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História do
Pensamento Econômico
Uma Abordagem Introdutória
N.os de;volurr~rReglo~;;W;;~-;-
Rua Conselheiro Nébias, 1384 (Campos Elísios) .0 J .,
01203-904 São Paulo (SP)
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SÃO PAULO
EDITORA ATLAS SA - 2006
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naturais, que a riqueza só podia crescer e, crescendo, beneficiaria a todos.
Sua visão do mundo era a visão de um otimista.
SUGESTõES DE LEITURA Adam Smith não foi capaz de fornecer uma teoria razoável da dis-
urbuição do excedente entre as diversas classes sociais. Esta tarefa caberá
1i David Ricardo que, numa linguagem concisa e menos colorida que a de
SMITH, Adam. A riqueza das nações. Coleção Os Economistas. São Paulo, ('U predecessor, será o responsável pela formalização de muitos conceitos
Abril Cultural, 1983. 2 volumes. I vonômicos. A influência de Ricardo foi enorme. O próprio Keynes dirá
que Ricardo dominou a Inglaterra tão completamente como a Santa Inqui-
oprimeiro volume traz uma ótima introdução que deve ser lida. As
.içuo dominou a Espanha.' É considerado o maior dos economistas clás-
pequenas chamadas, nas margens das páginas do texto principal, facili-
tam a leitura. oICOS.
1. Ao fazer tal asserção Keynes estava criticando toda aquela Iinhagem de pensadores que
cio Ricardo até os neoctásstcos haviam aceitado 3 ··Iei de Say'
32 2. Ver HEILBRONER. R. l. Op. cito p. 71. 33
época seu interesse intelectual pela economia. Mas esperou ainda uns dez Ricardo e Malthus têm raízes intelectuais em Adam Smith. Diferen-
anos antes de lançar sua primeira publicação, em forma de carta no Mor- ciam-se porque Malthus não aceita a "lei de Say" (lê-se lei de Sé) e Ri-
ning Chronicle. Publicou vários trabalhos importantes. Em 1817 saiu pela cardo sim. Este problema será tratado, mais tarde, ao falarmos de Keynes
primeira vez sua obra máxima Princípios de economia política e de tribu- e do problema da demanda efetiva.
tação. Nesta época já era famoso e suas idéias tiveram boa acolhida.
Marx e Marshall defendem pontos de vista diametralmente opostos no
Ricardo interessou-se muito pelos problemas de sua época. Este inte- .ncaminhamento das questões econômicas, mas ambos de inspiração ricar-
resse leva-o em 1819 à Câmara dos Comuns, onde teve destacada influên- diana. A riqueza de um pensamento está justamente nesta capacidade de
cia, embora não gostasse de discursar. Conta-se que Ricardo sentia grande abrir novos horizontes intelectuais. Neste ponto, o pensamento de Ricardo
dificuldade em redigir. Ele próprio registrou esta dificuldade em cartas a roi fecundo.
amigos. James Mill," grande economista com quem Ricardo mantinha re-
lações de amizade, instava para que ele publicasse suas idéias e reflexões. Em 1823, com pouco mais de 50 anos e deixando uma bagagem res-
pcitável, morre Ricardo, rico, respeitado e famoso.
Ricardo era grande amigo de Thomas Robert Malthus, embora estes
dois economistas discordassem em quase tudo. A discordância no plano
das idéias nunca afetou a amizade entre eles.
A obra ricardiana exerceu enorme influência sobre todas as correntes t1-.1 .2 Idéias importantes
econômicas posteriores. Marx e os socialistas encontrarão no seu estudo de
distribuição do produto entre as classes um ponto de partida para o desen-
volvimento de novas teorias. Alfred Marshall e a corrente neoclássica A - Teoria do Valor
encontrarão na sua teoria da renda da terra e na visão coerente da eco-
nomia, como ciência regida por leis naturais, a inspiração germinal dos
conceitos marginalistas e do tratamento modelístico em economia. Ricardo voltar-se-á para o problema do valor, ao tentar interpretar a
inflação que ocorria na Inglaterra e ao envolver-se nas discussões sobre
Agora já temos condições de apresentar uma visão esquemática das o preço das mercadorias. Já mencionamos seu artigo no Morning Chronicle.
escolas econômicas.' Algumas de suas sugestões foram adotadas pelo Banco da Inglaterra e so-
í'rcram críticas. Ao tentar aprofundar este assunto e responder às críticas,
Ricardo defronta-se com o problema do valor. Para ele, o valor de uma
mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho nela incorporada.
