejo que a criação do lico, pois seu próprio funcionamento Nesse sentido, é possível com-
computador e, a partir dele, da in- depende de símbolos. Seus progra- preender o papel mediador exercido
ternet é o resultado de um esforço mas são construídos a partir de uma por esses instrumentos que são,
do homem que, interferindo na rea­ linguagem binária. Para acioná-lo, ao mesmo tempo, tecnológicos e
lidade em que vive, constrói esses temos que seguir instruções escri- simbólicos.
objetos culturais da contemporanei- tas na tela, movimentando o mouse
dade, que são, ao mesmo tempo, um entre diferentes ícones ou usando o A mediação humana no uso
instrumento material e um instru- teclado (com letras e números) para do computador e da internet
mento simbólico. redigir instruções e colocá-lo em Três ordens de mediações ocor-
Partindo da ideia de instrumento ação. A navegação pela internet é rem no uso do computador e da in-
técnico e simbólico em Vigotski, toda feita com base na leitura e na ternet. É a mediação da ferramenta
além de um instrumento técnico, o escrita. É lendo/escrevendo que in- material: o computador enquanto
computador pode também ser con- teragimos com pessoas a distância máquina; a mediação semiótica atra-
siderado um instrumento simbólico. através de e-mail, ou de programas vés da linguagem; e a mediação com
os outros enquanto interlocutores.
© Reprodução
Computador e internet introduzem
uma forma de interação com as in-
formações, com o conhecimento e
com as outras pessoas, totalmente
nova, diferente da que acontece
em outros meios como a máquina
de escrever ou o retroprojetor por
exemplo. No uso do computador e
da internet a ação do sujeito se faz
de forma interativa e enquanto lê/
escreve, novos fatores intelectuais
são acionados: a memória (na orga-
nização de bases de dados, hiperdo-
cumentos, organização de arquivos);
a imaginação (pelas simulações); a
percepção (a partir das realidades
virtuais, telepresença). Outros tipos
de comunicação afetam os usuários
por vários canais sensoriais, com-
binando texto, imagem, cor, som,
movimento. Trata-se de uma nova
modalidade comunicacional absolu-

O novo leitor não é um mero


receptor, mas interfere,
manipula, modifica, re-inventa

62 história da pedagogia
tamente diferente possibilitada pelo

© João Bittar. http://bancodeimagens.mec.gov.br/ Reprodução


digital: a interatividade. Comunicar
não é simplesmente transmitir, mas
disponibilizar múltiplas disposi-
ções à intervenção do interlocutor,
como diz Marco Silva, em Sala de
Aula Interativa. Essa comunicação
interativa apresenta-se como um
desafio para a escola, que está cen-
trada no paradigma da transmissão.
Instaura-se, com essa nova modali-
dade comunicacional, uma nova re-
lação professor-aluno centrada no
diálogo, na ação compartilhada, na
aprendizagem colaborativa da qual
o professor é um mediador. Compu-
tador e internet se mostram como
adequados a uma concepção social
de aprendizagem, que se realiza na
interação. Os professores terão que
enfrentar o hipertexto com sua não
linearidade, sua rede de conexões,
sua leitura que se converte em escri-
tura. O novo leitor não é um mero re-
ceptor, mas interfere, manipula, mo-
difica, re-inventa. Assim, o professor
não pode ser apenas um transmissor,
mas deve se tornar um provocador var que os contatos entre os partici- Para Vigotski o conhecimento
de interrogações, um coor­denador pantes em fóruns ou listas de discus- se constrói nas relações
interpessoais. Portanto, o
de equipes de trabalho. são ou em atividades em ambientes
sujeito do conhecimento não é
A internet permite à escola o virtuais de aprendizagem, como o apenas ativo, mas interativo
desenvolvimento de diferentes ati- moodle, realizam-se via leitura e es-
vidades: 1. busca ágil de informações crita. Nessas práticas discursivas é
(pesquisa escolar, visitas a museus possível uma interação verbal viva,
e outros lugares, visitas a sites in- significativa, que desenvolve a ar- educação tradicional ou tecnicista
terativos, artes plásticas, música, gumentação e leva, consequente- ainda é muito forte nos meios educa-
literatura, cursos virtuais); 2. inte- mente, a uma maior apropriação dos cionais. A exposição didática, apesar
rações com pessoas (fóruns e listas temas em estudo. Aí se realiza de de seus aspectos negativos e criticá-
de discussão, comunidades virtuais, forma bem concreta a perspectiva da veis, ainda hoje é predominante em
chats, e-mails); 3. ambientes vir­tuais aprendizagem colaborativa proposta todos os níveis de ensino, levando
de aprendizagem – AVA (como o por Vigotski. o aluno a se defrontar com um co-
moodle); 4) entretenimento (jogos, Refletindo sobre o trabalho por nhecimento neutro, já pronto, que
simulações). Essas atividades am- mim desenvolvido em pesquisas com recebe passivamente. Derrubam-se
pliam o espaço da aula presencial professores em formação inicial ou sobre os alunos informações, refe-
e permitem aos alunos um maior continuada, percebo a necessidade rentes aos conteúdos das diferentes
acesso às informações que, trabalha- de se encontrarem estratégias para disciplinas, que devem ser memori-
das em conjunto com colegas e pro- o desenvolvimento dessa aprendi- zadas e depois reproduzidas. Esse
fessores, podem se transformar em zagem de perspectiva social e cola- processo mecânico exclui a reflexão
conhecimento. É interessante obser- borativa na escola. A marca de uma pessoal sobre o material de estudo,

história da pedagogia 63
Lev Vigotski O Legado – III

as possibilidades de criação e apro- interpessoal para depois acontecer isto é, num processo de comunicação
priação pessoal. O que se vê é apenas no plano intrapessoal. Para ele, só há com eles. Assim, a criança aprende a
uma identificação e não uma signifi- aprendizagem quando a pessoa in- atividade adequada. Pela sua função
cação em relação ao que lhes é apre- ternaliza o que já foi experienciado este processo é, portanto, um pro-
sentado pelo professor. O que acon- externamente, apropria-se, isto é, cesso de educação”.
tece, portanto, é uma compreen­são torna próprio o que foi construído Para Vigotski, caberia à lingua-
passiva que, de acordo com Bakhtin com um outro. Nesse processo, se- gem, por suas propriedades formais
e discursivas, esse papel mediador
que põe em relação o homem e sua
Se não se der voz ao aluno, se ele não tiver história, a cognição e seu exterior
condições e espaço para dizer, impede-se discursivo. A mediação semiótica
proposta por Vigotski mostra que,
seu processo de compreensão ativa, que segundo Edwiges Morato, “[...] não
pressupõe uma interação verbal dialógica há possibilidades integrais de pen-
samento ou de conteúdos cognitivos
fora da linguagem nem possibilida-
em Marxismo e Filosofia da Lingua- gundo Bakhtin, em A Estética da des integrais de linguagem fora de
gem, exclui qualquer resposta pes- Criação Verbal, as palavras alheias processos interativos humanos, con-
soal. Para ele, a compreen­são deve tornam-se palavras minhas, perdem
ser ativa e conter, em si mesma, o as aspas. Ao se referir à internali-

© Reprodução
germe de uma resposta. “A cada pa- zação do conhecimento, Leontiev
lavra da enunciação que estamos em diz que a apropriação é a reprodu-
processo de compreender, fazemos ção pelo indivíduo das capacidades
corresponder uma série de pala- humanas formadas historicamente,
vras nossas, formando uma réplica. através de sua própria atividade. Por
Quanto mais numerosas e substan- meio do processo de interiorização,
ciais forem, mais profunda e real é a a realização da atividade, que era
nossa compreensão.” coletiva e externa, converte-se em
Se não se der voz ao aluno, se ele individual, e os meios de sua orga-
não tiver condições e espaço para di- nização, em internos. Dessa forma,
zer, impede-se seu processo de com- a atividade, seja externa ou interna,
preensão ativa. Aliás, esta supõe, de tem uma base material e uma cons-
acordo com Bakhtin, uma interlocu- trução socioindividual, como quer
ção, uma interação verbal na qual há Marta Sforni.
sempre um falante e um ouvinte que Fazendo menção ao processo
se alternam e que se engajam em um educativo no qual essa apropriação
processo discursivo dialógico. Nesse deve acontecer, Leontiev diz: “As
processo, que permite a contrapala- aquisições do desenvolvimento his-
vra, a argumentação, é que se torna tórico das aptidões humanas não são
possível uma aprendizagem, a qual simplesmente dadas aos homens nos
se organiza em novas formas de pen- fenômenos objetivos da cultura ma-
sar a partir dos objetos de estudo. terial e espiritual que os encarnam,
Essa ideia de Bakhtin, de uma situa­ mas são aí apenas postas. Para se
ção compartilhada que favorece a apropriar destes resultados, para fa-
aprendizagem, é defendida também zer deles as suas aptidões, ‘os órgãos
por Vigotski, em a Formação So- da sua individualidade’, a criança, o
cial da Mente quando afirma que o ser humano, deve entrar em relação
processo de construção do conheci- com os fenômenos do mundo cir-
mento acontece primeiro no plano cundante através de outros homens,

64 história da pedagogia
tingenciados socioculturalmente”. papel formador em relação ao su- mam a partir da palavra, da lin-
Essa posição de Vigotski enfatiza, jeito. Daí, concordar com Sforni, guagem, na interação com o outro.
portanto, a relação do sujeito com que a escola, nas sociedades esco- Vigotski vê ainda que há uma rela-
o conhecimento como uma intera- larizadas, ao possibilitar ao homem ção dialética entre os conceitos es-
ção entre sujeitos viabilizada pela sua inserção na coletividade como pontâneos e os conceitos científicos.
linguagem. Dessa forma, o conhe- cidadão, pode ser considerada Um conceito científico só é pos-
cimento se constrói nas relações como responsável pela construção sível de ser construído com base
interpessoais. Portanto, o sujeito do de bases para o desenvolvimento em um conceito espontâneo. Por
conhecimento, para Vigotski, não é psíquico. Mas, segundo Vigotski, sua vez, o conceito espontâneo se
apenas ativo, mas interativo. A cons- não é qualquer ensino que possibi- expande e se enriquece à medida
trução individual é o resultado das lita esse desenvolvimento psíquico. que é alimentado pelo científico. É
interações entre indivíduos media- Ele acredita que esse desenvolvi- isso que ele chama de movimento
dos pela cultura. mento pode ocorrer por meio da ascendente e descendente dos con-
Compreendo, pois, que, para aprendizagem dos próprios con- ceitos. Esse movimento dialético
Vigotski, as práticas culturais são teúdos escolares, mediante a aqui- não acontece individual e interna-
constitutivas do psiquismo. O en- sição dos conceitos científicos. É mente apenas, mas, antes de tudo, é
sino formal se constitui como uma importante pensar que, para ele, um movimento do outro para o eu/
prática cultural, portanto tem um os conceitos científicos só se for- do eu para o outro. Para Vigotski,
portanto, há aprendizagem quando
se internaliza o que foi vivenciado
na relação com o outro. A interna-
lização acontece a partir das sig-
nificações construídas no processo
interativo às quais o sujeito con-
fere um sentido pessoal.
A partir das proposições de
Leontiev, feitas em Uma Contribuição
à Teoria do Desenvolvimento da Psique
Infantil, de que o sujeito se apro-
pria da cultura como um ser ativo,
podemos compreender que seu de-
senvolvimento cognitivo pode ser
desencadeado ao participar de uma
atividade coletiva que lhe traz no-
vas necessidades e exigências de
novos modos de ação. Assim, o
ensino e a aprendizagem signifi-
cativos podem se tornar possíveis
quando a escola favorece a inserção
do aluno nesse tipo de atividade.
Uma atividade que supõe indivíduos
em interação, sendo o conhecimento

