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Good Riddance

Autor(es): Mililika

Sinopse
A história de dois amigos de infância, Fabrício, o garoto extrovertido e de bem com a
vida, e André, um rapaz riquinho e homofóbico, que depois de nove anos se
reencontram quando entram na faculdade de medicina da UFRGS. A amizade cresce
ainda mais forte do que antes, de uma forma inesperada...

Notas da história
- Esta história é a versão original de uma fanfiction de mesmo nome, do fandom de HP,
de minha autoria sob o pseudônimo Mila B, escrita em 2010.
-Vídeo com fotos dos personagens:
http://www.youtube.com/watch?v=A7oXE26aGGw&feature=youtu.be
-Álbum de músicas da história: http://8tracks.com/mililika/good-riddance-1
-Capa presente da Arroz Feliz! ♥

Índice
(Cap. 1) Prólogo
(Cap. 2) Apresentações
(Cap. 3) Festa da matrícula
(Cap. 4) Primeiros contatos
(Cap. 5) Trote à fantasia
(Cap. 6) Idiota intolerante
(Cap. 7) Cara de pau
(Cap. 8) Eu Dançaria Tango no Teto
(Cap. 9) E a Luana?
(Cap. 10) Tarde na piscina
(Cap. 11) Bela Adormecida
(Cap. 12) Segredo de gênio
(Cap. 13) Monte Castelo
(Cap. 14) É melhor não resistir
(Cap. 15) Universos paralelos
(Cap. 16) Mas...! Eu não sei fazer isso! Extra Davi Parte I
(Cap. 17) Arrependimentos
(Cap. 18) A soma de tudo
(Cap. 19) Acertar no coração
(Cap. 20) Desculpas não colam mais
(Cap. 21) Não! Eu não quero! Extra Guilherme Parte II
(Cap. 22) Ciúmes? O que é isso?
(Cap. 23) Banho de mar
(Cap. 24) Me abraça forte
(Cap. 25) O que mais dói
(Cap. 26) Destruindo muralhas
(Cap. 27) Deixar acontecer
(Cap. 28) Extra Daniela
(Cap. 29) Pra mim é natural
(Cap. 30) Os tapas de amor
(Cap. 31) Festa de loucos
(Cap. 32) Voltando para casa
(Cap. 33) Onde estou? Extra Davi Parte III
(Cap. 34) Descoberta noturna
(Cap. 35) Epitáfio
(Cap. 36) Mas eu me mordo de ciúmes Extra Gui/Davi Parte IV
(Cap. 37) Não é cedo para dizer Extra Gui/Davi Parte Final
(Cap. 38) Perdendo o controle
(Cap. 39) Já sei beijar de língua
(Cap. 40) Puro magnetismo
(Cap. 41) Extra Porque nada é em vão
(Cap. 42) Cuidado em quem confia
(Cap. 43) Somos o que há de melhor
(Cap. 44) Dia especial
(Cap. 45) Tudo que eu quero
(Cap. 46) Realizando fantasias
(Cap. 47) Espera que o sol já vem
(Cap. 48) Estar ao seu lado
(Cap. 49) 93 milhões de milhas
(Cap. 50) Extra Diogo e Henrique
(Cap. 51) A cumplicidade das estrelas
(Cap. 52) Epílogo

(Cap. 1) Prólogo
Notas do capítulo
Atenção: Essa história se passa no Rio Grande do Sul, então obviamente a linguagem
usada pelos personagens é adequada ao lugar, ou seja, eles falam "tu" em vez de você,
entre outras gírias gaúchas.

Todo dia era a mesma coisa. A mesma rotina, a mesma brincadeira. Mas nem por isso a
vida era monótona. Pode-se se fazer a mesma coisa todos os dias, e mesmo assim viver
vários momentos diferentes, inesquecíveis. Só é necessário ter a companhia certa.

Tudo que André precisava era de sua bicicleta, e ele estaria feliz. Ele dormia até tarde e,
quando acordava, era obrigado a engolir algumas garfadas de comida no almoço; depois
dava um beijo em sua mãe e saía para brincar. Era uma das vantagens de morar numa
cidade interiorana, as crianças podiam sair na rua, curtirem a liberdade de andar de uma
lado para o outro com os amigos, e não preocuparem tanto os pais com seus passeios.

“Tu não está indo naquela lomba de novo, não é mesmo, André?” – Cíntia, a mãe do
garoto, perguntava desconfiada e preocupada para o filho de apenas dez anos de idade.

André negava enfaticamente, balançando os fios loiros em todas as direções. É claro


que estava sempre mentindo. Mas Cíntia não precisava saber disso. Na verdade, ela bem
que sabia, pois conhecia bem até demais o filho que colocara no mundo. Mas de
qualquer forma, depois do almoço André pegava sua bicicleta, companheira de
aventuras, e pedalava até a dita lomba.

A cidade, ainda que não fosse minúscula, era pequena e tranquila, e a família Santayana
era a mais rica e refinada de lá, vivendo em uma casa elegante que lembrava uma
mansão em miniatura. Mas André não se importava em ser refinado enquanto pedalava
empolgado pela cidade, respirando rápido pelo esforço físico e sentindo o vento fresco
bater no rosto corado.

Em geral o ponto de encontro era no topo da grande lomba, às duas da tarde. Isso nas
férias, pois quando estavam em aula, acabavam se encontrando mais tarde. Só havia
duas escolas na cidade, ambas estaduais, mas de ensino bastante bom. Porém eles
estudavam cada um em uma. O amigo de André chamava-se Fabrício Ferreira. Ele era
um menininho pobre, que André conhecera por acidente. Literalmente um acidente, já
que tudo começara com um acidente com um patinete.

A rua da lomba descia vertiginosa e, ao final dela, havia outra rua perpendicular bem ao
lado do lago enorme, de águas límpidas que ocupava boa porta daquele bairro. Do outro
lado, junto ao lago, havia um pequeno parque – o Parque do Vale – onde as pessoas
costumavam correr, passear e beber chimarrão. André e Fabrício também costumavam
brincar bastante sob as sombras das árvores frondosas.

André esperou alguns segundos no topo da lomba até ver Fabrício se aproximando à
distância, com os olhos apertados pelo sol forte de verão. Ele tinha cabelos pretos
bagunçados, e ainda por cima usava óculos. André adorava implicar com aqueles óculos
estranhos, mas sempre corria quando Fabrício ameaçava lhe dar o troco com um soco
bem dado.

"Tu está atrasado." André disse em seu tom de menino rico mimado, quando o garoto de
mesma idade parou ao lado dele, com um skate velho embaixo do braço.
"Mas eu vim, não vim?" Fabrício rebateu em desafio, estufando o peito.

Os Ferreira eram uma família humilde, donos de uma singela confeitaria chamada
Vitória, aonde Fabrício e André iam depois de brincarem na lomba. Era gostoso se
encherem de doces depois de secarem as roupas, antes de saírem e apostarem uma
corrida pelas ruas da cidade.

Com olhares audaciosos, os dois meninos encararam a lomba, esnobando sua


declividade gigantesca com ares de super-herói. Não havia muitos carros por ali, eles
surgiam eventualmente, mas eles sabiam como se virar quando acontecia algum
imprevisto. André montou na bicicleta sem freios – que ele mesmo tirara (e ele estaria
frito se Cíntia descobrisse).

"Freios são para meninas." Ele havia dito para Fabrício, mas no fundo era porque
Fabrício usava um skate, e skates não tinham freio. E ele não podia deixar Fabrício
acreditar que era mais corajoso.

Já Fabrício deitou no skate, de barriga para baixo. E era por isso que André
secretamente gostava tanto dele. Aquilo era loucura. Era arriscado, mas Fabrício não se
importava. Assim como ele também não se importava. Não havia outro amigo para
comentar tal loucura que deixava ambos com o coração acelerado.

"um, dois..." Começou André, olhando determinado para a lomba assustadora. "TRÊS!"
Gritou, e os dois tomaram impulso e começaram a descer a ladeira, aos risos.

O vento atingiu o rosto dos garotos com força, bagunçado os fios e enchendo os olhos
de lágrimas. Um frio intenso causava fisgada nas entranhas conforme ganhavam
velocidade. Eles gritavam um para o outro e voltavam a rir, aproveitando aquela
sensação de liberdade e voo. Mas o ponto alto da brincadeira era quando, seguindo em
linha reta, caíam diretamente nas águas gostosas do lago, com roupa, skate, bicicleta e
tudo. Saltavam para fora dos ‘veículos’ antes de cair na água. Era como voar e cair num
mar revolto, livrando o corpo de todo o calor do dia, e ainda exaurir os corações com a
adrenalina.

Os dois submergiram, dando risadas. O frio na barriga ainda fazendo-lhes cócegas,


deixando-os sem ar. Eles jogaram água um contra o outro, guerreando por alguns
minutos..

"Tu viu aquilo?" Exclamou Fabrício um pouco depois, com os braços sobre o skate de
madeira que flutuava na água. "Eu quase atropelei um gato! Tu viu a maneira como eu
desviei dele?"

André gargalhou e nadou até a beira, esforçando-se para levar a bicicleta junto; havia
uma barra que dava para se segurar e ajudava com a subida. Ele colocara dois
dispositivos que impediam a bicicleta de afundar por completo, mas era difícil mantê-la
na superfície já que ele era um tanto magrela e fraquinho.

Os dois saíram da água e correram lomba acima, para mais uma tentativa.
"Depois eu quero trocar." Pediu Fabrício quando eles chegaram lá em cima de novo,
exaustos e ofegantes pela subida íngreme. “Eu vou no skate e tu na bicicleta.”

“Tu tem medo de ir no skate. É mais difícil.” Fabrício rechaçou, pura implicância.

“Cala a boca. Eu não tenho medo de nada.” André o empurrou.

Horas depois, úmidos e quase mortos de cansaço, os dois foram até a confeitaria dos
pais do Fabrício. Haviam aproveitado e disputado corrida de bicicleta contra skate por
quase toda a cidade. Uma velhinha havia gritado com eles quando passaram voando por
ela, quase a atropelando. Fabrício gritou um pedido de desculpas por cima do ombro,
mas a senhora continuou a resmungar. Agora a fome batia forte e nada melhor do que
um bolinho de chocolate para recarregar as energias.

"Oh, Deus! Mas é todo o dia a mesma coisa!" Exclamava Isadora, mãe de Fabrício,
mas, como todas as outras vezes, correu para pegar algumas toalhas. Eles já não
estavam tão molhados, mas mesmo assim ela insistia que acabariam se gripando.
Mesmo com o calorão lá fora.

Eles tomaram suco de laranja e comeram bolo e os pães de queijo. Os melhores da


cidade, dizia Fabrício, e André acabava por concordar com um aceno de cabeça, a boca
cheia demais para que conseguisse falar qualquer coisa.

Às vezes, quando André perdia a noção do tempo ouvindo as histórias do Lucas– pai do
Fabrício – sobre lendas, mitologia e outros assuntos fantasiosos, ou tentando decifrar as
charadas e brincadeiras do Diogo, amigo de infância de Lucas, a Cíntia aparecia na
confeitaria, agradecia à Isadora por cuidar do filho com uma careta de desgosto e
arrastava André para casa.

Ele abanava para Fabrício, que sorria e murmurava um "Até amanhã."

À noite, André ouvia as advertências da mãe. Dizia que se o pai descobrisse sobre as
traquinagens dele junto com um garotinho pobre, ele ficaria de castigo até atingir a
maioridade. Cíntia sempre acobertava tudo, e era o tipo de mãe que ladra, mas não
morde. Ela gostava de ver o filho feliz, brincando feito qualquer outra criança saudável,
mas o pai era exigente e queria que o filho já agisse como um adulto.

Mas André sempre abanava a mão, como se dispensando os argumentos da mãe. Ela
nunca contava nada para o pai e, de qualquer forma, ele estava sempre viajando,
cuidando dos negócios. Heitor era um homem influente, dono de terras e um negócio de
importação e exportação. Conservador e rígido eram suas qualidades mais marcantes,
ainda que colocasse a família em primeiro lugar – na maior parte das vezes.

No dia seguinte, André foi encontrar Fabrício, no mesmo local.

"Ela brigou muito?" Perguntou o menino, e André deu de ombros, não querendo falar
sobre aquilo.

Os dois começaram a descer, e aquele prometia ser um dia como outro qualquer. Numa
das descidas, os dois seguiram um carro enorme, prateado, que andava à frente.
Desafiaram um ao outro a conseguir ultrapassar o carro. Mas o veículo parou
abruptamente, algo que os dois não esperavam, pois nenhum carro nunca parava
nomeioda lomba.

Fabrício ainda conseguiu desviar, gritando no processo, mas André levou um susto tão
grande que não conseguiu desviar a tempo. Porém rapidamente calculou que se virasse a
bicicleta de lado, ao menos não haveria chance de bater com a roda da frente e sair
voando por cima do carro. Conseguiu virá-la, mas acabou se estatelando no metal do
carro.

"Outh." Gemeu, deslizando até o chão depois de bater a coxa com força, esmagando
carne contra osso. Tentou se levantar e viu que felizmente não tinha quebrado nada.
Acabou rindo, apesar da dor. Provavelmente ficaria todo roxo.

"Inacreditável." Uma voz fria ecoou perto de André, e ele levantou o rosto. O sorriso
murchou de imediato.

Heitor levantou o filho e o arrastou para dentro do carro. André ainda tentou reclamar,
dizer que precisava pegar sua bicicleta, mas Heitor não o escutou; ou fingiu não escutar.
Colocou-o no banco traseiro e, batendo a porta com força, subiu também no carro
edirigiu para casa. André não se atreveu a falar com o pai, que mantinha a expressão
austera e amedrontadora; os lábios crispados.

Fabrício viu quando carro passou, com André dentro dele. O loirinho parecia tão
atemorizado que sequer o olhou. Fabrício se apoiou na margem de concreto e suspirou,
jogando o skate para fora do lago, antes de sair também da água.

Sem André.

E caminhou até a confeitaria. Sozinho.

André nunca mais apareceu naquelas férias. E ele levou algumas semanas até desistir de
ir até o lugar marcado, nos últimos dias antes de as aulas retornarem. Quando a saudade
bateu forte, Fabrício resolveu ir de skate até a casa dele, a vários quarteirões de
distância. Chegou lá, com os pés cansados e olhou para a única residência realmente
grande da cidade. A casa ficava a uma boa distância da calçada, e Fabrício não achou
que gritar por André adiantaria.

Então ele apenas abaixou a cabeça e colocou o skate apoiado em um dos pilares da
grade. Pois andar de skate e descer aquela lomba pareceu perder todo o significado. Não
seria a mesma coisa sem André.

E, com esse pensamento, voltou para casa.

Notas finais do capítulo


Essa história vai ter muitos fatos, digamos, parcialmente verídicos, porque vai englobar
muitas experiências que eu tive, ou vi, ou ouvi ao entrar no curso de medicina da
UFRGS. Aliás, esse negócio de descer lomba e cair em um lago também tem algo de
verídico! hehehe!Beijos para quem leu. ♥
(Cap. 2) Apresentações
Notas do capítulo
Eu queria comentar que o YAOI propriamente dito demora um tanto para acontecer
nessa história, e que os primeiros capítulos são mais uma apresentação dos personagens
e da própria faculdade... Agradeço aos que passarem por essa fase mais amena da
leitura! Os capítulos serão curtinhos, porque acho que combina mais com o ar da leitura.

Fabrício mordeu uma fatia de pão com queijo recém tirada da torradeira e se atirou na
cama, caindo ao lado de Cherry, a gatinha branca que encontrara na rua havia algumas
semanas. Ela tinha uma adorável carinha de anjinho, se é que existem anjos felinos;
porém ela também tinha a adorável mania de morder as visitas.

Não que Fabrício pudesse receber muitas visitas, já que morava num apartamento que se
resumia a um quarto, uma cozinha pequena e um banheiro. Ao menos tinha a cama de
casal, e havia espaço para uma estante com televisão, e outra mesinha de estudos com o
notebook.

Havia se mudado para Porto Alegre fazia uns treze meses e ficou fazendo um ano de
Mottola e Gabarito, cursinhos pré-vestibular por disciplina, para ter chances de passar
no vestibular de medicina da UFRGS. E havia conseguido! Depois de um ano que se
resumira a ir pro cursinho, assistir às aulas, voltar para casa e estudar até a meia-noite
para acordar às 6h30min no dia seguinte...

Finalmente tivera sua recompensa. Ficava com um sorrisinho no rosto sempre que
pensava nisso, e também bastante aliviado, porque os pais não teriam mais de gastar
quase 1500 reais de cursinho por mês, isso sem contar os gastos com alimentação,
contas do apartamento e outros. Agora os pais, que continuavam morando na outra
cidade, só precisariam arcar com os gastos para que Fabrício continuasse a morar na
capital durante os anos de faculdade.

Seis anos. Não era pouca coisa. Mas medicina sempre fora seu sonho, então estava mais
do que disposto a encarar toda a preparação necessária até tornar-se um médico.

Espreguiçou-se na cama depois de terminar o sanduíche, dando alguns pedacinhos para


Cherry. Eram nove da manhã. Às dez precisava estar na FAMED para a realização da
matrícula.

Os veteranos haviam avisado que todos deveriam ir com roupas sujáveis e, para os
garotos, cuecas mostráveis. Fabrício tinha medo de imaginar o que eles haviam
preparado. Era dia 20 de fevereiro. As aulas começavam dia 03 de março para os
calouros, e os veteranos já estavam aprontando. Aliás, já vinham aprontando desde que
saíra o listão do vestibular, no mês anterior. Eles criaram um grupo no Facebook para
veteranos e calouros e começaram a meter terror. Alguns bixos já eram chamados de
bixos rebeldes, e esses, pelo que diziam, iriam sofrer mais no trote.
Mesmo assim, Fabrício os achara legais. Haviam ajudado com tudo e agora planejavam
uma festa naquela noite, chamada ‘festa da matrícula’. Os bixos tinham de levar 50 reais
e, no caso de Fabrício, um fardo de cerveja (alguns precisavam levar outras bebidas)
quando fossem fazer a matrícula, e com esse dinheiro e bebida, os veteranos
preparariam a festa. Fabrício já estava com dinheiro no bolso e o fardo de cerveja estava
em cima da mesinha de estudos.

Quando bateu 9h30min, o garoto de cabelos pretos deu uma afagada nas orelhas de
Cherry (fazendo a gatinha se contorcer inteira e ronronar pedindo por mais), checou a
mochila com algumas tralhas que provavelmente nem iria precisar, e saiu do
apartamento com o fardo de cerveja em mãos. Desceu e saiu do prédio, caindo direto na
Av. Independência. Não era muito longe da FAMED, então decidiu caminhar até lá.
Não demorava mais do que quinze minutos a pé.

XxX

"André! Tu vai se atrasar para a matrícula, querido!" Gritou Cíntia, ao pé da escada.


André claramente tinha uma queda por chegar atrasado aos compromissos.

André apareceu no topo da escada e desceu tranquilamente até estar ao lado de Cíntia,
beijando-a na bochecha.

"Acalme-se, mulher. Eu nunca me atraso." Gracejou André, jogando a mochila por


sobre um ombro.

Seguiu para a saída antes que a mãe viesse de novo com aquele papo sobre estar ‘tão
orgulhosa por ele ter passado na primeira tentativa em medicina na UFRGS’, e também
se furtando da tentativa de Cíntia de fazê-lo comer alguma. Odiava comer pela manhã.
E odiava ainda mais tomar leite.

Do lado de fora, uma moto esportiva o aguardava, brilhosa sob os raios de sol
matutinos. Ele sorriu e respirou fundo, estufando o peito, antes de subir na moto,
colocar o capacete e seguir para a faculdade. Tinha apenas três meses que tirara a
carteira de moto e carro, mas já se considerava um ás no volante.

A família Santayana mudara-se para Porto Alegre há mais de oito anos. E André
lembrava bem uma das razões. Mas ele concordava que a mudança acontecera para o
melhor. Às vezes, chegava a perguntar a si mesmo como fora capaz de agir como um
rebelde inconsequente na companhia de um garoto de classe baixa. Era quase uma
abominação.

XxX

Já a metros de distância Fabrício reparou na algazarra que acontecia na entrada da


FAMED. No portão para o lado de dentro, havia vários jovens usando jalecos brancos,
bloqueando a passagem de todo mundo que fosse bixo da medicina. Fabrício se
aproximou já desconfiado, não sem antes dar uma olhada rápida para o Hospital de
Clínicas, logo ao lado da FAMED, já se imaginando caminhando pelos corredores
daquele enorme complexo.
“É bixo medicina?” A pergunta atraiu os ouvidos de Fabrício, e ele notou que já estava
quase na frente do portão. A calçada se alargava na frente daquela entrada e era nesse
espaço que Fabrício estava. Ele piscou, desnorteado, antes de abrir um sorriso divertido.

“Sou sim.”

“Então de joelhos!” Um dos outros rapazes de jaleco demandou, enquanto mais um saía
pelo portão e pegava o fardo de cerveja das mãos de Fabrício. Este, ainda meio
desorientado, fez o que lhe foi ordenado.

“Agora grita: Eu amo a UFRGS!” Disse o primeiro. Pelo crachá pendurado no pescoço,
seu nome era William.

“Eu amo a UFRGS!” Fabrício gritou. Ou algo do gênero. Não soou bem como um grito,
pelo menos aos ouvidos dos veteranos. Outro deles demandou:

“Mais alto, bixo, não tem garganta, não?! EU AMO A UFRGS!” Gritou para dar o
exemplo.

“EU AMO A UFRGS!” Fabrício resolveu gritar a plenos pulmões. Estava de bermuda e
ajoelhar-se no chão áspero da calçada era o mesmo que ajoelhar-se sobre milho. Os
veteranos aplaudiram, afastando-se um pouco. Fabrício fez menção de se erguer, mas
eles gritaram, impedindo-o.

“Entra de joelhos e beija o chão da tua amada UFRGS aqui dentro!” Ordenaram
novamente. Fabrício levava no bom humor. Eles estavam fazendo aquilo com todo
mundo, e em seus rostos havia sorrisos de boas-vindas. Entrou de joelhos na UFRGS
então, e beijou o chão, ainda que isso fosse um tanto nojento.

Quando se levantou, pôde finalmente caminhar para dentro do pátio em frente ao prédio
da faculdade de medicina. Havia outros bixos por ali, e veteranas pintando-os com
batom e esmalte. Escreviam no rosto e pescoço principalmente: bixo medicina UFRGS!
E seus variantes. Logo duas veteranas se aproximaram de Fabrício e começaram a pintá-
lo.

“’Tá nervoso, bixo?” Perguntou uma delas.

“Até que não.” Fabrício admitiu. Estava era feliz, radiante, e deixou que elas lhe
pintassem o rosto. Faltavam cinco minutos para as dez, e por isso logo deixaram a leva
de alunos daquele horário subir para realizar a matrícula. Mas tinham no rosto aquele
sorrisinho maldoso que dizia claramente: te pegamos mais tarde, bixo.

XxX

A matrícula de André era as 10h30min. André tinha a leve impressão que era quase a
última do dia para os calouros da medicina, e sabia que ficara entre os últimos
colocados no vestibular, por isso estava entre os últimos a se matricular e, portanto,
acabaria pegando as piores turmas e horários. Mas era o jeito. Ao menos não fizera
nenhum ano de cursinho para conseguir a vaga. Passara um ano no exterior, estudando
Inglês e Francês depois de terminar o colégio, e quando voltou prestou vestibular e
passou. Os pais ficaram exultantes, e é claro que André acabou por empinar um pouco o
nariz com a conquista.

Ele, que já era naturalmente um narizinho empinado. Não que ele tivesse consciência
disso, claro. Estacionou a moto perto da FAMED e seguiu para lá. Quando viu aquela
bagunça na entrada, recusou-se ferrenhamente a pôr-se de joelhos e obedecer àqueles
babacas que achavam que podiam mandar em alguém só porque já tinham terminado
um mísero semestre na faculdade. Fazendo cara feia, os veteranos o deixaram passar, e
novamente o André recusou-se a deixar que o pintassem. Já havia decidido que não iria
participar do trote. Mesmo assim pagou os 50 reais para a festa da matrícula, pois
pretendia dar uma espiada por lá mais tarde.

Também pagaria de vez os 200 reais que os veteranos queriam que cada um dos bixos
juntasse na esmolagem. André jamais esmolaria todo sujo de tinta, sob o sol forte, tendo
de aguentar as caras feias das pessoas quando pedisse por alguma moeda. Era mais
prático entregar os 200 reais e escapar de fininho de tudo aquilo. Seguiu direto para o
interior do prédio, passando pelas roletas da entrada ao dizer ao segurança atrás de um
balcão quadrangular que era calouro, e seguiu para o quarto andar.

XxX

A matrícula foi bem tranquila. Havia um tiozão gordão presidente da COMGRAD, de


barba e cabelo branco, que explicou alguns pontos sobre a faculdade e como eles
deviam escolher as turmas. O grupo de alunos preencheu uma ficha com seus dados e as
turmas que encaixavam, e depois foram dispensados.

Fabrício e aquele grupo de alunos saíram todos amontoados, empolgados por estarem
enfim oficialmente matriculados, e nesse ínterim a outra tomada de alunos entrou na
sala. Fabrício não viu o André, e nem André viu o Fabrício. Talvez André sequer
reconhecesse o Fabrício, já que o rosto deste estava uma confusão de batom, esmalte e
até um pouco de tinta.

XxX

Mal desceu e já empurraram-lhe uma plaquinha com o nome: Fabrício enFermeira. O


moreno riu, apesar de achar a variante para seu sobrenome bastante besta. Mas todos os
nomes e sobrenomes nas plaquinhas tinham alguma espécie de variação cômica e boba.
Uma tinha o sobrenome “Só Dá o Cu”, quando na realidade – Fabrício não aguentou a
curiosidade e perguntou – o sobrenome era Sukadolnik. Ou uma tal de Grave e Grossa,
cujo sobrenome era Grave Gross.

Eles usariam aquelas plaquinhas para mendigar, mas por hora umas veteranas
mandaram que ele fosse ao banheiro e colocasse a cueca por cima da bermuda. Fabrício
soltou uma risada involuntária ao ver um garoto com um samba calção de bolinhas por
cima da roupa. Certamente aquilo não era mostrável. A sua era apenas uma cueca
branca e sem-graça. Depois de colocá-la no banheiro, os bixos foram levados para
serem pintados mais um pouquinho e então arrastados para o Centro Acadêmico
Sarmento Leite.
O CASL era um ambiente especial para os estudantes de medicina, um espaço para
descanso, onde havia uma mesa de sinuca, sofás, videogame, um tabuleiro grande de
xadrez num canto e também uma mesa de pebolim. O lugar também tinha uma caixa de
som que estava quase sempre ligada e uma televisão na frente dos sofás de couro preto.
Subindo as escadas, chegava-se a outro pequeno espaço que não servia para muita coisa,
e também a uma saleta exclusiva do pessoal que fazia parte do diretório do Centro
Acadêmico e eram os representantes dos estudantes de medicina perante a faculdade.

Mas naquele dia só havia bixos pintados, acuados, confusos e ansiosos sentados pelo
chão do lugar, de frente para um pequeno palquinho que geralmente servia pro pessoal
sentar ou deixar as mochilas em cima. Alguns veteranos sentavam no sofá – só veterano
tinha permissão de sentar nos confortáveis sofás de couro – e ainda demorou um tempo
para que todos os bixos estivessem ali, pois a última matrícula era às 11h00min.
Coitados daqueles que tiveram as matrículas às 9h00min e precisaram ficar sentados no
chão em desconforto por mais de duas horas.

Fabrício conhecia alguns dos futuros colegas. Já haviam sido colegas no cursinho. Mas
eram poucos, apenas três – Gabriella, Franciele e Rafael; outros ele conseguia puxar
pela memória de já ter visto zanzando pelo Mottola, mas nunca havia falado com
nenhum deles. E agora que todo mundo estava pintado, misturado e incapaz de se
mover, era quase impossível de se reconhecer qualquer um.

“Tu sabe o que a gente 'tá esperando?” Alguém sussurrou para Fabrício.

“Sei lá, cara. Acho que tem algo a ver com o trote. Eles falaram no grupo que iria ter
apresentação dos calouros e banho de tinta depois da matrícula.” Fabrício lembrou.
Tinha aula teórica da auto-escola aquele dia (presente dos pais por ter passado no
vestibular), mas tinha a leve impressão de que teria de fazer a aula à noite e dela correr
para a festa da matrícula.

Já estava com dor nas costas quando a última leva de calouros chegou ao CASL, trazida
pelos barulhentos veteranos. Foi nesse momento que lembrou ter-se esquecido de
alimentar Cherry.

Aquela baderna tinha jeito de que iria demorar.

XxX

André bufara, mas acabara se deixando convencer. Sua madrinha, a garota que o
‘amadrinhara’ para cuidar dele ao longo da faculdade, Bruna, disse-lhe para ao menos ir
espiar as apresentações, e até participasse. Não levaria tinta na cara com isso.

“A gente não faz nada forçado aqui, André. Isso tudo é só um rito de passagem para que
vocês se conheçam melhor, nos conheçam melhor e a estranheza inicial passe. Encare
como diversão!” Bruna falara, empolgada. André se deixou levar, talvez porque ela
fosse bastante bonita e tivesse um sorriso simpático. E ela também era parte da
comissão do trote, então estivera envolvida em tudo e havia dito que ficaria chateada se
ele não participasse de nada.

Por que garotas precisavam ser tão persuasivamente manipuladoras?


André entrou no CASL, lotado àquela altura, pois praticamente todos os 70 calouros
estavam ali dentro, amontoados junto com aproximadamente uns 20 veteranos. Não
sentou no chão. Se empoleirou nas escadas e ficou ali olhando a bagunça.

“É o seguinte, pessoal!” William, em pé no palquinho, chamou atenção dos calouros,


que aos poucos foram silenciando as conversas confusas. “A gente vai ir chamando três
pessoas por vez. Vamos fazer três perguntinhas básicas para conhecer cada um de vocês
melhor e também dizer qual a fantasia de cada um para o trote à fantasia, que será na
primeira semana de aula! Quaisquer dúvidas vocês tiram com a gente no facebook,
beleza?”

E assim foi. As simpáticas perguntas foram: “Qual teu funk favorito?”, “Qual teu maior
fetiche?” e finalmente “Qual tua posição sexual preferida?”. Algumas respostas eram
bem engraçadas e criativas. Uma garota afirmou que sua posição sexual favorita era em
pé numa rede. Outra que garantiu que era de quatro ganhou palmas e assobios da galera.
Toda vez que alguém falava uma posição sexual desconhecida, como helicóptero sueco,
os veteranos mandavam que a pessoa encenasse essa posição com outro no palquinho.
Os fetiches também não ficavam para trás. Rendiam boas risadas.

André tinha de admitir, estava se divertindo, até porque a madrinha fizera o favor de
poupá-lo ir lá pagar vale. Só precisava rir da cara dos futuros colegas. Porém parou de
rir e arregalou um pouco os olhos quando certo alguém foi chamado e subiu ao palco.

“Fabrício enFermeira.” André conhecia esse nome. E conhecia muito bem. Ok, não a
parte do enfermeira, mas lembrava que era Ferreira, a lembrança o atingiu rápido, vinda
dos confins de suas memórias. Talvez porque aquele rosto nunca o deixaria esquecer-se
disso.

Depois de algumas palavras do veterano, Fabrício se apresentou.

“Meu nome é Fabrício... Meu Funk preferido é... Créu?” Mais perguntou do que
afirmou, e alguns riram.

“Dança o créu aí!” Um dos veteranos demandou.

“Nem pensar!” Fabrício riu. “Meu fetiche é... Transar no mar.” Estava inventando tudo
aquilo na hora. É claro que todo mundo mentia qualquer coisa quando subia ali em
cima. Ou assim Fabrício achava. Talvez o garoto da apresentação anterior realmente
tivesse o fetiche de transar dentro de uma barraca montada no meio da rua.

“Transar no mar?” William perguntou, botando uma ênfase de ‘Tu é maluco?’ na


pergunta. “Nas praias daqui não dá.” As praias do sul eram cheias de ondas fortes, dois
pombinhos copulando no mar certamente saíram rolando afogados naquelas águas
revoltas.

“É só ir para Santa Catarina.” Fabrício dispensou. As pessoas riam de seu jeito, talvez
porque falasse com naturalidade e fosse engraçado a sua própria maneira.

“E a posição sexual?”
“Eu gosto de quatro.” O jeito que falou criou uma gargalhada geral, e só depois Fabrício
percebeu a gafe, no meio das piadinhas dos veteranos. “Não eu de quatro! A garota de
quatro!” Riu, coçando rapidamente a barba por fazer.

André estava com o queixo ainda meio caído ao observar aquilo. Não conseguia mesmo
acreditar que era seu amigo de infância. Ele estava tão... diferente. Ou melhor, ele ainda
era uma cópia de quando tinha dez anos, tirando o fato de que deveria estar com 1,85m
de altura ou mais, obviamente mais encorpado e com barba. Mesmo pintado, André foi
capaz de reconhecê-lo.

E quando ele olhou em sua direção assim que o William mudou a atenção de todos para
o garoto ao lado de Fabrício, André sentiu um nervosismo sem explicações. Achou que
ele iria reconhecê-lo também, abanar, esboçar alguma expressão que denunciasse que se
lembrava dele. Mas tão logo Fabrício o olhou, já desviou o olhar.

E André ficou furioso. Como diabos ele se lembrava daquela jamanta pintada em batom
e esmalte, e ele não se lembrava de si? Ficou tão irritado que desceu as escadas e seguiu
para saída, espremendo-se entre as pessoas. Saiu diretamente para a rua, mandou um
veterano que tentou impedi-lo à merda, e logo já subia na moto e voltava para casa.

Talvez nem fosse naquela estúpida festa da matrícula.

Notas finais do capítulo


FAMED - Faculdade de MedicinaCOMGRAD - Comissão de Graduação.Foi divertido
escrever com as lembranças que eu tenho do dia da matrícula. Fiquei tentando lembrar
das respostas do pessoal, mas naquele dia eu estava tão perdida e atarantada ali no meio
daquele bando de gente desconhecia e pintada, que mal me lembro, só lembro que ri
demais até perder o ar. ^.^Próximo cap.: festa da matrícula!Obrigada aos chuchus que
comentaram: Okumura Yui, lari_thekiller, Bruna Uzumaki, ddkcarolina, Mayan e Álefe.

(Cap. 3) Festa da matrícula


O dia foi mesmo exaustivo para o Fabrício. Depois das apresentações no CASL, os
veteranos os levaram para o pátio e foi aquele banho de tinta. A partir daí era cada um
por si, os bixos se dispersaram pelas ruas de Porto Alegre, abordando tudo quanto era
gente que viam pelo caminho, pedindo por dinheiro. Uma moedinha, qualquer coisa,
alguns centavos já ajudavam.

Fabrício se juntou com os amigos Rafael, Fran e Gabi. Os quatros caminharam da Rua
Ramiro Barcelos para a Av. Ipiranga e pararam na sinaleira da R. Silva Só, ao lado de
um Mcdonalds. Assim, Fabrício pedia dinheiro na sinaleira, como um perfeito pedinte
sujo e mal-vestido, junto com a Gabi. E Fran e Rafael alternavam entre a sinaleira e o
pessoal que saía do Mcdonalds.

Fabrício abriu um sorrisão e foi exibir todo contente os 20 reais que ganhara de uma
mulher com quem praticamente flertou para arrancar dela algum trocado.
Gabi fez uma careta.

“Que injusto!” Exclamou, fazendo bico. “Eu fico aqui ganhando cinco centavos, ou dez
centavos quando o pessoal está generoso, e tu ganha vinte reais de vez!”

“Tem que ter lábia, Gabi.” Fabrício piscou para a garota e passou um braço pelos
ombros dela. Inclinou-se para perto, como se para segredar uma tática infalível.
“Façamos assim – no próximo carro de vidro aberto com um homem na direção e, pelo
amor de deus, nenhuma mulher no carona, tu se inclina bem para perto, abre um sorriso
bem charmoso e diz: Oi, algum dia eu vou ser a tua doutora. Aí lambe os lábios e
depois continua: mas primeiro tu tem que me ajudar, lindo. Tu não imagina como vou
ficar agradecida se tu me conseguir algum dinheiro agora. Aí tu pisca e sacode um
pouco o decote.” Fabrício se afastou e analisou o decote de Gabi, que estava rindo da
voz de travesti que o moreno fizera para tentar imitar uma garota.

Gabi deixou o Fabrício ajeitar seu decote. Eram tão amigos, que ela nem se importava
de ele 'apalpar' seus peitos e deixá-los mais evidentes. Fabrício era uma parada mesmo.
Riu ao final com o assobio que ele soltou.

“Aqui, para tu que ‘tá carente a ponto de já sair mostrando os peitos por dinheiro.” Ele
brincou e colocou umas moedinhas no caneco da garota. O caneco era de metal prateado
e tinha as inscrições Medicina UFRGS, e um cordão verde com as mesmas inscrições se
ligava a ele, assim as pessoas podiam carregá-lo no pescoço, se quisessem.

“Besta.” Gabi xingou, mas aceitou alegremente o dinheiro. Nesse momento o sinal abriu
e os dois saíram do canteiro central, indo ‘assaltar’ mais alguns carros. Fabrício
conseguiu uns três reais daquela vez, já a Gabi voltou exibindo uma nota de dez que
recebera do carinha com quem flertara.

“Boa garota. Quase lá. Só mais dez reais para alcançar o mestre.” Fabrício gracejou.
Falava sempre em tom de brincadeira e deboche, então mesmo quando dizia algo
convencido, não havia como levá-lo a sério. Gabi colocou a nota de dez no decote e fez
um beiço provocativo para Fabrício, desfilando com o dinheiro nos peitos.

Fabrício riu e puxou a nota dos peitos dela. E aí começaram um pega-pega pela nota de
dez.

Eles não ficaram esmolando até muito tarde naquele dia. Ainda teriam outros três dias
para fazer isso, na primeira semana de aula. Pelas cinco e pouco da tarde, já bem
cansados e com a pele ardendo pelo sol forte, cada um voltou para a própria casa.

Fabrício pegou um ônibus, mesmo recebendo um olhar torto do motorista, que tratou de
avisá-lo para não sentar nos bancos e ficar bem lá no fundo, e também alguns olhares
curiosos das pessoas dentro do ônibus. Duas senhoras até o cumprimentaram por ter
passado em medicina, e ele agradeceu com um sorriso simpático no rosto, do tipo que
muito bem poderia fazer as vovós pensarem: ah, se eu fosse mais nova!

Foi uma dificuldade livrar-se de toda a tinta quando chegou em casa e partiu direto pro
banho. Ainda tinha aula teórica da auto-escola, ali na Ramiro Barcelos, rua da FAMED,
o que era bem prático, porque a tal festa da matrícula seria na Ashclin, que ficava
naquela mesma rua. Quando saiu do banho com a toalha enrolada na cintura, ainda
sentia a tinta grudada em algumas partes do corpo. Tinha certeza de que havia alguma
enfiada no ouvido.

“Ah, Cherry!” Viu a gatinha sobre a cama de casal no canto do apartamento. Da porta
de entrada, a cama ficava parcialmente escondida por uma reentrância na parede, e o
armário ficava bem ao lado da cama. Cherry estava deitadinha comportada sobre um
dos travesseiros, também brancos. Podia ser facilmente confundida com um bichinho de
pelúcia com o qual Fabrício dormiria agarrado à noite. “Esqueci de ti, bonitinha.”
Pegou-a com cuidado no colo, já que ela era tão pequenininha, e a levou até a cozinha,
onde a serviu de um generoso pratinho com ração especial.

Cherry miou feliz e, espreguiçando-se, pôs-se a comer a ração, derretendo o Fabrício


inteiro, já que ele tinha um fraco enorme por bichinhos, tanto gatos quanto cachorros.
Não à toa havia pegado a gatinha abandonada sem pensar duas vezes. Segurando a
vontade de morder aquela bola de pelos brancos, Fabrício saiu da cozinha e foi até o
armário, em busca de alguma roupa legal para aquela noite.

Optou por uma bermuda e uma camisa branca. Achava que cores claras lhe caíam bem.
Colocou uns tênis meio esportivo e espetou os cabelos negros para cima. Fabrício foi
até o espelho de corpo inteiro ao lado da porta do banheiro e se analisou.

“Apresentável.” Assentiu para a própria imagem, como se fosse ela a lhe pedir a
opinião. “O que acha, Cherry?” Perguntou quando a gatinha apareceu na porta da
cozinha, lambendo os beicinhos com a barriga satisfeita. Dessa vez Fabrício não
aguentou. Avançou até a gatinha, pegou-a no colo e se jogou com ela na cama, até
perceber que chegaria atrasado na aula caso continuasse a fazer cócegas em Cherry,
enquanto ela tentava mordê-lo e arranhá-lo de brincadeira, muito nova para realmente
machucar.

XxX

É claro que o André não admitiria que passara boa parte da tarde fuçando no Facebook
de Fabrício Ferreira, como um exemplo perfeito de stalker. Ele estava no grupo com os
veteranos, como não havia visto antes? André ainda ficava emburrado por ele sequer o
reconhecer. Foi até o espelho e se perguntou se havia mudado muito. Achava que não...
Inclusive, odiava como parecia uns três anos mais novo do que realmente era. Tinha
dezenove, mas as pessoas insistiam em achar que tinha uns quinze ou dezesseis. Fala
sério!

Ainda se lembrava de uma vez em que fora se consultar por causa de uma dor de
garganta persistente no ano interior, e a médica perguntou: “Quantos anos tu tem,
querido? Quatorze?”. Na época ele tinha dezoito. André ficou extremamente vermelho,
morto de vergonha, ainda mais quando a médica ficou nitidamente surpresa quando
disse sua verdadeira idade. Aliás, André desconfiava que ela fora checar sua ficha
depois, tomando-o por mentiroso.

Suspirou, rolando sobre a cama espaçosa e colocando as mãos atrás da cabeça como
apoio. Não conseguia tirar o Fabrício da cabeça, e não entendia isso. Mas as lembranças
da infância ficavam voltando. Era engraçado. Tinha amigos lá de seus doze, treze anos,
que mal lembrava mais por achá-los hoje sem importância, amizades passageiras. Mas o
Fabrício, que havia sido seu amigo até os dez anos de idade, era alguém que não
esquecera. Haviam tido uma amizade bastante próxima, e André fechou o rosto ao
perceber o sorrisinho surgido no canto do lábio.

Que bobagem ficar sorrindo feito um pateta saudoso da infância. Ele era apenas muito
evoluído para lembrar de tudo tão nitidamente. Aliás, André fora agraciado com a
famosa ‘memória fotográfica’. Raramente esquecia alguma coisa a qual dedicava
alguma atenção. Não à toa havia passado de primeira num vestibular difícil sem
praticamente nenhum estudo.

Levantou-se da cama e se virou para ir para o banheiro, mas sem explicação lógica,
caminhou no sentido oposto, em direção ao armário. Abriu as portas que revelavam uma
longa fileira de casacos e, na parte de baixo, uma sorte de tralhas que ele tinha a terrível
mania de guardar.

Abaixou-se e tirou algumas caixas, tênis e livros do caminho. Perdido naquele mar de
lembranças estava um skate velho. As rodinhas estavam gastas; a madeira, lascada; a
parte superior antes preta, já acinzentada. O skate que o Fabrício deixara do lado de fora
de sua casa na outra cidade. Deus! Havia mesmo guardado aquilo!? Por um instante
pensara que era uma lembrança falsa.

Sentir-se constrangido por guardar o skate foi inevitável.

Havia visto o Fabrício da janela do quarto, onde estava trancado há dias, depois do
flagra do pai. Heitor já procurava casas em Porto Alegre para que pudessem se mudar e,
assim, ele ficaria mais próximo dos negócios e André estudaria em um colégio melhor.
Mas nesse ínterim, o pai não deixou André sair de casa para se despedir do amigo
pobre. Heitor era conservador e preconceituoso, não queria o filho metido com a ralé.

Mas assim que tivera uma brecha, André correra para frente da casa e conseguira pegar
o skate antes que alguém o pegasse. O escondeu do pai, e o levou consigo para Porto
Alegre. Desde que o colocara no armário, meio escondido, nunca mais havia posto as
mãos nele. Era estranho tocar algo parte de uma vida tão distante.

André voltou a guardar o skate, o coração meio acelerado por nada. Levantou e,
pensando duas vezes, resolveu ir para a festa da matrícula. Ela começava às 21h00min.
Havia tempo de sobra para se arrumar e chegar até lá.

XxX

Fabrício bocejou quando saiu do CFC da Ramiro. O professor da noite era ainda pior do
que o da manhã! Por pouco não babara enquanto dormia na aula. Estava muito mal
acostumado com as aulas divertidas e interessantes do cursinho, devia ser o caso. Não
queria ser injusto com o professor também, mesmo que ele falasse tão baixo que mais
da metade do que ele explicava se transformava em estranhos resmungos que se
assemelhavam a um cachorro ganindo ao tentar coçar as próprias pulgas.

Ele largou mais cedo. É boa gente. Fabrício decidiu. Já passava das dez, mas
considerando que a aula iria até as onze... Talvez nem o professor aguentasse os
próprios resmungos. Fabrício soltou uma risadinha ao atravessar a rua, passar pelo
canteiro central e seguir pela Ramiro em direção à Ipiranga. Bem ao lado do RU da
saúde, havia uma entrada de carros e uma placa informativa, apontando para a Ashclin.
Fabrício dobrou, sentindo as orelhas subirem conforme o som se tornava mais alto.
Havia uma cerca entre a calçada e um campo longo, gramado. Fabrício viu um quiosque
cheio de pessoas, música, e logo chegou à conclusão de que era ali a festinha.

Precisou chegar até o final da ‘rua’ e dobrar para achar a entrada através da grade. O
‘laranja’ que os veteranos conseguiram para doar a Ashclin por uma noite, já que aquele
era um clube exclusivo para funcionários da UFRGS, estava ali na entrada e
cumprimentou Fabrício, indicando o caminho. Fabrício avançou farejando algum
conhecido, mas era difícil, havia muita gente, talvez um pouco mais de cem pessoas,
num espaço bem pequeno.

Fran não viria, morava em Novo Hamburgo e seria problemático ela voltar para casa tão
tarde; Rafael era tão anti-social que achava difícil vê-lo. Só restava a Gabi, só que
também não a viu naquela montoeira de gente.

Mas, extrovertido como era, logo Fabrício apossou-se de uma cerveja e meteu-se num
grupo de garotos que papeava, se inteirando da conversa.

XxX

Eram mais de onze da noite quando André viu o Fabrício. O moreno já parecia um tanto
bêbado, falando alto demais, rindo por tudo e praticamente monopolizando a conversa
em um grupinho de garotos e garotas do lado de fora do quiosque. E as outros pareciam
até felizes por isso porque, como estavam recém se conhecendo, era bom que houvesse
alguém que puxasse a conversa e não a deixasse morrer.

André ficou perto da roda, estrategicamente virado de lado e um pouco atrás de um


garoto alto de ombros largos, assim Fabrício não o veria. Não que ele viesse a
reconhecê-lo se o fizesse, André lembrou desgostoso. Mas mesmo assim não queria ser
visto pelo outro, não sabia dizer exatamente por quê. Mas de qualquer forma ficou
ouvindo enquanto o Fabrício contava sobre algo da infância e...

Levou a mão à boca. Aquele mané estava falando sobre a descida da lomba!

“Nah. A gente fazia isso quase todos os dias das férias. Se jogava na água e ia pra
confeitaria dos meus pais com os fundilhos molhados e o rabo entre as pernas.” Ria. O
jeito que falava fazia os outros rirem também. Afinal, todo mundo já estava meio
bêbado também, já que a bebida era liberada.

“E o que aconteceu com esse teu amigo, Fafá?” Perguntou uma garota de cabelos e
olhos castanhos, baixinha, fofinha e de pele morena.

“Ah, sei lá, Gabi. Um dia ele sumiu e eu nunca mais vi ele depois disso.” Fabrício deu
de ombros. Falava como se não fosse grande coisa. “Já faz uma porrada de tempo isso.”
Explicou o garoto.
E a conversa seguiu sobre lembranças e traquinagens da infância. Todo mundo
lembrava de alguma história e compartilhava. As risadas eram certas, e elas atraíram
mais alguns calouros interessados em conhecer os colegas.

André ficou surpreso que ele lembrasse daquilo, claro. Mas então ele se lembrava do
que faziam, mas não se lembrava da sua cara? Era um pateta mesmo, André pensou,
mas abriu de novo aquele sorrisinho tolo. O qual escondeu rapidamente, de novo se
sentindo idiota. Porém... Se fosse sincero consigo mesmo, diria que gostara de saber que
ele ainda lembrava. Ah, mas continuava sendo algo idiota! Não havia pensando em
Fabrício por anos, e agora tudo retornava com força total.

“Olha a foto, bixarada!!!” Uma veterana apareceu com a câmera em mãos. André notou
que era sua madrinha, a Bruna. Ela era super baixinha, magrinha e tinha um ar meio de
índia, com longos cabelos negros e olhos de noite. “Quero ver todo mundo com um
sorriso no rosto! Vamô lá!” Exigiu, enquanto todo mundo se atarantava para aparecer na
foto.

André foi sendo empurrado e, quando deu por si, foi puxado pela cintura por alguém. A
pessoa nem o olhava, apenas o puxara para que parasse de sapatear sem saber para onde
ir. O loiro olhou para o lado e arregalou os olhos ao ver que era o Fabrício quem
passava a mão por suas costas. O moreno parecia mesmo bêbado, com um sorriso
entortado para a câmera. O flash veio e o André piscou, percebendo que a foto havia
sido tirada quando estava olhando de canto para o Fabrício com cara de: ‘Vem cá, ‘cê
veio de Marte, imbecil?’.

Na segunda foto, André cuidou para olhar para a câmera, mas acabou piscando bem na
hora. Típico. Ele odiava tirar fotos por isso. Sempre saía com a cara meio torta, os olhos
fechados, ou um olho mais aberto que o outro... Mesmo que não estivesse bêbado. E
estar com o coração acelerado não ajudava em nada. Com um suspiro, desvencilhou-se
do Fabrício assim que a veterana fez um sinal positivo. Foi até ela olhar as duas fotos e
implorou para que apagasse a primeira.

“Por quê? Ficou ótima!” Bruna se negou. André refreou o impulsivo de arrancar a
máquina das mãos dela e jogá-la entre as árvores perto do quiosque. Resolveu que seria
melhor ir buscar uma bebida e começar a ficar bêbado de uma vez.

XxX

Fabrício já estava ficando com sono, ainda mais bêbado como se encontrava. Já passava
da uma da manhã, e ele havia perdido a prática em beber e se manter acordado até de
madrugada, já que não fizera isso nenhuma vez pelos dez meses em que ficou estudando
pro vestibular. Era até estranho estar fazendo tais coisas novamente. Mas gostoso.
Sorriu para a garota com quem começara uma conversa. Ela era do quinto semestre. A
festa da matrícula era aberta para todos os semestres, e algumas pessoas mais avançadas
no curso apareciam, para conhecer a bixarada e também beber umas cevas de graça.

Ela era bem bonita. Tinha cabelos escuros, um rosto fino, mas de bochechas salientes, e
os longos cílios negros deixavam seus olhos verdes ainda mais bonitos. A boca era
vermelha e carnuda. Fabrício estava reparando na boca dela, já mal escutando o que ela
contava sobre o curso (ainda que fosse bastante interessante saber sobre como eram os
semestres mais adiante), quando a própria garota tomou a iniciativa e o beijou.

Fabrício foi pego de surpresa, mas não hesitou em passar um braço pela cintura dela e
aprofundar o beijo. Temeu estar com um gosto ruim de cerveja na boca, mas logo aquilo
não pareceu muito importante. Empolgou-se mesmo com o beijo. Fazia tempo também
que não ficava com nenhuma garota. Ele e Gabi haviam ficado por umas semanas no
ano interior, mas não dera certo e eles seguiram na amizade. Fabrício achava bem idiota
quem acabava uma amizade só por trocar uns beijos com a pessoa. O que uma coisa
tinha a ver com a outra?

Fabrício estava bem entretido ali com o beijo, quando uma comoção atraiu a atenção
das pessoas, e ele e a tataravôterana – ou algo assim – se separaram. Olharam para o
lugar onde as pessoas se viravam e, dando alguns passos, viram o que era. Havia um
loiro em pé, e outro garoto, talvez também um estudante mais avançado no curso, caído
de bunda no chão de frente para o calouro, que arfava com o rosto avermelhado.

“O que aconteceu?” Fabrício perguntou para a pessoa ao seu lado.

“Não entendi muito bem. Mas o loiro gritou que não era um viado nojento, ou algo
assim, antes de empurrar aquele ali.” Segredou o outro, usando a mão para não deixar o
som dispersar demais.

Fabrício ergueu as sobrancelhas e reparou em como o loiro pareceu desconfortável ao


ter todos os olhares postos sobre si. O caído no chão levantou, limpando as calças.

“Não precisava de todo esse escândalo, idiota. Era só dizer que não estava a fim.” Ele
seguiu para dentro do quiosque, deixando o loiro sozinho como alvo da curiosidade dos
colegas.

XxX

André não suportou aqueles olhares por muito tempo. Avançou através das pessoas em
direção ao caminho por onde viera para chegar até o quiosque. Logo estava longe das
luzes, e seguindo pelo gramado e depois pela estradinha de areia ao lado de uma praça
com árvores e bancos, tudo iluminado por apenas um poste um pouco distante.

É verdade que não precisava ter falado tão alto e empurrado o cara. E ainda tivera a má
sorte de o som parar de tocar bem quando gritara que não era nenhum viado. Estava lá,
de boa, conversando com uma colega, uma loirinha simpática chamada Vanessa,
quando aquele garoto do sétimo semestre apareceu. Meteu-se na conversa e passou a
contar sobre o curso, o hospital... Sem nunca tirar os olhos do André.

Até que a Vanessa foi pegar mais uma bebida, e ele se aproximou descaradamente,
colocando a mão na cintura do loiro, perigosamente perto da bunda, e se inclinando
para, André achava, beijá-lo. E na frente de todo mundo! Só podia estar bêbado mesmo.
André o empurrou antes que acontecesse. Com um suspiro exasperado, passou a mão
nervosamente pelos cabelos. Que maneira para começar a faculdade! Agora só faltava
um cadáver cair em cima de si na aula de anatomia e tudo estaria perfeito!
Antes que André alcançasse o portão de saída, alguém segurou seu braço. Por um
segundo insano, ele achou que seria o rapaz que empurrara, e agora vinha lhe dar uma
sova por tê-lo exposto daquela maneira.

Mas estava errado.

“F-Fabrício?” Perguntou, surpreso.

O de olhos escuros franziu a testa.

“Como sabe meu nome?” Replicou, a voz embargada. Quase se apoiava no André ao
segurá-lo. Sentia-se prestes a cair. Não sabia muito bem como havia dispensado a garota
com quem estava ficando. Aliás, como era mesmo o nome dela? Só sabia que achara
aquele loiro familiar e, movido por impulso e pelo álcool em seu sistema, o seguira ao
vê-lo saindo com a expressão tão chateada.

“Eu... É...” André olhou para os lados, em busca de alguma salvação. Não encontrou
nenhum ali naquele lugar escurecido, é claro. Voltou a olhar para Fabrício, notando que
ele apertava os olhos, talvez estivesse tão bêbado que nem enxergar mais direito
enxergava. “Eu te vi no grupo no Facebook.”

“Ah, claro!” Fabrício soltou, abrindo um sorriso. “Poxa, tu é bom fisionomista. Eu sou
péssimo. E eu acho que perdi uma das minhas lentes, caralho, estou vendo dois de ti.”

“Acho que tu só está bêbado.” André revirou os olhos. “Por que me seguiu?”

“Sei lá. Já não te conheço de algum lugar?” Foi direto, pegando o loiro de surpresa.
André sentiu as orelhas esquentarem.

“Erm... Eu... Sei lá.” Falou estupidamente. Não iria dizer ‘Claro, sou teu amigo de
infância, não lembra?!’, né? Fabrício que lembrasse por ele mesmo. E de qualquer
forma ele estava tão bêbado, que nem lembraria daquela conversa no dia seguinte.

“Huuum... Mas é sério. Eu acho que já te conheço.” Fabrício, para susto do André,
segurou as bochechas do loiro e virou a cabeça dele de um lado para o outro,
analisando-o sem muito tato.

André se desvencilhou.

“’Tá... Que seja.” Já estava constrangido com aquela análise e o rosto do garoto tão
próximo, já que ele mal o enxergava e precisava chegar perto para ver. “Estou indo para
casa.”

“Aquele garoto lá tentou te agarrar mesmo?” Fabrício perguntou, de novo sem tato. Mas
qual bêbado que tinha algum tato? Ele seguiu o André feito uma sombra.

André suspirou, de novo passando a mão pelos cabelos.

“Prefiro não comentar aquilo.” Falou e foi quando chegou até a moto, estacionada junto
a alguns carros. Era uma BMW K 1300 R Dynamic, custara 85 mil reais, e era até
assustador deixá-la ali para ser roubada. Não havia segurança nos dias atuais. Ainda
mais na capital. Mas a moto tinha seguro, ao menos isso.

Fabrício soltou um assobio.

“Uou! Que maneiro!” Analisou a moto de alto abaixo. Não notava que estava sendo
inconveniente, mas o André não podia reclamar. Não conseguia enxotá-lo. Era... bom
interagir com ele de novo. “Mas tu não deveria voltar para casa de moto.”

“Por quê?” André já colocava o capacete.

“Porque tu bebeu, manezão.” Fabrício empurrou o capacete do André, e quase tropeçou


em cima do loiro ao fazê-lo. André sustentou o peso morto.

“Mas é tu quem está bêbado. Eu só tomei umas duas cevas, e comi antes de sair de casa.
Manezão.” Devolveu o carinhoso apelido. Fabrício riu, passando o braço pelos ombros
de André.

“Pior, cara. Que merda, acho que não comi nada desde... Desde de manhã antes de vir
para cá.” Riu mais. Estava virando aqueles bêbados loucos que riem sozinhos. “Mas não
vou deixar tu dirigir bêbado. ‘Tô indo pra casa, não quer dormir lá? É pertinho, dá para
ir a pé.”

Talvez fosse reflexo de quase ter sido beijado por outro garoto antes, mas André se
desvencilhou do Fabrício e subiu na moto.

“Te liga, mané. Eu sei me cuidar, não vou me matar pelas ruas. Ainda mais desertas. E
vê se tu que se cuida para não acabar caindo numa esquina e dormindo na rua, de tão
bêbado que está.” Disse rapidamente, meio sério, meio brincando. Não queria mesmo
que ele acabasse dormindo numa esquina e acabasse assaltado. “A gente se vê.”

“Espera!” Fabrício pediu. “A gente é colega?”

“Quê? Idiota, se eu falei que te vi no grupo do Face...”

“Mas podia ser veterano.” Fabrício rebateu, piscando por uns instantes, tentando não
cair de maduro.

“Somos colegas.” André concedeu. “Então a gente se fala...”

“Ainda vou descobrir de onde te conheço, cara.” Fabrício garantiu e acenou, enquanto o
André balançava a cabeça e dava partida na moto.

É mesmo um pateta bêbado. André pensou, sentindo o vento bater contra o corpo ao
avançar pelas ruas praticamente desertas.

Mas lá estava o sorrisinho no rosto de novo...

Notas finais do capítulo


RU - Restaurante Universitário.Perdoem o André por chamar o outro de viado nojento.
Ele cresceu com os conceitos errados, ainda precisa aprender isso. ;xAmores, eu
agradeço demais a quem está comentando, essa fic tem um valor especial para mim, por
todo o contexto dela. Um beijo para Taia, thaisg, Okumura Yui, Kao, Pandora
Beaumont, Bruna Uzumaki, Diana R Barros, Álefe, RayUzu, Mayan, Menina dos olhos
e Mary Winchester!Beijão!