Ou seja, o valor é dado pelo seu custo em trabalho (teoria do valor-tra-
halho). Este custo não é calculado apenas pelo trabalho imediato, mas tam-
bém pelo trabalho media/o. Se uma mercadoria for produzida pelo empre-
go de uma máquina e um trabalhador, entram no cálculo do valor da mer-
rudoria não só o custo em trabalho do trabalhador (custo imediato), mas
lambém o custo do trabalho incorporado à máquina (custo mediato). Não
e pode esquecer que a máquina foi construída com o dispêndio de certa
I
quantidade de trabalho. Portanto, atrás do preço da mercadoria está o
I
I
valor, atrás do valor estão os custos de produção e atrás dos custos de pro-
I dução está o trabalho humano porque todo custo pode, em última análise,
I
I ser decomposto em sua expressão mais simples que é o trabalho humano.
I
I Não escapava aos clássicos que a utilidade tinha certo peso na deter-
t minação dos preços. Mas esta importância era relativa. Ela fazia os preços
'--- __ K_eY_I1_e_s_---'r- - - - J oscilarem em torno de determinado patamar, mas não explicava o nível
deste patamar. Por que um carro custa $ 10.000 e um saco de batatas custa
$ 20 mesmo quando as proporções entre oferta e procura para estes dois
hcns são as mesmas? O preço não pode ser explicado unicamente por um
3. James Mill foi pai de John Stuart Mill. filósofo e economista da escola clássica. elemento subjetivo. A oferta e a procura explicam as oscilações dos preços
4. Diagrama elaborado pelo professor Lulz Carlos Merege, num trabalho mimeografado pela
34 Fundação Getúlio Vargas. EAESP, S,P. '!TI torno de determinado patamar, não os preços. 35
rl[!l'rr:;HI~!IIiI!~!!I!m!!l!m-------------""----------------""'''''~'1iIIr.''''''''''''''''''' ""_IWII.ulWU IUIlJIIIIIIIIIIüIJ_I..w.IIlUIIIIIIIJJlIlllllllWlUllllWlIIIIIlIIllllJllllIlKlllIlIl~lUlllJilllllDl
36 5. DENIS. Henri. História do pensamento econômico. Lisboa. Livros Horizonte. 1974. p. 336. ~. DENIS. Henri. Op. cito p. 340. 37
UIIIIIIII:IlI!I&WllllUIIIIIUllIIlIllllllIlllllllIU UIIIIIIIIIIJI!I!IlI:DIlWIIIIlIJlIIU.WIIIlIlL~UIIf,[.
renda. Veja o esquema abaixo onde o retângulo indica uma porção de terra
capaz de produzir uma tonelada de trigo com certa quantidade fixa de de cultivo na terra B (não na terra A). O saldo, contudo, não fica com
trabalho e capital. O retângulo pode significar também o custo de se pro- ·Ic. Este saldo terminará nas mãos do proprietário de quem ele alugou
duzir uma tonelada de trigo. I) terreno porque estas terras férteis, agora, são escassas e estão sob com-
petição. Se o capitalista X não arrendar, outro a arrendará e pagará por
ela até a diferença entre os custos de produção de A e de B. A renda é
1\ diferença dos custos de produção nos dois tipos de terra.
D
Custo
de Mas a coisa não pára aí. Se a população crescer e pressionar por mais
produção novas glebas terão de ser cultivadas, a terra de segunda quali-
rlirnentos,
de 1 tonelada de trigo dade começará a gerar renda, e assim sucessivamente. Observe o diagrama
ubaixo:
B evidente que o preço desta tonelada de trigo deverá, pelo menos, r--- -
cobrir os custos de produção. Caso contrário, não valerá a pena plantar
r-
. trigo para vender.
Suponhamos, agora, que a população aumente e que novas terras me- r--- Preço rrururno de 1 tonelada de
nos férteis sejam incorporadas à estrutura produtiva. O preço do trigo de- trigo = custo de produção da
r---- tonelada na terra D.
verá subir, para cobrir os custos do cultivo, em terras menos férteis. Para
se produzir a mesma tonelada de trigo, teremos que utilizar mais capital A B C D
e mais trabalho. Os custos de produção sobem ao se cultivar a gleba B de -
segunda qualidade (que Ricardo chama de terra 2).
9.
10.
n.o nível de subsistência
a teoria
e afirmar que houve um aumento secular dos salá-
nos? Como a teoria de Ricardo explica isto?
