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ORLANDA AMARILIS
Nnsceu om Santlogo. Cnbo Verde . Publicou: Csls-do-Sodré•té•Salomsnsa
(contos. 1974); 1/hév dos pássaros (contos, 1983); revista cobo-verdlana
Ccrt t1u1 e O Ernldo, do Goa.
Cais-do-Sodré *
"Ê devera, não estava a reconhecê-la."
Andresa r~buscn na memória a família da cara parada na sua
frente. P a rece daquela gente de nhô Teofe, um de S. Nicolau a quem
os estudnntes tinham alcunhado de Benjamim Franklin. Ou será pa-
rente de nhô Antônio Pitra irmão do Faia há muito embarcado para
a Argentina?
...
Oh gente. se encontra pessoas, como ela, vindas daquelas terras
de espreguiçamento e lazeira, associa-as quase sempre a uma ou outra
família . Se não as conhece, bom, de certeza conheceu o pai ou o
primo ou o irmão, ou ainda uma tia velha, doceira de fama, até
talvez uma das criadas lá da casa. E a conversa, por esse elo, esten-
de-se, alarga-se, num desfolhar calmo, arrastado, saboroso quase
sempre.
"Sabe, cu estava a olhar para sr~p,orque vi logo ~er gente da
minha terra". continuou Andresa, olhando e sorrindo para a figura
seca de carnes sentada a seu lado.
Esta sorriu também. Um sorriso tímido e descansado.
Encorajada, Andresa ainda arriscou:
·'Está cá há muito tempo?"
"Sim, já vai para dois meses. Não é muito tempo, mas já é
alguma coisa."
Andresa ajeita a mala sobre os joelhos, acancia o fecho de tar-
taruga, num gesto vago, sem atinar por que dera conversa à senhora.
Conchêl, por quê? Dondê? Só se for do tempo de chá de fedagosa.
Sou mesmo disparatenta. Se eu era Andresa Silva, Andresa filha de
nhô Toi Silva de Casa Madeira? Sim senhorn, sou Andresa, sobrinha
de nh'Ana, filha de nhô Toi. :É sim. Mais conversa pâ mode quê?
Ainda hei-de perder essas manias. Manias de dar trela a todo o
boca, a serva desfia va um ror de histór ias. Andrc ~u. debru çada
:1
varan da, ouvia -a distra ída.
Bia Antõ nia disco rria. convi cta.
"A prime ira prova para um ho mem ser maço m:o l'. n tr é:IVC!)S ílr
fc.:z
desca lço um mar de alfine tes. Dczid e. menin a. nhô Simfl o Filili
te~.
esta prova cbmo nenhu m outro . Ia u atrave ssar o mar de alfine
cat rn-
ouviu uma tf\lpid a. Parec ia m caval os de gente -genti o, catrap au,
pau. Dente cFrra do. não volto u a cara para trás, e os cavul os cal
rupau ,
rer,
catra pau. Nhô Simão , desor ientad o, roupa racha da, baba a escor
mãos picad a~, nunca volto u a cara para trás."
Bia Antõn ia chupa va mão- fcchu do a arder lento no canho to es-
queci do ao ~anto da boca.
''E depoi s?" , pergu ntava Andrc sa.
A velha serva levan tava os olhos papud os para Andre sa e res-
pond ia:
''Ago ra, falado ele coma nda todas as noites um vapor de g.ucrru
ali na Ponti nha." •
"Que casta de conve rsa é esta, Bia Antôn ia?"
"Sim senho ra, é dever a. Por artes de maço naria ele costu ma fozt:r
já o
apare cer um vapo r de guerr a ao bater da mei a- noite. Gente s
cimé::I
têm visto, todo farda do de branc o. Nha Xcnx a mora mesm o por
e
da Ponti nha e sente -o toda a santa noite. 1:. um arrast ar de ferros
I'1 é nhô Simã o a gritar a noite inteir a para a marin hagem ."
"Mas nha Xenx a viu-o ?", tomav a Andr esa inc réd ul a.
"Não senho ra, nha Xenx a é mulhe r cristã . Ela benze -se '-= r cz..i
respo nsos, uái , maço ncos têm pacto com o xuxo. "
Andr esa gosta va de ouvir estas histó rias espal hadas pela boca do
Filili
povo. E o povo acred itava tanto nelas a ponto de nhó Simão
toma r-se temid o e respe itado de ponta a ponta da ilha .
O maio r brado fora no dia da morte da Zinha . Ningu ém o
d ~,
esque ceu. O • acont ecime nto preen chera tardes e serõe s das casas
nc ido~.
mora da por ·muit os e muito s dias e daí todos fi cart; m ~o n vc
Simül"'
Ele era maçã o de verda de. E o círcul o de lenda s à voltu UI.! nh(,
Filili mais se avolu mou ainda .
.
Zínha andav a doent e h á lo ngos meses de um~J t.1 01..·111.,:.1 1..· sq ui:-i ta
.1 (i uin.._: e
A pele virara -se-lh e baça e de <.:or s uju . O noivo la rara
S(.'11,io
o povo murm urava . Doenç éf assim n fío podia rcr nu rr:i origc 111
Ge nte
mal-f eitiço feito pela aman te preta de Bis!:>au. Voccs n ;in :--abia m'!