(Cap. 4) Primeiros contatos


André desceu da moto, no estacionamento da faculdade. Já havia se passado um pouco
mais de uma semana desde a festa da matrícula, e agora era o primeiro dia de aula. Na
verdade o segundo. Mas no dia anterior haviam tido apenas uma manhã de apresentação
do curso, com o presidente da medicina e algumas pessoas que trabalhavam na
COMGRAD. André foi na aula inaugural, sentou no fundo e ao final saiu rápido e foi
para casa, escapando de mais um dia de trote, tinta e esmolagem.

Agora na terça-feira que as aulas começavam de fato.

A faculdade de medicina da UFRGS tinha uma distribuição meio estranha. Ou talvez


nem tanto, mas André de cara não simpatizou com o Campus Centro. Era ali que teria a
maioria das cadeiras do ciclo básico do curso, como Anatomia, Histologia, Bioquímica
e Fisiologia. Mais adiante teria aulas no Campus da Saúde, e no Hospital de Clínicas,
onde as aulas mais interessantes iriam acontecer, mas isso só quando chegasse à parte
clínica, lá no quarto semestre.

No Campus Centro também estudava o pessoal de algumas engenharias, da física, da


química, entre outros, mas havia um prédio especial para medicina, biomedicina,
enfermagem (e também algumas aulas para biologia e educação física, mas poucas),
chamado ICBS (Instituto de Ciências Básicas da Saúde).

De qualquer forma, André não achava que algum dia colocaria em prática nada do que
aprenderia, já que herdaria toda a fortuna e os negócios do pai. Porém era de praxe, das
famílias ricas, ter um filho com diploma de médico. Mas ele no fundo gostava dessa
profissão... Preferiria virar médico do que seguir com os negócios familiares.

André adentrou no campus pela entrada principal, olhando ao redor tentando se


localizar. Havia um banco do Brasil logo à esquerda, e seguindo havia um prédio
enorme no caminho. Para esquerda havia um bar chamado ‘Bar do Antônio’ e outros
prédios. Mas André seguiu para a direta, passando pelo bar da FACED, e depois pelo
bar da arquitetura. Precisou perguntar onde ficava o ICBS para um dos guardas, e
apenas quando topou com alguns alunos também perdidos – os nomes eram Ana e
Gabriel – é que conseguiram encontrar juntos o lugar onde teriam aula. Era bem cedo,
mal passando das sete da manhã, pois a aula era às sete e meia.

Quando estavam chegando à entrada, porém, um garoto apressado surgiu de bicicleta e


quase os atropelou.
"Opa, me desculpem!" O garoto disse ao parar a bicicleta e pular dela. André se
aprumou e olhou para o desastrado, com uma resposta engatilhada na ponta da língua,
mas acabou se engasgando.

"Tu 'tá bem?" O moreno perguntou, colocando uma mão sobre o ombro do André, a
expressão simpática. Ele olhou para os outros dois e os cumprimentou. “Vocês também
são da medicina, primeiro semestre?”

“Sim!” Ana exclamou, também simpática. Era uma morena alta, bonita, ainda que
rechonchuda, de cabelos cacheados. Mesmo que alguns houvessem se conhecido na
festa da matrícula, era difícil lembrar de cada um dos setenta colegas. “A gente teve
problemas para achar o ICBS...”

André fechou a cara. Seria possível que ele continuasse a não reconhecê-lo? Sentia-se
estúpido com tudo aquilo. Fabrício estava mesmo muito bêbado naquela noite e dizia
não enxergar direito. Mas também não deveria se importar tanto com esse fato. Mesmo
assim, deu as costas a todos eles e seguiu sozinho para dentro do ICBS. Fabrício não
entendeu aquela atitude, e tampouco os outros ali.

Fabrício acompanhou com o olhar o loiro até ele sumir depois de passar pelas roletas da
entrada. Achara-o muito parecido com o amigo de infância lá da outra cidade, percebeu;
mas muito diferente ao mesmo tempo. O amigo do qual se lembrava não era arrogante,
e nem olhava para as pessoas como se elas fossem insetos. Fabrício quase se sentira
como um gafanhoto de barba quando o garoto de olhos azuis o encarou após quase tê-lo
atropelado.

Quando mais novo, Fabrício nunca perdoara o André pelo sumiço repentino, e obrigara-
se a esquecê-lo. Hoje, quando recordava, dava risadas. Coisas de criança, pensou,
quando passaram pela roleta na entrada e seguiram pelo corredor longo cuja última sala
à esquerda era a de anatomia.

XxX

A primeira aula de anatomia foi bem chata. Havia no total seis professores, e naquele
primeiro dia o professor que deu aula era bastante entediante. Porém a culpa não era
exatamente dele. Aquela primeira semana seria apenas uma revisão geral dos sistemas
do corpo – muscular, ósseo, cartilaginoso. Nem o professor – Stephano – parecia
empolgado.

“Isso daqui é só para vocês irem entrando no clima.” Avisou logo de cara. “Nada disso
será cobrado na primeira prova. A coisa fica séria mesmo quando começarmos
neuroanatomia.”

A sala era bastante ampla, acolhendo os setenta alunos que haviam entrado para o
primeiro semestre. André bem que tentava prestar atenção, mas logo se distraiu.
Diferente do que acontecia no colégio, todos estavam concentrados e silenciosos,
mesmo com a aula sendo chata. Ou ao menos a maioria parecia estar concentrada.
André bem que conseguia fingir estar atento quando a mente estava viajando por algum
lugar da via láctea.
André, sentado encostado na parede, viu que o Fabrício estava sentado bem à frente,
anotando tudo que o professor falava, mesmo que nada aquilo fosse realmente
importante. Até os veteranos haviam dito que aquelas primeiras aulas eram inúteis.
Nerd. André xingou o Fabrício mentalmente. Ainda estava puto da cara que o moreno
não o reconhecera. Ele, uma pessoa tão marcante. E humilde.

Quando a aula acabou, André soltou um aleluia!

Metade da turma, a turma A, dos melhores colocados no vestibular, seguiu para a aula
de Biofísica, enquanto a turma B seguia para a aula de Bioquímica, ambos em outro
prédio, o prédio da reitoria que ficava perto do bar do Antônio. Felizmente sempre havia
alguns bem-informados que guiaram todo mundo até o dito prédio. André notou que o
Fabrício também era da turma B.

No meio do caminho, o moreno o abordou. Fabrício estava com uma barba rala, grande
apenas o suficiente para lhe escurecer um pouco do rosto, e André acabou achando isso
estranho. Estragava as lembranças que tinha do melhor amigo de infância.

“Oi! Sabe, eu acho que te conheço de algum lugar...” Fabrício tentou puxar assunto.
André torceu o nariz. De novo com aquele papo de já conhecê-lo de algum lugar!
Parecia até cantada de pedreiro!

“Não, eu acho que não. Eu não teria por que conhecer um filho de padeiro que nem tu.”
Esnobou. Como podia ser tão tapado?

Fabrício franziu a testa, virando o rosto para encará-lo melhor.

"Como tu sabe que meu pai é dono de uma confeitaria e padaria?" Ele perguntou,
abismado, fazendo o André gelar por dentro.

"Ahmn, é, tu... tu fede a pão." Falou estupidamente. Por sorte, estavam na porta da sala
de aula, uma sala bem menor que a última, com 1/3 do tamanho e sem ar-condicionado,
um terror. André aproveitou a oportunidade para apressar-se sala adentro e fugir do
Fabrício. Sentou-se numa cadeira vazia cujos lugares ao redor já estavam ocupados,
querendo manter uma distância segura do moreno.

Tu fede a pão? Tu fede a pão!?! Por Deus, isso era o melhor que conseguia elaborar?
Sério? Afundou na cadeira e escondeu o rosto, sentindo as bochechas arderem de
vergonha. Precisava ficar longe daquele garoto ou acabaria dando com a língua nos
dentes. Dali a pouco estava falando com ele sobre bicicletas, skates e lombas.

“Meu padrinho falou para pegar a turma B, porque esse professor não faz prova.”
Sussurrou a garota ao lado do André. O loiro notou que era a tal Ana.

“O meu disse o mesmo. Disse que ele é um pesquisador famoso que já publicou mais de
350 artigos científicos.” Cochichou e olhou para o professor, que já aguardava os alunos
meio apoiado à mesa, com os braços dobrados sobre a barriga proeminente. Era já mais
velho, talvez uns cinquenta anos, tinha barba branca e cabelos já seguindo pelo mesmo
caminho, e olhinhos pequenos por trás dos óculos de grau.
Aquela foi a aula mais estranha. Depois de mandar todo mundo fazer uma roda, o
professor – Diogo – perguntou sobre o que a turma queria falar. Mas não sem antes
começar um papo sobre eles serem a nata da sociedade.

“Mas a nata é o que sobra do coalho. É uma coisa molenga e sem-gosto que fica no
fundo depois de coalhar o leite. Então vocês na verdade devem ser o coalho da
sociedade.” Começou a dizer, e ninguém sabia se ria ou não, mas ao longo da aula
descobriram que esse seria o professor mais engraçado do semestre.

“Ele tem o mesmo nome do meu tio.” Fabrício cochichou no ouvido do André quando a
aula terminou e os alunos começaram a sair da sala. O loiro se sobressaltou e olhou
sobre o ombro com o coração aos pulos, dando de cara com o sorriso largo do Fabrício.

“E por que diabos eu iria conhecer a porcaria do teu tio?” Perguntou mal-educado,
pondo-se a quase correr para longe do Fabrício de novo.

Àquela altura, já era quase meio dia, e os estudantes começaram a ir até o RU,
restaurante universitário do Campus Centro. Ficava perto do complexo do campus, este
composto por aquela quadra onde havia a FACED, o ICBS e a reitoria, além do prédio
da engenharia e do direito, atravessando a rua e caminhando um pouco. O RU do centro
era considerado o pior de todos os RU, até barata na comida alguns já haviam
encontrado, tirado foto e postado no Facebook, isso sem contar que as bandejas sempre
pareciam sujas e a comida era de péssima qualidade. Mas por R$ 1,30 até que valia à
pena.

Mas não para o André. O garoto seguiu para o bar da arquitetura, onde havia visto um
pequeno restaurante que, inclusive, não era muito caro. Serviu-se bem – não que
comesse muito – e não pagou mais do que R$ 7,00. Havia três colegas ali também, um
que chamavam de paulista, outra que chamavam pelo sobrenome – Lótus –, uma loira
extremamente bonita que era certamente a mais bonita de todas as gurias daquele
semestre, e outro garoto franzino, porém simpático, de óculos e espinhas na cara,
chamado João Pedro.

André juntou-se a eles e descobriu que eram colegas na época do cursinho.

“Achei meio chata aquela aula de anatomia.” O paulista comentou; também usava
óculos, mas tinha um jeito mais descolado. “Mas aquele Diogo é muito pirado, até curti
o cara.”

“Anatomia vai ficar mais legal quando começarem as aulas práticas, no laboratório. Eu
ainda não comprei jaleco e luva.” João falou, enfiando uma garfada na boca.

“Tu também está fugindo da comida do RU?” Lótus perguntou para o André. “A gente
decidiu comer bem na primeira semana antes de se arriscar a pegar uma infecção
alimentar.”

“Foi um amigo meu que encontrou uma barata na comida. Acho que era na sobremesa:
umas fatias de mamão.” João abriu uma careta de nojo.
André deu de ombros. Não costumava falar muito quando ainda não conhecia direito as
pessoas. Não era alguém tão sociável, ainda que também não fizesse o tipo fechado,
calado e sem amigos. Só preferia ouvir e observar primeiro antes de sair falando.
Mesmo assim comeu na companhia dos novos colegas e não os achou tão chatos.
Lembrou da Lótus das apresentações pós-matrícula. Ela havia dito que gostava de ficar
de quatro. A resposta ousada deixara todos os garotos bastante excitados e alegrinhos.

“Algum de vocês conhece o Fabrício Ferreira?” Perguntou em dado momento. A


pergunta saiu sem que pudesse segurá-la, e quis estapear a própria boca por isso. Ou
enfiar o garfo na garganta, tanto faz.

“Ah, sei nada sobre ele não. Por quê?” Perguntou João.

“Por nada...” André retrucou.

XxX

O dia foi bastante empolgante para Fabrício. Ele adorava novidades e tinha uma
facilidade absurda para se enturmar. Mal conhecia alguém e já sabia falando e causando
gargalhadas nos que o escutavam, e na metade da tarde, depois de enfrentar a aula de
histologia, que era dada por duas professoras, uma senhora magrinha e loirinha com
jeito amável, e outra morena com cara de braba, os alunos foram raptados pelos
veteranos.

Eles iriam levá-los para o parque da Redenção, onde iriam pintá-los novamente para que
pudessem sair para mendigar. Os veteranos xingaram a maioria dos bixos, pois cada um
tinha de ir na primeira semana com uma boia para a faculdade, mas Fabrício estava
completamente por fora. Precisava entrar mais no Facebook, pois eles passavam todas
as informações pelo grupo que haviam criado. De qualquer forma, quase ninguém havia
ido com a tal boia, e esses sofreram bastante com as tintas. Foram os mais pintados de
todos.

Fabrício reparou em algum momento que o loiro mal-educado não estava participando
da bagunça. Mesmo que o loiro houvesse apenas lhe dado patadas, havia acabado
deixando-o curioso. Cada vez mais tinha certeza de que o conhecia... Iria procurá-lo no
grupo do Face quando chegasse em casa. Porém primeiro precisou enfrentar um dia
cansativo pedindo esmolas. Dessa vez ele havia ido esmolar com outros colegas.

Fabrício acabou se divertindo bastante. Ele e mais três garotos – o Giovani, o paulista e
o Guilherme – começaram a fazer todo um teatro para arrancar dinheiro das pessoas.
Faziam showzinhos nas sinaleiras, recitavam poesias e até se ajoelhavam com palavras
dramáticas para as pessoas que se recusavam a dar algum troco. No fim quase todo
mundo acabava dando uma grana e Fabrício, por causa de seu jeito expansivo,
simpático e alegre, conseguiu voltar para casa com quase cento e cinquenta reais, o que
já o deixava com mais de 200 reais juntando com a esmolagem do dia da matrícula.

Parar na frente do supermercado Zaffari Ipiranga no final da tarde e ficar mais duas
horas e meia perseguindo quem saía do mercado com as moedinhas do troco no bolso
também ajudara bastante.
Chegou em casa podre, mal aguentando a dor nos calcanhares, e seguiu direto para um
banho relaxante e bastante demorado. Apenas depois de mais uma hora inteira, chegou
no quarto e foi checar o Facebook. Claro que não sem antes ter de dar um relatório
completo por celular para a mãe, sobre como havia sido seu primeiro dia como
‘médico’.

“Mãe, faltam ainda seis anos para eu poder ser chamado de médico.” Revirou os olhos,
mas não adiantava. Agora já era o médico da família.

Procurou colega por colega no grupo que haviam feito apenas para a turma, e demorou
uns minutos generosos até encontrar o loiro. Caiu para trás ao se deparar com o nome
André Santayana. Como havia feito o Facebook apenas recentemente, por causa da
faculdade, nem tivera tempo de pensar em encontrar amigos antigos. Tinha boas
recordações daquela época e, puxando mais pela memória – ele era realmente um
péssimo fisionomista –, percebeu que, mesmo o loiro tendo mudado bastante, perdido
parte dos traços mais infantis, ele ainda tinha bastante daquele garoto de nove anos
atrás.

Recostou-se à cadeira e entrelaçou as mãos atrás da cabeça depois de adicioná-lo como


amigo.

“Será que tu 'tá irritado comigo por que não te reconheci?” Pareceu-lhe óbvio que o
loiro o reconhecera. Ele o chamara de filho do padeiro! “Acho que vou ter de me
desculpar...” Pensou alto.

A mãe de Fabrício costumava chamá-lo de ‘velha caduca’ por ter a mania de falar
consigo mesmo em voz alta quando estava sozinho.

“E se tentasse conversar contigo no chat agora?” Fabrício perguntou para a tela do


notebook, olhando para a foto de perfil do loiro enquanto Cherry tentava subir no
teclado.

Mas primeiro, André precisava aceitá-lo como amigo.

Notas finais do capítulo


Fabrício pisando no orgulho do André por ter se esquecido também da noite da
matrícula. huahauahuahaua! Capítulo onde nada acontece... Mas o próximo já está
escrito e eu logo posto. ;)Obrigada a todos que comentaram: Capitã Barbossa, Okumura
Yui, RayUzu, Bruna Uzumaki, Pandora Beamount, Kao, Venus, Taia, Mary Winchester
e Nath! ♥

(Cap. 5) Trote à fantasia


Notas do capítulo
Seria legal se vocês assistissem esse clipe:
http://www.youtube.com/watch?v=bESGLojNYSo para imaginar uma cena nesse
capítulo! ;D

André se jogou na cama e colocou os fones de ouvido, com o notebook ligado ao seu
lado. Estava tarde e daqui a pouco ele teria que ir dormir já que precisaria acordar às
seis e quinze da amanhã, mas estava com preguiça demais para se ‘preparar para
dormir’, então fechou os olhos e deixou que suas músicas favoritas o ajudassem a
relaxar.

Ficou assim alguns minutos, distraído e confortável em meio a tantas almofadas e


travesseiros da cama enorme, quando olhou para o lado e viu que havia uma solicitação
de amizade em seu Facebook, que deixara aberto. Virou-se de lado e clicou para ver
quem era.

"Fabrício Ferreira. Confirmar?" Foi basicamente o que a mente loira processou e ele
jogou-se para trás, assustado, e caiu da cama junto com várias almofadas.

"Maldito Fabrício." Resmungou André, como se Fabrício fosse o grande culpado pela
sua queda vergonhosa. Uma sorte estar sozinho no quarto. Voltou a deitar-se na cama e
ficou olhando por alguns segundos para a tela do notebook.

Sentiu ímpetos de negar o pedido, mas então pensou melhor. Todos os colegas estavam
se adicionando nos últimos dias, não havia por que não aceitar, e não queria que
Fabrício se sentisse especial. Eu adicionaria qualquer um... André se convenceu.

Clicou no botão confirmar. Não demorou nem um minuto e uma janelinha saltou na
página do Face. O coração de André saltou também, mas é claro que ninguém jamais
saberia disso. Não estava nervoso. Não. De jeito nenhum. Inclusive, olhou para a
mensagem com uma expressão de desprezo.

"Olá, André, tudo bem?" Fabrício poderia fazer melhor do que isso, não é mesmo?
André passou a língua pelos lábios e apoiou o cotovelo na cama. Ok, de qualquer forma,
aquele era um início de conversa básica; ele tentaria ser gentil também.

"O que tu quer?" Ok, não fora tão gentil quanto ele pretendera, mas... ah! Que se dane!
Não era como se tivesse sido muito educado com ele mais cedo, na faculdade.

"Nossa, quanta delicadeza..."

Oh, ele queria o quê? Que lhe enviasse um emoticon mandando beijinho agora?

"Defino isso como clareza e objetividade." Digitou e enviou. Tamborilou os dedos na


bochecha, sem perceber o quão ansioso esperava pelas respostas do garoto.

"Está bem. Queria que não fugisse de mim amanhã, gostaria de falar contigo
pessoalmente."

André sentiu o sangue esquentar. Quem estava fugindo? Que absurdo. Um Santayana
não foge, apenas... Se camufla. Ou algo muito parecido.
"Ninguém está fugindo aqui. Estou apenas evitando a classe baixa da faculdade."

Mandou, mas sentiu-se mal logo em seguida. Talvez estivesse sendo agressivo demais.
Não era uma pessoa exatamente dócil, mas não era dado a exageros tampouco.

Olhou apreensivo para a janela da conversa. Fabrício estava demorando a responder.


Cogitou a hipótese de mandar mais alguma coisa, mas então o abençoado "Fabrício
Ferreira está digitando uma mensagem" surgiu na parte inferior da janela de bate-papo.

"Tu não dava muito bola para a minha posição social no passado."

André deixou o queixo cair e teve que procurá-lo depois entre as almofadas da cama.
Diabos! Então Fabrício lembrava-se dele. Desde quando? Em que momento ele
percebera que era um tapado estúpido? Bem, isso ele talvez já houvesse descoberto há
muito tempo, afinal, conviver dezenove anos consigo mesmo e não perceber o óbvio...
Enfim, teria de tirar aquilo a limpo pessoalmente. Não era muito dado a conversas
online quando podia falar frente a frente, então mandou seu ultimato.

"Nos falamos amanhã depois da aula de anatomia.”

Não esperou pela resposta, saiu do Facebook e desligou o note.

Precisava dormir.

XxX

Quando Fabrício chegou à primeira aula na manhã seguinte, instintivamente procurou


André com o olhar. Era anatomia novamente, e a aula continuou chata, com o mesmo
professor que falou sobre sistema muscular com tanto tédio quanto antes. Naquele
primeiro bloco de horários, eles tinham anatomia três vezes por semana. Quando os
horários trocassem dali seis semanas, teriam a cadeira quatro vezes por semana.

Fabrício só chegou segundos antes de a aula começar e teve de se sentar mais ao fundo.
André continuava sentado naquele lugarzinho mágico na parede e, virando-se apenas
um pouco, podia olhar para o moreno sem parecer a menina possuída do Exorcista.

Como sempre acontece quando não queremos, os olhares inevitavelmente se cruzaram,


e André ergueu uma sobrancelha loira ao ver Fabrício sorrir amigavelmente. André não
tentou sorrir de volta, tinha certeza de que se tentasse sorrir iria acabar com a careta
mais estranha do mundo no rosto, então apenas voltou a desviar o olhar para o
professor, ignorando o nervosismo que sentia toda a vez que pensava na conversa que
teria com Fabrício dali a pouco.

E quando a aula acabou, Fabrício demorou-se arrumando a mochila, apenas bagunçando


ainda mais os poucos materiais dentro dela – nada além de um caderno velho e um
estojo quase vazio – e, assim que a sala ficou quase vazia, levantou-se rápido e segurou
André pelo cotovelo quando ele estava passando ao seu lado.

Quando os dois se encararam, Fabrício chegou à conclusão que não fazia ideia de sobre
o que conversaria com André, apenas tinha certeza de que queria conversar. No fundo,
havia uma tímida esperança de que eles pudessem ser amigos de novo. É, talvez, por
que não?

“Será que tu não poderia deixar isso mais natural?” André perguntou depois de espiar
pelo canto do olho os últimos alunos deixando a sala de aula. “Precisava me agarrar
como se eu fosse alguma espécie de fugitivo?” Puxou o braço da pegada forte do
moreno.

“Desculpe.” Fabrício soltou uma risadinha e coçou a parte de trás dos cabelos negros.
“Só não queria que tu escapasse de novo.”

“Ninguém está fugindo de ti, Fabrício.” Torceu o lábio superior em deboche. “Vamos
caminhando... Já está quase na hora da próxima aula e aquele professor é um mala.”

“Tudo bem.” Fabrício assentiu e saíram para o corredor. “Então... Eu fiquei por um bom
tempo me perguntando o que havia acontecido contigo, sabe? Quero dizer... Tu
simplesmente sumiu depois daquela vez que o teu pai te arrastou com ele de volta para
casa.”

“Tu ainda lembra disso?” André ficou surpreso. “Ora, isso é admirável, considerando
que tu sequer me reconheceu ontem. Qual foi tua dica para perceber que já nos
conhecíamos antes?”

“Eu te achei familiar... Mas só tive certeza quando vi teu nome. Desculpe... É que tu
mudou bastante. Antes tu era baixinho, magrelo e usava os cabelos mais compridos.
Agora está alto... Erm.... Continua meio magrelo, é verdade, mas-“

“Como se tu fosse muito encorpado!” André rebateu, ultrajado. Olhou de esguelha para
Fabrício e, para seu desgosto, teve de morder a língua. Bufou e passou com raiva pela
roleta perto da entrada do ICBS.

“Calma!” Fabrício riu do jeito irritadiço do loiro. “Tu também não está tão magrelo
quanto antes.”

“Que se dane. Por que tu 'tá fazendo medicina?” Perguntou.

Fabrício refletiu por alguns segundos.

“Eu comecei a pensar em fazer medicina quando estava no ensino médio. Eu tenho essa
vontade de ajudar as pessoas. Mas decidi mesmo quando descobri sobre os Médicos
Sem Fronteiras. Parece demais. Sempre gostei dessas coisas de ajuda comunitária. Fazia
bastante lá na outra cidade, e acabei pegando gosto. Medicina abre várias portas para
isso. E tu?” Tagarelou animado. André não sabia se ele falava de maneira tão
descontraída porque já haviam sido melhores amigos, ou se porque era o jeito dele
mesmo.

“Meus pais queriam que eu fosse médico. Como não tem nenhuma profissão que eu
queira fazer, acabei indo por esse caminho mesmo. Cheguei de viagem, fiz o vestibular,
passei e aqui estou. Altruísta também, não?” Ironizou, girando os olhos. “Tu é o
primeiro que eu falo isso, pode me julgar agora.”
Fabrício riu.

“Fico lisonjeado que tenha me contado primeiro, e que ache que eu tenha algum direito
de julgar. Eu não vejo nada demais nisso... Tu não é o primeiro, nem o último a agir
assim. Eu só espero que tu se apaixone pela medicina em algum momento e não acabe
como um médico frustrado no futuro.” Fabrício ponderou, enquanto atravessavam os
estacionamentos a céu aberto entre os prédios.

“Eu não acho que tu tenha direito nenhum de julgar.” André corrigiu. “As pessoas
tendem a julgar mesmo ser tem nenhum direito para isso...”

“Sim, é verdade. Mas não estou julgando. Aliás, só estou julgando a aula péssima de
biofísica. Eu nunca achei que teria de aprender as propriedades da água na faculdade,
ainda mais trancado naquela sala quente.” Fabrício choramingou, já prevendo que
acabaria encharcado em suor ao final da aula. Uma sorte que nas quartas-feiras havia a
chamada ‘tarde verde’, em que não tinham nenhuma aula. Poderia ir para casa e... “Ah,
não! O trote à fantasia é hoje, não é?”

“Não sei, não estou participando dessas bobagens.” André rebateu. “Mas eu acho que é
hoje sim, li algo no Face sobre isso.”

“Por que não vai participar? Vai ser engraçado! Eu vou me fantasiar de Lady Gaga e
encenar o clipe da música Poker Face.” Fabrício coçou de novo os cabelos e riu. “Mas
vou ter de passar em casa para pegar minha fantasia... Já estava esquecendo disso.”

André logo chegou à conclusão de que não poderia perder aquele paga-vale geral da
turma. Os veteranos não obrigavam ninguém a participar, mesmo metendo um terror
vez ou outra. Ninguém havia pegado no pé de André por não ir esmolar, ainda mais
quando ele pagou os benditos 200 reais do próprio bolso. Haviam dito, no dia da
matrícula, que ele teria de se fantasiar de bombeira sexy junto com dois colegas, um tal
de Pedro e outro que chamavam de Chico.

“Eu acho que vou ir então... Não posso perder a chance de gravar tu dançando Lady
Gaga.” André olhou para o moreno e abriu um sorriso de lado. Fabrício suspirou.

“Mal entro na faculdade e já vou ganhar fama.” Disse. Já haviam passado pelo Bar do
Antônio e agora estavam na porta do prédio da reitoria. Subiram rápido as escadas e
entraram na sala de aula.

Havia tanta coisa para falar, perguntar, contar, pensou Fabrício, o problema era chegar
ao assunto, transpor o constrangimento e a estranheza inicial. Ainda que ele não sentisse
muitos problemas em sair conversando naturalmente, era visível que André tinha
algumas barreiras que ele teria de dar um jeito de pular. Seria possível retomar aquela
amizade que tinham há nove anos?

XxX

Depois da insuportável aula de biofísica, a maioria do pessoal seguiu para a Oswaldo


Aranha em direção a Rua Ramiro Barcelos. Era na FAMED que ficava o CASL, onde
aconteceria o trote à fantasia. O pessoal estava contente também por almoçar no RU da
saúde, pois o primeiro almoço no RU do centro havia sido um pouco traumatizante.

Fabrício teve de ir para casa pegar a fantasia. O que era bem prático, já que seu prédio
ficava no meio do caminho entre o campus centro e o da saúde, apenas tinha de subir até
a Av. Independência. Aproveitou e comeu em casa um resto suspeito de pizza do último
sábado e guardou na mochila a meia-calça, a peruca loira, as luvas e o vestido azul
parecido com que a Lady Gaga usava no clipe. Havia visto aquele vídeo dezenas de
vezes e treinado a coreografia trancado no próprio quarto. Cherry devia achá-lo maluco
àquelas alturas.

Manu, a madrinha de Fabrício, o havia ajudado a escolher o vestido. Conseguia se


lembrar das risadas histéricas que ela soltara quando ele saiu do provador vestido de
mulher. Até as atendentes tinham gargalhado quando ele dera uma rebolada. Suas
pernas e coxas cheia de pelos, assim como os braços, e isso sem contar os pelos que
tinha no peito, não ajudavam em nada a deixá-lo parecido com a Lady Gaga. E muito
menos os músculos que esculpira na academia. Fabrício não era nenhum bombado, mas
ia na academia quase todos os dias e o corpo era bastante bonito: magro, mas definido, e
ele gostava do tanquinho que havia cultivado no abdômen; e sua pele naturalmente
bronzeada, dando-lhe um ar de mulato, ajudava a criar um charme.

Acabou ficando suado de novo por ter de caminhar até a FAMED, mas não deu muita
importância. Ninguém iria ficar cheirando sua axila aquela tarde. Não que em alguma
tarde alguém cheirasse suas axilas. Isso seria estranho. Não mais estranho do que ele
dançando Poker Face fantasiado de Lady Gaga, mas ainda assim estranho.

Fabrício chegou à FAMED e apresentou na portaria a carteirinha da UFRGS que fizera


depois de se matricular. Seguindo para a direita, ao final do corredor, estava o CASL, já
parcialmente lotado com estudantes fantasiados, e os veteranos prontos para caírem na
gargalhada. Até alguns estudantes de semestres mais avançados empoleirados nas
escadas, querendo assistir também.

“Mal dá para se mexer aqui dentro.” Fabrício falou para um colega altinho e fortão
chamado Thiago. Ele já estava fantasiado de... O moreno não soube identificar. Ele
usava um maiô azul-claro com uma sainha plissada e curta, e ainda segurava um
guarda-chuva pequeno e delicado. Quando ele falou, a discrepância com a roupa
feminina foi gritante, já que ele tinha uma voz grossa de taquara-rachada.

“É, aqui é pequeno demais. Tu não vai se fantasiar? O banheiro fica lá fora.” Thiago
avisou.

Fabrício assentiu, mas antes deu uma reparada nas fantasias alheias. Havia uma garota
fantasiada de... pênis? Isso era bastante estranho, e não deixava de ser hilário. Seguiu
para fora do CASL e topou com André na entrada. Não conseguiu não se dobrar em
dois e começar a gargalhar.

“Deixa de ser otário!” André o empurrou, mas Fabrício continuou a rir. “Os idiotas do
Pedro e do Chico me obrigaram a isso. Eles até tinham uma fantasia para mim.” André
falou infeliz. Não sabia por que havia se deixado convencer, mas todos os colegas iriam
participar, todo mundo estava rindo e se divertindo, e ele acabou querendo fazer parte
daquilo.

Mas agora estava vermelho com as risadas do bestalhão do Fabrício.

“Tu...” Fabrício ofegou tentando retomar o ar, mas continuava rindo. “Está mesmo
muito sexy, bomberinha.”

“Vá logo se fantasiar, idiota!” André empurrou o moreno e entrou no CASL. Fabrício
ainda olhou para ele, sorrindo e acabando por dar uma olhada geral no loiro. André
estava vestido apenas com uma sunga muito curta e vermelha, uma mangueira enrolada
na cintura esguia e uma camisetinha feminina, vermelha com branco, amarrada com um
top gracioso na altura inferior do peito. Até que tem uma bunda bonita, pensou em
deboche, com uma anotação mental para falar isso ao loiro depois, apenas para
constrangê-lo e irritá-lo.

Balançando a cabeça com um sorriso divertido ainda brincando nos lábios, Fabrício foi
até o banheiro e se arrumou. Aquele vestido ficava muito gozado em seu corpo,
apertando onde não era para apertar, ou afrouxando onde ele não tinha nada, como no
lugar onde os seios ficariam. Olhou-se no espelho e voltou a cair na gargalhada.

XxX

André estava mortificado depois das risadas que o Fabrício soltara ao vê-lo, mas quando
viu o moreno voltando ao CASL, sentiu-se bem melhor em poder rir da cara dele.
Fabrício veio e se sentou ao seu lado num dos sofás empurrados contra a parede,
enfiando a bunda e se aconchegando abusadamente no pouco espaço no sofá. Os
estudantes haviam formado um semicírculo, deixando um espaço vazio na frente do
palquinho, onde o pessoal poderia realizar suas performances.

“Tu também está muito sexy.” André debochou, com um sorriso torto.

“Eu sei, obrigado. As pessoas costumam me dizer isso com frequência.” Fabrício
brincou, convencido. André revirou os olhos, mas os dois começaram a rir quando um
grupo de garotos começou a imitar as Spice Girls com a música Wannabe. André pegou
o Iphone e começou a gravar.

“É impressão minha... Ou um é mais descoordenado que o outro?” André perguntou.

“Acho que é a impressão sua! Eles são as novas Spice Girls!” Fabrício riu. Não muito
depois as Spice Girls terminaram sua apresentação sob o som de aplausos e risadas. E as
bombeiras sexys foram chamadas. André soltou um muxoxo, mas acabou se levantando
e seguiu para o palquinho junto com os outros dois garotos. Fabrício riu tanto que achou
que iria morrer sufocado.

Pedro era um garoto de altura mediana, cabelos castanhos encaracolados e curtos com
uma barriga gordinha, sobrancelhas grossas demais e um rosto não lá muito bonito. Já o
Chico era bem magrinho, seu nariz comprido parecia ter sido esmagado contra uma
parede e ele usava um cavanhaque que não lhe caía muito bem. Usava um sutiã e
bermudinha vermelhos, se esfregando em uma mangueira de bombeiro, rebolando e a
girando no ar, e não parecia nada além de divertido. Fabrício nem reparou na música
que colocaram, apenas pôs-se a rir quando os três começaram a dançar, dar gritinhos e
se esfregar um nos outros, fazendo caras e bocas.

Até André entrou na brincadeira, acabando por rir sob o som dos aplausos e
gargalhadas.

Mesmo assim, quando terminou, André abriu uma careta de alívio e voltou para o lado
do Fabrício, o rosto afogueado pelo calor do CASL e pela agitação. Os cabelos loiros
que ele usava curtos estavam suados e alguns grudavam nas laterais da cabeça e na
nuca.

“Sabe... Quase precisei ir ao banheiro me aliviar vendo tu se rebolar todo lá no palco.”


Fabrício sussurrou de sacanagem no ouvido do loiro. Recebeu uma cotovela nas
costelas e ofegou pela dor.

“Sim, se aliviar com uma mijada, de tanto que riu da minha cara, desgraçado.” Rebateu,
fazendo-se de mal-humorado, mas Fabrício percebeu que ele estava forçando-se a ficar
sério.

“Tu ainda vai me dar o troco quando for a minha vez.” Sacudiu os ombros pela risada.

“Pode apostar nisso.” André garantiu.

Ainda tiveram de esperar um garoto que imitou o vídeo ‘mamilos são muito polêmicos’,
um grupo de meninas que dançou Backstreet Boys e outro grupo que encenou o vídeo
do ‘eu quero meus vinte reais’, antes que chamassem o Fabrício. O moreno se ergueu
confiante e foi para o centro da roda, esperando que os veteranos colocassem a música
da Lady Gaga para tocar.

Assim que a música começou, Fabrício começou a mover a perna e o ombro, esperando
a chegada da parte da coreografia que havia treinado. Ele tocou longe um colar aleatório
que estava segurando e, quando a Lady Gaga começou a cantar, ele iniciou a
coreografia.

Primeiro as pessoas estavam rindo de se acabar, mas ao perceber como ele havia
treinado direitinho a coreografia, começaram a assobiar, impressionadas. André
percebeu que aquela era a apresentação mais legal até ali, e se recostou melhor ao sofá
para olhar o moreno dançar, no momento em que Fabrício levava a mão até o rosto, com
o polegar e o dedo indicador formando um círculo que girava contra o olho. As pessoas
aplaudiram, lembrando perfeitamente do clipe.

Quando o refrão começou, então, o pessoal foi à loucura.

Can't read my, can't read my


No he can't read my poker face
(She's got me to love nobody)
Can't read my, can't read my
No he can't read my poker face
(She's got me to love nobody)
Fabrício dançou praticamente igual ao clipe, arrancando mais risadas e assobios. Claro
que dançava de uma maneira muito mais dura e não tão sincronizada quanto a Lady
Gaga, mas ainda assim, foi bastante surpreendente. Tanto que os veteranos mandaram
ele dançar por mais tempo e repetir a dança quando o pessoal pediu bis.

Ao final da música, Fabrício voltou para o lugar, recebendo tapinhas nas costas dos
colegas. Sentou-se novamente ao lado de André e virou-se para ele, perguntando:

“E então, se divertiu?”

André recolocou o Iphone no bolso depois de salvar a gravação.

“Eu não posso dizer com certeza, mas acho que acabo de ganhar uma maneira bastante
interessante de te chantagear no futuro.” Sorriu maldoso.

E tudo piorou quando Fabrício foi chamado para dançar ‘Single Ladies’ com outros três
garotos vestidos de mulher. Agora André poderia chantageá-lo por uma vida.

Notas finais do capítulo


Uma fotinho do trote à fantasia, que achei aqui no meu pc:
http://farm9.staticflickr.com/8513/8526448824_4e41d5f7a7.jpg Eu queria muito
conseguir colocar o vídeo aqui do garoto que dançou Poker Face MUITO perfeito no
trote, ele surpreendeu demais e todo mundo ficou de queixo caído por ele ter ensaiado
tão direitinho. Isso sem contar que foi o garoto mais gostoso da minha turma,
haahahaha! Mas o vídeo está no grupo fechado no youtube, infelizmente. Mas eu achei
esse vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=IJCQtllViNw no yaoutube, que dá uma
boa ideia da situação, rs.Espero que tenham gostado do capítulo! Os dois finalmente
virando amiguinhos, né? ♥ Obrigada a quem está comentando. :)

(Cap. 6) Idiota intolerante


Depois da aula primeira aula de Integração Básico-Clínica, que havia sido sobre
reanimação cardiorrespiratória, no prédio de psicologia perto da FAMED, Fabrício viu
André andando mais à frente pelo caminho arborizado em direção à saída para a Ramiro
Barcelos e deu uma corridinha até ele, depois de fazer um sinal para Gabi, Fran e
Rafael.

André estava na companhia de outros dois garotos, quando foi assaltado por Fabrício,
este logo passando um braço por seus ombros, o que fez o loiro se inclinar para frente
pelo súbito peso extra. Era perto do meio-dia agora, e o estômago de Fabrício estava
satisfeito com a ideia de almoçar do RU da saúde - isso se refletia em seu sorriso
animado abrilhantando o rosto com a sombra de uma barba.

“E aí? Já sabe como me reanimar quando eu tiver uma parada?” Perguntou para André,
propositalmente desacelerando o passo para que os outros dois garotos seguissem sem
eles.
“Nós não tivemos a aula prática ainda.” André rebateu. “Mas de qualquer maneira, tu eu
provavelmente não me daria ao trabalho de reanimar.” Tirou o braço de Fabrício de
cima de seus ombros.

“Estou vendo que estamos amigos de novo, já que tu já se sente à vontade para me
matar.” Fabrício rebateu com um sorriso sarcástico.

“Te matar não.” André dialogou calmamente. “Te deixar morto. É bem diferente.”

“Claro que não! Se um médico tem o poder de salvar alguém e não o faz, pode ser
acusado de homicídio.” Fabrício argumentou.

“Tu ouviu isso de quem?”

“Sei lá, mas é assim.” Garantiu, e André deu de ombros, colocando a mão no bolso. “Tu
vai participar do trote hoje? É gincana na Redenção, e é o último dia. Amanhã não tem
mais.”

André abriu a boca para soltar um ‘não!’ bastante sonoro, afinal, não queria se sujar e se
submeter a mais das brincadeiras dos veteranos. Já não bastava ter-se fantasiado de
bombeira sexy e rebolar na frente de todo mundo? Porém, ao olhar para a cara pidona
de Fabrício, acabou por soltar um suspiro. O que havia naquele garoto, que era tão fácil
ir ‘na onda’ dele?

“Posso ir dar uma olhada.” Comentou displicente, não dando importância ao assunto.

“Vamos ficar na mesma equipe!” Fabrício cantarolou, satisfeito com a resposta do loiro,
porque, uma vez que estivesse lá, não teria como fugir. Um sorrisinho diabólico chegou
a surgir no canto de seus lábios, mas rapidamente tratou de disfarçá-lo.

Acabaram indo juntos para o RU, e na fila se juntaram aos amigos de Fabrício. André
notou que o moreno e Gabi pareciam ter uma intimidade ímpar, que Fran tinha um ar
sério, mas este subitamente sumia quando ela lançava umas piadas ou frases hilárias nos
momentos mais inesperados, e que Rafael tinha um jeitão introspectivo e caladão,
porém quando falava atraía a atenção de todos – talvez por ser uma raridade ouvir-lhe a
voz.

“Então, vocês ficaram sabendo?” Gabi perguntou assim que todos se sentaram numa das
várias mesas do restaurante, cada um com sua badeja enorme em frente. Os garotos e
garota olharam para ela em interrogação. “Vai ter uma festa semana que vem! Vai ser
ali no Direito, aberta pra geral, não tem que pagar nada, porque vai ser ao ar livre
mesmo. Vamos?”

“’Bora.” Fabrício falou de imediato. Era do tipo que sempre estava disposto para tudo,
parceria para todos os momentos, tanto que havia sido difícil se manter caseiro e
estudioso no ano anterior. “Tu vai, André? A Fran nunca vai em nada, nem o Rafael,
por mais que eu insista. É sempre eu e a Gabi...”

“Tem tempo ainda. Semana que vem eu te digo.” André disse, não conseguindo de novo
negar completamente. Gostava de festas, não tinha nada contra sair de noite nos finais
de semana, só queria ver se essa festa seria mesmo boa, afinal, era aberta para todo
mundo e poderia ser uma baita ‘rafuagem’. E André odiava essas bagunças com gente
bagaceira e sem-noção.

Já Fabrício por outro lado deve adorar! Pensou, mastigando um pedaço meio duro de
carne.

XxX

Depois da última aula do dia, Histologia, que acabou pelas duas e meia da tarde, todo o
pessoal foi ‘capturado’ pelos veteranos. De novo tiveram que andar em 'elefantinho' até
o Parque da Redenção, que felizmente não era muito longe do Campus Centro. Lá o
pessoal havia preparado uma gincana com várias brincadeiras envolvendo tinta e
situações constrangedoras.

Fabrício e André ficaram no mesmo time, e André, mesmo depois de acabar todo sujo
por causa de uma guerra de bexiguinhas repletas de água com tinta, também acabou se
divertindo. Só não gostou quando chegou a brincadeira mais constrangedora do dia.

Sobre uma lona escorregadia com água e tinta, duplas de cada equipe tinham que
encenar posições sexuais, e estourar um balão entre as partes íntimas. E precisava ser
com pessoas do mesmo sexo. É claro que Fabrício escalou André para ir com ele.

Ganhava quem fizesse a posição mais engraçada e difícil.

“Então, faremos assim: tu deita do chão e tenta jogar tuas pernas em direção à cabeça,
até teus pés baterem no chão, aí eu coloco o balão atrás de ti, subo em ti e estouro.”
Fabrício explicou, antes de chegar a vez dos dois. André arregalou os olhos e se
engasgou ao perguntar:

“O quê?!” Quase teve uma crise de tosse.

“Meio fraco, né? ‘Tá, mas não ‘to conseguindo pensar em outra coisa, parece que todo
mundo já fez tudo.” Fez bico, inconsolável com a ideia de não conseguir pensar em algo
criativo.

Não era por achar a ideia fraca que André havia ficado tão boquiaberto.

“Por que tu não deita na lona e eu fico por cima de ti, então?” Sugeriu.

“Não! Tive outra ideia!” Uma lâmpada pareceu acender sobre a cabeça de Fabrício. “Eu
faço uma ponte, sabe? Deito na lona e me ergo formando uma ponte, aí tu pega minhas
pernas e ergue elas, e põe o balão e- porra! Acabaram de ter a mesma ideia que eu."
Olhou inconformado para a dupla que fazia exatamente o que tinha pensando. "‘Tá,
ficamos com a outra, mas acho que vou me posicionar em cima de ti pelo lado contrário,
para dar uma inovada.“ Fabrício deu de ombros; nem havia escutado a parte sobre
André querer ficar por cima.

No segundo seguinte foram chamados, e Fabrício foi empurrando André até que ele
cambaleasse para cima da lona e acabasse caindo de bunda, escorregando na tinta. Os
veteranos e colegas riram, mas André mal conseguiu prestar atenção. Por algum motivo
seu coração estava acelerado quando Fabrício segurou seus tornozelos e ergueu suas
pernas, puxando-as até que a ponta de seus pés batessem na lona acima de sua cabeça.
Fabrício tinha força, e se movia com agilidade.

Fabrício pegou o balão do veterano num malabarismo, e foi para trás do loiro. Apenas o
início da coluna de André, próxima ao pescoço, estava no chão, o resto tudo estava
erguido.

Fabrício colocou o balão sobre a bunda do loiro e ‘encaixou-se’ a ele, pressionando até
que o balão estourasse, sob incentivos dos que os observavam. André engoliu a
expressão assustada, mas as coisas realmente ficaram complicadas quando ele sentiu
uma fisgada estranha nas entranhas, como andar em uma montanha-russa cheia de
curvas e quedas. Ficou grato quando o balão explodiu, e se ergueu rapidamente quando
Fabrício se afastou, rindo.

Sem dizer nada, distanciou-se rapidamente de tudo aquilo, querendo um momento de


paz; mas Fabrício seguiu-o logo depois.

“Hei, tu ‘tá bem?” Tocou-lhe o ombro e o segurou, impedindo-o de continuar se


afastando. André se virou com um sobressalto e se afastou do toque, ainda agitado. Não
entendia aquela sensação, parecia ter corrido uma maratona.

“Estou indo para casa.” Declarou. “Até amanhã.”

“Mas-“ Fabrício ainda o seguiu alguns passos, porém André caminhava veloz e
determinado em ir embora. O moreno franziu as sobrancelhas, mas não queria perder o
resto da gincana. Se saísse também, seu time ficaria desfalcado demais, não podia
prejudicar os colegas, por mais que quisesse saber o que se passava com André.

Suspirou e voltou para junto dos amigos. Sua equipe não foi das melhores, mas acabou
por se divertir. Ao final, todos foram obrigados a entrar na grande fonte no centro do
parque, que jorrava água até uns dez metros de altura. A água não era das mais limpas,
mas todos já estavam sujos de qualquer maneira.

“Ai, que nojo!” Gabi se sobressaltou quando formaram uma roda ao redor do centro da
fonte, de onde a água jorrava. “Tem um mendigo nadando aqui nessa água!”

Fabrício riu.

“Acho que ele ‘tá te convidando para ir nadar também, olha ali! Ele gostou de ti.”
Apontou e Gabi soltou um gritinho de nojo abafado e se abraçou a Fabrício, ao ver o
Mendigo não muito longe, sorrindo-lhe e piscando ao mandar beijocas.

“Agora todo mundo cantando!” incentivou o veterano, William, que entrara com eles
dentro da água, para guiá-los. “Hoje é o último dia de trote, cantem bixos!!!”

E seguiram cantando:
Chora bixarada, bixarada chora, chora bixarada que chegou a tua hora! Bixo não é
gente, bixo não é nada! Bixo leva trote e veterano dá risada!

Misturado com:

Acetilcolina! Eu estudei e passei em medicina! Braquiorradial! Eu estudei e passei na


federal!

XxX

André, depois de chegar em casa e tomar um longo banho, foi para o quarto assistir a
mais alguns episódios da temporada de House. Por algum motivo havia decidido assistir
a seriados médicos depois de entrar na faculdade. Não que achasse que eles possuíssem
alguma didática, mas talvez houvesse ali algum fundo de verdade. E, para ser sincero,
havia se identificado com House. Não achava que teria muita paciência com os
pacientes...

“Fabrício com certeza vai ter.” Ponderou, enquanto olhava para a tela da televisão do
home teather que possuía no quarto; seus braços atrás da cabeça para lhe dar apoio. “Ele
provavelmente vai ser aquele médico sorridente que todo mundo adora.”

E de novo estava pensando no ex-melhor amigo de infância. No dia anterior, depois do


trote à fantasia, haviam ido juntos, com algumas outras pessoas, comer no Mcdonalds.
Conseguiram conversar um pouco mais, mas logo Fabrício já se perdia na conversa com
toda a galera.

“Ele fala demais...” Murmurou, já mal prestando atenção no seriado. “Nunca gostei de
pessoas muito espalhafatosas e extrovertidas. Geralmente são falsas porque tentam ser
legais com todo mundo...”

Mas no fundo sabia que esse não era o caso do Fabrício. Ou achava que não. Mas
implicava que era esse o caso. O que verdadeiramente sabia, era que não aguentava
mais se distrair por pensar nele. Inclusive sonhara com o moreno dançando Lady Gaga
em seu quarto na noite passada!

“Fiquei traumatizado.” Explicou para si mesmo. “Foi uma visão dos infernos...” Mesmo
sendo uma visão dos infernos, André alcançou o celular e assistiu de novo o vídeo do
amigo dançando. Acabou soltando risadas contidas novamente. Era impossível não rir
daquilo.

Uma batida na porta o distraiu.

“Entra!” Disse, e logo a silhueta da mãe surgia na porta entreaberta.

“Filho, o Davi está aqui.” Ela abriu espaço e um garoto adentrou no quarto. Era um
rapaz de cabelos cor de mel e olhos verde-claríssimos, magrelo e um pouco baixinho.
Havia sido colega de André no colégio; era um de seus melhores amigos.

“Oi, Davi!” André se sentou na cama.


Cíntia logo avisou que iria mandar a empregada preparar uns lanchinhos e trazer aos
dois. Assim que ela saiu e fechou a porta, Davi se aproximou um pouco mais da cama.
Parecia nervoso, e André ergueu uma sobrancelha, curioso.

“O que aconteceu? Tu não parece bem.”

“Eu... Eu vim para te contar uma coisa, André. Eu decidi que não vou esconder mais
dos meus amigos, até porque... Estou namorando agora.” Falou baixo, ainda
constrangido de olhar diretamente para o loiro. Parecia sentir medo dele. André não
entendeu nada daquilo.

“Está namorando? Bah, mas quem diria! Logo tu que nunca vi pegar nenhuma garota?”
Riu. Era mentira, já havia visto Davi ficar com algumas meninas, mas bem poucas.
Talvez duas. Não entendia o que havia de errado em namorar. “O que foi? Ela é feia?
Pobre? Chata? Gorda?” Tentou adivinhar. Davi era igualmente rico, todo o círculo de
amizades de André era.

Bem, quase todo o círculo...

“Não, não é nada disso.” Davi balançou a cabeça e, com um suspiro, ergueu o olhar para
André. “Falo porque tu é meu melhor amigo, e espero que me entenda, porque meus
pais nunca vão me entender.”

André ficou sério também, sentindo que o que Davi tinha para falar não era uma
brincadeira. Ele viera até ali especialmente para aquela revelação.

“Pode falar.” André incentivou, ao que Davi assentiu.

“Não é uma guria.” Explicou. “Estou namorando um guri. André, eu sou gay.”

Lentamente, os olhos de André se arregalaram e o queixo se entreabriu. Não conseguiu


assimilar aquilo. Por mais que Davi fosse bonitinho e tímido, ele não tinha nada que
desse alguma dica de que era gay. Nunca falara algo que o denunciasse. Inclusive, já
havia ‘menosprezado’ alguns homossexuais antes quando estavam juntos e viam algum
assumido. Porque a família dele, como a de André, era conservadora e preconceituosa.
Era assim que André havia sido criado, acreditando que aquilo era errado, nojento, algo
que não podia ser chamado de normal.

E agora seu melhor amigo lhe dizia que estava namorando alguém do mesmo sexo. Não
conseguiu lidar com aquilo. Lembrou da sensação que sentiu à tarde, que o deixara
desnorteado por um bom tempo, e foi como levar um soco nas fuças. Era como se Davi
estivesse tirando uma com a sua cara. Sua expressão endureceu, adquirindo certo ódio.

Levantou da cama e foi até a porta, abrindo-a.

“Vai embora.” Mandou, seco. Davi se virou, arregalando os olhos também, uma
expressão magoada imediatamente tomando seu rosto.

“Mas, André-“
“Vai embora, Davi! Mas que merda! Minha casa não foi feita para gente como tu! Isso é
uma casa de família, e não um antro de bichas! Agora vaza!” Gritou.

Os olhos de Davi umedeceram. Era visível o quanto aquela rejeição o machucava, pois
já tinha poucos amigos, e os pais o expulsariam de casa se soubessem. André era seu
melhor amigo... Achava que ele poderia aceitá-lo, ao menos ele. Levantou-se da cama e
andou alguns passos até a porta.

“Achei que fôssemos amigos.” Sussurrou, parando ao lado dele.

André sentiu um aperto enorme na garganta, como se algum gigante houvesse colocado
as mãos ali e agora o sufocasse pouco a pouco. Seus sentimentos eram conturbados
demais; uma raiva seca o invadia, e simplesmente não podia aceitar que seu melhor
amigo fosse gay. Não Davi! Já até havia se trocado na frente dele nas vezes em que
haviam, por exemplo, acampado juntos quanto subiam a serra nas férias de julho. Como
poderia se sentir confortável perto de uma bicha? Como poderia ser amigo de alguém
assim? Era desprezível.

“Se tu queria que continuássemos amigos, não deveria ter me contado. Tu pode me
procurar de novo quando tomar algum juízo e desistir de dar a bunda para outro cara.”
Não sabia por que, mas tinha a impressão que Davi seria a ‘fêmea’ da relação.

Davi não aguentou aquilo. Não conseguiu nem retrucar, xingá-lo, ou algo do gênero.
Estava na casa dele de qualquer forma, não podia arranjar uma briga justo ali. Então
simplesmente saiu do quarto e praticamente correu até a porta de entrada da casa de três
andares daquele bairro nobre.

Já André bateu a porta e atirou-se na cama. Levou as mãos até o rosto, esfregando-o,
como se tentasse se livrar de algo que o sujava. Soltou um urro de raiva e agonia, um
misto de culpa e nojo de si próprio o enchendo.

“Ué, cadê teu amigo, André?” Perguntou a empregada, ao aparecer com uma bandeja
com sanduíches e suco e encontrar apenas o patrãozinho deitado na cama, de olhos
fechados e testa enrugada, como se tentasse resolver mentalmente uma difícil conta de
matemática.

“Foi embora. Pode levar o lanche. Eu não quero.” Replicou, sem emoção.

Aquele definitivamente não havia sido um bom dia.

Notas finais do capítulo


Posição do André e do Fabrício: http://sphotos-f.ak.fbcdn.net/hphotos-ak-
ash4/428325_342191022491525_608361195_n.jpg E aqui a galera dentro da fonte:
http://sphotos-e.ak.fbcdn.net/hphotos-ak-
ash3/531781_266338283453396_1057787540_n.jpg . André, que isso, menino? Não foi
assim que eu te eduquei! UHUHUAHAU! Ai, tadinho do André, tanto a aprender e
amadurecer ainda... Cabecinha tão limitada! . Obrigada a todos que estão comentando:
Bruna Uzumaki, RayUzu, Nymeria, Nath, Guilherme Vier, Pandora Beaumont,
Okumura Yui, Mayan, menina dos olhos, Diana R Barros! ♥ . Beijão!
(Cap. 7) Cara de pau
Fabrício não era um garotinho agressivo. Na verdade, todos que o conheciam
costumavam dizer que ele era doce, meigo e engraçadinho e, logo em seguida,
apertavam-lhe as bochechas até que doesse. Fabrício não gostava muito desse
tratamento, mas talvez esta fosse a sina de todas as crianças.

Porém, se havia algo que tirava Fabrício do sério era quando alguém ameaçava seus
amigos. E André era seu melhor amigo. E dois meninos grandões, provavelmente uns
dois anos mais velhos, estavam ameaçando André no lugar onde eles sempre se
encontravam à tarde. Ora se isso não era um absurdo!

"Volte para a sua mansão, seu riquinho esnobe. Essa área é nossa." Disse um dos
meninos, apontando um dedo para André, que os encarava em desafio. André não
admitiria, mas estava com medo de apanhar. Só que não poderia sair dali como se os
dois meninos fossem realmente os donos da rua. Não daria esse gostinho ao ‘inimigo’.

Como faltava apenas atravessar a rua para chegar à praça circular em frente à lomba,
lugar onde a cena se desenrolava, Fabrício acelerou o passo, vendo que André
respondia alguma coisa e era empurrado por um dos garotos, caindo de bunda no chão
com um baque dolorido.

Fabrício conseguiu alcançá-los, segurando firme o skate embaixo do braço.

"O que vocês estão fazendo?" Perguntou, colocando-se na frente de André. "Deixem o
meu amigo em paz!"

"Sai da frente, baixinho, ou vai apanhar junto." Disse o outro, estufando o peito para,
quem sabe, parecer um pouco mais assustador.

No entanto Fabrício não se deixou intimidar e, vendo que Fabrício não sairia, o
menino avançou para empurrá-lo, ou dar-lhe um soco. O que o garoto não esperava,
era que Fabrício se desviasse e batesse o skate na lateral de seu corpo, fazendo-o
cambalear para o lado até cair ralando uma das pernas magras.

"Vocês não vão ameaçar o meu amigo de novo!" Fabrício exclamou, brabo. Apertava o
skate em fúria e fez menção de partir para cima dos dois com tão letal arma. O garoto
olhou-o surpreso e se levantou rapidamente, indo aos tropeções até o amigo. Logo os
dois já se afastavam covardemente, correndo.

André já havia se levantando, e agora encarava Fabrício em surpresa.

"Obrigado." Disse o loirinho. Ninguém nunca o havia defendido daquele jeito. Fabrício
sorriu, mostrando todos os dentes, inclusive as falhas, que esperavam pelos dentes
definitivos.
"Não tem de quê." Falou, dando alguns passos e levantando a bicicleta de André, caída
no chão. "Eu vou sempre cuidar de ti. Não se preocupe."

"Eu não preciso de cuidados." Retrucou André, torcendo o nariz. "Mas obrigado
mesmo assim."

André pegou a bicicleta.

"Vamos?" Perguntou Fabrício, sorrindo travesso. Sorriso que André acompanhou.

"Quem chegar por último é filho do padeiro!" Disse André, saindo correndo para então
subir na bicicleta em meio à corrida e seguir pedalando velozmente.

"Mas eu sou o filho do padeiro!" Falou Fabrício, confuso, antes de correr também
atrás do amigo, jogar o skate no chão e pular em cima dele, tentando acompanhar o
ritmo do loiro.

XxX

Fabrício notava o quanto André parecia perturbado nos últimos dias. Uma semana já
havia se passado. Na segunda semana de aula as coisas já começaram a ficar mais
sérias. Pararam de ver ‘inutilidades’ em anatomia, e agora já aprendiam sobre as
estruturas de cérebro e da medula, e tudo apenas tendia a piorar. Não que isso fosse algo
ruim. Era bom, revigorante até, aprender coisas novas.