Exponha das vantagens comparativas de Ricardo.
Explique como a deterloração dos termos de troca entre países desenvolvi-
5
dos ,e .subdesenvolvldos abala a argumentação ricardiana a favor do livre
c.?m~rclO. Em que circunstâncias a argumentação é válida? Em que circuns-
tãnclas perde a validade?
Escola Clássica
SUGESTÕES DE LEITURA
-
da ciência economica tivesse sido outro, provavelmente Malthus se teria
substituir estas instituições. Para Malthus a causa de todos os males está
tornado famoso pelo Principies e não pelo Ensaio. Eis aí um problema
na fertilidade humana. E este o problema que deve ser resolvido. A
guerra, por exemplo, que para Condorcet é o maior e o mais terrível dos incômodo para os cultores das ciências sociais. As obras, às vezes, são
crimes, para Malthus é um dos mecanismos naturais capazes de impedir valoradas por critérios extra-científicos.
o excessivo crescimento da população. Malthus não foi, de modo algum, um pensador medíocre. Foi, antes,
O livro provocou discussões e polêmicas acaloradas e teve várias edições um pomo de discórdia. Ferozmente criticado- por muitos e aplaudido por
ainda durante a vida do autor. As edições subseqüentes sofreram modi- poucos. Uma obra que desperta aplausos, paixão e ódio não P?de ser
ficações, correções e acréscimos, tirados de observações feitas por Malthus obra de um medíocre. Mas, sem dúvida, é uma obra fortemente mfluen-
em viagens por vários países europeus. Foi esta obra que popularizou o ciada por tendências ideológicas específicas e voltada para a defesa dos
nome de Malthus. No entanto, em 1820 ele publica novo livro PrincipIes proprietários de terra e das classes não produtivas em geral.
of political economy. No livro 11 do Principles, expõe suas idéias sobre
superprodução, idéia heterodoxa com relação à principal corrente econô- Malthus preocupava-se com o problema da sup~rprodução- Como já
mica da época que rejeitava qualquer possibilidade de superprodução com dissemos ele não aceitava a "lei de Say", talvez mais atento aos fatos. (o
base na "lei de Say". Aqui está um dos principais pontos de divergência capitalismo já estava experim~ntando crises periódic~s) do que a um tipo
de raciocínio puramente dedutivo, baseado em determmados supostos, como
entre Malthus e Ricardo. Este último aceita incondicionalmente a "lei de
Say". Malthus a rejeita. No entanto, a argumentação de Malthus é pouco é o raciocínio que leva à "lei de Say".
convincente, ao contrário da de Ricardo, e por isso as idéias deste último Como resolver o problema da superprodução? Aumentando a demanda
irão prevalecer por mais de um século. Cerca de cem anos depois, Keynes de bens de consumo. Mas esta demanda não costuma aumentar da parte
retomará as idéias originais de Malthus e as desenvolverá, mostrando as dos capitalistas, que mais investiam (demanda de ~ens de capital) d? que
falhas da argumentação de Ricardo. O Capítulo 3 da Teoria geral de consumiam. Isto agravava o problema. Não podena aumentar tambem da
Keynes (1936) trata do princípio da demanda efetiva que poderia ser de- parte dos trabalhadores, que recebiam salários próximos ?o nível de sub-
nominado a anti-Iei de Say e que teve Malthus como um dos precursores. sistência. Só poderia aumentar da parte dos q~e recebiam r~ndas, dos
Não é à toa que no seu Essays on biography, publicado em 1933, Keynes rentistas que estavam sempre dispostos a consumir. Com este tipo de ra-
não poupa elogios à figura de Thomas R. Malthus. ciocínio MaIthus torna-se um defensor dos rentistas, colocando-os como
indispensáveis na solução dos problemas de superprodução. Embora Keynes
não tenha esposado esta idéia, há muitos pontos de contato entre o pensa-
mento de Malthus e o de Keynes. Por exemplo, Malthus mostra que a su-
5. 1 .2 Idéias importantes perabundância de capital era causada por decréscimos nos dispêndios mi-
litares do governo. No momento em que ele escrevia isto, ~ !nglaterr.a
estava entrando num período de paz, após as guerras napoleônicas e di-
Malthus, como Ricardo, parte dos problemas colocados por Smith minuíra os gastos militares. Keynes também mos~rará. q~e ? governo deve
em A riqueza das nações, mas ambos tomam caminhos diversos ou, como ter papel importante na solução de problemas de ínsuíicíência de demanda.
