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Carlos Roberto Vieira Araújo

História do
Pensamento Econômico
Uma Abordagem Introdutória

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EDITORA ATLAS
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SÃO PAULO
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naturais, que a riqueza só podia crescer e, crescendo, beneficiaria a todos.
Sua visão do mundo era a visão de um otimista.

QUESTÕES PARA REVISÃO


4
A atenta leitura do texto permite responder às questões seguintes:
1. Quem foi Francis Hutcheson e qual sua influência sobre Adam Smith? A Escola Clássica
2. Que influência tiveram os fisiocratas sobre Smith?
3. Cite alguns fatos que contribuíram para o grande sucesso da principal obra
de Smith.
4. Que fatores são responsáveis pelo crescimento econômico, segundo Smith?
5. Que fatores impedem a dissolução da sociedade, composta por agentes eco.
nômicos movidos pelo egoísmo?

~ 1 DAVID RICARDO (1772·1823)

SUGESTõES DE LEITURA Adam Smith não foi capaz de fornecer uma teoria razoável da dis-
urbuição do excedente entre as diversas classes sociais. Esta tarefa caberá
1i David Ricardo que, numa linguagem concisa e menos colorida que a de
SMITH, Adam. A riqueza das nações. Coleção Os Economistas. São Paulo, ('U predecessor, será o responsável pela formalização de muitos conceitos
Abril Cultural, 1983. 2 volumes. I vonômicos. A influência de Ricardo foi enorme. O próprio Keynes dirá
que Ricardo dominou a Inglaterra tão completamente como a Santa Inqui-
oprimeiro volume traz uma ótima introdução que deve ser lida. As
.içuo dominou a Espanha.' É considerado o maior dos economistas clás-
pequenas chamadas, nas margens das páginas do texto principal, facili-
tam a leitura. oICOS.

SMITH, Adam. A riqueza das nações. Lisboa. Fundação Calouste Gulben-


kian, 1980. 2 vols. .., 1. 1 Dados biográficos
o prefácio e a introdução do editor esclarecem alguns pontos da
história da obra.
Ricardo era filho de um judeu que, vindo da Holanda, se estabelecera
HEILBRONER, R. L. Introdução à história das idéias econômicas. Rio 1 UIllOcorretor de valores na bolsa de Londres. Aos 14 anos, já trabalhava
de Janeiro, Zahar, 1981. ua bolsa com o pai. Mas, aos 21 anos, desentendeu-se com ele por ter
desposado uma "quaker" e abraçado o cristianismo. Continuou na bolsa
Ver a parte referente a Adam Smith, que é uma das mais ínteressan-
teso onde fez fortuna, pois possuía qualidades excepcionais para os negócios.
Aos 42 anos de idade já possuía uma fortuna calculada entre 500 mil e
um milhão e 600 mil libras." Com esta fortuna, pôde retirar-se dos negó-
1 ios e dedicar-se tranqüilamente a seus estudos de economia. Tinha uma
uucligência poderosa e analítica. Não recebeu instrução econômica formal.
O maior dos economistas clássicos nunca freqüentara as cadeiras de uma
universidade. Seu grande conhecimento econômico ele o conseguiu através
de leituras e de reflexão. Em 1799 leu A riqueza das nações e ficou pro-
fundamente impressionado com o livro de Smith. Parece que data desta

1. Ao fazer tal asserção Keynes estava criticando toda aquela Iinhagem de pensadores que
cio Ricardo até os neoctásstcos haviam aceitado 3 ··Iei de Say'
32 2. Ver HEILBRONER. R. l. Op. cito p. 71. 33
época seu interesse intelectual pela economia. Mas esperou ainda uns dez Ricardo e Malthus têm raízes intelectuais em Adam Smith. Diferen-
anos antes de lançar sua primeira publicação, em forma de carta no Mor- ciam-se porque Malthus não aceita a "lei de Say" (lê-se lei de Sé) e Ri-
ning Chronicle. Publicou vários trabalhos importantes. Em 1817 saiu pela cardo sim. Este problema será tratado, mais tarde, ao falarmos de Keynes
primeira vez sua obra máxima Princípios de economia política e de tribu- e do problema da demanda efetiva.
tação. Nesta época já era famoso e suas idéias tiveram boa acolhida.
Marx e Marshall defendem pontos de vista diametralmente opostos no
Ricardo interessou-se muito pelos problemas de sua época. Este inte- .ncaminhamento das questões econômicas, mas ambos de inspiração ricar-
resse leva-o em 1819 à Câmara dos Comuns, onde teve destacada influên- diana. A riqueza de um pensamento está justamente nesta capacidade de
cia, embora não gostasse de discursar. Conta-se que Ricardo sentia grande abrir novos horizontes intelectuais. Neste ponto, o pensamento de Ricardo
dificuldade em redigir. Ele próprio registrou esta dificuldade em cartas a roi fecundo.
amigos. James Mill," grande economista com quem Ricardo mantinha re-
lações de amizade, instava para que ele publicasse suas idéias e reflexões. Em 1823, com pouco mais de 50 anos e deixando uma bagagem res-
pcitável, morre Ricardo, rico, respeitado e famoso.
Ricardo era grande amigo de Thomas Robert Malthus, embora estes
dois economistas discordassem em quase tudo. A discordância no plano
das idéias nunca afetou a amizade entre eles.
A obra ricardiana exerceu enorme influência sobre todas as correntes t1-.1 .2 Idéias importantes
econômicas posteriores. Marx e os socialistas encontrarão no seu estudo de
distribuição do produto entre as classes um ponto de partida para o desen-
volvimento de novas teorias. Alfred Marshall e a corrente neoclássica A - Teoria do Valor
encontrarão na sua teoria da renda da terra e na visão coerente da eco-
nomia, como ciência regida por leis naturais, a inspiração germinal dos
conceitos marginalistas e do tratamento modelístico em economia. Ricardo voltar-se-á para o problema do valor, ao tentar interpretar a
inflação que ocorria na Inglaterra e ao envolver-se nas discussões sobre
Agora já temos condições de apresentar uma visão esquemática das o preço das mercadorias. Já mencionamos seu artigo no Morning Chronicle.
escolas econômicas.' Algumas de suas sugestões foram adotadas pelo Banco da Inglaterra e so-
í'rcram críticas. Ao tentar aprofundar este assunto e responder às críticas,
Ricardo defronta-se com o problema do valor. Para ele, o valor de uma
mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho nela incorporada.
Ou seja, o valor é dado pelo seu custo em trabalho (teoria do valor-tra-
halho). Este custo não é calculado apenas pelo trabalho imediato, mas tam-
bém pelo trabalho media/o. Se uma mercadoria for produzida pelo empre-
go de uma máquina e um trabalhador, entram no cálculo do valor da mer-
rudoria não só o custo em trabalho do trabalhador (custo imediato), mas
lambém o custo do trabalho incorporado à máquina (custo mediato). Não
e pode esquecer que a máquina foi construída com o dispêndio de certa
I
quantidade de trabalho. Portanto, atrás do preço da mercadoria está o
I
I
valor, atrás do valor estão os custos de produção e atrás dos custos de pro-
I dução está o trabalho humano porque todo custo pode, em última análise,
I
I ser decomposto em sua expressão mais simples que é o trabalho humano.
I
I Não escapava aos clássicos que a utilidade tinha certo peso na deter-
t minação dos preços. Mas esta importância era relativa. Ela fazia os preços
'--- __ K_eY_I1_e_s_---'r- - - - J oscilarem em torno de determinado patamar, mas não explicava o nível
deste patamar. Por que um carro custa $ 10.000 e um saco de batatas custa
$ 20 mesmo quando as proporções entre oferta e procura para estes dois
hcns são as mesmas? O preço não pode ser explicado unicamente por um
3. James Mill foi pai de John Stuart Mill. filósofo e economista da escola clássica. elemento subjetivo. A oferta e a procura explicam as oscilações dos preços
4. Diagrama elaborado pelo professor Lulz Carlos Merege, num trabalho mimeografado pela
34 Fundação Getúlio Vargas. EAESP, S,P. '!TI torno de determinado patamar, não os preços. 35
rl[!l'rr:;HI~!IIiI!~!!I!m!!l!m-------------""----------------""'''''~'1iIIr.''''''''''''''''''' ""_IWII.ulWU IUIlJIIIIIIIIIIüIJ_I..w.IIlUIIIIIIIJJlIlllllllWlUllllWlIIIIIlIIllllJllllIlKlllIlIl~lUlllJilllllDl

