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0 PÂSSARO DA CABEÇA

Poemas de Manuel Antonio Pina


Ilustraçôes de JOana Quental

Biblioteca "Tempo dos mais novos"

Direcçâo grafica por Fabrica Mutante


Livro composta em caracteres "Untitled"
desenhados por Joana Quental (2005)

Copyright Quasi Ediçôes


Av. Carlos Bacelar 968 -Salas 3A e 4A
Apartado 562 - 4760 Vila Nova de Famal icâo
Manuel Antonio Pina e 1oana Quental (2005)

la Ediçâo, Julho de 2005


Deposito L~gal M-24697-2005
ISBN 989-552ill3-8

Impresso na Pentacrom S.L .1

quasi@doimpensavel.pt
www.doimpensavel.ptlquasi
Tel. +351 252 371 724
Fax +351 252 375 164
Il 0 péissaro da cabeça
1
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poemas de
Manuel Antonio Pina
ilustraçôes de
Joana Quental
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"0 Passaro da Cabeça" foi publicado em 1a ediçao em 1983 (A Regra do
JOgo, Ed., Lisboa), corn colagens de Maria Priscila Soares); poemas do livra
figuram nas seguintes ediçôes discograficas: "0 Inventao" (DIAP 16026, LP; musica
de A. JOsé Martins e interpretaçao, entre outras, de Sérgio Godinho, Shila e Semi
Lufti; Prémio da Critica "Musica & Som" 1981); "0 Banda dos Gambozinos"
(POLYDOR 2480634, LP; musica de Suzana Ralha e interpretaçao de Teresa
Mugel; "0 Beco" (DISCANTO 1987, LP; musica de Suzana Ralha e interpretaçao
dos alunas da Escala de Musica do "Banda dos Gambozinos" 1 Porto; "0 Beco
dos Gam~ozinos" (CDM 016, P. 2004, ed. Fortes & Rangel. Lda, Porto, interpretaçao
dos alunas da Escala de Musica "Banda dos Gambozinos" 1 Porto).
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A Ana quer

A Ana quer 0 que a Ana mais q uer ser


nunca ter saido quando for grande e crescer
é ser outra vez pequena:
da barriga da mae.
Ca fora esta -se bem.
na 0 ter nada que f azer
senao ser pequena e CresCer
mas na barrig a também
e de vez em quando nascer
:~ e voltar a desnascer.
....
.,os pulmoes ali aoali pé.à mâo•
,
0 coraçao
... ,
ver como a mae e
do la do que nao se vê.
•.• l

Era uma vez

A Ana lê muito devagar. A Sara prefere entrar


uma nas palavras. nos desenhos. e ficar.
Enquanto ela esta a so uma letrar. Existir nas historias. em vez
a Sara 1etra duas ou três. de ver. viveri em vez

A Ana tem tempo de la chegar. de pensar. de pausar. de perspicar.


.., Os pês. os êês. os bês. os mês. ser ela a ser o que o heroi fez .
nao ~\ fogem se ela se demorar. Sai dos livros sem sair do lugar
.
, A Sara acaba e começa 'outra vez. e corre o mundo de lés a lés .
1

A Ana lê e poe-se a pensar A Sara lê assim. a Ana mais devagar.


nos quês. nos porquês. nos para quês. e depois ficam as duas a conversar.
e volta atras para confirmar A A na conta: "E ra uma vez ... "
porque. afinal de contas. talvez. E a Sara:
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A sopa de tetras

Era uma vez um menino


,.. .
que nao quetla
Podiam la estar coisas bonitas escritas.
mas para ete era tudo tretas ...
Podia la estar escrito COMER.
podia ta estar GOIABADA •
.•

.,
lTinha no prato uma FLOR.
um NA VIO na cother.
comia coisas lindissimas sem saber
mas ete queria la sabori
Até que um amigo corn todas as tetras
the ensinou a soletrar a sopa.
E ete passou a 1er a sapa toda.
E até o peixe. a carne. a sobremesa. etc ....
" )
1
Coisas que nao ha que ha

l! Uma coi sa que me poe triste


é que nao exista 0 que nao existe.
(Se é que nâo existe, e isto é que existe!)
Ha tantas coisas bonitas que nâo ha:
coisas que nâo ha, gente ·que nâo ha,
que ja houve e ja nâo ha,
:.; livros por 1er, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
., pessoas tao boas ainda por nascer
1
e outras que morreram ha tanto tempo!
Tantas lembranças de que nâo me lembro,
sitios que nâo sei, invenç5es que nâo invento,
gente de vidro e de vento, paises por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se o imaginasse ·ja existia

) embora
uma coisa <lue me pOe triste
é que nao~ . exista 0 que nao existe.
tSe é que nlio existe, e isto é que existe\l
A cabeça no ar

As COisas melhores sao feitas no ar, e ficar muito quietinho a ser,


devanear. os tecidos a tecer,
voar. sonhar, falar no ar. os cabelos a cresce~
e isto tudo a saber
fazer - que isto tuda esta a acontecer!
e ir la para dentro morar.
As coisas melhores sao de ar,
ou entao estar em qualquer sitio s6 a estar,
s6 é preciso abrir os olhos e olhar,
a respiraçao a respirar.
o coraçâo a pulsar, basta
b, sangue a sangrar,
a ,, J.nsrM~rc.". a imaginar.
os olhos a olhar
(embora sem ver),
Basta imaginar

Basta imag inar


um passaro para o aprisi onar.
e depois imaginar o ar para o libertar
e w\J.r=l.(iJ •v\,/'!v( r:~-·· para ele voar
,...
e imaginar uma cançao para ele cantar.