;· 0 ~·rn
da Guin é fazia mal-f eitiço por tudo e por nada . Tam!:>~m 11 1
;..i
novid ade: Qual quer rapaz soltei ro costu mava urrnn jar u su.i rapflrig
Quan to
e, muita s vezes , um ou dois filhos antes de CíJsar co m ou tra.
eitiço
à Zinha , mal-f eitiço ou não, a verda de era ela t;Stnr dot:nt ". Mui-f
e, se
ou não, muita gente nova em Sonce nte morri n tubcr c ul0su
~ UI
0 1< LA ND ,\ AM AR ILI
de mama,
m or ria m de fe br e tifó idc, e se m en in os
c rn.rnças ai nd a. p:i mode qu ê ta nt a tolice
de boca
di se nt er ia . En rà o,
mo rri am co m
pa ra fo ra ?
ca pe qu en a, e um di a a notícia co rre u as
Nfurmurn va -se à bo m o. lin ha en vi ar a um te le gr am a
o se Sé. lbe co
ru as ~e ci m a a ba ix o nã o. Ni ng ué m co m en to u o ca so , to da vi
a,
m pr om iss
ao no iv o a ro m pe r o co a. Er a a ún ic a sa íd a pa ra ac ab ar co
m
m , se nh or
a ci da de ap ro vo u . Si so nã o ob sto u, no en ta nt o, de a Zi nh
a
do en te . Is
o m al -fe iti ço so br e a is, nu m a m ad ru ga da , ai nd a o ga lo
nã o
te m po de po
vi r a fa le ce r po uc o
s.
ha vi a ca nt ad o du as veze e gr ito s
ra af lit a co m at aq ue s de es pu m a na bo ca
Ta nh a an da ô pa dr e
ça ou vi r. o pa i nã o co ns en tir a na vi nd a de nh
pa ra a vi zi nh an am en to s e, en tre ta nt o, já
se fa lav a na
ã os úl tim os sa cr
pa ra da r à irm
r religioso.
m or ad a . O en te rro ia se af ig ur a- se -lh e nu nc a te re m
tes su ce di m en to s e
A nd re sa re le m br a es a a ele s. Ai nd a um a vez, Bi
a
, m al as sis tir
ac on te ci do , ta nt o m ais o de co stu m e, no ca ix ot e ao pé da
ad a co m
A nt ôn ia . à no ite , se nt sfi a o re sto de sta hi stó ria de go ng om
.
in ta l, de
es ca da de ac es so ao qu a du as vezes pe lo pipo
do
" - e a cr ia da ch up
''O iç a m en in a, , qu an do nh ô Pa dr e ch eg ou
à
ap ag ad o - "o iça
se u ca nh ot o m ei o
de nh ô Si m ão Fi liJ i nã o foi ca pa z de en tra r."
po rtá
nt in ua r a ol ha r os ra m os da ta m ar ei ra , lo n-
A nd re sa ha ve ria de co in ho té pi do da no ite , a ro ld an a
co m o ve nt
go s, caídos, va rre nd o, a trê s to ro s en tra nç ad os so br e a bo ca
rra pa to
pr es a co m co rd as de ca
do po ço .
m br ad a, m ér un a. "
"A qu el a ca sa es tá as so de po is
co ça a ca be ça po r de ba ix o do le nç o pa ra
Bi a A nt ôn ia
m:
co nt in ua r no m es m o to a sa la on de es ta va o ca ix ão e
an do u fo rra r
"N hô Si m ão Fililí m m fo lh as de pa lm ei ra e es pe ro u
tra da , tu do co
ta m bé m a po rta da en ra m o gr an de so br e o pe ito e cr uz ou
pô s um
nh ô Pa dr e. A h, ta m bé m
so br e ele ."
os br aç os be m cr uz ad os Bi a An tô ni a ac on ch eg a- se m el ho r
rij o e
O ve nt o as so bi av a m ais in ho ag ua -
ris ca do . An dr es a de ix ar a es co rre r um cu sp
no m an dr iã o de
qu in ta l.
do so br e as pe dr as do m an ho ap ar at o de m aç on ar ia
,
ch eg ou viu ta
" Q ua nd o nh ô Pa dr e Já da po rta . Ca sa ex co m un ga da !
pa ss ou da en tra da
vo lto u as co sta s e nã o ch or ar . Sa be , o en te rro
pa ss ou
Ta nh a es tá fa rta de
D ez id e m en in a s
_ ua co.m pa nh a, fo ra m do is
vi ol õe s
ja . Oh , m as na
po r de trá s da ig re .
ol in o a to ca re m m or na s at é ao ce m ité rio
e um vi
e os jo el ho s e, co m es fo rç o, le va nt a- se do
Po isa as m ão s so br m ão s à ilh ar ga on de as de s-
se nt ad o. Le vo u as
ca ix ot e on de se tin ha
142 ESTôRIAS DE CABO VERDE
1
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cansou num laivo de espreguiçar, levantando-se nos bicos dos pés
,j descalços . Momentos depois, acrescentou:
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l "Toda a gente na sua companha chorou bem chorado. Foi muito
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