A teoria do valor-trabalho de Ricardo será retomada e aperfeiçoada


Alguns rieoclássicos mais atentos, como, por exemplo, Marshall, per-
por Marx. Os neoclássicos a abandonaram não por ser ela simplista (como
ccbcram este problema e consideraram os custos de produção como inte-
grantes do valor. Mas os custos de produção não são o último elo da cor- alegam), mas por trazer problemas delicados para a economia. Veremos,
rente. Eles podem ainda ser decompostos em trabalho. O trabalho é o ele- depois, que o campo de estudo da economia neoclássica é mais restrito
mento mais simples, e irredutível a qualquer outro. Na determinação do que o da economia clássica. Nele não há lugar para as classes sociais.
preço deve haver um elemento objetivo que só pode ser o trabalho humano.
"A grande preocupação de Ricardo, no -seu capítulo consagrado ao
Ricardo percebeu que sua lei tinha exceções. O preço de certos obje- valor, é mostrar que os movimentos dos preços dependem das variações
tos raros como, por exemplo, obras de arte e vinhos finos não era deter-
dos produtos e não das flutuações dos salários." 6 B essencial que se enten-
minado pelo seu custo em trabalho. Mas a exceção não invalidava a lei
da isto, para se compreender sua teoria da repartição que abordaremos
geral. Afirma ele que o custo em trabalho só explica o valor quando se
trata de bens que "a indústria humana pode reproduzir de maneira prati- ugora.
camente ilimitada". Não devemos esquecer-nos de que as leis econômicas
têm de captar a essência dos fenômenos e não a aparência. É certo que
há inúmeras causas que explicam a oscilação dos preços e que será rigo-
B - Teoria da repartição
rosamente impossível (mesmo na era dos computadores) explicá-Ias ou
apontá-Ias todas. Mas deve existir uma lei que dê coerência e unidade a
todo o resto e que tenha grande poder explicativo. A teoria do valor-tra- No prefáciode sua principal obra, Ricardo diz que o problema cen-
balho tem este papel no modelo ricardiano. Iral da Economia Política é explicar as leis que regulam a repartição do
Tanto para Ricardo como para Smith, toda mercadoria tinha dois pre- produto nacional entre as diversas classes sociais. Mas, no fundo, o pro-
ços: o preço natural, equivalente ao valor e o preço de mercado que osci- hlcma que ele persegue é o mesmo de Smith: o estudo do crescimento eco-
lava em torno do valor, conforme a oferta e a procura. As mil causas que nômico. Acontece que a composição de classes foi considerada por ele co-
determinam as oscilações dos preços de mercado não os afastam muito (de mo um fator tão condicionante do crescimento econômico que tal cresci-
modo geral) do valor. mento não poderia ser explicado se não se partisse do estudo de como o
Henri Denis 5 recorre a um artifício para explicar a formação do preço produto social se distribui entre as classes. Desse ponto de vista, ele só
natural em Ricardo. Designa por PA o preço de A, por qA o custo em tra- poderá elucidar o crescimento explicando a repartição do produto entre
balho de A e por CJm o custo em trabalho da moeda (para se cunhar uma IIS várias classes. A parte do produto nacional que cabe aos latifundiários
moeda há dispêndio de trabalho). O preço de A será então: depende das diferentes condições em que se dá a produção agrícola. Esta
parte tende a subir porque, com o crescimento da população, terras cada
vez menos férteis terão de ser incorporadas à estrutura de produção. Ve-
J unos como funciona sua teoria da renda da terra. A partir deste esquema,
entenderemos seu modelo completo. Para o leitor de hoje, talvez seja útil
11111 esclarecimento. No esquema ricardiano há três classes sociais: latifun-
diária, capitalista e operária, Os latifundiários ou proprietários de terra
Suponha que o custo em trabalho de se produzir uma moeda seja de , .ralmente não a cultivam. B o capitalista que se dedica à produção e para
$ 10 e o custo em trabalho de produzir um livro seja de $ 100.000. O so aluga a terra do latifundiário e contrata operários para cultivá-Ia.
preço do livro será:
Feito este esclarecimento, voltemos a nosso assunto principal. Vamos
tomar um exemplo do próprio Ricardo. Para demonstrar seu modelo de
lorrnação da renda (renda é a parte do produto que vai para o latifundiá-
100.000
$ 10000 rio) ele nos apresenta um novo país onde a terra é livre e onde só a me-
10 lhor terra é cultivada porque a população ainda não é suficientemente gran-
de para pressionar os recursos naturais. Nestas circunstâncias, não se paga

36 5. DENIS. Henri. História do pensamento econômico. Lisboa. Livros Horizonte. 1974. p. 336. ~. DENIS. Henri. Op. cito p. 340. 37
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renda. Veja o esquema abaixo onde o retângulo indica uma porção de terra
capaz de produzir uma tonelada de trigo com certa quantidade fixa de de cultivo na terra B (não na terra A). O saldo, contudo, não fica com
trabalho e capital. O retângulo pode significar também o custo de se pro- ·Ic. Este saldo terminará nas mãos do proprietário de quem ele alugou
duzir uma tonelada de trigo. I) terreno porque estas terras férteis, agora, são escassas e estão sob com-
petição. Se o capitalista X não arrendar, outro a arrendará e pagará por
ela até a diferença entre os custos de produção de A e de B. A renda é
1\ diferença dos custos de produção nos dois tipos de terra.

D
Custo
de Mas a coisa não pára aí. Se a população crescer e pressionar por mais
produção novas glebas terão de ser cultivadas, a terra de segunda quali-
rlirnentos,
de 1 tonelada de trigo dade começará a gerar renda, e assim sucessivamente. Observe o diagrama
ubaixo:

B evidente que o preço desta tonelada de trigo deverá, pelo menos, r--- -
cobrir os custos de produção. Caso contrário, não valerá a pena plantar
r-
. trigo para vender.
Suponhamos, agora, que a população aumente e que novas terras me- r--- Preço rrururno de 1 tonelada de
nos férteis sejam incorporadas à estrutura produtiva. O preço do trigo de- trigo = custo de produção da
r---- tonelada na terra D.
verá subir, para cobrir os custos do cultivo, em terras menos férteis. Para
se produzir a mesma tonelada de trigo, teremos que utilizar mais capital A B C D
e mais trabalho. Os custos de produção sobem ao se cultivar a gleba B de -
segunda qualidade (que Ricardo chama de terra 2).

