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PRIMEIRO DOS TRÊS CÀDERNOS
MANUscRrrosaea}ntíi;'";;o"iy3..i:;:*'^":1t1"i,-ui,iii"Ji
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"" ';-^;;:"ã ô"*o r".c-i'i"'-'pà""oo em dar o titulo
do romance:
Memórias d.e um
Mtttirto de Engenh'o.
dres, voltando a pé para easa, Eram assim as minhas iições cle porearia com aquele
a olharem para mim, de
bolsa a tiracolo, na garupa do rnestre que não se contentava com o lado teôrico de seu
eavalo braneo que me
levava e trazia da esdola. - rnagistério e também dava as suas lições de coisa.s-
Nós tírúamos, porém, no curral pegaclo à casa-gran-
O ourno m-estre que eu tive foi o Zé
15 professor cle, urna aula pública de amor. $.qu. Z_é Guedps- gps
Guedes, mcrl
de muita eoisa ruim. Levava-m;; contava dele com as Z,efas, os touros e as v'acâs nos fa-
zia-me da escola todos os aia..-f-rr, ;;;_ ziáiíãtiãi"ijàto entendimento. Era ali um bôm aampo'
cava eortr ele, de ida_e volta,
*uiu hora que fi_ -sc
aprendi coisas *"i*}ãoi* de rleinonÊtiáôao. No cercaclo dos engenhos o menino
de aprender inicia nestes mistérios do sexo, antecipando-se por mui-
àue a tabuada * u.'I"t.u.. Contava-me tudo
que era história de amor, tos anos no âmor. À reprodução da espécie ficava triara
sua e dos outros.
mora Zefa Cajá. nóe Um-ato sem grandeza ncrnhuma. Víamos as vacâs c
-Ali
E lá vinha com os deialhes, com as eoisas âs porcas nas dores do parto. E éramos quase que seus
vida desta mulher. Às vezes erradas da
;";;;;;, porta, e era umâ assistentes. Lembro-mê de uma vaca malhada que rnor-
conversa eomprida, eheia de reu por uma malvadeza do meu primo Silvino. Ttrle se
ditos o d. ;.*-";;ó"hi;;:
o menino, zé Guedes r ô homeur desbocado rneteu a médico, e com urna imperícia infeliz matou a
-olha
Mas ele pouao se importaoo !
Eu mesmo gos- pobre novilha turina do meu avô. I{inguóm soube no en-
tava de ouvir o bate_boea imundo. "o*igo.
Éclo caminho o mo- genho deste crime cometido com a minha cumplicidade.
Ieque oontinuava nas suas Concorríamos também no amor com os touros e os
lições, falando de mulheres
e de doenças-do-muudo. E oo-rrre pais-de-chiqueiro. Tínhamos as nossas cabras e as nos-
po. ,,o*" ere dava de
to{as as doenças: ea-valo, mula, crista_de_galo. sas vacas para encontros de lubriciiladê. -.§ -iÍrólniiscut:
Às vezes, da estr-ada, pediam pu", iiade selvagem do curral alrastava u ;ôíd-firiâr,cia às
vila: carret,6is de linha, papcl à. osolhrs. "o*p.arZéeoisas na cxperiôncias de prazeres quc não tínhanros idaclc dc
Guedes
entregava as enconeoda*,
foranào'aoroursas eompri- §õi,ar. Era apenas nunia buliçosa curiosidacle dc mc-
das com as mulatinhas. rrino, a meslna curiosidade que nos levava a ver o que
ari jú foi passada. euem manda nela .tndava por dentro dos brinquedos.
- -aq,ela
Juca. ó o Dr.