diz Schumpeter, apresentam formas alternativas para a recomposição da É fácil perceber também que, ao defender os latifundiários, l'v!althus
obra de Smith.
se coloca em oposição frontal a Ricardo e toda aquela. argumen~aç.ao ~ue
A fama de MaIthus provém do Ensaio porque o paradigma dominante este último apresenta para justificar a importação de tngo (comércio h:re
na ciência econômica, até pelo menos 1930-36, incorporava a si a "lei de etc.). Malthus era favorável ao protecionismo. Escreveu mes~o_ uI? .artIgo
Say" e excluía o problema da demanda efetiva. Hoje, as hipóteses malthu- cujo título era Bases para uma opinião sobre a política de res!rlçao.a Impor-
sianas sobre população parecem-nos menos importantes. Isto porque elas tação de trigo (1815), mostrando q~e a Inglaterra d.evena e~hmul~r ~
não se verificaram. Com isso não estamos dizendo que o problema popula- produção interna de trigo e tornar-se mdepen?ente das Imp?rtaçoes. J a .VI-
cional seja desimportante. Estamos afirmando que as hipóteses malthu- mos que Ricardo defendia posição oposta devido ao encareclm~~to do tr~go
sianas não levaram em conta certos fatos que vieram a predominar. A na Inglaterra, encarecimento que provo~~va au~ento dos sala nos (o trigo
inovação tecnológica no campo agrícola afastou o fantasma de uma produ- entra na dieta do trabalhador) e consequente baixa dos lucros.
tividade sempre sujeita à lei dos rendimentos decrescentes. O outro pro-
Tudo isto mostra muito claramente que a obra de M~lthus, com? .a
blema, aquele abordado no Principies e que tratava da poupança e do in-
dos demais autores clássicos, tem raízes profundas nos movlmen~os SOCiaiS
vestimento ou da "teoria dos excessos gerais" é que veio a tornar-se impor- 47
e políticos da época. Ignorá-Ios é condenar-se a não compreende-Ia.
46 tante, principalmente após a obra de Keynes. Se o paradigma dominante
QUESTÕES PARA REVISÃO
1.
A leitura atenta do texto permite responder às questões seguintes:
Que livro torna Malthus famoso e contra as idéias de que autores ele arqu- 6
2.
menta neste livro? Fale um pouco sobre cada um destes autores, sobre suas
idéias e as de Malt'hus.
Por que o Principies of political economy de Malthus não teve boa acolhida na
época?
o Pensamento de
3. Que problema importante Malthus levanta no Principies e como o resolve? Karl Marx
4. Ouals as posições de Malthus e de Ricardo com relação aos latifundiários?
Faça um paralelo entre essas duas posições mostrando a argumentação de
cada autor e quais as conseqüências políticas de cada uma delas.
5. Qual a posição de Malthus e de Ricardo com relação à importação de trigo?
Pense no papel que as classes sociais desempenham na teoria de cada um
deles e mostre como a política que defendiam era conseqüência desta teoria.
(i.1 KARL MARX (1818·1883)
ti 1. 2 Dados biográficos
Marx nasceu em Trcvcs, na Rcnânia, rcgiao sul da Alemanha, pcr-
u-nccnte, então, à Prússia. Sua família era judia, mas convertera-se ao pro-
".luntismo. O pai, Heinrich Marx, era um advogado bem-sucedido, forte-
IIIl'Il1c influenciado pelo pensamento liberal francês e que sabia de cor o
I \I Voltaire e o seu Rousseau. A região onde nascera Marx era limítrofe
1 Usamos. aqui. o termo marxiano para diferencia-Ia de marxista. O pensamento '."1arxista nem
I 11111'1' é fiel ao pensamento de Marx. E conhecida a afirmação de Marx ao se referir a algumas
48 11 h IIttl'taçÕes de seu pensamento: "eu não sou marxista".
49
da França e, naturalmente, recebia influência das idéias da Revolução Fran- Já situamos Marx na sucessão das escolas econômicas, mas não custa
cesa. I .petir o diagrama:
Marx era um espírito generoso e inquieto. Desde a adolescência preo-
cupava-se com a escolha de uma carreira e dizia que existiam dois critérios
para a escolha de uma profissão: o bem da humanidade e ÇI realização pes-
soal."
Aos 17 anos ingressou na universidade de Bonn para estudar Direito.
O estudo do Direito não lhe satisfez. Um ano depois transfere-se para a
Socialismo
universidade de Berlim, onde passa a interessar-se também por Filosofia francês
e História. Aos 23 anos consegue seu título de doutor em Filosofia com
uma tese sobre Demócrito e Epicuro 3 defendida na universidade de [ena.
