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Introdução...........................................................................................................9
Capítulo 1
Literatura, desejo e homoerotismo:
delimitações teóricas e conceituais................................................................ 19
Homo / Gay / Queer? – Muitos termos, muitas perspectivas........................ 20
Desejo/vontade....................................................................................................... 33
Personagens e narradores...................................................................................... 43
Capítulo 2
Primeiras décadas do século XX (1900-1920): literatura
e homoerotismo – sublimação, discriminação e subversão................... 53
Ambiguidade do desejo: amizade
e homoerotismo em “Pílades e Orestes” ........................................................... 60
O discurso discriminatório sobre
o homoerotismo em “História de gente alegre”................................................ 81
O despertar do desejo, o definir do sujeito: subjetividade em
“O menino do Gouveia”....................................................................................... 95
Capítulo 3
Modos de viver e de “curar” o homoerotismo:
literatura e desejo homoerótico nas décadas de 1930-1950.................... 113
Homoerotismo e espetáculo em “A grande atração”...................................... 116
Desejo homoerótico, medo e separação em “Frederico Paciência”............. 133
Dor, homoerotismo e “cura” em “A Moralista”.............................................. 153
Capítulo 4
Ainda sob o jugo da condenação: décadas
de 60, 70 – revolução e repressão sexual..................................................... 169
Desejo homoerótico, amizade e “Paixão segundo João”................................ 173
Homoerotismo e revolução em “Ruiva”........................................................... 187
Capítulo 5
Fim do século XX (1980-1990): a visibilidade do desejo
homoerótico e seus impactos culturais e literários.................................. 203
Homoerotismo, carnaval e violência em “Terça-feira gorda”........................ 207
“Família”, desejo homoerótico e homoparentalidades................................... 219
Referências.................................................................................................... 253
Introdução
17
Capítulo 1
19
Homo/ gay/ queer? – Muitos termos, muitas perspectivas
comportamentos e subjetividades.
“Homoerotismo” afasta-se da associação com a doen-
ça, com o vício, com a ideia da anormalidade ou de perversão.
Evidentemente, o uso do termo homoerótico não quer dizer
que as barreiras da não-aceitação das relações afetivo-sexuais
entre pessoas do mesmo sexo, isto é, que a discriminação con-
tra as pessoas que praticam tais relações, estão extintas. O em-
prego desse conceito é requisitado pela inovação no âmbito
sociocultural de outras formas de perceber e de se referir ao
outro. A questão que se coloca é que o termo “homossexua-
lismo” foi criado referir-se a uma doença, uma perversão e o
“homoerotismo”, uma variante da sexualidade sem significa-
24 ção doentia. O termo, inclusive, existe apenas em sua forma
de substantivo abstrato (homoerotismo) e de adjetivo (homo-
erótico), diferente do termo “homossexual” que categoriza
um ser. A categoria divulgada por Costa (1992) refere-se às
possibilidades que determinados indivíduos têm de sentir di-
versos tipos de atração erótica ou de se relacionar fisicamente
de múltiplas formas com outros do mesmo sexo.
Eis as razões de Costa (1992, p. 20), para a escolha
do termo:
Personagens e narradores
Primeiras décadas
do século XX (1900-1920): literatura
e homoerotismo – sublimação,
discriminação e subversão
15 Citamos as passagens:
a) “Ao pensar nisso [possuir sexualmente o grumete Aleixo] Bom-Crioulo
sentia uma febre extraordinária de erotismo, um delírio invencível de gozo
pederasta...” (CAMINHA, 2002, p. 46, itálico nosso)
b) “Nesse dia, como nos outros, a mesma preocupação, a mesma idéia fixa
[de fugir do hospital e ir ao encontro de Aleixo], obstinada e mortificante,
encheu a alma do pederasta.” (Ibid., p. 93, itálico nosso).
c) “Grandessíssimo pederasta [fala de Aleixo sobre Amaro]!” (Ibid., p. 98,
itálico nosso).
d) “Desobediência, embriaguez e pederastia são crimes de primeira ordem”.
[Fala do comandante do Couraçado ao punir Bom-Crioulo por embria-
guez] (Ibid., p. 82, itálico nosso).
e) “[...] o seu forte desejo de macho torturado pela carnalidade grega.” (Ibid.,
66 p. 42, itálico nosso).
Portanto, a associação entre a cultura grega e a temá-
tica homoerótica – levando-se em consideração que um ter-
mo oriundo da civilização helênica serviu como designação
empírica das relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo
quando para estas não se possuía uma designação específica –
é outra hipótese de pensar a relação intertextual entre o mito
de Orestes e o conto.
De uma maneira geral, a sociedade cria que a “homos-
sexualidade” tivera sua origem em uma “carnalidade grega”,
como diz o narrador de Bom Crioulo. É possível que, além da
amizade, o desejo homoerótico esteja enfatizado nessa obra
de Machado de Assis, por meio do título do conto e da refe-
rência realizada por uma personagem secundária que apelidou
os amigos de Pílades e Orestes, isto é, entre essa e “casadi-
nhos de fresco”, o interesse seria o mesmo: mostrar ao leitor a
suspeita, na própria esfera diegética, de que a amizade era ape-
nas um subterfúgio para invisibilizar o desejo homoerótico.
Nesse aspecto, tanto a crítica de Barcellos (2006) quanto
a de Maciel (2006) são perspicazes em observar a relação en-
[...] Eu tomo dentro por vocação; nasci para isso como ou-
tros nascem para músicos, militares, poetas ou até políticos.