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0 passaro da cabeça

Sou o passaro que canta E esta é a cançâo sem razâo


dentro da tua cabeça. que nâo serve para mais nada
que canta na tua garganta. senâo para ser cantada
que canta onde lhe apeteça. quando os amigos se vâo

Sou o passaro que v oa e ficas de novo sozinho


na solidâo que começa
dentro
., do teu · '
e do de qualquer pessoa c om 0 passarinh 0
a penas
(,tnesmo as que julgas que nâo). dentro da tua cabeça.
1

Sou o passaro da imaginaçâo


que voa a té na prisâo
e canta por tudo e por nada
mesmo corn a boca fechada.
0 aviador interior

0 ar nâo se vê Tao maravilhoso


nao se sente nao se ouve como o de um matematico,
mas q uanto mais se sobe tâo rigoroso
mais Como 0 de um magiCO.

E quando se sobe Embora às vezes nao pareça,


sem sair do châo? embora te digam que nao,
Quando a cabeça se move tens um campo de aviaçao

e 0 resto do corpo nao? dentro da tua cabeça!


1

A cabeça subindo
pelo lado de dentro
e o teu pensamento
tao limpo e tao lindo.
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Nao desfazendo

do que existe
nos cai do Céu na cabeça.
Nem a chuva, embora pareça:
até ela estava ca em baixo a existir
antes de ser
Mais ou men os perfeito ou impe rf eito,
tud:p o que existe foi feito
e, antes de ser f eito, desf eito.
,,
Corn agua. luz e vento
se foi f aze nd Oï
o distante Sol esta ardendo
ha milhoes de anos e morrendo.
0 lavador deitou à terra a semente,
o operario fez a enxada e a charrua,
o cantor canta no palco, o actor actua,
o inventor inventa o inexistente.

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Foi f eita a cama,
f eito o pijama,
corn fog o e esforço
se fez o
Quem faz agora este alvoroço
toda a tarde a brincar e a carrer
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enchendo de a casa inteira?
,, que é feito do tempo da brincadeira
J em que nâo havia nada que fazer?
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A cançao dos adultos

Parece que Crescemos mas nâo.


somos ainda do mesmo tamanho.
As coisas que à nossa volta estao
é que mudam de

Parece que Crescemos mas nao Crescemos.


fora:r n as coisas grandes que ha.
o ainor que ha. a esperança que ha.
q~e ficaram mais pequenos. ,
&

Estao agora tao distantes


que às vezes ja mal as vemos.
Por isso pare ce que crescemos
e somas que antes.
Mas som os ainda como antes.
mais peq uenos
q uando o am or e o resto estâo tâo distantes
que nem vemos como estâo distantes.

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Julgamos entao que somas
e ja nem isso compreendemos!
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Para baixo e para cima

A Ana tinha um t muito bonito


que fazia tudo tudo o que ela queria
Quando ela dizia "Para cima!" o i6-i6 ia para baixo
quando ela dizia o i6-i6 ia para cima

Como gostava muito muito daq uele i6-i6


a Ana fazia de conta que nao percebia
Para o i6-i6 ir para cima dizia "Para baixo!"
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pa'r a o i6-i6 ir para baixo dizia
l

E como o i6-i6 gostava muito muito da Ana


era o i6-i6 mais obediente que ha via
Quando ia para Cima fazia de conta que ia para baixo
quando ia para baixo fazia de conta que ia para Cima

in "Gig5es & anantes" (1974)


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Gig ô es e anantes

Gigôes sâo anantes muito grand es.


Anantes sâo gigôes muito pequenos.
Os gigôes diferem dos anantes:
uns sâo um bocado mais. outros um bocado menos.
Era uma vez um gigâo tâo grande, tâo grande,
que nâ·o cabia. - - 0 gigâo era tâo grande
que nem se sabia em que é que ele nao cabia!
Mas''havia um anante ainda mafor que o gigâo,
..
e esse entâo nem se sabia se cabia ou nâo!

56 havia uma maneira de os distinguir:


era chegar ao pé deles e perguntar.
Mas eram tâo grandes que nâo se podia la chegar!
E nunca se sabia se estavam a mentir!
11

Entao a Ana. como nao podia


resolver o problema, inventou uma soluçao:
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xixanava com eles e o que ficava
ou era o gigao.
e 0 anante 0 que fingia que nao.

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:.; A teoria nunca falhava porque era toda
cam palavras que so a Ana sabia.
E' como eram palavras de toda a confiança
l
so q ueriam dizer o que a Ana q ueria.

in "Gigôes & anantes" (1974)


----- 4
versos à Ana no dia do anaversario

Havia uma flor!


Nem eu sabia
onde é que a fior havia
mas tanta f azia.

Talvez houvesse
onde ninguém soubesse
ou fosse uma flor de estar a haver
s6 _na minha imaginaç~o.
ou nao fosse uma fior, fosse uma cançao.

Nem a l:'ll(n" sabia


que existia.
Em qualquer sitio, sem saber, floria,
e se fosse uma cançao cantava e nao se ouvia.
E isso acontecia
no meu coraçao.
Nâo se era uma flor se uma melodia,
era qualquer coisa que havia
e cantava e floria
dentro de mim sem razâo.

Ia pela rua e ninguém diria.


As pessoas passavam
e eu dizia:

E ninguém suspeitava
o bom dia que f azia
em qualquer sitio
que dentro de mim havial
56 eu sabia e sorria
levando-te pela mâo.

3/7/94 in "0 têpluquê e outras histôrias" (1995)


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1. 0 caroc~.o-piri1ampo que tinha medo de voar 8. Leonor no jardim da Gulbenkian


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6. Tiago e os primos espantam os morcegos 13 . Sebastiao regressa a casa


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JOrge Reis-Sa Clara Pinto Correia

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