Em Berlim, é fortemente influenciado pelas idéias de Hegel. Marx preten-
dia um lugar como professor universitário, mas, devido a suas idéias pouco Hegel
ortodoxas, não consegue satisfazer este desejo. Passa, então, ao jornalis-
mo e, em 1842, já é redator-chefe da Gazeta Renana, jornal de orientação
liberal que entrava em freqüentes atritos com a censura prussiana. O jor-
nal foi fechado, e Marx, impossibilitado de trabalhar, vai para Paris. A
passagem pela Gazeta Renana, contudo, será de importância decisiva em Marshall K. Marx
sua vida. Aí entrara em contato com os problemas de economia, percebera
os conflitos sociais gerados por interesses econômicos e tivera que se pro-
nunciar sobre as idéias socialistas que chegavam da França. Como ignorava
economia política e socialismo e não era espírito superficial, resolve estudar Keynes
a fundo estes assuntos. O desejo de conhecer o socialismo e a economia,
conjugado com pressões de ordem política, leva-o primeiro a Paris e fi-
nalmente a Londres, após breve passagem pela Bélgica. Já se tornou lugar-
-comum afirmar que a obra de Marx é o ponto de convergência do que O pensamento de Marx é, portanto, original não pelos temas aborda-
havia de mais significativo na filosofia alemã, no socialismo francês e na dos (já estudados por várias escolas), mas pela maneira como ele os sin-
economia política inglesa. Na realidade, estas três vertentes do saber encon- tetizou.
tram-se em sua obra que, por isso mesmo, é uma obra globalizante, dife-
rente das obras estritamente técnicas como as que conhecemos hoje, no Ao deixar a Alemanha, após o fechamento da Gazeta Renana, dirige-se
campo da economia. Esquematicamente temos: ti Paris. Aí entra em contato mais estreito com os movimentos socialistas
da época. Mas não permanece muito tempo nesta cidade, pois é expulso
Socialismo da França a pedido do governo prussiano. Passa algum tempo na Bélgica,
francês
mas fixa-se definitivamente em Londres onde permanecerá o resto da vida,
I Economia política
com pequenas interrupções. A Inglaterra era, então, o laboratório do ca-
pitalismo nascente e será para ele um posto de observação privilegiado.
Em nenhum outro lugar do mundo ele teria as condições que teve na
Inglaterra para entender a mecânica do capitalismo.
Filosofia
(Hegel)
alemã
.. inglesa
(Ricardo)
Marx teve vida pobre e atribulada. Aos 25 anos casa-se com Jenny
von Westphalen, filha de um barão bem situado no governo prussiano.
Após o casamento, recebe a oferta de um cargo no governo, a qual recusa.
Ienny foi-lhe uma companheira fiel apesar de terem sofrido perseguições,
2. Ver RUBEL. Maxlmillen. Karl Marx. Essal de biographic intelleewelle. Paris. Librairie Mar- miséria e a perda prematura de vários filhos. Marx passava longas horas·
eei Reviêre et Cie. 1957. p. 24 s.
3. Dois filósofos gregos. Titulo da tese: a diferença na filosofia da natureza de Demóerito e no museu britânico, lendo e estudando as ramificações da economia políti-
50 de Epieuro.
ca. Escrevia periodicamente para o New York Tribune e recebia ajuda 51
"m'••••••__
,••••••••••••••"U•••_liiilüiiiüilTl ••••• .u_....
,.11
financeira de seu grande amigo Friedrich Engels. O jornalismo e a ajuda 6.1.4 O que é capital?
do amigo contribuíram para o seu sustento. Ao terminar sua principal obra
O capital, escreve a um amigo numa espécie de desabafo:
A principal de Marx é desvendar as leis do movimento
preocupação
"Enquanto fui capaz de trabalhar, usei cada instante de minha vida na do capital na sociedade capitalista. Para isso vai criar alguns instrumentos
busca do acabamento de minha obra, à qual sacrifiquei saúde, felicidade e de análise que teremos de manejar com certo cuidado. Em primeiro lugar,
família. Espero que esta afirmação não provoque comentários. Pouco me categorias como capital, mercadoria, força de trabalho têm sentido preciso
importa a sabedoria dos homens que se dizem 'práticos'. Se quiséssemos ser
animais, poderíamos virar as costas aos sofrimentos da humanidade e ocupar- c histórico na pena de Marx. Não são categorias universais nem eterna').