Toda ênfase deve ser colocada


no ensinar/aprender como
um processo único do qual
participam igualmente
professores e alunos

história da pedagogia 65
Lev Vigotski O Legado – III

visto de forma compartilhada. Alu-


nos e professores participam de uma
construção partilhada do saber. Assim,
o conhecimento não se restringe a
uma construção individual, mas sim
– realizando-se no coletivo – como
uma construção social. Na sala de aula
não deve haver lugar para o ensinar
e o aprender de forma isolada. Toda
ênfase deve ser colocada no ensinar/
aprender como um processo único do
qual participam igualmente profes-
sores e alunos.
Na sala de aula o professor é
aquele que, detendo mais expe­
riência, pode funcionar intervindo e
mediando a relação do aluno com o
conhecimento. Assim, ele está, em
© http://www.sxc.hu Reprodução

seu esforço pedagógico, procurando


criar Zonas de Desenvolvimento
Proximal, isto é, atuando como ele-
mento de ajuda, de intervenção, tra-
balhando junto com o aluno numa
construção compartilhada do conhe-
cimento. Dessa maneira, o desenvol-
vimento é olhado prospectivamente:
o que importa são os processos que, vimento Proximal o professor atua Vigotski, com essa perspectiva
embora ainda não estejam consoli- de forma explícita interferindo no de aprendizagem promotora do de-
dados, existem embrionariamente desenvolvimento proximal dos alu- senvolvimento, resgata a importân-
no indivíduo. O desenvolvimento nos, provocando avanços que não cia da escola e do papel do profes-
real é o conhecimento que já está ocorreriam espontaneamente. Isso sor como agente indispensável do
construído no sujeito, o desenvol- é aprendizagem colaborativa, com- processo de ensino-aprendizagem.
vimento já consolidado. O aluno partilhada. Não é possível, dessa O que ocorre na escola: a ação do
professor e sua ajuda através de ex-
plicações, demonstrações, exemplos,
Computador e internet estimulam a orientações, instruções, forneci-

aprendizagem por permitirem o acesso mento de pistas, problematização de


situações, provocação de argumen-
a uma infinidade de informações e por tações e de reflexões críticas, são in-
potencializarem novas formas de pensamento gredientes importantes do processo
de ensino que podem levar o aluno
ao desenvolvimento.
chega ao novo conhecimento pela forma, pensar na aprendizagem É assim que Vigotski, ao con-
mediação de um outro (professor como algo só interno que se ex- siderar a aprendizagem como um
ou colega mais experiente), que ternaliza, mas numa rede dialógica processo essencialmente social, que
age em seu campo de possibilida- que parte do externo, internaliza- ocorre na interação com adultos e
des, construindo junto com ele para se e se expressa como ideias pro- companheiros mais experientes,
que, depois, ele possa construir so- duzidas no confronto com outras destaca que as funções psicológicas
zinho. Assim, na Zona de Desenvol- ideias e pessoas. humanas são construídas na apro-

66 história da pedagogia
mento, via interatividade, de que fala
A plasticidade interativa
própria das tecnologias
Vigotski. Estimulam novas formas
digitais permite a de pensamento no enfrentamento
construção de diversos com a hipertextualidade neles pre-
percursos de aprendizagem sente pela interrelação de diversos
gêneros textuais expressados por
diversas linguagens (sons, imagens
vocou algumas indagações. Como estáticas e dinâmicas, textos). A plas-
a escola pode ajudar os alunos a se ticidade interativa própria das tec-
constituírem como sujeitos pensan- nologias digitais trazidas pelo com-
tes, capazes de pensar e lidar com putador e internet permite, ainda, a
conceitos, argumentar, resolver pro- construção de diversos percursos de
blemas, para se defrontarem com di- aprendizagem através da atividade
lemas e problemas que a sociedade do sujeito que interage com o outro
da informação e comunicação de e com o objeto do conhecimento.
hoje lhes coloca? Finalizando, computador e inter-
Para se adequar às necessidades net não são, por si sós, garantias de
contemporâneas que pedem novas uma inovação no processo de apren-
formas de aprendizagem, especial- dizagem escolar. Tudo depende da
mente àquelas relacionadas ao uso do maneira como são usados, da media-
computador e da internet, a formação ção do professor. É essa mediação
inicial e continuada de professores que faz toda a diferença, pois é ela
precisa instaurar a reflexão sobre o que torna eficaz as duas outras me-
papel mediador do professor na pre- diações: a técnica e a simbólica. Nesse
paração dos alunos para o pensar. sentido, é importante considerar que
é insustentável o receio de que a pre-
priação de habilidades e conheci- Um novo ambiente sença do computador e da internet
mentos socialmente disponíveis. de aprendizagem na escola torne o professor desneces-
Essas ideias de Vigotski são Por tudo que disse até aqui, sário. Ao contrário, acentua-se, cada
complementadas por Vasili Daví- considero que computador e inter- vez mais, a importância de sua pre-
dov, para quem a tarefa da escola net são instrumentos tecnológicos sença, de sua mediação humana.
contemporânea não consiste em construídos pelo homem que não se O diálogo com Vigotski esti-
dar aos alunos um acúmulo de in- configuram como meras máquinas. mula-nos, portanto, a acreditar cada
formações, mas em ensinar-lhes Eles vão muito além disso. São de vez mais na instauração de espaços
a orientar-se independentemente fato mediadores do conhecimento reflexivos na escola que possibilitem
na informação científica e em ou- enquanto ferramenta material, mas, aos professores a construção de uma
tros tipos de informações, cons- principalmente, são mediadores do posição responsável e consequente
truindo conhecimentos. conhecimento, enquanto um instru- diante da incorporação no ambiente
Apoiado no pensamento de Da- mento simbólico, e permitem a me- escolar desses instrumentos cultu-
vídov, José Carlos Libâneo comenta diação com o outro. Computador e rais de aprendizagem.
que as crianças e jovens vão à escola internet abrem novas possibilidades
para aprender cultura e internali- de aprendizagem por permitirem o
zar os meios cognitivos de com- acesso a uma infinidade de informa- Maria Teresa de Assunção Freitas é doutora
em Educação (PUC- RJ), professora do
preender o mundo e transformá-lo. ções, pelas formas de pensamento Programa de Pós-Graduação em Educação da
Para isso, é necessário pensar, ou que são por eles potencializadas, pe- Universidade Federal de Juiz de Fora, onde
também exerce a função de Pró-Reitora de Pós-
seja, estimular a capacidade de ra- las interações possibilitadas e pela Graduação. Publicou, entre outros trabalhos,
ciocínio e julgamento, melhorar a interatividade que proporcionam. Vygotski e Bakhtin –Psicologia e Educação: um
capacidade reflexiva. Intertexto (Ática,1999), O Pensamento de Vygotski
Portanto, eles possibilitam a cons- e Bakhtin no Brasil (Papirus, 2002) e Cibercultura
A leitura desses autores me pro- trução compartilhada de conheci- e formação de professores (Autêntica, 2009).

história da pedagogia 67
Lev Vigotski EXCERTOS

CONHECIMENTO
VIVO e fecundo
por Ana Mercês Bahia Bock

© http://www.sxc.hu. Reprodução
Os trechos selecionados e expostos a seguir
exemplificam a riqueza e o refinamento da
produção intelectual vigotskiana

A
teoria histórico-cultural de Vi- mundo externo e não o mundo interno. Era preciso
gotski não poderia ter surgido repensar a psicologia e colocá-la em outro patamar
em outro lugar que não a União epistemológico. É isto que significou a teoria de Vi-
Soviética da primeira metade do gotski: uma nova perspectiva epistemológica para
século XX. Havia ali ambiente e a ciência do humano. De 1915 a 1934 Vigotski pro-
interesse social na produção de um conhecimento duziu um conjunto de textos que, sem dúvida, re-
que tomasse as formas de produção e as relações volucionaram a epistemologia dominante até então.
sociais como determinantes essenciais da constru- O que apresento a seguir é uma breve seleção de
ção da personalidade (ou da subjetividade como algumas passagens de sua vasta e instigante obra.
preferimos dizer hoje). Um país que estava fazendo
a revolução, instalando o socialismo e guiado por Teoria e método
ideias transformadoras que valorizavam os proces- “Proponho, pois, esta tese: a análise da crise
sos e não os resultados, a história e não suas cris- e da estrutura da psicologia testemunha
talizações, as relações sociais e não o indivíduo, o indiscutivelmente que nenhum sistema

68 história da pedagogia
Para Vigotski “um
indivíduo só existe como
filosófico pode dominar por outras vias, ou a partir um ser social, como um
diretamente a psicologia de outros pressupostos, fora membro de algum grupo”
como ciência sem a ajuda da dessa formulação, conduzirá
metodologia, ou seja, sem criar inevitavelmente a construções
uma ciência geral; que a única escolásticas ou verbalistas e a terminológica. Em resumo, a uma
aplicação legítima do marxismo dissolver a dialética em pesquisas tosca deformação do marxismo
em psicologia seria a criação e testes; a raciocinar sobre as e da psicologia” (“O Significado
de uma psicologia geral cujos coisas baseando-se em seus traços Histórico da Crise da Psicologia”.
conceitos se formulem em externos, casuais e secundários; In: Vigotski, L. S. Teoria e Método
dependência direta da dialética à perda total de todo critério em Psicologia. São Paulo: Martins
geral, porque essa psicologia objetivo e a tentar negar todas Fontes, [1927] 1996, p. 392).
nada seria além da dialética as tendências históricas no
da psicologia; toda aplicação desenvolvimento da psicologia; “Existem entre nós aqueles
do marxismo à psicologia a uma revolução simplesmente que pensam que o problema

história da pedagogia 69
Lev Vigotski EXCERTOS
© Ana Teixeira. Reprodução

Inscrição num muro em que trabalha. Histórico da Crise da Psicologia”,


Lisboa. “A relação entre o A dialética abarca a natureza, op. cit., pp. 392-393).
pensamento e a palavra é, antes o pensamento, a história: é a
de tudo, não uma coisa mas
um processo, é um movimento ciência em geral, universal ao “Psicologia será o nome comum
do pensamento à palavra e da máximo. Essa teoria do marxismo de toda uma família de ciências.
palavra ao pensamento” psicológico ou dialética da Porque nossa tarefa não consiste,
psicologia é o que eu considero em absoluto, em diferenciar nosso
psicologia geral. trabalho de todo o trabalho
da ‘psicologia e o marxismo’ Para criar essas teorias psicológico do passado, mas em
limita-se a criar uma psicologia intermediárias – ou metodologias, uni-lo num só conjunto sobre
que responda ao marxismo, mas ou ciências gerais – será necessário uma nova base com tudo que foi
o problema é, de fato, muito mais desvendar a essência do grupo estudado cientificamente pela
complexo. [...] necessária é a de fenômenos correspondentes, psicologia. [...] Essa psicologia
ainda não criada, mas inevitável, as leis sobre suas variações, suas de que falamos ainda não existe;
teoria do marxismo biológico e do características quantitativas e terá de ser criada e não por uma
materialismo psicológico, como qualitativas, sua causalidade, criar só escola. Muitas gerações de
ciência intermediária, que explique as categorias e conceitos que lhes psicólogos trabalham nisso [...] a
a aplicação concreta dos princípios são próprios, criar seu O Capital. nossa sociedade criará o homem
abstratos do materialismo [...] A psicologia precisa de seu novo. Fala-se da refundição
dialético ao grupo de fenômenos O Capital [...]” (“O Significado do homem como de um traço