Porém Fabrício queria descobrir o que atormentava tanto o amigo. André vinha andando
bastante com Fabrício, Gabi, Fran e Rafael. Às vezes se bandeava para outro grupinho,
mas como por enquanto toda a turma permanecia bastante unida, ainda se conhecendo,
isso era apenas normal. O próprio Fabrício vivia se metendo em qualquer grupo de
pessoas que via conversando pelos bares da faculdade, ou pelas cadeiras dispostas ao ar
livre, ou nos corredores do ICBS.

“Tem algo de errado com o André, tu não acha?” Perguntou o moreno para Fran. Os
dois estavam na biblioteca, na área onde ficavam as mesas de estudo. Sentavam lado a
lado, enquanto Rafael estudava em silêncio na ponta da mesa, com seu notebook.

“Ele anda meio quieto, mas não sei se esse é mesmo o jeito dele, né? Mas agora que tu
falou... Ele parece meio atormentado mesmo.” Fran ponderou, ajeitando os óculos no
rosto. Tinha longos cabelos pretos encaracolados e era dona de um corpo extremamente
magro; no entanto, era alta e seu rosto era bonito, com algumas sardas no nariz.

“Eu já perguntei, mas ele grunhiu que não era nada.” Fabrício bateu a ponta do lápis
sobre o livro de anatomia, aberto na página que mostrava todos os nervos cranianos.
“Eu queria que ele fosse na festa amanhã. Tu vai?”

“Tu sabe que não.” Fran desviou a atenção para o livro de histologia. “Eu teria de pegar
o trem para vir até Porto Alegre, de noite, e depois não teria como voltar para Novo
Hamburgo. E tu sabe que não me sinto bem dormindo em alguma casa que não a minha.
Desculpe.”
“Tudo bem, já estou acostumado.” Fabrício suspirou.

“Mas convence o André, oras. Passa na casa dele hoje depois da aula e incomoda ele até
ele dizer que vai.” Fran sugeriu num tom distraído, com os olhos sobre o texto que
precisava ler antes que a aula de histologia começasse dali meia hora. Ela não precisava
realmente ler, mas Fran era uma compulsiva por estudos. “Aproveita, porque daqui
algumas semanas não teremos mais tão poucas aulas.”

“É uma boa ideia.” Fabrício ponderou, já mais animado. “Mas eu não sei onde ele
mora.”

“Acho que ele comentou que mora na Chácara das Pedras. Mas pergunta para ele, ué.”
Fran de novo deu a solução mais óbvia. “Tu sempre consegue arrancar o que quer de
todo mundo...”

“Quase todo mundo.” Fabrício replicou, olhando-a seriamente. Afinal, nunca


conseguira convencê-la a se mudar de Novo Hamburgo.

“Sou um ser desenvolvido, imune ao teu charme.” Fran balançou a mão em um aceno.
“Mas acho que quem acaba de entrar na biblioteca não é. Então aproveite.”

Fabrício sorriu ao ver André chegando e fez um gesto chamando-o para se sentar ali
com eles.

XxX

“Ei, Dré!” Fabrício chamou abanando para André, antes que este subisse na moto e
fosse para casa, ao final da aula de histologia. André tirou o capacete e esperou o
moreno se aproximar.

“O que foi?” Perguntou, franzindo a testa ao ver o outro tão esbaforido. “Quer uma
carona para casa?”

“Não dá, não tenho capacete.” Disse. André sabia, só estava sendo educado. “Queria te
perguntar onde tu mora.”

“Por que quer saber?” O loiro ergueu uma sobrancelha, estranhando a pergunta
deslocada. Até tentou farejar alguma ideia maluca vinda da cabeça morena do colega,
mas não conseguiu identificar o motivo da curiosidade súbita de Fabrício.

“Por saber. Vai que algum dia preciso da informação?” Fabrício disse, agitado. “E se
algum dia tu desmaiar numa festa, e eu precisar te levar em casa, como vai ser? Ou se tu
me ligar no meio da noite depois de um pesadelo, e estiver assustado demais para
conseguir explicar onde tu mora???” Colocou drama nas possibilidades. André o
encarou como se fosse um psicótico perigoso fugido do hospício.

“Em primeiro lugar.” André começou. “Eu nunca desmaiaria numa festa. Seria indigno
demais. Em segundo lugar, por que diabos eu te ligaria no meio da noite por causa de
um pesadelo??? E por que diabos tu acha que eu vou ficar todo assustado por causa de
um sonho ruim? Não temos mais dez anos de idade, idiota.” Chamar Fabrício de idiota
aos poucos se tornava algo natural.

Fabrício fungou, dando a entender que ainda considerava suas hipóteses bastante
plausíveis. André acabou se dando por vencido. Que mal havia Fabrício saber onde
morava, afinal? Mesmo ele tendo grandes chances de ser um psicopata perigoso... Não,
não. André preferiu acreditar que o moreno apenas possuía alguns probleminhas
mentais inofensivos.

Acabou dando o endereço, e só assim foi liberado para subir na moto e voltar para casa.

XxX

André resolveu tomar um banho de piscina aquela tarde. A primeira prova da faculdade
ainda iria demorar, e havia bastante tempo livre naquele primeiro bloco de horários. Ele
geralmente convidava Davi, Lucas, Natália, Tatiana e Leonardo – seus amigos mais
próximos – para virem à sua casa passar as tardes quentes, aproveitando a piscina, mas
naquela não quis convidar ninguém. Dos cinco, Davi e Natália eram seus amigos mais
‘unha e carne’. E André sabia que mais cedo ou mais tarde Natália iria ligar para enchê-
lo de palavrões e deixá-lo surdo, dada a maneira com que tratara Davi. Era só o tempo
de Davi criar coragem para contar para mais alguém.

André ainda remoia o que falara. Passara a semana inteira perdendo-se em pensamento,
rememorando a forma com que tratara um amigo de tanto tempo. As dúvidas o enchiam,
junto com a culpa e o mal-estar. Mas era difícil voltar atrás nas coisas que havia dito.

Ele deve me odiar agora.

O loiro pulou na piscina que ficava aos fundos da casa, elevada em relação à rua de trás,
de modo que se formava uma espécie de pátio-sacada que tinha uma bela visão para o
bairro nobre. E também uma boa privacidade em relação às casas próximas ao redor.

Ficou um tempo nadando, tentando espairecer. Também iria para academia mais tarde,
pois malhar sempre o ajudava a relaxar. Tinha de aproveitar enquanto a faculdade não
pegava pesado, pois sabia que dali a pouco não teria tempo para quase nada.

Foi lá pelo meio da tarde que a campainha tocou. Não havia ninguém em casa além de
André àquela hora; apenas a empregada, que deveria estar lá pelo terceiro andar
arrumando os quartos. O loiro suspirou tomado pela preguiça, mas quando a campainha
tocou pela segunda vez, ele saiu da piscina e pegou a toalha sobre uma das
espreguiçadeiras. Subiu o pequeno lance de degraus que levava até o salão onde havia a
churrasqueira, um balcão de pedra, e uma espécie de cozinha junto à mesa longa de
refeição, e pegou o interfone preso a uma das paredes.

“Olá?” Perguntou.

“Oi! Sou eu!” Disse a criatura que esperava do lado de fora. André franziu a testa,
piscando algumas vezes ao processar de quem era aquela voz.

“Fabrício?”
“Esse é meu nome!” O moreno imitou a voz do garotinho do desenho O Fantástico
Mundo de Bob, que os dois costumavam assistir juntos quando menores, na padaria do
pai de Fabrício.

“O que veio fazer aqui?” André perguntou, ainda aturdido.

“Se tu me deixar entrar, eu te conto.”

André bem que deveria deixá-lo do lado de fora, só para ele aprender a não ser tão cara
de pau, mas acabou por apertar o botão que destrancava a porta da frente.

“Entra.” Disse, e não demorou muito tempo para Fabrício aparecer, descendo os
degraus para chegar ao salão. O moreno logo deixou o queixo cair ao olhar ao redor.
Afinal, ele não estava acostumado com casa de gente rica. Até seu tio, que era muito
bem de vida, vivia numa casa humilde, mesmo que grandinha e confortável.

“Uou! Esse lugar é demais.” Fabrício não apresentou pudores: vasculhou tudo, olhou
até a lavanderia aos fundos, e o pequeno banheiro. Quase meteu a cabeça dentro da
churrasqueira, pois não estava com churrasqueiras tão grandes e chiques. André girou os
olhos para todo aquele encanto. Não via nada demais ali; aliás, sua casa nem era das
mais caras do bairro, que custavam de 1,5 a dois milhões de reais.

“Agora que já enfiou a cabeça até dentro da privada do banheiro, pode me dizer por que
veio até aqui, não? Aconteceu alguma coisa?” Perguntou. Estava apenas de sunga e com
a toalha jogada sobre um dos ombros, lembrando a Fabrício que não havia ido olhar o
pátio.

O moreno seguiu para lá, querendo olhar a vista.

“Não. Não aconteceu nada. Só vim te visitar. Também queria saber se vai à festa de
amanhã. Vai ter um concentra lá na casa do Lauro. Fica perto do prédio do direito.”
Fabrício foi até a ponta do pátio, debruçando-se sobre o parapeito que impedia que
alguém caísse no pátio do vizinho, alguns metros abaixo. Havia um pitbull dormindo lá
embaixo. Cair não seria nada legal.

“Eu não estou muito a fim de ir em festa-“

“Ah, vamos! É a primeira festa da faculdade!” Fabrício incitou.

“E a festa da matrícula, foi o quê?” André rebateu. Não tinha boas lembranças daquela
noite.

“Aquilo nem era bem uma festa. Estava mais para um encontro com bebida e música.
Agora estamos falando de uma festa mesmo.” Fabrício se virou para André, cruzando os
braços sobre o peito. André notou a determinação de ferro do outro em convencê-lo. Já
se arrependia de ter-lhe dado o endereço de onde morava.

“Vão ter outras festas. Medicina tem um monte de festas, e têm todas as outras dos
outros cursos. Em maio já tem também a nossa festa dos bixos.” André lembrou. “Tu
quer entrar na piscina?” Resolveu desviar o assunto. Também estava com calor e louco
para voltar para a água, mas não podia simplesmente ignorar Fabrício. Ok, na verdade
podia, mas precisava distraí-lo. “Eu te empresto alguma roupa de banho, e uma toalha.”

“Tudo bem. Eu trouxe sunga e toalha.” Fabrício sorriu alegremente. “Está na minha
mochila, deixei ali no sofá perto da lavanderia.”

André sentiu algo como indignação trancar em sua garganta. Algumas pessoas
verdadeiramente não deveriam ser deixadas soltas na sociedade, e Fabrício se encaixava
bem nesse seleto grupo.

“Tu é muito cara de pau, alguém já te disse isso?” André falou alto quando o moreno
correu para ir se trocar. Um pouco depois Fabrício aparecia apenas de sunga e jogava a
toalha sobre uma das cadeiras. André já estava na água novamente, aproveitando o sol e
o calor.

“Trouxe uma bola de futebol americano também.” Fabrício sorriu e a arremessou na


direção de André. “E eu nem ‘tô se sou cara de pau. Qual a moral de ter um amigo rico
com piscina, se eu não posso vir visitar?” Brincou, com um sorriso sarcástico. Enquanto
isso André pegou-se passeando o olhar pelo corpo do moreno, reparando na pele
bronzeada e nos músculos que o definiam na medida exata e, por sua distração, a bola
acabou batendo em sua cabeça antes de cair na água.

“Hei!”

“Eu sei que sou lindo e gostoso, André. Mas cuidado para não babar.” Fabrício
debochou alegremente e então correu e deu uma ponta na piscina. O loiro corou, mas
pegou a bola e, assim que Fabrício emergiu, atirou-a em vingança na cabeça do moreno.
Fabrício reclamou algo sobre a dificuldade de fazer-se amigos decentes nos dias de
hoje.

“Era eu quem deveria estar falando isso!” André rebateu.

“Não, sou eu! Por que sempre faço amigos que não são parceria para sair?” Ele lançou a
bola de novo para André, mas dessa vez o loiro a segurou. “É impressão minha ou os
jovens de hoje não curtem a vida decentemente!? Não me diga que tu é que nem o
Rafael, e passa horas do teu dia jogando vídeo-game ou jogos de computador?”

“Eu jogo alguns jogos no computador, mas não sou muito ligado em vídeo-game.”
André atirou a bola de volta. “E eu curto a vida. Eu só-“

“Agora que entramos na faculdade, temos de aproveitar também, não é? A vida não é
feita apenas de estudos...” Fabrício continuou, interrompendo o loiro. “’Tá certo que eu
já não te conheço como antes, ficamos muito tempo sem nos ver, mas... Sei lá, foi bom
te reencontrar. E eu queria que fôssemos amigos novamente.”

“Nós podemos ser amigos, Fabrício.” André já estava ficando constrangido com a fala
de Fabrício. Ele dizia tudo com tanta naturalidade, como se não fosse nada. Geralmente
as pessoas não eram tão sinceras. “Não é uma festa que-“
“E é saindo juntos, aproveitando as oportunidades que duas pessoas se aproximam, não
é? Aposto que essa festa vai te ajudar a se distrair do que vem te incomodando.”
Fabrício garantiu. André ficou tão surpreso que o moreno houvesse notado que acabou
atirando a bola de maneira torta.

Ela bateu na borda da piscina e quicou para fora. Os dois viraram a cabeça e puderam
ver a bola quicando até saltar para o pátio do vizinho. “Puta merda!” André exclamou,
imediatamente sentindo-se culpado por ter feito aquilo com a bola do moreno. Saiu
rapidamente da piscina e correu até o peitoril, debruçando-se sobre ele. Já havia dito à
mãe que seria uma boa colocar uma grade na parte inferior das duas tábuas paralelas
que formavam o parapeito e deixavam espaços entre elas – perfeito para deixar as coisas
caírem.

Fabrício logo apareceu e se debruçou também. Soltou uma gargalhada ao ver o pitbull
destroçando sua bola de futebol. Gostava daquela bola, mas a careta de desespero de
André, somada à empolgação do cachorro ao ter algo o que morder, acabaram por fazer
o acidente valer à pena.

“Desculpe.” André murmurou.

“Se tu quiser que eu te perdoe, vai ter que ir à festa amanhã.” Disse bem-humorado,
sabendo que agora tinha um trunfo em relação ao loiro; podia ver o quanto ele parecia
culpado. “Afinal, tu acaba de dar minha bola de futebol favorita para o cachorro do
vizinho comer.” Provocou.

André soltou um longo suspiro.

“Está certo, eu vou.” Era um preço pequeno a pagar, ainda mais ao saber que era a bola
favorita do outro. Fabrício abriu um sorrisinho maroto e, de súbito, agarrou André pela
cintura e o ergueu até tirar os pés dele do chão. André soltou uma exclamação de susto e
depois ficou tentando se debater, mas Fabrício o carregou e se atirou na água levando-o
junto.

Ao final da tarde, André quase precisou expulsar Fabrício a pontapés da piscina, pois o
moreno parecia bastante à vontade em ficar ali até boiando de barriga para cima,
ignorando tudo que André falava. Para Fabrício, as tentativas de André para tirá-lo dali
era algo como ouvir um chinês murmurando mandarim à distância.

Porém deu-se por vencido quando André falou que a empregada havia preparado um
lanche para os dois.

"Então, até amanhã!" Fabrício falou após se arrumar para ir embora.

"Não quer uma carona para casa?" André ofereceu.

"Nah, relaxa. Eu pego o ônibus aqui perto." Deu de ombros. Não queria incomodar
ainda mais o loiro. Já bastava ter aparecido de súbito, usado a piscina dele e ainda se
fartado com a comida alheia.

"Ok, tchau então."


"Até."

André acabou sorrindo quando ele partiu. A tarde passara voando, já eram sete da noite
e ele se sentia estranhamente leve...

Notas finais do capítulo


Obrigada a quem vem comentando: Pandora, Julie, Bruna Uzumaki, Kao, RayUzu,
menina dos olhos, Nath, Mayan e Nymeria. Queria muito que a fic conquistasse mais
leitores, ou que mais gente me deixasse saber o que está achando. Espero que em algum
momento a fic se torne boa o bastante para que mais pessoas se sintam inclinadas e
animadas para comentar e me incentivar. Beijos. ♥

(Cap. 8) Eu Dançaria Tango no Teto


Notas do capítulo
Obrigada às lindas Álefe e Meliare pelas recomendações. Nossa, super surpresa com
elas. Obrigada, amores! ;*.Música do capítulo:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=zMxEyt5pdBk

"Tu acha que há um grande significado por trás das estrelas?" Perguntou Fabrício,
sentado na beira do lago com os pés dentro da água. Começava a escurecer e as
estrelas despontavam no céu. Eles estavam meio úmidos, mas o dia e a noite quente
faziam com que as roupas secassem rápido.

André olhou para o céu com os olhos semicerrados, tentando encontrar algum
significado nos pontinhos luminosos que se erguiam lá no alto. Não encontrou nenhum
e se sentiu incomodado por não ter uma resposta para dar ao amigo. Então mentiu,
como se pudesse ler grandes descobertas naquela disposição de pontos que não lhe
diziam nada.

"Tem sim," Disse, e apontou para um grupo de estrelas. "Está vendo aquelas três? Se tu
juntar os pontos, elas formam um triângulo. Isso quer dizer que... Nós sempre temos
três caminhos diferentes para... Escolher na vida!" Completou, orgulhoso por ter
encontrado algum significado.

A expressão de Fabrício tornou-se impressionada e ele estava de queixo caído.

"Uau, eu nunca iria pensar numa coisa dessas. E quais são os três caminhos?"
Perguntou Fabrício sem desgrudar os olhos do céu, ainda tentando localizar o tal
triângulo.

André deu de ombros.

"Aí depende da situação, não é? Não posso saber de tudo." Desconversou o loirinho,
porém já convencido de que falava uma honorável verdade.
"Talvez meu tio saiba." Cogitou Fabrício, procurando outros desenhos. "Aquilo é um
urso?"

"Onde?" André voltou a olhar para cima. "Não estou vendo."

"Ali! Ali, olha!" Fabrício apontou com toda a certeza do mundo, e o loiro estreitou os
olhos, desesperando-se por não conseguir enxergar. E Fabrício usou sua concentração
para empurrá-lo facilmente de volta ao lago.

Estarrecido, André retornou à superfície com um grande escândalo. Quem olhasse,


acharia que estava se afogando em seus últimos e dramáticos suspiros.

"Seu idiota!" Chamou, furioso, e tentou tocar água num Fabrício risonho, de bochechas
avermelhadas pela travessura.

XxX

Quando André chegou no concentra na casa do Lauro, a maioria do pessoal já estava lá,
com exceção das garotas. Havia uns dois garotos que haviam passado em medicina para
o segundo semestre daquele ano, logo eram bixos da galera do primeiro. Os outros eram
colegas mesmo, mas André percebeu que ainda não sabia o nome da maioria.

O loiro cumprimentou o pessoal já meio bêbado, e foi encontrar Fabrício na cozinha,


conversando com o paulista e um garoto enorme, mais de 1,90m de altura e braços
grandes demais, chamado Pedro. Fabrício abriu um sorriso e ergueu o copo com vodka
e energético em um cumprimento empolgado.

“Porra, André, já estava achando que tu não iria vir!” Passou o braço pelos ombros do
loiro e passou o copo para ele. “Aqui, bebe um pouco. Eu vou preparar outro.”

A habilidade de Fabrício para preparar bebidas era impressionante. André tomou um


gole da dele e estava no ponto exato. E a caipirinha que o moreno preparou em seguida
também ficou ótima. André até sabia se virar, como qualquer adolescente normal, mas
nunca ficava assim tão bom.

“A gente ‘tava mesmo aqui comentando que foi surpreendente entrar na medicina e não
encontrar aqueles riquinhos esnobes que se acham superiores e melhores que os outros.
Aí eu lembrei da tua existência!” Fabrício abriu um sorriso maroto, e ele, paulista e
Pedro gargalharam pela maneira fúnebre com que André o encarou.

“Me desculpe, mas eu estou longe de ser o único riquinho da nossa turma. Não é minha
culpa se tu é o mais pobre.” André replicou, e Fabrício ergueu as mãos para cima, com
uma careta igual ao do meme “ui!”, o que arrancou mais risadas.

“Riquinho até pode ter, mas loiros aguados de nariz empinado já são algo mais raro.”
Fabrício obviamente estava – além de já no ponto alegre do álcool – aproveitando para
implicar e irritar o loiro. Até que achava engraçado aquele jeito estressado de André; ele
era assim desde bem novo.
“Pobretões caras de pau que invadem a casa dos outros para aproveitar a piscina e filar a
comida que não tem em casa também.” André lembrou, sorrindo debochado. Fabrício
pareceu se dar por vencido. Não era como se ele não soubesse que era cara de pau.

“Vocês parecem duas comadres brigando, de boa.” Pedro apontou.

“Está mais para aquelas briguinhas de quarta série que o guri fica implicando com a
guria só para chamar atenção dela.” Paulista contrapôs, e soltou um “huuuum!”
sugestivo junto com Pedro. “Não vai dizer que ‘tá de olho no loiro, Fabrício!”

“Vai ver ele quer dar o golpe do baú.” Pedro sugeriu, rindo.

André sentiu uma queimação no rosto com aquilo. Olhou para Fabrício, mas este apenas
gargalhou sem se importar com a brincadeira.

“Vocês notaram a bunda que ele tem quando ‘tava de bomberinha sexy no trote à
fantasia?” Fabrício lembrou e abriu um sorriso sugestivo para André, que ergueu as
sobrancelhas, arregalando um pouco os olhos. A sério que Fabrício havia reparado em
sua bunda?

“Não, eu estava de olho na bunda do Chico.” Paulista brincou e os três riram. André
refreou uma risada e crispou os lábios.

“Bando de bichas.” Revirou os olhos, balançando a cabeça e bebendo mais um gole da


vodka. Os outros riram ainda mais. Já haviam passado do ponto e estavam bem alegres.
André chegara atrasado porque Natália havia aparecido em sua casa, como esperado;
mas ele dera um jeito de fugir antes que o sermão ficasse sério.

“Ui, ui, ui. Vamos ver quantas tu pega essa noite, Santa.” Fabrício falou.

“Santa?! Porra, que merda de apelido!” André falou e imediatamente se arrependeu.


Assim que os outros dois riram do apelido, o loiro compreendeu. Era assim que seria
chamado pelo resto da faculdade.

“Hei, vocês! Parem de monopolizar as bebidas, e tragam umas para a sala!” Diego
apareceu à entrada da cozinha. Era um garoto moreno com marcas de espinha na cara,
baixo e magrelo, mas com um jeito engraçado. “Estou ali tentando aterrorizar os bixos,
mas eles estão duvidando que eu fui mesmo amarrado no teto com fita crepe e depois
mergulhado numa banheira com piche. Preciso de gente para confirmar a história.”

André, que não havia participado de todos os dias do trote, se assustou.

“Fizeram isso contigo?” Perguntou, pasmo. A gargalhada foi unânime. O loiro ao


menos agradeceu por estarem todos bêbados e, com sorte, não lembrariam de sua gafe
no dia seguinte.

“Esse Santa é uma parada mesmo.” Fabrício deu uns tapinhas nas costas de André e,
pegando mais algumas bebidas, arrastou o loiro de volta para a sala com eles. Naquele
momento as garotas – Vanessa, Luana e Gabriela – chegaram, completando a noite.
“Alguém pode ir no super comprar mais uma bebidas?” Lauro perguntou. O
supermercado Zaffari ficava quase em frente ao prédio de três andares, atravessando a
rua. Todo mundo fez corpo mole, então Fabrício se ofereceu, mesmo que os outros
dissessem que os futuros bixos deveriam ir comprar as bebidas.

“Eu vou contigo.” André se levantou do sofá, onde conversava com a Luana, e seguiu
com Fabrício para fora do apartamento.

Os dois seguiram para a rua e chegaram rapidinho no supermercado. Fabrício ficou


emburrado pelas risadas eventuais que André continuava soltando, depois de ele
tropeçar nas escadas e cair de bunda nos degraus, tendo quicando umas três vezes antes
de conseguir se segurar e levantar.

“E aí, por que chegou tão tarde?” Fabrício perguntou uma hora, quando já estavam
dentro do supermercado.

“Ah, uma amiga apareceu lá em casa.” André desconversou, mas isso apenas atiçou a
curiosidade já naturalmente elevada do moreno.

“Só amiga, é?”

André deu de ombros. Não é como se ele e a Natália já não houvessem tido uns rolos.
Nunca nada oficial, eram mais como amigos com benefícios, que ficavam
eventualmente, sem compromissos, mas que não deixavam de ser amigos, e apenas
amigos em outras ocasiões.

“Tipo... Tu e a Gabi, eu acho.” André ponderou. Não sabia bem qual era a relação entre
Fabrício e a garota, mas eles pareciam bem próximos. Fabrício riu, porque o loiro não
era o primeiro a achar que ele e a Gabi tinham algum rolo.

“Eu e a Gabi somos apenas amigos. Já ficamos algum tempo no ano passado, mas agora
não rola mais.” Fabrício explicou. “Ela é minha melhor amiga aqui em Porto Alegre.
Não conheço muita gente além do pessoal que conheci no cursinho, e agora na
faculdade. Estou aqui há um ano, apenas.”

“Deixou muitos amigos para trás?” André perguntou. Não duvidava. Fabrício tinha uma
facilidade exasperante para fazer amigos.

“Ah, era aquela galera que eu conhecia desde pivete. Sabe como era lá, cidade pequena
e essas coisas... Mas tu ainda não explicou por que se mudou do nada de lá.” Fabrício
lembrou. Era algo que vinha querendo perguntar, mas sempre esquecia, ou perdia a
chance.

“Meu pai achou que eu teria uma educação melhor na capital, e os negócios dele
mudaram e ele acabava tendo que viajar quase toda a hora. Aí resolveu mudar. Isso sem
contar que ele odiava me ver traquinando pelas ruas contigo. Quando nos mudamos, ele
encheu minha agenda: era escola, curso de inglês e espanhol, natação, vôlei e aula de
piano. E eu ainda tinha de ler um livro por semana e depois contar a ele sobre o que
havia achado da história.” André suspirou ao lembrar daquela rotina. Ao menos depois
de voltar de viagem e passar no vestibular, Heitor não vinha mais controlando tanto
todos os seus passos.

“Teu pai parece bem rígido.” Fabrício se impressionou. “Mas que foda tu saber piano.
Tinha um na tua casa, né? Se bem me lembro...”

“Sim. Ele também me obrigava a treinar todo sábado o que eu havia praticado nas aulas
da semana. Só depois de no mínimo uma hora tocando ele deixava eu, sei lá, ir jogar
vídeo-game, ou ver TV.”

“Vou ir lá na tua casa para te ouvir tocar, qualquer dia.” Fabrício avisou, causando uma
risadinha nasalada em André. “Ver se teu pai te doutrinou bem, e se toda essa disciplina
valeu à pena.”

“Claro, né. Mesmo se eu não convidasse, tu apareceria, de qualquer maneira. Mas fique
sabendo que eu toco muito bem, obrigado.” Torceu os lábios num sorriso sarcástico.
Humildade nunca fora seu forte. “Tu não toca nada?”

“Toco o básico: violão. Adoro música brasileira.” Fabrício estalou a língua e piscou,
enquanto pegava outra garrafa de vodka.

“Bah, acho uma droga.” André admitiu, encolhendo os ombros. Nunca havia gostado
muito de nada brasileiro. Tinha a ideia de se mudar do Brasil depois de se formar. Só
não continuara no exterior, porque a Cíntia era muito sentimental e ficava com muitas
saudades, sempre pedindo para que voltasse e cursasse a faculdade no país. “Eu quase
entrei em Cambridge para cursar medicina... Tenho dupla cidadania porque meu avô
materno é inglês e minha mãe, também inglesa, me deu à luz lá...”

“Caralho! Duplo caralho!” Fabrício soltou, um tanto alto demais para um supermercado.
Havia uma criança perto e o pai dela olhou feio para o moreno, que se desculpou
erguendo a mão em um sinal de paz. André sorria debochado, achando graça das
atitudes do amigo. “Primeiro! Caralho-“ Falou Fabrício, dessa vez usando o palavrão
num tom baixinho. “Como tu pode não gostar de música brasileira?! E segundo:
caralho! Como tu nunca me contou que era na verdade inglês?”

“Sou inglês e brasileiro. Vivi a vida toda aqui. Só ano passado fiquei pela Europa,
viajando e fazendo alguns cursos.” Explicou. “E tu gosta de caralho, hein?”

“Bestinha.” Fabrício deu-lhe um empurrão no ombro, sorrindo. “Bem, ao menos agora


sei que, se algum dia eu quiser ir para Inglaterra, tenho pouso por lá.”

“Tu é muito cara de pau mesmo.”

“Uma hora tu se acostuma.” Fabrício sorriu brilhantemente. “Acho que é isso. Vamos
pro caixa.” Indicou o caminho com a cabeça – como se André não soubesse onde
ficavam os caixas. “E quer ver uma música brasileira que aposto que tu gosta?”

“Hum...?” André não deu muita atenção, mas praticamente se engasgou quando
Fabrício, depois de pigarrear, começou a cantar. Ali, no supermercado, alto o suficiente
para todo mundo escutar.
“Por você, Eu dançaria tango no teto, Eu limparia os trilhos do metrô, Eu iria a pé do
Rio a Salvador. Eu aceitaria a vida como ela é, Viajaria a prazo pro inferno, Eu
tomaria banho gelado no inverno...” O que André não sabia era que Fabrício era um
grande defensor da cultura brasileira, incluindo as músicas.

“Ok, já entendi!” André disse exasperado, dando-se por vencido. Haviam parado numa
das filas dos caixas, e havia um monte de gente olhando. André odiava chamar atenção
desnecessariamente, mas não pôde deixar de reparar que o moreno cantava muito bem,
arrancando até uns sorrisinhos de um grupinho de três garotas saidinhas, ao cantar todo
cheio de charme e trejeitos.

“Gostou da música?” Fabrício perguntou. “Vou cantar até tu dizer que gosta.”

“Se tu continuar cantando, é mais fácil eu começar a odiá-la.” André rebateu, abrindo
um sorrisinho amarelo para as garotas. De repente, não gostava da maneira que elas
secavam Fabrício e cochichavam entre si.

“Por você! Eu deixaria de beber! Por você! Eu ficaria rico num mês! Eu dormiria de
meia! Pra virar burguês! Eu mudaria até o meu nome! Eu viveria em greve de fome,
Desejaria todo o dia... a mesma mulher!” Fabrício havia percebido a atenção das
garotas, e começou a cantar especialmente para elas, arrancando mais risadinhas
tímidas.

André o puxou de volta para a fila.

“Ok, adoro a música. Agora cale a boca.” Falou, rendido, com um quê de irritação na
voz.

“É do Barão Vermelho.” Disse o moreno.

“Eu sei, idiota!” André suspirou. Seriamente, Fabrício era uma sequela social.

XxX

Já era perto da meia noite quando o pessoal deixou a casa do Lauro. No caminho até o
Campus Centro, foi aquela algazarra. Todo mundo estava meio alterado e encheram as
ruas de risadas, conversas e até gritos. Andando ao lado de Fabrício, junto com dois
bixos – Maurício e Rodrigo – com quem o moreno socializava, dando ênfase aos
terrores do trote, André entreouviu a conversa do grupinho das garotas, que vinham
logo atrás.

“Eu quero ele.” Luana falou para Vanessa. As duas eram primas, ambas loirinhas,
baixas e magras, mas Luana havia passado para o segundo semestre. “Até o final da
noite, ele é meu.”

“Quem?”

“O Fabrício.”
“Espera, tu quer ficar com o Fabrício?” Gabi perguntou, metendo-se na conversa das
duas. André pensou que ela teria um ataque de ciúmes, mas no lugar disso a moreninha
gargalhou. “Boa sorte.”

“Por que boa sorte?” Luana quis saber. André já andava propositalmente mais devagar,
espichando as orelhas.

“Porque o Fabrício é tão pateta, que tu pode dar mil sinais, e ele nem vai perceber. Tu
só vai conseguir ficar com ele com um ataque direto.” Gabi explicou o quanto o amigo
era um cabeça de vento.

“Ah, isso não é um problema.” Luana soltou uma risadinha.

André voltou a apressar o passo, antes que elas percebessem que estava dando uma de
enxerido. Aproximou-se de Fabrício e cochichou no ouvido dele.

“A Luana está a fim de ti.” Despejou. Amigos contavam esse tipo de coisa um para o
outro, afinal. Fabrício abriu uma expressão surpresa, e olhou por cima do ombro.

“Sério?” Sussurrou e acabou por sorrir para Luana quando ela lhe sorriu e abanou. “Ela
é bem gatinha, né? Mesmo que eu prefira as morenas...”

“Ela é. Tem uns peitões, mesmo sendo magrela. Parece até americana.” André colocou
as mãos no bolso. Não entendeu por que o outro iria preferir as morenas. Loiras também
eram bem bonitas, não é? Que idiotas essas preferências, pensou estranhamente
ofendido.

André deu um tapa na nuca de Fabrício.

“Para de olhar e ser tão óbvio. ‘Tá parecendo aqueles velhotes babões.” Avisou, mas
Fabrício apenas resmungou, massageando a nuca. Havia doído. O loiro tinha uma mão
pesada.

“É que para ser sincero, faz tempo que eu não transo com ninguém.” Fabrício admitiu,
com um suspiro. “’Tô na seca. Ano passado tive uns rolos, mas nos últimos meses antes
do vestibular só me dediquei aos estudos, e nas férias acabei voltando pra ficar com
meus pais e amigos, mas não peguei ninguém. Fiquei com uma guria na festa da
matrícula, eu acho, mas só.”

“Aí ‘tá pensando em tirar a seca com a Luana?” André perguntou.

“Ah, sei lá. Se rolar... Se não também, beleza. Mas que eu ‘to quase como aqueles
velhos babões, isso é verdade. Com a exceção de que o meu-“ Fabrício apontou para os
'documentos' no meio das pernas, soltando um assobiou que soou como um ‘fiu-fiu’.
“Ainda levanta.”

André gargalhou daquilo.

“Se tu diz...”
Atravessaram a Rua Avaí e chegaram à Av. João Pessoa, bem em frente à faculdade de
Direto da UFRGS, onde já puderam escutar os barulhos da festa e ver a aglomeração de
pessoas no espaço que durante o dia servia de estacionamento, entre os prédios antigos.

“Chegamos!” O pessoal começou a gritar e soltar uns berros empolgados. Festa grátis e
um bando de jovens bêbados... André ainda achava que a noite teria algumas confusões.

Notas finais do capítulo


Botei uma fotinho do google maps para mostra o lugar onde foi a festa.
UAHUAHAUAHU! Só que era noite e estava minado de gente. Enfim...Ah, obrigada a
todos que comentaram, mais gente apareceu, e me surpreendeu bastante o retorno,
obrigada a todos! E para deixá-los felizes, próximo cap. tem um gostinho de yaoi,
finalmente, uahauahuahu!Beijão, galera linda! ♥

(Cap. 9) E a Luana?
Notas do capítulo
MUUUUUUUUUUUUITO obrigada à Channie e Yuriloaj pelas recomendações
LINDAS! Ai, emocionei. Vocês são muito queridos! ;*
.
http://www.youtube.com/watch?v=ujr4dkJP378 - Música que eles cantam. Coloquem
pelo 2:55 min, que a música cantoria está mais animada, como geralmente se canta, rs.
;*

O lugar estava mesmo lotado, em algumas partes do campus era até difícil de caminhar
entre a multidão de jovens segurando copos de plástico com bebidas, ou latinhas de
cerveja. Lá, o pessoal que havia ido à concentra acabou encontrando outros colegas de
turma.
“Meio estranho isso daqui, ao ar livre.” André comentou para Fabrício, que bebeu um
gole da cerveja que tinha em mãos, enquanto se achegavam a um grupo que estava
animado cantando a música ‘principal’ do INTERMED.

"Se ficar chato, a gente vai pra outro lugar." Deu de ombros.

O INTERMED Sul era um evento exclusivamente direcionado para acadêmicos de


Medicina, professores e médicos já formados das escolas médicas do sul do país. O
evento envolvia disputa de jogos entre todas as faculdades de medicina do sul do Brasil,
regado a muito álcool, música e festas. Os veteranos insistiam aos novatos para que
participassem. Naquele ano, o INTERMED aconteceria na praia de Torres, no Rio
Grande do Sul mesmo, no mês de abril.

Como Fabrício já havia bebido demais, entrou na roda de colegas e começou a pular
com um dos braços erguidos, na mesma empolgação dos outros, cantando junto com
eles. André achou que não havia bebido o suficiente para aquilo, até porque um monte
de gente olhava para aquele grupo sem entender – só quem era da medicina entendia, e
havia muita gente ali que era de outros cursos.

André bebericou da latinha que Fabrício lhe entregara, observando os garotos e algumas
garotas cantarem:

Vamo, vamo Urguês!


Que esse ano eu vou...
Arrombar o cu de fundaceiro,

Não é tão simples quanto pensa!


Nele cabe muito mais do que a dispensa!
Cabe o cavalão
Cabem 3 UFRGS inteiras
Cabe uma bananeira
E TODOS NÓS!

A medicina da UFRGS tinha uma rixa ‘saudável’ com a medicina da UFCSPA,


chamada de Fundação, outra faculdade federal voltada para as ciências humanas. No
INTERMED, a Fundação era a principal rival da UFRGS, sendo que as duas sempre
disputavam o primeiro lugar no evento. E as músicas sempre eram uma ofensa pessoal
principalmente aos ‘fundaceiros’.

“Hei, André!” Gabi chamou, aproximando-se. “Quer dar uma volta comigo?” Ela se
inclinou conspiratória. “A Luana quer ver se consegue chegar no Fabrício, aí ela vai
atacá-lo quando ele estiver meio sozinho.”

“Aposto que ele vai gostar disso.” André falou, mas tinha vontade de dizer que Fabrício
não gostava de loiras, e que não queria ir dar uma volta. Mas foi mesmo assim, Gabi
arrastou-o mesmo antes que concordasse. Era uma garota energética, quando calibrada
com algumas doses de álcool.
“Imagina se não! A Luana é linda, e tem esse jeito cheio de iniciativa e confiança que os
garotos gostam.” Gabi comentou, com um sorriso. “O Fafá é tão querido, ele super
merece uma garota bem legal também.”

“Eu pensei que vocês dois tivessem algo...” André sondou.

“Tivemos, mas passou, e continuamos só amigos. Hoje em dia ele é quase como um
amigo gay.” Gabi riu.

“Ele já namorou antes?” André não sabia por que estava tão curioso, mas estava; no
entanto achava que era apenas curiosidade natural, e uma maneira de manter uma
conversa com a Gabi. Atravessaram a multidão até chegar a um espaço mais aberto,
perto de alguns banheiros ecológicos, os quais já tinham filas à frente.

“Namorou sim. Foi um dos motivos até, de não darmos certo. Ele namorou essa garota
lá da cidade dele dos treze aos dezessete anos... Eles acabaram brigando um pouco antes
de ele se mudar para Porto Alegre, e ele ainda não a havia esquecido completamente
ano passado.” Gabi contou, depois parou, aproveitando estarem num lugar mais vazio, e
ponderou. “Nossa, não sei se deveria ter te contado isso, mas acho que está ok. O Fafá
raramente fica brabo ou chateado com alguma coisa, só coisas muito sérias. E vocês já
são amigos de longa data, mesmo que tenham se reencontrado só agora. Ah, e que legal
isso, já disse? Eu tenho amigos que infância que lembro até hoje, mas nunca mais os
reencontrei.”

André reparou que ela ficava tagarela quando bêbada. E se pegou também pensando
sobre o que ela havia dito. Se não houvessem se separado, Fafá teria namorado essa
garota por quatro anos? Mas o que estou pensando, não tem nada a ver uma coisa com
a outra... Balançou a cabeça e bebeu mais um pouco. O melhor era ficar bêbado logo.

“Foi mesmo incrível. Mas o idiota demorou pra me reconhecer.” André lembrou-se,
indignando-se ligeiramente, ao mesmo tempo em que pensava se Luana e Fabrício já
estariam ficando. Gabi riu, sacudindo a mão.

“Ele é tão avoado. No dia da matrícula não reconheceu nem a mim! Saiu de casa e
esqueceu de colocar as lentes, aquela anta.” Disse, como qualquer melhor amiga,
enchendo o outro de xingamentos. André ficou surpreso – e internamente satisfeito –
com a informação. Isso explicava muita coisa. Seu humor até acendeu um pouco mais, e
sentiu-se inclinado a, quem sabe, também xingar os fundaceiros.

Gabi olhou em volta, com um bico nos lábios.

“Que chato aqui, nem dá pra dançar. Não gostei, deveríamos subir até a Independência e
ir para o Cabaret, ou o Beco.” Disse, mas então os dois garotos, futuros bixos Maurício
e Rodrigo, apareceram, e os quatro entraram numa conversa que se estendeu por mais
de meia hora. Alguns amigos haviam trazido bebida, e a ofereciam, fazendo-a circular
pela roda e, quando André deu por si, estava mais bêbado do que gostaria, ficando com
o rosto afogueado ao rir das bobagens embriagadas do grupo.

Teve um breve lapso de memória na noite. Em um momento estavam lá, conversando


animadamente, interagindo até com outras pessoas que nunca haviam visto na vida.
Num piscar de olhos, estavam andando pelas ruas quase desertas, em direção ao
Cabaret, que não ficava tão longe dali. Ao que parecia, Gabi havia usado de seu jeitinho
femininamente alcoolizado para convencer todos a irem a um lugar onde poderiam
dançar. André tinha um braço ao redor dos ombros dela, e se perguntou se estavam ou
não ficando.

XxX

Fabrício sorria, conversando animadamente com Luana. Os dois seguiam à frente do


grupo, subindo a Barros Cassal para chegar à Av. Independência, onde ficava o Cabaret.
Fabrício já estava aos beijos com Luana quando foi chamado por Gabi. Ele havia sido
literalmente atacado pela loira. Num momento, estava cantando as músicas do
INTERMED com os colegas e outros estudantes da medicina que se juntaram a eles, e
no instante seguinte, tinha os seios fartos da loira comprimidos contra seu peito, e os
lábios dela pressionados aos seus. Não teve muito que fazer além de retribuir, aliás,
retribuiria de qualquer forma, pois não era todo o dia que uma garota bonita se colava
nele daquela maneira esfomeada.

“Então tu vai viajar mês que vem?” Fabrício perguntou. A maioria do pessoal que havia
passado para segundo semestre iria viajar. Ao menos, os que eram ricos. Se Fabrício
houvesse passado para segundo semestre, ficaria lesando em Porto Alegre, no mais puro
tédio, até agosto.

“Vou pra Inglaterra, sempre quis conhecer lá.” Luana contou, e a partir daí seguiram por
uma conversa sobre viagens até chegarem ao Cabaret. Pagaram vinte reais para entrar e,
como já passava das duas da manhã, estava praticamente lotado. Mas ainda suportável.
Era terrível quando nem respirar era humanamente possível, mas naquela noite estava
agradável, na medida do possível.

Pela entrada, Fabrício se sobressaltou quando alguém pulou às suas costas, e braços
rodearam seu pescoço. Virou a cabeça para o lado e se surpreendeu ao ver que era
André, sorrindo estupidamente, como qualquer bêbado feliz.

“Lucrou a loira, então?!” Ele perguntou, alto. Na verdade, não esperava resposta.
“Mesmo não gostando de loiras, hein. Aproveita, Luana, ele não gosta dos teus cabelos,
mas tu tem peitos grandes o suficiente para-“

Gabi puxou André antes que ele acabasse falando demais.

“Ele já está bem bêbado.” Gabi sorriu amarelo. Também estava alegre, mas raramente
perdia o controle a ponto de ficar que nem o loiro. Fabrício estava com as bochechas
vermelhas, mas soltou uma risada demorada.

“Tu parece mais divertido assim, André.” Disse.

“Eu sou sempre divertido!” Garantiu o loiro e, inesperadamente, segurou o rosto de


Gabi e a beijou. Em suas ponderações bêbadas, havia chegado à conclusão de que
provavelmente estava ficando com ela. Afinal, por que não?
O queixo de Fabrício caiu ao ver aquilo e, por algum motivo, mesmo bêbado, não
gostou de ver os dois amigos se beijando. Nem a forma como André passou um braço
pela cintura de uma Gabriela aturdida, e a carregou consigo para longe deles.

“Hei!” Fabrício tentou segui-los para o interior do lugar, mas Luana o segurou.

“Deixa eles. Vamos ir dançar com os outros!” Ela pediu, e acenou para Vanessa, e
outros colegas. Fabrício os seguiu, com a testa franzida, mas logo balançou a cabeça,
não querendo deixar seu humor se abalar.

XxX

Gabi ria enquanto André a puxava.

“André, nós não estamos ficando, ok?” Ela avisou. “Tu está tão bêbado que acho que irá
cair a qualquer momento.” A garota deixou que André se abraçasse a ela, no meio da
pista, justamente para evitar que ele caísse.

“Ah, tudo bem, então...” O loiro disse, sem se preocupar.

“Tu é bonitinho, mas é estranho ficar com colegas de aula.” Explicou perto do ouvido
dele, falando alto para se fazer ouvir devido ao som alto.

“’Tá tudo bem, mesmo. Droga, eu estou tão bêbado quanto estou me sentindo?” André
teve um momento de lucidez.

“Eu acho que está! Tu parece bastante bêbado para mim.” Gabi replicou,
condescendente. “Só não vomite em cima de mim, por favor.”

“Ah, eu estava justamente pensando em fazer isso. Mas, ok, vou me segurar.” André
sorriu torto, movendo um pouco o corpo para dançar junto à morena.

“O Fafá foi mesmo até tua casa pra te convidar a vir?” Gabi riu. “A Fran me contou que
deu a ideia de ele passar por lá e te incomodar até tu ceder!”

“Foi a Fran, é? Terei uma conversinha com ela mais tarde.” André falou em ares de
quem planejava uma vingança sangrenta. “Ele foi sim, levou até sunga e se jogou na
minha piscina, e depois fez chantagem para que eu viesse.”

“Isso é a cara dele! Mas tu está gostando!?” Ela perguntou, e o loiro hesitou.

“Sim... Eu gosto muito do Fabrício...” Confessou, e acabou sentindo o rosto arder


quando a morena riu alto, mesmo com a música.

“Estou falando da festa!” Gabi riu mais e lançou um olhar afiado pra André, como se
lesse algo a mais na expressão do loiro. André limpou a garganta e passou a língua pelo
lábio seco.

“Claro. Estou conseguindo me distrair dos meus... problemas.” Comentou desviando o


olhar. Eles ficaram dançando por um bom tempo, conversando entre uma música e
outra; porém, em certo momento, ao olhar por cima do ombro da Gabi, André viu algo
que não gostaria, e que acabava com a razão de ter ido até ali.

Davi estava na festa também e, no momento, estava prensado na parede, tendo os lábios
devorados por um rapaz mais velho, talvez uns vinte e cinco anos, alto e loiro,
musculoso, com os cabelos arrepiados e toda a pinta de bad boy.

André ficou tão sem reação, que até Gabi parou de dançar e virou a cabeça para seguir-
lhe o olhar. Depois voltou a encará-lo com as sobrancelhas franzidas.

“O que foi?” Perguntou, confusa. “É uma casa meio alternativa essa, é normal ter alguns
homossexuais.”

“Isso nunca pode ser chamado de normal.” André falou, sentindo-se bem menos
bêbado. Mesmo assim, soltou Gabi e cambaleou até Davi e o outro protótipo de
estuprador. Talvez fosse isso, aquele depravado havia seduzido Davi, que era inocente e
tolo demais para encarar o mundo.

Quando conseguiu chegar até eles, que não estavam longe, empurrou o loiro alto para
longe de Davi, que arregalou os olhos ao vê-lo.

“André!” Davi exclamou, pasmo. André nem sabia o que dizer, e acabou se sentindo
estúpido por ir até ali, então apenas olhou para Davi com uma expressão triste, de quem
não consegue compreender aquilo, de quem não podia compreender, e deu-lhe as
costas, seguindo para as escadas que levavam para o piso da saída.

Lá em cima, conseguiu encontrar Fabrício e Luana sentados num sofá, conversando e


namorando, enquanto dividiam um drinque comprado no bar. André se aproximou dos
dois, sem pestanejar.

“Estou indo embora, mas acabo de descobrir que perdi meu dinheiro. Pode me
emprestar pro táxi e depois eu te pago?” Perguntou, apalpando os bolsos novamente.
Tinha antes cinquenta reais no bolso da calça, mas alguém deveria ter levado, ou na
festa do Direito, ou ali dentro. Nem sequer sentira.

“Quê? Indo embora?!” Fabrício perguntou, levantando-se. “O que foi, está se sentindo
mal?”

“É mais ou menos isso.” André disse.

“Vai lá pra casa. Eu moro no apartamento atrás do Armazém do Sabor, quase aqui do
lado. Toma.” Entregou as chaves para ele. “É o 704.”

André teria recusado, mas estava bêbado demais para isso, então apenas deixou a festa,
sentindo-se infeliz. Fabrício ficaria lá aos beijos com a loira, e Davi com o outro loiro.
Não sabia qual das duas coisas o deixava mais perturbado. Por que me importo tanto?
Não conseguiu deixar de pensar que ao menos Fabrício não conseguiria levar Luana pro
apartamento, já que estaria lá.
Mas eles podem transar em qualquer lugar. Pensou, descendo com dificuldade as
escadas para chegar à rua. Quando o ar fresco da noite encheu seus pulmões, apertou os
olhos. Ora, e daí? Ele que trepe até desmaiar. Sentia-se tão confuso, bêbado e perdido.
Mas mesmo perdido, conseguiu chegar ao apartamento de Fabrício sem acabar caindo
na rua e dormindo ali mesmo, feito um mendigo sem causa.

O apartamento do moreno era minúsculo e, depois de ir ao banheiro igualmente


minúsculo e bochechar com pasta de dentes e lavar o rosto, caiu na cama. E foi
surpreendido por um miado feroz e um arranhão em seu braço.

“Puta merda!” Exclamou, tonto, erguendo-se e levando a mão ao braço ferido. Até
sangue escorria pela unhada que levou. Como que Fabrício o mandava ir para um lugar
onde havia uma máquina mortífera em forma de gato?

Estava para se levantar, para ligar a luz, mas então a porta do apartamento se abriu e o
próprio dono do cubículo a ligou.

“André, tu ‘tá bem?”

“Ai, não diga que tu trouxe a Luana pra cá, mesmo comigo aqui?” Gemeu, jogando-se
na cama e tapando o rosto com o travesseiro, esquecendo-se que podia ser atacado
novamente pelo gato.

“Claro que não!” Fabrício fechou a porta e foi até a cama. “Eu fiquei preocupado,
porque tu parecia prestes a vomitar e...! Ah, teu braço está sangrando!”

“Culpa do animal irracional que tu mantém nessa cama e... Ai!” André voltou a
exclamar e se encolher ao receber uma mordida no pulso.

“Cherry!” Fabrício se aproximou e pegou a gatinha branca no colo. “Que menina


malvada.” Repreendeu. “Não morda as visitas.”

“Tu sabe que ela não te entende, não é?” André perguntou, checando.

“É claro que ela entende! Ela sempre me obedece. Ela é uma lady.” Fabrício assegurou
e a colocou sobre o travesseiro, e agora a gatinha realmente parecia mais calma, não
parecendo mais querer atacar o loiro.

Fabrício deitou-se na cama ao lado de André.

“Tu 'tá bem?” Perguntou.

“Não...” André admitiu, num resmungo. Se não estivesse bêbado, teria mentido, mas
parecia necessitado de desabafar. “Meu melhor amigo é gay, e eu não consigo aceitar
isso. E vi ele na festa, aos beijos com um grandalhão com cara de imbecil.”

“Por que não consegue aceitar?” As sobrancelhas de Fabrício se aproximaram, ao


franzir a testa. “O que há de errado com ele ser gay?”
“Como assim, o que há de errado?! Não é natural!” André se engasgou. O pior era não
encontrar bons argumentos para explicar os porquês. Só sabia que não era certo, fora
com esse conceito que crescera.

“Não é natural porque colocaram na cabeça das pessoas que não é. Tem gente que
gosta, e pra elas gostar é o natural. Desde quando orientação sexual muda quem a
pessoa é? Se ele era teu amigo antes, e tu gostava dele, por que deixaria de ser agora? É
a mesma pessoa...” Fabrício falou, mas falava tudo num tom tranquilo, sem se alterar.

André continuava com o travesseiro sobre a cabeça.

“Desde quando é defensor dos gays? Vai dizer que é um, também?” Perguntou, na
defensiva, a voz abafada pelo travesseiro. O Davi que conhecia não ficava se
contorcendo contra uma parede, prensado por um grandão, pra todo mundo ver.

“Meu tio é homossexual. Não vejo nenhum problema, ele continua sendo a pessoa
querida e divertida que sempre foi, mesmo depois me contar sobre isso. E se eu fosse
gay, o que tu faria? Iria deixar de falar comigo também?” Perguntou, puxando o
travesseiro para longe do loiro, para ver-lhe o rosto.

O coração de André palpitou com a ideia.

“Droga, para de falar merda.” Pediu, irritado. “Isso tudo é nojento, e estranho. Não
quero pensar nisso, só quero dormir.”

“Está sendo teimoso! Nem tem argumentos pra defender teu preconceito idiota! Aposto
que foi o teu pai que te encheu com essas ideias, ele sempre foi um mané controlador,
pelo que tu mesmo falou no supermercado!” Puxou André pelo ombro quando ele
tentou se voltar para a parede e evitar encará-lo. “Se tu acha tudo tão nojento, conviva
com isso então.”

André arregalou os olhos ao ver Fabrício se aproximar e prendeu a respiração, sentindo-


se lento e pesado demais para afastá-lo. A mão de Fabrício deslizou por sua cintura, e os
lábios pareceram prestes a tocar nos seus. André fechou os olhos e puxou o ar, perdido,
débil, mas o rosto de Fabrício se desviou no último segundo e caiu sobre seu pescoço,
em um beijo que sugou-lhe a pele, junto com uma mordida.

O loiro gemeu e se contorceu, colocando as mãos no peito de Fabrício, sentindo-se


como que se afogando, buscando por ar, debatendo-se, mas o moreno o envolveu com
um braço, e deixou a mão deslizar mais para apertar-lhe a bunda em cheio, um apertão
forte que arrancou outro gemido de André, que sentia a língua e os dentes do moreno
brincando em seu pescoço de uma forma que causava calafrios intensos.

Quando Fabrício se afastou, sorria maroto, e soltou uma risada abafada ao ver o estado
do loiro – ofegante, perplexo, com o rosto afogueado e os olhos atrapalhados.

“Tu ‘tá com a expressão de quem gostou até demais, hein!?” Disse, malicioso. “É aí,
achou muito nojento?” Perguntou e sentiu uma vibração de antecipação. Não queria que
André tivesse achado nojento, mas não se importou em pensar na razão disso.
“Filho da puta!” André o empurrou e se ergueu um pouco da cama, levando uma mão à
testa. “Deus, como tu pode ser tão... tão...” Não conseguiu nem encontrar as palavras.
Estava engasgado e rouco.

Fabrício ergueu-se e foi até o banheiro, voltando com álcool, algodão e pomada.

“Preciso limpar esse arranhão, pode infeccionar.” Disse e se sentou na cama, puxando
displicente o braço de André, que tentou escapar, mas o moreno era mais forte, e impôs
sua vontade de limpar-lhe o corte. “Sabe, tu deveria te colocar no lugar do teu amigo.
Ninguém escolhe ser gay, e considerando todo o preconceito que existe, é claro que ele
preferiria ser hétero se pudesse escolher. Mas não se escolhe, e quem vai perder um
amigo por algo tão bobo é tu.”

André não falou nada. Continuou emburrado até que Fabrício terminasse e, assim que
pronto, deitou-se na cama e se virou para a parede, fechando os olhos para dormir. Não
queria mais olhar para a cara do Fabrício, não queria acreditar no que ele havia acabado
de fazer.

E o pior, sentia uma parte do corpo em especial latejando, enquanto permanecia


dolorosamente consciente de Fabrício deitado logo ao seu lado; sua mente enchia-se
com o que ele havia dito. O tio dele era gay... Lembrava-se de Diogo da época da
infância, e de como o homem era extrovertido e de bem com a vida, muito parecido com
o Fabrício. Naquela época, não lembrava de ter preconceitos.

Em que momento isso havia mudado? Se não tivéssemos ficado nove anos separados...
Voltou a pensar, mas bufou consigo mesmo por conta da ideia que vinha duas vezes na
mesma noite.

“E a Luana?” Perguntou em algum momento.

“Ah, é!” Fabrício soltou estupidamente, sonolento. “Tinha esquecido dela. Acho que
ficou lá na festa.” Murmurou, acariciando Cherry que se aconchegara sobre sua barriga.
“Será que ela ficou braba que saí de repente?”

“Idiota... É claro que ela não deve ter gostado.” André sussurrou baixinho, mas não se
sentiu penalizado pela garota ter sido abandonada sozinha no Cabaret.

“E será que eu devo voltar lá?” Fabrício ponderou. “Ou ligar para ela?”

“Não!” Disse rápido, rápido demais, e tentou consertar. “Erm... Tu ‘tá aí todo podre, só
vai irritar mais ela se voltar nesse estado.” Nem sabia se era verdade, desde quando ele
entendia as mulheres? Nenhum homem no mundo entendia, e ele não seria o primeiro
na história. Acabou virando para o lado de Fabrício, que notou o movimento e virou-se
para André também, deixando Cherry escorregar para o espaço entre os dois com um
miado indignado.

“Sabe...” Fabrício comentou, com um sorriso arteiro. “Gostei de apertar tua bunda.”

“Cala a boca!” André bufou, corado, mas era uma sorte que o pequeno apartamento
estivesse escuro, apenas com a luz da rua entrando pela janela parcialmente aberta,
delimitando os contornos do rosto de ambos. Fabrício alargou o sorriso, e os dois se
fitaram em silêncio por um bom tempo, até que o moreno fechou lentamente as
pálpebras e começou a ressonar baixinho.

André ainda ficou acordado e, agindo sem pensar, acabou estendendo a mão e tocando o
rosto de Fabrício, contornando a linha do maxilar do moreno com a ponta dos dedos,
subindo-os para sentir a maciez do cabelo curto e negro. Depois a afastou rápido,
pressionando a mão contra o próprio peito, agitado como quem havia acabado de fazer
algo proibido e errado. Suspirou de olhos apertados. Durma, imbecil, tu está bêbado e
agindo feito um doido.

Mas ainda demorou um tanto para pegar no sono; o pescoço ainda formigava onde
Fabrício o beijara e mordera.

Notas finais do capítulo


Weeee, espero que tenham gostado. Meu bloqueio criativo continua, aí, eu queria ter
escrito mais coisas nas festas, mas acabou saindo só isso, mas também queria chegar à
parte do apartamento. hehehe! Enfim, espero que tenham gostado, mesmo, e continuem
me encantando com tantas reviews lindas! Beijão, amores, e me perdoem por todas as
minhas demoras, mas é difícil, porém, tentarei atualizar uma vez por semana! ;*

(Cap. 10) Tarde na piscina


Notas do capítulo
Música do capítulo: http://letras.mus.br/legiao-urbana/46972/

“Ah, mas que graça!” Gabi exclamou, apontando para um filhotinho de cachorro. André
fungou e ajeitou melhor a gola da camiseta, para esconder a terrível marca que
continuava em seu pescoço pelo terceiro dia seguido. Ou sua pele era muito
estupidamente sensível, ou Fabrício era alguma espécie nova de vampiro transmutado –
uma teoria até bastante razoável, já que vampiros segundo a autora de Harry Potter eram
criaturas bastante imbecis.