mo-nos de nossa própria pele. Mas eu teria deitado tudo a perder, se mor- Descrevem fenômenos que não existiram em todos os períodos históricos.
resse sem ter terminado, pelo menos, o manuscrito de meu livro." 4
~ preciso conhecer o conteúdo exato de cada um destes termos para com-
preendermos o que ele está dizendo. Comecemos com o termo capital. A
Dos três volumes de O capital, só o primeiro foi publicado em vida idéia mais geral para Marx é a de que capital não é uma coisa. Não é
de Marx. Após sua morte, que se deu em 1883, Engels publica os outros simplesmente, como para os neoclássicos, o conjunto de máquinas, equi-
dois volumes. Após a morte de Engels, Karl Kautsky publica outro ma- pamentos, estradas e canais. B também isto, mas sob determinadas con-
nuscrito com o título de Teorias da mais-valia. Esta última obra é um dos
dições. Capital é, antes de tudo, uma relação social. B a relação de pro-
melhores estudos críticos sobre a história das doutrinas econômicas e revela
dução que surge com o aparecimento da burguesia, ou seja, com o apare-
o vastíssimo conhecimento que Marx adquirira nas suas prolongadas leituras.
B uma espécie de quarto volume de O capital. cimento daquela classe social que se apropria privadamente dos meios de
produção (monopólio de classe) e que se firma definitivamente após a
dissolução do mundo feudal. O capital não é uma coisa, mas uma relação
social entre pessoas efetivada através de coisas. Diz Marx: "A propriedade
de dinheiro, de meios de subsistência, de máquinas e outros meios de pro-
6. 1 .3 Conceitos importantes dução não transforma um homem em capitalista, se lhe falta o comple-
mento, o trabalhador assalariado, o outro homem que é forçado a vender-se
li si mesmo voluntariamente." 5 E em nota de rodapé, nesta mesma pá-
Existem alguns conceitos que o leitor deve dominar para entender gina acrescenta:
o pensamento de Marx. Ao avançar na leitura, você encontrará o esclare-
cimento dos seguintes conceitos: "Um negro é um negro. Só se converte em escravo se houver certas
condições. Uma máquina de fiar algodão é uma máquina de fiar algodão.
Só em certas condições se transforma em capital. Fora destas condições,
não é capital, como o ouro em si mesmo e por si mesmo não é dinheiro ou
capital trabalho concreto o açúcar não é preço do açúcar. .. O capital é uma relação social de pro-
dução. E uma relação histórica de produção."
capital constante trabalho abstrato
capital variável mais-valia absoluta Marx falará de capital constante (relacionado a máquinas e equipa-
mentos), capital variável (relacionado à força de trabalho) e de capital-di-
classe social mais-valia relativa
nheiro, mas todas essas modalidades do capital devem ser entendidas dentro
valor mercadoria do contexto anterior. São as relações específicas dessas coisas dentro do
modo de produção capitalista que as torna capital. Caso contrário, os
valor de uso força de trabalho instrumentos de análise de Marx perderiam valor porque ele os criou para
xplicar relações sociais e econômicas que estavam surgindo naquele mo-
valor de troca composição orgânica do capital
mente e que eram realmente diferentes de todas as outras. Identificar,
por exemplo, um instrumento de produção como capital, sem mais, é o
4. RUBEL. Maximilien. Karl Mar". Essai do biographie Intellectuelle. Paris, Librairle Mareei 5. MARX. Kar]. o capital. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1971. Livro Primeiro. vol. li,
S2 Riviêre et cte. 1957. p, 24. II 885. S3
pra mercadorias (força de trabalho e meios de produção) com a finalidade
mesmo que dizer que o capitalismo existiu sempre. O primeiro primata de aumentar o dinheiro. O esquema é este:
que tentou colher um fruto mais alto provavelmente usou uma vara ou
algo parecido para atingir este objetivo. Seria ele o primeiro capitalista? D - M - D'
A análise de Marx tem raízes na história. O que ele quer analisar é
um modo de produção específico que estava surgindo com a dissolução do onde D' é maior que D; caso contrário o processo de troca não teria sen-
mundo feudal. Ignorar isto é condenar-se a não compreender sua análise. tido. Ao estudarmos valor e mais-valia explicaremos o processo pelo qual
D' se torna maior que D, processo este que dá sentido ao capitalismo. Antes,
O que é, então, o capitalismo para ele? uma relação sui generis
É
porém, vamos fazer alguns esclarecimentos.