Uma tarde o primo Silvino me disse:
E eu ia sabendo que o ueu Tio Juea tinha vamos fazer porcaria no curral.
em quem mandava. De uma mulatas -Hoje
feita desoeu numa easa do De fato, à boca da noite, quando o gaclo chegaclo clo
palha, oncfe s6 morava uma pastoreador descansava, uns deitados e outros parados
negra. Ficou Iá dentro uma
porç_ã: de tempó.
euando saiu] ouvi a mulher dizendo r tr olhar o chão, eu vi o primo Silvino trepado na c(rroÍr,
vá, se esoueeer do corte de chita, procurando pôr-se por ciura de uma vaca
34-Não u*o rnzutsirrlrrr..
iosê ting d,o reso' ".irJro i enino de enllenln :15
m
I
-
-?r:a mim, tão cheia de ternura para o seu filho ado- *I)eus Nosso Senhor devia levar aquilo
me voltava com rancor. Só dava trabalho, aquele aleijão. Seria até
Este menino está ficando diferente, pensava ela para o pobrezinho.
d.«>s meus maus humores de contrariado. Mas ele não .rnorria, como se estivesse muito sóIido c
À niinha amiga acertava. Só me consentiam sair à satisfeito daquela miséria da natureza. Voltava parâ ca-
tnrdinha, nos meus passeios de carneiro. Mas que não sa pensando nele. Ouvira dizer que o pai morera de bo-
",roltasse com sereno. ber. O filho nascera assim por causa da cachaça'
Eu me sonsolava clas proibições nessas fugidas aos D-gS te.S p1 ol2lema q "de. he r e {ltariedacl e 7n e apr ox-imav e
"
arrcclores do engenho. Os moninos dos moradores brin_ 'tu*üOro tiirna ím pai a'qúôm podia puxar-
cavam comigo sem receio, pois atê lâ não chegavã]r {rs "*rípu,rot.
Il todos no engpnhq pellsavam nisto, porquc me cerca-
zel.os de minha gente. Na casa dc j\{aria pitu demorava_ vam rle cautelas e precauções' E os frascos de idtiifitio
me tardes inteiras, com o carncir.inho nmarrado cnmen- me enchiam a boca tle amargo três vezes ao dia. O pai
iicr folhas cle cabreira, enquitrrl,o crr, solto com os camâ- do Cabeção bebia como José Passarinho. E dera ao mun-
radas, fazia tudo o que não rnc r:orrsontiam fazer no eri_ do um filho daquele. l
,qenho. Eram três os meninos rlc Mtria pitu. E um do_ Os meus pensamentos vinham assim de fontes enve-
r:;rte, coitado, sempre sentittl<l rrrrnr cti.xão, e com uma nenadas d.e pessimismo. Menino, e pingando em cima
i:aheça ellorme, pendendo. Nir«r lur«lirvir, não falava, a da minha infância cste ácido corrosivo que me secavâ â I
c:rbeç4 arriada pâra a frcnl;c, corn o llcso, olhando para alegria de viver. E os meus parentes ainda mais me sa- I
o rlundo com uns olhos qucirrr:rrlos rlc vivaeidade. Des- crificando, em vez de me deixarem no cuntato inocente I
toru»\r§1
$duao, Ficava horas seguidas olhando, no currâI, asvacá§' O engenho d,e Massamgana
Pue mandavam de outros engenhos para reproduzirem f aa três &nos que nã,o mói.
pom os zebus do mcu avô, e as bestas vadias rinchando
Ai,nd,a ontem plantei, cana,
lcom os pais-d'égua pelo ccrcado. O sexo crescia em mim faa três a,nos que não mói,,
'mais depressa do que as pernas e os braços.
A negra Luísa filera-sc de comparsa das minhas de- Os earros de boi gemendo nos eixos de pau-d'arco,
pravaçõcs Ao contrário das outras, eüê os cambiteiros tangendo os burros com o chicote tinin-
"rltó4yáa"s.
nos re§péitâvain seriamente, ela seria uma espécie de d.o, e o ó/ dos carreiros para os Labareda e os Meda-
anjo mau da minha infância. fa me botar pra dormir, e lha, mansinhos. Os moleques trepados nas mesas dos
cnquanto ficávamos sozinhos no quarto, arrastava-me carros, aprendendo a carrear com os mestres carreiros.
a coisas ignóbeis. Eu era um menino sem contato com Tudo nessa labuta melódica do engenho moendo.
o catccismo. Poueo sabia de rezas. E esta ausência pe- Chegavam visitas do Pilar. Os meninos do Capitão
rigosa de religiáo não me levava a temcr os peeados. José Medeiros com farda do Colégio Diocesano. Jâ nã.o
I[uito depois, esta misória de sentimentos religiosos se vinham montados em carneiros, com vergonha da mon-
refletiria em toda a minha vida, como uma desgraça. + taria de outrora. Contavam-me histórias do internato.