“Não gosto de bichos. São como crianças, mas são pulguentos.” André fungou
novamente. Não sabia como, mas havia conseguido ficar resfriado em pleno verão. Era
um feito que apenas uma pessoa dona da senhora rinite alérgica poderia fazer. Ou não.
Ele talvez fosse um filho da puta azarado.

“Como assim não gosta de bichos!?!” Fabrício apareceu entre os dois, com uma
expressão do mais puro choque, e André reclamou algo como ‘por que acha que não
gosto de ti?’, mas não alto o suficiente para que o moreno escutasse. Fabrício se
aproximou da gaiola onde estava o cachorrinho, uma entre várias daquela exposição de
filhotes, e o acariciou, mesmo que não fosse permitido tocar nos bichinhos. “Ele não
quis dizer isso, bolinha. Tu é um bom cachorrinho, ele que é um loiro malvado e mal-
humorado, que só sabe morder e dar patadas nos outros.”
“Ótimo. Com licença, irei dar patadas em outro lugar.” André revirou os olhos e se
afastou, emburrado. Estava emburrado com Fabrício desde aquela noite. Acordar no dia
seguinte dormindo sobre o peito do moreno não fora nada agradável, ainda mais depois
de um sonho em que Fabrício devorava sua boca, e não seu pescoço. O constrangimento
e raiva foram inevitáveis, e André chegou a culpar o ex-melhor amigo, Davi, por
colocar ideias homossexuais em sua cabeça. A verdade é que não estava conseguindo
olhar para Fabrício sem se sentir irritado e corado, e aquilo não era nada legal. Mas
menos legal ainda era não conseguir se afastar dele de vez.

“O humor dele anda péssimo.” Gabi comentou. “Sabe o que aconteceu?”

“Ele comentou algo sobre ter brigado com o amigo dele... Porque o amigo é gay.”
Fabrício ainda acariciava o bichinho, mas logo começaram a caminhar pelo lugar, em
busca do loiro. Era um pavilhão repleto de animais. Eles haviam saído das aulas e ido
de carro com Rafael para a exposição, André fora na própria moto. Ninguém sabia ao
certo como André fora convencido a ir, mas até Rafael viera e eles descobriram que o
alemão era doido por cachorros, pois brincava com todos e já dizia que ia comprar
alguns – e ver Rafael tão espontâneo era difícil; era como se ele estivesse bêbado de
cachorrinhos, se é que isso fizesse algum sentido.

Ele também havia sumido entre as pessoas.

“Ah, quanta bobagem. Esse tipo de preconceito me dá muita raiva.” Gabi admitiu,
chateada.

“Não julga. Ele cresceu com esses valores. Cabe a nós mudá-los.” Fabrício passou o
braço pelos ombros da guria e piscou, cúmplice. “Aliás, é aniversário do meu tio nesse
próximo sábado. Vamos?”

“Claro!” Gabi concordou. “Seu tio é demais. Eu adoro ele.”

“E quem não adora? Estou pensando em arrastar o André, assim ele conhece meu tio e
vê que não tem nada a ver desprezar alguém só pela sexualidade. Até a mais
homofóbica das pessoas adora o Diogo.” Sorriu brilhantemente, como se estivesse numa
propaganda de pasta dental, mas largou Gabi de imediato ao visualizar o loiro parado
observando um cachorrinho em especial.

André olhava com uma sobrancelha franzida um filhote de labrador que se agitara ao
vê-lo, latindo e tentando pular a grade, mesmo que com isso se esborrachasse no chão,
devido à altura. Como não conseguira, o bichinho ficara arfando de língua para fora,
olhando para André antes de se jogar no chão de barriga pra cima, contorcendo-se e
ganindo baixo por carinho. André perguntava-se o que ele queria. Talvez esteja com dor
de barriga. Em relação a crianças e filhotes, André poderia ser considerado um
Neanderthal.

“Por que não dá carinho nele?” Fabrício perguntou em seu ouvido, fazendo o loiro dar
um salto poderoso para o lado. O moreno riu e André massageou a orelha, como se
alguém na verdade a houvesse beliscado. Pensar em várias maneiras de afogar, bater,
torturar e matar Fabrício pareceu-lhe bastante interessante no momento. “Tu ‘tá com
febre? Está meio vermelho.” O moreno perguntou, metendo a mão na gaiola aberta
superiormente, para acariciar o labrador de pelo amarelado. O bicho só faltou se mijar
de tanta alegria, tal foi o estardalhaço por receber carinho. Na verdade, não faltou.
André percebeu que o filhote acabou molhando todo o jornal.

Torceu os lábios para o bichinho, que começou a tentar morder de brincadeira a mão de
Fabrício, sem se importar de estar sapateando sobre o próprio xixi.

“Isso é nojento.” André disse, como o típico garoto riquinho e fresco. Fabrício fez uma
careta que deixava este fato bem claro. “E não estou com febre, acho...”

“É só um filhote, e ele só quer brincar. Brinca com ele um pouco também, ô


frescurento.” Fabrício se aproximou do loiro, prevendo a negação que veio com uma
nova fungadela indiferente.

“Eu não. Os pelos desse bicho só vão piorar a minha rinite e-“ Fabrício não deixou o
loiro terminar. Agarrou a mão dele e a puxou até a gaiola, forçando-a contra o bichinho
peludo, que mais se parecia com uma bola de pelos com olhos. André sentiu a mão suar
pelo contato forçoso, mas quando tocou o lombo do cãozinho, e ele se derreteu inteiro,
adorando a carícia, acabou arregalando os olhos. Estava gostando de acariciar aquele
animal fedidinho. “Droga.” Reclamou.

“Eu sei.” Fabrício assentiu.

“Ele é fofo.” André admitiu, resignado, e o cãozinho latiu, como se houvesse entendido.

“Vamos levá-lo!” Fabrício se empolgou.

Um tempo depois, os quatro amigos saíam juntos dali. Rafael havia comprado um
filhote de pastor alemão, e André sentia como se alguém – e por alguém, entenda-se
Fabrício – houvesse feito-lhe uma lavagem cerebral, pois segurava nos braços a bolinha
fofa que, ao menos, havia recebido um banho rápido antes de ser vendido.

“Vou chamá-lo de Rex.” Disse Rafael, acariciando a bola de pelos negros que havia
comprado. Por que filhotes eram tão peludos? André já imaginava o surto de Cíntia ao
ter uma maquininha de soltar pelos em casa. Ela também tinha rinite alérgica. Nada
legal. Mesmo. O filhote mal saíra do pavilhão, e já estava em risco de morte.

“Oh, clichê!” Gabi referia-se ao nome escolhido por Rafael.

“Eu sempre quis um cachorro chamado Rex, ok? Não me culpe se não tive nenhum para
dar esse nome quando mais novo. Minhas irmãs apelidavam todos os cachorros antes
que eu tivesse tempo, e eu tive de conviver com nomes como Bebê, Babalu, Lulu,
Bambi e Pitoco.” Rafael impressionou a todos por falar uma frase tão comprida. Ainda
devia estar embriagado de cachorrinhos.

“Eu gosto de Rex.” Fabrício intercedeu. Havia comprado um pacote de doritos no


barzinho do pavilhão e, depois de enfiar um bocado na boca, ofereceu um ao labrador
de André, que prontamente aceitou. Fabrício riu. “Ele gosta de doritos.”
“Não fica dando essas porcarias para ele!” André reclamou, afastando o bicho de
Fabrício como se este fosse alguma espécie de matador de filhotinhos. “Ele pode ser
alérgico, ou passar mal, ou ainda vomitar. Não quero ele doente.”

“Ele já ‘tá preocupado com o bebê dele. Tão pai.” Gabi suspirou.

“Aposto que também não vai dar chocolate e refrigerante pra ele.” Fabrício ponderou.
“E dizia que não gostava de animais de estimação!”

O cão latiu, achando aquilo um absurdo, mas André revirou os olhos. Quem dava
refrigerante pra cachorro, de qualquer maneira?

“Como vai chamá-lo?” Fabrício perguntou. “Bola de pelos?”

O cão latiu de novo, negando. Não parecia contente com a ideia.

“Rufus?” Fabrício perguntou ao cão, que latiu em negação outra vez. “Átila? Bruce?
Kim? Odin? Quincas Berro-D’água?” O cão latia em todas, e Fabrício parecia acreditar
que estava mesmo conversando com o cachorro sobre qual nome poderiam dar a ele. O
moreno parou e coçou os cabelos. “Ele não gostou de nenhuma das minhas sugestões.”

“Vou chamá-lo de Sascha.” André decidiu, e claro que não iria contar que este havia
sido o nome de um de seus ursinhos de pelúcia quando era bem novo. O cão latiu, dessa
vez parecendo assentir – ao menos na percepção de Fabrício.

“Hei! Ele gostou!” Disse o moreno e se inclinou para Sascha, afagando-lhe as orelhas e
deixando-o lhe lamber. “Bom garoto! Sascha é um bom nome.”

“Eu vou indo, galera. Nos vemos amanhã.” Rafael se despediu e seguiu para o carro.
“Quer carona, Gabi? Tu quer, Fabrício?” Ele lembrou de perguntar.

“Opa, quero sim!” Gabi se adiantou até o amigo.

“Eu não. Vou na casa do André agora.” Fabrício dispensou com um aceno, a
concentração ainda em Sascha. Detalhe que André só ficava sabendo disso agora
também, de maneira que se engasgou com a saliva, pego de surpresa pela informação.

“Quê?” O loiro conseguiu perguntar, apertando Sascha mais contra o corpo. “E quando
eu concordei com isso?”

“Ora...” Fabrício passou o braço ao redor dos ombros de André, jogando o pacote vazio
de doritos no lixo de rua. “Somos amigos, não é? Amigos não precisam de convites, ou
permissão. Não é mesmo, Sascha?” Fabrício perguntou, acariciando o filhote, que latiu
empolgado. “Viu? Ele gostou da ideia.”

“Claro, porque agora tu virou um cachorro e aprendeu a falar cachorrês.” André


ironizou. De jeito nenhum queria Fabrício em sua casa, mas como poderia dispensá-lo?
Aliás, não se achava capaz de um ato tão mítico, vide: enxotar o moreno folgado.
“Além disso,” Fabrício continuou, como se não o escutasse. “Tu ‘tá de moto e vai
precisar de alguém para segurar o Sascha. Eu sou mais do que adequado para o posto.”

“Também se não fosse... Para alguma coisa os teus dois neurônios tem de servir.” André
sabia que não era a mais adorável das pessoas quando estava de mau-humor. Aliás, ele
nunca era a mais adorável das pessoas.

“Não vai me enxotar com essas tuas palavras adoráveis.” Fabrício debochou também,
com um sorrisinho.

“Ok, vamos logo.” Suspirou André. “Para sua sorte, estou com um capacete extra
porque dei carona para a Natália hoje de manhã.” Disse o loiro. Depois da madrugada
de sábado, fizera questão de transar dois dias seguidos com a garota, como uma prova
de que continuava bastante macho, obrigado, mesmo que isso significasse ter de ouvir
as ladainhas da amiga sobre suas atitudes imbecis para com Davi.

O problema era que André era extremamente orgulhoso, e seria difícil dar o braço a
torcer e ir conversar com Davi. Talvez se o amigo viesse tentar conversar novamente...
Mas André sabia que isso era praticamente impossível. Ainda que não fosse orgulhoso,
Davi não se humilharia depois da maneira com que o tratara. Não me importo. Tentou
convencer-se.

Com um suspiro cansado, colocou Sascha no colo de Fabrício, vestiu o capacete e


pegou o cão para que Fabrício fizesse o mesmo. Depois voltou a lhe entregar o bicho e
subiu na moto, ligando-a. O moreno subiu logo depois, e André mordeu os lábios;
estava consciente demais da proximidade entre os dois. Isso não está certo. Decidiu que
eles deveriam manter distâncias bastante seguras dali em diante. Tudo culpa daquele
chupão. Deveria pagar um dentista para arrancar fora os dentes de Fabrício.

“Sascha está seguro. Pode ir!” O moreno avisou.

XxX

“Não acredito que tu me fez passear no supermercado com o cachorro.” André fungou.
Não que houvesse sido constrangedor. Fora apenas insuportável aguentar todas as
pessoas que paravam soltando ‘oooooown’ ao ver Sascha, e vinham acariciá-lo na maior
cara de pau.

“Ele precisa de ração.” Fabrício repetiu. “E não o chame de cachorro, ele pode pensar
que tu não ama ele.”

“Deus.” André revirou os olhos e pegou a ração e Sascha no colo, para que Fabrício
tirasse o capacete. Deu as costas ao moreno e seguiu da garagem para dentro da casa.
Certo, Cíntia havia ido viajar para visitar a prima aquela semana e aproveitar para
realizar um trabalho de decoração em São Paulo, e portanto haveria tempo para que
Sascha se acostumasse à casa sem grandes problemas. Heitor não pisava por ali desde a
separação, o que o loiro achava bastante bom. Tornara-se alguém mais livre desde que o
pai saíra da casa e fora morar num apartamento enorme no bairro Bela Vista. Amava o
pai, sem dúvidas, mas um pouco de liberdade era bom para a saúde.
“Tua empregada não está em casa?” Fabrício o seguiu, perguntando.

“Não. Ela tirou folga hoje, porque a irmã ficou doente.” André informou, colocando
Sascha no chão e indo procurar algum pratinho para colocar a ração, e outro para água.
Sascha já viera vacinado e também castrado, ao menos com isso não precisava se
preocupar. O labrador já saiu sapateando e xeretando tudo com o nariz curioso.

“Então estamos sozinhos?” Fabrício inquiriu, e André de imediato sentiu um arrepio


percorrer-lhe a nuca com a pergunta. E não havia nenhuma malícia no tom do moreno.
Estar só os dois ali não mudava nada, tentou convencer-se André.

“Só nós dois...” André murmurou. Concentrou-se em procurar algo que pudesse usar, e
que não faria Cíntia surtar por ser usado por um cachorro, que não percebeu Fabrício se
aproximar até estar parado às suas costas. Quando percebeu, virou-se rápido, assustado,
e quase deixou cair o pratinho fundo que encontrara, mas Fabrício segurou-lhe a mão,
impedindo o desastre.

“Está chateado comigo, não é?” Fabrício perguntou, milagrosamente sério, encarando
André diretamente nos olhos. “Por causa de sexta.”

André hesitou, mas como nunca fora do tipo de conseguir segurar a língua ou tudo que
o incomodava, então logo disparou: “Não devia ter feito aquilo.”

“Foi só uma brincadeira.” Fabrício defendeu-se, não o largando.

“De muito mau gosto. Estou tendo de esconder a marca, e ainda tive de dar explicações
para a Natália.” Disse, irritado, devolvendo o olhar.

“Quem é Natália?”

“A amiga, ficante, coisa do tipo, que comentei na sexta.” Desviou o rosto, mas logo se
arrependeu, porque Fabrício descaradamente afastou a gola do pescoço para ver o
estrago. E o moreno ficou bastante impressionado, porque um roxo glorioso continuava
marcado na pele branca, mesmo depois de tanto tempo. André corou e tentou se afastar
da análise, mas Fabrício o segurou e levou a mão para roçar os dedos no roxo.

“Ficou bem feio mesmo... Desculpa.” Fabrício pediu, sincero, mas com os olhos ainda
cravados naquele roxo. Curiosamente, estava um tanto fascinado por aquela marca,
quase sentiu orgulho dela. Era uma sensação um tanto estranha; não conseguia desviar
os olhos do pescoço do loiro, como se houvesse algo magnético ali.

André, constrangido até a alma por estar prensado contra o balcão da pia enquanto
Fabrício parece prestes a lhe dar outro chupão, saiu da situação pela tangente,
escapando e rapidamente servindo a ração no pratinho. Sascha correu até a comida,
cheirou-a e lambeu a mão de André quando este foi dar-lhe um carinho atrás da orelha,
antes de começar a devorar a ração especial para filhotes.

Fabrício sentiu-se acordar de um transe quando o loiro literalmente fugiu, e coçou a


parte de trás da cabeça, pensativo, mas logo sorriu ao ver André alimentando o labrador.
“Como que eu vou cuidar de um labrador?” André perguntou, ajoelhado em frente a
Sascha. Tentava afastar o silêncio. “Fico quase o dia inteiro fora de casa, e filhotes
precisam de atenção.”

“Ele fica com a empregada. Tu passeia com ele e dá atenção quando voltar da aula.”
Fabrício sugeriu, ajoelhando-se para também fazer carinho em Sascha. André afastou
tão rapidamente a mão, quando a de Fabrício roçou na sua que já afagava o ladrador,
que acabou pigarreando e se empertigando ao levantar, tentando parecer indiferente.

“Deveríamos pedir pizza.” Falou aleatoriamente. “Estou morto de fome, e não tem nada
pra comer além de ração.”

Fabrício assentiu, dando de ombros.

“Eu como até ração, tu sabe. Pizza está ótimo.” Disse e sorriu quando Sascha, dando-se
por satisfeito, começou a querer atacar seus dedos, com rosnados que não metiam medo
nem numa mosca aleijada.

XxX

O sol já estava quase se pondo, e os dois acabaram sentados à beira da piscina, com os
pés dentro da água e uma pizza tamanho família entre os dois, assim como uma garrafa
de 3,5L de coca-cola. Na verdade, aquelas alturas, já era menos da metade de uma pizza
e Fabrício já havia bebido quase toca a coca – era completamente viciado –, mas André
já sentia a barriga estourando. O de olhos escuros estava com jeito de que comeria mais
uma inteira, e aqueles últimos pedaços não restariam muito tempo.

Os dois conversavam sobre as aulas, as expectativas do curso, relembravam a época do


colégio, contando um ao outro um pouco sobre a época em que passaram separados.

“Não acredito que tu nem precisou de cursinho, seu bastardozinho inteligente.” Fabrício
o xingou. “Eu me matei estudando ano passado.”

André riu, dando de ombros.

“Mas agora todo mundo vai ter de se matar estudando de qualquer maneira. As coisas
só irão piorar ao longo dos semestres...” Falou, pensativo. “Acho que tenho sorte de ter
uma boa memória... Eu tenho muita preguiça de estudar.”

“Nasceu com a bunda virada pra lua. Tu acha que eu não tenho? Estou todo ferrado,
nem estudei nada de anatomia ainda, ou melhor, estudei, mas não decoro aquelas
loucuragens.” Suspirou e deu mais uma mordida generosa no pedaço de pizza que
segurava. “Mas ‘tô acostumado, sempre tive de estudar bastante pra entender alguma
coisa.”

“Tu passou em medicina, não se faça de burro.” André o empurrou pelo ombro, e o
outro riu, quase caindo para o lado. “Tu se lembra... De quando a gente era pivete...”

Fabrício o olhou, curioso.


“Lembrar, eu lembro. Mas o que eu tenho de lembrar, exatamente?” Perguntou, quando
André não completou a frase e voltou o olhar para a piscina.

“Que iríamos viajar juntos... Pelo mundo.” Riu. “Uma volta ao mundo.” Riu um pouco
mais, coçando um olho. “Eu lembrei disso quando viajei ano passado.”

“Sério?” O moreno perguntou de boca cheia, depois de finalizar a pizza em mãos. “Tu...
Pensava em mim antes de a gente se reencontrar?”

André sentiu as maçãs do rosto esquentarem e acariciou reflexamente Sascha quando


este mordiscou sua mão, depois de farejar todo o pátio e quase cair na piscina umas três
vezes.

“Não pensava... Eu pensei, quando estava lá. Havia sido uma promessa, não é? Eu
lembro das minhas promessas. Só isso.” Respondeu, meio na defensiva.

“Eu lembro também.” Fabrício sorriu, apoiando as duas mãos no chão e inclinando o
corpo para trás. Tombou a cabeça e olhou para o céu, esperando a chegada das estrelas.
“Eu sabia que já te conhecia assim que te vi de novo no início do semestre. Não
esqueci.”

“Mentira.” André replicou rápido, mas já sentia o coração meio agitado. “Nós
conversamos na festa da matrícula, sabe. Tu estava tão bêbado, que mal conseguia
caminhar. Eu devia ter te oferecido uma carona até em casa, mas estava sem um
capacete extra...”

“Nós conversamos?” Fabrício arregalou os olhos e virou-se para ele, a atenção


completamente tomada. “O que conversamos?”

“Nada de mais. Mas eu te reconheci na matrícula. Tu demorou dias. É um idiota


mesmo.” Não se segurou. Chamar o outro de idiota era mesmo algo natural.

Fabrício riu, ou melhor, gargalhou, e se aproximou para apertar uma das bochechas do
loiro.

“Que gracinha. Usou a memória monstra para lembrar rapidinho de mim.” Brincou e
recebeu um empurrão do outro. “Tu não tem violão?”

“Tenho... ‘Tá pendurado na sala do segundo andar e-“ Fabrício nem esperou, levantou e
correu para dentro da casa antes mesmo que o loiro terminasse. Sascha tentou segui-lo,
mas não conseguiu subir os degraus altos, e ficou choramingando no pátio. “Ele já vai
voltar.” André resmungou, mas pegou o labrador no colo quando este se aproximou
atrás de consolo.

Dois minutos depois, e Fabrício reaparecia com o violão a tiracolo. Ele sentou-se
novamente ao lado do loiro, pegou um pedaço pizza, deu uma mordida generosa,
lambendo os dedos, antes de se posicionar para tocar.

“Como tu consegue comer ainda?” André perguntou, admirado.


“Como assim desde que virei adolescente. Provavelmente vou virar aqueles velhos
barrigudos e carecas, de rosto vermelho e testa suada.” Riu, enquanto André fazia uma
careta. “E aí, que música tu quer?”

“Sei lá.”

“Essa eu não conheço.”

“Idiota.” Revirou os olhos, mas sorriu. “Toca... Uma das brasileiras que tu gosta,
então.”

“Tudo bem. Vou tocar uma do Legião Urbana, que eu toco e canto bem.” Sorriu
convencido, já esperando a careta de ‘até parece, idiota’ do outro. E ela veio, claro.
Depois disso, Fabrício começou a dedilhar.

Tenho andado distraído,


Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso,
Só que agora é diferente:
Sou tão tranquilo e tão contente.

Quantas chances desperdicei,


Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo o mundo
Que eu não precisava
Provar nada pra ninguém.

André afagou a cabeça de Sascha para acalmá-lo, quando ele começou a latir,
impressionado com a música. Pegou-se preso pelos olhos escuros do outro, que cantava
encarando-o. Era difícil desviar o olhar do moreno tocando o violão. Combinava demais
com ele, aquele jeito despojado, o sorriso fácil e até a música brasileira.

No início, André não prestou bem atenção à letra, mas depois se pegou meio surpreso
com ela. Era como uma indireta que ele preferia não entender, pois nem Fabrício
parecia atento ao significado do que cantava.

Me fiz em mil pedaços


Pra você juntar
E queria sempre achar
Explicação pro que eu sentia.
Como um anjo caído
Fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo
É sempre a pior mentira,
Mas não sou mais
Tão criança a ponto de saber tudo.

Já não me preocupo se eu não sei por quê.


Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê
E eu sei que você sabe, quase sem querer
Que eu vejo o mesmo que você.

André começou a mordiscar o lábio inferior, uma mania que tinha de quando ficava
desconfortável, mas mesmo assim não conseguia desviar os olhos do outro. Magnético
demais. Até Sascha pareceu perceber sua tensão, já que começou a lamber-lhe os dedos.
André ficou tão absorto, que nem percebeu o olhar de Fabrício desviando-se lentamente
para o lábio que tanto mordia. Fabrício observou a boca do outro de maneira
inconsciente, como quem admira uma obra de arte sem compreendê-la, e as palavras da
música vinham naturalmente pular de sua garganta afinadamente junto às notas que
tirava do violão.

Tão correto e tão bonito


O infinito é realmente
Um dos deuses mais lindos!
Sei que, às vezes, uso
Palavras repetidas,
Mas quais são as palavras
Que nunca são ditas?

Me disseram que você


Estava chorando
E foi então que eu percebi
Como lhe quero tanto.

Já não me preocupo se eu não sei por quê.


Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê
E eu sei que você sabe, quase sem querer
Que eu quero o mesmo que você.

Afastou o violão e olhou para o loiro.

“Gostou?” perguntou, e Sascha latiu, assentindo.

“C-Claro. Um pouco. Pra profissional não serve, claro.” Tirou sarro, para amenizar a
própria tensão. Suspirou e olhou para a piscina, satisfeito por enfim conseguir desviar o
olhar do moreno.

“Chatão. Não sabe elogiar, mas ‘tô ligado que tu gostou. Daqui a pouco vai passar a
ouvir só música brasileira.” Fabrício bagunçou-lhe os cabelos ao meter a mão entre os
fios loiros e sacudi-los tal qual um ogro das cavernas.

“Sai pra lá.” André soltou um resmungo e o empurrou – não gostava de cabelo
embaraçado.

Talvez fosse culpa da barriga cheia, mas Fabrício acabou se desequilibrando, pendendo
para a piscina e soltando um ‘oooooo!’ de quem está prestes a cair. Como ele ainda
estava de roupas, André arregalou os olhos e estendeu a mão para ajudar a segurá-lo,
mas de novo a pizza pesou, e o que aconteceu foi os dois caindo na piscina, com roupa e
tudo.
André emergiu tossindo, engasgado.

“Droga. Eu já estou gripado!” Reclamou e fungou, enquanto o outro ria, dessa vez mais
ainda. Sascha latia desesperado, correndo de um lado para o outro na borda da piscina,
até o momento em que se distraiu com o próprio rabo, e começou a correr atrás dele.

“Isso é bom, mais gripado não tem como ficar.” Fabrício finalmente conseguiu parar de
rir. “A água até que ‘tá quente, parece piscina térmica.” Disse, começando a tirar as
roupas.

“O que ‘tá fazendo?” André perguntou, achando que, sim, a água estava bem quente, e
esquentando.

“Agora que caímos, vamos aproveitar, né?” Fabrício se livrou de tudo, ficando apenas
de cueca. “Vamos lá, ou tu quer que eu tire tuas roupas por ti?” Sugeriu, ondulando as
sobrancelhas negras.

“É claro que não!” André acabou por tirar as roupas também. “Sascha, nem pense em
pular.” Avisou para o labrador, que havia parado e tentava aproximar o focinho da água.
Sascha latiu e se sentou na borda com as perninhas esticadas, olhando-os triste por ser
deixado de fora da brincadeira.

“Então...” Fabrício nadou ao redor do loiro apenas de cueca, fazendo este girar tentando
manter o contato visual. Não era seguro perder Fabrício de vista, nunca se sabia quando
ele iria aprontar. “Tu tem uma quase namorada?”

“O quê? Quem?” André perguntou, confuso.

“A garoto que tu mencionou: Natália.” O lembrou. “Como tu explicou para ela esse
chupão?”

“Ela é mais amiga do que namorada... Não temos algo fixo.” André explicou, não
gostando da maneira como Fabrício o rondava. Só faltava a barbatana, e ele seria o
perfeito tubarão. Dentes afiados ele tinha, André havia comprovado com aquele chupão
que mais parecera um ataque vampírico. “Eu disse que uma guria me agarrou na festa e
me deu de brinde esse chupão.”

“Uma guria?” Fabrício não pareceu satisfeito, parando bem em frente ao loiro.

“Não ia dizer que foi um guri...”

“Tu gosta dela?” Fabrício perguntou num rompante, curioso de repente. Foi se
aproximando mais, até que André sentiu as costas baterem na borda da piscina na
tentativa de manter aquela distância segura e saudável.

“Gosto, claro.” André disse. Não a teria como amiga e ainda a levaria pra cama vez ou
outra se não gostasse, não é? Mas os dois haviam decido que não dariam certo como
namorados.
Fabrício soltou um ‘Hm’ que nada dizia, e se afastou, deixando o silêncio reinar entre os
dois por alguns minutos. Até que André acabou falando também:

“A Gabi... Ela falou algo sobre uma ex-namorada tua, por quem tu ainda era apaixonado
ano passado...” André comentou, como quem não quer nada. Também não queria se
meter tanto na vida do outro, não sabia se já possuía essa ‘liberdade’. Mas Fabrício não
pareceu se importar, ao apoiar-se à borda da piscina também, colocando os cotovelos
para fora da água.

“Ela falou, é?” Riu. “Eu namorei a Thaís por muito tempo. Ano passado ainda estava
aprendendo a ser solteiro. Sendo sincero, prefiro namorar a só sair ficando... Meio
idiota, né?” Voltou a olhar para o céu, já vendo algumas estrelas por ali, ainda que não
estivesse inteiramente escuro. “É verdade que pareço meio galinha, já fiquei com uma
guria em cada festa que fui, mas nada foi realmente emocionante. Nem procurei a Luana
de novo, sei lá... Mas quanto à Thaís, o nosso namoro já estava na base do comodismo,
brigávamos muito. Às vezes sinto falta do namoro, da cumplicidade, sabe? Mas é só
isso.”

“Não sei não. Nunca namorei.” André deu de ombros, e deu um jeito de afogar a
sensação agradável de escutar do outro que ele não amava mais a ex-namorada. Só é
bom saber que ele não está mais sofrendo por alguém. Pensou, resoluto.

Fabrício virou-se surpreso para ele.

“Nunca?” Perguntou. “Bah, às vezes eu sinto que cresci namorando.” Riu, e abriu um
sorriso maroto. “Mas faz sentido, que guria que aguentaria teu mau-humor por tanto
tempo? Quando ela entrasse na TPM, vocês se matariam até a morte.”

André riu. Matariam até a morte. Só Fabrício para falar algo assim.

“Vá se fuder.” O loiro esguichou água no rosto do outro, que ria também. Daí para uma
guerra de água, foi questão de segundos. Ficaram na baderna até quase a exaustão, na
tentativa também de afogar um ao outro, fugir, atacar, molhar. Até o momento em que
Fabrício abraçou André, restringindo-lhe o movimento dos braços. Os corpos desnudos
roçaram sob a água, e ambos se encararam ofegantes, rindo, até que a percepção da
posição os fizesse ficar sérios pouco a pouco.

Fabrício olhou para o rosto do loiro, afogueado pelo esforço, os lábios rosados
entreabertos, o sorriso que ainda brincava na face, mas se apagava pouco a pouco ao
notar seus olhos observadores. André era bonito, foi o que pensou, e o corpo delgado e
quente – provavelmente ele estava mesmo com febre – se encaixava perfeitamente ao
seu.

Fabrício acabou por levar um choque. Eu estou pensando em beijá-lo. Percebeu,


piscando abobadamente e acabando por soltá-lo.

André se afastou, ainda recuperando o fôlego. Fabrício o observou nadar até a borda e
dar mais uns afagos em Sascha, que estava enlouquecido com aquela bagunça, querendo
alguma atenção.
“Vai ter um aniversário nesse sábado. Queria que tu fosse também.” Disse ao loiro, que
evitava encará-lo, concentrado em Sascha.

“Tudo bem...” André murmurou, sem pensar muito.

“Ok...” Fabrício precisava mesmo conversar com o tio.

Diogo era homossexual, e o moreno viu-se com vontade de contar a ele que havia
sentido vontade de beijar um guri. E um guri homofóbico.

Ora, se isso não é problemático. Sorriu, porque sorrir era sempre o melhor remédio.

Notas finais do capítulo


Obrigada a todos que comentam! Capítulo grandinho, para compensar a espera! Beijão,
amores! ♥Ando a fim de escrever um cap. com o Davi. O que acham? xD

(Cap. 11) Bela Adormecida


Notas do capítulo
Agradeço à Guima pela recomendação surpreendente, fiquei tão feliz. Amada ♥
.
Dedico esse capítulo à Zumbi da Vingança, que está de aniversário por esses dias! Feliz
aniversário, flor! *-*
.
Música do capítulo: http://letras.mus.br/engenheiros-do-hawaii/12888/

A aula de MASC naquele dia era para toda a turma, e uma professora convidada viera
falar sobre pacientes adolescentes - o que era comum da fase, o que não era,
complicações recorrentes desse período da vida. A aula era numa das salas da FAMED
e havia começado às 08h30min; agora já eram 09h15min e havia apenas mais quinze
minutos de aula.

Foi quando Fabrício entrou na sala segurando um sanduíche de três pães, enorme,
enquanto dava uma boa mordida nele. Só pela maneira charlatona de ele entrar na sala
de aula, totalmente atrasado e descarado, e ainda soltando um ‘E aí professora, cumé
que vai?’, já arrancou risadas dos colegas. André, sentado junto a Gabriela, Rafael e
Fran, girou os olhos, não acreditando naquilo.

“Quem é tu?” Perguntou a professora. Para sorte de Fabrício, era uma professora
também descolada, que passara a aula inteira fazendo piadinhas sobre adolescentes.

“Sou o Fabrício!” Fabrício disse, sorrindo e sentando-se numa das cadeiras à parede. A
sala tinha inúmeras fileiras de cadeiras, mas deixava um espaço entre elas e a parede,
para que as pessoas pudessem circular e o professor chegar ao fundo da sala, onde
ficava a mesa, computador, projeção e quadro.
“Então tu é o Fabrício!” A professora exclamou, quase numa acusação. Fabrício soltou
um “han?” e olhou para os colegas, ondulando as sobrancelhas como que pedindo que
alguém lhe explicasse aquilo.

“A gente ‘tava falando no início da aula que é tu que sempre passa os slides.” Explicou
a garota que estava sentada próxima à mesa da sala, justamente fazendo esse ‘serviço’.

“Ah! Sim, bah, sou eu sim! Desculpa aí, professora.” Fabrício falou e sorriu para a
turma, divertido. Havia algo no sorriso do moreno que fazia os outros rirem. Seu sorriso
tinha algo de retardado, para falar a verdade. André balançou a cabeça, não aguentando
não sorrir. Ainda mais quando Fabrício deu uma mordida maior que a boca no
sanduíche e ainda deixou uns pedaços da salada caírem.

“Fabrício.” A professora chamou, e atraiu a atenção do garoto que tentava recolher o


que caíra no chão, com as bochechas estufadas pela comida. A turma já gargalhava.
“Quantos anos tu tem, Fabrício?”

“Huum. Huuum.” Fabrício mastigou para conseguir responder. “Tenho 19, professora.”
Falou e virou o rosto para a turma, rindo.

“Então ‘tá na fase ainda.” A professora disse. “Levanta e caminha um pouco pra gente,
Fabrício.”

“O quê? Agora? Ãhn?” Fabrício perguntou, perdido. Mas com incentivo dos colegas,
acabou levantando e caminhando pela sala, sorrindo daquela forma pateta para os
colegas, que soltaram mais risadas.

“Não falei para vocês?” A professora perguntou, quando o moreno sentou. Ela imitou
por um segundo o que parecia um orangotango caminhando – algo que fizera antes para
ilustrar a maneira como os adolescentes rapazes caminhavam. A turma explodiu em
risadas, já que se assemelhava bastante com a forma com que Fabrício andava.

“Que cancha essa professora, hãn gurizada?” Fabrício exclamou, também rindo. André
suspeitava que ‘cancha’ havia sido uma expressão que o próprio Fabrício criara.

“Me diz, Fabrício, tu faz o que fora da medicina?” Ela perguntou, já que antes
comentara algo sobre os alunos da medicina terem de cuidar para não deixar de ter uma
vida social devido aos estudos. Fabrício deu mais uma mordida no sanduíche enquanto
pensava, e passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os.

“Bah! Além da medicina...” Parou e pareceu em meio a uma dúvida cruel. “Que eu faço
além da medicina, hein, gurizada?” Perguntou olhando pros colegas, que riram com
aquele ar de ‘e como eu vou saber?!’.

“Vai muito em festa?” A professora quis saber.

“Às vezes, às vezes.”

“Bebe muito álcool?”


“Ah, social, né, na medida.” Explicou, rindo e piscando pros colegas de novo, e
arrancando mais risadas. André já estava tapando o rosto com a mão para esconder os
risos.

“E outras substâncias...?” A professora inquiriu, com um ar sugestivo, já que antes


havia falado sobre abuso de drogas na adolescência. Fabrício riu, indicando a professora
com a cabeça com um ar de ‘essa daí não deixa escapar nada!’.

“Ah, o pessoal aqui sabe que eu tomo uns produtos!” Falou, rindo mais. A turma
explodiu em risadas com a piadinha interna. Naquelas semanas de aula, Fabrício falava
aos quatro ventos dos produtos que havia começado a tomar, para a academia, coisas
como Whey e supercalóricos para moldar a musculatura.

A professora fez uma careta fingindo espanto, provavelmente entendendo que se tratava
de alguma brincadeira.

“A professora deve estar achando que eu sou louco, né, gurizada?” Fabrício perguntou
pra turma. “Mas vocês sabem que eu não sou louco, né?”

A turma riu e alguns soltaram uns ‘nããão, imagina!’, bastante irônicos.

“E esse sanduíche, é teu almoço, Fabrício?” A professora ainda perguntou, já que o


moreno havia voltado a encher a boca com ele.

“É, é sim. Não, na verdade não. Mais ou menos. Mas aquele RU, sabe como é né, até
com AIDS a gente sai de lá.” Disse, meio de boca cheia.

“Hoje o RU vai ‘tá fechado, Fafá.” Gabi falou alto para o amigo escutar.

“Ah, é? Pow, que bom. Legal.” Disse, aéreo, mas ficou em dúvida de novo. “Ou não?”
Todos voltaram a rir.

“E tu sente que tem algo que acontece de estranho contigo, Fabrício, algo diferente?” A
professora ainda perguntou, dando um rápido sorriso cúmplice para os estudantes.

“Ah, acho que não... Não.” Fabrício ponderou por uns segundos, mas então algo lhe
veio súbito à mente. “Ah! Tem algo! Tem vezes que estou falando com alguém, assim,
só eu e a pessoa, e de repente esqueço do que ‘tava falando com ela!” Disse, como que
impressionado com o que lhe acontecia. “Hein? Não é assim com vocês, gurizada?”
Perguntou pra turma, não aguentando e rindo com eles de si próprio.

"E na morte? Tu pensa na morte, Fabrício?" Ela ainda perguntou, já que antes também
comentara sobre o tópico, em relação aos adolescentes.

"Morte? Morte como?" Fabrício perguntou. "Assim, acho que todo mundo já pensou em
morte, né?"

"Já pensou na morte dos teus professores?" A professora não deixou barato. Fabrício
soltou "Ah!" meio de quem queria escapar do assunto, e coçou a nuca.
"De nenhum em específico não, né? Só assim, no geral..." Comentou, sorrindo
largamente inocente, e fazendo os outros gargalharem outra vez.

A professora, de bom-humor, decidiu finalizar a aula.

“Bem, nós acabamos de ter uma demonstração em primeira mão de alguém que ainda
vai demorar uns anos para sair da adolescência!” Brincou, atirada, se despedindo
enquanto a turma ria pelos cotovelos.

Alguns colegas se levantaram e foram dar uns tapinhas no ombro de Fafá, afirmando
que ele era mesmo uma figura.

“Malandra essa professora, hein? Mas vocês devem tudo achar que eu sou louco, né?
Que gurizada medonha.” Fabrício disse, com um ar expansivo, mas até mesmo um
pouco preocupado, que o deixava ainda mais engraçado.

“Ai, Fafá, só tu mesmo. Vamos, a gente tem que ir no hospital que temos monitoria de
bioquímica.” Gabriela falou ao se aproximar. “Trouxe jaleco?”

“Trouxe, trouxe.” Disse, saindo com os amigos para fora da sala, todos contentes
porque ela havia acabado mais cedo, já que geralmente aquela aula ia até as dez e meia.
Isso quando não começassem a, em grupos de três, irem a postos de saúde uma vez a
quinze dias. Fabrício havia ficado elétrico quando viu que ele e André iriam ao mesmo
posto, no mesmo dia. André já ficava preocupado com a possibilidade de o médico do
posto expulsá-los por culpa do moreno.

“Por que chegou atrasado?” André quis saber. “Isso é raro vindo de ti, está sempre na
primeira fila copiando tudo.”

“Ah, meu despertador não tocou. Vocês vão tirar sangue hoje pro trote solidário?”
Perguntou, mudando completamente de assunto, algo que acontecia com frequência, já
que, como ele mesmo havia admitido, frequentemente se perdia em meio a algum
assunto.

“Podemos fazer isso depois da monitoria, vai sobrar tempo, e nem temos aula hoje de
tarde! Eu vou amanhã ficar nos supermercados. Vocês pegaram para hoje?” Gabriela
perguntou.

“Eu peguei para hoje. Aí não tenho que vir até aqui amanhã só para isso.” Fran falou, já
que morava em outra cidade. O trote solidário envolvia doações de sangue, e meio
período em frente a supermercados espalhados pela cidade, tentando recolher doações
de alimentos que seriam entregues a instituições carentes. “Estou no supermercado da
Ipiranga.”

“Estou no Nacional daqui da Oswaldo.” André falou. “Mas parece que vai ser só eu e a
Vitória lá, porque tem uns que decidiram não participar.” Comentou. Achava errado não
participarem, ainda que fosse chato, era mais válido do que o trote sujo de antes, do qual
apenas uns dois ou três se negaram a participar.
“Eu vou contigo então! Eu esqueci de colocar meu nome e me escalar. Mas quero
participar.” Fabrício falou. “E tu, Rafa?”

“Vou com a Fran no Ipiranga. ‘Tô na mesma situação e amanhã vou para Bento visitar
meus pais.” Colocou as mãos no bolso e seguiu em silêncio, como era seu costume.

Chegaram ao hospital ao lado da FAMED e encontraram o monitor na entrada. Subiram


então ao terceiro andar, onde havia uns sofás para descanso, e discutiram um pouco do
caso. Ainda havia mais dois colegas no grupo, e decidiram que quem iria entrevistar o
paciente seria um deles, uma garota chamada Marianne que decidiu arriscar ser a
primeira a fazer aquilo.

O paciente era um senhor diabético que estava internado. Tinham de recolher a história
dele, da doença, histórico familiar, hábitos de vida, enfim, tudo, para apresentação e
discussão do caso em sala de aula. E aquilo durou mais do que poderiam imaginar.

O monitor os apresentou ao paciente, indicando-os como alunos da medicina que


queriam lhe fazer algumas perguntas. O senhor não viu problema; era bastante
simpático, mas meio surdo, e começou a contar todas as histórias de vida que nada
tinham a ver com a doença. Tagarelava ininterruptamente, com uma voz baixa e
engrolada difícil de entender, e houve um momento em que André acotovelou de leve
Fabrício para que ele parasse de dormir em pé.

“Que mancada.” Ele sussurrou para o loiro, que girou os olhos. A salvação veio quando
a irmã do paciente apareceu e começou a responder as perguntas de forma objetiva.
Algo que deveria ter durado meia hora, durou uma hora e meia! Mas todos saíram dali
felizes por, pela primeira vez, terem entrevistado um paciente.

Quando saíram pro corredor da ala de internação, Fabrício comentou:

“Essas coisas de que alguns pacientes contam até quantos fios de cabelo tinham em cada
ano da vida é mesmo verdade.” Riu e pegou da mão do André o copo de plástico com
água, que o loiro havia se servido numa maquininha dali.

“Ai, Fabrício, por que não pega um copo só pra ti?” Fran fez uma careta. Era uma
garota cheia das frescuras com bactérias e sujeira, sempre surtava no RU e acabava
comendo quase nada, mas era até justificável.

“Ah, não dá nada! A gente divide a mesma herpes.” Fabrício não deu importância e
jogou o copo no lixo. Gabriela caiu na gargalhada, e André ergueu uma sobrancelha.

“O que exatamente tu quer dizer com isso?” Perguntou. Fabrício colocou um braço
pelos ombros do loiro e o olhou.

“Que são poucos que existem. Mas que tu é um deles!”

“Ih, lá vem...” Rafael murmurou, arrancando uma risadinha da Fran.

“Um deles o quê?” André perguntou, exasperado.


“Um dos homens lindos!” Fabrício exclamou alegremente, com um ar de brincadeira e
deboche.

“Ih, sai pra lá!” André se desvencilhou do moreno, enquanto os outros riam da cena.

“O Fafá andou tomando os produtos dele hoje.” Gabriela explicou como se fosse lógico.

“Certo, pessoal, vamos voltar para o terceiro andar para discutir um pouco do caso?” O
monitor apareceu e perguntou, e todos concordaram.

Eles voltaram e discutiram, já para saber o que iriam falar em aula, discorrendo sobre os
hábitos do paciente que o levaram a desenvolver o diabetes, e os sintomas que ele
apresentava.

Fabrício se acomodou no sofá, olhando para André quando ele começou a falar num
momento, parecendo lembrar-se com exatidão das explicações do professor em aula,
que fechavam com o que haviam visto. E ele deve lembrar mesmo, Fabrício recordou
que ele tinha uma memória absurda.

O pensamento que não conseguiu evitar era que o loiro ficava bonito de jaleco,
parecendo-se já com um médico falando sobre seu paciente. Deus, não! Não me diga
que eu tenho fetiche com médicos!

Ainda era bastante estranho sempre que se lembrava da vontade que sentira de beijar o
loiro há quatro dias, na piscina. Já era sexta e durante a semana a irritação de André
parecia ter diminuído. Aliás, desde os momentos dos dois na piscina ela já diminuíra.
Fabrício sentia uma fisgada nas estranhas quando lembrava daquilo, e do chupão que
dera no pescoço do loiro. O vergão já havia sumido, mas demorara bastante, talvez bem
de perto ainda desse para ver um leve tom amarelado na pele clara do outro.

Será que tenho fetiches por pescoços também? Vinha também olhando bastante para o
pescoço de André, o que era um tanto bizarro. Aliás, por sorte, aquela vontade de beijar
André não aparecera de novo, o que o fazia pensar se não havia sido apenas ‘coisa de
momento’. Mesmo assim, iria esperar para ver. Não achava, de qualquer forma, que
viria a ter algo com o loiro, André era bastante hétero, mesmo quando ficava vermelho
por uma bobagem ou outra. Sua dúvida maior era consigo mesmo, fora uma surpresa
querer beijar outro homem; afinal, fora a primeira vez.

XxX

“Odeio agulhas.” André admitiu em um sussurro para Fabrício. Haviam ido ao banco de
sangue do hospital de clínicas. Por algum motivo ficaram para trás: os outros deram
sorte e foram atendidos primeiro. Gabi não pudera doar por estar menstruada e
ligeiramente anêmica devido a isso, e já tinha ido embora.

Agora os dois esperavam sentados num pequeno corredor, depois de terem dado nome,
respondido a um questionário e verificado se estavam ou não anêmicos. Aptos a doar,
bastava esperar, mas André podia ver do pequeno corredor parte da sala onde alguns já
tiravam sangue, deitados com o braço esticado, agulha no braço e a bolsa enchendo aos
poucos. Sentira um arrepio ao ver a residente enfiar a agulha em um colega que estava
em seu campo de visão.

“Não gosta de agulhas, mas quer ser médico?” Fabrício perguntou, debochado,
cutucando o abdômen do loiro sentado ao seu lado. André abriu uma careta.

“Não gosto delas me picando. Nos outros não é o real problema.” Explicou, nervoso,
mordiscando o lábio.

“Mas é só uma picadinha de nada! Nem dói.”

“Eu sei que não dói!” André resmungou. “Mas não é algo racional. Quando eu era
menor, na primeira vez que fui tirar sangue, uma mulher sem experiência tentou
encontrar minha veia, mas ela errou e, no lugar de tirar e tentar no outro braço, começou
a chafurdar a agulha dentro do meu braço. Doeu pra caramba! E ela ainda fez a mesma
merda no outro braço. Só quando eu comecei a chorar é que ela chamou algum médico
experiente, aquela doente. Fiquei com os dois braços inchados sem poder dobrá-los por
um dia inteiro. Desde então tenho horror a tirar sangue. Vacina, essas coisas, nem me
importo, mas tirar sangue... Sempre acho que vai doer como daquela vez.” Cochichou
tudo, com o corpo inclinado para perto do moreno para que apenas ele lhe escutasse, e
apertava a mão no apoio da cadeira.

“Calma.” Fabrício disse e colocou a mão sobre a do loiro, sem pensar. Fez um carinho
nela que tentava transmitir conforto. “Não vai doer, tu vai ver. Aliás, acho incrível que
tu venha doar sangue mesmo tendo esse problema.”

“E-Eu sei.” André puxou a mão, recolhendo-a. Aquele toque carinhoso o deixara com
uma agitação no peito. “Sou mesmo muito benevolente.”

“E modesto.” Fabrício retrucou, desviando o olhar. Suas bochechas pareceram um tanto


quentes ao perceber a maneira com que havia tocado a mão do loiro. Não é nada
demais, era só um mísero toque em amigos, oras. Não acredito que estou me
preocupando com isso. Pensou, mas acabou sorrindo de canto, consigo mesmo.

“Se eu desmaiar,” André começou, e Fabrício não soube se ele falava a sério ou não.
“Tu vai ter que dar um jeito de me levar até em casa.” Exigiu, e depois levou a mão à
testa. “Acho que estou ficando meio tonto...”

“Tu nem tirou sangue ainda, coisa dramática!” Fabrício riu e empurrou a cabeça do
loiro, aproveitando para bagunçar os cabelos alheios. André o afastou como se
enxotasse um cachorro inconveniente, e isso fez Fabrício lembrar-se de perguntar: “E
como está o Sascha?”

“Ainda está vivo. É um belo progresso, já que consegui impedir minha mãe de virar
uma assassina de filhotes. Ela não para de reclamar da quantidade de pelos que o bicho
solta.” Lamentou, o que o ajudou a se distrair da ansiedade. “Ele come como um boi e
descobriu que adora roer meus tênis, mas... Eu gosto dele.” Admitiu, relutante, com um
suspiro. Fabrício sorriu. Mesmo que tentasse disfarçar, André era mesmo uma manteiga
derretida com o cãozinho.
“Tu mais do que gosta dele, Santa. É como no meu caso, tu me adora, mas não admite.”
Fabrício se vangloriou, estufando o peito e sorrindo afetado quando André lhe lançou
um olhar descrente com uma sobrancelha arqueada.

“Eu me perguntava se teria de comprar uma mordaça para quando o Sascha crescesse,
mas pra que esperar, não é? Posso já usar uma em ti.” André rebateu, com a língua
afiada. Fabrício deixou o queixo cair e ainda tentou atacá-lo, como faria um cachorro
brabo, mas bem naquele segundo André foi chamado, e ele se levantou rápido, fugindo
do que quer que Fabrício pensasse em aprontar.

André parou no meio do caminho até a sala.

“Se eu morrer-“

“Vai logo, dramático!” Fabrício sorriu. André mostrou-lhe a língua junto com uma
careta e então foi. O moreno se acomodou na cadeira, com um sorriso idiota, e se
espichou um pouco. Logo mais algumas pessoas também entraram no corredor de
espera. Mais alguns minutos, e ele foi chamado.

Foi até a sala e arregalou os olhos ao ver André deitado com os olhos fechados.

“Ele está bem?” Perguntou a uma das residentes. “Ele desmaiou?”

“Ah, sim. Isso pode acontecer. Ele desmaiou pelo nervosismo, que baixou a pressão
dele. Mas isso não é problema pois não foi por perda de sangue, logo vai acordar.” Ela
explicou, com um sorriso. “Não precisa se preocupar.”

Fabrício não acreditou que André havia mesmo desmaiado. Iria tirar com ele pelo resto
da vida – isso se não acabasse levando uns sopapos quando o loiro perdesse a paciência.
Era estranho, mas achava divertida a maneira rabugenta do outro, porque parecia dar
mais significado aos momentos em que ele sorria, ou brincava e era mais espontâneo. Já
desde quando eram crianças gostava disso.

Depois de beber um suco que uma médica recomendou, deitou-se numa das macas e
não teve problemas com a agulha. André estava na maca ao lado, e Fabrício virou a
cabeça e ficou observando-o enquanto os 500 ml de sangue da doação se esvaíam de seu
corpo.

Naquele dia, ele e André supostamente teriam de evitar exercícios físicos, mas isso seria
impossível. O Intermed era em duas semanas, e eles estavam no time de futebol e vôlei.
Ambos jogavam tão bem que acabaram sendo aceitos como titulares no futebol. No
vôlei, Fabrício ficara na reserva, mas André pegara titular também, e ainda estava
servindo de técnico para o time feminino, já que treinara vôlei por tantos anos.

Não perguntei a ele se iremos dividir a mesma barraca. Fabrício se lembrou. Ah, o
melhor é só dizer que vamos, e ponto final. Não tinha barraca, algo necessário no
Intermed, e o loiro, rico como era, certamente tinha alguma bem confortável e espaçosa.

Suspirou, voltando o olhar para o teto e, como sempre acontecia quando se distraía,
independentemente de onde estivesse, começou a cantarolar baixinho.
Pra ser sincero
Não espero de você
Mais do que educação
Beijo sem paixão
Crime sem castigo
Aperto de mãos
Apenas bons amigos...

Pra ser sincero


Não espero que você
Minta!
Não se sinta capaz
De enganar
Quem não engana
A si mesmo...

Nós dois temos


Os mesmos defeitos
Sabemos tudo
A nosso respeito
Somos suspeitos
De um crime perfeito
Mas crimes perfeitos
Não deixam suspeitos...

“Hei, tu sempre fica com esse ar de cantor bobo da corte quando tira sangue?”

Fabrício piscou, saindo de seus devaneios, e viu que André acordara.

“E tu sempre desmaia como uma garotinha quando está nervoso?” Rebateu, sorrindo
buliçoso. André assoprou uns fios de cabelo que caíam sobre seus olhos.

“Vá pro inferno.” Disse. “E não conte a ninguém.” Acrescentou, um tanto preocupado.

“E eu lá tenho cara de fofoqueiro?” Fabrício se remexeu na maca, o que fez a residente


que estava perto pedir para que ele ficasse parado.

“Se quer mesmo a verdade...” André começou a dizer.

“Não. Seja um bom amigo e minta.” Fabrício o interrompeu. André soltou uma
risadinha e olhou para o teto, com uma expressão serena.

“Acho que tu é muito confiável. Sempre achei isso. Daquele tipo de pessoa que a gente
pode sempre contar quando precisar.” Falou, não tão alto. Fabrício ergueu as
sobrancelhas, impressionado.

“Ou tu está sob sérios efeitos da doação de sangue, ou está mentindo. Está mentindo?”
Quis saber, e lhe pareceu essencial saber se aquilo era mesmo verdade. Gostaria muito
que fosse, mesmo que não fosse nada de mais, realmente.
“Tu disse para eu ser um bom amigo. Agora, será que minha definição de amigo
também é mentir para agradar?” Sugeriu, com um ar maldoso. Fabrício quis atirar sua
bolsa de sangue na cara do loiro, mas acabou rindo de leve.

“Ordinário. Isso vai ter volta. Vou acabar contigo hoje no futebol.” Fabrício ameaçou,
causando um arrepio nos braços do loiro, que ignorou aquilo.

“Puuuts. Tem treino hoje, e eu achando que iria para casa descansar depois de passar a
tarde no supermercado.” André suspirou e voltou a fechar os olhos.

“E não se esqueça que amanhã tem o churrasco de aniversário do meu tio. E de noite
tem aquela festa para os bixos de todas as faculdades do Rio Grande do Sul, ou algo
assim, que nós temos entrada de graça.” Fabrício o lembrou.

“Ah, não tenho sossego.” André murmurou. Logo uma mulher veio e lhe liberou para
sair, pedindo para que fosse a outra salinha e comesse uns bolinhos e tomasse um suco
antes de ir embora.

Logo Fabrício também foi liberado e seguiu para a salinha, onde André tomava um suco
de caixinha, e ouvia sem muito interesse o que um garoto desconhecido, gordinho e de
óculos falava.

“Estou morto de fome.” Fabrício entrou dizendo, e capturou um dos bolinhos sobre a
mesa, metendo-o quase inteiro na boca. O rei da etiqueta, evidentemente.

“Espero que tu nunca faça uma coisa dessas na frente dos teus pacientes.” André fez
uma careta de nojo. Não era mesmo uma visão muito agradável, mas talvez fosse
comum nos tempos em que os homens moravam nas cavernas.

“Ainda vou demorar a ter pacientes. Só se tu quiser brincar de médico comigo um dia
desses e- Opa!“ Fabrício ia dizendo, debochado e de boca meio cheia, mas parou e, num
reflexo, se aproximou de André e o segurou pela cintura, impedindo o loiro de se
espatifar no chão.

“Ah...” André soltou, meio zonzo. “Acho que minha pressão caiu de novo.” Murmurou,
segurando-se inconscientemente a Fabrício. Depois de piscar algumas vezes, ergueu o
olhar para o moreno, e corou ao notar a situação em que se encontrava.

Fabrício se agitou, nervoso, percebendo que aquela sensação e vontade de provar da


maciez da boca do loiro voltara, pela segunda vez na semana. Detalhe que estava com a
boca cheia de bolo. Se essas vontades continuassem a aparecer de modo exponencial, as
coisas certamente ficariam complicadas. Fabrício não era dos melhores em reprimir seus
impulsos.

O pigarro vindo do gordinho que se empanturrava de bolinhos fez com que os dois se
afastassem um do outro, com ares constrangidos delineando suas face. Fabrício foi o
primeiro a dar de ombros e fingir que nada havia acontecido, apenas bebeu um suco e
perguntou se André ainda comeria mais.
“Não. Acho que vamos indo, então.” André sugeriu, dirigindo-se à saída. Fabrício o
seguiu.

“Calma lá, bela adormecida, anda perto de mim porque senão vai dar com os dentes no
chão se desmaiar de novo.” Disse divertido, e passou o braço pela cintura do loiro,
sorrindo inocente para ele.

“Bela adormecida? Vai se foder.” André tentou empurrá-lo.

“Ué? Não foi uma agulha que te fez desmaiar e dormir?” Fabrício riu e não o soltou. “E
olha a linguagem, ainda estamos dentro do hospital...”

Os dois saíram discutindo dali, pegando a Oswaldo Aranha para ir direto ao


supermercado onde passariam a tarde esmolando alimentos.

Notas finais do capítulo


MASC - MÉTODOS DE ABORDAGEM EM SAÚDE COMUNITÁRIA

Obrigada a todos que continuam aqui comigo, a despeito da minha dificuldade de


conseguir atualizar na frequência que eu gostaria! Eu me diverti muito com esse
capítulo, coloquei muitas situações que tem algum fundo de realidade. ^.^ Cap. é meio
filler, mas acho importante mostrar a dinâmica e crescimento da amizade deles... :D
Beijos, pessoas mais queridas desse mundo! ;*

(Cap. 12) Segredo de gênio


Notas do capítulo
É, poisé. A criatura reaparece meses depois na maior cara de pau *sorriso*
Eu infelizmente não tenho a história pronta ainda. Era minha ideia, escrevê-la inteira e
então postar. Mas estava falhando nisso de escrever sem postar, porque ando meio
desanimada, aí o jeito é postar e ver se com a ajuda de vocês, consigo seguir em frente!
:D
Espero que gostem, que não se decepcionem. Prometo que daqui pra frente vou postar,
no mínimo, um capítulo por semana, ou um capítulo a cada 15 dias (prevendo final de
semestre).
Obrigada a todos que mostraram saudades pela história, e desejo que eu continuasse
com ela!

Fabrício resolveu chegar cedo à casa do tio. Seria bom para conversar antes do
churrasco de aniversário, que seria ao meio dia e seguiria pelo resto da tarde com vários
amigos de Diogo e Henrique, companheiro de longa data do tio. Fabrício estava
animado, adorava esses encontros, sempre lhe rendiam boas risadas, sem contar que
conversar com aqueles dois era muito prazeroso. Diogo era um crianção (muito
parecido com o sobrinho, aliás), já Henrique era maduro e amável, e tinha uma
paciência invejável para aguentar as traquinagens do namorado.
Quando Diogo abriu a porta da casa, logo esboçou uma expressão de contente surpresa
e abriu os braços para Fabrício.