70 história da pedagogia
distintivo da nova humanidade e composição de sua personalidade e é uma unidade indecomponível de
da criação artificial de uma nova a estrutura de seu comportamento ambos os processos e não podemos
ciência biológica, porque essa reveste-se de um caráter dependente dizer que ele seja um fenômeno
nova humanidade será a única e a da evolução social, cujos aspectos da linguagem ou um fenômeno
primeira espécie nova na biologia principais são determinados do pensamento [...] é a unidade
que se cria a si mesma [...]. pelo grupo” (“A Transformação da palavra com o pensamento”
Na futura sociedade, a psicologia Socialista do Homem [1930]”. (“Pensamento e Palavra [1934]”,
será, na verdade, a ciência Disponível em <www.marxists.org/ op. cit., p. 398).
do homem novo. Sem ela, a portugues/vygotsky/1930/mes/
perspectiva do marxismo e transformacao.htm>. Tradução “[...] a relação entre o pensamento
da história da ciência seria de Nilson Dória, 2004. Acesso em e a palavra é, antes de tudo, não
incompleta” (“O Significado 01/06/2010). uma coisa mas um processo, é
Histórico da Crise da Psicologia”, um movimento do pensamento à
op. cit., p. 417). Significados e sentidos palavra e da palavra ao pensamento.
“Começamos o nosso estudo pela À luz da análise psicológica,
O Homem tentativa de elucidar a relação essa relação é vista como um
“A personalidade torna-se para interior entre o pensamento processo em desenvolvimento,
si aquilo que ela é em si, através e a palavra nos estágios mais que passa por uma série de fases
daquilo que ela antes manifesta primários do desenvolvimento e estágios, sofrendo todas as
como seu em si para os outros. filogenético e ontogenético. mudanças que, por todos os seus
Este é o processo de constituição Descobrimos que o início do traços essenciais, podem ser
da personalidade. Daí está claro, desenvolvimento do pensamento e suscitadas pelo desenvolvimento
porque necessariamente tudo o que da palavra, período pré-histórico no verdadeiro sentido desta
é interno nas funções superiores ter na existência do pensamento e da palavra. Naturalmente não se
sido externo: isto é, ter sido para linguagem, não revela nenhuma trata de um desenvolvimento
os outros, aquilo que agora é para relação e dependência definidas etário e sim funcional, mas o
si. Isto é centro de todo o problema entre as raízes genéticas do movimento do próprio processo de
do interno e do externo. [...] Para pensamento e da palavra. Deste pensamento da ideia à palavra é um
nós, falar sobre processo externo modo, verifica-se que essas desenvolvimento. O pensamento
significa falar social. Qualquer relações, incógnitas para nós, não não se exprime na palavra mas nela
função psicológica superior foi são uma grandeza primordial e se realiza. Por isto, seria possível
externa – significa que ela foi dada antecipadamente, premissa, falar de formação” (unidade do ser
social; antes de se tornar função, fundamento ou ponto de partida de e do não-ser) do pensamento na
ela foi uma relação social entre todo um ulterior desenvolvimento, palavra. (“Pensamento e Palavra
duas pessoas. mas surgem e se constituem [1934]”, op. cit., p. 409).
unicamente no processo do
[...] Em forma geral: a relação desenvolvimento histórico da “A linguagem egocêntrica não
entre as funções psicológicas consciência humana, sendo, elas se desenvolve por uma linha
superiores foi outrora relação próprias, um produto e não uma de extinção mas por uma linha
real entre pessoas” (“Psicologia premissa da formação do homem” ascendente. Seu desenvolvimento
Concreta do Homem [1929]”. (“Pensamento e Palavra [1934]”, não é uma involução mas uma
Educação e Sociedade, ano xxi, no op. cit., p. 395). verdadeira evolução [...]. Essa
71, jul. 2000, pp. 24-25). linguagem está mais para os
“Encontramos no significado da processos de desenvolvimento da
“Como um indivíduo só existe palavra essa unidade que reflete criança, que estão voltados para
como um ser social, como um da forma mais simples a unidade o futuro e, por sua natureza, são
membro de algum grupo social em do pensamento e da linguagem. processos de desenvolvimento
cujo contexto ele segue a estrada O significado da palavra, como construtivos, criativos e plenos de
do desenvolvimento histórico, a tentamos elucidar anteriormente, significado positivo. Nossa hipótese

história da pedagogia 71
Lev Vigotski EXCERTOS

vê a linguagem egocêntrica como


uma linguagem interior por sua
função psicológica e exterior
por sua estrutura. Seu destino
é transformar-se em linguagem
interior” (“Pensamento e Palavra
[1934]”, op. cit., p. 430).

“[...] a linguagem interior surgiu


por intermédio da diferenciação
das linguagens egocêntrica e social
da criança” (“Pensamento e Palavra
[1934]”, op. cit., p. 473).
© http://www.sxc.hu. Reprodução

“A despeito de tudo, a linguagem


interior é uma linguagem, isto
é, um pensamento vinculado à
palavra. Mas se o pensamento
se materializa em palavra na
linguagem exterior, a palavra
morre na linguagem interior,
gerando o pensamento. A
linguagem interior é, até permanece estável em todas as em simultaneidade, na linguagem
certo ponto, um pensamento mudanças de sentido da palavra se desenvolve sucessivamente. Um
por significados puro [...]” em diferentes contextos. [...] o pensamento pode ser comparado
(“Pensamento e Palavra [1934]”, significado é apenas uma pedra no a uma nuvem parada, que
op. cit., p. 474). edifício do sentido” (“Pensamento e descarrega uma chuva de palavras”
Palavra [1934]”, op. cit., p. 465). (“Pensamento e Palavra [1934]”,
“[...] Paulham prestou um grande op. cit., p. 478).
serviço à análise psicológica “O sentido real de cada palavra é
da linguagem ao introduzir a determinado, no fim das contas, “O próprio pensamento não nasce
diferença entre o sentido e o por toda a riqueza dos momentos de outro pensamento mas do campo
significado da palavra. Mostrou existentes na consciência e de nossa consciência que o motiva,
que o sentido de uma palavra é a relacionados àquilo que está que abrange os nossos pendores e
soma de todos os fatos psicológicos expresso por uma determinada necessidades, os nossos interesses
que ela desperta em nossa palavra” (“Pensamento e Palavra e motivações, os nossos afetos e
consciência. Assim, o sentido é [1934]”, op. cit., p. 466). emoções. Por trás do pensamento
sempre uma formação dinâmica, existe uma tendência afetiva e
fluida, complexa, que tem várias “Assim, chegamos à conclusão de volitiva. Só ela pode dar a resposta
zonas de estabilidade variada. O que o pensamento não coincide ao último porquê na análise do
significado é apenas uma dessas diretamente com a sua expressão pensamento. Se antes comparamos
zonas do sentido que a palavra verbalizada. O pensamento não o pensamento a uma nuvem pairada
adquire no contexto de algum consiste em unidades isoladas que derrama uma chuva de palavras,
discurso e, ademais, uma zona mais como a linguagem. [...] O a continuar essa comparação
estável, uniforme e exata. Como pensamento é sempre algo figurada teríamos de assemelhar
se sabe, em contextos diferentes integral, consideravelmente maior a motivação do pensamento ao
a palavra muda facilmente de por sua extensão e o seu volume vento que movimenta as nuvens”
sentido. O significado, ao contrário, que uma palavra isolada. [...] (“Pensamento e Palavra [1934]”,
é um ponto imóvel e imutável que Aquilo que no pensamento existe op. cit., p. 479).

72 história da pedagogia
simples definição do nível de
A brincadeira é a melhor
desenvolvimento quando tentamos
forma de organização do
comportamento emocional esclarecer as relações reais entre o
processo de desenvolvimento e as
possibilidades da aprendizagem.
Devemos definir ao menos dois
ou aquele sentido, o mestre deve níveis de desenvolvimento da
suscitar a respectiva emoção do criança, sem cujo conhecimento
aluno e preocupar-se com que essa não conseguiremos encontrar
emoção esteja ligada a um novo a relação correta entre o
conhecimento. Todo o resto é saber processo do desenvolvimento
morto, que extermina qualquer infantil e as possibilidades de
relação viva com o mundo” (“A sua aprendizagem em cada caso
Educação no Comportamento concreto. Chamaremos o primeiro
Emocional [1926]”, op. cit., p. 144). nível de desenvolvimento atual da
criança. Temos em vista o nível
“A brincadeira é a melhor forma de desenvolvimento das funções
de organização do comportamento mentais da criança, que se formou
emocional. A brincadeira da como resultado de determinados
criança é sempre emocional, ciclos já concluídos do seu
desperta nela sentimentos fortes desenvolvimento” (“O Problema
e nítidos, mas a ensina a seguir do Ensino e do Desenvolvimento
Educação e afeto cegamente as emoções, a combiná- Mental na Idade Escolar [1926]”.
“Educar sempre significa mudar. las com as regras do jogo e o seu In: Vigotski, L. S. Psicologia
Se não houvesse nada para mudar objetivo final. Pedagógica. São Paulo: Martins
não haveria nada para educar” Assim, a brincadeira constitui Fontes, 2001, p. 478).
(“A Educação no Comportamento as primeiras formas de
Emocional [1926]”. In: Vigotski, L. comportamento consciente que “O mérito essencial da imitação
S. Psicologia Pedagógica. São Paulo: surgem na base do instinto e na criança consiste em que
Martins Fontes, 2001, p. 140). do emocional. É o melhor meio ela pode imitar ações que vão
de uma educação integral de muito além dos limites das
“Todos perdemos, em consequência todas essas diferentes formas e suas próprias capacidades, mas
dessa educação, o sentimento estabelecimento de uma correta estas, não obstante, não são de
imediato da vida e, por outro coordenação e um vínculo grandeza infinita. Através da
lado, o método insensível de entre elas” (“A Educação no imitação na atividade coletiva,
aprendizagem dos objetos Comportamento Emocional orientada pelos adultos a criança
desempenhou importante papel [1926]”, op. cit., p. 147). está em condição de fazer bem
nessa insensibilização do mundo e mais, e fazer compreendendo
esterilização do sentimento [...]. Aprendizagem e com autonomia. A divergência
A emoção não é um agente menor desenvolvimento da criança entre os níveis de solução de
do que o pensamento. O trabalho “É impossível contestar o fato tarefas – acessíveis sob orientação
do pedagogo deve consistir não empiricamente estabelecido e – com o auxílio de adultos e na
só em fazer com que os alunos reiteradamente verificado de que o atividade independente determina
pensem e assimilem geografia mas ensino, de uma forma ou de outra, a zona de desenvolvimento
também que a sintam [...]. deve estar combinado ao nível de imediato da criança [ou zona de
Por outro lado, são precisamente desenvolvimento da criança. [...] desenvolvimento proximal].
as reações emocionais que devem Entretanto, só recentemente [...] O que hoje a criança faz com
constituir a base do processo se deu atenção ao fato de que o auxílio do adulto fará amanhã
educativo. Antes de comunicar esse não podemos nos limitar a uma por conta própria. A zona do

história da pedagogia 73
Lev Vigotski EXCERTOS

desenvolvimento imediato pode não devia atuar” (“O Problema como função intrapsíquica”
determinar para nós o amanhã da do Ensino e do Desenvolvimento (“O Problema do Ensino e do
criança, o estado dinâmico do seu Mental na Idade Escolar [1926]”, Desenvolvimento Mental na Idade
desenvolvimento que leva em conta op. cit., p. 481). Escolar [1926]”, op. cit., p. 483).
não só o já atingido mas também
o que se encontra em processo de “Ao contrário do velho ponto “[...] os processos de
amadurecimento” (“O Problema de vista, a teoria da zona do desenvolvimento não coincidem
do Ensino e do Desenvolvimento desenvolvimento imediato permite com os processos de aprendizagem,
Mental na Idade Escolar [1926]”, propor a forma oposta, segundo os primeiros vêm atrás dos
op. cit., p. 480). a qual só é boa a aprendizagem segundos, que criam zonas de
que supera o desenvolvimento” desenvolvimento imediato.
“Esse fato [...] subverte toda a teoria (“O Problema do Ensino e do Desse ponto de vista muda também
da relação entre os processos de Desenvolvimento Mental na Idade a concepção da relação entre
aprendizagem e desenvolvimento Escolar [1926]”, op. cit., p. 482). aprendizagem e desenvolvimento.
da criança. Em primeiro lugar, ele Na ótica tradicional, no momento
modifica a concepção pedagógica “[...] toda função psíquica em que a criança assimilou o sentido
tradicional do diagnóstico do superior no desenvolvimento da de alguma palavra (por exemplo, a
desenvolvimento. Antes essa questão criança vem à cena duas vezes: a palavra “revolução”), ou dominou
se concebia da seguinte forma: primeira como atividade coletiva, alguma operação (por exemplo, a
através de testes determinava-se o social, ou seja, como função soma, a escrita), os processos de seu
nível de desenvolvimento mental interpsíquica; a segunda, como desenvolvimento estão basicamente
da criança com a qual a pedagogia atividade individual, como modo concluídos. Desse novo ponto
teria de contar e fora de cujos limites interior de pensamento da criança, de vista esses processos apenas
começam nesse momento. [...]
Nossa hipótese estabelece a
© http://www.sxc.hu. Reprodução

unidade mas não a identidade


dos processos de aprendizagem
e dos processos internos de
desenvolvimento. Ela pressupõe a
transformação de um em outro”
(“O Problema do Ensino e do
Desenvolvimento Mental na Idade
Escolar [1926]”, op. cit., p. 486).