A terra D não proporciona renda, mas esta aparece nas terras A, fi


Renda Custo
" como mostra o diagrama. Deste modo, à medida em que as terras
de
I ultivadas vão estendendo-se, a porção do produto que vai para as mãos dos
produção
lutlfundiários aumenta. Ricardo não considera o preço da terra como custo
de 1 tonelada de trigo
na terra B I li produção. Se você entendeu os passos anteriores, poderá compreender,
I ,,,,ora, sua afirmação de que "o trigo não é caro porque se paga renda,
A B
uues paga-se renda porque o trigo é caro ... " 7
Alguns autores, pouco atentos à situação da Inglaterra na época, fo-
111111 levados a dizer que Ricardo faz aqui um exercício de abstração, onde,
E evidente que, agora, o preço do trigo será maior. O valor de troca Ill'itas determinadas premissas e escolhida determinada variável, a con-
da produção deverá ser regulado pelo custo de produção nas circunstâncias I III~ão se impõe. Esse esforço de abstração (que é inegável em toda a obra
menos favoráveis. No nosso caso, o preço mínimo de uma tonelada de trigo .11 Ricardo) Schumpeter chamou de "vício ricardianc"." B verdade que
deverá cobrir os custos de produção na gleba B. Isto porque a competição I um Ricardo a economia deixa de ser empírica e torna-se abstrata e austera,
intercapitalista levará os lucros a se equalizarem. Com o aparecimento da I um diz Spiegel. Mas o encarecimento do preço do trigo na Inglaterra
terra de segunda qualidade, surge a renda na terra de primeira qualidade. .1/1 época era real e o estudo de Ricardo não fazia mais que refletir a rea-
A renda é a diferença entre o produto obtido pelo emprego de duas quan- I 11 idc. Sua teoria era bastante realista, como mostra o quadro seguinte:
tidades iguais de capital e trabalho ou, se quiserem, é o saldo que vai para
as mãos dos proprietários das terras mais férteis. A situação, aqui, é a
I AICARDO. David. Principios de economia política e de tributação. Lisboa. Fundação Calouste
seguinte: o capitalista da terra A produz a um custo mais baixo que o da 11I11"""klan. 1918. p. 8lo
11. SCHUMPETER.Joseph A História da análise econômica. Rio de Janeiro. Fundo de Cultura.
38 terra B, mas vende seu produto a um preço que, pelo menos, cobre os custos 1114. v. 2. p. 124. A acusação de Schumpetcr é injusta com relação a Ricardo. Aplica-se plena-
li' 111 oos neoclássicos que. com O ceteris paribus. resolvem todos os problemas da economia. 3~
Média dos preços por década O lucro é um resíduo. Determinado o salário, o que sobra é o lucro. O
entre 1770 e 1813
----- .- -------- ----- salário, por sua vez, divide-se em salário natural e salário de mercado. Sa-
lário natural é aquele que permite a aquisição de uma cesta mínima de
1770-1779 45 shillings
bens que possibilite os operários subsistirem sem aumento nem diminuição.
1780-1789 45 s. e 9 d Não se trata de subsistência física apenas. Este mínimo depende do grau
1790-1799
de civilização da sociedade. Por exemplo, se o trabalho exigir gasto com
55 s. e 19 d
instrução, este tipo de gasto fará parte do mínimo de subsistência. Consi-
1800-1809 82 s. e 2 d derado o mínimo desta maneira, Ricardo pode explicar o aumento secular
1810-1813 106 s. e 2 d
do salário real sem abandonar sua definição de que o salário natural é
aquele que proporciona o mínimo para os operários sobreviverem. Salário
de mercado é o salário determinado pela oferta e procura de trabalhadores.
o preço real do trigo mais que duplicou em 40 anos," Ora, isto trazia Este salário girará em torno do salário natural, mas poderá ser maior ou
problemas para a economia. O trigo era o principal componente da dieta menor do que este, dependendo da oferta e da procura de trabalhadores.
do tr~balhador e seu peso era grande no custo de vida. Aumentar o preco Se a mão-de-obra for abundante, o salário tenderá a diminuir. Se for es-
do tngo era empurrar os salários para cima. Por outro lado com terras cassa, tenderá a aumentar. Ora, com o cultivo de terras cada vez menos
cada vez menos férteis, ~i~ha-se de aumentar a quantidade de' trabalho (e, férteis, sobe o preço do trigo. Subindo o preço do trigo, sobe o salário
portanto, a mass~ de salanos) par~ s~ .colher a mes~a quantidade de trigo. natural e, portanto, diminui o lucro. Já vimos que, com a incorporação de
Ac~e~cente-se a ~sto q.ue os. propnetanos de terra ainda detinham o poder terras inferiores, surge um saldo, que vai para as mãos dos latifundiários.
político e, com, I~tO, impediam a importação de cereais, fato que poderia Os capitalistas, ocupados com o cultivo nestas terras, não se beneficiam
baratear os sal:r~os. O temor dos latifundiários era que, com o fim das com isto. Ao ampliarem o cultivo em direção a terras de qualidade infe-
guerras .na~ole~)oIcas, ? trigo chegasse abundante e barato à Inglaterra, o rior, são obrigados a aplicar mais trabalho para obter o mesmo produto.
que prejudicaria seus interesses. Por isso mantiveram a "lei dos cereais" Resultado: queda dos lucros. Por outro lado, Ricardo aceita a teoria da
Esta lei só cairá muito mais tarde, quando a burguesia tiver conseguido população de Malthus, segundo a qual a população aumenta quando os
o. pod~r político. Em 1815 a luta estava quente no Parlamento. A teoria salários aumentam e diminui quando os salários diminuem. Sendo assim,
ricardiana da renda da terra é o reflexo de tudo isto. Não nasceu de um o salário de mercado estará sempre próximo do salário natural (mínimo de
sonho, ~as do embate político que se travava no momento, e do qual Ri- subsistência). Por que isto? Porque, se os salários subirem, a população
cardo fOI um dos protagonistas. Ele percebe o conflito de interesses entre aumentará e teremos abundância de trabalhadores. A abundância de tra-
as classes e toma partido em favor dos capitalistas contra os latifundiários balhadores provocará queda dos salários de mercado. Quando os salários
porque,. em s,ua teoria,. o mo.tor do crescimento econômico é o lucro (exce~ estiverem muito baixos, a situação se inverterá. Teremos diminuição da
dente disponível para investimento) que tendia a diminuir se o cultivo de população e escassez de trabalhadores. Isto levará a um aumento dos
terras cada vez menos férteis se ampliasse. Para entender isto vamos es- salários, e assim sucessivamente. Mas se os salários não se afastam muito
tudar como ele considera o crescimento econômico. ' do nível de subsistência e os lucros não crescem, antes diminuem com o
cultivo de terras menos férteis, quem se beneficia com o aumento do pro-
duto? Só pode ser a classe dos proprietários de terra. Ora, o crescimento
econômico só é possível com o investimento e o investimento é parte do