"Fafá, meu querido, quanto tempo! Eu acho que a última vez que te vi tu ainda não
alcançava os meus joelhos!"

"Tio, nós nos vimos faz umas duas semanas." Retrucou Fabrício, revirando os olhos,
mas sorrindo ao abraçar o tio.

"Ora, tenho certeza que sim." Diogo retrucou, dando tapinhas nas costas do sobrinho
junto com o abraço carinhoso. “Como está a faculdade?”

“Está ótima! Convidei uns amigos para virem para cá, falando nisso.” Fabrício já foi
avisando, algo que esquecera, até porque sabia que o tio não se importaria. Diogo era do
tipo ‘quanto mais gente pra festa, melhor!’, e carne não faltaria, porque ele também
adorava exagerar na comida, como o típico italiano que não era.

“Que belezura! A Gabizinha vem? Tu deveria convidar ela aqui pra casa mais vezes.
Bons tempos em que vocês namoravam, assim eu podia ver a guriazinha mais vezes.”
Diogo falou, animado. Gostava muito da Gabriela, até porque ela também apoiava suas
maluquices em todas as ocasiões. Pareciam dois parceiros no crime quando o assunto
era lembrar de todas as gafes de Fabrício. Obviamente que nesses momentos Henrique
ajudava, apontando junto com Fafá as gafes de Diogo, que não eram poucas, que fique
bem claro.

“Ela vem sim. Mas eu e ela nunca namoramos, tio. Tu sabe como é, a gente ‘tava só
ficando...” Fabrício o lembrou, pela trigésima vez. Mais algumas vezes e não
discordaria se o tio dissesse que haviam sido casados. Diogo agitou as mãos em descaso
enquanto atravessavam a sala e cozinha para chegar ao pátio parcialmente coberto, onde
estava a área de churrasqueira e mesa.

“Ah, ficar, ficar! Essas coisas de jovens aí mesmo. Não deixa de ser um namoro em que
é permitido trair. Muito espertinhos vocês, talvez eu proponha esse ficar pro Rique.”
Diogo sussurrou para Fabrício, parecendo um velho de setenta anos.

“Eu ouvi isso.” Henrique disse calmamente, antes mesmo que eles saíssem para o pátio.
Fafá às vezes tinha certeza que o seu outro ‘tio’ tinha uma audição supersônica, o que
devia ser bem chato. Imagina escutar até os puns do vizinho? Fabrício já havia
seriamente exposto essa dúvida com Henrique, mas só recebera uma gargalhada
prolongada como resposta.

“E o que tu não houve?” Diogo rebateu, quando chegaram ao pátio, e foi xeretar a
maneira como o namorado preparava o carvão e madeira na churrasqueira.

“Devia agradecer que aprendi a não ‘ouvir’ teus roncos à noite.” Henrique alfinetou
agradavelmente, e se virou para Fabrício. “Olá, Fabrício. Que bom que pôde vir! Eu
estava justamente comentando com teu tio que as coisas devem começar a apertar agora
com a faculdade. Mas não deixe de nos visitar, se não quiser que o Diogo apareça para
pernoitar no teu apartamento numa noite dessas.”
Fabrício se acomodou na mesa e abriu a mochila, de onde surgiu uma pequena cabeça
branca e peluda, com olhos bastante antipáticos e desconfiados. Soltou uma risada ao
acariciar a cabeça de Cherry, que miou olhando feio para Diogo.

“Eu vou continuar vindo. Por enquanto ainda está tranquilo, mas mesmo quando apertar
não vou sumir, não se preocupem.” Falou, e notou os pelos arrepiados de Cherry
enquanto ela rosnava para Diogo. Cherry era tão antipática que Fafá não sabia como ela
o havia aceitado como dono.

“Eu não ronco à noite.” Diogo não deixou o outro assunto morrer. “Eu sou inrroncável!
O que tu acha, Fabrício?” Virou para o sobrinho enquanto Henrique balançava a cabeça
para o comentário bobo do namorado, junto com um ‘até parece’ sussurrado. “E
controle essa gata, ela está me encarando com cara de quem quer arrancar minha
tireoide.”

“Não mesmo.” Fabrício abraçou Cherry, com um bico de discordância. “Cherry não
machucaria uma formiga. E eu vou saber se tu ronca? Eu quando ronco acordo
babando.” Fabrício ponderou, sem nenhum ponto em especial.

“Tu e teu tio são parecidos nisso.” Henrique comentou distraidamente, preparando os
espetos e pegando o sal para salgar a carne.

“Blasfêmia!” Diogo rugiu, assustando até mesmo Cherry, que soltou um chiado de
desgosto.

Diego era um homem grande, com seus 1,91m de altura. O corpo, forte e musculoso
sem parecer-se com um ogro desajeitado. Ele tinha praticamente todo o braço esquerdo,
junto com parte do tórax, tatuado com desenhos pretos tribais, e geralmente usava uma
braba preta curta. Gabi costumava dizer que ele era daqueles velhos bonitões. E por
velho, entenda alguém de 35 anos. Gabi provavelmente entraria numa grande crise
quando chegasse aos trinta, e Fafá certamente estaria lá para chamá-la de vovó.

“E não quero saber, coloque essa gata na coleira, jogue no rio, use pro churrasco, só não
a deixe solta por aí. Não quero nenhum dos meus amigos mortos, por favor.” Diogo
falou e deu um pulo quando Cherry, na ponta da mesa, rosnou e moveu a pata na
direção do tio de Fabrício.

Fabrício o ignorou.

“Sabe,” Começou, levantando-se da cadeira e indo lavar as mãos na pia, antes de tomar
para si a função de salgar a carne. Adorava fazer churrasco, aprendera com o pai desde
cedo. Sabia que o tio morria de preguiça e que, modéstia a parte, era um assador melhor
que Henrique. “Vocês estão juntos há uns quinze anos e eu nunca perguntei como foi.
Tipo, como foi pra vocês descobrirem que se gostavam... E se já sabiam que eram
gays.” Fabrício falou como quem não quer nada.

Os dois olharam para Fabrício, surpresos pela curiosidade repentina, já que o garoto
raramente se metia na vida pessoal dos outros, não sabiam se por respeito ou se por falta
de tino mesmo em perguntar esse tipo de coisa. Para Fabrício, sempre interessara mais o
fato de que o tio estava feliz junto com Henrique, não exatamente como eles haviam
chegado naquele patamar do relacionamento.

“Na verdade é uma história engraçada.” Diogo falou, coçando os cabelos negros
ondulados e curtos. “O Henrique foi um rapazinho difícil, é até estranho comparar o
antes dele, com o agora.”

Rapazinho difícil. Fabrício conhecia alguém bem parecido. Mas de fato, Henrique era
tão querido, paz e amor, que era quase impossível imaginá-lo como alguém complicado.

“Difícil como?” Fabrício se interessou e parou de salgar as carnes sobre a gamela por
um momento, para olhar melhor para Henrique. “Porque eu consigo imaginar
perfeitamente por que tu não iria querer namorar o meu tio, o que faria ele ter de insistir
bastante para conseguir te conquistar e- Hei!” Fabrício exclamou ao receber um tapa na
cabeça do tio. “Isso dói...” Choramingou, sem poder passar a mão sobre a área dolorida
por estar com as mãos engorduradas.

“Pois fique sabendo que justamente porque sou uma pessoa memorável, consegui
convencer esse ex-homofóbico que ele gosta é de levar na bunda.” Diogo estufou o
peito, colocando as mãos na cintura, como se imitasse a pose do superman em seus
piores dias.

“Diogo!” As bochechas de Henrique ruborizaram enquanto Fabrício engolia a


gargalhada que quis estourar da garganta.

“O quê? É a verdade.” Diogo deu de ombros.

Henrique ajeitou os óculos no nariz fino e comprido, levemente arrebitado. Todo seu
rosto era afilado, mas não o suficiente para ser estranho. Era um homem de uma beleza
refinada, estatura mediana e chamativos olhos verdes, assim como os incomuns cabelos
escuros, como seda negra, que alcançavam até o final das costas, quase sempre
amarrados em um rabo baixo.

“Mas como assim? Tu era homofóbico?! Que loucuragem é essa?” Fabrício perguntou,
abismado. Cada vez mais se lembrava de André, e todo aquele contexto o agitou,
deixando-o ainda mais curioso.

“Eu era.” Henrique se sentou à mesa e, milagrosamente, Cherry deixou-o passar a mão
em seu pelo branco. “Meu pai era muito conservador. Hoje em dia já é bem menos,
apesar de algumas restrições. Eu cresci com os conceitos errados, mas fui mudando
depois que conheci o teu tio.”

“Mas... Tu era um heterossexual homofóbico, e depois virou gay?” Fabrício perguntou,


perdido. Não entendia muito bem dessas coisas. Nunca tivera preconceitos,
simplesmente aceitava porque achava os argumentos contra gays, negros, o que quer
que fosse, infundados, sem nenhuma lógica. Mas também não era como se fosse um
conhecedor do mundo GLS, apesar de ter um tio homossexual.

“Não.” Henrique riu, abaixando um pouco a cabeça. “Eu no fundo sabia que era gay,
desde que entrei na adolescência, mas fui me enganando por vários anos, e quanto mais
eu queria negar para mim mesmo que era gay, por medo dos meus pais e de todo
preconceito, mais homofóbico me tornava. Isso é uma defesa inconsciente que as
pessoas podem ter para diferentes situações da vida, ela nos impede de ver
conscientemente aquilo que não aceitamos em nós – agimos da forma exatamente
contrária ao que realmente desejamos.” Explicou didaticamente.

Afinal, Henrique era psiquiatra e inclusive dava aulas na UFRGS. Fabrício teria aula
com ele no terceiro, talvez no quarto e também no sétimo semestre da faculdade. Era o
médico mais próximo que Fafá conhecia, já que ninguém mais da família era médico, e
fora uma influência positiva para que escolhesse essa carreira. Admirava muito o
companheiro do tio.

“E lá vem ele com o papo de psicólogo.” Diogo se intrometeu. “O que ele quis dizer
com isso, resumidamente falando, é: amor de pica é o que fica.”

Henrique tapou o rosto com aquilo e balançou a cabeça. Diogo sempre acabava
sexualizando tudo quando tinha a oportunidade. O que até fazia sentido dado o nível de
apetite sexual do grandão. Não que as perversões sexuais de Diogo fossem o foco
daquela conversa.

Fabrício pensava que o tio conseguia ser mais sem noção do que ele próprio.

“A questão é que o Diogo me ensinou a me aceitar, e eu sou muito grato a ele por isso.
Depois disso consegui conviver muito melhor comigo mesmo, meus ânimos se
tornaram melhores e eu me tornei uma pessoa muito mais mente aberta, de visões
menos restritas, o que me ajudou inclusive como profissional.” Henrique discorreu,
satisfeito. “E sobre como nos conhecemos... Foi num dos laboratórios de pesquisa. Eu
fiz pesquisa no laboratório de bioquímica da UFRGS por três anos, e teu tio sempre
estava por lá também. Tu deve ter tido aula com o Diogo, não? Era algo engraçado,
havia teu tio Diogo, e o professor Diogo, muitas vezes deu confusão com os nomes.”

“Ah, o Diogo... Esse aí é uma parada. Mande um abraço nosso para ele, e diga que seria
bom se marcássemos de ir tomar umas cervejas qualquer dia desses. Aquele lá adorava
uma ceva bem gelada! Vivia fazendo festas na casa dele nos finais de semana. Numa
dessas festas agarrei o Henrique de jeito e mostrei pra ele do que um gay com tesão é
capaz. No dia seguinte ele nem lembrava e -”

“Por Deus, pare de falar dessas coisas com o teu sobrinho.” Henrique voltou a ficar com
o rosto corado, o que era bastante engraçado num homem feito, confiante e maduro.
“Mas sim, foi bastante complicado. Eu não lembrava dessa noite, mas acabamos nos
beijando eventualmente mais tarde, no laboratório ainda por cima, e não havia desculpas
dessa vez, estávamos ambos bastante conscientes. Eu entrei em crise depois disso, era
difícil aceitar que eu havia... Tu sabe, com outro guri. Logo depois disso teu tio resolveu
largar a medicina e eu, com medo de nunca mais nos vermos, decidi me arriscar. A
partir daí começou um processo lento de aceitação. Teu tio foi bastante persistente e,
acredite se quiser, paciente, e cá estamos nós, quinze anos depois.”

“Uou...” Fabrício estava embasbacado com a história e, para surpresa dos outros dois,
ficou sem palavras, e era difícil Fabrício não replicar com alguma coisa, mesmo que
fosse alguma coisa idiota. Então é mesmo possível que um guri homofóbico e
supostamente hétero seja gay? Era o que o moreno se perguntava.

Não que ele esperasse que André também fosse assim. Aliás, ele não fazia ideia do que
esperava, e isso era o mais complicado. Fabrício geralmente não pensava muito, agia
como sentia vontade, por instinto, sem se preocupar muito, e era justamente por isso que
levava tudo tão numa boa. Mas dessa vez estava sendo mais difícil ser tão simplista,
pois era algo absolutamente novo e bastante confuso.

Os mais velhos notaram a expressão ausente e ponderativa de Fabrício, e se


entreolharam, talvez pensando a mesma coisa. Que aquela pergunta não havia sido tão
casual, e que algo acontecera para que Fabrício se interessasse no tópico. Diogo se
aproximou do sobrinho e passou um braço pelos ombros dele.

“O que foi, guri? Conta pro teu tio aqui o que te aflige, que teu velho dá um jeito de
resolver.” Disse, com um ar de paizão. Diogo era mesmo como um segundo pai para
Fabrício, e por isso o mais novo decidiu ser sincero, queria mesmo a ajuda dos dois,
ainda mais agora que sabia que eles haviam passado por uma situação semelhante.

Pegou um pano e limpou as mãos, virando-se para os dois que o encararam


compreensivos, dando-lhe espaço para falar o que bem entendesse, se quisesse. Fabrício
pigarreou, meio nervoso.

“Tenho andado com vontade de beijar um amigo meu.” Falou, abrindo um sorriso
entortado que mais parecia uma careta culpada. “Loucura, né?”

Diogo imediatamente se engasgou com o chiclete que mascava, pego de surpreso, e


começou a tossir, tendo de receber uns tapinhas nas costas de Henrique, que continuara
bastante calmo após a revelação.

“Isso é tão estranho assim?” Fabrício perguntou, coçando o protótipo de barba que tinha
no maxilar. “É, não é? E é tão repentino, eu nunca achei que fosse achar a boca de um
guri tão atraente. É curioso...” Refletiu consigo mesmo, segurando então a mandíbula
com um ar pensativo. “E tem o pescoço dele também, e a bunda não é nada mal...”
Resmungou consigo mesmo.

Diogo conseguiu se recuperar da tosse após alguns segundos, e olhou para Fabrício, que
parecia estar resmungando uma lista de justificativas para se sentir atraído pelo tal
amigo.

“Desculpe.” Falou Diogo, um tanto sem ar. “Eu não estava esperando algo assim. Ou
até estava, mas esperava... Sei lá. Me conte isso direito, moleque. Quem é esse guri? E
pare de entrar em detalhes, mesmo que uma bunda bonita seja algo essencial numa
relação.” Diogo garantiu e aproveitou pra apertar a bunda do namorado, que o afastou
rapidamente com um tapa.

“Não preste atenção nas bobagens do teu tio. Pode nos contar mais sobre isso. Não há
nada de estranho, não se preocupe.” Henrique disse, calmo, dando confiança a Fabrício
depois da crise de tosse de Diogo.
“Tu deve lembrar dele, tio. É o André, que foi meu amigo de infância. Reencontrei ele
na faculdade! Ele está fazendo medicina também.” Fabrício contou, empolgando-se. Era
bobo, mas acabava se empolgando ao falar do loiro.

“O quê? Aquele André? O pivetezinho loiro que vivia grudado em ti por não sei quantos
anos antes de sumir?” Diogo perguntou, impressionado, e as engrenagens começaram a
trabalhar em grande velocidade em sua cabeça.

Lembrava-se muito bem de André e de como ele e Fabrício eram próximos. Aliás,
memórias antigas lhe vieram à mente, assim como a ideia que chegara a ter de que
Fabrício fosse gay também e descobriria isso quando chegasse à puberdade, época em
que começaria a namorar André. É, Diogo era dado a criar teorias e hipóteses para o
futuro.

Mas fora algo que não ocorrera. Depois que André foi embora, Fabrício não se
relacionou da mesma forma com ninguém, não teve mais nenhuma amizade tão próxima
e carinhosa com outro garoto, e Diogo logo se esqueceu daquelas ideias, achando que se
precipitara justamente porque, como dizia Henrique, acabava sexualizando tudo, até
uma amizade inocente entre dois pirralhos.

Ainda mais que mais tarde Fabrício começou a namorar uma garota e nunca mais deu
indícios de ter interesses homossexuais. Só que agora esses indícios apareciam, e
justamente pelo guri que Diogo acreditara que era a paixão infantil de Fabrício! Acabou
gargalhando daquilo, tendo de colocar a mão sobre a barriga para tentar se controlar.

Fabrício o encarou abismado.

“Eu sabia! Sou mesmo um gênio!” Diogo exclamou entre as risadas e deixou-se cair no
banco longo da mesa, mas levantando-se rápido ao ver que Cherry estava sobre a mesa,
bem próxima, esperando-o com as garrinhas de fora.

“Como assim?” Fabrício perguntou, perdido. Henrique entendeu aquilo, lembrando-se


das suposições que Diogo compartilhara consigo há uns dez anos atrás, algo já
praticamente esquecido pelos dois.

“Diogo percebeu quando vocês eram crianças... Que a amizade de vocês era
diferenciada. Aliás, há uma história que ele me contou... Como tu era muito criança, não
deve se lembrar, mas talvez se ouvi-la, o que está sentindo agora faça mais sentido pra
ti, e torne mais fácil lidar com essa situação.”

Fabrício ergueu as sobrancelhas, inclinando a cabeça um pouco para o lado, surpreso e


ainda mais confuso, pois jamais esperaria que alguém já houvesse feito suposições
sobre a possibilidade de ele ser homossexual.

...

Diogo estava passando um final de semana na casa da irmã mais velha no interior. Era
um homem da cidade grande, gostava da confusão, do barulho, mas era bom vir
descansar naquela paz e ver a irmã adorada, o cunhado amigo e o sobrinho, de quem
gostava muito também. O pirralho era uma peste adorável. Uma pena que Henrique
não pudesse vir também, tragado pelos estudos e trabalho. Namorar um rapaz que fazia
residência em psiquiatria dava nisso, ainda mais que ele estudava duro pra finalizar a
residência em Harvard.

Naquela noite, acordou sem sono e resolveu ir até a cozinha beber um copo de água.
Quando se dirigia para lá, notou a luz acesa no banheiro no final do corredor. Achou
que alguém a havia esquecido acesa, afinal, todos já haviam se recolhido há algum
tempo, e agora era próximo da meia noite. Mania de gente do interior de dormir cedo.

Porém quando chegou ao banheiro, começou a ouvir duas vozinhas de crianças. Logo
reconheceu a voz do sobrinho e do amigo que estava sempre com ele, que naquele dia
ganhara permissão para dormir ali. Aproximou-se sorrateiramente, não querendo
estragar qualquer traquinagem que eles estivessem fazendo. Crianças tinham o direito
de aprontar, afinal!

Parou na penumbra, espiando para dentro do banheiro e conseguindo ver os dois


parados em frente ao espelho de corpo inteiro que havia ali. André parecia mais pálido
do que o normal, enquanto Fabrício tinha um olhar divertido e maldoso no rosto.

“Faltam três minutos. Quando eu dizer já, tu fala Maria degolada três vezes!” Fabrício
sussurrou para André, parado um pouco atrás do loirinho. André pareceu estremecer
violentamente, encarando com os olhos arregalados aquele enorme espelho, como se
um monstro fosse sair dali a qualquer momento. E, bem, era essa a ideia.

“Vamos desistir disso, Fafá. Estou com medo...” André admitiu, fungando. Diogo
quase teve uma crise de fofura e uma vontade louca de ir lá dar colo pro pivetezinho.
Mas quem fez isso, ou quase isso, foi Fafá, abraçando André por trás, apertando os
bracinhos ao redor dos ombros do loiro.

“Não precisa ter medo. Estou aqui, não estou?” Disse, sorrindo pra imagem dos dois
no espelho. “Vou te proteger quando ela aparecer.”

“Não. Ela vai matar nós dois! Ela é mais forte que tu!” André tremeu de novo e tentou
se desvencilhar para, provavelmente, sair correndo, mas Fabrício o segurou com mais
força.

“Então eu chamo ela, tu só espere, vou mostrar que sou mais forte! Mesmo que ela
tenha um facão para cortar nossas gargantas!” Falou, querendo mesmo assustar, e
conseguindo, já que André se empurrou mais contra ele, erguendo as mãos para
apertar os antebraços do moreno.

“Não, Fafá... Espera. Não faz-“ André murmurou, desesperado, enquanto Fabrício
começava a contar os segundos no relógio, até chegar ao zero.

“Maria degolada. Maria degolada. Maria degolada!” Fabrício exclamou e


imediatamente gritou: “AAAAHHHHH, ELA ESTÁ AQUI!” E de alguma forma a luz
do banheiro apagou naquele exato instante.

O berro de André foi o mais alto que Diogo já ouviu na vida, seguido das risadas altas
de Fabrício.
“Liga a luz! Liga a luz!!!” André exigiu, e pouco depois os pais de Fabrício
apareceram no banheiro, atarantados e preocupados com aquele berreiro,
provavelmente achando que alguém estava tentando matar os pivetes.

Diogo também gargalhava.

“O que está acontecendo aqui?” Lucas perguntou, ligando a luz e encontrando um


André às lágrimas, agarrado com todas forças a Fabrício, que tentava segurar as
risadas enquanto acariciava os cabelos do loiro.

“Diogo, o que tu andou aprontando?!” Isadora logo acusou o irmão. Conhecia a


figura, e não duvidava que ele estivesse assustando as crianças.

“O quê!?” Diogo se ofendeu, erguendo as mãos para o alto. “Eu sou inocente! Esse
pivete do teu filho que inventou de assustar o amiguinho!”

Isadora lançou um olhar desconfiado ao irmão, mas então se voltou para os dois
meninos. Tentou se aproximar, tentando falar com André para acalmá-lo, penalizada
pelo choro assustado de André, mas Fabrício rechaçou a mãe.

“Não! Eu que vou cuidar dele.” Determinou, ficando sério.

Isadora e Lucas ergueram as sobrancelhas, vendo o filho levar André com ele para fora
dali, em direção ao quarto onde eles estavam dormindo. Lucas, sonolento, coçou os
olhos.

“Essas crianças...” Resmungou e voltou para o quarto, querendo cair na cama.

“Estou de olho em ti.” Isadora avisou o irmão, apontando dois dedos para os próprios
olhos e depois para Diogo, antes de seguir o marido.

Diogo colocou as mãos na cintura, não acreditando naquilo. Não fizera nada, e saía
como o culpado. Suspirou e aproveitou para liberar a bexiga. Depois que finalmente
pôde pegar seu copo d’água na cozinha, decidiu passar no quarto de Fabrício, notando
que uma luz fraca vinha ali de dentro.

Bateu de leve antes de entrar. Encontrou os meninos deitados juntos. André estava
deitado de lado, com o rosto escondido no travesseiro, enquanto Fabrício, deitado à
sua frente, acariciava seus cabelos. Parecia falar palavras calmantes para ele, o que
era bastante estranho num garoto de oito anos. Primeiro assustava, depois consolava
como um adulto maduro.

André parecia já estar entrando no mundo dos sonhos.

“O que foi, tio?” Fafá perguntou assim que Diogo entrou.

“Vim aqui perguntar como conseguiu que a luz se apagasse bem quando falou Maria
degolada três vezes.” Perguntou baixinho, com orgulho do sobrinho. Fabrício estufou o
peito antes de responder.
“Isso é segredo de gênio.” Disse, com a típica arrogância da criança que teve sucesso
numa arte, e estufou o peito de ar.

“Danado!” Diogo estava a ponto de arrancar a pele de curiosidade. Iria checar depois
o interruptor do banheiro. “Mas não achou que pegou pesado? O André até chorou...
Como ele está?” Perguntou, sentando-se na beirada da cama.

“Acho que dormiu.” Fabrício disse, passando o dedo pela bochecha do loiro. “Está
tudo bem, porque eu ‘tô aqui pra cuidar dele. Eu sempre vou cuidar dele, por isso só eu
posso assustar ele, se alguém fizer além de mim, bato no idiota.”

Diogo riu, olhando com doçura para os dois.

“Gosta tanto dele assim?” Perguntou, com certa ideia se formando em seu íntimo. Fafá
assentiu, solene. “Mas não vai poder cuidar sempre dele, afinal, um dia vocês vão
crescer, ele vai se casar, tu vai se casar... As pessoas acabam se separando um pouco.”
Disse, apenas para ver qual seria a resposta do sobrinho.

“Não mesmo!” Fafá balançou a cabeça em negativa e passou o braço pela cintura de
André, estreitando-o contra si. “André é meu. Vou me casar com ele, e não vou deixar
que a gente se separe.”

Diogo arregalou um pouco os olhos. Fafá parecia falar muito sério.

O mais velho passou a mão pelos cabelos negros do sobrinho, com um sorriso.

“Se tu diz. Eu estarei sempre aqui pra apoiar vocês dois.” Falou e se inclinou, beijando
a testa de Fabrício. “Boa noite, peste.”

“Boa noite, tio.” Falou Fafá, sem se importar de ser chamado de peste. Estava
acostumado.

Diogo apagou a luz do abajur do quarto e saiu, com um sorriso divertido no rosto, e
não conseguindo não imaginar aqueles dois namorando no futuro. Não via a hora de
contar sua suposição para Henrique!

...

Fabrício tapava a boca, com as bochechas formigando vermelhas, ao final do relato do


tio.

“Eu falei essas coisas?” Perguntou, envergonhado. Não se lembrava dessa noite. Na
verdade, agora que escutava a história, lembrava-se desse susto que dera em André,
adorava dar sustos no loiro, pois ele tinha medo de quase tudo. Mas não se lembrava da
conversa posterior com o tio.

“Falou. Vocês eram mesmo muito próximos mesmo, e bem, eu não pude deixar de
pensar que acabariam juntos... Eu pensava: que legal, sou gay, e vou poder dar
conselhos pro meu sobrinho, já que de mulher não sei nada e não posso ajudar! E agora
isso finalmente está acontecendo!” Diogo disse, emocionado, e foi abraçar o sobrinho.
Fabrício o abraçou por reflexo, os olhos arregalados.

Era mesmo gay? Bi, talvez?

“Mas nunca me senti atraído por algum guri antes.” Fafá disse, aturdido. “E eu me sinto
bastante atraído por gurias também. Como posso ser gay?”

Fabrício só estava confuso, mas como Diogo não era lá muito o rei da sensibilidade
achou que o sobrinho não conseguia se aceitar por preconceito, e se afastou, chateado.

“Quando ouço esse tipo de coisa, choro lágrimas de sangue, arranco os cabelos, arranho
as faces, rasgo minhas vestes e cubro-me de cinzas!” Exclamou dramaticamente e
sacudiu o afilhado pelos ombros, deixando Fafá zonzo. “Não te ensinei a não ser
preconceituoso? Qual o problema de ser gay?”

Fafá abriu e fechou a boca, agora confuso por também se perguntar se estaria sendo
preconceituoso ou não.

“Pelo amor de Deus, deixe o guri respirar, Diogo.” Henrique se aproximou e puxou
Diogo pelo ombro. “Fabrício, é normal que esteja confuso. Não é algo que se espera que
aconteça, ainda mais se tu diz nunca ter sentido nenhuma espécie de atração pelo
mesmo sexo antes.” Henrique começou a falar, novamente adquirindo um ar didático.
“Mas veja, se bem me lembro, tu ficou desolado por semanas, até meses, quando o
André partiu. Isso pode ter te deixado tão traumatizado, que reprimiu qualquer atração
que pudesse sentir pelo mesmo sexo. No entanto, agora que reencontra justamente a
fonte de tuas repressões -“

“Ah, pare com isso! Vocês psiquiatras e psicólogos sempre acham que há um trauma
por trás de todas as atitudes humanas! Ouça o que eu digo, Fafá, meu querido, a questão
é que até agora tu não havia encontrado nenhuma bunda bonita como diz que é essa do
André, por isso não se interessou por nenhum macho. Agora que justamente tua paixão
infantil resurgiu das cinzas, a atração apareceu! É só aproveitar, guri!” Diogo era tão
simplista quanto o sobrinho.

“Mas... Eu não sei se ele é... E ele é homofóbico também e...” Fabrício murmurou,
acuado, sentindo a cabeça girar. Eram muitas informações ao mesmo tempo para seu
intelecto, no momento, bastante limitado. Sentia como se houvesse uma ervilha no lugar
de seu cérebro.

“Ué? A história do Henrique não te ensinou nada?” Diogo falou, indicando o


companheiro com a cabeça.

“Diogo, não é porque isso aconteceu comigo, que todos homofóbicos da Terra são
gays.” Henrique o lembrou, mas Diogo o ignorou peremptoriamente. Sua teoria era de
que todos poderiam ser bissexuais, tendendo mais pra um lado do que pra outro, ou
gostando de ambos os sexos igualmente, mas que todas as repressões sociais impediam
as pessoas de explorarem suas sexualidades de maneira plena e livre.
“Parece que teu tio aqui vai ter que te ensinar algumas técnicas de conquista.” Diogo
propôs arrogante, como se fosse o rei das paqueras.

“Tu acha...?” Fafá perguntou, não achando estranha a ideia de receber dicas do tio,
afinal, ele havia mesmo conquistado Henrique e eles estavam juntos há uns quinze
anos! Não fazia ideia de como poderia algum dia beijar aquela boca gostosa do André
sem levar um soco nas fuças em sequência.

Ai, meu Deus, eu acabei de pensar que a boca do André é gostosa? Ai, ai. Só rindo.

E, de fato, riu consigo mesmo.

Antes que Diogo respondesse, o celular de Fafá tocou. Ele o pegou desajeitadamente,
sem nem ver quem era, tendo tomado um susto com o toque repentino num momento
tão crítico.

“Alô?”

“Oi, Fafá. Estou aqui na frente da casa do teu tio. Abre aí.” Era André.

E Fabrício sentiu o coração saltar no peito.

Notas finais do capítulo


Eu amo essas cenas infantis, por favor. *abraça os mini Fafá¡ e André*
Será¡ que gostaram do Diogo e do Rique? Adoro os dois, são quase uma versão mais
madura do Fafá¡ e do André (se bem que o André nunca deixará de ser rabugento...)
Estou em dúvida se posto o extra do Davi e Gui no final da história, ou pelo meio.
Mesma coisa com o do Diogo e Rique!
E por fim: http://www.youtube.com/watch?v=A7oXE26aGGw&feature=youtu.be Fiz
um vídeo pra fic! Quem não gosta de ver fotos dos personagens, não veja. :}
AH! E não respondi ainda todas as reviews, mas responderei assim que eu voltar da
academia!!!
Obrigada a quem leu!
Beijinhos. ;*
(ps.: peço perdão se algumas informações não bateram com as que eu dei no ask, pois
mudei algumas ao longo dos caps. que já escrevi! hehe!)

(Cap. 13) Monte Castelo


Notas do capítulo
A história recebeu mais uma recomendação *chora, grita, se escabela, dança a ula,
arranca as roupas, e cai de boca no chão* -q Obrigada a Angy por deixar meu dia mais
colorido. ♥
.
Deixo um beijo especial à Aiko, ela fez um pedido de música, e coloquei pro Fafá
cantar. Aqui o link para quem quiser ouvir: http://letras.mus.br/legiao-urbana/22490/.
Vocês podem pedir músicas, de preferência brasileira, mas posso considerar alguma em
inglês se a letra combinar bastante com os dois, e com o estilo do Fafá. ;D

André também resolvera chegar adiantado à casa do tio do Fabrício. O moreno o avisara
por mensagem que iria para lá um pouco mais cedo quando André se oferecera para dar-
lhe carona. O motivo para sair logo de casa tinha um nome: Cíntia. A mãe de André
vinha surtando por causa de Sascha, já que ela passava o dia espirrando dentro da
própria casa. Não que André também não espirrasse, mas não era tanto quanto a mãe.
Isso sem contar os sapatos mastigados, os chinelos desaparecidos, os cocos sobre o
tapete, e a carinha de quem não sabe nada do labrador.

“Ele é filhote, ainda não sabe se comportar.” André tentara dizer a mãe, mas fora em
vão e, então, para fugir dos berros escandalosos dela, nada melhor do que se refugiar em
lares alheios.

Pouco depois de ligar para Fabrício, o moreno apareceu na porta de entrada, ofegante e
com uma expressão de quem estivera fazendo arte. Fabrício simplesmente não era capaz
de esconder uma traquinagem, era quase como se quisesse que os outros soubessem que
havia aprontado. André ergueu uma sobrancelha, cogitando a possibilidade de que
entrar naquela casa não fosse seguro, porém seria covardia recuar agora.

“Oi! Chegou cedo!” Fafá falou e deu espaço pro loiro. “Entra aí, ‘tava lá nos fundos já
preparando o churrasco.”

“É tu quem vai fazer o churrasco?”

“Sim, meu tio sabe fazer muuuuito bem, mas ele sempre diz que prefere comer, e... O
Rique não é lá essas coisas, apesar de dar pro gasto.” Sussurrou se inclinando um pouco
para frente, como se o outro fosse conseguir escutá-lo (e talvez conseguisse). “Então
sobrou pra mim e-“

Fabrício foi interrompido por um latido e o aparecimento súbito da cabeça de Sascha


por trás do ombro de André. Isso causou um pulo no coração do moreno, que saltou
para trás pelo susto.

“Puta que pariu! Da onde tu saiu, Sascha!?” Perguntou, com a mão sobre o peito. André
abafou uma risada e ergueu a mão para acariciar o focinho no labrador, que se contorceu
de alegria com a carícia. Poderia ser um perigo dar carinho nele naquele momento, já
que o cãozinho tinha mania de se mijar quando ficava muito feliz, mas André descobrira
que ele só se mijava quando estava no chão.

“Trouxe ele comigo na minha mochila. Acho que ele curtiu bastante andar de moto, não
é, Sascha?” André virou o rosto para o lado e sorriu, dirigindo-se ao cão. Sascha voltou
a latir e lhe lambeu a bochecha, o que arrancou do garoto um espirro. Fabrício não pode
deixar de pensar que o loiro ficava uma gracinha sorrindo todo bobo pro bichinho de
estimação.

“Falando em moto, coloca a tua pra dentro da garagem.” Fabrício falou, lembrando que
alguns roubos costumavam acontecer pelo bairro. Aliás, onde que não vinha
acontecendo roubos? Deixar uma moto como a do André na rua era pedir por um
desastre.

André assentiu e entregou a mochila com Sascha para Fabrício, enquanto este abria a
garagem. Pouco depois, eles entravam na casa, descendo as escadas para chegar ao pátio
que era um nível abaixo do da calçada, mas enorme e com um belo jardim cuja vista
alcançava o Lago Guaíba; visto que era um bairro numa área mais elevada da cidade.

Antes que chegassem até onde Diogo e Henrique estavam, Fabrício teve de contar uma
coisinha que ocultara até então.

“Olha, eu sei que tu é todo chato em relação a homossexuais, e aí eu não contei que meu
tio que está de aniversário hoje é justamente aquele que é gay. Ele e o Henrique são
companheiros há vários anos.” Relatou, colocando Sascha no chão de deixando-o correr
à frente, com as perninhas pequenas e ansiosas e o rabinho sacudindo de um lado pro
outro.

Fabrício observou atentamente a expressão de André, esperando algum sinal de horror


ou nojo. O loiro, porém, colocou as mãos dentro dos bolsos da calça jeans e encolheu os
ombros.

“Tudo bem. Não sou trouxa a ponto de destratar ou julgar teu tio dentro da casa dele, e
no aniversário dele. E também não sou trouxa de não ter sacado antes que era o Diogo.
O planinho teu e da Gabi de me mostrar como homossexuais são legais é meio que
óbvio.” Afirmou. É claro que não se sentia muito confortável, mas não gostava de voltar
atrás depois de combinar algo com um amigo.

Inevitavelmente pensou em Davi e uma sensação ruim se espalhou pelo peito. Eu sou
trouxa, só estou fingindo que não. Talvez buscasse algum tipo de redenção com aquela
atitude.

Fabrício entreabriu os lábios. É, não seria tão fácil enganar André. O guri falava não
sabia quantas línguas, já viajara pela Europa, tinha memória fotográfica e passara em
medicina! Não era nenhum trouxa desatento mesmo. Mas a ideia de que ele viera
mesmo sabendo daquilo o animou. André não era um caso perdido!

“Ótimo! E eu espero que funcione. Meu tio está louco para te ver de novo!” Fabrício
comentou, animado, e arrastou André com ele. Porém no momento em que chegava a
área da churrasqueira, tanto Diogo quanto Henrique se dirigiam para fora.

“Fabrício, aconteceu algo no hospital e vou ter de dar uma passadinha lá. Teu tio vai me
levar. Devemos demorar uma meia hora, não muito. Logo estamos de volta.” Henrique
informou. “Olá, André, eu sou o Henrique, muito prazer.” Estendeu a mão pro garoto,
que a apertou por reflexo. Eles apareciam bastante apressados, algo sério deveria ter
acontecido. “O Fafá estava justamente nos falando sobre ti antes. Sinta-se em casa, está
bem? E cuide para que ele não coloque fogo na casa.”

Fafá soltou uma risada culpada. Uma vez quase colocara fogo na casa tentando cozinhar
pro jantar em que apresentara Gabi aos tios. Mas com churrasqueiras ele se entendia. E
se entendia muito bem, graças a Deus.
“Vão preparando tudo. Quero voltar e já ter algo pra comer, hein? Estou morto de
fome.” Diogo lamentou. “André, bom te ver de novo, rapaz. Tu cresceu mesmo, meu
Deus, vocês me fazem sentir um velho.” Diogo apertou a mão de André, que sentiu os
ossos serem esmagados tão forte foi o aperto, e Diogo nem parecia estar colocando
força naquilo. “Logo voltamos, se comportem. O pessoal deve começar a chegar só
daqui uma hora, uma hora e meia.” Piscou para Fabrício antes de se dirigir para a
garagem com Henrique.

“Hei! Só um momento!” André pediu, e os dois se viraram, curiosos. André, um tanto


constrangido, tirou a mochila das costas e pegou dali de dentro um embrulho de
presente. “Feliz aniversário, Diogo.” Estendeu para o tio do Fabrício. Seria uma falta de
educação aparecer na festa de alguém, quase de penetra, sem nem ao menos um
presente, certo?

Os olhos de Diogo brilharam.

“Ah, rapaz, o Fafá devia aprender contigo! Esse sobrinho ingrato não me traz nenhum
presente.” Diogo exclamou e, com todo seu tamanho, puxou André para um abraço de
urso. André agora, além da mão, sentia todos os ossos de seu corpo sendo lentamente
esmagados. “Mas não precisava, comigo não tem dessas formalidades.” Diogo disse ao
soltá-lo, porém já ia abrindo o pacote, sem perceber André quase se desmantelar no
chão pós-abraço.

Sua expressão de surpresa ao deparar-se com o presente beirou a hilaridade.

“Guri, tu não deveria ter gasto tanto comigo! Esse tipo de coisa é mais bem gasto com
festa, bebida e putaria.” Explicou, como um pai preocupado com o bem estar de seu
filho.

Diogo obviamente nunca poderia ser pai.

André negou com a cabeça, segurando-se para não rir junto com Fafá, principalmente
da careta que Henrique fez pelo comentário paterno do grandão.

“Está tudo bem. Eu e o Fafá dividimos... É um presente de nós dois.” Mentiu, para
livrar a cara do amigo. Como que a anta do Fafá não comprava presente pro próprio tio?

Fafá olhou para André com a boca entreaberta, sem entender aquilo.

“Mas nós-“ Tentou dizer, porém levou uma cotovelada do loiro.

“Ah, se é assim! Fafá, seu peste, finalmente pensando no teu tio!” Diogo deu um tapa
nas costas de Fabrício, que quase o desmontou no chão. Depois de mais algumas
palavras, Diogo e Henrique realmente foram, correndo apressados.

“Parece que resta só nós dois.” Fabrício comentou quando o som da garagem fechando
chegou até eles. André experimentou um arrepio involuntário. “O que foi aquilo do
relógio?”

“Tu é um besta por não lembrar de dar presente pro teu tio.” André ralhou.
Fafá coçou os cabelos com uma mão e sorriu culpado. Ele sempre esquecia esses
detalhes, talvez por isso vivesse lembrando as pessoas de seu aniversário quando ele
estava próximo, certificando-se de que elas não esqueceriam os presentes. Ora, ser um
pouquinho mercenário não fazia mal a ninguém, certo?

“Valeu mesmo, depois te pago metade do preço.” Assegurou, mas André dispensou com
um movimento de descaso da mão.

“Esqueça.”

“Faço questão.”

“Eu não quero.”

“Mas vou pagar.”

“Não vai.”

“Vou sim.”

“Ah, cala a boca.” André perdeu a paciência. Dinheiro não faria falta, não era mão-de-
vaca. Se fosse bem sincero, admitiria que até gastava um tantinho além da conta. Mas a
culpa era dos pais, eles nunca haviam reclamado da quantidade de dinheiro que gastava.
Não reclamariam nem se usasse notas de cinquenta para limpar a bunda.

“Tu é muito teimoso.” Fafá constatou, quando já chegavam à área da churrasqueira.

“Tu que é.” André rebateu, desviando de Sascha, que tentava morder os cadarços de seu
tênis.

“Eu não.”

“É sim.”

“Sério, a gente ‘tá parecendo duas crianças...” Fafá riu e, com um sorriso safado,
encurralou o loiro contra a mesa. Não sabia por que fazia isso, foi algo instintivo. André
entreabriu os lábios, e o olhar de Fabrício acabou acompanhando o movimento.

André o empurrou.

“Eu não. Tu que ‘tá.” Respondeu birrento, parecendo-se bastante com um garotinho
teimoso. Fabrício riu debochado e resolveu deixar isso passar, ou aquela discussão
nunca iria acabar.

“Mas então, tu lembra do Diogo de quando éramos pequenos?”

“Vagamente.” André admitiu. Mesmo com a memória fotográfica, havia coisas que
acabava esquecendo. “Lembro mais de nós dois.”
O comentário inocente fez o corpo de Fabrício esquentar, ainda mais com aquele
pescoço do loiro exposto bem à sua frente. André não deveria sair passeando por aí com
aquelas camisetas com gola em V, ainda mais preta. Preto caía bem no loiro. Fafá
resolveu trocar rapidamente de assunto, sentindo que precisava extravasar a energia que
se acumulara no corpo.

“Sabe fazer churrasco?”

“Não...” André murmurou, desconfortável. Qual garoto gaúcho que não sabia fazer um
churrasco? La-men-tá-vel. Mas nunca tentara por falta de oportunidade mesmo.

Fabrício o olhou curioso.

“Bah, não diga que não gosta de churrasco? Não aceito uma coisa dessas.” Determinou.
Churrasco era uma de suas paixões, e alguém que não gostava de carne não podia ser
normal. Fabrício jamais entenderia os vegetarianos.

“Eu gosto.” André rebateu. “Mas sou como teu tio, prefiro só comer.”

“Ah, melhor.” Fabrício suspirou, aliviado. Ter convidado alguém que não gosta de
churrasco, para um churrasco, teria sido uma bela gafe. “Vamos que ainda tenho que
terminar de salgar e espetar a carne, e dar uma ajeitada final no fogo.”

XxX

“Eu acho que a sua gata vai matar meu cachorro a qualquer momento.” André
comentou, observando a maneira como Sascha tentava de todas as formas brincar com a
Cherry, mas acabava só levando unhadas, patadas e mordidas.

“Que nada. A Cherry ‘tá só brincando.” Fabrício comentou, espetando um pedaço


grande de ovelha no espeto.

“Tu realmente precisa rever teus conceitos de ‘brincar’. Daqui a pouco o Sascha ‘tá com
um olho a menos!” André exclamou, preocupado, cogitando se deveria ir ali separar os
dois.

Mas a culpa era de Sascha, que não deixava Cherry em paz.

“Acho que nossos bichos têm as nossas personalidades, só que trocadas.” André
comentou, pensativo.

“Como assim?” Fabrício perguntou, internamente se rindo de toda a preocupação do


loiro. Sascha era duas vezes maior que Cherry, a gatinha poderia ser confundida com
uma mini bolinha branca! E Sascha não parava de se jogar em cima dela, latindo e
rosnando de brincadeira a cada pulo e balançar de rabo.

“Olha isso, o Sascha é tu em forma de cachorro, e a Cherry combina mais comigo. É tão
tua cara ficar enchendo o saco quando obviamente a outra parte não quer participar das
tuas loucuras.” André explicou, indignado. E Fafá não soube dizer se ele estava
indignado com Sascha, ou consigo. Talvez com ambos.
Acabou sorrindo largamente, com seu ar cara de pau.

“Vai ver que por isso tu gostou tanto do Sascha!” Cantarolou, recebendo um olhar
amedrontador de André. Pigarreou, com um sorrisinho amarelo. “Quer que eu te ensine
a fazer churrasco?”

André o olhou surpreso. No fundo queria saber se virar com aquilo, então, depois de
alguns segundos de resistência, levantou-se de onde estava sentado, aproveitando para
passar por Sascha e empurrá-lo com o pé para tirá-lo de cima de Cherry, que rosnava e
se esperneava inteira tentando escapar do cachorro, e foi até Fabrício.

“Pode ser.” Disse, parando ao lado do moreno.

“Ok!” Fabrício exclamou, todo contente. “Eu já fiz o fogo, depois te explico como se
faz, mas é basicamente um carvão bem seco, uns pedaços de lenha e um pouco de jornal
para iniciar o fogo, e álcool na medida. A gente faz antes e só coloca a carne quando o
fogo já baixou um tanto, aí dependendo da carne e do tempo que tu quer que fique
pronto, vai alternando a altura em que coloca a carne.”

“Certo.” André assentiu, atento.

Fabrício começou a explicar os outros passos, sobre como salgar a carne, o que tirar
dela, o que deixar, até sobre as melhores facas e tipos de espetos para se usar e ter mais
praticidade. Ele sabia mesmo do que estava falando, e André começou a se sentir
ridículo por achar atraente toda a confiança e propriedade do moreno para fazer um
estúpido churrasco.

“Vai salgando essas sobrecoxas. Nelas tu usa sal fino, e não grosso. Na parte que tem a
pele, dá pra colocar bastante, na outra coloca um pouco menos.” Fabrício explicou.
André, todo suspeitoso, pegou um pouco do sal e começou a colocar sobre as
sobrecoxas já espetadas na gamela.

Fabrício depois de um tempo torceu o nariz. Ele estava colocando muito pouco, então
segurou a mão dele e o incentivou a colocar mais.

“Se colocar tão pouco, vai ficar sem gosto. Não te acanha que se ficar salgado demais,
todo mundo come mesmo assim.” Fabrício disse, inconsciente do rubor que subiu pelo
rosto do loiro.

André percebeu três coisas quanto à mão do Fafá: ela era maior, mais calejada e mais
confiante que a sua, ao menos para salgar uma carne. Não era nada legal estar tão
consciente da mão do outro, então puxou a sua, um tanto rápido demais, e suspirou.

“Não sou bom nessas coisas de achômetro. Seria mais fácil se tivesse alguma medida
exata de quanto sal tem que se colocar.” Resmungou, lembrando-se de por que nunca
fora bom para cozinhar; quem sabe cozinhar bem mesmo vai muito mais no feeling, do
que por receitas exatas.

“Seria bem mais chato daí!” Fabrício rebateu. “Tenta espetar esse pedaço de picanha
aqui.”
André bem que tentou depois que Fafá lhe explicou como segurar a carne e o espeto,
mas a maldita carne não parava de se mover sozinha, parecendo fugir da ponta do
espeto! E era escorregadia e difícil de manter firme na mão. Sua incapacidade para
meramente espetar uma carne o deixou frustrado, parecia não ter força! Talvez devesse
começar a pegar mais pesado na musculação, sabia que Fabrício ia quase todos os dias
na academia.

“Aqui, eu te ajudo.” Fabrício falou e, sorrateiramente, moveu-se para trás do loiro,


levando as mãos até as de André. Agarrou-lhe firme a mão que segurava a carne e
endireitou o espeto, colocando força e habilidade naquilo.

André saiu da área de cobertura, só não desligou. Pôde sentir a respiração do moreno às
suas costas e toda a presença dele atrás de si, muito próximo. Sem contar as mãos sobre
as suas, apertando-as e guiando-as a atingir o objetivo simples. Suor pareceu escorrer
por sua nuca, junto com um novo arrepio que percorreu toda a linha da coluna.

“Pronto! Fácil, não achou?” Fabrício perguntou quando a carne estava enfim espetada,
um sorrisinho de lado por dessa vez notar o desconforto do loiro. Só não sabia se o
desconforto era um bom ou mau sinal. Estava com uma vontade louca de agarrar a
cinturinha dele e beijá-lo na nuca, era daquelas vontades difíceis de refrear,
involuntárias e quase inconscientes, de quando se está a fim de alguém.

Ele não me acotovelou nem mandou que eu me afastasse.

Foi Fabrício pensar nisso, que André rapidamente recuperou os movimentos do corpo e,
no que pareceu uma descarga de adrenalina, acabou por acotovelá-lo bem na boca do
estômago. Fafá se curvou em dois com um ganido, mal conseguindo puxar o ar.

“Pra que isso?” Fabrício perguntou num tom sofrido, apertando o abdômen enquanto os
olhos lacrimejavam. O pior foi que André não pareceu nem um tantinho arrependido.

“Foi mal. Dá pra colocar na churrasqueira já?” André perguntou, com um ar indiferente,
olhando para a picanha como se admirasse uma obra de arte. “Já que isso é pra ficar
pronto mais tarde, coloco bem em cima, né?”

“Tu... Aprende rápido.” Fabrício disse, segurando-se ainda meio inclinado sobre o
balcão, tentando respirar fundo. “Mas ainda falta salgar.” O lembrou.

André soltou um ‘ah, é’ despreocupado e foi salgar a carne na gamela.

“Sascha, agora sei como tu se sente.” Sussurrou pro cãozinho, que viera cheirar seus pés
e latiu em retorno, compreensivo, enquanto André parecia bem atento ao que fazia.

XxX

Fabrício arrancava do violão alguns sons aleatórios, sentado sobre a mesa, quando
Diogo e Henrique voltaram, cerca de quase uma hora mais tarde. Felizmente todos os
amigos do casal eram uns atrapalhados e enrolados que sempre se atrasavam, então
ninguém mais chegara, além da Gabi e do Rafael.
Diogo pensou que parecia até o aniversário do Fafá, e não o seu, mas sorriu, vendo os
quatro interagirem, já compartilhando duas caipirinhas provavelmente preparadas por
Fabrício, já que o sobrinho tinha um talento nato pra preparar bebidas.

“É assim que vocês cuidam da carne?” Diogo chegou perguntando, fingindo-se de


indignado e interrompendo a conversa, latidos (de Sascha, claro) e as risadas.

“Dioooogo!” Gabi se levantou e no momento seguinte já se jogava nos braços do


homem. Para Gabi, Diogo era seu tio emprestado. “Que saudades!”

“Guriazinha! Que bom te ver!” Diogo falou, dando-lhe um beijo na testa. “Me conta,
como tem sido aguentar a mala do meu sobrinho todos os dias?”

“Já não faço isso desde ano passado?” Gabi rebateu, dando de ombros.

“Eu realmente fico tocado com toda essa demonstração de carinho de vocês pela minha
pessoa.” Fabrício falou, largando o violão sobre a mesa e pulando pro chão, indo dar
uma espiada na carne, virando os espetos e descendo o salsichão, já quase pronto. “Dá
pra colocar mais uns pães já.”

“O quê?! Não tem nada pronto ainda?” Diogo perguntou, sentindo que quase caía de
fome.

“Tu disse que ia voltar em meia hora. Meia hora depois que vocês saíram, estávamos
aqui comendo uns pãezinhos, e já comemos uns corações. Tu comprou aperitivos até
não poder mais.” Fabrício comentou. Havia muito coração, salsichão e pão ainda para
colocar no fogo.

“É a melhor parte de um churrasco.” Diogo explicou, com o braço sobre os ombros de


Gabi. “Henrique!” Exclamou, quando o outro apareceu também. “Viu só, tu demorou
demais e acabamos perdendo a primeira leva de pão e coração.”

“Foi tu quem encontrou o Tadeu e ficou conversando com ele por uns vinte minutos.”
Henrique se defendeu, indo abraçar Gabi.

“Ciúmes?” Diogo ondulou as sobrancelhas.

“Deus, não, ele já tem cabelos e barba branca.” Henrique rebateu, revirando os olhos.

“Ué, e qual o problema?” Diogo perguntou, insolente. “Que preconceito, algum dia será
tu com cabelos brancos. Aliás, acho que estou vendo um...”

“Só se for dos teus cílios.”

“Ele é metrossexual.” Diogo explicou, indicando Henrique com o polegar, resumindo a


indignação do outro. “E morre de ciúmes.”

André disfarçou um sorriso, mesmo que aquela fosse uma clara demonstração de
‘boiolagem’, ao seu ver. Mas Diogo tinha o mesmo jeito meio bobo alegre, espirituoso,
de Fabrício. O mais novo tivera a quem puxar, afinal. O engraçado que, mesmo com
aquelas cenas, o casal fugia do estereótipos gay, de serem afetados ou desmunhecados.
Se alguém os conhecesse fora daquele ambiente em que se sentiam à vontade para se
exporem como um casal, ninguém diria que eram gays.

Cruzando os braços, André ficou pensativo sobre isso por alguns instantes, lembrando
das coisas que tanto Fafá quanto Gabi, e também Natália, haviam lhe falado quanto a
seu preconceito. Era difícil pensar diferente, era como se houvesse uma barreira o
impedindo de se desvincular daquilo, mas, ainda assim, ao menos já se sentia mais
tolerante, já que estava ali, na casa de um casal homossexual, sem sentir nenhum nojo
dos dois – desde que eles não inventassem de se agarrar para todos verem.

Aprendera que aquilo era uma perversão, que não era normal...

Mas jamais demonstraria desagrado por duas pessoas que eram importantes para
Fabrício.

Isso novamente o fez lembrar o quanto fora estúpido com Davi, que era também um
grande amigo. A lembrança trouxe o mal-estar de volta, e a piora em sua expressão
atraiu a atenção de Diogo, que cumprimentava Rafael, para si.

“Andrézinho!” Diogo falou sorrindo, com sua mania de colocar no diminutivo o nome
de quase todo mundo (talvez porque perto de si todos fossem minúsculos). Nem se
importava com o conhecimento de que André era homofóbico. Já havia lidado com um
bem difícil no passado. Foi até André e passou um braço pelos ombros do loiro. “Rapaz,
que coincidência boa essa de tu e o Fafazito se reencontrarem na faculdade! Ainda
lembro bem de vocês dois correndo juntos de um lado pro outro.”

Apesar de aquela proximidade e simpatia não serem comuns para André, já que
geralmente demorava para ter esse tipo de contato com as pessoas, tentou entrar na
brincadeira.

“Verdade. Só não sei se foi sorte ou azar.” Disse, sorrindo torto ao olhar para Fabrício.

“Acho que foi azar.” Gabi ponderou, muito séria. “Mas o destino não dá moleza.”

“Meu Deus! Vocês adoram fazer bullying comigo!” Fabrício exclamou, sem acreditar
naquilo, arrancando risadas de todos, até de si próprio.

“Isso é porque te amamos!” Gabi se dependurou nas costas do amigo.

“Amamos?” Os outros três perguntaram, em uníssono, como se houvessem combinado.

Gabi gargalhou alto enquanto Rafael sorria de leve, quietão como sempre.

Fabrício tentou se levantar.

“Bah, até o Rique? Ok, já entendi, sei quando não sou bem-vindo. Vamos Cherry, eles
não nos querem aqui.” Fez drama, tentando levantar, mas sendo impedido por Gabi e
Henrique.
“Deixe a Cherry, ela é bem-vinda.” Diogo interrompeu, arrancando mais risadas de
todos e um latido de Sascha, que voltou a se jogar em cima de Cherry, mordendo
‘carinhosamente’ a orelhinha da gatinha. Cherry soltou um miado esganiçado de
desprezo.

“Que cancha vocês, hein? Só não me retiro porque precisam de mim para cuidar do
churrasco.” Fabrício se justificou e agarrou Gabi indelicadamente pelo pescoço,
bagunçando os cabelos dela e arrancando um belo de um grito da menina.

“Que isso. O Rafinha também sabe fazer um baita churrasco.” Diogo lembrou, dando
tapinhas de ogro nas costas de Rafael, que quase desmontou no chão como um
bonequinho germânico.

Fafá desistiu, o melhor era ficar quieto.

XxX

Àquelas alturas, a casa já estava cheia de gente, mal dava para se mover lá dentro, ou
entender o que as pessoas diziam, tal era a baderna. André não gostava muito dessas
confusões e até se sentia um tanto claustrofóbico no meio de tanta gente num lugar
fechado, então saíra pro jardim.

Também fugira porque Diogo não parava de exibir o relógio que ganhara, de muito bom
gosto, para todo mundo novo que aparecia. E aí apresentava André e falava coisas sobre
'como seria bom tê-lo como sobrinho também!' “Sabe como é, se ele e o Fafá se
resolvessem...” ou “Ele e o Fafá são quase uma versão mais nova minha e do Rique! No
futuro...”, piscava, ou “Acho que eles ficariam muito bem juntos!” Insinuara em uma ou
duas vezes. Ok, uma dezena de vezes, deixando André como uma pimenta sem reação.

Então estavam ele e Fabrício sentados ao final do jardim, num canto que parecia
escondido dos olhares alheios, apreciando a vista, enquanto dividiam mais uma
caipirinha bem gelada entre conversas e algumas notas que Fafá tirava do violão. Cherry
estava deitada na grama, próxima dos dois e, milagrosamente, depois de muita briga e
birra, deixara que Sascha se deitasse junto, e agora o usava como travesseiro, ambos
dormindo tranquilos depois de passarem horas brincando (ao menos na concepção de
Sascha).

“Acho que vou explodir. Nunca comi tanto pão, coração e salsichão.” Fabrício
comentou, massageando a barriga, que parecia ter dobrado de tamanho.

“E maionese, picanha, costela, frango, ovelha, porco...” André complementou. Também


mal conseguia andar. Não conseguia entender como Gabi continuava lá dentro junto
com Rafael, ainda se banqueteando junto com quem chegara atrasado. A guria tinha
alguma espécie de buraco negro no estômago, para comer mais até que Fabrício.

“Puta merda, e ainda tem a sobremesa.” Fafá riu e tocou umas notas aleatórias no
violão.

“Não dá mais!” André riu e se deitou sobre a grama. “Ainda tem a festa de noite. Já ‘tô
meio bêbado também, quantas caipirinhas tomamos?”
“Sei lá, umas quantas.” Tentou pensar num número, mas era difícil mesurar, já que
ficavam sempre dividindo os copos um com o outro.

Fafá olhou para André, que parecia prestes a cair num sono profundo, aproveitando o
solzinho gostoso do meio da tarde. Parece um gatinho de barriga cheia, pensou e riu.
André realmente lhe lembrava Cherry.