“[...] embora a aprendizagem


esteja imediatamente relacionada
ao desenvolvimento da criança,
ainda assim eles nunca estão em
igualdade nem em paralelismo
entre si. O desenvolvimento
da criança nunca segue a
aprendizagem escolar como

O mérito essencial da imitação


na criança consiste em que
ela pode imitar ações que vão
muito além dos limites das
suas próprias capacidades

74 história da pedagogia
O melhor método é aquele em que
as crianças não aprendam a ler
e escrever, mas, sim, descubram
essas habilidades durante
as situações de brinquedo

uma sombra atrás do objeto


que a projeta. Por isso os testes
de conquistas escolares nunca
refletem a marcha real do
desenvolvimento da criança. Em
realidade, entre os processos de
desenvolvimento e aprendizagem
se estabelecem dependências
dinâmicas as mais complexas, que

© Reprodução
não podem ser abrangidas por uma
forma especulativa única e a priori”
(“O Problema do Ensino e do
Desenvolvimento Mental na Idade
Escolar [1926]”, op. cit., p. 487).
representativo. Essa é a chave de que ela se desenvolverá não
Escrita viva para toda a função simbólica do como hábito de mão e dedos, mas
“O gesto é o signo visual inicial que brinquedo das crianças” (“A Pré- como uma forma nova e complexa
contém a futura escrita da criança, História da Linguagem Escrita”, op. de linguagem” (“A Pré-História da
assim como uma semente contém cit., p. 143). Linguagem Escrita”, ibidem).
um futuro carvalho. Como se tem
corretamente dito, os gestos são a “A leitura e a escrita devem ser “[...] o melhor método é aquele
escrita no ar, e os signos escritos algo de que a criança necessite. em que as crianças não aprendam a
são, frequentemente, simples [...] a escrita é ensinada como ler e escrever mas, sim, descubram
gestos que foram fixados” (“A Pré- uma habilidade motora e não essas habilidades durante as
História da Linguagem Escrita”. como uma atividade cultural situações de brinquedo. Para isso é
In: Vigotski, L. S. A Formação complexa. Portanto, ensinar a necessário que as letras se tornem
Social da Mente. 6a ed. São Paulo: escrita nos anos pré-escolares elementos da vida das crianças,
Martins Fontes, 1998, pp. 141-142). impõe, necessariamente, uma da mesma maneira como, por
segunda demanda: a escrita deve exemplo, a fala. Da mesma forma
“A segunda esfera de atividades que ser ‘relevante à vida’ [...]” (“A Pré- que as crianças aprendem a falar,
une os gestos e a linguagem escrita História da Linguagem Escrita”, elas podem muito bem aprender a
é a dos jogos das crianças. Para elas, op. cit., p. 156). ler e escrever” (“A Pré-História da
alguns objetos podem, de pronto, Linguagem Escrita”, ibidem).
denotar outros, substituindo-os “Uma segunda conclusão, então, é
e tornando-se seus signos; não é de que a escrita deve ter significado
Ana Mercês Bahia Bock é psicóloga, mestre
importante o grau de similaridade para as crianças, de que uma e doutora em Psicologia Social pela PUC-SP e
entre as coisas com que se brinca e o necessidade intrínseca deve ser também professora titular da mesma universidade.
objeto denotado. O mais importante Escreveu, entre outras obras, Psicologias (Saraiva,
despertada nelas e a escrita deve 14ª ed., 2010) e Aventuras do Barão de Munchhausen
é a utilização de alguns objetos ser incorporada a uma tarefa na Psicologia (EDUC/Cortez, 1999). Organizou e
como brinquedos e a possibilidade necessária e relevante para a vida. é coautora de Psicologia Sócio-Histórica (Cortez,
2001 e 2009) e Compromisso Social da Psicologia
de executar, com eles, um gesto Só então poderemos estar certos (Cortez, 2003 e 2010).

história da pedagogia 75
LEV VIGOTSKI BIBLIOGRAFIA COMENTADA

Traduções
publicadas no
Brasil (1984-2010)
por Achilles Delari JÚnior

Num período de 26 anos, 31 títulos de Vigotski foram


publicados no Brasil, distribuídos em 18 volumes distintos.
Isto representa apenas cerca de 10% de sua produção

E
m março de 1926, o advogado, his- Sherrington e outros estudiosos europeus e norte-
toriador, filólogo, educador, tra- americanos do tema. Desde então, até a dissolução
dutor poliglota, crítico literário de seu grupo em 1931, ou mesmo depois até sua
Lev Vigotski está com 29 anos e morte em 1934, com a publicação e leitura de bem
já é Doutor em Ciências, com a pouco de sua vasta obra irá deleitar-se.
valiosa tese Psicologia da arte aprovada, sem defesa, Em 1936, seus trabalhos saíram de circulação na
desde o ano anterior. Mesmo com estes e outros ex-URSS, por força de decreto destinado a corrigir
tantos raros predicados, lembrados hoje em diver- “erros pedológicos”, mesmo sendo ele também um
sos relatos biográficos, sente-se isolado e anônimo crítico severo de muito do que se veio a proibir.
em sua própria nação. Mas, bem-humorado, ironiza Apenas em 1956 alguns de seus textos voltaram
sua condição em carta ao amigo Aleksandr Luria a ser publicados em honrosas mas ainda tímidas
(1902-1977): “Quem nos lê aqui? [...]. Eu mesmo te- iniciativas editoriais. Só de 1982 a 1984 publicam-se
nho a esperança de forçar minha filha a ler meus na URSS suas Sobranie Sotchinenii (Собрание Сочи-
artigos (começando aos cinco anos), mas você não нений) ou Obras Reunidas, em seis tomos. Nestes
© Reprodução

tem nenhuma criança!” (carta de 5 mar. 1926). E fala volumes constam, ao todo, 54 títulos independen-
sobre o “deleite” em saber que seu texto em inglês tes, desde livros completos, com vários capítulos, a
sobre “psicologia dos surdos-mudos” será lido por breves “teses de informe” em congressos.

76 história da pedagogia
Montagem com
capas de diversos
livros de Vigotski
publicados no Brasil

história da pedagogia 77
Lev Vigotski BIBLIOGRAFIA COMENTADA

Obra do artista africano


Barthélémy Toguo. Para Vigotski:
“A arte não é um complemento da
vida, mas o resultado daquilo que
excede a vida no ser humano”

Em 1996, Tamara M. Linovova


publica uma compilação, segundo ela
“completa”, dos trabalhos de Vigotski,
com 282 títulos – além do registro de
79 cartas. De fato, houve trabalhos
muito importantes publicados em
russo além do contemplado no plano
das Obras em 1982-84. Mesmo assim,
isso está longe de perfazer todo o
acervo preservado nos arquivos de fa-
mília do autor, que entra no cômputo
da historiadora russa Tamara Lifa-
nova [ver quadro da página 87].
No ano passado, 2009, circulou de tradução é demorado e repleto de logia, flagrante para qualquer leitor
por fóruns acadêmicos na internet um limitações. A tradução ao espanhol do mais atento. Entre muitos méritos a
“anúncio” de lançamento da edição “Tomo I”, de Madrid, mais acessível a reconhecer e uns tantos limites a su-
em 15 tomos (ou mais) das “Obras” nós que a de Havana, só veio a público perar, de 1984 a 2009, dos 282 títulos
do “Mozart da psicologia” (epíteto em 1991, desde então chegou-se ao de Vigotski compilados por Lifanova,
criado por Stephen Toulmin). Que quinto volume só em 1997 e não há no- levantamos aqui exatamente 31 publi-
teria como “editor-in-chef” sua neta tícia do sexto, até o momento – exceto cados no Brasil, de alguma maneira,
Elena E. Kravtsova, filha de Guita fragmentado em outros, perdendo distribuídos em 18 volumes distintos.
L’vovna. Veem-se ali títulos ausentes todos os ricos posfácios, notas e índi- De dois dos 31 títulos originais (His-
no trabalho de Lifanova. Raridades, ces. No Brasil, a primeira composição tória do Desenvolvimento das Funções
como “Cadernos Clínicos” (inclusive com textos extraídos das Obras, veio Psíquicas Superiores; e Instrumento
o da Clínica de Don, 1933-34); “No- a público apenas em 1996, traduzida e Signo) há apenas alguns excertos.
tas Marginais de Vigotski à “Ética” do espanhol, num volume “mutilado”, Seja compondo coletâneas, entrando
de Spinoza”; e o mais precoce dos intitulado Teoria e Método em Psicolo- como artigos em revistas, ou em volu-
trabalhos conhecidos de L. S. Vi- gia – preservando os méritos da fonte, mes completos fiéis à organização da
gotski (1912) devotado ao Eclesiastes. mas também reproduzindo à risca as edição original – nós os encontramos
E-mails com o conteúdo deta- suas incorreções, das mais óbvias às traduzidos do inglês, do espanhol ou
lhado desses 15 tomos foram enviados mais comprometedoras. do russo. Certos títulos foram publi-
e especificaram-se preços para a en- Embora desde 1984 se publique cados duas vezes, traduzidos de lín-
comenda dos primeiros volumes. Mas Vigotski no Brasil, sua primeira tra- guas diferentes. A isto se soma uma
logo tudo se adiou indefinidamente e dução mais volumosa diretamente breve carta, dentre as 73 de que se
nada de mais objetivo se pôde saber do russo só veio a público em 1999 tem notícia, inserida em Vigotski e
sobre o assunto, mesmo da parte de – seguida de outras iniciativas im- Leontiev: Ressonâncias de um Passado,
“scholars” mais próximos à família de portantes, mas não isentas de ques- artigo recente de Elisabeth Tunes e
Vigotski, como René Van der Veer ou tionamento quanto às opções feitas Zoia Prestes, sobre a ruptura ou não
Dorothy Robbins. pelo tradutor – não por desconhecer entre Vigotski e Leontiev.
Não bastasse tal escassez de pu- a língua russa, certamente, mas por Refletir sobre causas históricas, cul-
blicações mesmo em russo, o processo sua pouca familiaridade com a psico- turais, políticas, de tratamento edito-