4. 1 .3 Teoria da evolução econômica lucro aplicado na produção. Investir é a função do capitalista. Se o lu-
cro diminuir, o investimento também diminuirá. Se a taxa de lucro tender
a zero, como tenderá se se verificarem todas as hipóteses ricardianas, a
A Salários, lucros e investimentos economia tenderá para o estado estacionário, ou seja, para um estado no
qual a população é estável e a renda per capita é constante. No estado
T.á sabemos que para Ricardo os componentes do preço mínimo (que estacionário, a economia não cresce nem diminui. Embora a teoria ricar-
deve Igualar-se aos custos de produção) são os salários e o lucro natural diana aponte para este estado, Ricardo acha que ele poderá ser retardado
ou seja, aquela remuneração mínima sem a qual o empresário não iniciará se se adotarem certas medidas, como aplicação de melhores técnicas de
o negócio. Estes dois componentes não se comportam da mesma maneira. cultivo e importação de cereais. A importação de cereais baratearia o cus-
to do trabalho. Para mostrar cientificamente como o livre comércio favo-
40 9. Ver a esse respeito Glde & Ris!. História das doutrinas econômica.. Portugal. Alba edlt. rece os diversos países e. portanto, favoreceria também a Inglaterra, caso
1941. p. 174.
fosse adotado, Ricardo desenvolve um teoria (ou um princípio) que se 41
tornará célebre, em economia, com o nome de teoria das vantagens com- Portugal tem vantagem absoluta tanto em Vinho quanto em tecido,
parativas. Apoiado nesta teoria, ele será um decidido defensor do livre- mas tem vantagem relativa em vinho, ou seja, é mais eficiente ~a prod~ção
-cambismo que tantos benefícios trará à Inglaterra, alguns anos mais tarde. de vinho. Ele ganhará ocupando todos seus homens na produçao de vmho
Com este instrumental, ele terá argumentos fortes contra a "lei dos cereais" . trocando o vinho excedente pelo tecido excedente da Inglaterra, que ga-
e a favor da livre importação de grãos. nhará mais especializando-se em só produzir tecidos. Os países devem es-
pecializar-se naquilo que são mais capazes de produzir, mesmo que um
deles seja mais eficiente do que o outro na produção de todos os bens.
Este tipo de argumentação (correta se considerarmos as econ~mias co-
4. 1 . 4 Teoria das vantagens comparativas mo estáticas) foi uma poderosa arma nas mãos dos adeptos do hvre-cam-
bismo. A Inglaterra tornou-se senhora do mundo apoiada na defesa intran-
A teoria das vantagens comparativas é um avanço em relação à teoria sigente do comércio livre.
das vantagens absolutas de Adam Smith. Este último mostrara que o livre Alguns anos atrás, já no nosso século, os estudos de Ra~l Prebish
comércio seria benéfico para as diversas nações. Se as nações se especia- c da CEP AL, sobre a deterioração das relações de troca entre palses desen-
lizarem na produção daquilo para o qual estão mais aparelhadas e, em volvidos e subdesenvolvidos, mostraram que a argumentação ricardiana
seguida, trocarem a produção excedente entre si, todas serão beneficiadas. continha supostos irrealistas. Os fatos levantavam-se contra a argumenta-
Por exemplo, se for mais barato produzir chá no Ceilão do que nos ção de Ricardo apoiada nas vantagens relativas. Onde es~aria a falha de
Estados Unidos e mais barato produzir trigo nos Estados Unidos do que lima argumentação tão convincente? No fato de se. co~slderar o. mU,ndo
no Ceilão, estes dois países deverão dedicar-se à produção do que lhes for econômico de maneira estática. Voltando à nossa pnmerra analogia: e de
mais barato e trocar o excedente. Os Estados Unidos comprariam chá do todo evidente que o financista deva dedicar-se totalmente à consultoria e
Ceilão e este último país compraria trigo dos Estados Unidos. Isto é óbvio. deixar as traduções para o tradutor, mas este último não precisa perma-
Até aí o progresso não foi grande. Trata-se de uma aplicação evidente do necer eternamente tradutor. Que lei o impede de progredir? Se as con-
princípio da divisão do trabalho. Ricardo dá um passo além. Mostra que dições são tais que o financista sempre estará lucrando mais que o tra-
mesmo no caso de um país ser superior ao outro na produção de dois bens, dutor, por que este último não se torna financista?
ainda assim o comércio entre eles é compensador. Vejamos como ele de- Uma das forças que impede esta transformação é a argumentação ideo-
senvolve este raciocínio. Primeiro vamos fazer uma analogia e, em seguida, lógica. E ela que lança mão dos argumentos ricardianos sobre livre comér-
lançar mão de um exemplo do próprio Ricardo. Suponha que você seja .io para justificar a atual divisão internacional do trabalho. ~olta~os a
tradutor e financista e que seu trabalho na área financeira exija a tradução icentuar que a argumentação de Ricardo sobre vantagens rela~lvas e, ~er-
de determinadas revistas especializadas. Para simplificar, vamos supor que feitamente válida e convincente dentro de um marco referencial estático.
você gaste, em média, 8 horas para traduzir 20 páginas e ganhe com isto Mas não há nenhuma lei dizendo que este referencial deva ser estático.
$ 10 (dez unidades monetárias) e que ganhe $ 20 por 8 horas de consul-
toria financeira. E evidente que você preferirá dedicar-se totalmente à
consultaria e contratar o indivíduo B para fazer as traduções, mesmo que
este tradutor seja menos eficiente do que você. Você é mais eficiente que aUESTOES PARA REVISAO
B em finanças e em tradução, mas em termos monetários é mais eficiente
em finanças do que em tradução.
A leitura atenta do texto dá condições para que se responda às questões
Ricardo apresenta um exemplo análogo. Para produzir certa quan-
oguintes:
tidade de vinho, por unidade de tempo, Portugal ocupa 80 homens e para 1. Explique a teoria do valor de Ricardo. O que queremos dizer com trabalho
produzir certa quantidade de tecido, na mesma unidade de tempo, ocupa imediato e mediato?
90 homens. Para produzir estas mesmas quantidades de vinho e tecido, por 2. A utilidade marginal já era conhecida dos clássicos. Por que não a utilizaram
unidade de tempo, a Inglaterra ocupa 120 e 100 homens respectivamente. como teoria do valor?
Esquematicamente temos: 3. Mostre a diferença entre preço natural e preço de mercado.
4. Oual o principal problema da Economia Política para_Ricardo? ~es~nv?l~a
vinho tecido um pouco mais sua resposta e procure mostrar a relaçao entre a dtstríbuição
e o crescimento econômico em Ricardo.
Portugal 80 90
5. Explique a teoria da renda da terra de Ricardo.
42 Inglaterra 120 100 6. Oual o papel do lucro na teoria de Ricardo? 43
------ _._---
•••• 11I ••• __ •• _-_._ .••_.-..-. •.•••••.•