que se caracteriza pela compra e venda dá força de trabalho e que só
se tornou possível sob determinadas condições e visando a determinados
fins que ficarão mais claros depois. Em outras palavras, o capitalismo
surge quando tudo se torna mercadoria, inclusive a força de trabalho. Para 6. 1 .5 Quatro esclarecimentos
que isto ocorra é necessário que uma classe (a burguesia) se torne pro-
prietária exclusiva dos meios de produção e que outra (o proletariado),"
No modelo de capitalismo puro só existem duas classes SOCiaiS, os
não tendo mais como produzir o necessário para o sobreviver, seja obrigada
proprietários dos meios de produção (capitalistas) e os proprietários da
a vender no mercado sua força de trabalho. Esta relação entre proprie-
força de trabalho (operários). Mas é bom lembrar que estamos falando
tário dos meios de produção e proprietários da força de. trabalho se re- de um modelo e todo modelo faz abstração de muitos outros elementos
veste de algumas características específicas que estudaremos mais tarde. reais, para captar apenas os traços essenciais. Na vida real não existe um
~ só a partir desta relação (e das conseqüências dela) que os meios de pro- modelo puro nas formações sociais concretas, em que o modo de produção
dução se tornam capital e a força de trabalho, mercadoria. capitalista (modelo puro) combina-se, em maior ou menor grau, com outros
modos de produção. Às vezes, Marx refere-se ao modelo e, às vezes, à rea-
Para mostrar a especificidade do capitalismo. Marx recorre a um arti-
lidade histórica. Para uma pessoa pouco habituada a estas distinções, a
fício didático e começa O capital fazendo o estudo da mercadoria e da questão complica-se. E o caso das classes sociais. Há passagens em que
sociedade mercantil simples. f: mais fácil compreender a originalidade do fala de apenas duas classes sociais (burguesia e proletariado) e outras em
capitalismo se o confrontarmos com outro modelo. que fala de três ou mais. No primeiro caso, Marx está referindo-se ao
Na sociedade mercantil simples, as mercadorias são produzidas para modelo, no segundo à complexidade das formações reais.
serem trocadas no mercado, mas não existe ainda .a divisão entre proprie- Ao falar de classe social, temos de evitar um equívoco muito freqüen-
tários dos meios de produção e proprietários da força de trabalho. Todos te, a contusao entre classe e estratiticação social. A classe social para Marx
possuem meios de produção e trocam entre si mercadorias específicas. Sim- é definida objetivamente pela posição que a pessoa ocupa na estrutura de
bolizando mercadoria por M e dinheiro por D, temos o seguinte esquema: produção. E, neste caso, no modelo puro, só existem duas posições pos-
síveis; ou a pessoa possui os meios de produção e pertence à classe capi-
M-D-M' talista ou não possui e pertence à classe operária. E a posição da pessoa
na estrutura de produção que determina sua faixa de renda. Não é a renda
que determina a posição da pessoa na hierarquia social. Freqüentemente
onde M' é uma mercadoria qualitativamente diferente de M; caso contrário
recorre-se ao critério de renda para se dividir "classes sociais". De tantos
não teria sentido a troca. Se se troca M por M' é porque ambas têm ser-
/I tantos salários mínimos classe C, de tantos a tantos classe A, e assim por
ventia diferente. diante. Isto é apenas descrição superficial dos fatos ou um método sutil de
No modo de produção capitalista a situação é outra. A mercadoria tor- mcobrir a verdadeira questão. O que deve ser explicado é o seguinte: por
na-se um meio. O que interessa é o dinheiro ou, mais precisamente, o que Fulano ganha mil vezes mais do que Beltrano, sendo que tem mais ou
aumento o dinheiro, fato que explicitaremos depois, mais corretamente, menos a mesma capacidade? O estudo da posição da pessoa na estrutura
ao falarmos da valorização do valor. O capitalista vai ao mercado e com- produtiva e do mecanismo de transferência de renda entre as diversas elas-
NCS esclarece este fato. Outro ponto a ser esclarecido é o conceito de mer-
iadoria. Para Marx, mercadoria não é a mesma coisa que produto ou bem.