78 história da pedagogia
Títulos de Vigotski
© Barthélémy Toguo, Liberdade guiando o povo, instalação, 2010. Reprodução
publicados no Brasil
A data inicial é referente à da redação da obra. No final do
texto relacionado está a data de sua publicação no Brasil,
cuja edição está detalhada no quadro das páginas 88 e 89

1915-1916 Investigação Reflexológicos e


A Tragédia de Hamlet, Príncipe Psicológicos” (1996b, pp. 3-31).
da Dinamarca, de W. Shakespeare
O tema desta obra não surge no va- “Prefácio” ao manual de Lazurski, A.
zio – há forte relação de Vigotski com F. – Psicologia Geral e Experimental
o teatro, desde menino. Só se publi- Trata-se do prefácio à 3ª edição
cou na Rússia em 1968 e no Brasil em (póstuma) de um manual introdutório.
1999. Trabalho juvenil, mas de grande Vigotski diz ter feito correções ao texto
rial tão relapso para com um autor tido densidade espiritual (subjetiva). Nele de Aleksandr Fiodorovitch Lazurski
por Jerome Bruner como um “titã da há um interesse precoce por questões (1874-1917) para que ficasse mais coe-
psicologia” ao lado de Sigmund Freud metodológicas: como a distinção entre rente com sua ideia geral – expediente
(1856-1939) e Jean Piaget (1896-1980), os papéis de “crítico-criador” e “crí- bastante usado depois de sua morte
não cabe aqui. Nem está em jogo “quem tico-leitor” – que “arranca” da obra por editores de seus próprios trabalhos.
lê Vigotski, aqui?”. Muitos o temos lido, “entonações internas” que nos apre- Seja como for, tal autor é relevante do
mediante nossas condições efetivas e sentará como mediação para o encon- ponto de vista metodológico. Não
potenciais, atentos, como bons “estran- tro com o que ela possui de mais pro- tanto por seu sistema qualitativo para
geiros”, para os desafios que seu le- fundo e transcendente. Além disso, já avaliação de diferenças individuais e
gado científico ainda hoje nos assinala. foca temas psicológicos aos que serão estabelecimento de tipologias, quanto
Deste modo, o que segue não aborda retomados no futuro, como os proble- pela noção de “experimento natural”
“quem” lê Vigotski aqui hoje e/ou mas da “vivência” e do “ato volitivo”. que a tal sistema subjaz.
“como”, tema de outra seção desta re- No Brasil: A tragédia de Hamlet, O prefácio, como tal, toca diferen-
vista, mas faz uma breve exposição de príncipe da Dinamarca (1999b). tes pontos de psicologia geral, desta-
“o que de Vigotski foi publicado no Brasil”. cando-se o tema da crise metodológica
País de lutadores aguerridos e ta- 1924 da psicologia como ciência – algo reto-
lentos incontestáveis, mas também de “Métodos de investigação mado detidamente em “O Sentido His-
várias modalidades de desigualdade reflexológica e psicológica” tórico da Crise da Psicologia”, de 1927.
social por enfrentar, com urgência. Texto que recupera uma das No Brasil: “A Psicologia Geral e
O que nos desafia constantemente, apresentações de Vigotski no II Con- Experimental (prólogo ao livro de
quanto ao método e à teoria mediante gresso de Psiconeurologia, de 1924, A. F. Lazurski)” (1996b, pp. 33-53)
os quais devemos fazê-lo. Demandas, na então Petrogrado. Apresenta tanto
por certo, anteriores à tarefa laboriosa influência pavloviana, mais tarde su- Psicologia Pedagógica
(talvez ainda demasiado excêntrica/ perada quanto pontos basilares para Esta obra para fins didáticos, publi-
elitizada) de aprender uma língua tão seu trabalho posterior, como o papel cada em 1926, foi escrita em conexão
linda quanto opaca para nós, como o fundante da alteridade na constitui- com a experiência docente do autor em
russo de Púshkin e Dostoiévski, de ção da “consciência de si”. Gomel. Ele a teria apresentado para
Bakhtin e Vigotski. No Brasil: “Os Métodos de publicação em 1924 à editora estatal

história da pedagogia 79
Lev Vigotski BIBLIOGRAFIA COMENTADA

(GIZ), sem sucesso. No livro há claras pela existência social). Por outro, sem 1926
influências da reflexologia de Pavlov, uma dimensão simbólica e/ou de pla- “Prefácio” a Thorndike,
vista como perspectiva progressista. nejamento mental, não há trabalho. E. Princípios da Instrução
Dialoga com Freud e outros impor- Nesse sentido, mesmo que a abelha e Baseados na Psicologia
tantes nomes da psicologia da época, aranha tenham atividades voltadas a Em “Principles of Teaching,
sem maiores confrontos. Também satisfazer necessidades, jamais “traba- Based on Psychology” (1906), tradu-
menciona Lev Trotski (1879-1940) lham”. Vigotski se empenha por dizer ziu-se teaching por obutchenie. Pala-
quanto ao projeto de sociedade e de que a consciência permanece como ob- vra russa que, em versões brasileiras
homem ao qual psicologia e educação jeto da psicologia, já que nos diferen- de Vigotski, aparece como “apren-
devem voltar-se. Dentre os conteúdos cia de todos os outros seres. Contudo, dizado”, “aprendizagem”, “ensino”,
seus relevantes para a prática pedagó- ela não explica a si própria, nem deve “educação”, “instrução”. O prefácio
gica cabe destacar: (a) a relação entre permanecer inexplicável como na “ve- trata de relações profundas entre
organização das práticas educativas e lha psicologia”. Cabe estudar objetiva- psicologia e educação: “O novo sis-
seu papel na luta de classes; (b) a con- mente as condições de sua emergência. tema não precisará se esforçar para
cepção de que as práticas coletivas na No Brasil: “A Consciência como extrair de suas leis as derivações pe-
escola são capazes de criar “vínculos Problema da Psicologia do dagógicas nem adaptar suas teses à
sociais que ajudem a elaborar o cará- Comportamento” (1999b, pp. 52-92). aplicação prática na escola, porque a
ter moral” (2003, p. 220), entendendo solução para o problema pedagógico
que “educar significa organizar a vida” Psicologia da Arte está contida em seu próprio núcleo
(idem); tanto quanto (c) a orientação de Obra que constitui tese doutoral teórico, e a educação [vospitanie] é a
que a educação estética, ao seu turno, não defendida, mas aprovada em 1925. primeira palavra que menciona” (Vi-
não deve instrumentalizar a arte em Três gêneros literários são discuti- gotski, 1996, p. 151, grifo nosso). En-
função de mensagens morais; o que se dos: (a) a fábula – discute 11 títulos de tendemos tratar-se de “educação”
complementa com (d) a noção de que Ivan Krilov (1769-1844); (b) o conto (“vospitanie” – tb. “formação”) seu
“a arte não é um complemento da vida, – analisa “Hálito Leve” de Ivan Bu- sentido antropológico mais amplo,
mas o resultado daquilo que excede a nin (1870-1953); e (c) a tragédia – re- como inscrição das novas gerações
vida no ser humano” (idem, p. 233). toma Hamlet, Príncipe da Dinamarca, em práticas culturais que são, a um
No Brasil: Psicologia Pedagógica de Shakespeare. Aqui o tratamento só tempo, constitutivas do desenvol-
(2001b; 2003). metodológico não é mais o da “crítica vimento psíquico humano – não cir-
do leitor” e sim o do “método obje- cunscrito à instrução escolar.
1925 tivo analítico”. Tem-se como objeto a No Brasil: “Prólogo à Versão
“A Consciência como Problema da especificidade estética da própria lin- Russa do Livro Princípios de
Psicologia do Comportamento” guagem da obra na organização de Ensino Baseados na Psicologia”
Texto não apresentado em 1924 suas contradições forma-conteúdo, (1998, pp. 149-178).
no Congresso de “Leningrado”, como que visam provocar determinadas
disseram alguns autores, mas escrito emoções e não outras – dado o ca- “Por Motivo do Artigo de
e publicado em 1925, em coletânea ráter social e não puramente idios- K. Koffka sobre Introspecção”
organizada por K. Kornilov. O tema sincrático de sua constituição. Critica Breve artigo comentando texto
da “consciência” corria o risco de ser as ideias de Freud sobre a relação da de Kurt Koffka, originalmente pu-
rotulado “idealista”, no contexto da arte com a sexualidade e o complexo blicado em inglês “Introspection and
campanha oficial por construção de de Édipo. Visa superar análises psi- the Method of Psychology” no perió-
uma psicologia objetiva marxista. cologistas que focam ora a vivência dico The British Joumal of Psychology.
Contudo, já na epígrafe, o autor re- subjetiva criadora do autor, ora a vi- Nele Vigotski fala da necessidade de
corre a Marx citando uma passagem vência subjetiva de fruição do leitor/ diálogos internacionais para que a
d’ O Capital. Nela se alude ao “projeto espectador. Nesse sentido a arte é psicologia avance como ciência.
mental” como imanente à própria de- entendida como uma “técnica social No Brasil: “Sobre o Artigo de
finição do trabalho humano como tal. dos sentimentos” que se realiza, por- Koffka ‘A Introspecção e o Método
Por um lado, é o trabalho social que tanto, como “o social em nós”. da Psicologia’. A Título de
engendra a consciência (determinada No Brasil: Psicologia da Arte (1999a). Introdução” (1996b, pp. 87-92).

80 história da pedagogia
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Se a escrita é “linguagem”,
1927 microcosmo) e a importância da lin- sua gênese não está no puro
O Sentido Histórico guagem para a constituição do pen- domínio de hábitos motores,
como “pré-requisitos”, mas
da Crise da Psicologia samento científico.
sim em atividades simbólicas,
Optamos por “sentido” por tra- No Brasil: “O Significado Histórico como o jogo e o desenho.
tar-se de “smisl”, não de “znatchenie”. da Crise Psicologia – Uma
Vigotski diferenciará tais termos: Investigação Metodológica” (1996b,
o segundo, conhecemos por “signi- pp. 203-417).
ficado”; e o outro, por “sentido”. O “Sobre a Questão do
tema da “crise da psicologia” fora 1928 Multilinguismo na Idade Infantil”
antes levantado por psicólogos ges- “Sobre a Questão da Neste texto, enfatiza-se a necessi-
taltistas. Esse diz respeito à difi- Dinâmica do Caráter Infantil” dade de não atentarmos para as fun-
culdade metodológica desta ciência Trabalho publicado em 1928 na ções e/ou processos mentais em se-
nascente em dar conta de seu objeto, revista Pedologuiia i Vospitanie. O parado, mas para o desenvolvimento
cindido pelo dualismo que marcou problema da dinâmica do caráter social da personalidade em seu con-
a sua própria “fundação”. Vigotski é discutido basicamente tendo em junto estrutural e dinâmico. O que
critica Freud e combate o ecletismo conta a crítica à tipologia vigente à ajuda a pensar, por exemplo, proces-
freudo-marxista. época, para a qual os vetores bioló- sos envolvidos na gênese social do do-
O livro antecipa, ainda, princí- gicos herdados eram decisivos e as mínio de mais que uma língua. O “bi-
pios como o da análise das relações relações sociais vistas apenas como linguismo deve ser estudado em toda
interfuncionais e da sua organização “fatores” externos, que só podem sua amplitude e em toda a profundi-
sistêmica, próprios ao pensamento “influenciá-los”, seja no sentido de dade de suas influências no desenvol-
mais avançado do autor. Nota-se potencializar ou de limitar tendên- vimento psíquico da personalidade
também semelhança entre a ênfase cias inatas. da criança de forma integral” (p. 12).
dada depois para a palavra signifi- No Brasil: “Sobre a Questão da No Brasil: Sobre a questão do
cativa na constituição da consciên- Dinâmica do Caráter Infantil” multilinguismo na infancia
cia (como sua unidade de análise e (2006, pp. 279-291). (2005, pp. 11-12).