7. Como Ricardo considera os salários? Como explica que os salários tendem


a permanecer no nível de subsistência?
8. Não existe contradição entre afirmar que os salários tendem a se manter

9.
10.
n.o nível de subsistência

a teoria
e afirmar que houve um aumento secular dos salá-
nos? Como a teoria de Ricardo explica isto?
Exponha das vantagens comparativas de Ricardo.
Explique como a deterloração dos termos de troca entre países desenvolvi-
5
dos ,e .subdesenvolvldos abala a argumentação ricardiana a favor do livre
c.?m~rclO. Em que circunstâncias a argumentação é válida? Em que circuns-
tãnclas perde a validade?
Escola Clássica
SUGESTÕES DE LEITURA

RICARDO, David. Princípios de economia politica e de tributação. Lisboa


Fundação Calouste Gulbenkian, 1978. '
5.1 THOMAS MALTHUS (1766-1834)
A mesma obra encontra-se na coleção Os Economistas, da Abril Cul-
tural. A vanta.gem desta última é a apresentação à obra feita pelo pro- 5. 1 . 1 Dados biográficos
fessor Paul Smger. Trata-se de uma apresentação primorosa que toca
e~ .todos. os pontos essenciais. No fim da apresentação, há uma curta
bibliografia.
Malthus foi contemporâneo de Ricardo. Viveu numa época particular-
A obra de Ricardo é seca e difícil, mas de leitura indispensável.
mente turbulenta sob o aspecto econômico e político (Revolução Industrial
NAPOLEONI, Claudio. Smith, Ricardo, Marx. Rio de Janeiro Graal na Inglaterra, Revolução Francesa, guerras napoleônicas). Todos estes acon-
1978. ' ,
tecimentos que agitaram a Europa de seu tempo têm repercussões em sua
Livro excelente. Ler a parte referente à teoria da renda da terra. obra.
Malthus era filho de um advogado de posição social destacada, amigo
de Rousseau e de Hume e que acolhia as idéias otimistas de Williarn
Godwin e de Condorcet sobre o progresso dos povos e da sociedade.
Godwin, poeta e filósofo político, chegara a ocupar o cargo de mi-
nistro, mas, chocado com as enormes injustiças da sociedade de seu tempo,
torna-se um radical. Apontava como barreiras ao progresso a propriedade
privada, as desigualdades econômicas e políticas e a presença do Estado.
Foi um dos primeiros teóricos do anarquismo.
Condorcet foi grande defensor das idéias iniciais da Revolução Fran-
cesa e do sufrágio universal para homens e mulheres. A luta pelo poder,
no seio da revolução, termina por levá-Io à morte.
Malthus estudou em Cambridge. Ingressou depois na carreira ecle-
siástica como ministro anglicano. Em 1805 foi nomeado professor de His-
tória e Economia Política no East India College, onde permanece até o
fim da vida. Em 1798 publica o livro que o tornará famoso, Ensaio sobre
o princípio da população (An essay on the principle of population), Este
livro nasce das conversas que mantém com seu pai sobre as idéias de
Godwin e de Condorcet e expressa discordância total com relação a estas
44 idéias. Para os autores mencionados, a causa dos males que afligem a
humanidade está nas instituições. Para eliminá-Ia seria preciso reformar ou 45

-
da ciência economica tivesse sido outro, provavelmente Malthus se teria
substituir estas instituições. Para Malthus a causa de todos os males está
tornado famoso pelo Principies e não pelo Ensaio. Eis aí um problema
na fertilidade humana. E este o problema que deve ser resolvido. A
guerra, por exemplo, que para Condorcet é o maior e o mais terrível dos incômodo para os cultores das ciências sociais. As obras, às vezes, são
crimes, para Malthus é um dos mecanismos naturais capazes de impedir valoradas por critérios extra-científicos.
o excessivo crescimento da população. Malthus não foi, de modo algum, um pensador medíocre. Foi, antes,
O livro provocou discussões e polêmicas acaloradas e teve várias edições um pomo de discórdia. Ferozmente criticado- por muitos e aplaudido por
ainda durante a vida do autor. As edições subseqüentes sofreram modi- poucos. Uma obra que desperta aplausos, paixão e ódio não P?de ser
ficações, correções e acréscimos, tirados de observações feitas por Malthus obra de um medíocre. Mas, sem dúvida, é uma obra fortemente mfluen-
em viagens por vários países europeus. Foi esta obra que popularizou o ciada por tendências ideológicas específicas e voltada para a defesa dos
nome de Malthus. No entanto, em 1820 ele publica novo livro PrincipIes proprietários de terra e das classes não produtivas em geral.
of political economy. No livro 11 do Principles, expõe suas idéias sobre
superprodução, idéia heterodoxa com relação à principal corrente econô- Malthus preocupava-se com o problema da sup~rprodução- Como já
mica da época que rejeitava qualquer possibilidade de superprodução com dissemos ele não aceitava a "lei de Say", talvez mais atento aos fatos. (o
base na "lei de Say". Aqui está um dos principais pontos de divergência capitalismo já estava experim~ntando crises periódic~s) do que a um tipo
de raciocínio puramente dedutivo, baseado em determmados supostos, como
entre Malthus e Ricardo. Este último aceita incondicionalmente a "lei de
Say". Malthus a rejeita. No entanto, a argumentação de Malthus é pouco é o raciocínio que leva à "lei de Say".
convincente, ao contrário da de Ricardo, e por isso as idéias deste último Como resolver o problema da superprodução? Aumentando a demanda
irão prevalecer por mais de um século. Cerca de cem anos depois, Keynes de bens de consumo. Mas esta demanda não costuma aumentar da parte
retomará as idéias originais de Malthus e as desenvolverá, mostrando as dos capitalistas, que mais investiam (demanda de ~ens de capital) d? que
falhas da argumentação de Ricardo. O Capítulo 3 da Teoria geral de consumiam. Isto agravava o problema. Não podena aumentar tambem da
Keynes (1936) trata do princípio da demanda efetiva que poderia ser de- parte dos trabalhadores, que recebiam salários próximos ?o nível de sub-
nominado a anti-Iei de Say e que teve Malthus como um dos precursores. sistência. Só poderia aumentar da parte dos q~e recebiam r~ndas, dos
Não é à toa que no seu Essays on biography, publicado em 1933, Keynes rentistas que estavam sempre dispostos a consumir. Com este tipo de ra-
não poupa elogios à figura de Thomas R. Malthus. ciocínio MaIthus torna-se um defensor dos rentistas, colocando-os como
indispensáveis na solução dos problemas de superprodução. Embora Keynes
não tenha esposado esta idéia, há muitos pontos de contato entre o pensa-
mento de Malthus e o de Keynes. Por exemplo, Malthus mostra que a su-
5. 1 .2 Idéias importantes perabundância de capital era causada por decréscimos nos dispêndios mi-
litares do governo. No momento em que ele escrevia isto, ~ !nglaterr.a
estava entrando num período de paz, após as guerras napoleônicas e di-
Malthus, como Ricardo, parte dos problemas colocados por Smith minuíra os gastos militares. Keynes também mos~rará. q~e ? governo deve
em A riqueza das nações, mas ambos tomam caminhos diversos ou, como ter papel importante na solução de problemas de ínsuíicíência de demanda.
diz Schumpeter, apresentam formas alternativas para a recomposição da É fácil perceber também que, ao defender os latifundiários, l'v!althus
obra de Smith.
se coloca em oposição frontal a Ricardo e toda aquela. argumen~aç.ao ~ue
A fama de MaIthus provém do Ensaio porque o paradigma dominante este último apresenta para justificar a importação de tngo (comércio h:re
na ciência econômica, até pelo menos 1930-36, incorporava a si a "lei de etc.). Malthus era favorável ao protecionismo. Escreveu mes~o_ uI? .artIgo
Say" e excluía o problema da demanda efetiva. Hoje, as hipóteses malthu- cujo título era Bases para uma opinião sobre a política de res!rlçao.a Impor-
sianas sobre população parecem-nos menos importantes. Isto porque elas tação de trigo (1815), mostrando q~e a Inglaterra d.evena e~hmul~r ~
não se verificaram. Com isso não estamos dizendo que o problema popula- produção interna de trigo e tornar-se mdepen?ente das Imp?rtaçoes. J a .VI-
cional seja desimportante. Estamos afirmando que as hipóteses malthu- mos que Ricardo defendia posição oposta devido ao encareclm~~to do tr~go
sianas não levaram em conta certos fatos que vieram a predominar. A na Inglaterra, encarecimento que provo~~va au~ento dos sala nos (o trigo
inovação tecnológica no campo agrícola afastou o fantasma de uma produ- entra na dieta do trabalhador) e consequente baixa dos lucros.
tividade sempre sujeita à lei dos rendimentos decrescentes. O outro pro-
Tudo isto mostra muito claramente que a obra de M~lthus, com? .a
blema, aquele abordado no Principies e que tratava da poupança e do in-
dos demais autores clássicos, tem raízes profundas nos movlmen~os SOCiaiS
vestimento ou da "teoria dos excessos gerais" é que veio a tornar-se impor- 47
e políticos da época. Ignorá-Ios é condenar-se a não compreende-Ia.
46 tante, principalmente após a obra de Keynes. Se o paradigma dominante
QUESTÕES PARA REVISÃO