“E aí, arrependido de ter vindo?” Perguntou, conseguindo ouvir o barulho vindo de


dentro da casa, havia mais alguém tocando violão lá dentro.

“Não mesmo.” André disse, sem hesitar.

“Então está convencido que não tem porque ter preconceito contra gays?” Fabrício foi
direito, estava bastante curioso. André sentiu o rosto esquentar com a pergunta, e a
resposta era difícil. Sentia-se um tanto confuso, pessoas importantes para si eram a
favor daquilo. Davi era gay, e Fafá, Gabi e Nati o repreendiam, já Diogo e Henrique
eram muito legais e simpáticos.

“Acho que sou mesmo muito idiota por julgar tanto. Mas a ideia ainda me é muito
estranha, eu... Não consigo achar normal. Desculpe.” Falou, sendo sincero, mas
mantendo os olhos fechados para não ter que olhar pra uma possível careta de decepção
do moreno.

Mas Fabrício na realidade sorriu.

“Já é um começo.” Disse, tamborilando os dedos no violão. Ficaram em silêncio por


alguns instantes, até Fabrício começar a cantarolar.

“Ainda que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua dos anjos, sem amor eu
nada seria... É só o amor, é só o amor. Que conhece o que é verdade. O amor é bom,
não quer o mal. Não sente inveja ou se envaidece.”

Quando André abriu os olhos, viu que Fafá cantava olhando diretamente para si.

Um solavanco no estômago fez toda a carne que havia ali dentro revirar, e o coração
acelerou estupidamente. Até Fabrício sentiu o rosto esquentar de leve, já que os olhos
dos dois pareciam não conseguir se desencontrar.

Resolveu continuar cantando, já que nada coerente além da letra da música lhe vinha à
mente.

O amor é o fogo que arde sem se ver.


É ferida que dói e não se sente.
É um contentamento descontente.
É dor que desatina sem doer.

Ainda que eu falasse a língua dos homens.


E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria...
“Hoje tu ‘tá estranhamente afinado.” André comentou, já que Fafá cantara bastante mais
cedo, junto com um dos amigos do tio. Tentou não parecer afetado pela letra romântica
e pelo olhar do outro, e desviou os olhos, voltando-os para o céu claro, as bochechas
irritantemente quentes.

“É, e... Epa! Eu ‘tô sempre afinado!” Disse fingindo indignação, largando o violão e
deitando-se na grama também, de lado para André, enquanto o loiro soltava uma
risadinha por entre os dentes. Ele não sabia, mas suas bochechas continuavam rosadas.

“Quando tu cantou Eduardo e Mônica, me bateu uma nostalgia. Bah, que merda, cara, o
tempo passa rápido demais!” Riu junto com Fabrício, os dois já meio altinhos pelo
álcool misturado com a comida.

“Engraçado que tu diz que não gosta, mas conhece todas as músicas que eu toco.” Fafá
ponderou.

“Mas também, tu toca só as mais famosas.” André rebateu. “E eu tenho boa memória, se
é que esqueceu.”

“É, é. A memória monstra.” Fafá riu pelo nariz.

“Se bem que essa eu não conhecia...” Admitiu.

“É Monte Castelo, do Legião.” Fafá informou, mas o loiro não demonstrou nenhum
sinal de reconhecimento, apenas conhecia o cantor. “Algum dia tu tem de me dizer
umas que tu goste, e eu toco pra ti.” Emendou, num tom que fez André sentir as carnes
no estômago virarem borboletas e levantarem voo, causando um alvoroço perigoso que
poderia ter um desfecho nada agradável. Carnes, se aquietem, desgraçadas! Pensou,
brabo com a picanha de mais cedo.

”Ok...” Murmurou mesmo assim. “E eu te devo uma música no piano.”

“Na próxima vez que eu for na tua casa, tu toca.”

“Já ‘tá te escalando de novo?” André perguntou, num tom debochado.

“Sempre.” Fafá garantiu, sorrindo largamente.

Notas finais do capítulo


OBRIGADA por todos os reviews! Eu fiquei imensamente surpresa com a quantidade, e
por toda a compreensão e carinho! Espero jamais decepcioná-los, vocês são uns amores
mesmo! Ver tanta gente lendo uma fic levinha e bobinha como essa, que eu escrevo tão
na brincadeira, é muito gostoso! Obrigada, amores!
Até a próxima ♥

(Cap. 14) É melhor não resistir


Notas do capítulo
Mais uma recomendação! AAAAAAAAAAHHH *surta, rodopia, pula na cama,
esperneia* Ai, déls, realmente muito feliz aqui com todo o retorno! Obrigada à suzume
sama pela alegria, até decidi postar mais cedo (também porque domingo vou precisar
estudar bastante, haha)
Músicas do capítulo:
Que os Urguênses cantam pros fundaceiros:
http://atleticaufrgs.tripod.com/fundete_cadela.mp3 (essa música pega pesado,
HAHAHA)
Que o Fafá canta pro Dré: http://letras.mus.br/jason-mraz/1998108/ e depois
http://letras.mus.br/lulu-santos/47147/

André e Fabrício jogavam sinuca de dupla, contra Diogo e Henrique. Já era noite agora,
e os outros convidados já haviam se retirado depois de passarem a tarde fazendo
bagunça. A empregada teria bastante trabalho para colocar tudo no lugar no dia
seguinte. A pobre alma, porém, já estava acostumada a arrumar bagunças piores, vide:
as que Diogo fazia normalmente por toda a casa.

Um CD do Red Hot Chilli Pepers tocava como música ambiente, enquanto Gabi tirava
um cochilo na poltrona próxima e Henrique dava várias dicas para os garotos, falando
sobre oportunidades de pesquisa na faculdade, estudos no exterior, estágios ao longo do
curso e até sobre as perspectivas do mercado de trabalho e residências médicas.

Os dois mais novos bebiam de todas suas palavras.

“... E pelo que eu saiba anestesio é o que mais dá dinheiro. Mas sinceramente, que
chatice, né?” Brincou e piscou para os garotos, que sorriram de leve. “Eu recomendaria
que vocês entrassem em alguma pesquisa, a UFRGS oferece várias oportunidades, e
isso acrescenta bastante para o currículo de vocês pra prova de residência. Dependendo
do que escolherem, a concorrência é absurda, muito mais difícil do que o vestibular.”

“É difícil ter uma ideia agora. Estamos tão no início...” André comentou enquanto
passava giz na ponta do taco. Entrara no curso mais por tradição, do que por paixão.
Mas esperava apaixonar-se pela medicina em algum momento da faculdade e achar o
caminho que gostaria de seguir, pois seguir com os negócios do pai não era exatamente
a ideia que mais lhe agradava.

A ideia de trabalhar com Heitor lhe dava arrepios, para ser mais sincero.

“Acho que quero cirurgia.” Fabrício cogitou, também pensativo, apoiado-se ao taco com
o olhar sobre o tio, que se preparava para uma jogada.

“É muito cedo sim, vocês podem ter uma ideia agora, mas há grandes chances de isso
mudar ao longo da faculdade, uma vez, duas, várias. O importante é que aproveitem
bem esses seis anos, sejam curiosos, busquem sempre por mais. Ser médico é muito
recompensador, não só financeiramente, mas também pessoalmente. Há um crescimento
íntimo ao longo dessa profissão, que talvez não seja tão forte nos outros cursos.
Conhecer pessoas, ajudá-las e receber delas um sorriso de agradecimento, um obrigado.
Você cresce com elas. Nunca medicina será algo unilateral. Aprendizagem, ajuda,
qualquer contato entre as pessoas é feito bilateralmente. Os pacientes também irão
ensinar vocês, mostrar outras formas de ver o mundo, de compreender algo que para
vocês não faz sentido agora, ou simplesmente não é importante. Essa profissão que
vocês escolheram vão fazê-los pararem para pensar em vários momentos. Ver pessoas
com problemas graves, passando por situações difíceis, mas que mesmo assim mantém
um sorriso no rosto, a vontade de viver e vencer, por si e pelos outros... Isso não tem
preço. Mesmo que às vezes seja difícil, desesperador, nos faça sentir impotentes... Em
outros momentos as pequenas e grandes gratificações superam tudo. Vocês tem muito
pela frente, então não deixem que o ânimo de ter vencido essa primeira luta, que é o
vestibular, enfraquecer. Façam esse ânimo, essa vontade de fazer a diferença, aumentar,
que irão longe e não irão se arrepender de ter escolhido esse caminho. Mesmo que os
médicos reclamem, acreditem, é muito bom. A gente muda, cresce e aprende
constantemente.” Henrique ditou tudo de uma forma que deixou os dois futuros médicos
cheios de expectativa. O psiquiatra tinha o dom do discurso, pois o que falava, falava
com paixão, e isso podia ser sentido na pele, e apreciado no olhar. André,
principalmente, sentiu-se inspirado com tudo que o mais velho falara, pois entrara na
faculdade por exigência dos pais, e agora, graças a Henrique, sentia mais vontade de
continuar naquele curso, aprender, sentir essas sensações que ele relatara, inclusive com
histórias bastante interessantes de sua vida profissional mais cedo.

“Isso foi demais. Até vou começar a estudar pra prova de anatomia na segunda-feira.”
Fabrício falou, emocionado. André revirou os olhos.

“A prova é pra daqui um mês. Estude pra prova de biofísica dessa quarta, então.”
Lembrou ao moreno, que parecia ter excluído essa informação da mente, já que esboçou
uma expressão de surpresa e soltou ‘Baaah!’ num ar de ‘me fodi, não estudei nada até
agora’.

“Isso tudo é muito lindo, mas também não hesitem, ou se envergonhem de largar essa
vida difícil se sentirem que não tem o dom pra coisa.” Diogo os lembrou e finalmente
fez sua jogada. O estalo do taco veio, e logo uma cena incrível se desenrolava na frente
do olhar de todos: três bolinhas caindo em sequência na caçapa.

“Ah não é justo! Tu colocou algo nessa mesa pra te favorecer!” Fabrício reclamou,
ultrajado por nunca ter conseguido uma jogada como aquela. Aliás, mal conseguia
colocar uma bola na caçapa. Tinha de mudar isso depressa, ou sempre seria humilhado
pelo tio.

“A única coisa que me favorece é meu talento.” Diogo replicou, pomposo, já


procurando com o olhar a melhor jogada para sua próxima tacada.

“Se eu soubesse que o teu tio jogava tão bem, nem teria aceitado jogar...” André
murmurou para Fafá. Odiava perder, e até se considerava um bom jogador de sinuca, já
que em sua viagem pela Europa passara várias noites em pubs jogando com o pessoal
que conhecera por lá. Mas Diogo destruía, não jogava.

“Eu sempre perco, é lamentável.” Fafá balançou a cabeça. Mesmo que Henrique jogasse
pior do que um boneco sem dedos, Diogo supria a falta de uma boa dupla.

“O dia de vocês é cheio de ocupações, diferente do Diogo, que passa coçando o saco e
jogando sinuca todas as tardes.” Henrique falou, para desinflar um pouco o ego do
namorado, mesmo sendo a dupla dele. Se deixasse barato, Diogo passaria o resto da
noite gabando-se de suas memoráveis habilidades com um taco, e aí o assunto tomaria
um rumo bagaceiro que Henrique preferia evitar.

“Ultraje!” Diogo exclamou, acabando por errar a tacada e acertar de raspão a bolinha
que mirara. “Droga.”

“Tio, tu não pode negar. É aposentado com 35 anos.” Fabrício riu.

Diogo entrara em medicina também, mas largara no quarto ano – dois anos antes de se
formar! Dissera não ser aquilo que queria para si. Sorte a dele que tinha um avô rico por
parte de mãe que, quando morrera, deixara quase tudo para ele (por ser um homem
machista e achar que a neta não precisava do dinheiro). A partir daí, Diogo comprara
uns apartamentos, colocando-os à venda. Também comprara terrenos em bairros caros,
numa época de desvalorização imobiliária, cada um por uns 100-150 mil reais, e
recentemente vendera cada um deles por 700 mil. Fizera alguns outros investimentos e,
atualmente, só de rendas ganhava uns 15 mil por mês.

Resumindo, era um boa-vida.

Só trabalhava esporadicamente gravando curtas-metragens e até realizando uns bicos


como fotógrafo quando ficava entediado demais, já que fizera um curso nesse área há
alguns anos, quando Henrique se mudara para os Estados Unidos para terminar o
mestrado e doutorado em Harvard. Fora uma época solitária, apesar de viajar e visitar o
namorado quase toda hora, atrapalhando-o nos estudos e no trabalho. Mas na época,
arrumara o que fazer, participara de alguns festivais de cinema de Gramado e até
ganhara algumas premiações com dois de seus curtas!

“Ah, a vida é feita pra ser aproveitada. Vocês que fazem medicina é que gostam de
sofrer.” Diogo dispensou com um abano de mão. “Um dia ainda convenço o Rique a
largar essa vida e se mudar comigo pro Havaí.” Teve a cara de pau de dizer, depois de
todo o discurso enlevado de Henrique defendendo a profissão.

Henrique o cutucou na barriga com o taco, fazendo Diogo dar alguns pulinhos para
fugir do toque. Morria de cosquinhas por qualquer coisa; quando Henrique estava com
preguiça de argumentar e queria derrotá-lo, era só partir para um ataque de cócegas.

“Pior que eu consigo te imaginar direitinho com uma bermuda havaiana larga, sem
camisa, bêbado e dançando a ula na beira da praia...” Henrique murmurou, suavemente,
abaixando o taco. O psiquiatra jamais conseguiria viver sem seu trabalho, era parte do
que era e, por mais que tomasse várias horas de seu dia e o deixasse frequentemente
com olheiras profundas no rosto, era apaixonado pelo que fazia. Tanto pela profissão de
médico, quanto de professor.

“E tu iria adorar a visão.” Diogo sorriu largamente e puxou o loiro pela cintura,
estreitando-o contra seu corpo musculoso. Henrique era magrinho, não tinha tempo para
malhar ou praticar muita atividade física, no máximo praticava natação duas ou três
vezes por semana, nos momentos livres que nunca tinham uma regularidade exata.
André sentiu-se constrangido com os dois ‘agarradinhos’ e se focou em sua jogada. Eles
haviam se comportado até então, mas agora, já meio bêbado, Diogo vinha toda hora
puxando Henrique para si, e já dera no namorado uns bons três tapas na bunda. Mesmo
assim continuo indo com a cara deles, pensou consigo mesmo; mas ainda esperava que
eles não fizessem mais que aquilo, senão, iria embora. Aliás, dali a pouco teria mesmo
que ir, pois ainda precisava se arrumar pra festa e passar na casa da Natália, já que a
levaria consigo.

Acabou acertando uma bola na caçapa, tamanha sua concentração em não olhar para
toda a proximidade de Diogo e Rique.

“Mazáh, guri!” Fafá exclamou, animado com seu acerto. “Ainda dá pra ganhar!”

“Faltam três bolinhas pra gente, e só a preta pra eles.” André resmungou, voltando a se
inclinar para outra jogada. Não percebeu a bela e descarada analisada que Fabrício deu
em sua bunda arrebitada, aproveitando o bom ângulo. Quando Fafá percebeu o que
fazia, depois de André errar a caçapa, desviou rapidamente o olhar e notou o tio
observando-os.

Diogo não deixava passar nada. E ergueu o polegar em aprovação para o sobrinho,
dando-lhe uma piscadela maliciosa. Fafá corou e pigarreou, olhando pro relógio.

“Sipá ‘tá na hora da gente largar. Já passa das nove. Falaram pra gente chegar mais cedo
na festa pra entrarmos de graça.” Fabrício alertou, lembrando-se desse detalhe somente
agora. Os bixos tinham direito a entrada livre, desde que chegassem antes das onze e
meia, ou algo assim.

“Querendo fugir antes de perder, é?” Diogo ondulou as sobrancelhas. “Deixa eu só


finalizar isso daqui então. Henrique, tenho tua permissão?”

“Vá em frente.” Henrique indicou a mesa para o namorado e já foi guardar seu taco.
André e Fafá suspiraram ao ver Diogo, com extrema facilidade, colocar a bola preta na
caçapa com uma jogada rápida e precisa.

“Nós precisamos treinar muito sinuca no casl.” André largou o taco sobre a mesa de
sinuca e aceitou a mão estendida de Diogo.

“Bom jogo, garotos.” Disse, apertando em seguida a mão de Fafá. “Como recompensa
pelo esforço, deixo pra vocês a tarefa de lavar a louça.”

Os garotos soltaram exclamações de desânimo. Gabi, que acordou naquele instante,


voltou rapidinho a fingir estar em sono profundo.

XxX

André olhava pro teto, quase caindo no sono pela espera. Olhou para o relógio e viu que
já passava um pouco das onze da noite. Porca diaba! Pensou, dirigindo-se mentalmente
à Natália, que já estava demorando demais para se arrumar.
“Natália! Vamos logo! Ou quem vai pagar a entrada pra festa é tu!” Gritou, não se
importando com o tom alto, já que a amiga morava numa casa e, naquela noite em
especial, a mãe da garota também havia ido a uma festa.

“Deixa de ser mala, André! Tu caga dinheiro e fica se preocupando com isso!” Ela
berrou de volta, do quarto. André não estava lá porque morria de tédio vendo ela se
arrumar, e ainda tendo de dar dicas sobre ‘em qual roupa ela ficava melhor’. Não que
também não morresse de tédio estirado ali no sofá, esperando sozinho.

“Não é por ser rico que vou ficar gastando dinheiro à toa!” Retrucou. Era certo que
vivia gastando bastante, como em roupas, perfumes, celulares novos, outros eletrônicos
de última geração, mas nem por isso comia notas de cem no café da manhã.

Sumariamente ignorado em seu comentário, mais cinco minutos e Natália aparecia. Era
uma garota bonita, chamava a atenção sem precisar ser uma modelo de capa de revista.
Tinha no máximo 1,60m, cabelos castanhos ligeiramente ondulados e bonitos olhos
castanhos que alguns comparavam ao olhar da Monalisa – era difícil adivinhar pra onde
realmente ela estava olhando, com seus orbes enigmáticos. André gostava do sorriso
dela, de dentinhos pequenos, que a deixava com covinhas nas bochechas amorenadas.

“Pronto, malinha. Vamos indo.” Ela disse de bom humor. “Não sei por que quis tanto
que eu fosse nessa festa. É uma festa muito mais pra tu e teus novos colegas curtirem e
se conhecerem, sem uma amiga metida no meio.” Ela disse, ajeitando o vestido
comportado, mas solto e fresco que colocara, em tons claros.

André deu de ombros. No fundo, bem lá no fundo, havia um motivo. E esse motivo era:
na última vez que fora numa festa com Fabrício e somente seus colegas, acabara na
cama do moreno e recebera um chupão e uma bela de uma apalpada na bunda. Ir com a
Natália o fazia sentir-se mais seguro, em nenhum momento ficaria sozinho e teria
alguém com quem voltar pra casa depois.

“Já falou com o Davi?” Natália alfinetou quando saíam da casa. “Eu fiquei sabendo que
ele está na casa do Leo. Parece que os pais dele o expulsaram de casa, ou ele que saiu de
lá por vontade própria, por não aguentar mais o clima ruim. Amanhã vou ir no Leo pra
ver como ele ‘tá...”

André mordeu o lábio rapidamente, mas logo se fez de indiferente, fingindo que não se
preocupava. Ele escolheu isso, pensou, justificando-se. Aí se lembrou dos tios de
Fabrício e as ideias ficaram ainda mais confusas.

“Depois... Me avisa se ‘tá tudo bem com ele.” Resmungou baixo, como que não
querendo realmente que Natália o escutasse. A garota ergueu as sobrancelhas quando o
loiro lhe entregou o capacete, mas depois sorriu, satisfeita.

“Tu poderia ir checar por ti mesmo, não é?” Cantarolou a sugestão, colocando o
capacete e subindo na carona da moto, abraçando André pela cintura. André ignorou o
comentário da amiga e deu partida na moto.

A garota podia sentir o tanquinho suave que o loiro tinha ao abraçá-lo por trás. O corpo
era esguio, mas tinha músculos durinhos e modelados. Os braços não eram grossos, mas
bonitos e firmes pelos vários anos jogando vôlei e pela musculação que ele começara a
fazer algumas vezes na semana. Natália achava André muito atraente, apesar de o rosto
ainda ter algo de imaturo.

Falta uma barba nesse rosto. Ela pensava, mas sabia que o loiro ficava mais bonito sem
uma.

XxX

“Faltam cinco minutos. Devíamos ir entrando.” Gabi olhou pro relógio, torcendo o
nariz. “Temos de aproveitar cada minuto! Dessa vez até a Fran veio!” Disse e se agarrou
à amiga, abraçando-a apertado pelos ombros magros.

“Tu faz parecer como se eu fosse uma eremita.” Fran reclamou, dando um tapa no braço
da outra. Fabrício deixou as duas tagarelando sozinhas numa discussão de como Fran
era realmente um ser que nunca saía, enquanto a acusada se defendia afirmando que saía
em quase todos os finais de semana em sua cidade.

Olhou para a entrada da Amrigs e viu o loiro chegando com a moto, passando pela
guarita com guarda dos portões. Não pôde deixar de notar, claro, a garota que desceu da
moto junto com o loiro, quando ele estacionou. Foi impossível não sentir certo ciúmes,
mas não se importou muito, sabia que André tinha uma amizade colorida, e que
justamente a traria naquela noite.

“Ai, que gracinha a ficante dele! Parece uma bonequinha!” Gabi exclamou, com aquela
voz que as gurias fazem quando acham um bebê ou bichinho fofo, esquecendo-se da
discussão com Fran, que concordou com a amiga como se não estivessem brigando há
cinco segundos. Fabrício não sabia bem por que, talvez fosse pelos clichês de filmes de
comédia romântica, mas estava esperando que a tal Natália fosse algum tipo de mulher
fatal, alta, cheia de maquiagem, com curvas sinuosas e ar arrogante.

Ela era o completo oposto.

“Oi!” André logo apresentou a amiga ao trio, que a cumprimentou simpaticamente.


“Melhor entrarmos, já é onze e meia!” Falou, puxando Natália consigo à frente, para
que não perdessem a oportunidade de entrar de graça.

“Uau! Aquele teu amigo, hein?” Natália falou para o loiro, sugestiva, dando uma
espiada em Fabrício por cima do ombro. Não pôde evitar, era um moreno de tirar o
fôlego!

“Tu não deveria falar isso justo pra mim, não é?” André falou, enciumado. Só não sabia
pra cima de quem. Ora, mas é óbvio que pra cima da Natália! Afinal, era sua amiga e
eventual ficante. Natália riu da expressão contrafeita do loiro.

“Somos mais amigos que ficantes ou coisa do tipo. Posso falar esse tipo de coisa
contigo.” Explicou, mas sem convencer o amigo. Na entrada, deram os nomes e
passaram antes de todos. E antes de subirem as escadas para o segundo andar, onde a
festa se desenrolava, passaram por uma sessão de fotos com fotógrafos profissionais,
com muito glamour falsificado.
André tentou ignorar o fato de que Fabrício o puxou pela cintura em uma das fotos,
sobressaltando-o, e teve certeza de que saiu na foto olhando pro moreno, meio aturdido
– aliás, tinha a impressão de que era a segunda vez que algo assim acontecia. Fafá
apenas sorriu e o libertou depois, como se nada houvesse acontecido. Irritado com o
formigamento na cintura, André puxou Natália e praticamente a arrastou consigo para o
andar de cima.

O segundo andar era enorme. Havia um grande espaço inicial, com um palco para as
bandas de um lado, e um corredor que levava a outra pista grande. Ainda não estava
lotado, mas já havia pessoal da Fundação ali. Não demorou e as duas faculdades
estavam disputando através de cantoria, cada grupo tentando gritar e cantar mais alto
que o outro.

“Isso até parece aquelas coisas de filme, em que os grupos rivais se enfrentam através
de lutas musicais!” Natália gritou para André. O loiro não estava participando muito,
não era seu estilo ficar se esganiçando até ficar rouco, mas boa parte de sua turma, junto
com uns veteranos, estava ali fazendo frente contra os bixos da Fundação, que
cantavam:

Vai me atolar na areia? Não, não, vou estudar! Na UFRGS só tem bichinha, na UFRGS
só tem bichinha, na UFRGS só tem bichinha!!! E putinha sem calcinha!

Já os urguênses desciam mais no nível:

Fundete eu não sô lá da PUC

Eu sô diferente, eu vou ser presidente, você secretária, minha faxineira...!

Fundete vem fude comigo, de quatro, de frente

Fodo até seu umbigo

Só não me beije, fundete cadela...

Era difícil entender o que mais eles cantavam. O pior foi ver os fundaceiros ganhando a
disputa, por mais que o bixos urguênses se esforçassem para cantar o mais alto possível,
a verdade é que os fundaceiros haviam chegado mais cedo e estavam em maior número.

“Parece que vocês perderam.” Natália comentou e deu uma risadinha.

“Está feliz, né?” André a abraçou por trás, sentindo a garota se balançar no ritmo da
música que tocava.

“Claro. Mesmo que minha irmã faça gastronomia e não medicina na Fundação.”
Comentou, divertida.

XxX

Chegou um ponto em que todos estavam altinhos, dançando em rodinhas, e sempre


alguém ia pro meio da roda fazer alguma bobagem para animar o grupo. Em certo
momento, Fabrício, claro, acabou no meio da roda. Como não era de se acanhar,
começou a dançar de uma maneira masculina sexy, erguendo a camiseta e passando a
mão pelo abdômen definido, fazendo as colegas assanhadas assobiarem e gritarem em
aprovação, o que o fez rir de divertimento. Duas garotas correram pro meio da roda
também e começaram a dançar uma atrás e outra na frente dele, arrancando mais
gritinhos e palmas.

André ficou perplexo ao ver que uma das garotas era Natália. Bem, a garota bebera mais
que a barriga, e estava bem soltinha. Isso sem contar ela na verdade fora arrastada por
Gabi para o meio da roda. André de novo sentiu aquela pontada de ciúmes, e acabou
indo para o meio da roda também. Sua ideia era puxar Natália para longe dali, já que
Fabrício, nada santo, estava passando as mãos pelas costas da garota, subindo pelos
cabelos e a olhando muito profundamente nos olhos, mesmo que risse da situação.

Os planos de André, no entanto, não deram muito certo também. Oras, ele estava
bêbado, estava um tanto escuro e confuso naquele salão cheio de gente, e quando deu
por si, estava na frente de Fabrício, Natália a suas costas, e seu estômago parecia ter ido
dar um passeio por uma montanha-russa nada simpática. Fabrício sorriu de uma forma
estranha e o puxou pela cintura, praticamente colando seus abdomens, mantendo o
corpo balançando sensualmente no ritmo da música. Os dois se esfregaram num
sanduíche apertado entre as duas garotas, que soltaram gritinhos de empolgação.

André achou que iria desmaiar, não sabia se porque toda a bebida que ingerira fora para
seu cérebro e fritara seus neurônios, se pelo calor abrasante que o arrematou, ou se pelas
risadas, assobios e palmas que eles recebiam. Ao menos os colegas pareciam estar
levando aquilo na brincadeira mesmo, dessas avacalhações que os guris têm de se
passarem por homossexuais.

Brincadeira, sim, brincadeira. É só uma brincadeira. André garantiu para si próprio,


mordiscando o lábio inferior e sentindo os efeitos do álcool deixarem sua cintura mais
solta, já que sempre fora meio ‘duro’ pra dançar. As mãos de Fabrício eram firmes em
sua cintura, e a boca dele parecia próxima demais, a respiração saindo ofegante por
entre os lábios entreabertos; aqueles olhos negros cravados no seu de uma maneira
enigmática que lhe arrepiava a nuca suada. Uma fumaça perfumada foi liberada na
pista, inebriando as narinas, deixando o ar opaco. A luz piscava de uma maneira que o
deixava zonzo, e conseguia sentir a fricção do corpo rígido de Fabrício contra o seu em
alguns momentos, em contrapartida com o macio dos seios de Natália às suas costas.

Quando a música estava acabando, Natália acabou se metendo entre os dois, livrando-o
daquele sufocamento que o impedia de respirar direito. André a abraçou por reflexo e,
tomado pelas sensações fortes, a beijou, sendo prontamente retribuído. Estava com uma
tesão desgraçada que queria afirmar para si mesmo ser pela garota em seus braços, não
por aquela dança pervertida que tivera com Fafá na frente de no mínimo uns vinte e
cinco colegas.

Abriu os olhos em meio ao beijo, tentando achar Fabrício, mas o moreno já se afastara.
Suspirou de alívio, abraçando Natália com mais força, lembrando-se de como gostava
do corpo magrinho e delicado dela. Era como uma bonequinha mesmo. Sim, porque eu
gosto é de mulher. Mu-lher.
XxX

Fafá estava bebendo e rindo com alguns colegas numa outra parte do lugar que não
tinha música, só a sonoplastia vinda do salão ao lado. Alguns colegas ele ainda não
conhecia direito, então era bom socializar daquela forma mais descontraída, diferente de
quando se está na faculdade. Estava rindo de uma piada que um dos colegas recém
havia contado, quando viu Fran, Natália e Nati indo em direção aos banheiros, também
cheias de risadinhas, saltitantes pelo álcool.

“Hei! Nati!” Chamou a garota, que rodopiou atrás do chamado.

“Que foi?!” Ela gritou em retorno.

“Onde ‘tá o Santa?” Perguntou. Natália franziu a testa, mas então Gabi falou algo para
ela, e ela rapidamente fez uma careta de compreensão, junto com uma risada.

“Na real não sei! Ele sumiu, perdi ele de vista. Tu me faria um favor se encontrasse ele
pra mim!” Ela exclamou, dando de ombros com as mãos erguidas, e um sorrisinho
traquinas no rosto.

“’Tá bom!” Fafá concordou. Pouco depois, de fato, resolveu ir atrás do loiro. Já sabia
que ele não ficava muito coerente quando bebia demais, e já tinham bebido bastante na
casa do tio, coisa que Natália talvez não soubesse, por isso a pouca preocupação.

Deu umas voltas pelos dois salões, mas nada de encontrar André. Tentou ligar pro
celular dele, mas não foi atendido. Suspirou, achando aquele sumiço estranho, mas
talvez só o houvesse perdido de vista mesmo, apesar de bastante gente já ter ido
embora, ainda havia gente suficiente nas duas pistas para dificultar encontrar alguém;
porém, André não estava em nenhum dos grupinhos de colegas dançando.

Fafá foi até as vidraças das janelas e procurou a moto de André, e ela estava lá. Já
estava se afastando da janela, quando justamente a pessoa que procurava apareceu em
seu campo de visão. André se dirigia até a moto estacionada; parecia meio trôpego, e
Fafá não viu isso como um bom sinal. Mesmo que também meio zonzo da bebida,
correu em direção as escadas antes que André fizesse alguma bobagem.

XxX

“André!” Fafá chamou a meio caminho do loiro. Correra até ali, mesmo tendo quase
tropeçado e rolado escada abaixo há menos de um minuto. Estava mais tonto do que
imaginara. O loiro se virou, com uma expressão confusa, ao ouvir a voz de Fabrício.

“Quê?” Ele perguntou.

“Onde tu ‘tá indo, criatura?” Perguntou, percorrendo os últimos passos até o loiro. “Não
‘tá pensando em subir na moto nesse estado, né? Tu devia ter vindo de táxi.”

André parou e piscou, bastante aturdido. Não tinha mínima ideia do que estava fazendo,
pra falar a verdade. E acabou rindo da situação.
“Sei lá.” Falou bobamente, dando de ombros e rindo. Fabrício mais uma vez afirmou
para si mesmo que bebida alcoólica era um perigo, principalmente quando no
organismo de André.

“Vamos voltar então, a Natália ‘tava atrás de ti.” Disse e agarrou o pulso do loiro,
tentando levá-lo de volta em segurança. André olhou para a mão que o segurava,
analisando aquilo como quem analisa algo raro, difícil de entender.

“Não.” Falou, afundando os pés no chão. “’Tava muito calor lá dentro, e minha rinite
trancou meu nariz, ‘tô respirando mal.” Resmungou soando mais bêbado do que nunca,
quase infantil. “Vamos dar uma volta aqui por fora.”

Dessa vez quem foi arrastado foi Fabrício. O loiro caminhou para longe do prédio até
que chegassem a um minicampo de futebol, vazio e apenas ligeiramente iluminado
àquela hora. Havia uma parte dele, no centro, aberta no teto, mostrando o céu cheio de
estrelas. Quando chegaram ao centro do campo, André se jogou no chão, deitando de
costas.

“Acho que vou dormir aqui.” Declarou, como se fosse algo bastante razoável. “Me
acorde quando o sol nascer.” Virou pro lado, se acomodando.

“’Tá brincando, né?” Fabrício riu da cena deplorável. Se gravasse o loiro agindo assim,
ele certamente arrancaria os cabelos no dia seguinte. “São recém umas quatro da
madrugada.”

“Hora de caminha.” André resmungou novamente, sonolento, inconsciente do que dizia,


o que arrancou uma gargalhada do moreno.

“Você não pode dormir aí, Santa.” Disse, condolente, sentando-se ao lado do loiro e o
cutucando no ombro. André deu-lhe um tapa na mão.

“Não me chama de Santa.” Retrucou com um bico mal-humorado. Depois voltou a ficar
de barriga para cima e virou o rosto para o moreno, olhando-o com as pálpebras
estreitadas. “Por que tu se dividiu em dois?”

“Tu bebeu tanto assim?” Fafá perguntou, surpreso. Também sentia os efeitos do álcool,
mas ainda estava consciente das coisas ao seu redor e definitivamente não estava com
visão dupla! “Tu não sabe mesmo se controlar, né, bestinha?”

“Não.” André choramingou. Se estivesse mais consciente, lembraria Fafá de como ele
também ficara podre da festa da matrícula. “A porra da minha cabeça ‘tá girando, acho
que se eu levantar, vou vomitar. Hei, para de se mexer!”

“Não ‘tô me mexendo!” Fabrício ergueu as mãos pro alto e riu, olhando pro loiro ali
estirado no chão. Os lábios de André estavam entreabertos e umedecidos, e as
bochechas coradas pelo álcool. Ah, não é um bom momento pra ficar com essas
vontades de novo! Fafá se recriminou ao encarar despudoradamente a boca alheia. Não
podia abusar do amigo bêbado, não é? “Vou te dar cinco minutos, depois voltamos.”

André fechou os olhos, ignorando-o.


“Por que tu não canta alguma coisa? ‘Tô com um zumbido chato no ouvido.” Pediu
depois de um momento de silêncio preguiçoso.

“Que que tu quer que eu cante?” Fabrício resolveu não discutir. Não era seguro discutir
com um bêbado, muito menos com um André bêbado.

“Uma música em inglês dessa vez, que tu curta.” Exigiu o loiro. Gostava de ouvir
Fabrício cantar músicas brasileiras, mesmo que nunca tivesse se ligado nelas, mas dessa
vez queria algo mais familiar ao ouvido.

“Sem meu violão não fica tão bom, mas ok.” Fabrício suspirou. Dobrou uma perna,
descansando um braço sobre o joelho, enquanto o outro braço servia de apoio ao corpo,
e começou a cantar uma música do Jason Mraz que gostava muito, pela mensagem
bonita que passava, e que lhe dava uma saudades imensa de casa e dos pais.

93 million miles from the sun


People get ready, get ready
Cause here it comes, it's a light
A beautiful light, over the horizon
Into your eyes
Oh, my, my how beautiful
Oh, my beautiful mother
She told me, son, in life you're gonna go far
If you do it right, you'll love where you are
Just know, wherever you go
You can always come home

André, mantendo os olhos fechados, franziu a testa. Ficou impressionado novamente,


pois, mesmo em inglês, Fabrício cantava muito bem. Era uma voz gostosa de ouvir,
dava vontade de passar até o amanhecer escutando-o, sentindo-se relaxado.

Bebadamente emocionado por aquela voz, André tateou o chão com a mão, até
encontrar a de Fabrício, podendo sentir o calor da pele do outro. Talvez fosse o álcool,
mas não se achou bobo com aquilo, e sentiu o coração acelerar quando Fabrício segurou
sua mão, retribuindo ao toque com um aperto gostoso. Olhou pro moreno, vendo-o de
baixo e o achando tão... bonito.

240 thousand miles from the moon


We've come a long way to belong here
To share this view of the night
A glorious night
Over the horizon is another bright sky
Oh, my, my how beautiful
Oh, my irrefutable father
He told me, son, sometimes it may seem dark
But the absence of the light is a necessary part
Just know, you're never alone
You can always come back home
Ficaram alguns segundos assim, até que, tomado por uma indignação devida à beleza da
voz do moreno, André se sentou de súbito, o que apenas o deixou ainda mais tonto, e se
virou para Fabrício, apoiando as mãos nos ombros alheios. Fabrício parou de cantar e o
olhou assustado, por um segundo achando que o outro iria beijá-lo.

“Não é justo!” André reclamou enfezado, fazendo Fabrício piscar se perguntando o que
fizera de errado.

“Ahn?” Fez, bobamente, colocando as mãos na cintura do loiro, já que ele parecia que
cairia sobre si, caso não o amparasse. E também, claro, porque não iria perder a chance
de segurar a cinturinha do outro. Era bobo, mas não burro, oras.

“Não é justo que tu tenha uma voz tão boa assim, e eu nem consiga cantar ‘parabéns pra
você’!” André se inclinou mais para frente, e suas mãos subiram para o rosto de
Fabrício, apertando e inspecionando-o, enquanto se forçava mais para frente.

Fabrício gemeu de dor pelos apertos, quase perdendo o equilíbrio.

Mais um pouco e cairia de costas contra o chão.

“Me dê tuas cordas vocais!” André exigiu inflamado e nada coerente, tentando colocar
os dedos dentro da boca de Fabrício, talvez com a ideia de roubar mesmo as cordas
vocais de Fafá.

Um André bêbado podia ser realmente perigoso.

Fabrício explodiu em risadas, acabando por cair mesmo para trás, com um choque
dolorido das costas contra o piso da quadra. Com isso, André acabou caindo por cima
dele, soltando um resmungo desorientado.

“Não posso te dar minhas cordas vocais.” Fafá falou sorrindo largamente, não se
importando em ter um loiro confuso por cima de si. Pôde ver mais de perto as
bochechas coradas pelo álcool, os cabelos claros caindo para frente, e os cílios que
piscavam repetidamente. “Mas posso continuar cantando pra ti.”

Inverteu rapidamente as posições, antes que André percebesse a situação dos dois e se
afastasse bruscamente. André ofegou baixinho com aquela pressão súbita – o corpo
quente de Fafá contra o seu, parecendo queimá-lo mais do que se tomasse um banho
demorado de água fervente.

Quando Fabrício aproximou os lábios da orelha de André, a pele do loiro se eriçou e


uma das pernas involuntariamente se dobrou, enquanto suas mãos permaneciam nos
ombros de Fafá e seus olhos se fechavam, apertados, a testa franzida.

Fabrício recomeçou a cantar, num tom sussurrado que parecia roçar na pele assim como
os lábios do moreno roçavam em sua orelha, causando-lhe arrepios tímidos.

“Quis evitar teus olhos, mas não pude reagir. Fico à vontade então. Acho que é
bobagem, a mania de fingir, negando a intenção...”
André se abraçou com força ao moreno, como se isso pudesse impedir seu coração de
bater tão rápido e ajudar sua cabeça a parar de girar como um catavento em um
temporal repleto de redemoinhos. Fabrício acariciou com a ponta dos dedos o pescoço e
os cabelos lisos do loiro, cantando ainda mais baixo o resto da música:

“E quando um certo alguém desperta o sentimento é melhor não resistir, e se


entregar...”

De repente, quase sem perceber, um silêncio permeado pelas respirações pesadas e


desregulares tomou conta dos ouvidos de ambos.

“André.”

André ouviu o chamado e estremeceu com um calafrio que nada tinha a ver com a
temperatura da noite. Abriu os olhos e viu que o rosto de Fabrício estava na altura do
seu, a mão dele apoiada contra o chão logo ao lado de sua orelha. Sentiu a cabeça girar
mais do que antes, fazendo-o puxar o ar pela boca, o coração pulsando na garganta.

“Quê?” Voltou a perguntar debilmente, com os olhos azuis cravados nos negros.

“Tu acha que vai se lembrar disso amanhã?” Fafá perguntou, com ar de dúvida e
preocupação. O loiro não entendeu nem um terço do que ele estava falando.

“Isso o quê?”

“Isso...” Fabrício deixou o antebraço bater contra o chão, e seu rosto se aproximou mais
do do loiro. André prendeu a respiração, sentindo-se paralisado, mas com uma excitação
prestes a explodir no corpo, uma expectativa que não entendia muito bem.

Apertou em retorno o ombro do moreno.

“Se eu lembrar, vou te bater.” Sussurrou em retorno, com os olhos já se fechando


involuntariamente, tremulando, pesados além do sono. Sentiu os lábios de Fabrício
roçando nos seus, fazendo-o suspirar baixo depois dos segundos suspendendo a
respiração.

“Então espero que esteja suficientemente bêbado...” Fabrício fechou os olhos e, com um
movimento rápido e quase agressivo, acabou com os últimos milímetros entre os dois,
roubando aquele beijo com a gula de quem não aguenta mais a dúvida de se achará
aquilo realmente bom ou não.

E, deus, era bom.

Notas finais do capítulo


André fica tão fofo bêbado. OIJAUIOAJHAIOA (evitando falar sobre a maldade de
terminar o cap. assim, haha!)
Gente, obrigada mesmo por todo retorno, estou muito animada, mesmo, louca pra ter
férias e poder escrever tudo que falta, haha!
O discurso do Henrique no início do cap... Tentei transcrever um que um professor que
tive esse semestre falou, no dia do médico. Foi muito bonito e me emocionou muito,
mas não cheguei nem aos pés, mas enfim... xD
Beijos, até final de semana que vem ;*

(Cap. 15) Universos paralelos


Notas do capítulo
Oi galera! Finalmente o Nyah voltou, certo?! Agradeço imensamente à Little red riding
hood pela recomendação! Amei! Obrigada! *_* Não reli o cap., vou fazer isso amanhã,
e responder às reviews também amanhã! Só estou postando hoje porque já há bastante
tempo era pra esse cap. estar postado. Amanhã sem falta respondo todo mundo! Boa
leitura!

Uma latência poderosa esmagava a cabeça de André, como se um elefante preguiçoso


estivesse sentado sobre si sem previsão para se levantar. A dor o levou a franzir a testa,
ainda de olhos fechados. Aos poucos tomou consciência do colchão macio no qual se
deitava.

Ele não fazia ideia de como acabara na própria cama. Não que ele achasse que era coisa
ruim acordar na própria cama depois de uma noite de bebedeira. Estava muito satisfeito
por não ter acordado em um beco sujo e fedido, depois de ter a moto roubada, ou algo
pior.

A questão é que ele não se lembrava de quase nada da noite passada, além de ter entrado
na festa, dançado na frente do Fabrício de um modo nada digno, e tomado mais uns
três... Cinco... okay, dez copos de vodka misturada com algum suco ou refrigerante nada
agradável.

Os problemas de festas com bebida liberada: ou você apaga, ou você vomita na roupa de
alguém, ou você é arrastado para fora da festa por algum segurança por estar fazendo
strip-tease ao lado do DJ. Ou a soma de todos os fatores que, como diz a matemática,
não altera o produto.

Soltando um resmungo pela terrível dor de cabeça, virou de lado e acabou batendo o
braço em outro... corpo?

'Invasores!' Foi a primeira coisa que pensou, ainda um tanto tonto de sono; porém,
segundos depois, reparou que o tal invasor não parecia lá muito perigoso; aliás, era
alguém bem conhecido.

Há algo errado. Percebeu; grogue pelo sono e mal conseguindo abrir os olhos, apalpou
melhor o corpo da pessoa deitada junto consigo na cama. Ainda estamos de roupa,
notou e abriu ergueu as pálpebras, sentindo-se cego por alguns segundos.

Natália ressonava baixinho junto a si, não parecendo disposta a acordar tão cedo. André
ergueu um pouco a cabeça e olhou para o relógio. Não eram nem onze da manhã, e ele
não fazia ideia de que horas havia chegado em casa. Aliás, ele não fazia ideia nem de
como chegara em casa, para início de conversa. Suas memórias se tornavam nulas a
partir de algum ponto em que dançava na pista de dança, logo após ter de dispensar uma
garota tão ou mais bêbada que ele.

O loiro bem que pensou em deixar a cabeça afundar novamente no travesseiro, entrar
em coma profundo e acordar só no dia seguinte; porém estava com aquele gosto
péssimo na boca, de bebida e vômito, então se obrigou a ir ao banheiro para fazer uma
higiene básica. Vomitei noite passada? Perguntou-se. A que ponto desci... Lamentou,
balançando a cabeça enquanto mantinha uma mão apertada contra a testa.

“Nunca mais irei beber tanto.” Falou o que todo jovem diz para si mesmo depois de um
porre. Somente para repetir a bebedeira dali algumas semanas, ou menos até. André
sabia que teria muitos porres ao longo da faculdade.

Escovou os dentes e tomou um banho quente, relaxante. Quando saiu do banheiro, viu
que Natália já havia se levantado e se arrumava para ir embora.

“Já de pé.” Comentou e se aproximou para dar um selinho nela, mas a garota
habilmente se esquivou, fazendo o loiro erguer uma sobrancelha.

“Não escovei os dentes ainda.” Ela justificou, batendo a ponta do indicador no nariz de
André, mas havia algo por trás de seu tom. Ela pegou uma pequena nécessaire e foi até
o banheiro. André, ainda somente com a toalha enrolada na cintura, seguiu-a e se apoiou
à batente da porta.

“Então, que horas chegamos, como viemos, aconteceu alguma coisa? Não lembro de
quase nada...” Comentou com a morena, que sacudiu os ombros e cuspiu a espuma da
boca para responder.

“Chegamos depois das cinco da manhã. Voltamos de moto, claro.” Ela falou,
displicente. André arregalou os olhos.

“Tu me deixou dirigir bêbado?” Perguntou assustado. Diferentemente de algumas


pessoas, o loiro achava que não dirigia melhor quando alcoolizado. Incrível não ter
jogado os dois contra um poste.

“Claro que não! Eu dirigi.” Ela disse tranquilamente, antes de meter a escova de volta
na boca.

“Quê?!?!” Dessa vez André se assustou a valer. Correu para frente do espelho comprido
do quarto, olhando-se com o coração aos pulos, as mãos tateando o próprio corpo.
“Estou inteiro? Há algum pedaço faltando? E minha moto?! Como está minha moto?!”

Natália, que o seguira dado o estado de perplexidade do loiro, estreitou os olhos.

“Haha, muito engraçado.” Forçou a risada, a voz saindo engrolada pela espuma na boca,
e deu um tapão estalado no ombro de André, que soltou um gemido de dor misturado
com uma risada.
Ele se aproximou dela também, começando a analisá-la de cima a baixo, atrás de
alguma injúria.

“Tu nem terminou as aulas de moto ainda! Como quer que eu fique tranquilo?”

Natália o empurrou e voltou para o banheiro, terminando sua higiene.

“Não tenho carteira ainda, mas já sei dirigir uma moto desde meus dezesseis! Várias
pessoas andam de carro ou moto por aí sem ter carteira. E tua moto ‘tá inteirinha,
ouviu?” Ela dispensou quando voltou ao quarto. Passou as mãos pelos cabelos mais
embaraçados que o normal. “Preciso ir...”

“Por quê?” André perguntou e abriu um sorriso maliciosamente torto, sentando-se na


cama e se apoiando nas mãos para se inclinar para trás. Na verdade estava com uma
puta dor de cabeça e enjoado ainda, mas talvez sexo o ajudasse com isso. “Podemos
aproveitar essa manhã de domingo...”

Natália não deixou de analisar o corpo definidinho do amigo. Mesmo que loiros num
geral não fossem sua primeira opção, André tinha seu tipo físico preferido – magro e
fortinho, sem exageros, os músculos esguios ressaltados na medida certa. Tinha horror
de homens altos e fortões demais.

“André.” A garota suspirou, coçando os olhos com uma das mãos. Ela se aproximou do
loiro e o beijou na testa. “Eu te amo, tu sabe né? É um dos meus melhores amigos, e o
único com quem eu já tive benefícios.” Sorriu marota.

“Sei.” Respondeu o loiro, carinhoso, fazendo um afago na cintura dela, mas não
retribuindo o ‘eu te amo’. Como qualquer garoto, não costumava falar essas três
palavrinhas com frequência.

Natália riu – André era alguém difícil para falar o que sentia, quiçá até demonstrar.
Pessoas que não tentassem vencer as barreiras de antipatia iniciais dele, nunca seriam
suas amigas. Ela ficava feliz por ser do tipo que fazia amizades facilmente, do contrário,
não teria o loiro em sua vida. Inclusive lembrava-se de que o achava bastante chato no
início, todo mimado, nariz em pé e até pedante. Mas descobrira que, sim, ele era
mimado, porém o resto era apenas fachada. Ou quase apenas fachada.

“Vou sempre te apoiar. Não importa que decisões tu tome, que descobertas tu faça.
Quero ser sempre tua amiga, um ombro amigo. Mas acho que não devemos continuar
com isso.” Ela decidiu, fazendo um carinho dengoso nos cabelos dourados e úmidos
dele.

“Isso o quê?” André se surpreendeu, aquilo era tão repentino quanto um raio na testa
num dia de sol.

“Isso – beijos, sexo. Eu na real sempre preferi os morenos.” Ela disse, descontraída, mas
num tom de quem falava a sério. “Se continuarmos com isso, tenho medo de nossa
amizade acabar abalada. Eu ando a fim de um relacionamento sério.” Mentiu. No ano
em que André estivera pela Europa, se envolvera com um tatuador, se apaixonara
bonito, mas rachara a cara feio, e a última coisa que queria no momento era se
apaixonar de novo.

As sobrancelhas de André se aproximaram.

“Isso é algum ultimato? Ou namoramos, ou acabamos por aqui?”

“Não!” Natália falou rapidamente, arregalando os olhos. Era justamente o contrário!


Depois do que vira noite passada... Compreendera que era melhor assim. Sentia-se
confusa, sim, e um pouco machucada, mas sabia que eram sensações passageiras, de
alguém que perde algo especial. André em breve precisaria de uma amiga, e ela estaria
ali por ele.

Pensou rapidamente na melhor forma de explicar aquilo e mentiu:

“Eu estou apaixonada por alguém.”

André a olhou sem palavras. Não tinha como argumentar contra aquilo, mas ainda
assim, não conseguiu tirar da cabeça a ideia de algo acontecera naquela madrugada que
levara a garota a tomar aquela decisão...

XxX

O laboratório de Histologia era dividido basicamente em: microscópios ruins e


microscópios bons. E os bons somavam um total de apenas oito. André, Fabrício e Gabi
estavam sentados mais ao fundo, onde ficavam os piores microscópios. Motivo: André
demorara o que pareceram duas horas para comer uma minipizza que comprara no Bar
do Antônio depois da última aula de biofísica antes da prova, na quarta.

Era a primeira aula no laboratório. Os horários haviam mudado agora, mais horas de
aula na semana, menos tempo livre, dava preguiça só de pensar. E isso que só haviam
passado por uma única prova! André e Fran gabaritaram, Gabi tirara perto de nove, Fafá
tirara um pouco mais que nove, e Rafael um glorioso sete. Era uma vitória ter ido bem
na primeira prova da faculdade, dava uma sensação maior de que tudo era possível.

“Então... Vocês dois sabem se eu fiz algo na festa sábado que possa ter irritado a
Natália?” Cochichou com Fabrício, e achou estranho o silêncio morto que teve como
resposta em vez de alguma piadinha de mau gosto e uma risada espalhafatosa. “Fafá?”

“Ahnn...?” Fafá o olhou. “Acho que não, por quê? Ela brigou contigo no dia seguinte?
Disse alguma coisa?” Perguntou, e seu ar tinha algo de culpado. André o analisou com
cuidado, tinha olheiras sob os olhos e a barba estava um pouco maior, o que indicava
que já não a fazia há uns três ou quatro dias no mínimo.

André deu de ombros.

“Digamos que vou ter que encontrar outra pessoa para passar as noites quando estiver a
fim de sexo.” Sussurrou inconformado, voltando a prestar atenção no que a professora
dizia e desenhava no quadro sobre o que teriam de ver nas lâminas, e também apontava
numa televisão conectada ao microscópio dela.
“Bah... Que palha.” Fabrício soltou, desconfortável, coçando a barba.

Naquele momento, no meio da aula, o celular de Gabi tocou. A música era 93 Million
Miles, do Jason Mraz. A garota se atrapalhou toda para desligá-lo, quase deixando o
próprio microscópio cair no chão, o que atraiu algumas risadinhas e uma careta
insatisfeita da professora.

“Desculpa, prof.” Disse com um sorrisinho sem graça, depois de vários segundos de
luta contra o celular.

André estava com a pele arrepiada. Por algum motivo a música lhe causara uma fisgada
nas entranhas. Um flash da madrugada de sábado voltou-lhe de súbito à memória
consciente.

“Me dê tuas cordas vocais!” André exigiu, nada coerente, tentando colocar os dedos
dentro da boca de Fabrício, talvez com a ideia de realmente roubar as cordas vocais do
outro.

O moreno explodiu em risadas, acabando por cair mesmo para trás, um choque
dolorido das costas contra o piso da quadra. Mas com isso André acabou caindo por
cima de si, com um resmungo desorientado.

André olhou para Fabrício por alguns instantes, até atrair a atenção do moreno. Sentia
suas bochechas queimarem, e desejou desesperadamente lembrar como diabos haviam
acabado naquele lugar e o que acontecera depois daquilo. Mas quando Fafá o encarou
com uma expressão indagadora, desviou o olhar e não perguntou nada. Tinha medo da
resposta.

Talvez fosse até uma memória falsa...

XxX

“Tu não ‘tá entendendo.” André falou ofegante enquanto voltavam para o ponto que, até
a linha de partida/chegada, daria 200 metros.

Era final do dia e os dois corriam na pista de corrida da Redenção. Iriam participar da
competição de corrida no Intermed, logo, vinham treinando todos finais de tardes
juntos, até lá. Faltava menos de dez dias; na quarta-feira da próxima semana, já iriam
pra Torres, antes do feriado.

Gabi estava sentada num pedaço de arquibancada velha, na frente do ponto de


partida/chegada, para marcar o tempo, acompanhada por outras pessoas que também
estavam ali marcando tempo e se preparando para outras provas, como corrida com
salto.

“Se há universos paralelos, então o eu num outro universo paralelo não seria exatamente
eu, porque, se nossa identidade é a partir de nossas experiências e memórias, então não
pode ser eu, pois qual a probabilidade de eu e o eu de lá termos tidos as mesmas
experiências?” A conversa obviamente não tinha nenhum objetivo ou lógica num
contexto coerente, mas era coerente em seu contexto.
“Mas não deixa de ser tu, com toda a tua carga biológica e genética que passou por
outras experiências. Mas levando em conta que é tu, frente às diferentes experiências,
ainda é a forma mais próxima de como tu agiria ao se deparar com elas. Então, ainda é
tu, sim, só que pode ser um tu pobre, por exemplo...” Fabrício contra-argumentou.

André balançou a cabeça, e os dois passaram quase quinze minutos discutindo aquilo,
entrando em uma discussão até sobre morte em outros universos paralelos, e como isso
aumentava as chances de acontecer no universo em que estavam, entre outras loucuras.
André notava que talvez estivesse convivendo demais com Fafá.

“HEI! SEUS PANACAS! VÃO CORRER OU NÃO?” Eles ouviram o grito de Gabi
vindo lá do outro lado da pista. Já haviam quase se esquecido de que estavam ali para
correr. Prepararam-se rapidamente, ficando naquela pose clássica antes do apito de
partida. Gabi apitou lá do outro lado, e eles dispararam.

Os dois eram bem rápidos. A pequena diferença de altura contribuía para que ficassem
emparelhados. Porém quando começaram a contornar a pista oval, Fafá tomou a
dianteira, por mínimos centímetros. André bem que tentou colocar mais velocidade,
mas já estava em seu limite.

Gabi parou o cronômetro quando passaram pela linha.

“Fafá! Tu bateu o recorde do ano passado por dois segundos!” Ela se animou.

“Dale-ô!” Fabrício exclamou quase sem ar, comemorando.

“E tu, Santa, empatou com o vencedor do ano passado! Fala sério, vamos ter medalha
ceeeerto!” Bateu palminhas, enquanto os dois se apoiavam nos próprios joelhos,
inclinados, tentando recuperar o fôlego.

André observou o moreno pelo canto do olho. Ele estava com uma camiseta de física
larga, o que deixava notar bem os braços, ombros e parte do tórax. O suor escorria pelo
pescoço, e a camiseta já estava molhada, enquanto ele arfava. Com uma fisgada na boca
do estômago, André desviou o olhar, sentindo-se estúpido, mas logo abafando a
sensação.

Fafá o olhou quando ele olhava para o outro lado, admirando-o por um momento,
reparando nos cabelos ligeiramente compridos e lisos do outro, grudando na nuca e
alguns fios no rosto ruborizado pelo esforço. E a cena da madrugada de sábado o
invadiu, tudo que aconteceu após beijá-lo...

(...)

Moveu o corpo contra o do loiro, friccionando seu baixo ventre entre as pernas
entreabertas de um André completamente prensado contra o chão. André soltou um
gemido contido com aquilo, e Fafá sentiu a respiração falhar em meio ao beijo, levando
as mãos para agarrar a bunda do loiro e puxá-lo mais contra si, mesmo que estivessem
inteiramente colados.
Largou a boca do loiro, onde se deliciara com os lábios cheinhos e macios dele, que
davam uma baita vontade de morder até deixar vermelhos e inchados, e escorregou a
boca pela lateral do pescoço dele. André tinha uma boca ótima de beijar, não tinha mais
nenhuma dúvida. E como era bom tirar aquela dúvida! Talvez fosse o álcool, mas
também não achara nada estranha a falta de seios, ou a óbvia rigidez masculina do corpo
dele.

André respirava agitado, apertando os dedos nos braços definidos do moreno.

“Vamos pro meu apartamento...” Fafá pediu perto do ouvido do loiro, sem pensar em
nada, apenas tomado pela excitação. Não pensava em como seria apressado, arriscado e
obviamente maluco continuar com aquilo. “Fica comigo essa noite...” O mordeu no
pescoço, feito um vampiro esfomeado.

André não conseguiu responder, estava embriagado demais por álcool e beijo. Seu
coração batia tanto que um médico poderia acreditar que logo entraria em falência, a
pressão também parecia nas alturas. Sua cabeça girava, e a tesão era uma bastarda
desgraçada que deixava seu corpo sensível até mesmo ao vento fraco e fresco da noite.

Mas como ele não respondeu, Fabrício voltou a atacar os lábios entreabertos e ofegantes
do loiro, que não demonstrou resistência, apenas voltou a apertar os braços e ombros do
moreno e mover as pernas, como se não soubesse o que fazer com elas. A língua de
Fabrício pareceu dominar sua boca inteira, provar de sua língua como bem entendia,
enquanto mal conseguia encontrar forças para lutar em retorno pelo controle. A maneira
como o moreno apertava sua bunda parecia coisa de tarado.

“André...?!” E o chamado foi o suficiente para separá-los abruptamente. Fabrício caiu


pro lado como se atingido por uma marretada no meio da testa. Quando olhou na
direção do som, viu Natália observando-os com o queixo caído, os olhos surpresos e as
bochechas, geralmente amorenadas, mais pálidas do que nunca.

Fabrício quis se afogar num poço de piche. Era pego no flagra beijando o loiro bem pela
ficante dele! Já André se sentou, olhando para Natália com uma expressão de quem não
entende nem o princípio de dois mais dois ser igual a quatro. E no lugar de responder
algo coerente, o loiro virou o rosto pro lado e vomitou.