história da pedagogia 81
Lev Vigotski BIBLIOGRAFIA COMENTADA

1929 “pessoa”, “ser humano”: homem


“Pré-História da Linguagem Escrita” ou mulher. O fato, de nesta obra,
Cabe notar que aqui a palavra “pessoa” e “homem” poderem tra-
“linguagem” traduz “retch” – como duzir um mesmo termo russo não
termo que contempla não só “fala”, é só “curiosidade”. A conceituação
mas também a “escrita”. Se a escrita de “homem” está entre suas preo­
é “linguagem” sua gênese não está cupações centrais, assim como a
no puro domínio de hábitos motores, busca por definir o papel histórico
como “pré-requisitos”, mas sim em da psicologia na compreensão e
atividades simbólicas, como o jogo e constituição do devir humano: do
o desenho. Se a escrita é “linguagem”, “em si” ao “para si”, mediante um
como tal deve ser significativa e cabe “para o outro”.
escrever o que faça sentido. Ela tam- No Brasil: “Manuscrito de 1929
bém implica uma necessidade singu- [Psicologia Concreta do Homem]”
lar de sistematização, pois supõe um (2000, pp. 21-44 ).
interlocutor não presente no campo
sensorial imediato. É, portanto, uma 1930
forma de atividade mediada por ex- Estudos sobre História do
celência, culturalmente produzida Comportamento (O Macaco.
e apropriada, constitutiva de nossa O Primitivo. A Criança.).
existência social. Juntamente com A. R. Luria
No Brasil: “A Pré-História Segundo Valsiner e Van der
da Linguagem Escrita” Veer, trata-se de um dos principais
(1984 – pp. 119-134). livros da chamada “teoria histórico-
cultural” elaborada e desenvolvida
“Psicologia Concreta do Homem” por Vigotski e Luria entre 1928 e
Este título não foi dado por Vi- 1931. Para tal teoria, o desenvol-
gotski, mas pela edição russa de ano- vimento humano é um entrelaça-
tações programáticas dele, publicada mento dialético entre duas linhas
em 1986, sob a responsabilidade de genéticas: a natural e a cultural.
Andrei Puzirei. Algumas das ano- Esta, por sua vez, materializa-se no
tações são retomadas literalmente curso de relações sociais, histori-
em “A História do Desenvolvimento camente constituídas ao longo de
das Funções Psíquicas Superiores” incontáveis gerações, que criam e
© Jorge Vieira, Duas cabeças, terracota com engobes, 1952. Reprodução

de 1931; e no cap. 16 da Pedologia do transmitem aos mais novos práticas


Adolescente, de 1930-31. mediadas de relação com a natureza
Na versão brasileira, a mesma e com seus semelhantes.
palavra russa “tchelovek”, traduzida Este livro, particularmente, tem
por “homem” no título do editor características pouco comuns em
russo, no corpo do texto aparecerá obras de Vigotski: foi publicado an-
só uma vez como “homem” (p. 39) tes de sua morte e pela editora esta-
e nas demais como “pessoa”. O plu- tal (GIZ), em Moscou e Leningrado;
ral “pessoas”, na página 24, traduz e é bastante sistemático na organiza-
o coletivo “liudi” (люди). “Tchelo- ção geral de suas seções. Luria con-
vek” significa “homem” na nossa tribuiu, mas não é bem uma obra “a
acepção mais “genérica”, sem as quatro mãos”.
marcas de diferença de “gênero” Teoricamente, o modo de com-
que temos em português. Por- preender o papel “signo” implica
tanto “tchelovek” pode ser também sua interposição entre um estímulo

82 história da pedagogia
ambiental (S) e a resposta humana mesmo “arte”. Em estudos de esté-
(R). Como Vigotski dissera antes, tica literária, por exemplo, pode-se
em trabalhos reflexológicos, o ho- falar de “словесное творчество [sloves-
mem não pode responder a todos noe tvortchestvo]” – “criação verbal”.
os estímulos. Agora se nota que, O livro é muito rico, mas des-
com auxílio de sistemas de signos, taca-se a ideia central defendida pelo
pode interferir ativamente sobre a autor, contrária ao senso comum, de
produção de suas próprias respos- que a imaginação tão somente nos
tas. Algo que o macaco não faz, o distancia da realidade, ao contrário,
primitivo já realiza de diferentes imaginação e realidade relacionam-
maneiras, e a criança virá a reali- se de modo íntimo, seja para imagi-
zar pela instrução de pessoas mais nar realidades existentes no espaço,
experientes. Mesmo o instrumento ou no tempo, termos a experiência
usado pelo ser humano não é como a sensorial delas.
vara de que um macaco se vale para A indicação pedagógica mais evi-
alcançar uma fruta. Isto porque é dente de Vigotski a partir disso é a
próprio do ser humano “guardar de que o desenvolvimento da imagi-
a ferramenta” para usar depois, já nação não se dá onde não há interfe-
que somos capazes não só de usá-la rência do meio social. E se se deixa a
mas também de abstrair suas carac- criança “criando” por conta própria,
terísticas funcionais. Dessa maneira menos recursos terá para imaginar
as medições da cultura (simbólicas e ser criativa. Cabe à educação pro-
e instrumentais) se entrelaçam no porcionar experiências e não se omi-
processo histórico que cria as for- tir de intervir para que o aluno “use
mas propriamente humanas de a imaginação”.
“comportamento”, ou atividade. No Brasil: Imaginação e Criação
A edição brasileira (1996) foi na Infância: Ensaio Psicológico:
traduzida da americana, publicada Livro para Professores (2009).
em 1993.
No Brasil: Estudos sobre História Instrumento e Signo
do Comportamento: O Macaco, o Este é outro dos principais livros
Primitivo e a Criança (1996a). da chamada “teoria histórico-cultu-
ral” – desenvolvida por Vigotski e
Imaginação e Criação na Idade Luria de 1928 a 1931. A datação para
Infantil (Ensaio Psicológico) 1930 é incerta, aparecendo seguida de
Trabalho também publicado pela ponto de interrogação na lista de Li-
GIZ, Moscou e Leningrado. Trata-se fanova. Sua primeira publicação russa
de ensaio, em linguagem didática, so- foi em 1984, no tomo VI das Obras. No
bre o tema da “criação” (творчество Brasil nunca foi publicada na íntegra.
[tvortchestvo]) – traduzido em diferen- Mas há alguns excertos dela na co-
tes línguas também por termos como letânea A Formação Social da Mente,
“criatividade”, “trabalho criativo”, ou de 1984, traduzida do inglês Mind
in Society – the Development of Higher
Psychological Process, de 1978. Nota-se
que o ano de publicação dos excertos
Escultura do artista português no Brasil é o mesmo que da primeira
Jorge Vieira. Para Vigotski
“imaginação e realidade publicação na Rússia. Mas não é um
relacionam-se de modo íntimo” mérito nosso. Ocorre que se publi-
cou antes nos Estados Unidos que

história da pedagogia 83
Lev Vigotski BIBLIOGRAFIA COMENTADA

na própria Rússia, por colaboração explícita sobre questões relativas


do grupo de Cole com Luria, que em à organização político-econômica
1973 já tinha sugerido a publicação das sociedades. Cabe destacar que a
de uma coletânea de Vigotski. E no visão de Vigotski sobre a possibili-
Brasil se traduziu do inglês, apenas dade de produção histórica de um
por isso a coincidência com o ano da “novo homem socialista” confronta
edição russa. diretamente a visão irracionalista
Em vários textos em português e vitalista de Friedrich Nietzsche
“znak” está traduzida, corretamente, (1844-1900). Vigotski é um crítico
como “signo” – já que, em semiótica, severo da cosmovisão nietzchiana,
“símbolo” se reservaria para uma mesmo que aprecie algo de suas
modalidade específica de processo imagens literárias. Para o psicólogo,
de significação. Todo símbolo é um a criação de formas mais avançadas

© Ana Teixeira. Reprodução


signo, mas nem todo signo é sím- da vida humana não demanda o sur-
bolo. De todo modo, o conceito de gimento de um “além-do-homem”
signo nesta obra não está ainda tão (“übermensch”) com base em princí-
desenvolvido quanto nos estudos pios biológico-evolutivos, naturais.
posteriores de Vigotski, escritos Além disso, a concepção vigotskiana
pouco antes sua morte. de “transformação socialista do ho-
No Brasil: A Formação Social da mem” não postula relações mecâ-
Mente (1984, caps. 1-4, pp. 21-65). nicas entre a posição das pessoas
na luta de classes (ou numa futura desde já, um “novo homem” ou uma
“Sobre os Sistemas Psicológicos” sociedade sem classes) e a gênese “nova mulher”.
Neste momento da trajetória cien- social de sua personalidade. Se vivo No Brasil: “A Transformação
tífica de Vigotski, a noção da organi- numa sociedade de classes e sou de Socialista do Homem”
zação sistêmica das funções psicoló- classe trabalhadora, não implica me- (2004; 2006b).
gicas superiores está em elaboração. canicamente que minha personali-
Neste texto é de particular interesse dade se desenvolva exclusivamente História do Desenvolvimento
ver não as funções de modo isolado, como “de trabalhador”. Para além das Funções Psíquicas Superiores
mas sim as relações entre elas, e o pa- disso, ocorre que o desenvolvimento Publicação póstuma. Sua primeira
pel que desempenham no conjunto da personalidade implica a incorpo- edição foi em 1960 – só com cinco ca-
da personalidade social. Ele comenta ração de todo o conjunto de lutas so- pítulos. Com 15 capítulos veio a pú-
isso para diferentes processos: atenção ciais próprio do momento histórico blico apenas nas Obras – no Tomo 3,
e memória; o sonho, e o pensamento. em que se vive. Tal reflexão, por um em 1983. No Brasil só se publicou um
Em síntese, a visão de qualquer função lado, abre perspectivas, por não ver- único, embora importante, excerto.
psíquica superior não existe de modo mos a reprodução de certas formas Trata-se do trabalho que compõe o
autônomo, mas como algo que ganha de agir como inevitáveis – como uma capítulo 5 de “A Formação Social da
sentido e cumpre função na vida de suposta atitude de “subordinação” e Mente”. De modo geral, este é ou-
uma pessoa, um homem concreto, so- “acomodação” do expropriado, ou de tro dos mais importantes livros da
cialmente situado.. “indiferença” e “mesquinhez” do que “teo­ria histórico-cultural”. Portanto,
No Brasil: “Sobre os Sistemas o expropria. Por outro lado, nos põe também se pauta num modelo estí-
Psicológicos” (1999b, pp. 103-135). em constante desafio, pois se nossas mulo–mediador–resposta. Porém,
personalidades se constituem da pró- temas menos transitórios também
1931 pria luta entre classes, todos os tra- se apresentam, como o da volição em
“Transformação Socialista ços das diferentes posições de classe sua relação com a liberdade humana.
do Homem [tchelovek]” irão conviver em nós mesmos, em Ao final do livro, há ainda um
Um dos poucos textos de Vi- luta permanente, e ninguém poderá capítulo desafiante e programático
gotski, daqueles a que temos acesso, se ver suficientemente distanciado sobre os temas “visão de mundo” e
em que ele toma uma posição mais desse processo a ponto de sentir-se, “personalidade”, vistos como essen-

84 história da pedagogia
O jogo (brincadeira) não se
origina da imaginação, como
se crê no senso comum, mas
é a própria condição social
de sua gênese