1.
A leitura atenta do texto permite responder às questões seguintes:
Que livro torna Malthus famoso e contra as idéias de que autores ele arqu- 6
2.
menta neste livro? Fale um pouco sobre cada um destes autores, sobre suas
idéias e as de Malt'hus.
Por que o Principies of political economy de Malthus não teve boa acolhida na
época?
o Pensamento de
3. Que problema importante Malthus levanta no Principies e como o resolve? Karl Marx
4. Ouals as posições de Malthus e de Ricardo com relação aos latifundiários?
Faça um paralelo entre essas duas posições mostrando a argumentação de
cada autor e quais as conseqüências políticas de cada uma delas.
5. Qual a posição de Malthus e de Ricardo com relação à importação de trigo?
Pense no papel que as classes sociais desempenham na teoria de cada um
deles e mostre como a política que defendiam era conseqüência desta teoria.
(i.1 KARL MARX (1818·1883)

(;.1 .1 Observações preliminares


SUGESTOES DE LEITURA
Não vamos falar aqui de uma escola marxista porque, na realidade,
existem várias escolas marxistas. As leituras da obra de Marx são tão di-
MALTHUS, Thomas. Princípios de economia política e Ensaio sobre a po- versas que é quase impossível chegar a um consenso sobre certos aspectos
pulação. São Paulo, Abril Cultural, 1983. dessa obra. Por outro lado, o pensamento marxiano 1 é rico, múltiplo e
vuriado e não se deixa sistematizar com facilidade. Por isso apresentare-
Estes dois livros de Malthus aparecem num mesmo volume da co-
leção Os Economistas, da Abril Cultural. mos. aqui, apenas alguns conceitos econômicos fundamentais. Os limites
li .stc livro não nos permitem ir mais longe.
BARBER, William. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro,
É importante ressaltar também que, em muitos círculos do mundo
Zahar, 1979.
I .rpitalista, as idéias de Marx são pouco conhecidas. Geralmente são aprc-
Este livro apresenta Malthus como um dos dissidentes do sistema enradas à maneira de caricatura. A caricatura deforma, exagera os traços
clássico. uiais salientes da fisionomia de uma pessoa ou de uma obra e com isso
111:1 uma atmosfera ridícula ou irreal. A ideologia faz o mesmo com as
KEYNES, [ohn M. Essays on biography. London, Macmillan, 1972.
utopias, ou seja, com aqueles sistemas de idéias que se contrapõem à cor-
Ler a parte referente a Malthus. Não é um livro fácil de ser encon- 1I'IIte principal. Não é difícil entender que muitas idéias atribuídas a Marx
trado. Sua importãncia no caso está no fato de Keynes. o grande eco- IIll apenas caricaturas das idéias de Marx. Um mínimo de honesti?ade
nomista deste século. reconhecer um de seus precursores.
r u-ut ífica exige que não as aceitemos como tal. Vamos fazer um esforço
I' Ira entendê-Ias melhor.

ti 1. 2 Dados biográficos
Marx nasceu em Trcvcs, na Rcnânia, rcgiao sul da Alemanha, pcr-
u-nccnte, então, à Prússia. Sua família era judia, mas convertera-se ao pro-
".luntismo. O pai, Heinrich Marx, era um advogado bem-sucedido, forte-
IIIl'Il1c influenciado pelo pensamento liberal francês e que sabia de cor o
I \I Voltaire e o seu Rousseau. A região onde nascera Marx era limítrofe

1 Usamos. aqui. o termo marxiano para diferencia-Ia de marxista. O pensamento '."1arxista nem
I 11111'1' é fiel ao pensamento de Marx. E conhecida a afirmação de Marx ao se referir a algumas
48 11 h IIttl'taçÕes de seu pensamento: "eu não sou marxista".
49
da França e, naturalmente, recebia influência das idéias da Revolução Fran- Já situamos Marx na sucessão das escolas econômicas, mas não custa
cesa. I .petir o diagrama:
Marx era um espírito generoso e inquieto. Desde a adolescência preo-
cupava-se com a escolha de uma carreira e dizia que existiam dois critérios
para a escolha de uma profissão: o bem da humanidade e ÇI realização pes-
soal."
Aos 17 anos ingressou na universidade de Bonn para estudar Direito.
O estudo do Direito não lhe satisfez. Um ano depois transfere-se para a
Socialismo
universidade de Berlim, onde passa a interessar-se também por Filosofia francês
e História. Aos 23 anos consegue seu título de doutor em Filosofia com
uma tese sobre Demócrito e Epicuro 3 defendida na universidade de [ena.
Em Berlim, é fortemente influenciado pelas idéias de Hegel. Marx preten-
dia um lugar como professor universitário, mas, devido a suas idéias pouco Hegel
ortodoxas, não consegue satisfazer este desejo. Passa, então, ao jornalis-
mo e, em 1842, já é redator-chefe da Gazeta Renana, jornal de orientação
liberal que entrava em freqüentes atritos com a censura prussiana. O jor-
nal foi fechado, e Marx, impossibilitado de trabalhar, vai para Paris. A
passagem pela Gazeta Renana, contudo, será de importância decisiva em Marshall K. Marx
sua vida. Aí entrara em contato com os problemas de economia, percebera
os conflitos sociais gerados por interesses econômicos e tivera que se pro-
nunciar sobre as idéias socialistas que chegavam da França. Como ignorava
economia política e socialismo e não era espírito superficial, resolve estudar Keynes
a fundo estes assuntos. O desejo de conhecer o socialismo e a economia,
conjugado com pressões de ordem política, leva-o primeiro a Paris e fi-
nalmente a Londres, após breve passagem pela Bélgica. Já se tornou lugar-
-comum afirmar que a obra de Marx é o ponto de convergência do que O pensamento de Marx é, portanto, original não pelos temas aborda-
havia de mais significativo na filosofia alemã, no socialismo francês e na dos (já estudados por várias escolas), mas pela maneira como ele os sin-
economia política inglesa. Na realidade, estas três vertentes do saber encon- tetizou.
tram-se em sua obra que, por isso mesmo, é uma obra globalizante, dife-
rente das obras estritamente técnicas como as que conhecemos hoje, no Ao deixar a Alemanha, após o fechamento da Gazeta Renana, dirige-se
campo da economia. Esquematicamente temos: ti Paris. Aí entra em contato mais estreito com os movimentos socialistas
da época. Mas não permanece muito tempo nesta cidade, pois é expulso
Socialismo da França a pedido do governo prussiano. Passa algum tempo na Bélgica,
francês
mas fixa-se definitivamente em Londres onde permanecerá o resto da vida,