54
1), A palavra proletário é de origem latina. Prolls em latim significa prole. familia. O pro- Mercadoria é o produto que se destina à troca no mercado. Uma sociedade 55
letário é aquele que só possui como propriedade a família.
que só produz paraautoconsumo não produz mercadorias, mas bens ou QUESTÕES PARA REVISÃO
produtos. Antes do capitalismo já existiam sociedades mercantis, uma vez
que muitas delas se dedicavam ao comércio, mas só no capitalismo há a
generalização da mercadoria, isto é, tudo se torna mercadoria inclusive a A leitura atenta do texto permite a resposta das questões seguintes:
força de trabalho. Este último traço é distintivo do capitalismo. 1. Ao trabalhar na Gazeta Renana, Marx recebe um impulso decisivo que o orienta
em determinada direção. Explique qual foi esta direção e como isto ocorreu.
Outro ponto: Marx discorda de Adam Smith e de outros economistas z. Ouais as três correntes que tiveram mais influêncta na formação do pensa-
quanto ao conceito de trabalho produtivo. Para Adam Smith, trabalho mento de Marx e possibilitaram-lhe a criação de uma síntese original?
produtivo é aquele que produz bens materiais vendáveis que sobrevivem :I. Durante a vida de Marx, só foi publicado o primeiro volume de O capital. Como
ao processo de criação. Os serviços não são produtivos. Para Marx, tra- surgiram os dois outros volumes e sua obra Teorias sobre a mais-valia?
balho produtivo é aquele que é comprado com o capital-dinheiro, sendo 4. Oual o conceito de capital em Marx? Procure explicá-Io com precisão.
capaz de criar um excedente (lucro). Trabalho improdutivo é o trabalho !). O capitalismo para Marx é um modo de produção específico, determinado
contratado como serviço pessoal ou como artigo de consumo. Isto ficará historicamente e que surgiu aos poucos com a dissolução do mundo feudal.
mais claro após o estudo do conceito de mais-valia. Trabalho produtivo Ouais os traços mais característicos deste modo de produção?
é todo e qualquer trabalho capaz de criar mais-valia. Um estudo minu-
cioso do que é trabalho produtivo e improdutivo para Marx pode ser feito
na Parte I. Capítulo IV, de Teorias da mais-valia.
SUGESTõES DE LEITURA
Finalmente, uma observação de ordem metodológica. Marx vem de
uma tradição filosófica que sempre distinguiu entre fenômeno e essência,
aparência e realidade. Esta distinção torna-se muito mais visível em Hegel. MANDEL, Ernest. A formação do pensamento econômico de Karl Marx.
O objetivo de qualquer prática científica é esclarecer a essência das coisas Rio de Janeiro, Zahar, 1968.
e não descrever aparências (fenômeno vem da raiz grega <{Jcxívw = faino,
Livro indispensável para quem quiser seguir o desenvolvimento das
que significa aparecer, surgir à luz). A ciência deve partir do fenômeno idéias de Marx de 1843 até a redação de O capital.
para chegar à realidade que se esconde atrás do fenômeno. Na tradição
positivista e neopositivista isto não tem sentido. A preocupação exclusiva (;URLEY, [ohn G. Desafios ao capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1976.
é com os fenômenos. O próprio conceito de causalidade (o que causa o A leitura dos três primeiros capítulos esclarece os tópicos que abor-
quê? Qual o sentido da causalidade?) deixa de existir, cedendo lugar ao damos no capítulo anterior.
conceito de função. O erro metodológico que está na raiz deste último pro-
cedimento tem conseqüências graves tanto para a economia como para MAXIMILIEN, Rubel. Karl Marx. Essai de biographie intellectuelle. Pari s.
a política econômica. Não são questões acadêmicas irrelevantes. Por exem- Marcel Riviêre, 1957.
plo, alguém poderia dizer que o aumento da inflação é função do aumento Excelente livro que descreve a vida e a evolução intelectual de Marx.
salarial. Poderíamos inverter a afirmação e dizer que as pressões para o
aumento de salários têm origem no aumento da inflação. A correlação exis-
te nos dois sentidos. Do mesmo modo, alguém poderia dizer que a inflação
é função do aumento da base monetária. Outro poderia responder que a
inflação tem raízes na luta dos diversos agentes econômicos para não per-
derem parcela significativa da renda: o aumento da base monetária apenas
sanciona a inflação provocada por esta luta.
O leitor deve perceber por estes exemplos que o conceito de função
é insuficiente. E preciso buscar também o conceito de causa e em que
sentido atua esta causa. Alguém poderia replicar que isto está implícito
nos conceitos de variável dependente e independente. Concordamos, mas
como estabelecer a variável dependente e a independente sem o conceito
de causa?
Quem aceita os postulados do neopositivismo não conseguirá enten-
56 der Marx. 57