“O Jogo e seu Papel no


Desenvolvimento
Psíquico da Criança”
Para Vigotski, onde houver uma
atividade humana que cria uma si-
tuação imaginária, há jogo. Sendo
assim, o jogo (brincadeira) não se
origina da imaginação, como se crê
no senso comum, mas é a própria
condição social de sua gênese. Em
carta para Elkonin (1904-1984), Vi-
gotski abrevia: “No jogo ecce homo”
(“no jogo – eis o homem”). Além
ciais para o desenvolvimento futuro pauta no modelo “estímulo-media- de afirmar que “só o homem ‘joga’
da psicologia. dor-resposta” (S-X-R) próprio da ou ‘brinca’”, também sugere que é
No Brasil: “Problemas de Método” “teoria histórico-cultural”, apontado “brincando” ou “jogando” que vi-
(1984 – cap. 5, pp. 67-85). em outros comentários. Neste mé- mos a ser propriamente humanos.
todo é relevante sua inclusão entre Modo de pensar correlato à busca,
“Prefácio ao livro de A. N. Leontiev – os “experimentos de ensino”, nos nas anotações de 1929, em definir o
Desenvolvimento da Memória” quais não só se estudam processos já que venha a ser o homem (pessoa).
O livro de Leontiev é publicado formados, mas cria-se na relação en- A “psicologia humaniza-se”, diz Vi-
em 1931 pela Utchpedgiz, em Mos- tre a pesquisa e o sujeito da pesquisa gotski quando deixa de priorizar
cou e Leningrado. Mas Vigotski condições sociais para a emergência processos psíquicos abstratos e/
tivera acesso antes ao desenvolvi- de tais processos. ou estruturas impessoais. Quando
mento da própria pesquisa – como se A apreciação geral de Vigotski passa, portanto, a priorizar a perso-
vê no capítulo 3 de A Formação So- sobre o trabalho de Leontiev é nificação do drama de papéis sociais
cial da Mente extraído de Instrumento bastante positiva, dando destaque constituído/constituinte de um
e Signo, segundo Cole. O leitor ali ao seu caráter ainda inicial mas já conflito exclusivo do humano. As-
encontrará relatos de experimentos inovador, pois supera modelos na- sim, também se pode deduzir que:
com uso de cartões coloridos como turalistas para a compreensão deste no drama ecce homo.
“segunda série de estímulos” como objeto de estudo e aborda algo muito No Brasil: “O Papel do Brinquedo
auxiliares para a memória. O que vai pouco discutido até então: “a memó- no Desenvolvimento” (1984 –
na linha de Vigotski para o chamado ria do homem”(p. 170, grifo do autor). cap. 7); “A Brincadeira e seu Papel
“método da dupla estimulação”. En- De uma perspectiva sistêmica, será no Desenvolvimento Psíquico
tre os “estímulos-objeto” que im- só como sendo “de um homem” (de da Criança” (2008).
pactam de modo imediato sobre o uma pessoa), que determinada fun-
sujeito, e suas respostas, coloca-se ção psíquica superior importa, para 1932
uma segunda série com os chama- a psicologia histórico-cultural. “Conferências de Psicologia”
dos “estímulos-meio” (ou signos). No Brasil: “Desenvolvimento da Estes registros de conferências de
Sua utilização se realiza ativamente Memória (prefácio ao livro de A. N. Vigotski só foram publicados pela pri-
pelo próprio sujeito. Isto também se Leontiev)” (1996b, p. 161-170). meira vez em 1960 no volume Desen-

história da pedagogia 85
Lev Vigotski BIBLIOGRAFIA COMENTADA

volvimento das Funções Psíquicas Supe- tros do grupo, mas não registradas rico e cultural.
riores [Razvitie Visshikh Psikhitcheskikh por ele. É um texto “enigmático” No Brasil: “O Problema da
Funktsii] em Moscou pela APN. Ma- e “criptografado”, mas rico em in- Consciência” (1996b, pp. 171-189).
terial bastante completo organizado sights importantes para os meses
em seis conferências sobre temas restantes de vida e trabalho para 1934
clássicos em psicologia geral: 1. Per- Vigotski. Algo fundamental que “A Psicologia e a Teoria
cepção; 2. Memória; 3. Pensamento; ali se registra é uma reformulação [‘Doutrina’] da Localização
4. Emoções; 5. Imaginação; e 6. Von- da concepção de signo, quando se das Funções Psíquicas”
tade. Todos vistos da perspectiva de afirma que antes não se enfatizava Texto resultante de uma apre-
seu desenvolvimento na idade infantil. que o signo tinha significado. sentação realizada em Kharkov, no
No Brasil: “O Desenvolvimento Em termos epistemológicos, I Congresso de Psiconeurologia de
Psicológico na Infância” critica-se, mais uma vez, a psica- toda a Ucrânia, em junho de 1934,
(1998 – caps. 1 a 6, pp. 3-146). nálise (“psicologia profunda”), não pouco antes da morte do autor. É
por detalhes empíricos, mas por sua também um trabalho que lança ba-
1933 pauta programática – ao orientar-se ses para desenvolvimento futuro da
“O Problema da Consciência” prioritariamente para o que é imutá- psicologia. Vigotski discute questões
O material que compõe este vel no desenvolvimento, suas raízes advindas da experiência com casos
trabalho, disponível no Brasil biológicas profundas. O projeto de clínicos, e está bastante ocupado
desde 1996, é bastante fragmen- Vigotski e seu grupo desenhava-se com a organização sistêmica das
tário. Nele alternam-se anotações em direção diametralmente oposta: funções mentais para compreendê-
feitas por Leontiev e Zaporojets ir em busca dos “cumes”, dos pontos los. Nisto sua abordagem contrasta
(1905-1981), algumas das quais mais elevados do desenvolvimento com tendências tradicionais focadas
transcrevendo literalmente pala- do psiquismo, aos quais o ser hu- na catalogação de sintomas e no es-
vras de Vigotski, ditas em encon- mano se dirige em seu devir histó- tabelecimento de rótulos, que reduz
a tarefa complexa do diagnóstico a
um trabalho mecânico, puramente
© Ana Teixeira. Reprodução

descritivo e quantitativo. Orien-


tando sua compreensão por uma
análise genético-causal e qualitativa,
o autor apresenta conceitos sobre o
desenvolvimento das funções cere-
brais que serão desenvolvidos mi-
nuciosamente por Luria mais tarde.
Basicamente o papel das diferentes
áreas corticais, das primárias às ter-
ciárias, no sistema integral de fun-
ções psíquicas, é mutável ao longo
da ontogênese. Suas relações hierár-
quicas se modificam, o que de início
subordina, mas tarde é subordinado,
e vice-versa.

Para Vigotski as
relações interfuncionais
proporcionam à criança, ao
adolescente, ao ser humano,
um “salto para o futuro”

86 história da pedagogia
Obras de Vigotski publicadas no Brasil (pela ordem cronológica de sua produção original)

1ª 1ª ref.
Conclusão publicação Títulos por Lifanova (1996) [transliterados]1 Tradução “literal”2 no Brasil*
1916 1968 [Traguediia o Gamlete, printse Datskom, U. Shekspira] “A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca, de W. Shakespeare” 1999b
[Metodika refleksologuitcheskogo i
1924 1926 “Métodos de investigação [‘pesquisa’] reflexológica e psicológica” 1996b
psikhologuitcheskogo issledovaniia]
[Predislovie // Lazurskii A. F. Psikhologuiia
1924 1925 “Prefácio // Lazurski, A. F. Psicologia geral e experimental” 1996b
obshtchaia i eksperimental’naia]
1924 1926 [Pedagoguítcheskaia psikhologuiia] “Psicologia pedagógica” 2001b | 2003
1925 1925 [Soznanie kak problema psikhologuii povedeniia] “A consciência como problema da psicologia do comportamento” 1996b
1925 1965 [Psikhologuiia iskusstva] “A psicologia da arte” 1999a
“Por motivo [povod] do artigo de K. Koffka sobre introspecção”.
1926 1926 [Po povodu stat’i K. Koffki o samonabliudenii] 1996b
(“Introspection and the method of psychology” - de 1924)
“Prefácio // Thorndike E. Princípios da “instrução” [obutchenie],
[Predislovie // Torndaik E. Printsipi obutcheniia,
1926 1926 baseados na psicologia” (“Principles of teaching, based on 1996b
osnovannie na psikhologuii] psychology” - de 1906) 3
1927 1982 [Istoritcheskii smisl psikhologuitcheskogo krizisa] “O sentido [smisl] histórico da crise da psicologia” 1996b
1928 1928 [K voprosu o dinamike detskogo kharaktera] “Sobre a questão da dinâmica do caráter infantil” 2006
1928 1935 [K voprosu o mnogoiazitchii v detskom vozraste] “Sobre a questão do multilinguismo na idade infantil” 2005
1929 1935 [Predistoriia pis’mennoi retchi] “Pré-história da linguagem [retch] escrita” 1984
1929 1986 [Konkretnaiia psikhologuiia tcheloveka] “Psicologia concreta do homem [‘pessoa’ – tchelovek]” 2000
“Artigo introdutório [‘preliminar’] // Bühler K. Ensaio sobre o
[Vstupitel’naia stat’ia // Biuler K. Otcherk
1930 1930 desenvolvimento espiritual da criança” 1998
dukhovnogo razvitiia rebionka] (“Die geistige entwickelung der kinder” – de ?)
[Etiudi po istorii povedeniia. (Obez’iana. Primitiv. “Estudos sobre história do comportamento. (O macaco. O primitivo. A
1930 1930 1996a
Rebionka) Sovmestno s A.R. Luria] criança.) Juntamente com A.R. Luria”
[Voobrajenie i tvortchestvo v detskom vozraste “Imaginação e criação [tvortchestvo] na idade infantil
1930 1930 2009
(psikhologuitcheskii otcherk)] (ensaio psicológico)”
1930(?) 1984 [Orudie i znak] “Instrumento e signo” 1984 (4 cps.)
1930 1960 [Instrumental’nii metod v psikhologuii] “O método instrumental em psicologia” 1996b
“Prefácio // Köhler W. Investigação [‘pesquisa’]
[Predslovie // Keler V. Issledovanie intellekta
1930 1930 sobre o intelecto dos macacos antropomorfos” 1998
tchelovekopodobnikh obez’ian] (Intelligenzprufungen an Mennschenaffen - 1921)
1930 1930 [Psikhika, soznanie, bessoznatel’noe] “Psique, consciência, inconsciente” 1996b
1930 1982 [O psikhologuitcheskikh sistemakh] “Sobre sistemas psicológicos” 1996b
1930 1930 [Sotsialistitcheskaia peredelka tcheloveka] “Transformação [‘modificação’] socialista do homem [tchelovek]” 2004 | 2006b
1960 cps. 1-5 [Istoria razvitiia visshikh
1931 “História do desenvolvimento das funções psíquicas superiores” 1984(1 cp.)
1983 cps. 1-15 psikhitcheskikh funktsii]
1931 1931 [Predislovie // Leontiev A. N. Razvitie pamiati] “Prefácio // Leontiev A.N. Desenvolvimento da memória” 1996b
1932 1960 [Lektsii po psikhologuii] “Conferências [lektsii] de psicologia” (são seis conferências) 1998
1933 1933 [Igra i eio rol’ v psikhitcheskom pazvitii rebionka] “O jogo [igra] e seu papel no desenvolvimento psíquico da criança” 1984 | 2008
1933 1968 [Problema soznaniia] “O problema da consciência” 1996b
[Problema razvitiia v strukturnoi psikhologuii // “O problema do desenvolvimento na psicologia estrutural//
1934 1934 Koffka K. Osnovi psikhitcheskogo rasvitiia] Koffka K. Fundamentos do desenvolvimento psíquico. 1998
[Problema obutcheniia i umstvennogo razvitiia v “O problema da instrução [obutchenie] e do desenvolvimento mental
1934 1934 shkol’nom vozraste] na idade escolar” 1984 | 1988?
[Psikhologuiia i utchenie o lokalizatsii “A psicologia e a teoria [‘doutrina’] da localização
1934 1934 psikhitcheskikh funktsii] das funções psíquicas” 1996b