I Economia política
com pequenas interrupções. A Inglaterra era, então, o laboratório do ca-
pitalismo nascente e será para ele um posto de observação privilegiado.
Em nenhum outro lugar do mundo ele teria as condições que teve na
Inglaterra para entender a mecânica do capitalismo.
Filosofia
(Hegel)
alemã
.. inglesa
(Ricardo)
Marx teve vida pobre e atribulada. Aos 25 anos casa-se com Jenny
von Westphalen, filha de um barão bem situado no governo prussiano.
Após o casamento, recebe a oferta de um cargo no governo, a qual recusa.
Ienny foi-lhe uma companheira fiel apesar de terem sofrido perseguições,
2. Ver RUBEL. Maxlmillen. Karl Marx. Essal de biographic intelleewelle. Paris. Librairie Mar- miséria e a perda prematura de vários filhos. Marx passava longas horas·
eei Reviêre et Cie. 1957. p. 24 s.
3. Dois filósofos gregos. Titulo da tese: a diferença na filosofia da natureza de Demóerito e no museu britânico, lendo e estudando as ramificações da economia políti-
50 de Epieuro.
ca. Escrevia periodicamente para o New York Tribune e recebia ajuda 51
"m'••••••__
,••••••••••••••"U•••_liiilüiiiüilTl ••••• .u_....
,.11

financeira de seu grande amigo Friedrich Engels. O jornalismo e a ajuda 6.1.4 O que é capital?
do amigo contribuíram para o seu sustento. Ao terminar sua principal obra
O capital, escreve a um amigo numa espécie de desabafo:
A principal de Marx é desvendar as leis do movimento
preocupação
"Enquanto fui capaz de trabalhar, usei cada instante de minha vida na do capital na sociedade capitalista. Para isso vai criar alguns instrumentos
busca do acabamento de minha obra, à qual sacrifiquei saúde, felicidade e de análise que teremos de manejar com certo cuidado. Em primeiro lugar,
família. Espero que esta afirmação não provoque comentários. Pouco me categorias como capital, mercadoria, força de trabalho têm sentido preciso
importa a sabedoria dos homens que se dizem 'práticos'. Se quiséssemos ser
animais, poderíamos virar as costas aos sofrimentos da humanidade e ocupar- c histórico na pena de Marx. Não são categorias universais nem eterna').
mo-nos de nossa própria pele. Mas eu teria deitado tudo a perder, se mor- Descrevem fenômenos que não existiram em todos os períodos históricos.
resse sem ter terminado, pelo menos, o manuscrito de meu livro." 4
~ preciso conhecer o conteúdo exato de cada um destes termos para com-
preendermos o que ele está dizendo. Comecemos com o termo capital. A
Dos três volumes de O capital, só o primeiro foi publicado em vida idéia mais geral para Marx é a de que capital não é uma coisa. Não é
de Marx. Após sua morte, que se deu em 1883, Engels publica os outros simplesmente, como para os neoclássicos, o conjunto de máquinas, equi-
dois volumes. Após a morte de Engels, Karl Kautsky publica outro ma- pamentos, estradas e canais. B também isto, mas sob determinadas con-
nuscrito com o título de Teorias da mais-valia. Esta última obra é um dos
dições. Capital é, antes de tudo, uma relação social. B a relação de pro-
melhores estudos críticos sobre a história das doutrinas econômicas e revela
dução que surge com o aparecimento da burguesia, ou seja, com o apare-
o vastíssimo conhecimento que Marx adquirira nas suas prolongadas leituras.
B uma espécie de quarto volume de O capital. cimento daquela classe social que se apropria privadamente dos meios de
produção (monopólio de classe) e que se firma definitivamente após a
dissolução do mundo feudal. O capital não é uma coisa, mas uma relação
social entre pessoas efetivada através de coisas. Diz Marx: "A propriedade
de dinheiro, de meios de subsistência, de máquinas e outros meios de pro-
6. 1 .3 Conceitos importantes dução não transforma um homem em capitalista, se lhe falta o comple-
mento, o trabalhador assalariado, o outro homem que é forçado a vender-se
li si mesmo voluntariamente." 5 E em nota de rodapé, nesta mesma pá-
Existem alguns conceitos que o leitor deve dominar para entender gina acrescenta:
o pensamento de Marx. Ao avançar na leitura, você encontrará o esclare-
cimento dos seguintes conceitos: "Um negro é um negro. Só se converte em escravo se houver certas
condições. Uma máquina de fiar algodão é uma máquina de fiar algodão.
Só em certas condições se transforma em capital. Fora destas condições,
não é capital, como o ouro em si mesmo e por si mesmo não é dinheiro ou
capital trabalho concreto o açúcar não é preço do açúcar. .. O capital é uma relação social de pro-
dução. E uma relação histórica de produção."
capital constante trabalho abstrato

capital variável mais-valia absoluta Marx falará de capital constante (relacionado a máquinas e equipa-
mentos), capital variável (relacionado à força de trabalho) e de capital-di-
classe social mais-valia relativa
nheiro, mas todas essas modalidades do capital devem ser entendidas dentro
valor mercadoria do contexto anterior. São as relações específicas dessas coisas dentro do
modo de produção capitalista que as torna capital. Caso contrário, os
valor de uso força de trabalho instrumentos de análise de Marx perderiam valor porque ele os criou para
xplicar relações sociais e econômicas que estavam surgindo naquele mo-
valor de troca composição orgânica do capital
mente e que eram realmente diferentes de todas as outras. Identificar,
por exemplo, um instrumento de produção como capital, sem mais, é o