‘Os efeitos do meu beijo’, Fafá pensou com ironia, sorrindo sem humor.

Natália se aproximou e amparou André, ajudando-o a se levantar. André parecia prestes


a desmaiar.

“Tu deveria ter vergonha na cara por se aproveitar de um bêbado dessa forma.” Ela
disse secamente para Fabrício, que sentiu a culpa de fato aumentar.

“Olha, eu...”

“Não preciso de explicações. Sei o que vi, e isso não é assunto meu.” Ela rebateu. “Não
vou dar uma de namorada ciumenta e traída, porque não sou namorada do André, e
vivemos ficando com outras pessoas.”
Havia festas em que ficavam, outras em que isso nem acontecia, e nessas ficavam com
outras pessoas na frente um do outro, sem complicações. Eram apenas amigos com
benefícios, só nunca havia acontecido de um deles ficar com outra pessoa numa festa
em que estavam ‘juntos’.

“Mas tu deve saber que ele não gosta de homossexuais.” Continua a garota, passando
um braço de André por seus ombros e o dela pela cintura do loiro. Fafá reparou que ela
era forte pra conseguir sustentar um garoto maior que ela. “E por isso ele muito
provavelmente não iria querer ser beijado por um guri, se estivesse um pouco mais
consciente.”

“Mas eu-“

“Eu notei a forma que tu olhava pra ele durante a festa. Não sou idiota.” Natália
argumentou, suprimindo a parte que também notara os olhares de André pra cima do
moreno. Não costumavam dizer que tinha olhos como os da Monalisa por nada, sempre
reparava nos detalhes, sem que ninguém percebesse suas observações. “É bom que
pense bem no que está fazendo, ou vai arruinar a amizade de vocês dois.”

“Eu sei, só que-“

“Da próxima vez que tentar beijá-lo, seja menos covarde e vê se tenta quando ele estiver
sóbrio.” Alfinetou, e uma facada na barriga seria menos violenta que o comentário. Fafá
se calou, não encontrando nenhum argumento para aquilo. “Vamos André.” A garota
disse e levou embora o loiro, que praticamente se arrastava sobre os dois pés, a cabeça
pendendo para o chão.

Fabrício se jogou novamente na quadra (bem longe do vômito do loiro), ficando deitado
de barriga pra cima, as mãos apoiadas atrás da cabeça e olhando as estrelas, não saberia
dizer por quanto tempo, enquanto se recriminava por ter se aproveitado do loiro bêbado.
No fundo, não conseguia se arrepender.

(...)

Eu o beijei mesmo. Pensou voltando ao momento presente, perplexo novamente com a


própria ousadia, e novamente envergonhado pelo ‘sermão’ que recebera. Afastou a
lembrança da mente, ou poderia acabar puxando André – dessa vez sóbrio – para um
beijo ali e agora. Não sabia dos Fafás de outros universos paralelos, mas se sentia mais
sortudo do que eles por ter aquela memória em especial.

Notas finais do capítulo


HUHUHU! Não me odeiem por não ter rolado nada além do beijo. Ainda vai demorar
um pouquinho pra isso. E pra lemon nem se fala, né, o André ainda está um pouquinho
longe de conseguir dar a bundinha dele. OIJAAIUOJAOAIOAH Adoro vocês!
Obrigada por todo o carinho! Beijos!
(Cap. 16) Mas...! Eu não sei fazer isso! Extra Davi
Parte I
Notas do capítulo
Olá! Poisé, um extra narrado em primeira pessoa pelo Davi! Haverá mais, porém irei
postando meio alternado com a história, e acho que serão uns três, se vocês gostarem,
faço mais ao final, quem sabe! ;D Fiquem atentos porque ele se passa nove meses
ANTES do início da história.

“Sua putinha sem coração, desde quando sai pra noite sem chamar os amigos?”
Leonardo falou ao celular, bastante amável. Leonardo é sempre um desbocado que
adora xingar os amigos de todas os nomes mais bonitos.

Eu sorri para aquilo e brinquei com o piercing de língua que eu havia colocado há um
pouco mais de uma semana. Não devia fazer isso, pois retardava na cicatrização, mas
era inconsciente mexer no piercing.

“Não estou exatamente saindo para noite, otário. É um encontro da turma na casa de
uma colega, e tu não foi convidado.” Alfinetei, rindo ao escutá-lo soltar uma expressão
de dor. Quase pude imaginá-lo apertando o punho contra o peito, fingindo ser atingido
no coração.

“Teu marido vai ficar com ciúmes.” Leo debochou com um ar sacana.

Ele tinha a mania chata de falar que eu e o André éramos casados, já que fazíamos
quase tudo juntos. Melhores amigos e essas coisas. André odiava a brincadeira, e eu
apenas revirava os olhos. Agora ele está viajando, já há alguns meses, e só volta Deus
sabe quando. Por causa disso, eu e o Leo acabamos nos tornando mais próximos do que
antes.

Sempre havíamos sido amigos, mas agora éramos mais, por assim dizer.

“O único ciumento aqui é tu, queridinho.” Falei num tom meio drag queen que
arrancou uma risada de nós dois.

“É justo. Se divirta então, que eu vou arranjar alguém pra cair na noite comigo.”

“Só não engravide ninguém, por favor.” Pedi nem tão na brincadeira assim. Leonardo
era um total galinha e, de alguma forma, mesmo não sendo desses caras altos e
musculosos que fazem as garotas suspirarem, ele conseguia, com todo seu carisma e
sorrisos inerentes, ficar com praticamente qualquer guria que ele quisesse. Tinha o dom
pra galinhagem, mas era trouxa o suficiente para já ter transado algumas vezes sem
camisinha.

“Mas eu ‘tava justamente pensando em fazer um!” Ele exclamou decepcionado. “Tu
não disse que queria um filho?”

“Não agora. E muito menos um filho teu. Vê se te protege, babaca.” Me deixava muito
irritado a falta de cuidado dele com isso. Depois seria eu que teria de emprestar o ombro
pra ele chorar quando alguma garota aparecesse embuchada, ou ele viesse dizer que
‘tava com HIV. “A gente se fala.”

“Falou.” Ele se despediu e desligou com uma risadinha. Balancei a cabeça e olhei
rapidamente para a rua. Estava perto de chegar. Ao menos a guria que cedera a casa iria
bancar as bebidas também. Ela parecia morar no fim do mundo, e o táxi estava saindo
filhadaputamente caro.

“Vocês dois ainda vão acabar casados.” Tatiane falou, divertida. Olhei para ela, vendo
que havia acordado. Tatiane era uma pessoa estranha. Ok, chamá-la de estranha é uma
ofensa a todas as pessoas estranhas do mundo. Pra começar que ela dorme de cinco em
cinco segundos, é só deixá-la quieta, se não tiver muito barulho então, ela pode entrar
em coma profundo. Mas quando acorda, parece uma máquina estivadora ligada no
turbo, destruindo tudo que vê pela frente. “Antes eu achava que era tu e o André. Mas
agora...”

“Sério, tu tem que parar de empurrar teus sonhos fujoushis pra cima dos amigos.” Ergui
as sobrancelhas. Eu tenho de ser sincero com vocês: eu vinha nos últimos tempos
duvidando da minha heterossexualidade, e a Tati vem me ajudando com isso, mas às
vezes ela exagera na dose. Para ela, se toda a população masculina fosse gay, seria o
paraíso da Terra. Engraçado que eu só fui descobrir isso recentemente, até um tempo
atrás eu era um tipinho homofóbico que falava mal dos gays e, ironia da vida, talvez eu
fosse um.

Eu quis desabafar com alguém e tive de desabafar com a Tati. Tinha vergonha de contar
para os amigos homens, e para Natália não tinha como, ela era muito próxima do André
e acabaria contando para ele. E ele, como eu, não era lá muito fã de homossexuais.
Aliás, me lembrava de um episódio horrível com o pai dele, que se resume basicamente
em o Sr. Heitor destruindo verbalmente o André quando ele tinha apenas uns onze anos.

Eu estava na casa dele, e o André contou ao pai sobre um colega gay que entrara na
escola aquele ano; nós comentamos que o garoto estava tendo dificuldade para
encontrar amigos e que vínhamos convidando-o a andar com a gente. Heitor ficou tão
brabo que nos deu um sermão que pareceu durar horas. O cara é meio desequilibrado,
controlador, autoritário, conservador; eu sempre senti pena do André por ter um pai
como ele.

Ainda tenho arrepios quando me lembro disso. Quando voltei pra casa naquele dia, eu
chorei. Nem sabia dizer por que, mas chorei. Agora me pergunto se não foi porque me
senti pessoalmente ofendido com as coisas que ele dissera, as quais agora nem lembro
direito. No fundo talvez eu já soubesse, desde cedo. Engraçado como me enganei por
tanto tempo e só agora, com dezoito anos, começava a abrir os olhos. Mas era difícil.
Meus pais também não eram exatamente defensores dos direitos homossexuais,
adoravam alfinetar e falar mal dos ‘viados’.

“Já sei. Tu ‘tá de olho no Guilherme!” Ela exclamou e piscou demoniacamente os olhos,
tirando-me de meus pensamentos e conseguindo me deixar corado. Eu nunca havia
sentido tesão por meus amigos, só de pensar nisso me sentia meio... Blargh, sabem?
Seria como beijar alguém da família, sei lá.
Já o Guilherme... Ele é um veterano da Engenharia Civil.

Eu e a Tatiana passamos em Engenharia Civil na UFRGS esse ano. Era ótimo ser colega
dela, pois sou um pouco tímido para novas amizades e ter um amigo junto sempre
facilita no processo de fazer novas, até porque a Tati é mega extrovertida. Até demais,
do tipo que assusta as pessoas no início. Mas depois que se acostumam, não tem como
não gostar, ela é uma negra de um sorriso lindo branquíssimo e tem tanto carisma
quanto o Leonardo.

Eu me achava sortudo por ter amigos como eles.

“Ai. Corou, que graça.” Ela apertou minhas bochechas.

“Que que é, hein?” Tirei a mão dela e comecei a atacá-la com cócegas. Isso me rendeu
um soco nas costelas bastante dolorido. Gurias que sabem socar deveriam ser proibidas
de andar soltas por aí. Gemi de dor e voltei a me sentar comportado o banco.

“Tu pediu por isso.” Ela justificou nem um pouco arrependida. “E então, ele vai estar
lá?” Tati ondulou as sobrancelhas, repleta de malícia.

“Não sei... Talvez.” Dei de ombros, como quem não quer nada.

Tati soltou um gritinho agudo de frustração.

“Nem vem com essa! Sei que vocês dois andam cheios de conversinhas pelo campus. E
ao longo do semestre já jogaram futebol juntos, e foram nas festas...” Os olhos negros
dela brilharam de uma forma pervertida que me assustou. “Aqueles homens suados e
sem camisa no futebol, se esfregando...”

“Eu tenho medo de imaginar o que tu acha que acontece num jogo de futebol.” Falei e
olhei pro taxista, que fingia que nada escutava, mas era óbvio que devia estar achando o
papo bizarro. Pra começar que era meio desconfortável ficar falando que eu era a fim de
outro cara na frente de um desconhecido.

“Vocês dois estão bem amiguinhos...” Ela sugeriu sorrindo de lado.

Isso eu não podia negar, mas não queria dizer nada. Faltava pouco pro semestre
terminar, apenas mais uma semana, até por isso a guria havia sugerido uma festa pra
comemorar. O mais certo seria pra depois das provas, mas aí ela já estaria viajando em
julho. Eu já havia ido em festas com o Gui sim, porém sempre ia um monte de gente
junto. E o futebol a mesma coisa, nunca estávamos apenas nós dois, a exceção de alguns
raros momentos que não duravam muito.

Ele era um cara legal até. No início me deixava com um puta de um medo. Era daqueles
caras altos e fortes, meu completo oposto, que tinha um baita jeito de bad boy. Acho
que não tinha guria que não fosse louca pra dar pra ele. Ele é o Deus grego e loiro da
Engenharia Civil. As engenharias não têm muitas garotas, mas ele chega a ser
conhecido pelo Campus do Vale. Também, ele vivia indo em festa, era cheio de amigos,
ia no futebol de vários cursos, conhecia muita gente mesmo. Em apenas um ano de
curso se tornara aquele ‘cara público’ que é só dizer o nome e dizer ‘aquele loiro!’ e
todo mundo já sabe quem é.

Que importava se eu me pegara admirando o corpo dele durante o futebol, quando ele
tirava a camiseta, e chegava a perder uns gols por culpa disso? Eu não tinha a mínima
chance, e na real nem sabia se queria ter. Ainda estou na fase da dúvida e tenho medo de
acabar ficando com um guri, gostar e não conseguir voltar atrás. Eu nunca fiquei com
muitas gurias, é verdade, mas não achava de todo ruim ficar com elas. Meu segredo é
que sou um completo virgem, havia mentido pros meus amigos sobre isso, e me acho
meio otário por isso, mas sinto vergonha. Tanto o André quanto o Leo já ficaram e
transaram com várias garotas, e eu não queria me sentir pra trás.

Só a Tati sabe toda a verdade.

“É, mas tu ‘tá viajando. Ele é totalmente hétero.” Dei de ombros, desconsiderando o
assunto.

Tati fez uma careta que estampava sua descrença.

“Eu não acho. Já vi ele te dando umas secadas demoradas quando tu ‘tá distraído, viu?”
Ela avisou num tom de quem sabe mais, porém eu nem levei a sério. Devia ser coisa da
mente fujoushi (coisa que ela me explicou o que era há um tempinho) dela. E de boa, ter
um cara do tamanho do Guilherme me secando e querendo me agarrar chegava a me dar
medo – mais do que quando eu recém o tinha conhecido e pensei que ele era do tipo
marrento que adora uma briga. Ele é marrento, mas gente fina, não briga à toa. Mas
voltando... Ele provavelmente me quebraria em dois caso me agarrasse! E, ok, eu ainda
estava tendo dificuldades em me imaginar transando com outro cara, sentia uma
vergonha esmagadora só de pensar, e vídeos pornôs gays me deixavam num estado
lamentável de vermelhidão. Eu sou patético, guris não deveriam ficar assim!

“Não delira, mulher.” Rebati e, pouco depois, chegávamos à casa de nossa colega.

O táxi me doeu o bolso. Ok, eu sou rico e mão-de-vaca, meus amigos me odeiam por
isso, mas é mais forte que eu.

XxxX

A casa da Luciana era muito legal. Digo, parecia daquelas casas antigas que teriam um
armário para Nárnia, ou algo assim. No primeiro andar, havia uma sala espaçosa com
lareira e uma cozinha com churrasqueira onde a galera preparava umas bebidas e uns
guris faziam um churrasco básico com pão, salsichão, coração e pouca carne, apenas o
suficiente pra encher um pouco o bucho. No segundo andar, havia um espaço descolado
para sinuca que mais parecia uma área de bar – o teto triangular baixo, a janela larga,
panorâmica e almofadada na borda onde um pessoal sentava pra beber e observar a
sinuca.

Cumprimentamos os colegas, veteranos e outros perdidos e penetras quando chegamos.


Eu fui para a cozinha e larguei as bebidas que havia trazido ali. A galera ficou contente,
a vodka já estava acabando. Bando de gambás, fala sério! Era recém umas nove da
noite. Como eu não queria ficar sóbrio em meio a uma cambada de bêbados, misturei
vodka e energético num copo. Não vou com a cara de cerveja, apesar de beber na falta
de outra coisa, mas eu acabo enjoado depois de bebê-la. Meus adoráveis amigos tiram
com a minha cara por causa disso.

“O Gui já ‘tá aqui.” Tati cantarolou no meu ouvido, sobressaltando-me e quase me


fazendo derrubar o copo. O tom de voz dela me lembrava a de um velho safado em
posse de Viagra, o que me assustava um tantinho. Ok, um tantão.

“Eu sei. Já cumprimentei ele.” Revirei os olhos. Guilherme estava junto com outros
rapazes cuidando da carne. Como eu entendia pouco de churrasco (apesar de já ter me
virado algumas vezes quando ia com minha mãe pra casa dos meus avós e decidíamos
fazer um), eu preferia não me meter no meio de quem era craque no assunto. Meu forte
é comer, por mais magrelo que eu seja.

“Awn, Davi, que desânimo!” Tati reclamou.

“Tu quer o quê?! Que eu chegue e agarre o guri? Não surta, nem se tivesse só eu e ele
nessa casa.” Sussurrei para ela e acabei olhando pro Guilherme. Ele estava com uma
camiseta branca e calça jeans. A camiseta não era apertada, mas mesmo assim os
músculos do braço ficavam comprimidos na manga. O delírio da mulherada. Já tinha
umas três gurias ao redor dele, e ele obviamente estava com um sorriso largo no rosto.
Sorriso de cafajeste.

“Uma garota pode sonhar.” Tati deu de ombros e olhou também pro loiro. Isso atraiu a
atenção do Guilherme, e eu desviei o olhar rapidinho, não gostando do súbito calor que
me atingiu. Era ridículo, eu já havia interagido com ele dezenas de vezes, e agora isso.
Tudo culpa dos hormônios da Tatiana me influenciando.

“E aí, cara! Que bom que vieram! Qualé a boa da night?” Um dos meus colegas, Enzo,
se aproximou já bêbado, erguendo a mão para um cumprimento que eu devolvi.
Acabamos indo para a sala, onde havia música e um bando de gente ou empilhada nos
sofás, ou dançando numa pista de dança improvisada.

Não fui dançar, é claro. Acabei conversando com mais colegas e depois subi pra jogar
sinuca. Eu não sou lá essas coisas, mas dou pro gasto o suficiente pra não dar vexame.

“Tem dupla? A Aninha ‘tá querendo jogar também.” Carlos falou, indicando a
namorada. Eu olhei pras meninas sentadas na borda da janela de vidro e chamei por uma
delas, mas todas estavam mais a fim de bater papo e tirar foto do que jogar.

“Eu posso jogar.” Guilherme apareceu de repente das escadas. Olhei para ele, que
pegava um dos tacos, e sorri fracamente quando se virou para onde eu estava.
Guilherme tinha uns olhos naturalmente intimidadores que me davam arrepios, mas era
só ele sorrir para que a sensação se dissipasse. Ou piorasse, como vinha acontecendo
nos últimos tempos...

“Não espere muito de mim.” Fui logo avisando.

“Eu já te vi jogar. Não é tão mal assim. E o Carlos joga que nem mulher, então ‘tá
fácil.” Disse despreocupado, debochando amigavelmente do amigo.
“Pode até ser. Mas a Aninha joga que nem homem.” Carlos rebateu, arrancando risadas
de todos nós. Guilherme começou jogando e já na primeira tacada uma bola caiu.
Ficamos com as altas. Ele tentou de novo, mas só deixou perto da caçapa.

“E o futebol, vai rolar amanhã?” Perguntei para ele, já que até ontem não era certo que
houvesse uma disputa entre a minha turma e a dele.

“Bah, cara, ‘tá faltando um jogador pro meu time. Mas acho que sai, tenho quase
certeza de que convenço o Bordin a jogar.”

“Como assim? O Bordin é o mais viciado!” Me surpreendi. Aquele ali estava em todos
os jogos, e sempre combinando e pedindo por mais.

“Culpa de uma aposta idiota que ele fez. Se conseguisse pegar uma mina lá que ele
‘tava a fim, iria ficar um mês sem jogar futebol.” Guilherme revirou os olhos e observou
a jogada da outra dupla. Aninha realmente jogava bem, deixara uma bolinha na boca da
caçapa. “Tua vez.”

“Ele não vai aguentar um mês.” Comentei, bebendo um gole da minha bebida e indo
fazer minha jogada. Consegui colocar na caçapa a bolinha que o Guilherme havia
preparado antes.

“Vai nada. Amanhã vai ‘tá jogando de novo.” Guilherme riu e se aproximou um pouco,
me deixando um pouco nervoso, o coração dando um salto súbito. “Tu colocou o tal
piercing que queria colocar? Tua voz parece diferente.”

“Ah sim.” Ri e mostrei a língua pra ele.

Isso chamou atenção de uns colegas que meteram as caras na minha frente querendo
ver. Vieram as clássicas perguntas de ‘se havia doído’, ‘se não tinha risco de
infeccionar’, se isso, se aquilo. Respondi todas enquanto tentava uma nova jogada, que
foi bem fracassada por sinal.

“Ainda ‘tô me acostumando, ‘tava inchado e dolorido até uns dois dias atrás. Na real eu
não deveria estar bebendo ainda...”

“Então...” Guilherme falou e pegou minha bebida, virando-a num único gole.

“Hei!” Reclamei, mas era tarde. Olhei feio para ele, que apenas sorriu torto. “Tu vai me
buscar uma bebida depois.”

“Primeiro vamos ganhar esse jogo.” Ele disse, arrogante.

“Esses dois estão muito nariz em pé hein, Carlos. Vamos mostrar quem é que domina na
sinuca.” Ana falou, batendo nas costas do namorado e colocando pressão. Carlos foi
tentar jogar e acertou a bolinha só de raspão.

“Ui, isso que é domínio.” Impliquei.


“Isso é só pra dar uma chance!” Carlos rebateu e falou pra Ana. “’Xá comigo, vai dar
tudo certo, lindona.” Piscou pra namorada, que só fez rir da cara dele.

XxxX

“... Aí quando a gente ‘tava na quarta série, o pessoal da quinta era maluco, tipo,
descerebrados mesmo. Teve esse cara que pegou o cabo de uma vassoura e correu em
direção à parede, pra tentar quebrar, sei lá o que ele queria fazer, só que aí ela não
quebrou e o cabo se afundou no tórax dele e perfurou o pulmão!” Eu falava tudo,
gesticulando pros colegas que estavam por ali – Enzo, Giordano, Ana, Carlos, Carol e
Lauro. Não estava mentindo, era uma história doida e sem noção mesmo, e olhe que
meu colégio era o de mais alto nível de Porto Alegre, o Rosário.

“Caralho, que louco meu. E ele viveu?” Enzo perguntou, meio rindo, meio preocupado.

“Foi terrível! Ele caiu no chão e ficou lá, agoniando. As pessoas gritaram, chamaram a
ambulância. Foi absurdo, mas ele viveu.” Tati complementou, num ar grave e
exagerado. As pessoas ou riam incrédulas, ou olhavam com os olhos transformados em
pires. “É real, gente. E tem também a história dos mendigos...”

“Bah, a história dos mendigos!” Eu comecei a rir em antecipação. Ia começar a contar,


porém alguém me segurou o braço. Olhei pro lado e vi uma garota da turma do
Guilherme, veterana, e se eu bem me lembrava seu nome era Marília. E se eu me
lembrava ainda mais, ela e o Guilherme estavam aos beijos no andar de baixo até pouco
tempo atrás.

Quando vi os dois juntos, me senti estranho e subi pra sinuca de novo, ficando ali entre
os amigos, aproveitando a bebida e a conversa, em alguns momentos alternando na
sinuca. Franzi a testa e movi a língua, sentindo meu piercing. Ela era mais alta que eu,
coisa fácil quando se é guri e tem 1,63 m de altura. Tinha cabelos loiros cacheados,
olhos densos e escuros, de um brilho intimidante. Era bem magra, com peitos pequenos
mas suficientemente chamativos, e coxas delgadas.

“Davi, pode vir comigo um pouquinho?” Ela perguntou com um sorrisinho sugestivo.
Eu entreabri os lábios, sem saber o que dizer. O que diabos ela poderia querer comigo?
Olhei pra Tatiana, que deu de ombros, sem entender, e não tive tempo de fazer muito
mais, pois ela me puxou com ela para longe de meus amigos.

Quando dei por mim, estava subindo uma escada para uma espécie de sótão da casa.
Meu coração disparou feito um doido, enquanto eu me sentia suar frio. Aquela guria
estava querendo me levar pra cima para transarmos?! Como que eu ia dar conta de uma
guria como ela? E pra começar, quem disse que eu queria transar com ela? Achei que
iria desmaiar.

E a sensação piorou quando, uma vez no sótão, que parecia uma espécie de quarto
bastante chique, eu vi o Guilherme sentado na cama de casal que havia ali. Suspendi
minha respiração, arregalando ainda mais os olhos, mais do que arregalei quando na
quarta série vi o idiota da quinta se perfurando com um cabo de vassoura.
“O que é isso, Mari? Por que trouxe o Davi aqui?” Guilherme perguntou. Apesar de ter
bebido bastante – é, eu reparei – a voz dele não tinha nada de engrolada, e ele parecia
bastante sóbrio. Havia latas de cerveja pelo sótão, e a cama já estava bagunçava, o que
me levava a crer que os dois já haviam começado umas preliminares antes de a Marília
ir atrás de mim.

É verdade que eu estava alegrinho e mais solto, mas não o suficiente para achar a
situação normal.

“Ué... Eu só quero apimentar um pouquinho as coisas. Tinha te falado que queria fazer
um ménage um dia, não disse? E quando te perguntei com que tipo de guri tu aceitava,
tu falou ‘um estilo o Davi’.” Ela apertou ainda mais minha mão. Eu olhei pasmo pro
Guilherme, e ele bufou, olhando para Marília e me ignorando.

“Pensei que tu não ‘tava falando sério.” Ele rebateu.

“Ah, Guilherme, deixa de ser chato. Ele é bem gostosinho, tu mesmo acha isso.” Marília
sorriu endemoniada, e eu percebi que ela era na verdade a mais bêbada de nós três.

“Tudo bem. Que seja.” Ele disse com pouco caso, e se inclinou para trás, apoiando as
mãos no colchão.

“Tudo bem? Como assim tudo bem?” Perguntei atordoado. Marília riu e então se virou
para mim. Eu tive vontade de correr, porém ela se aproximou e me agarrou antes que eu
tivesse tempo. Ela devia ter uns dez centímetros a mais que eu, o que não era muita
diferença, mas ainda assim, me senti um nanico que não sabia onde colocar as mãos.

Marília resolveu me mostrar e pôs minhas mãos na bunda dela. Isso não pode estar
acontecendo, pensei angustiado. Por que eu não conseguia me mexer? Sair dali? Dizer
que não queria participar daquela loucura? No lugar disso, acabei me deixando arrastar.
Ela me puxou com ela, sem que nossos lábios descolassem, e nos girou.

Marília parecia uma furação, e eu a menina virgem, pois ela agarrou minha bunda,
quase me erguendo do chão e me acariciou entre as pernas. Eu acabei gemendo, um
tanto perplexo. Nunca uma guria havia me agarrado daquele jeito, e muito menos me
tocado daquele jeito. Quando ela se afastou um pouco, eu estava em pé na frente do
Guilherme, entre as pernas dele, que ainda estava sentado na cama. Minha respiração
estava irregular e minhas pernas tremiam.

“Então, Davi. O que tu nos diz? Vai querer brincar um pouco? Eu adorei beijar tua boca
com piercing, sabe...?” Ela perguntou naquele ar malicioso e provocante. Eu tinha de
admitir, ela era sexy, e eu ainda não era completamente imune a garotas, ainda estava
tentando me decidir quanto à minha sexualidade.

Estava excitado e assustado com isso.

“Eu não acho uma boa id-“ Tentei falar meio gago, mas um gemido estrangulado de
susto brotou em minha garganta. Guilherme me puxou pela cintura e seus lábios caíram
em minha nuca enquanto sua mão agarrava com precisão o volume na parte da frente
das minhas calças, num aperto muito mais violento do que o da Marília.
“Acho que ele quer, já que está bem duro aqui embaixo.” Ele riu malicioso e mordeu
minha nuca, usando bastante a língua. Parecia querer arrancar um pedaço. Eu me curvei
para frente, fechando os olhos e ofegando com os olhos apertados. Meu corpo pareceu
arder como se alguém houvesse jogado óleo fervente nele, e depois tacado fogo.

Isso é insano.

“Tu já fez com um homem, Davi? Eu ia adorar ver o Guilherme te comendo.” Marília
riu e ergueu meu rosto, que ardeu de vergonha pelo que ela falou. Não podia ser. Outra
fujoushi na minha vida? Não me bastava a Tatiana?

Não tive tempo de pensar muito antes que ela voltasse a me beijar. Acabei pressionado
contra o tórax do Guilherme e, puta merda, ele era umas três vezes maior do que eu.
Sim, estou exagerando, mas por Deus, ele tem 1,91m de altura e um braço cinco vezes
do meu! Segurei o pulso dele, tentando impedi-lo de continuar me tocando sobre a
calça.

Era difícil de pensar com a Marília me beijando, ela tinha pegada.

Pouco depois ela se afastou novamente. Minha cabeça girava, e eu mal me dava conta
que estava sentado no colo do Guilherme. Olhei para Marília, que empurrava as alças do
vestido pelos ombros e depois o deixava cair lentamente pelo corpo esguio até que
ficasse apenas de sutiã e calcinha. Se havia um momento para fugir, o momento era
aquele, Guilherme também se distraíra observando-a se despir.

“Vocês também tem de tirar a roupa.” Ela exigiu com um beicinho. Guilherme se
ergueu de súbito e eu tropecei para frente. Não caí porque ele voltou a me puxar e, para
meu espanto, tratou de arrancar minha camiseta com uma facilidade que era alarmante.
Ele observou meu corpo de uma maneira que me deu vontade de tapar meus mamilos –
eu sei, é estúpido. Ele já havia me visto sem camisa no futebol, assim como eu já o tinha
visto, mas a forma que ele me olhou naquele momento, enquanto tirava a própria
camiseta, me queimou e constrangeu ao extremo.

“Tu me acha bonita, Davi?” Marília se aproximou parecendo uma felina perigosa, e eu
tropecei pra trás até cair de bunda na cama.

“S-Sim.” Admiti, sem jeito. Os dois pareciam dois leões e eu era a presa. Marília riu e
se voltou para o Guilherme, abraçando-o pelos ombros, os olhos ainda fixos em mim.

“E tu acha o Gui bonito?” Ela perguntou, passando a mão pelo peito e abdome
musculoso dele até chegar ao fecho da calça. “Tem vontade de tocá-lo?”

Eu corei, mas o maldito álcool me fez responder outro “Sim...” constrangido. Marília
sorriu largamente e se ajoelhou na frente do Guilherme. Eu fiquei estático na cama,
chocado além da compreensão humana quando ela puxou o pênis dele para fora da
cueca e começou a chupá-lo. Era tão estranho ver aquilo, e ao mesmo tempo tão sexy.
Eu era alguma espécie de voyer?

Minha cabeça rodou e minha respiração acelerou. Senti uma vontade terrível de me
tocar também, e isso só me dava mais vontade de me afundar no colchão e achar um
caminho alternativo para Nárnia. O pior é que meus olhos não desviavam da cena. Da
língua dela percorrendo o membro grande e grosso do Guilherme – que por acaso
humilhava por completo o meu –, colocando-o até o fundo da garganta, enquanto ele a
instigava, segurando-a pelos cabelos loiros.

Fiquei tão absorto que levei um susto quando ela parou e, puxando o Guilherme para a
cama, falou:

“Vai tu agora. Eu quero assistir.” Ela demandou, me puxando para perto do pênis ereto
do Guilherme e se deitando despojadamente na cama. Fiquei meio ajoelhado na frente
dele, inclinado para frente com as mãos apoiadas no colchão, olhando abismado para
aquilo que parecia uma ‘arma’ apontada na minha direção.

“Mas...! Eu não sei fazer isso!” Exclamei assustado e acuado. Meu coração parecia na
garganta. Ergui o olhar pro Guilherme, em pé na beira da cama, pensando que ele iria
falar algo como ‘que nojo, vamos parar com isso por aqui’, mas ele apenas segurou meu
queixo, de um modo quase carinhoso, e sorriu de uma maneira cujo significado eu não
consegui definir.

“Não esperava que soubesse.” Ele falou e por algum motivo eu corei ainda mais.

“É uma ótima oportunidade para aprender!” Marília exclamou alegre, espreguiçando-se


na cama. “Vamos loooooogo!” Exigiu manhosa.

Guilherme puxou mais meu rosto e eu não sei explicar o que raios do inferno me fez
fechar os olhos, entreabrir os lábios e colocar todo aquele volume – ou quase todo
aquele volume – na boca. Depravado! Minha mente gritou enquanto eu me esforçava
para acomodar o máximo possível dentro da boca. Guilherme acariciou minha nuca e eu
abri os olhos, olhando pra cima, minhas bochechas queimando. Só podia ser o álcool,
ou eu nunca faria algo assim.

Nunca, nunca, nunca.

Sou mesmo gay... Pensei ao perceber que não sentia asco. Pelo contrário, fiquei ainda
mais excitado, e gemi, movendo o rosto e deixando o membro dele deslizar para dentro
e para fora da minha boca, sem muito jeito, num ritmo lento pelo medo de acabar
engasgando. Sentia o pênis dele latejar quente em minha boca, e isso me instigava a
querer dar-lhe prazer, fazê-lo gozar.

Ai, socorro, que tarado que eu sou!

Guilherme em nenhum momento me forçou a acelerar os movimentos, apenas me


acariciava nos cabelos e gemia rouco às vezes. Isso me ajudou a relaxar um pouco,
limpar a mente e não pensar em mais nada. Quando me arriscava a olhar para ele, seus
olhos azuis quase negros estavam sempre me encarando, daquela forma intimidadora
que dava arrepios, um brilho que me constrangia.

Ele segurou minha mandíbula de repente, e ficou me admirando intensamente,


parecendo querer ver meu rosto e meus olhos com nitidez. Minha cabeça girou. Eu
estava tonto, não conseguia pensar mais e acho que tampouco continuar com aquilo. Ele
me parou antes de gozar (ou antes que eu tivesse uma síncope pela maneira atenta com
que me olhava) e me afastou gentilmente. O encarei atordoado, vermelho, agitado, não
sabia o que fazer, ou o que ele iria fazer, e fiquei com medo de descobrir.

“A Marília dormiu.” Guilherme falou indiferente. Eu olhei para trás e vi a guria estirada
no colchão, parecendo em sono profundo. “Ela bebeu demais.” Ele explicou o óbvio e
se sentou meio de lado na cama, sobressaltando-me. Eu o olhei nervosamente. O fato de
a Marília estar dormindo deixava a situação, se possível, ainda mais bizarra.

Guilherme sorriu e me puxou para perto, pelo braço.

Ficar perto do corpo quente dele me deixou fraco e febril.

“Mas nós podemos continuar sem ela, se tu quiser.” Ele sussurrou contra minha orelha,
roçando os lábios nela. “Eu não me importo. Tu me deixou com vontade de
experimentar coisas novas hoje.” Ele segurou forte minha cintura e beijou mais
profundamente meu pescoço, lentamente percorrendo minha pele com a língua
experiente e me causando arrepios violentos. “Já tem um tempo que eu venho reparando
em ti, Davi.” Ele murmurou sedutor. Revirei os olhos pela excitação, desejando que ele
voltasse a me tocar no meio das pernas. Guilherme pareceu ouvir meus pensamentos e
de fato me tocou ali, logrando-me um gemido fraco enquanto seus lábios pareciam subir
pelo contorno da minha mandíbula para alcançar minha boca.

Eu quase me deixei levar. Quase.

Um jorro de lucidez me fez empurrá-lo.

“N-Não! Eu não quero continuar. Tudo isso é estranho e... e errado!” Falei atrapalhado,
minha voz transtornada pelo nervosismo. Levantei rápido da cama, sem nem ousar
olhar pra cara dele, e catei minha camisa no chão. Corri para as escadas e as desci
enquanto recolocava a roupa, tendo dificuldade para não tropeçar nos meus próprios
pés.

Sentia-me como um fugitivo escapando da cena do crime.

No andar de baixo, encontrei a Tatiana. Na verdade, ela se colocou na minha frente


antes que eu fugisse daquela casa amaldiçoada. Eu já ia me esquecendo dela. Tatiana
não era de beber muito, então ainda parecia bem e não mais maluca do que já era.

“Davi, onde tu ‘tá indo, ô praga!? O que aconteceu?!” Ela perguntou preocupada. “Não
diga que está fugindo da Marília.” Soltou uma risadinha marota.

“Quase isso! Vem, vamos embora.” A puxei comigo. Pelo menos já era umas três da
manhã e eu não estava estragando toda a noite dela. Não era seguro deixá-la ir embora
sozinha depois, e nós já tínhamos combinado que ela dormiria na minha casa.

“Espera, tenho de buscar minha bolsa!” Ela se soltou e eu a esperei impaciente,


aproveitando para chamar um táxi. Assim que ela voltou, a peguei pelo pulso e a puxei
para fora da casa.
“Calma, Davi! Vamos esperar lá dentro, está friozinho aqui fora!” Ela reclamou, mas
não lhe dei ouvidos. Meu coração batia mais alto que as reclamações dela. O que eu
havia feito!? Meu deus, como que eu ia olhar pra cara do Guilherme de novo? E será
que ele me achava nojento por aquilo? Ah, eu sentia vontade de me atirar de uma ponte,
cortar os pulsos, comer carne envenenada, me trancar num quarto e não sair nunca mais,
coisas dramáticas assim.

Esperamos o táxi na frente da casa. Tatiana cochilou no meu ombro, enquanto meus
batimentos cardíacos continuavam acelerados e meu corpo suava frio. Pouco tempo
depois, subíamos no carro e eu dava o endereço ao taxista. Eu já estava esperando o
interrogatório da Tati pela manhã... E o surto que ela teria quando eu contasse o que
havia acontecido.

No momento, eu só quero a minha cama.

Notas finais do capítulo


E aí!?! O que acharam? Quem diria! HAHAHA Marília ajudou no yaoi, hein. Ela é
meio doida. Nem digo vadia porque acho de um machismo sem tamanho xingar uma
mulher de vadia só porque ela é mais safada e liberal. Enfim, ela ainda incentivará,
junto com a Tati, o lado gay desses dois, IAJIAHAUIHAIUA! Obrigada a quem leu!
Não deixem de dizer o que acharam, preciso saber se posto mais extras com a
continuação disso ou não. :] Beijos, amores!

(Cap. 17) Arrependimentos


Notas do capítulo
Não lembro se já agradeci à Jeeh_TK pela recomendação! Eu amei, mto obrigada, coisa
linda!

Cherry estava de barriga pra cima no colo de Fafá, de boca aberta mostrando os
dentinhos afiados, e sacudia as pequenas perninhas erguidas, tentando bater ou segurar a
mão do moreno, que lhe fazia cócegas. Era a coisinha branquela mais adorável do
mundo, e Fafá se derretia por completo com as caras e bocas da gatinha.

“Quem é a coisinha mais pestinha desse mundo? Quem é?” Perguntava, bastante bobo,
parecendo falar com um bebê no lugar de uma gata. O moreno também tinha um fraco
por crianças, por falar nisso – talvez porque fosse muito parecido com uma.

“Esse seria o Diogo.” Henrique se meteu, passando pelos dois carregando os pratos para
colocar na mesa.

“Ao menos eu sou uma peste adorável. Essa gata tem o diabo no corpo.” Diogo
apareceu em seguida, trazendo uma travessa de salada. Cherry e Diogo realmente não se
davam bem, a gata parecia nutrir uma antipatia especial pelo tio de seu dono. Na
opinião de Fafá, aquilo era amor.
Fabrício estava deixando Cherry na casa do tio, pois agora que tinha mais aulas, sentia-
se culpado por passar praticamente o dia inteiro fora de casa. Não queria deixar sua
gatinha tão solitária no apartamento. Ficava com saudades, mas assim tinha mais uma
desculpa para visitar os tios com frequência.

“Ah, eu esqueci de avisar. Não vou jantar aqui hoje, tenho treino de futebol agora de
noite pro Intermed.” Disse, já checando o relógio e vendo que estava na hora de ir, ou
chegaria atrasado. Era o penúltimo treino antes do evento.

“Agora que tu avisa, criatura ingrata!” Diogo deu-lhe um tapa na cabeça, arrancando
uma exclamação de dor do moreno, que levou as mãos à parte de trás da cabeça,
massageando-a. Diogo não tinha a mão leve, aliás, a mão dele parecia o dobro da de um
humano normal. Mas o que era normal em Diogo, afinal?

“O Intermed já é semana que vem?” Perguntou Henrique, sentando-se na ponta do sofá.


“Eu e teu tio participamos das três primeiras edições. Isso há o quê? Uns quinze anos
atrás?” Perguntou ao Diogo.

“Ah, o Intermed.” Diogo suspirou nostálgico, caindo sentando no sofá entre Fabrício e
Henrique. “O lugar perfeito para jogos, festas, bebida e putaria.”

Fabrício riu. Seu tio não tinha jeito.

“Me poupe dos detalhes, por favor.” Pediu, erguendo as mãos.

“Foi num Intermed que acabamos nos assumindo pra nossa turma da faculdade.”
Henrique contou, pegando na mão de Diogo, que gargalhou.

“É verdade! E isso que eu nem ‘tava mais indo nas aulas, já tinha largado o curso, mas
dei um jeito de ir aproveitar o evento, rever os colegas. Foi uma loucura, eu tive de rir
no dia seguinte, sabe. Eu voltei pra nossa barraca mais cedo na última festa, estava meio
enjoado, só querendo dormir. E saiba de uma coisa: é praticamente impossível dormir
no Intermed. Mas lá estava eu, bem jogado na cama, só de cuecas porque estava calor e
eu não queria talvez vomitar nas minhas últimas peças de roupa menos sujas, quando
esse daqui aparece e simplesmente me agarra na frente de outros três colegas que
estavam na entrada da barraca. Eu tomei um susto tão grande que quase achei estar
tendo uma alucinação.” Contou, divertido. “Uma alucinação das boas, claro.” Sorriu
malicioso para Henrique, ondulando as sobrancelhas.

Henrique esfregou o rosto, rindo também.

“Eu estava fora de mim naquela noite.” Comentou, com as bochechas um pouco
coradas. Talvez até hoje se envergonhasse um tanto de seu comportamento. “Nós não
tínhamos combinado nada, foi meio complicado lidar com o fato de que no dia seguinte
todos já sabiam, mas demos um jeito. Por sorte nossa turma era feita de pessoas muito
legais.”

“Uou! Nossa...! Que loucura!” Fabrício riu gostosamente ao imaginar a cena. Já vira o
Henrique bêbado, mas não ao ponto de ele perder o controle de tal maneira. Seria
divertido se algum dia acontecesse, pensou. “Minha turma também parece ser feita de
uma galera gente boa, mas mesmo assim eu espero que ninguém descubra nada do que
eu rolou última festa, porque senão aí o André me mata de vez, e com altas doses de
crueldade.” Fabrício exclamou, num ar brincalhão, mas de quem não duvida
completamente daquilo. Parou de sorrir e coçou a barba, relembrando mentalmente o
beijo que roubara de André, e se sentindo meio culpado novamente, se bem que quando
o tio beijara o Rique pela primeira vez também se aproveitara do estado alcoólico dele.

“Relaxa, guri. Nesse tipo de situação tu tem que... saber...” Diogo parou a frase pelo
caminho, e seus olhos se fixaram atentamente no sobrinho, parecendo-se com um
cachorro que fareja algo de errado. “Espera... Não que diga que tu... Tu já...” A
expressão culpada de Fafá, que arregalou os olhos, franziu a testa e abriu um sorriso
invertido deu a confirmação de que Diogo precisava para suas suspeitas. Só então Fafá
percebeu que falara demais. “Filho de uma égua! Tu não perde tempo! Não faz nem
uma semana que nos contou que queria dar uns amassos no moleque!”

“É que eu... Bem...” Fabrício tentou se justificar, mas não foi preciso – Diogo o puxou
para seus braços, praticamente o esmagando entre os bíceps superdesenvolvidos.
Começou a bagunçar seus cabelos com uma força desproporcional, ignorando os
protestos de Cherry que quase caíra do colo do moreno pelo movimento súbito.

“Estou tão orgulhoso! O filho sempre sai melhor ao pai!” Exclamou de peito estufado.
“Esse é meu garoto!”

“Dido, ele não é exatamente teu filho.” Henrique o lembrou com um sorrisinho
divertido. Não que Diogo fosse prestar atenção num mísero detalhe como esse, claro,
enquanto Fafá se debatia em busca de liberdade e Cherry tentava morder-lhe o dedo.

XxxX

Fabrício acabou chegando atrasado ao treino. Os tios obviamente não o deixaram sair da
casa antes que ele explicasse direitinho o que acontecera, e isso acabou tomando-lhe um
tempo maior que imaginava. O último comentário de Diogo fora: ‘Agora que já se
beijaram, não vai ser o primeiro beijo que irá rolar no Intermed!’, dissera, malicioso,
depois de gargalhar por bons minutos exclamando que ‘esses homofóbicos são tudo uns
enrustidos mesmo’. André o mataria se o ouvisse falando isso, mas Henrique já fizera o
favor de dar-lhe um tapa bem dado, que o deixou quieto rapidinho.

O pessoal já estava sendo dividido em dois times quando entrou na quadra alugada de
uma escola próxima da Famed, subindo a Ramiro Barcelos. Perdera todo o treino
individual, além do aquecimento. O capitão do time o olhou feio.

“Onde você andou?!?” Era um cara brabo que levava aquilo a sério demais. “O
Intermed é semana que vem!!!! Não podemos perder na final de novo pros
fundaceiros!” Ele ladrou.

“Culpado, culpado.” Fafá ergueu as mãos para o alto, rendendo-se, sem querer estressar
ainda mais o capitão e, assim, evitar uma possível decapitação. Aproximou-se de André,
mesmo que tivesse sido escalado para o time adversário ao do loiro.
“Mané, te mandei uma mensagem até. Achei que tivesse te esquecido do treino.” Disse
André, num cumprimento muito simpático. Fafá coçou a barba rala no pescoço.

“Não foi bem isso... Fiquei preso na casa dos meus tios.” Explicou. “Desculpa, te deixei
com saudades.” Sorriu charlatão para o olhar zangado que André lhe lançou de
imediato. O loiro balançou a cabeça e revirou os olhos.

“Se prepara pra levar uns gols na fuça.” Avisou, virando-se. Fafá não aguentou e deu
um tapa na bunda do loiro, que praticamente pulou do chão.

“Vem com tudo, bonitão.” Falou debochado, com um sorriso safado, divertindo-se.
Culpava Diogo por aquilo, o tio o havia enchido de caraminholas pervertidas sobre o
que aconteceria no Intermed. Estava ainda mais ansioso para dividir a barraca com o
loiro.

“Isso vai ter volta.” André falou, o rosto avermelhando pela irritação. Ele não parecia no
mais bem-humorado de seus dias. Fabrício riu – aquele rostinho irritado era sempre
divertido de olhar.

“Tu sabe né, Santa?! Eles são poucos!”

André o encarou com as sobrancelhas franzidas, demorando alguns segundos pra


lembrar-se da piada.

“Os homens lindos!” Fafá complementou com um sorrisão bobo.

“Vai te catar.” O loiro rebateu e balançou a cabeça, murmurando um ‘idiota’ enquanto


segurava a risada ao dar as costas para aquele ser fugido do hospício que encontrara na
faculdade de medicina e ainda ‘adotara’ como amigo.

Fafá riu, deu de ombros e correu para o seu lado da quadra.

XxxX

O treino já estava quase no final. André e Fabrício haviam se destacado mais que o
normal naquele dia, haviam corrido mais do que carro de fórmula 1, e cada um deles
havia marcado dois gols. O jogo estava 4 para o time de Fabrício, e 5 para o de André.

Fabrício tentava a todo custo ao menos empatar o jogo antes que o tempo acabasse, mas
tinha de admitir, estava cansado, ele e André haviam corrido a semana inteira, naquele
dia inclusive, e também participado dos treinos de vôlei, isso sem contar a musculação,
que só faltara naquele dia.

Tentou avançar, mas André começou a marcá-lo ferozmente. Ninguém diria que André
jogava tão bem só por olhá-lo, mas ele era feroz em quadra, tanto no futebol, quanto no
vôlei; porém, ainda assim, Fafá achava que ele jogava de maneira muito mais agradável
ao olhar, desenvolta e graciosa por assim dizer, do que os outros garotos.

“Tu não me deu descanso essa noite, hein?” Fafá falou para o loiro. “’Tô empapado de
suor, exausto, louco pra dormir. Isso não é jeito de tratar os amigos.”
“Mas é jeito de tratar os adversários.” Rebateu. “Tu não merece arrego.”

André não estava numa situação muito diferente. Suas pernas latejavam de cansaço e a
palavra fôlego fora riscada de seu dicionário há um bom tempo, só queria descansar,
mas ainda havia alguns minutos até o final, e precisava impedir Fafá de marcar um gol.

Fafá notou uma oportunidade se aproximando, enquanto tentava fugir da marcação do


loiro. Então se aproximou rapidamente de André e falou:

“Já comentei que é difícil desviar os olhos da tua bunda quando tu coloca essa
bermudinha esportiva?” Comentou malicioso, lembrando-se da anotação mental que
fizera no dia do trote à fantasia, de falar ao loiro que ele tinha uma bunda bonita, para
constrangê-lo e irritá-lo.

E fora o momento perfeito para tal comentário. André estacou no lugar, perdendo
completamente a concentração. Fabrício avançou voando por ele, recebendo a bola do
colega de time e, com mais um drible rápido e bonito em outro guri, chutou a bola
direto pra rede – num gol que era digno de aplauso.

André viu o time adversário comemorar, alguns indo abraçar Fabrício. O capitão
anunciou o final do jogo – empatado. O loiro sentiu um novo calor subir pelo seu corpo,
mas dessa vez de raiva. Fafá falara aquilo apenas para desestabilizá-lo, e ele caíra como
um patinho! Não sei por que me afetou tanto o comentário besta! Recriminou-se e
seguiu para os vestiários na frente, aborrecido com seu deslize.

Mais do que perder, odiava empates.

XxxX

André tomou um banho rápido, já que havia apenas três box nos vestiários e bastante
gente querendo tomar um banho antes de ir para casa, ou algum outro lugar. O pessoal
estava combinando de ir a um barzinho tomar umas cervejas, e André até achou a ideia
interessante, apesar do cansaço. Saiu do banho com a toalha enrolada na cintura e não
viu Fabrício em lugar nenhum. Devia estar ainda lá fora, batendo papo.

Pegou suas coisas, depois de trocar umas palavras sobre o jogo com quem estava no
vestiário, e saiu. Encontrou Fafá ainda todo suado do jogo, esperando-o.

“Vai no barzinho?” Perguntou.

“Nah.” Fafá negou. “’Tô cansadão. Vou pra casa mesmo, que amanhã quero ver se
ponho os estudos em dia que essa semana não deu pra estudar nem rodapé de livro.”
Havia prova na próxima terça-feira, antes do Intermed, e era bom já dar uma estudada
no final de semana, a matéria ficara complicada.

“Beleza. Acho que vou pra casa também. Quer carona? ‘Tô de carro hoje.” Perguntou.
Fafá morava ali perto, devia dar uns 10-15 minutos até a casa dele a pé, mas como era
sempre muito folgado, aceitou de qualquer maneira. Estava cansado até pra tirar o
budum do corpo, o que dirá caminhar até em casa.
Foram pro estacionamento, conversando sobre o jogo – André mandando Fabrício à
merda pelo comentário sacana que o distraíra.

“Um bom jogador faz uso de todos os tipos de táticas.” Fafá se defendeu.

“Um bom jogador não fica reparando nas bundas alheias na hora do jogo.” André
objetou com os lábios franzidos, pegando no bolso a chave do carro.

“Não te preocupa, só reparo na tua.” Piscou.

“Vá à merda.” André o empurrou pelo ombro, fazendo Fabrício cambalear e quase cair
para o lado, aos risos. O loiro bufou, com as bochechas quentes, e pegou o celular que
tocara com o toque de Natália.

Atendeu de maneira tranquila, mesmo que estranhasse um pouco a ligação tão tarde da
noite, mas talvez ela quisesse convidá-lo pra uma festa. No entanto, conforme ouvia a
menina, seu rosto foi ficando mais pálido do que o normal.

“O que foi?” Perguntou Fabrício, colocando a mão no ombro do loiro ao perceber a


expressão de horror dele. “André?”

“Eu... Preciso ir pro hospital...” Murmurou André, num fio de voz.

XxxX

Na recepção do hospital Moinhos de Vento, André e Fabrício se encontraram com


Natália, que já estava lá, aos prantos. André quisera deixar Fafá em casa antes de ir pro
hospital, mas o moreno insistira em ir junto. O loiro parecia muito instável e não quis
deixá-lo sozinho.

Fabrício estava completamente perdido, não sabia o que estava acontecendo, André não
falara mais nada durante todo o caminho até ali, e ainda dirigira como um louco,
fazendo o moreno pensar que iria aproveitar que estavam a caminho do hospital para
estropiá-los contra outro carro.

“André...” Natália balbuciou e se jogou nos braços do loiro, que praticamente correu até
ela. “Ele... Ele...” Ela tentou falar, mas a voz não lhe saía.

“Nati, calma, respira.” André pediu, mas também tremia. “Me conta o que aconteceu.”

“E-Eu e o Leo saímos com o Davi e o namorado dele, o Gui... N-Na saída ‘távamos
indo a-té o c-carro do G-Gui... M-Mas... Uns c-caras...” Tentou explicar, mas soluçava
tudo, traumatizada com o que presenciara.

André nunca vira Natália naquele estado, estava acostumado a vê-la ou séria e calma, ou
com um sorriso no rosto, mesmo que fosse um sorriso disfarçado, um olhar doce.
Aquele estado de choque e terror era assustador, deixando-o ainda mais nervoso e
apreensivo. Natália era durona, trabalhava com tatuagens e piercings desde os 12 anos
(André já até tivera de servir de cobaia pra tatuagens de rena várias vezes) e, com o
dinheiro da família, junto com o que juntara ao longo dos anos, abrira um negócio
relacionado a isso que vinha fazendo sucesso desde o último ano. O lugar já era
reconhecido como o segundo melhor de Porto Alegre, rumo ao topo do pódio. A família
ficava em parte orgulhosa, em parte maluca com aquilo, pois os pais queriam que ela ao
menos fizesse um curso de graduação, mas Natália não estava nem aí.

“Uns caras...?” Ecoou André, incentivando-a enquanto acariciava seus cabelos e ela
derramava lágrimas em seu peito.

“E-Eles apareceram do n-ad-a... Eram muitos, uns o-oito... Eles b-bateram no Davi e no
Gui!” Exclamou num tom agudo, voltando a chorar em seguida, mais alto, apertando a
roupa de André entre os dedos. “Tanto s-angue... Eles me segura-ram e ameaçaram m-
me estupr-ar por a-andar junto com d-dois g-gays. André... Eles b-bateram m-muito.”
Começou a chorar a valer, num tom alto que atraiu uma enfermeira. A mulher ofereceu
água e um calmante à menina.

André não sabia o que fazer. Mesmo que não houvesse presenciado nada, cenas do
ocorrido começaram a surgir em sua imaginação. Davi apanhando, Natália sendo
ameaçada, até o outro garoto levando uma surra de covardes. Abraçou-se com força à
garota, mas teve de soltá-la quando os pais da menina apareceram e praticamente a
obrigaram a ir pra casa com eles, pois ela estava obviamente em estado de choque e
precisava descansar.

Assim que ela saiu, André sentiu a cabeça girar e, exausto que já estava de todo treino
pesado e aulas cansativas da semana, teria caído caso Fabrício não o amparasse,
segurando-o firme pelos braços.

“Tu precisa sentar.” Fafá falou com uma expressão triste.

“N-Não... Eu preciso ver o Davi.” Falou trêmulo.

Fabrício balançou a cabeça e obrigou o loiro a se sentar no banco de espera do lugar.

“Eu me informei. O Davi está em cirurgia. Os pais deles terão prioridade em vê-los
depois disso. Nós provavelmente só teremos permissão amanhã ou depois...” Explicou
cuidadoso enquanto passava a mão pelas costas do loiro, querendo confortá-lo de
alguma forma. Se ele, que nem conhecia os dois guris, sentia-se mal, frustrado, triste e
com raiva da situação, só podia imaginar como era para André.

“Eu briguei com ele por causa disso. Menosprezei ele por ser gay.” André murmurou
com um olhar ausente, direcionado ao chão. “Se... Se ele...”

“Não!” Fafá falou rápido, interrompendo o fluxo de pensamento do loiro. “Ele... Não
está em risco de morte.” Mentiu. Na verdade o garoto ainda não estava estável, mas lhe
falaram que as chances de que desse tudo certo eram bastante altas.

“Eu nem tenho como xingar esses filhos da puta que fizeram isso com ele.” André
arregalou os olhos, levando a mão ao estômago, sentindo que poderia vomitar. “Eu sou
tão baixo quanto eles.”
“Não, não é. Tu não faria algo assim, André...” Falou, consternado com o sofrimento e
culpa no rosto do loiro.

“Sou sim... Eu machuquei ele também. Machuquei ele, e agora ele ‘tá desse jeito. Ele
apanhou por causa do mesmo preconceito que eu sinto...” André murmurou num tom
rápido, sentindo-se ainda mais nauseado. Inclinou-se para frente e segurou o estômago
com os dois braços.

A realização de o quanto aquilo era fodido e absurdo o atingia como uma martelada na
cabeça. Davi era Davi, seu amigo de anos, alguém importante, que se danasse que fosse
gay. Os tios de Fabrício eram gays, e no que isso mudava o fato de que eram pessoas
normais e de boa índole? Lembrou-se de uma surra de cinta que recebera do pai uma
vez, após um sermão que recebera dele junto com Davi, por estarem fazendo amizade
com um garoto gay excluído na escola, quando tinham uns 11 anos. Depois que Davi
fora embora, bastante chateado, o loiro tentou argumentar com o pai e chegou a xingá-
lo. Acabou apanhando. No dia seguinte, ignorara por completo o outro garoto; se bem
lembrava o nome dele era Caio.

Não importava. Era passado.

O choro irrompeu em André como não acontecia desde a noite da surra que recebera do
pai. Imaginou Davi com o rosto desfigurado, inchado, cheio de sangue pela agressão,
deitado inconsciente numa maca enquanto era operado Deus sabia por quê. Eu causei
isso, causei isso. Começou a se culpar balançando a cabeça, mesmo que não tivesse
culpa; no entanto, a culpa era por outro motivo, e se dirigia para o momento presente.

Mal percebeu quando foi puxado e abraçado com carinho, apenas se encolheu contra
aquele que o acolhia nos braços, imitando Natália – escondeu o rosto no peito alheio e
se permitiu chorar toda a dor da culpa, do medo, da preocupação, de quebrar as barreiras
de um preconceito enraizado.

“Fabrício...” Ergueu o rosto depois de não sabia quantos minutos chorando, perdido nos
próprios pensamentos. Seus olhos embaçados encontraram os do moreno, que ergueu as
mãos e, segurando seu rosto, limpou com os polegares as lágrimas de suas bochechas.

“Está tudo bem. Vai ficar tudo bem.” Garantiu, num tom reconfortante e de uma calma
poderosa, que fez André puxar e soltar o ar longamente, num suspiro cansado. “Vem,
vou te levar pra casa.”

“Tu ainda não tem carteira...” André murmurou, baixando o olhar. Não queria sair dali
sem ver o Davi, mas sabia que seria em vão, não receberia permissão para vê-lo tão
cedo.

“Já dirigia lá na minha cidade. Aqui ‘tô só tirando a carteira mesmo, e já passa da meia-
noite.” Se ergueu e trouxe André com ele. “Tu precisa descansar... Amanhã venho aqui
contigo.”

“T-Tá...” André assentiu choroso, sem vontade de discutir.


Entregou a chave para Fafá, que a pegou, mas antes que o moreno se virasse para saída,
André o segurou pelo pulso, virando-o, e aproximou-se um passo dele antes de abraçá-
lo com todas as forças que tinha, apertando os olhos. Nem se importou por Fabrício não
estar de banho tomado, algo que o manteria afastado em qualquer outra ocasião. Só
precisava daquilo. Precisava dele.