mole_ça me iniciava, naquele verdor de idade, nas su-A§
-rlc 'rrrlâta
E aqueles botões dourados de uniforme me enchiam de
ãoncupiscênciàs luxúria. NcÀ
irrcendiada de-.,..-..,.r"É* inveja. O meu avô conversava com o Padre Severino e o
_ Dr. Saiiruel, o juiz municipal. Tratavam dos negócios
sei contár-ôffi-Ufe""fâZiâ-"õômigo. Levava-me para os
---*"-,*
banhos da beira do rio, sujando a minha castidade de políticos da vila, das eleições próximas, e do júri de al-
criança com os seus arrebatamentos de besta. A sombra gum protegido do Coronel José Paulino.
I)egra do pecado se juntava âos meus desesperos de me- À noite, quando essa gente retornava, saíam atrás os
Itino contrariado, para mais me isolar da alcgria imensa moleques, com as latas de mel e os cabaços de caldo na
que gritava por toda partc. cabeça. Mas tudo isso, que fazia um acontecimento, ago-
O engenho, na festa das doze horas da moagem. O po-
ra me parecia de longe, indiferente. §í-pggsaJr--"o*-
Ibl
rpsu§- I-e_lq g ! i co s com.
9,p".9*Y. 33..1"o_*
*au, na s ma stur-
vo miscrável da bagaceira compunha um pocmâ na ser-
l-raçoes gostosas eom a negra r,ursa. -8"'Comeôei*ãffi
vidãro: o mestrc-de-açúcar pedindo fogo para a boca da rer-lhe um. b-em e squisit g. Ury" be-m*guç..Ite*arrastava ao
fornalha, o ruíclo compassado das talhadeiras no mcl .abá de sua saia po.u ôilãã.tr-io-.-E não gosta"a'.dã;
quente espumando. E no pé da moenda: rrcgros com quem se metia em cochichos. O grande mal
102 josé lins do rego menino d,e enganho 103
reclos, pedindo os seus favores.Àgora, para o casa-
tlos amorosos, a incluietaçõo dos c1ué se senteilr. enga- 'Tiâ Muiir, o velho Galdino fechara a cozinha
nados, um ciúme impertinente enfiava-se todo pelo rneu do Santa Eosa.
coraçáo. A negra, porém, me dizia que eu ainda tinha Começavam a chegar as gentes dos outros engenhos
o cheiro de leite na boca, e dava remd,ea-aolrs aos cabras para â grande festa de São Pedro: o povo da Aurora,
pelas alcovas eheirosas das fruteiras. ãa Fazendinha, do Jardim, tlo Cambão. Os carro§ de
Era um vício absorvcnte o meu pegadio conr a negra boi paravam no terreiro com uma festa de abraços'
Luísa. O sexo impunha-me essa {scravirlãn e}nminárel. Yinham meninos, vinham negras, vinha o baú com o
vestido novo para o dia. Chegava gente de cavalo, gente
36 O cASÀMENro da Tia llaria estava rnarcado para G de trem, da Paraíba e do B,ecife. I\{andaram buscar o
Síro Pedro. Ela fort ao If ecifc comprâr muitr coisa piano de Dona Neuen do Seu Lula. E quando chegou,
do seu enxoval. 'Irouxera-rne tim vclocíperie íl lurla r,o{t- na cabeça dos cabras, lembrei-rne de repente do Recife.
pn bonita dc marinheiro. ComprÍrra cÊIn estes pl.escntes Lá eles cantavam. Corri então para ver a cantiga dos
ir rnirrha vonl,ade dt-. ir <:r.rnr cla tarnbdm. ganhadores, regulando os passos com a toada, pâra não
No crrgcnJro, os J)rol)irr:rl,ivos «la fcsta toma,varrt eon_ desafinar:
lrr rlr. Í<,rlirs rrs rrl.ivi«lrrrlcs. ()s lrintores já tinham termi_ Joã,o Crioulo,
rurtlr» ir lirrr;rr,zrL rlil <lrs:r gutrrrlr'. tlttttlo csiava chciranrlu ll[ari,a Mulata.