4. RUBEL. Maximilien. Karl Mar". Essai do biographie Intellectuelle. Paris, Librairle Mareei 5. MARX. Kar]. o capital. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1971. Livro Primeiro. vol. li,
S2 Riviêre et cte. 1957. p, 24. II 885. S3
pra mercadorias (força de trabalho e meios de produção) com a finalidade
mesmo que dizer que o capitalismo existiu sempre. O primeiro primata de aumentar o dinheiro. O esquema é este:
que tentou colher um fruto mais alto provavelmente usou uma vara ou
algo parecido para atingir este objetivo. Seria ele o primeiro capitalista? D - M - D'
A análise de Marx tem raízes na história. O que ele quer analisar é
um modo de produção específico que estava surgindo com a dissolução do onde D' é maior que D; caso contrário o processo de troca não teria sen-
mundo feudal. Ignorar isto é condenar-se a não compreender sua análise. tido. Ao estudarmos valor e mais-valia explicaremos o processo pelo qual
D' se torna maior que D, processo este que dá sentido ao capitalismo. Antes,
O que é, então, o capitalismo para ele? uma relação sui generis
É
porém, vamos fazer alguns esclarecimentos.
que se caracteriza pela compra e venda dá força de trabalho e que só
se tornou possível sob determinadas condições e visando a determinados
fins que ficarão mais claros depois. Em outras palavras, o capitalismo
surge quando tudo se torna mercadoria, inclusive a força de trabalho. Para 6. 1 .5 Quatro esclarecimentos
que isto ocorra é necessário que uma classe (a burguesia) se torne pro-
prietária exclusiva dos meios de produção e que outra (o proletariado),"
No modelo de capitalismo puro só existem duas classes SOCiaiS, os
não tendo mais como produzir o necessário para o sobreviver, seja obrigada
proprietários dos meios de produção (capitalistas) e os proprietários da
a vender no mercado sua força de trabalho. Esta relação entre proprie-
força de trabalho (operários). Mas é bom lembrar que estamos falando
tário dos meios de produção e proprietários da força de. trabalho se re- de um modelo e todo modelo faz abstração de muitos outros elementos
veste de algumas características específicas que estudaremos mais tarde. reais, para captar apenas os traços essenciais. Na vida real não existe um
~ só a partir desta relação (e das conseqüências dela) que os meios de pro- modelo puro nas formações sociais concretas, em que o modo de produção
dução se tornam capital e a força de trabalho, mercadoria. capitalista (modelo puro) combina-se, em maior ou menor grau, com outros
modos de produção. Às vezes, Marx refere-se ao modelo e, às vezes, à rea-
Para mostrar a especificidade do capitalismo. Marx recorre a um arti-
lidade histórica. Para uma pessoa pouco habituada a estas distinções, a
fício didático e começa O capital fazendo o estudo da mercadoria e da questão complica-se. E o caso das classes sociais. Há passagens em que
sociedade mercantil simples. f: mais fácil compreender a originalidade do fala de apenas duas classes sociais (burguesia e proletariado) e outras em
capitalismo se o confrontarmos com outro modelo. que fala de três ou mais. No primeiro caso, Marx está referindo-se ao
Na sociedade mercantil simples, as mercadorias são produzidas para modelo, no segundo à complexidade das formações reais.
serem trocadas no mercado, mas não existe ainda .a divisão entre proprie- Ao falar de classe social, temos de evitar um equívoco muito freqüen-
tários dos meios de produção e proprietários da força de trabalho. Todos te, a contusao entre classe e estratiticação social. A classe social para Marx
possuem meios de produção e trocam entre si mercadorias específicas. Sim- é definida objetivamente pela posição que a pessoa ocupa na estrutura de
bolizando mercadoria por M e dinheiro por D, temos o seguinte esquema: produção. E, neste caso, no modelo puro, só existem duas posições pos-
síveis; ou a pessoa possui os meios de produção e pertence à classe capi-
M-D-M' talista ou não possui e pertence à classe operária. E a posição da pessoa
na estrutura de produção que determina sua faixa de renda. Não é a renda
que determina a posição da pessoa na hierarquia social. Freqüentemente
onde M' é uma mercadoria qualitativamente diferente de M; caso contrário
recorre-se ao critério de renda para se dividir "classes sociais". De tantos
não teria sentido a troca. Se se troca M por M' é porque ambas têm ser-
/I tantos salários mínimos classe C, de tantos a tantos classe A, e assim por
ventia diferente. diante. Isto é apenas descrição superficial dos fatos ou um método sutil de
No modo de produção capitalista a situação é outra. A mercadoria tor- mcobrir a verdadeira questão. O que deve ser explicado é o seguinte: por
na-se um meio. O que interessa é o dinheiro ou, mais precisamente, o que Fulano ganha mil vezes mais do que Beltrano, sendo que tem mais ou
aumento o dinheiro, fato que explicitaremos depois, mais corretamente, menos a mesma capacidade? O estudo da posição da pessoa na estrutura
ao falarmos da valorização do valor. O capitalista vai ao mercado e com- produtiva e do mecanismo de transferência de renda entre as diversas elas-
NCS esclarece este fato. Outro ponto a ser esclarecido é o conceito de mer-
iadoria. Para Marx, mercadoria não é a mesma coisa que produto ou bem.
54
1), A palavra proletário é de origem latina. Prolls em latim significa prole. familia. O pro- Mercadoria é o produto que se destina à troca no mercado. Uma sociedade 55
letário é aquele que só possui como propriedade a família.
que só produz paraautoconsumo não produz mercadorias, mas bens ou QUESTÕES PARA REVISÃO
produtos. Antes do capitalismo já existiam sociedades mercantis, uma vez
que muitas delas se dedicavam ao comércio, mas só no capitalismo há a
generalização da mercadoria, isto é, tudo se torna mercadoria inclusive a A leitura atenta do texto permite a resposta das questões seguintes:
força de trabalho. Este último traço é distintivo do capitalismo. 1. Ao trabalhar na Gazeta Renana, Marx recebe um impulso decisivo que o orienta
em determinada direção. Explique qual foi esta direção e como isto ocorreu.
Outro ponto: Marx discorda de Adam Smith e de outros economistas z. Ouais as três correntes que tiveram mais influêncta na formação do pensa-
quanto ao conceito de trabalho produtivo. Para Adam Smith, trabalho mento de Marx e possibilitaram-lhe a criação de uma síntese original?
produtivo é aquele que produz bens materiais vendáveis que sobrevivem :I. Durante a vida de Marx, só foi publicado o primeiro volume de O capital. Como
ao processo de criação. Os serviços não são produtivos. Para Marx, tra- surgiram os dois outros volumes e sua obra Teorias sobre a mais-valia?
balho produtivo é aquele que é comprado com o capital-dinheiro, sendo 4. Oual o conceito de capital em Marx? Procure explicá-Io com precisão.
capaz de criar um excedente (lucro). Trabalho improdutivo é o trabalho !). O capitalismo para Marx é um modo de produção específico, determinado
contratado como serviço pessoal ou como artigo de consumo. Isto ficará historicamente e que surgiu aos poucos com a dissolução do mundo feudal.
mais claro após o estudo do conceito de mais-valia. Trabalho produtivo Ouais os traços mais característicos deste modo de produção?
é todo e qualquer trabalho capaz de criar mais-valia. Um estudo minu-
cioso do que é trabalho produtivo e improdutivo para Marx pode ser feito
na Parte I. Capítulo IV, de Teorias da mais-valia.
SUGESTõES DE LEITURA
Finalmente, uma observação de ordem metodológica. Marx vem de
uma tradição filosófica que sempre distinguiu entre fenômeno e essência,
aparência e realidade. Esta distinção torna-se muito mais visível em Hegel. MANDEL, Ernest. A formação do pensamento econômico de Karl Marx.
O objetivo de qualquer prática científica é esclarecer a essência das coisas Rio de Janeiro, Zahar, 1968.
e não descrever aparências (fenômeno vem da raiz grega <{Jcxívw = faino,
Livro indispensável para quem quiser seguir o desenvolvimento das
que significa aparecer, surgir à luz). A ciência deve partir do fenômeno idéias de Marx de 1843 até a redação de O capital.
para chegar à realidade que se esconde atrás do fenômeno. Na tradição
positivista e neopositivista isto não tem sentido. A preocupação exclusiva (;URLEY, [ohn G. Desafios ao capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1976.
é com os fenômenos. O próprio conceito de causalidade (o que causa o A leitura dos três primeiros capítulos esclarece os tópicos que abor-
quê? Qual o sentido da causalidade?) deixa de existir, cedendo lugar ao damos no capítulo anterior.
conceito de função. O erro metodológico que está na raiz deste último pro-
cedimento tem conseqüências graves tanto para a economia como para MAXIMILIEN, Rubel. Karl Marx. Essai de biographie intellectuelle. Pari s.
a política econômica. Não são questões acadêmicas irrelevantes. Por exem- Marcel Riviêre, 1957.
plo, alguém poderia dizer que o aumento da inflação é função do aumento Excelente livro que descreve a vida e a evolução intelectual de Marx.
salarial. Poderíamos inverter a afirmação e dizer que as pressões para o
aumento de salários têm origem no aumento da inflação. A correlação exis-
te nos dois sentidos. Do mesmo modo, alguém poderia dizer que a inflação
é função do aumento da base monetária. Outro poderia responder que a
inflação tem raízes na luta dos diversos agentes econômicos para não per-
derem parcela significativa da renda: o aumento da base monetária apenas
sanciona a inflação provocada por esta luta.
O leitor deve perceber por estes exemplos que o conceito de função
é insuficiente. E preciso buscar também o conceito de causa e em que
sentido atua esta causa. Alguém poderia replicar que isto está implícito
nos conceitos de variável dependente e independente. Concordamos, mas
como estabelecer a variável dependente e a independente sem o conceito
de causa?
Quem aceita os postulados do neopositivismo não conseguirá enten-
56 der Marx. 57

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