1934 1934 [Mishlenie i retch] “Pensamento e ‘linguagem’ [retch]15” 1987 | 2001a

1 Não há regra única para transliterar do cirílico ao latino. Baseamo-nos em Voinova e Starets (1986, p. 10 ), com adaptações para contemplar convenções correntes na
literatura, principalmente para sobrenomes russos (cf. http://www.vigotski.net/obras_lsv.html#translitera).
2 “Literal” (entre aspas), pois não é: (a) “literal ” como ato automático “cativo” que nos exima de escolher e/ou interpretar; nem (b) “interpretativa”, como ato criador
“livre” que nos exima de considerar a gênese cultural e histórica do original. Mais adiante, pode-se buscar uma tradução “problematizadora” destes títulos – evitando
“apaziguar”, artificialmente, a luta de sentidos em sua arena como signos – seja por dogmatismo “literalista” ou por relativismo “interpretativo”. Aqui fizemos opções –
mas não há como explicitar sempre “por que não outras”. Nestas opções tivemos auxílio de Iulia Vladimirovna Bobrova Passos, psicóloga russa, fluente em português.
3 O título russo já traduz outra língua – em verde estão os títulos originais. Note-se que foram acrescentadas palavras pela edição russa: “ensaio sobre”, “pesquisa”...

história da pedagogia 87
Lev Vigotski BIBLIOGRAFIA COMENTADA

No Brasil: “A Psicologia e a Teoria para pensar as relações entre desen- mento – construída/estabelecida
da Localização das Funções volvimento e “obutchenie”: 1. “nível pela relação social entre uma pessoa
Psíquicas” (1996b, pp. 191-200). de desenvolvimento real”; 2. “nível e outras mais experientes. Enquanto
de desenvolvimento potencial”; e no texto posterior, tal noção de in-
“O Problema da Instrução 3. “zona de desenvolvimento pro- termediação não está tão evidente.
[obutchenie] e do Desenvolvimento ximal” – definida como “distância” Mesmo assim, nas duas versões
Mental na Idade Escolar” entre os dois primeiros (1984, p. 97 ). nota-se a defesa, por parte de autor,
Texto publicado pela primeira Enquanto no de 1988 a diferença en- de uma mesma concepção geral so-
vez no ano de 1935, em Moscou e tre os dois “níveis” é nomeada como bre as relações dialéticas entre “de-
Leningrado. Na lista de Lifanova só “área de desenvolvimento poten- senvolvimento das funções psíquicas
encontramos um título russo para cial”. O que talvez dificulte entender superiores” e “processo sistemático
esta obra. Mas no Brasil há duas que tal “área” [zona blijaishego razvi- de ensino-aprendizado” (instrução).
publicações distintas tratando desta tiia] não é o mesmo que o “nível de A concepção de que novas formas
temática: “Interação entre Aprendi- desenvolvimento potencial” – sendo de organização sistêmica das rela-
zado e Desenvolvimento” (capítulo 6 esta não só uma questão de traduzir ções interfuncionais emergem das
de a Formação Social da Mente, 1984) o mesmo conceito com diferentes relações sociais como força motriz
e “Aprendizagem e Desenvolvimento palavras, mas de dizer algo distinto. e/ou princípio explicativo do desen-
Intelectual na Idade Escolar” (1988). No primeiro texto, a metáfora volvimento humano – e não apenas
Só um cotejo mais detalhado entre espacial da “distância” favorece a in- como um “fator” ou um “pano de
os dois textos e deles com a fonte terpretação de ser algo como uma fundo”. Tais relações proporcionam
russa permitirá entender melhor “ponte” e/ou via de “conexão”, como à criança, ao adolescente, ao ser hu-
as contribuições e limites de cada aponta Valsiner em Developmental mano, um “salto para o futuro” me-
um. Há pelo menos uma distinção Psychology in the Soviet Union, entre diante a atividade partilhada com
relevante. No de 1984, distinguem- dois momentos distintos do mesmo um “outro social” mais experiente
se mais nitidamente três conceitos processo histórico de desenvolvi- (não necessariamente mais velho).

Publicações brasileiras de Vigotski

01 VYGOTSKY, L. S. (1984) 04 VYGOTSKY, L. S. (1996a) Fontes. [trad. do russo: Paulo Bezerra] –


A formação social da mente. São Estudos sobre a história do 377 páginas.
Paulo: Martins Fontes. [trad. do inglês: comportamento: o macaco, o
primitivo e a criança (com A. R. Luria).
08 VIGOTSKI, L. S. (1999b)
José Cipolla Netto; Luis Silveira Menna- A tragédia de Hamlet, príncipe da
Barreto; Solange Castro Afeche] - Porto Alegre: Artes Médicas. [trad. do Dinamarca. São Paulo: Martins
168 páginas. inglês: Lólio Lourenço de Oliveira] – Fontes. [trad. do russo: Paulo Bezerra] –
252 páginas. 252 páginas.
02 VYGOTSKY, L.S. (1987)
Pensamento e linguagem. São Paulo: 05 VIGOTSKI, L. S. (1996b) 09 VIGOTSKI, L. S. (2000)
Martins Fontes. [trad. do inglês: Jeferson Teoria e método em psicologia. São
Manuscrito de 1929 [psicologia
Luiz Camargo] - 135 páginas. Paulo: Martins Fontes. [trad. do espanhol:
concreta do homem]. In: Educação &
Claudia Berliner] – 524 páginas.
Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00.
03 VIGOTsKII, L. S. (1988) 06 VIGOTSKI, L. S. (1998) [trad. do Russo: Alexandra Marenitch] –
Aprendizagem e desenvolvimento
O desenvolvimento psicológico na 23 páginas.
intelectual na idade escolar In:
infância. São Paulo: Martins Fontes.
LEONTIEV, A. N.; LURIA, A. R.; VIGOTSKII,
[trad. do espanhol: Claudia Berliner] – 10 VIGOTSKI, L. S. (2001a)
L. S. Linguagem, desenvolvimento e A construção do pensamento e da
326 páginas.
aprendizagem. São Paulo: Ícone. linguagem. São Paulo: Martins Fontes.
[trad. do inglês: Maria da Penha 07 VIGOTSKI, L. S. (1999a) [trad. do russo: Paulo Bezerra] –
Villalobos] - 15 páginas. Psicologia da arte. São Paulo: Martins 496 páginas.

88 história da pedagogia
A “instrução”, formal ou não for- ponto de alterar a proposição concei- transcrição de atas taquigráficas de
mal, gera desenvolvimento, o impul- tual comum às duas versões. partes da obra que teriam sido ditadas
siona adiante, e deve “adiantar-se” ao No Brasil: “Interação entre pelo autor, já em seu leito de morte.
que se aguarda dele para dado mo- Aprendizado e Desenvolvimento” Não tivesse morrido antes, sua publi-
mento ontogenético. Contudo, não (capítulo 6 de a Formação Social cação talvez pudesse ter sido revisada.
em demasia, pois trata-se de avanço da Mente, 1984, p. 89-103) e A partir de estudo de Minick, “The
para um futuro bem “próximo” e não “Aprendizagem e Desenvolvimento Development of Vygotsky’s Thought:
“remoto” – muito além das capacida- Intelectual na Idade Escolar” an Introduction”, obtém-se a datação
des atuais da pessoa. É importante (1988, pp. 103-117) dos capítulos como se segue: capítulo
lembrar que “ближайший” [blijaishii] 1 (O Problema e o Método de Inves-
é um “superlativo absoluto” de “pró- Pensamento e Linguagem tigação), 1934 – explica a análise por
ximo” (близкий [bliskii]) – como Obra considerada bastante impor- unidades; capítulo 2 (A Linguagem e
“nearest” ou “closest”, em inglês – não tante pelo tratamento apurado das o Pensamento da Criança na Teoria
apenas “muito próximo”, mas “o mais complexas relações entre pensamento de Piaget), 1932 – discute as relações
próximo de todos”. No Brasil: “proxi- e linguagem. Mesmo não aparentando, genéticas entre o individual e o social;
mal” (Vigotski, 1984); “imediato” (Vi- também é uma coletânea, que reúne capítulo 3 (O Desenvolvimento da
gotski, 2001); “iminente” (Vigotski, trabalhos de vários anos, mas difere Linguagem na Teoria de Stern), 1929
2008); nas “Obras em espanhol, ape- de outras por ter sido organizada, ao – questiona relações entre linguagem
nas “próximo”; etc. Tais diferenças que tudo indica, segundo plano do e personalidade; capítulo 4 (As Raízes
nos modos de nomear algo quanto ao próprio autor, o qual lhe garante uma Genéticas do Pensamento e da Lin-
seu “grau” de proximidade, no tempo unidade temática. Ao longo do texto guagem), 1929 – mostra que as liga-
(mais para “logo” que para “depois” podem-se notar repetições, reentrân- ções pensamento-linguagem modifi-
– “iminente”) ou no espaço (mais cias e mesmo alguns desencontros no cam-se ao longo do desenvolvimento;
para “central” que para “periférico” – modo de pensar o objeto de estudo. capítulo 5 (Estudo Experimental do
“proximal”), não são tão profundas a Some-se a isso problemas relativos à Desenvolvimento dos Conceitos), 1931
– apresenta as noções de sincretismo,
pensamento por complexos, pseudo-
conceitos e conceitos propriametne
ditos; capítulo 6 (Estudo do Desenvol-
vimento dos Conceitos Científicos na
Infância), 1933-34 – explica relações
entre conceitos científicos e cotidia-
11 VIGOTSKI, L. S. (2001b) 15 VIGOTSKI, L. S. (2006a) nos; e capítulo 7 (Pensamento e Pala-
Psicologia pedagógica. São Paulo: Sobre a questão da dinâmica do caráter vra), 1934 – abre várias possibilidades
Martins Fontes. [trad. do russo: Paulo infantil. Linhas Críticas – Revista da de investigação futura, como um tes-
Bezerra] – 561 páginas. Faculdade de Educação UnB. Vol. 12, n. 23, tamento intelectual do autor.
jul./dez. 2006 . [trad. do russo: Zoia Prestes].
12 VIGOTSKI, L. S. (2003) No Brasil: Pensamento e Linguagem
Psicologia pedagógica. Porto Alegre: 16 VIGOTSKI, L. S. (2006b) (1987) e A Construção do Pensamento
Artmed. [trad. do espanhol: Claudia A transformação socialista do homem. In: e da Linguagem (2001)
Schilling] – 311 páginas. Portal PSTU. (trad. do espanhol: Roberto Della
Santa Barros) – 14 páginas (formato pdf).
13 VYGOTSKY, L. S. (2004)
A transformação socialista do 17 VIGOTSKI, L. S. (2008) Achilles Delari Junior é psicólogo,
homem. Portal Marxists. org. (trad. do A brincadeira e o seu papel no educador, mestre em Educação pela
inglês: Nilson Dória) – página única desenvolvimento psíquico da criança. In: Universidade Estadual Paulista (Unicamp),
(formato html). GIS [trad. do russo: Zoia Prestes] – cuja dissertação (defendida em 2000) tratou
página única (formato html). do tema da consciência e da linguagem em
14 VIGOTSKI, L. S. (2005) Vigotski e pesquisador do GPPL – Grupo
Sobre a questão do multilinguismo na 18 VIGOTSKI, L. S. (2009) de Pesquisa Pensamento e Linguagem
da Faculdade de Educação da Unicamp.
infância. In: TEIAS. Rio de Janeiro, ano 6, Imaginação e criação na infância.
Leitor de Vigotski desde 1987, dedica-se ao
nº 11-12, jan./dez. 2005. [trad. do russo: São Paulo: Ática. [trad. do russo: Zoia adensamento de questões de teoria e método
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história da pedagogia 89
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90 história da pedagogia

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