Parece que quando me estavam fazendo, minha mãe, no mo-
mento da estocada final, peidou-se, de modo que teve todos
os gostos no cu e eu herdei também o fato de sentir todos
os meus prazeres na bunda. Quando cheguei aos meus treze
para catorze anos, em que todos os rapazes têm uma curio-
sidade enorme em ver uma mulher nua, ou pelo menos um
pedaço de coxa, um seio ou outra parte do corpo femini-
no, eu andava a espreitar a ocasião em que algum criado, ou
mesmo meu tio, ia mijar, para deliciar-me com o espetáculo
de um caralho de um homem. (MALUCO, 1914, p. 4)
Oh! Céos! Eu então pude ver com toda a dureza que uma
tesão completa lhe dava, os vinte e cinco centimetros de
nervo com que a Natureza o brindára. Que porra! Gran-
de, rija, grossa, com uma chapeleta semelhante a um para-
-choques da central fornida dum par de colhões que devia
ter leite para uma família inteira. (MALUCO, 1914, p. 6)
parte do conto.
Na segunda, o menino já perturbado pelas experiências
vividas na noite anterior, decidiu: “ou meu tio, naquelle dia
me enrabava, ou eu fugia de casa e dava o cú ao primeiro typo
que eu encontrasse e que mostrasse ser porrudo” (MALUCO,
1914, p. 7). É então que se aproveita da ida do tio ao banheiro
e, quando este se despe, o jovem, sob a desculpa que a tia lhe
havia enviado para entregar algo, invade o recinto:
24 No conto, o termo está grafado com ‘c’, mas Green (2000) se refere ao
local com a grafia de ‘ss’. 103
da Lapa25, foi um dos locais de maior concentração para en-
contros sexuais. O historiador relata que ali havia quartos à
disposição para realização de desejos, onde prostitutas e “pe-
derastas” podiam trabalhar e se divertir; lá, o jovem sacia seus
desejos eróticos26.
A descrição dos passos sexuais entre eles é minuciosa
e sem pudores, conforme todo o conto. Todos os atos são
narrados em tom de surpresa por ser o primeiro contato
sexual do Bembem. Essa é também a parte mais longa do
conto, uma vez que seu objetivo primeiro era desnudar ima-
gens de desejo para excitar os leitores, através da linguagem
pornográfica. Ao entrar no quarto, o Gouveia logo despe o
moço e o beija, cada ato provoca sensações que são expres-
sas pelo narrador:
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Capítulo 3
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Desejo homoerótico, medo e separação em
“Frederico Paciência”
suasão e esclarecimento.
As pessoas do lugarejo a temiam e criam na santidade
da personagem, de maneira que levavam a ela seus proble-
mas para que eles fossem devidamente encaminhados. Logo,
a personagem ganha status de santa e passa a “puxar o terço”,
a fazer homenagens e abençoar aniversariantes. Fundou-se,
então, o “Círculo dos Pais de Laterra” onde podiam ouvi-la
falar: “Vinha gente de longe, para ouvir Mamãe falar. Diziam
todos que ela fazia um bem enorme às almas, que a doçura
das suas palavras confortava quem estivesse sofrendo. Várias
pessoas foram por ela convertidas” (QUEIRÓS, 2007, p. 94).
Assim, fica claro que a base para a construção dos conflitos da
158 narrativa parte de um reflexo de estereótipos cristalizados no
senso comum: mulher de boa índole, caridosa e cujos conse-
lhos são como ordens proféticas para a vida dos outros.
Todos acreditavam na Moralista, exceto a filha:
ções sobre a vida das travestis são novas para Gina que, junto
com o leitor, vai descobrindo o submundo da prostituição
homoerótica da cidade grande.
Nessa descoberta, uma cena de escândalo entre travesti
e clientes se forma diante de Denise e da protagonista:
201
Capítulo 5
de uma mulher por outra era como uma doença que se alastrava
e que, em colégios internos, essa possibilidade era ainda maior,
dadas as condições de convivência mais próxima com a outra
do mesmo sexo e dos laços de intimidade mais fortalecidos.
Assim, o conto de Rubem Fonseca insere suas persona-
gens lésbicas num espaço que historicamente foi associado às
práticas homoeróticas. No caso de Eunice e Dora, o internato
proporcionou a criação de ligações afetivas muito fortes, não
Após cada uma das suas cada vez mais raras noites de bêtise
as duas amantes sempre voltavam a esse tema, como con-
seguir que Ernestino morresse em paz. E a maneira de re-
solver esse delicado e angustiante problema era sempre a
mesma, uma solução final, por elas considerada um gesto
de amor absoluto. A morte era sempre uma bênção para os doentes
desenganados. (FONSECA, 2004, p. 628, itálico nosso)
230
Considerações finais
Estereótipos
Últimas palavras
Carlos Eduardo Albuquerque Fernandes
53 Adjetivo usado por Alfredo Bosi (2006, p. 193) para se referir à temáti-
248 ca homoerótica do romance Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha.
no recorte temporal do século XX, demonstra que a literatura
acompanha as transformações e adaptações socioculturais na
mesma medida em que subverte, em determinados casos, as
normas vigentes. Dessa forma, corroboramos a argumenta-
ção de Compagnon (2001):
251
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eduardo-af-@hotmail.com