rr, ril., nrv. rlirs po1'l;q"; ()s lr)lr'(iottcircls envet't.izavanl J oã,o Cri,oulo,
;r lrr.lríli:r Prr.lrr rl;r. slrllr; r'r'«rcrrtliit o ouro-hanana c]as Ma,ria Mulata,
rrrolrltr r';lri r'(,nr()(.'rlrlrrr. ( ) rrrr'sl rc (.111{irt6, cozinheiro, clie-
lirl';r (lrr tirlrrrl,,prrlrr Í';rztr o l»trtquete, À negra Genero- Ái pisa-pi'lão,
:;rr l'ir'lrvlr :r:l:irrr rl.rlrorurrllt «lo scu reino, e na cozinha pi,l,ão gonguê.
rll() p()rlilrrrr rruri:l trrlr',rrr os rttcttinos. O horncm de cha- Ai pisa-pilão,
;,,,u lrllur(,r) r, il,'trvr,trllll ;lt'rrlltn':tva os fiam]rres, isola- pilão gonguê.
,l,r rlr, l.rl,r o rrrrrrrrlo. I';rrc«tiit que a casa-grande perde-
r',r;r rrr,.llr,l,.,l,.,rrr;r virl;r conl a porta da cozinha fecha- ]I na beira dos rios oomeQava a matânça dos porcos e
rlrr. ( ) lr.rrrr.rrr nrr) rlrrlrilt t)r.ltt\rersas peios bancos. .Nin- dos carneiros. Fui ver os sacrifícios. Iam matar tam-
,,u.rr lr.rlrrr rrrlr,r'rl:*r lroislls, por ali oncle se pubiicavarn irrinr o meu câr'lrciro. Dar-me-iam outl:o, mas o Jasmim
l,,rllr.r rr:r r'\'r(ljrrl,.:r rlo ctrgcttltg. Nas cozinhas das ca- esiirva rebolantlo cle gordo, bom mesmo para o talho'
it:r l,tlilrrlr':r \ r\ ( nr :rj l,t'tttrr':IS (l :1S nCgfas, nCSSaS COn- Os porcos gclniam na ponta da faca d'e Zé Guedes, e um
\ r.r,r 1; r'r1r, (lr, r,r,urirr. Âs lrrirrr(rils deiiadas, dlqÍt-q.pS_ sângue escuro corria em ârco do pescoço furado.
,,;rlr1t-11, lrllll (':; r';rlrrrr,l.r r. lr c:tlll rl0s piolhos. E as ne-^' *I\ferrino náo pode ver estas coisas. Yira assassittr''
;,rr:: \ tt'r llrr. r',,rrllrrrrl,r :ll rrr,irl.r lrist.ririits, fazcndo os scus ,tino de engenho 105
l0 í t'trt\ ltttr ,1,, t, 11',
-Vá dizer ao Seu Juca que eu não quero isto aqui.
Mande o cabra pra vila. Entregue à justiça. Lá, faqam $$ Trxue uns doze anos quando eonhe<d Jrma mnlher,
como homem. Andava atrás <lela,'tiiirando â snâ
dele o que quiserem; aqui, náo. Estas surras não aclian- tapera de palha,, nuilta ânsia misturada de medo e de
tam nada. vergonha. Zefa Cajâ erâ a grande mundana dos eabras
O cabra vinha com â cabeça lascada, gotejando. A do eito. Não me queria.
camisa toda suja de sangue, com as cord.as amarrando se criar, menino enxericlo.
-YáL
Mas eu ficava por perto, eonversando com ela, olhando\
os braços. Não olhava para ninguóm.
para a mulata com vontade nlesmo de fazer coisa rlrim j
malvado t
-Diabo
negro me
F'ieou eomigo u:na porção de vezcs. Lerraea as coisas clo I
afrontou, Scu Ooronel. cngcnho para ela-pedaços ele carne, queijo roubadoil
-O para o Pilar:, foi com um bando atrás.
Quando saiu do annário ; dava-lhe o rlinheiro que o rneu avô deixava I
trfuitos já estavam do lado rl«rlo. por cima das mesas" Ela rne acariciava corn urna vo.a 1