Fabrício não disse nada, apenas o apertou contra si com ainda mais força e o beijou na
testa, sabendo que aquele era o melhor consolo que poderia dar ao loiro.

Notas finais do capítulo


Ai, coitadinho do meu Davi e do Gui! @.@' Mas ao menos a ficha do André caiu agora,
né... Amores, eu não irei postar no próximo final de semana, pois é o findi antes de
praticamente todas as minhas provas. Peço perdão por isso, mas final de semestre é isso
aí. Daqui três semanas estarei livre e recompenso por isso! :D Obrigada a todos que
continuam comentando, sem vocês eu não sairia do lugar! Beijão!

(Cap. 18) A soma de tudo


Notas do capítulo
Hei, me amem, porque por vocês usei tempo de estudo pra postar, e agora vou madrugar
estudando hoje. IUJHUIOAAJAUIOJHUIOAHUIO Obrigada pelas mais de 200
pessoas acompanhando essa história!

Davi olhava para o teto com a mente um tanto em branco pela quantidade de
analgésicos circulando por seu corpo. Sua mãe cochilava na poltrona ao seu lado,
exausta depois de ficar consigo por todo o tempo. O pai saíra há pouco, garantindo que
já estava providenciado um cirurgião plástico de renome no exterior para colocar o rosto
de Guilherme no lugar, algo que surpreendera Davi, pois jamais esperaria isso do pai,
Edgar.

O namorado não era rico, longe disso, a família era classe média comum e ele
trabalhava e estudava, numa rotina complicada. Trabalhava justamente numa das obras
da família do Davi, já que ambos faziam Engenharia Civil. Fora Davi que conseguira o
estágio pra Guilherme, depois de começarem a ficar. O loiro relutara, mas acabara
aceitando, pois precisava mesmo da grana. Ele era dedicado no trabalho, e por isso
Edgar não o demitira quando ficara sabendo sobre o namoro.

Davi sentia o coração apertado. Lembrava-se de ter visto pelo menos uns quatro dentes
do namorado indo ao chão, junto com uma quantidade alarmante de sangue. Quando
pensava nisso, as lágrimas insistiam em brotar, inesgotáveis, mas as reprimia para não
preocupar ainda mais a mãe. Guilherme fora quem mais apanhara, tentando protegê-lo.
Mesmo assim, ainda tivera um pneumotórax que quase o levara à morte, devido a uma
costela quebrada que perfurara um dos pulmões, um pulso e o nariz quebrado, um olho
inchado por um soco violento.
Ele sentia vontade de rir de toda aquela ironia. Tivera de apanhar para os pais
demonstrarem algum carinho, preocupação e amor no olhar. Desde que contara que era
homossexual, eles vinham tratando-o com tanta frieza que saíra de casa e fora morar
temporariamente com o amigo Leonardo, o qual vivia sozinho e não se importava de
dar-lhe abrigo.

Ainda assim, os pais se recusaram a lhe dar muitas informações sobre Guilherme, ou
mandar um recado seu para ele. Provavelmente também vetarão alguma mensagem dele
pra mim.

Suspirou, angustiado.

Até mexer a língua doía, ela teve de ser suturada porque a rasgara com o piercing depois
de um dos socos. Nunca imaginou que apanharia tanto na vida, doera como o inferno,
mas o efeito moral era ainda maior. Apanhar daquela forma, ser ameaçado, ver duas
pessoas que amava serem agredidas – uma apanhando ainda mais e outra sendo
ameaçada de violência sexual –, só por gostar de garotos, o fazia tremer de pânico,
repulsa, ódio, pena. Por que os seres humanos precisavam ser tão intolerantes?
Julgavam tudo, apontavam o dedo, torciam os lábios, fofocavam maldosamente,
viravam o rosto, chegando aos extremos do ódio sem sentido e da violência.

Eu mesmo já fui um idiota, mas era tudo por medo de me aceitar. Pensou consigo
mesmo, tentando se mexer, mas tudo doía. Um dos olhos estava enfeixado, não
conseguia abri-lo. O nariz felizmente estava no lugar e não ficaria torto, mas fazia uso
de óculos nasal, pois não conseguia mover a caixa torácica adequadamente para ventilar
os pulmões.

A polícia estava averiguando. Ao que parecia, havia um grupo de marginais que há


meses já vinha agredindo pessoas LGBT. A impunidade alcançava níveis alarmantes,
uma travesti fora encontrada morta na Redenção. Edgar, pai do Davi, estava furioso e,
talvez agora que um garoto de classe alta sofrera agressões, a polícia se mexesse. Davi
lembrou-se de ter de agradecer à Natália por ter conseguido acionar a polícia com uma
discagem rápida logo que o grupo se aproximou deles, uma pena que a viatura demorou
tanto para aparecer, e quem os ‘salvou’ de verdade foi um grupo de rapazes que também
saía da cidade baixa e por sorte pegara o mesmo caminho...

Quero ver o Guilherme. Davi pensou, apertando o único olho bom. Meu Deus, que tu
esteja bem, te quero aqui comigo... Acabou fechando os olhos e cochilando não soube
por quanto tempo, mas achou ser bem pouco. Reabriu o olho quando sentiu os lábios
carinhosos da Kátia, sua mãe, em sua testa, junto com o perfume floral usual dela.

“Como tu está, meu querido?” Ela perguntou, afastando-se com um sorriso doce, mas
fraco, enquanto acariciava seus cabelos cor de mel. Davi achava a pergunta absurda, é
claro que não estava bem. Sentia-se deprimido, triste, machucado e tudo doía.

“Bem.” Falou mesmo assim, numa voz fraca e rouca.

“Há alguém aqui querendo te ver...” Ela murmurou, os olhos verde-água que Davi
herdara, também sorrindo, feliz pelo filho ter amigos que se importavam com ele.
Davi olhou para porta e viu Leonardo, acabou por tentar sorrir, já que até isso era
difícil. Leonardo era um garoto engraçado, adorava animais e tinha aquele sorriso mais
contagiante do mundo. Não era nem baixo, nem alto, tinha um corpo esbelto e bonito, e
Davi já o invejara por viver pegando garotas pela simpatia. Sabia flertar como ninguém.

Davi o adorava.

O pseudo-sorriso sumiu quando alguém apareceu por trás de Leonardo.

“André.” Davi falou com um suspiro. “O que foi, veio falar que eu mereci apanhar por
ser uma bichinha desprezível?” Disse, ressentido. Provavelmente não agiria assim se a
situação fosse outra, se o loiro não aparecesse em meio àquele sofrimento. Já bastava a
raiva que suprimia dos pais. Precisava quase morrer apanhando para que as pessoas
entendessem que continuava a mesma pessoa?

“Davi!” A mãe o repreendeu, chocado com o azedume do filho. Davi normalmente era
um garoto muito doce.

“O que foi?” Davi rebateu, indiferente.

“Sra. Kátia... Será que a senhora poderia deixar a gente conversar um pouquinho com o
Davi?” Leo perguntou educadamente, entrando mais no quarto e cuidando para não
demonstrar o quanto estava horrorizado e abalado pelo estado em que Davi se
encontrava.

André entrou também, inseguro, mal conseguia olhar para Davi.

“Claro.” Kátia assentiu e, depois de mais um beijo no filho, saiu, fechando a porta atrás
de si. Davi desviou o olhar dos amigos, ficando calado. Leo, diplomático, se aproximou
para ajudar no início daquela conversa. Já falara com André antes e via como seu
estúpido amigo loiro estava arrependido. Resolveu ajudar, pois gostava muito de ambos.

“Que susto tu nos deu.” Leo falou, indo sentar-se na poltrona ao lado do leito do Davi.
“Não imagina o alívio de ver que ‘tá tudo bem. Só perdeu o rostinho de emo sofredor.
Agora só sobrou o sofredor.”

“Vai se fuder.” Davi replicou, mas acabou sorrindo meio trêmulo.

“Cara, eu chorei noite passada. Então, nada de mocinhos indefesos andarem na rua
depois das nove, ok?” Leonardo decidiu, levando a mão para bagunçar os cabelos do
Davi. “Não me preocupe mais desse jeito, sua bichinha safada.” Brincou, com um ar
fraternal.

“Eu adoraria te dar um soco, não fosse pela minha costela quebrada, meu pulso
imobilizado e o fato de que todos os meus músculos parecem estar com cãibras.” Davi
retornou amigavelmente.

“Ótimo! Aproveitando que está com esse humor radiante, acho que tu e o André
deveriam conversar.” Leo aproveitou a deixa, que de deixa não tinha nada, e se
levantou. “Vou esperar ali fora, e quando vocês estiverem novamente trocando
figurinhas sob o arco-íris enquanto cantam We Belong Together da Mariah Carey, me
chamem pra eu participar também.”

Davi revirou os olhos, e então os manteve fixados na janela, evitando contato visual
com André. O loiro sentiu-se coagido. Não sabia como agir, principalmente porque
sabia ser o completo culpado por aquele clima péssimo que parecia esmagar suas
cabeças e tornar o ar mais espesso.

Coçou o braço e se aproximou alguns passos.

“Davi...”

“Veio aqui se desculpar por ter nojo de mim? Obrigado, mas dispenso. De gentinha
homofóbica perto de mim já tive o suficiente. Não te preocupa que Deus aprova tuas
atitudes, e a dos caras que me espancaram também, ao menos é o que os religiosos
afirmam. Então vocês todos vão pro céu, provavelmente. Só cuidado para não desejar a
mulher do próximo.” Ironizou, ácido.

André estacou, arregalando um pouco os olhos. Geralmente ele era o ácido do grupo.

“Eu sei que mereço esse tratamento.” Falou.

“Ah, tu sabe? Que engraçado. O fato de eu ter sido espancado te fez perceber que ainda
sou de carne e osso, já que posso sangrar e ser quebrado em dois? E as outras bichinhas
do mundo, todas têm de passar pelo mesmo tratamento para receberem algum
reconhecimento?” Perguntou, fixando então o único olho bom no loiro.

“Não!” André se aproximou mais, desesperado para que Davi o escutasse, e acabou se
ajoelhando à beira do leito do menor. “Davi, olha, eu nunca iria desejar isso pra
ninguém...”

“Violência física não, mas emocional ‘tá valendo, né? Porque a única coisa que
machuca é um soco na cara, mas todo o desprezo das palavras, das atitudes, não
machucam nem um pouco, é claro.” Rebateu, escorrendo ironia. Usava o loiro para
descontar a raiva que sentia do resto do mundo, e do próprio André. Apertou os dentes,
evitando chorar novamente.

“Eu percebo isso agora. É difícil de explicar, só sei que me sinto idiota. Mas tu também
tem de ver meu lado! Até tu falava mal de homossexuais antes! Aí do nada me aparece
dizendo que é gay, me pegou de surpresa, caramba!” Exclamou e apertou nervosamente
com as mãos o lençol da cama. “Eu sei que sou um idiota, mas... Quero mudar isso. Só
que antes tu precisa me perdoar.”

“Preciso?” Davi torceu o lábio inchado. “Preciso te perdoar pra acabar com a tua
miséria e culpa? Como sempre, é um mimado egocêntrico, André. Eu não tenho de
fazer nada.”

André baixou o rosto. Sabia que merecia aquilo também.

Talvez ele não me perdoe agora, mas com um pouco de tempo...


“Tudo bem.” Murmurou e, buscando coragem, pegou na mão do garoto. Ficou feliz por
ele não afastá-la de imediato, apenas a deixando inerte entre as suas. “Eu vou te deixar
descansar. Eu desejo melhoras. Também fiquei muito preocupado, e é um alívio te ver
bem, apesar de tudo.”

Bem não era exatamente o que definia Davi. André sentia-se nauseado só de olhá-lo,
não pela aparência em si, mas por ver o amigo de tantos anos naquele estado. Uma
agonia cruel martelava na cabeça com a cena, com a situação.

“Só quero que saiba: me arrependo dos julgamentos que fiz, e ainda te considero meu
amigo. Não tenho nojo de ti, mas de mim, porque... Tu tem razão, me sinto tão baixo e
covarde quanto os caras que te agrediram, pois eu tinha os mesmos preconceitos que
eles. Mas, por ti, quero mudar isso, e aí, na próxima vez que nos falarmos e tu puder me
perdoar, nós poderemos continuar nossa amizade de onde paramos.” Falou tudo de uma
vez. Eram palavras que ficara remoendo durante toda a noite, desejando mais do que
tudo ter a oportunidade de falar. Era em parte egoísta, Davi estava certo – queria se
livrar da culpa que sentia. Mas não deixava de ser sincero no que dizia.

Dito isso, se levantou e saiu do quarto rapidamente antes que acabasse demonstrando
muita fragilidade na frente do Davi. Não queria atormentá-lo mais. E entendia que o
perdão não viria de uma hora pra outra, nem tão facilmente.

Davi ficou encarando a porta depois que André saiu, os lábios entreabertos. Jamais
esperaria tudo aquele discurso do loiro. E conhecia André há um bom tempo, sabia
quando ele estava sendo sincero. Seu peito se aqueceu um pouco com aquilo e acabou
soltando uma risada fraca pelo nariz enquanto balançava sutilmente a cabeça, antes de
apoiá-la novamente nos travesseiros.

“Então...?” Leo surgiu sorrateiramente no quarto pouco depois. “Já se amam


novamente?”

“Tu é o único que eu amo, tu sabe.” Davi rebateu, naturalmente.

“Claro. Só estava sendo legal. Já te contei meu próximo plano pra me livrar do teu
namorado?” Perguntou bem-humorado, entrando no quarto. “Tenho de aproveitar que
ele ‘tá lá todo estropiado que nem tu e não pode usar aqueles bíceps de aço pra me
esmagar contra uma parede. Aliás, ele mandou eu te dizer que te ama e está louco pra
beijar a tua boca, te jogar na cama e curar todas as tuas feridas.”

Davi sentiu lágrimas vindo-lhe aos olhos e dessa vez não conseguiu segurá-las; porém,
em meio a elas, também foi capaz de sorrir de uma maneira mais digna.

“Ele disse isso?”

“Talvez eu tenha aumentado um pouquinho, mas não tenho dúvidas quanto a parte do
‘eu te amo’”. Garantiu com um sorriso e já se aproximou para dar algum carinho e
conforto ao amigo, que começara a se debulhar em lágrimas.

XxxX
Fabrício aguardava André do lado de fora. Tivera oportunidade de trocar uma palavra
ou duas com Leonardo e fora muito com a cara do garoto. Isso só provava que André
tinha boas companhias – Fabrício se auto incluía nessa lista, claro. Se levantou da
cadeira onde estava sentado, na frente do corredor dos quartos do hospital, quando viu
André caminhando em sua direção.

“Tudo bem?” Perguntou cuidadosamente ao ver o jeito cabisbaixo do loiro. André


apenas balançou negativamente a cabeça e se jogou no banco no qual Fafá estivera
sentado, esparramando-se nele com o olhar voltado para o teto.

“Ele ‘tava todo machucado...” Murmurou, fechando os olhos e apertando os pulsos.


Sentia vontade de devolver na mesma moeda o que haviam feito com Davi. “Falei com
a mãe dele antes de sair... Ele quase morreu por falta de ar por culpa do pneumotórax.
Isso tudo me deixa com tanta raiva.”

“É bom que sinta raiva.” Fafá disse condescendente. “Pior seria se ficasse indiferente,
ou achasse que, sei lá, eles mereceram por se ‘exibirem’ juntos em público, coisas
assim.” Disse. Conhecia alguns dos absurdos dos preconceituosos, através de relatos
dos tios.

André pareceu tremer de indignação diante daquilo.

“Jamais!” Garantiu exaltado. “Não sou tão filho da puta assim!” Sentiu vontade de
chorar novamente. Será que não era mesmo? O nojo de si mesmo não havia passado.

“Eu sei.” Falou, sentando-se ao lado do loiro, e inclinou-se para sussurrar perto do
ouvido dele. “Não à toa eu gosto tanto de ti, não é?”

André sentiu um arrepio se alastrar da orelha para toda nuca, junto com a ardência nas
bochechas. Virou o rosto para Fabrício, sentindo-se um tanto atordoado por aquele
comentário. Não era nada demais, não é? Ele apenas está dizendo que gosta de mim, se
não gostasse, não seríamos amigos. Dizer isso para si mesmo, no fundo, o machucou,
mas não conseguiu entender bem o motivo. Estava tão cansado...

Fafá sorriu largamente, os olhos praticamente fechando, estreitados junto com o sorriso
branco, lembrando um japonês. Tal gesto tranquilizou André, que voltou a descansar a
testa no ombro do moreno, fungando baixo. Não sabia se sentia bem com o comentário,
ou pior, pois achou que não merecia que alguém como Fabrício gostasse de si.

Sentia-se um verdadeiro lixo humano que merecia ser jogado no fedorento Arroio
Dilúvio.

Ficaram em silêncio por alguns minutos; porém Fabrício não queria deixar o loiro se
afundar em depressão, então teve uma ideia para animar o amigo.

“Sei que não vai deixar de se preocupar com o Davi até ele estar totalmente
recuperado.” Fafá falou e se levantou. “Mas ficar aqui se lamentando e culpando não irá
ajudar em nada. Vamos.” Estendeu a mão para ele, com um sorriso reconfortador e
animado no rosto, tentando contagiar o humor do loiro que parecia abatido demais, com
sinais de uma noite mal dormida.
“Pra onde?” André perguntou desconfiado, mas aceitou a mão de Fafá, permitindo que
ele lhe puxasse para se levantar. Porém tão logo em pé, tratou de soltar a mão do
moreno, experimentando aquele formigamento estranho.

“Tu vai ver.” Fafá garantiu com uma piscadela.

[...]

Fabrício era uma criança peste, na primeira oportunidade, desaparecia das vistas da
mãe, ou da dinda, e ainda levava a “prima” Juliana – que não era bem prima pois os
padrinhos eram na verdade apenas amigos de seus pais – junto. A menina tinha apenas
dois anos e meio, Fafá quatro e alguns meses, e andavam de mãos dadas pelo Parque do
Vale, local bem arborizado da cidade interiorana. Fafá de alguma forma fazia a menina
rir, falando bobagens e fazendo patetices.

“Para de fazê caretas, Fafá!” A menina xingava e dava tapas fracos no braço do mais
velho. Tinha cabelos castanho-negros, pele azeitonada e bonitos olhos escuros, como
duas jabuticabas bem maduras. Fafá abriu outra careta exagerada e então exclamou:

“Vamos correr! A dinda deve ‘tá nos procurando!” Exclamou e segurou mais firme a
mão da priminha, pondo-se a correr com ela sob protestos aos quais não dava atenção.
Juju quase tropeçava nos próprios pés tentando seguir o ritmo do outro e ria até a
barriga doer devido aos sons do primo, que parecia imitar ou tiros de uma arma, ou uma
galinha assustada – ‘pó-pó-pó-pó’, era difícil discernir.

Quando entraram numa área mais arborizada do parque, seguindo uma trilha de areia
com pedrinhas, alcançaram uma ponte por onde passava um riacho tranquilo, repleto de
peixinhos. Pararam ofegantes, a menina reclamando e rindo ao mesmo tempo do chinelo
havaianas que havia arrebentado pela corrida, enquanto Fafá ajeitava o óculos que
escorregara pelo nariz.

“Depois te compro outro.” Fafá falou como se tivesse algum dinheiro guardado em
casa, coisa que não tinha, os pais no máximo lhe davam dinheiro pra comprar alguma
bala, ou salgadinho, mas ele daria um jeito, tinha certeza.

“’Tá bom.” Juju assentiu, no fundo adorando aquela correria e a fuga da mãe. Quem
levaria a culpa depois seria o primo, então ela estava tranquila.

Fafá olhou pros lados. De repente ouvira um som suspeito e pediu silencia à prima,
colocando um dedo sobre os lábios e esperando por um momento. Juju abriu uma
expressão curiosa, mas se manteve quieta. Sempre acatava os pedidos do primo,
praticamente o idolatrava como um irmão mais velho, experiente e esperto.

Fafá logo identificou o som abafado de um choro infantil.

Pediu novamente silêncio à prima, que assentiu com a cabeça, os olhos arregalados.
Fafá avançou pela ponte, cuidando para não fazer nenhum barulho enquanto a priminha
o seguia com as orelhas em pé, saltitando com cuidado a suas costas.
Quando chegaram do outro lado e contornaram o tronco grosso de uma das árvores,
encontraram um gurizinho pequeno, loiro, que também não parecia ter nem cinco anos.
Ele estava sentado sob a sombra da árvore, abraçando os joelhos e escondendo o rosto
entre os braços. Os ombros sacudiam pelos soluços abafados.

“ELE ‘TÁ CHORANDO!” Juliana exclamou assustada ao ver o garoto aos prantos, tão
triste e sozinho no meio do parque. Fafá fez uma expressão de sobressalto e culpa
quando o loirinho ergueu, assustado, o olhar banhado em lágrimas para os dois. Fabrício
notou que havia sangue nas roupas dele, resultado de um corte no braço e no queixo.
Um pouco adiante, havia um patinete caído no chão.

“Vão embora!” O loiro exigiu virando o rosto, sentindo-se mal por ser pego no flagra
chorando. Escondera-se ali justamente para chorar em paz. Não queria que a babá-
empregada, que costumava trazê-lo ao parque já que os pais não tinham tempo para
isso, visse aquilo e contasse para Cíntia ou Heitor. Era pequeno, mas já tinha seu
orgulho.

O pai sempre dizia que garotos não choravam por bobagens.

Fafá não acatou a ordem. Desde o início, ele nunca acataria uma ordem do loirinho. No
lugar de ir embora, soltou a mão da prima e se aproximou do chorão, ajoelhando-se ao
lado dele.

“Tu precisa cuidar desses machucados.” Disse sabido, acostumado a ver sangue já que
vivia se machucando desde que aprendera a engatinhar. Juju, por outro lado, parecia
meio tonta ao ver o sangue coagulado, mas ainda vivo dos cortes.

“Eu não preciso da ajuda de vocês.” O loiro ergueu o queixo machucado, arrebitando o
nariz fino, mas isso lhe doeu o corte e ele fungou, apertando rapidamente os olhos para
evitar algumas lágrimas. Tinha um ar esnobe, mesmo tão novinho. Fafá não deu bola,
ele nunca daria. No lugar disso, se levantou e foi até a patinete, erguendo-o do chão.

O loirinho o olhou desconfiado enquanto trazia o patinete para perto, e se espantou


quando Fabrício estendeu-lhe a mão. Olhou-o com a expressão um tanto abobalhada, de
quem não sabe o que fazer. Aquele desconhecido tinha um sorriso diferente de todos
que já havia visto – um sorriso que desarmava, e que o desarmaria sempre, mesmo que
ainda não soubesse disso.

“Vem! Vamos até a minha casa, eu te ajudo com isso e ninguém vai ficar sabendo que
tu ‘tava aqui sozinho chorando!” Fafá disse alegremente. O loiro apertou os punhos em
ultraje.

“Eu não ‘tava chorando!” Exclamou, praticamente gritando, mas caiu no choro
novamente assim que terminou de falar. Fafá arregalou os olhos, porém Juliana, mesmo
nova, já tinha seu jeitinho feminino e se ajoelhou ao lado do loiro, colocando uma mão
sobre o ombro dele.

“O Fafá é a melhó pessoa do mundo! Ele sabe de tudo, e vai sabê cuidá de ti!” Ela
garantiu defensora e, ainda zonza pelo sangue, se afastou nauseada. “Acho que não
gosto de sangue...” Comentou com a mão na cabeça.
Fafá pensou que não daria conta se a prima resolvesse desmaiar, e ainda levaria uns
bons tapas da dinda ou da mãe depois. E como que combinado, assim que pensou na
dinda, ouviram a voz dela, gritando pelos dois fujões. As três crianças arregalaram os
olhos, mas Juju bem que estava com saudades da mãe.

“Vamos antes que ela nos encontre!” Fafá sussurrou apressado, não querendo ouvir
nenhum sermão tão cedo.

“Vai vocês, eu não quero mais correr.” Ela disse com um beicinho, já dengosa de
cansaço. Queria colo de mãe depois de ver tanto sangue, e o chinelinho ainda estava
arrebentado.

Fafá deu de ombros, sabia que a prima era teimosa. O que ainda não sabia que o
loirinho sentado no chão era dez vezes mais teimoso, então se virou para ele e esticou o
braço, ignorando o que ele havia dito antes sobre não precisar de ajuda.

“Vamos?” Pediu com os olhos pidões.

“Pra onde?” André perguntou desconfiado, mas aceitou a mão de Fafá, permitindo que
ele lhe puxasse para se levantar. Era bom ficar de mãos dadas com ele, então não se
afastou quando ele começou a puxá-lo meio atrapalhado, levando junto o patinete.

“Tu vai ver! Eu vou cuidar de ti!” Fafá falou acalorado. “Eu aprendi a fazer curativo
desde que caí do skate e ralei meus joelhos. Minha mãe me ensinou, ela sabe fazer pão,
doces, tortas, aí ela é boa com as mãos! Ela sabe fazer tudo, mas pra ninguém ficar
sabendo disso, eu mesmo vou cuidar desses machucados. Sabe que teve uma vez que
eu...“

Fabrício não parou mais de falar por todo o caminho. O outro se mantinha calado,
apenas escutando. O loiro estava impressionado, o coração batendo agitado. Nunca
antes tivera um amigo para ajudá-lo, nem um que falasse tanto, de uma forma tão
alegre. Em sua casa, todo mundo parecia carregar uma frieza elegante, e os pais eram
duas pessoas de poucas palavras.

Quando chegaram aos fundos da casa do Fabrício, uma residência simplória aos fundos
da padaria e confeitaria Vitória, a melhor da região, Fafá apoiou o patinete na parede e
se voltou ao menor, que ainda segurava firme pela mão, como que o impedindo de
escapar caso tentasse.

“Vamos em silêncio.” Falou e fez um ‘shhhh’ com o dedo sobre os lábios, já que não
sabia se a mãe ou o pai estaria em casa ou na confeitaria.

Puxou o menor para dentro e o levou até seu quarto.

O loiro olhou ao redor. Era um quarto pequeno comparado ao seu, porém era
aconchegante, com uma bagunça de criança que não encontrava dentro da própria casa.
Sentiu-se confortável e aquecido ali dentro e desejou não voltar para própria casa tão
cedo.
“Fique aqui, eu já volto!” Fafá saiu voando do cômodo e buscou no banheiro o kit que a
mãe lhe ensinara a usar, com gazes, soro, mertiolate, bandeides, micropólio, entre
outros. Voltou também correndo para o quarto e encontrou o loirinho sentado
comportadamente no chão, as pernas cruzadas enquanto segurava o braço machucado
com todo o cuidado e concentração do mundo.

Fafá se ajoelhou na frente dele.

“Isso talvez arda um pouquinho.” Ele disse e colocou soro na gaze para limpar os
ferimentos. Nem se importava em molhar ou sujar o chão, que garoto de quatro anos se
importaria? “Sabe, eu quero ser médico quando eu crescer, por isso a mamãe me
ensinou a fazer curativos, ela disse que eu tenho habilidade pra cuidar das pessoas.”

O loiro ergueu rapidamente os olhos, mirando-o com curiosidade, porém logo voltou a
fitar o chão, a cabeça mantida abaixada enquanto sentia o toque suave da gaze em seu
queixo. Estava doendo, mas por alguma razão sentia-se bastante calmo perto daquele
outro garoto. Ele continuava sorrindo, como se tudo fosse ficar bem. Mesmo quando ele
passou o ardido mertiolate não se importou com a ardência, apenas apertou com força
os olhos e comprimiu corajosamente os lábios para não emitir nenhuma lamúria. Pouco
tempo depois, já estava com um curativo no queixo e um no braço. Não eram curativos
tão bons quanto seriam os feitos por um adulto, mas eram melhores do que os de
qualquer outra criança de quatro anos.

“Obrigado...” O loirinho sussurrou e um sorriso pequeno brotou no canto de seus lábios.

“Não tem de quê!” Fafá exclamou, satisfeito por ajudar.

Sentiu que poderia mesmo ser um médico no futuro. Havia salvado pela primeira vez a
vida de alguém! Olhou para o pequeno loiro com atenção, querendo gravar bem o rosto
dele.

“Eu esqueci de perguntar teu nome...” Percebeu.

“É André.” O menor disse, mordendo os lábios. “Tu não vai contar mesmo que eu ‘tava
chorando antes pros meus pais, né? Porque eu não ‘tava... Não muito...”

“Eu não vou contar.” Fafá garantiu e ergueu o dedo mindinho. “É uma promessa!”

André o encarou por um momento, não entendendo aquele gesto, mas por instinto
ergueu também o dedo mindinho, entrelaçando-o timidamente ao do garoto. E o gesto
tão simples pareceu marcar, em si, algo extremamente importante. Algo que não se
desfaria tão fácil, algo que duraria pra sempre.

E André pensou que Fafá realmente o salvara.

E os dois talvez já soubessem, mas ali começaria uma grande amizade. Receberam
juntos um sermão de Cíntia e Isadora, que não ficaram nada felizes com as fugas dos
filhos, os machucados tratados por Fabrício, o fato de terem bagunçado toda a cozinha
tentando preparar um lanche, entre outras coisas que eles fingiram nem escutar
enquanto se espiavam pelo canto dos olhos e suprimiam sorrisinhos de cumplicidade.
Dizem que amizades surgem exatamente assim – das travessuras e armações, e de
aguentar unidos as consequências e castigos. E eles teriam muitos momentos assim pela
frente, já podiam sentir o nascimento de um laço forte de amizade, difícil de
compreender, apesar de não perceberem isso de forma consciente. Era mais como uma
sensação sem formas e sem nome, que apenas se sente, como um formigamento gostoso
no peito.

Esse laço pode ter nascido no exato momento em que Fabrício estendera a mão para
André no Parque do Vale. Ou no momento em que André abraçara Fabrício
impensadamente, logo após a promessa, apenas para corar em constrangimento depois.
Quiçá ainda por Fabrício ter quebrado sem querer, certo dia, a caneca que a mãe tinha
de lembrança da avó, e André ter tomado a culpa para si, afirmando ter sido ele quem a
havia quebrado – para surpresa do verdadeiro culpado.

Quem sabe surgira junto com as tantas vezes em que Fabrício ajudou André a fugir da
mansão e o levou para brincar. Da vez em que André o ensinou a jogar videogame, pois
os pais do Fabrício não tinham como comprar algo tão caro, e depois lhe deu esse
mesmo videogame quando ganhou um novo. Ou quando, como retribuição, Fafá o
ensinou a andar em seu amado skate, presente do tio Diogo. Quando André confessou,
envergonhado, que sentia medo do pai, para então Fabrício admitir que sentia medo do
cachorro da vizinha, o que fez o loiro rir.

O cachorro da vizinha era um chiuaua.

Podia ter nascido dos raros sorrisos do loiro, que sempre faziam Fafá sentir-se especial
por conquistá-los, ou dos frequentes e espontâneos de Fabrício que André gostava de
olhar de soslaio. Ou de todos os passeios no parque, de todas as descidas na lomba, de
todos os machucados que um cuidou do outro, mesmo que Fabrício costumasse ser bem
melhor com curativos. Sem dúvidas o fato de que Fabrício sempre arrancava, como um
furacão, André de sua rotina rígida estava fortemente envolvido, assim como das vezes
em que o loiro arriscava um castigo para encontrá-lo.

Nem Fafá, nem André saberiam explicar como exatamente tudo começou – aquela
amizade única, o vínculo extremamente forte, daqueles que se leva pela vida inteira
mesmo quando caminhos diferentes são tomados e anos se passam sem nenhuma
espécie de contato; anos nos quais apenas se guarda com carinho aqueles dias especiais.

E ali, na confeitaria onde lanchariam tantas e tantas vezes aos finais de tarde, ouvindo
suas mães gritarem sobre irresponsabilidade e sobre nunca mais sumir sem avisar, foi
que André percebeu que Fabrício era o único capaz de fazê-lo sentir-se vivo e livre,
pelos mais diversos motivos.

Porque, na realidade, era uma soma de tudo.

Notas finais do capítulo


AWN, esses dois crianças ainda me matam. Fala sério. *.* Bem, é isso, 'tô meio sem
palavras hoje porque acho que minha cabeça vai explodir, e eu tenho que começar a
estudar umas vinte mil coisas! Até final de semana que vem! Beijos, minhas paixões
(Cap. 19) Acertar no coração
Notas do capítulo
IMPORTANTÍSSIMO! Galera, por algum motivo o site não está, desde os últimos
capítulos, enviando notificações de atualizações dessa história pro email de vocês.
Certifiquem-se de que leram os últimos, ou o último capítulo, antes de ler esse, ok? :]
Vejam se que o email de vocês não está colocando os emails do Nyah no SPAM!
MÚSICA do capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=2Nt8aRLQM8Y (versão
acústica)

André teve de dirigir, já que Fabrício demoraria umas semanas ainda, até conseguir tirar
a carteira. O loiro seguiu os comandos de Fafá, sem ter ideia de que caminho eles
tomavam; também não perguntou – permaneceu em silêncio, apenas obedecendo. Não
estava com ânimo para conversas ou o que fosse, mas seu rosto ganhou uma expressão
desconfiada quando chegaram a um lugar um pouco afastado da zona mais urbana da
cidade, onde parecia existir uma espécie de minissítio.

“O que é isso?” André perguntou, após dobrar da rua para uma estradinha de chão
batido cercada de árvores, arbustos e verde num geral. “Estamos indo pro meio do
mato?”

“Pode se dizer que sim.” Fafá riu, mas não deu maiores explicações. Depois de poucos
minutos, chegavam a uma casinha de madeira e uns espaços cercados que lembravam
uma zona de guerra. Um dos lugares cercados, numa área mais abaixada, porém visível,
estava repleto de pessoas usando proteção e segurando armas de tinta, correndo e se
escondendo do time inimigo.

André logo compreendeu.

“Paintball.” Falou ao desligar o carro, e se virou para o moreno. “Sério mesmo?”


Torceu os lábios, como se acabasse de ver um gordo de cento e cinquenta quilos
dançando pelado à sua frente.

“Vamos!” Fafá exclamou empolgado e pulou para fora do carro feito uma criança que
foge de um banho. André suspirou, vendo que não tinha alternativa a não ser seguir
aquela criatura insana.

Fafá olhou para o loiro.

“’Tá parecendo uma lesma desidratada de tanto que se arrasta. Se tu quiser, te levo no
colo.” Comentou jovialmente e piscou pro loiro, logo enchendo os pulmões de ar fresco.
André abriu um sorriso forçado, na verdade sentindo mesmo vontade de pegar uma
arma de paintball e dar um tiro direto nas fuças do moreno.

“Me lembre de nunca mais deixar tu fazer o que bem entender, sem perguntar nada
antes.” André resmungou com um bico, acompanhando Fafá para dentro da casa de
madeira onde pagariam pra entrar no jogo. Fabrício passou um braço pelos ombros do
loiro, ignorando completamente o novo resmungo que ele soltou – lhe lembrava Cherry,
que às vezes reclamava dos afagos, mas sempre acabava se rendendo.

Fabrício riu internamente da comparação mental.

“E aí, parceria. ‘Tá livre agora pra eu e meu amigo aqui?” Perguntou ao atendente e
ergueu a mão, já cumprimentando o homem de maneira despojada, as mãos se
encontrando mais na altura do peito. Era um homem barbudo com uma barriga de chope
proeminente, trajando uma camiseta suja de tinta, e tomava um chimarrão quando os
dois entraram na casinha.

“Bah, guri, ‘tá com sorte. O campo ‘tá liberado até as 17h. ‘Cês podem aproveitar uma
hora e pouco de paintball.” Ele afirmou. Fafá olhou para André com um sorriso
vitorioso, ao que o loiro fingiu comemorar.

André realmente conseguia transmitir uma energia animadora quando queria. Só que ao
contrário. Uma sorte que Fafá não se deixava abalar fácil. Estava ali justamente para
erguer o humor ruim do loiro.

Se ‘fardaram’ e foram guiados até a entrada da cerca do espaço que estava vazio. Era o
maior dali, lembrava mesmo um local de guerrilhas da guerra do Vietnã, por exemplo.
André chegou a pensar se não acabaria se perdendo ali dentro, e como eram apenas os
dois, se acabariam por nem acharem um ao outro.

“Vocês têm sessenta tiros cada um. Se precisarem de mais, tem de vir até aqui. Mais
vinte tiros equivale a mais dez reais, e por aí vai. Bom jogo!” O homem explicou e abriu
o portão da cerca alta, entrelaçada, que impedia que qualquer um pulasse por cima dela,
já que deveria ter uns três metros ou mais de altura.

Os dois avançaram pela trilha inicial, até chegarem numa área mais aberta, mesmo que
repleta de árvores e mato, pequenas trincheiras no meio de tudo isso e restos de guaritas
que serviam como pontos rápidos de observação e tiro.

“’Tá, não tem graça se não apostarmos alguma coisa.” Fafá, sempre mercenário, decidiu
antes que se separassem. André achou a ideia pouco segura, mas não iria demonstrar
receio, afinal, tinha certeza de que ganharia a disputa.

“Vai valer o quê? E quais são os critérios de vitória?” Perguntou, apoiando a arma longa
sobre um dos ombros. Fafá abriu um sorriso tão perverso que o loiro se arrepiou inteiro,
experimentando uma fisgada nada agradável na boca do estômago. Fafá com aquela
expressão não era bom sinal, definitivamente não.

“Quem ganhar pode pedir o que quiser pro outro, no momento que quiser.” Estendeu a
mão para André. “E não vale dar pra trás depois.” O loiro hesitou, não gostando nada
daquilo, atitude que Fafá captou e, com um sorrisinho malicioso, complementou: “Ou
fica com medinho demais pra apostar?” Implicou.

“Rá!” André exclamou com descaso e bateu a mão contra a do moreno, apertando-a
com firmeza. “Até parece.” Disse empinando o nariz, mas não deixou barato; resolveu
contar vantagem. “Só avisando que já fiz um mini-curso de tiro ao alvo durante minha
viagem pela Europa. E pra não deixar só tu escolher, digo que vence quem atingir um
tiro diretamente-“ André se aproximou um passo do Fafá, mirando-o olho no olho e
pressionando o dedo indicador contra o peito protegido do moreno. “No coração.”

Fafá achou que André ficava muito atraente com aquele ar ameaçador e autoritário, os
olhos azuis com um brilho determinado. Sorriu ao ver que ele já parecia mais animado,
esquecido momentaneamente do amigo no hospital.

“Fechado.” Aquiesceu, achando justo.

Iria acertar André no coração.

XxxX

André parou, apoiando uma mão no joelho e o antebraço numa árvore de tronco fino. A
respiração era ofegante, e ele se perguntava onde todos aqueles anos de natação e vôlei
haviam ido parar? Tudo bem que ficara quase um ano viajando sem nem pensar em se
exercitar, e só retornara a isso há uns três meses. Mas em três meses deveria conseguir
correr o suficiente para vencer do Fabrício! As aulas, os treinos de futebol, vôlei e as
corridas vespertinas vinham deixando-o bastante cansado, percebeu puxando fundo o ar.

O calor era irritantemente cruel, e suor escorria por sua nuca e costas. Seria bom cair na
piscina de casa naquele momento. Mas primeiro precisava ganhar do moreno. Não
queria um ser como o Fabrício, obviamente subdesenvolvido – não importava o fato que
passara em medicina –, contando vantagem mais tarde.

Contar vantagem é uma das minhas especialidades. Pensou resoluto, enchendo o peito
de ar com um vigor renovado. Já havia atingido Fafá na perna, uma na coxa, duas nos
braços, no abdômen e até no capacete. E ele o acertara na bunda (desgraçado!), na
panturrilha, nas costas por duas vezes e na mão. A mão doía pra caramba ainda. André o
faria sofrer, ah, se faria!

Suas orelhas pareceram se eriçar ao escutar barulhos suspeitos pela mata. Segurou firme
a arma e correu em busca de proteção, mas não foi rápido o suficiente. Acabou levando
outro tiro na bunda.

“FAFÁ, SEU PUTO!” Gritou furioso, levando a mão à bunda dolorida e olhando pra
trás, com sua expressão mais assassina. Fafá soltava uma risadinha, mas ao ver a
expressão do loiro, engoliu em seco. Não sei como um rostinho bonito como esse
consegue ficar tão assustador de um minuto pro outro! pensou, e teve de correr para
trás de uma das tábuas longas pregadas às árvores, que serviam como proteção. Se
tivesse ficado ali, não duvidada, teria levado um tiro no saco. E deuses, só de imaginar
já se sentiu estéril, incapaz de fazer um filho no futuro.

Então os tiros começaram de ambos os lados. Os dois corriam de um ponto de proteção


ao outro, se perseguindo, alternando entre fugir e atacar. Trocavam insultos e
implicâncias de ambos os lados, interrompidos em alguns momentos pelas risadas.
André achou injusto quando Fafá, correndo, tropeçou nuns galhos seco e caiu de boca
na grama. Injusto porque ele caiu na gargalhada, exclamando um “que retardado!” e,
com isso, levou um tiro no quadril, bem em seu osso ilíaco, o que o fez dar um pulo de
dor nada digno.

Foi a vez de Fabrício gargalhar, ainda estirado no chão. André, ainda sofrendo, ergueu
uma sobrancelha e lembrou-se que os dois estavam perdendo o ponto – tinha era de
acertar o peito de Fafá! Pegou a arma e mirou, mas Fabrício bem na hora girou e o tiro
pegou nas costas. André bufou ao ver o moreno se levantar e correr. Então ele acha que
pode fugir? Pensou indignado e se pôs a correr atrás dele. Sem atirar, afinal, de nada
adiantaria acertá-lo novamente nas costas.

O que André não previu foi que Fafá se virasse de súbito, com uma velocidade
impressionante, e erguesse a arma. Não teve outra opção que não fugir pela tangente
para escapar do tiro. Mas o desvio o deixou com pouco equilíbrio e, antes que
conseguisse firmar os pés no chão irregular, Fabrício estava correndo em sua direção e,
de alguma forma que mais tarde nenhum dos dois saberia explicar, se chocaram e
caíram engalfinhados no chão.

“Filho da mãe!” André exclamou tentando chutar Fabrício para longe. Os dois rolaram
na grama, meio aos risos, meio ofegantes, meio tentando buscar uma brecha para
dominar um ao outro.

“Quieto, loirinho! Facilita aqui pro vencedor!” Fafá rebateu, tentando segurar os pulsos
de André.

As armas haviam se perdido em algum lugar entre a grama.

“Um vencedor não fica pedindo pro adversário facilitar, idiota!” André replicou e, com
um impulso, conseguiu ficar por cima de Fabrício, sentado sobre a cintura do moreno.
“Arrá!” Exclamou vitorioso, mas estranhou o sorrisinho que Fafá abriu.

“E aí, Santa, como vai atingir meu peito sem a arma?” Perguntou e colocou as mãos no
quadril do loiro, alargando ainda mais o sorriso. “A não ser que esteja pretendendo me
ganhar de outra forma.” Implicou, com uma malícia sutil.

André entreabriu os lábios e corou, notando a posição dos dois. Rapidamente o loiro
girou o corpo em busca da arma, saindo de cima do Fabrício. Por sorte ela estava por
perto e André conseguiu agarrá-la. Virou-se ágil, rapidamente mirou o moreno e atirou.

E teria dado certo... Caso os tiros não houvessem acabado.

Fabrício gargalhou.

“Cacete!” André exclamou horrorizado com sua falta de sorte e com a injustiça
crescente de sua vida, enquanto o outro ria descaradamente. André tentou levantar para
pegar a outra arma, porém Fabrício o impediu de se afastar e, no instante seguinte,
André estava de cara contra a grama com Fafá sobre si, empurrando um de seus ombros
contra o chão com uma mão de ferro. O moreno esticou o braço e conseguiu alcançar a
outra arma. Segurando o ombro do loiro, Fafá o virou no chão colocando-o de barriga
para cima e, então, segurou-lhe rapidamente os pulsos acima da cabeça, deixando André
completamente vulnerável.
“Parece que aquele teu curso de tiro ao alvo não ajudou em muita coisa, já que nem sabe
dizer quando os tiros da tua arma acabaram.” Falou trocista, com um sorriso maldoso, e
apontou a arma no peito ofegante do loiro. Ele próprio estava respirando com certa
dificuldade. A luta dos dois por controle havia sido intensa.

“Essa é a minha arma!” André reclamou. Tinha certeza de que a sua ainda tinha alguns
tiros, mas ela estava agora nas mãos do Fabrício. Mais uma injustiça! Nunca mais jogo
paintball, pensou emburrado.

“Talvez isso te ensine a deixar de ser tão arrogante...” Fabrício falou num tom baixo,
olhando diretamente para os orbes azuis do loiro. André sentiu um arrepio. Fafá estava
estranhamente diferente. Mais... másculo com aquele jeito cruel de quem atiraria em seu
coração sem dó nem piedade. Quê?! Mas que diabos... Preferiu ignorar suas próprias
impressões, e o arrepio em sua nuca e braços.

Filetes de sol ultrapassavam as árvores e atingiam os olhos claros e sensíveis do loiro,


então ele os fechou, segundos antes de sentir o tiro contra seu colete protetor, no ponto
exato que garantiria a vitória ao adversário. Gemeu pela pressão e dor do tiro tão
próximo, e trincou os dentes por isso. Abriu os olhos somente ao sentir, com um
sobressalto, a respiração quente do Fabrício contra sua orelha.

“Agora... Tu me deve um pedido.” Fabrício sussurrou de uma maneira estranha, como


se já tivesse algo em mente. E algo de que André não gostaria nadinha. “Qualquer um.”

André achou melhor não ter apostado nada. Com um resmungo, puxou os braços e,
liberto, empurrou o Fabrício, que caiu para o lado, rindo de sua expressão emburrada.

“Sei disso. O que tu quer?” Perguntou, querendo saber logo para se livrar o quanto antes
da aposta. Olhou para o Fabrício, estirado na grama com uma expressão estupidamente
satisfeita e um olhar que, de uma maneira igualmente estúpida, pinicou suas bochechas.

“Vou esperar o momento mais propício para dizer.” Fafá falou, dando de ombros com
descaso e desviando o olhar. André o encarou com os olhos estreitados, mas acabou se
deitando na grama também, cansado de toda aquela correria e adrenalina.

“Tenho medo do que tu vai pedir.”

“É pra ter.” Fafá replicou, sorrindo maroto.

“Não acredito no teu bom-senso.” André reforçou.

“Eu também não.” Fafá concordou, colocando as mãos atrás da cabeça. André revirou
os olhos e o socou nas costelas, o que levou Fabrício a atacá-lo e começar uma tortura
em forma de cosquinhas que chegavam a machucar de tanto que o loiro ria.

André odiava cosquinhas.

“Para! Eu odeio isso! Para, Fabrício!” Implorava, de uma maneira muita engraçada aos
olhos do Fafá. Nunca vira alguém tão irritado rindo tanto ao mesmo tempo. O moreno
percebeu que estaria em risco de vida assim que o liberasse da tortura. Mas não podia
evitar, afinal, era o máximo de contato físico que podia ter com o loiro por hora... Sem
contar que era sempre revigorante irritá-lo até o limite.

Fafá pulou para longe – devido ao risco de levar um chute bem dado na bunda – quando
achou que o André estava perto de ter uma asfixia por ‘risada fisiológica exacerbada’.
André bem que sentiu vontade de pular em cima do moreno para dar o troco, mas o
abdômen todo doía e precisava de ar. Respirou fundo, colocando as mãos sobre a
barriga e fechando os olhos pelo cansaço.

“Neste momento, eu te odeio.” Deixou bem claro. Fafá soltou uma risadinha divertida
que soou extremamente revoltante aos ouvidos do loiro, pois era uma risada de quem
desconsiderava por completo aquela afirmativa. André soltou um ‘hunf’ inconformado,
porém continuou deitado, a testa franzida.

Um silêncio agradável se instaurou entre eles. Fafá deitou na grama também, colocando
novamente as mãos atrás da cabeça enquanto olhava para o céu parcialmente encoberto
pelos galhos das árvores. Pareciam distantes de tudo, ali, ouvindo o barulho do vento
contra as folhas verdes, sentindo a maciez da grama sob as costas e apreciando o canto
de alguns passarinhos que retornavam agora que o ‘tiroteio’ havia terminado.

“Tu se lembra de como nos conhecemos...?” André perguntou de repente, sendo pego
por uma forte nostalgia. Naquela época, não se preocupava com nada. Tentava agradar
aos pais, é verdade, mas sempre fugia deles quando tinha a chance. Não se preocupava
com orientação sexual, dinheiro, faculdade. Nada. Naquela época, não via nenhum
problema em ter uma amizade tão próxima com outro garoto – com Fabrício.

“Tu ‘tava chorando no parque, e eu te arrastei até a minha casa.” Fafá se lembrou de
imediato. Engraçado que aquela memória tão distante parecesse tão sólida depois de
tantos anos.

André soltou uma risada rasa pelo nariz, um pouco abatido.

“Se eu ainda fosse criança, negaria que estava chorando. Esse era o tipo de preocupação
que eu tinha, agora me parece uma grande bobagem se preocupar com um choro,
principalmente quando se tem quatro anos.” Falou com a voz um tanto arrastada,
pensando seriamente sobre isso. Fafá percebeu um leve desconforto no tom do loiro e
virou de lado, voltando o olhar para ele. André abriu os olhos, mas continuou a olhar
para cima. “Eu quero que esse preconceito que eu tenho... Ou melhor, tinha contra
homossexuais também seja assim, que eu possa olhar pra ele e pensar: que grande
bobagem.”

Nem comentou o preconceito contra gente de classe baixa. Nunca se importara


realmente com isso, um de seus amigos mais próximos – Lucas – era inclusive o tipo
‘pobretão’. Os pais o incentivavam a andar só com gente de ‘classe alta’, é verdade, mas
André só usara isso como desculpa para desmerecer o amigo de infância nos anos em
que estiveram separados, e principalmente quando ele pareceu não se lembrar de si no
início do semestre. Não havia mais nenhum outro ‘defeito’ no moreno que pudesse
levar em conta. E xingá-lo e menosprezá-lo, quando a saudades ou despeito pelo
esquecimento eram grandes, era a única forma de apaziguar tais sentimentos.
“Acho que no fundo tu sempre achou isso.” Fafá falou baixo, resgatando o loiro de se
afundar em pensamentos sufocantes, porém André negativamente balançou a cabeça.

“Tu não entende... Eu não contei o que eu falei pro Davi quando ele apareceu na minha
casa pra dizer que gostava de homens. Eu fui... Mais que um idiota, e quando eu penso
nisso... Tsc.” Apertou os olhos não encontrando palavras e balançou novamente a
cabeça, os punhos apertados sobre a barriga. “Eu não entendo como alguém como tu,
tão livre de preconceitos, pôde querer retomar a amizade comigo, meus pensamentos
vão, ou iam contra teus tios que tu adora, contra o que tu acredita, e ainda assim...”

“Eu te conheço desde pequeno.” Fafá interveio ao perceber que André ficava cada vez
mais desconfortável. “’Tá certo que passamos quase nove anos sem nos ver, mas fomos
amigos por quase sete anos, eu sabia como tu era antes, e eu sabia que tu ia acabar
pensando melhor. ‘Tá que éramos só crianças, mas muito do que somos hoje se deve
justamente a essa fase, aprendemos muito quando somos pivetes, internalizamos muitas
coisas, mesmo sem nem saber.” Explicou. “Eu não sou de julgar, e isso incluiu não
julgar alguém antes de tentar entender o que se passou. Justamente porque nos
afastamos, eu não sei o que tu passou pra acabar com esses preconceitos que, talvez até
já existissem no teu ambiente familiar desde aquela época, mas tu não exteriorizava e
nem se importava... E outra, eu vi como tu ficou depois dessa conversa entre tu e o
Davi, tu ficou parecendo um zumbi deprimido e ainda mais mau-humorado que o
normal por mais de uma semana, e depois ficava do nada com umas caretas de quem ‘tá
com dor de barriga e não tem banheiro por perto.”

André soltou uma risada rápida, de um humor que vem e logo se esvanecesse. Apenas
Fabrício para fazê-lo rir quando se sentia afundando na lama. Assim que a risada
morreu em seus lábios, lágrimas quiseram surgir nos olhos, mas o loiro as segurou,
respirando fundo.

A imagem do Davi no hospital era algo difícil de lidar.

“Ou seja, tu já ‘tava arrependido do que quer que tenha dito pro Davi, antes mesmo de
ele e o Guilherme apanharem. Só era teimoso demais pra admitir.” Fabrício concluiu.

André ficou em silêncio por um tempo, agora que pensava sobre isso numa nova ótica,
percebia que sim, estivera arrependido daquilo desde o momento em que despejara seu
preconceito em cima do amigo. Só desejava ter reparado o erro mais cedo...

Esfregou a palma da mão contra a testa por um momento, como se pudesse esfregar
para longe os pensamentos ruins.

“Tu é bonzinho demais, Fabrício.” André afirmou, erguendo o canto do lábio superior
com um certo desdém. “Não devia ficar vendo só o lado bom das pessoas. Menos ainda
quando se trata de alguém como eu.”

Fabrício imediatamente caiu na gargalhada – uma gargalhada alta e gostosa que o fez
apertar o estômago e fechar os olhos enquanto ria. Pego de surpresa, André se virou
para ele com os olhos arregalados e a boca entreaberta, não entendo aquela reação
maluca.
“Qual o teu problema?” Perguntou, meio irritado. Estava falando sério ali!

“Tu fala... como se fosse... um grande vilão...” Respirou fundo atrás de fôlego, o riso o
atrapalhando a casa palavra. “Mas se derrete todo... por causa do Sascha... e ainda fica
vermelhinho... por qualquer coisa!” Finalizou, rindo-se ainda mais.

André, como dito, ficou vermelho. Mas dessa vez, vermelho de raiva.

“Idiota!” O empurrou pelo ombro. “Para de rir!” Continuou a cutucá-lo, sentindo-se


bastante frustrado pelas risadas debochadas do outro. “Hei! Fica quieto!” Exigiu, mas
era em vão, quanto mais pedia e mais o cutucava, mais Fabrício ria. Até que André, com
um beiço contrariado, desistiu e voltou a se deitar de costas, resmungando algo sobre
‘gente fugida do hospício que não tinha o menor respeito com os mentalmente sãos’.

Fabrício lentamente se acalmou das risadas, até ficar apenas com um sorriso bobo no
rosto. Estava feliz pelo loiro estar abrindo os olhos quanto a questão da
homossexualidade, apesar de isso ter custado a integridade física de duas pessoas, o que
o entristecia pelos rapazes agredidos. Ainda assim, sentia que o loiro eventualmente
teria superado aquilo, mesmo que demorasse mais. Sabia que André tinha medo do pai
quando criança, e suspeitava que ele ainda sentisse esse medo repressor hoje em dia,
mesmo que já fosse independente e nem mais morasse com o Heitor.

“Mais um pouco tu vai perceber que qualquer um pode chorar, tanto quanto beijar e
amar quem bem desejar, e que não há nada de errado com isso. Agora talvez ainda seja
um pouco estranho e diferente, mas depois vai ser como desejar uma coca-cola bem
gelada num dia quente.” Fafá falou agora mais sério, porém dando voz ao vício por
coca-cola.

André soltou uma risada airada, quase sem som, pela boca.

“Tuas comparações são péssimas, sabia?” Balançou a cabeça em negação. “Tua


comparação tinha de ser com algo que todo mundo gosta e faz naturalmente. Tem gente
que não gosta de coca-cola.”

“Essas pessoas têm problemas.” Fafá sorriu sapeca.

“Onde foi parar a parte sobre ‘não julgar os outros’?” André perguntou irônico.

Fafá coçou a barba por fazer, pensativo.

“Talvez eu tenha certo preconceito com quem não gosta de coca e de churrasco...
Droga, eu me sinto tão hipócrita agora.” Lamentou, parecendo realmente chateado. “Eu
preciso aprender a aceitar os bebedores de água e os comedores de alface.”

André dessa vez riu alto, a ponto de fechar os olhos por uns segundos, o que contagiou
o moreno, que acabou o acompanhando no riso. Quando o loiro parou, virou o rosto pro
lado e observou diretamente os orbes negros do outro. Fabrício tinha olhos castanho-
negros, porém mesmo assim transmitiam uma sinceridade e energia contagiantes, como
se houvesse luz dentro deles.
Esticou o dedo mindinho entre os dois, como Fabrício havia feito naquele dia em que se
conheceram.

“É uma promessa: eu vou aprender a deixar todos os meus preconceitos idiotas de lado,
e tu vai deixar o teu contra ‘bebedores de água e comedores de alface’.” Determinou,
com ares de seriedade permeando a vontade que ainda tinha de rir e revirar os olhos.

“Feito.” Fafá aceitou a ‘promessa do mindinho’, entrelaçando o dedo ao do loiro. Um


entendimento silencioso se instaurou entre os dois e, depois de vários minutos, os dedos
continuavam presos um ao outro.

André sentiu o rosto corar quando Fafá deslizou os outros dedos por sua mão, num
carinho lento. Manteve o olhar naquele contato por uns segundos, mas logo voltou mirar
o céu, envergonhado demais para continuar a ver, permitindo-se apenas sentir. Evitou
pensar além daquele lugar, daquele momento, apenas retribuiu ao carinho, imaginando
como se pudesse descobrir, apenas com aqueles toques singelos, tudo que perdera sobre
o moreno naqueles últimos nove anos.

O coração acelerava conforme sentia os dedos dele envolvendo os seus, tocando com
suavidade. Eventualmente fechou os olhos, num misto de nervosismo e vergonha e de
tranquilidade e liberdade ao retribuir ao toque.

Toque este que poderia significar tantas coisas.

Tantas.

Fafá também sentia o coração palpitando pelo contato, porém não fechou os olhos, e
alternava o olhar entre as mãos enamoradas e o rosto ruborizado, de olhos ligeiramente
apertados, do André. Sorriu pelo canto da boca, suavemente, achando o loiro
especialmente fofo daquela maneira.

Ficaram assim, desligados do mundo, conectados apenas um ao outro, até que o tempo
que tinham no campo terminasse e tivessem de retornar à realidade, fingindo que não
continuavam com as mãos formigando, e com o coração batendo forte.

XxxX

O pôr do sol do Guaíba é considerado pelos gaúchos um dos mais bonitos do Brasil,
senão o mais bonito. Bem coisa de gaúcho, mais bairrista impossível. Fafá concordava
com aquilo, adorava o pôr do sol dali. Gostava de assisti-lo ali, próximo do Gasômetro,
à beira do Guaíba.

Os garotos, depois do paintball, foram pra casa, tomaram um banho, e depois André
voltou a pegar o carro para buscar Fafá, Gabi e Natália para irem ao gasômetro. Leo
também foi convidado por André, mas o garoto recusou, pois já tinha algo marcado para
a noite. Já Natália ainda estava abalada pelo que acontecera, e ficou grata pela chance
de desviar os pensamentos dos últimos eventos.

André agradecia a Fabrício por isso. Ter o amigo de infância em sua vida... Realmente
fazia a diferença. Sorria internamente, tomando um chimarrão, enquanto tinha um braço
ao redor dos ombros de Natália, sentada ao seu lado sobre a toalha que a garota trouxera
para colocar no chão. Natália mantinha a cabeça apoiada no ombro do loiro, com uma
expressão um pouco distante, triste. Era estranho para ela estar na companhia de
Fabrício depois do flagra, mas via que ele era gente boa e resolvera deixar isso pra lá.

Ele e André que se resolvam, pensou ao se lembrar da noite da festa.

(...)

Arrastou André até a moto, enquanto se perguntava como o levaria para casa na carona,
visto que ele parecia mal conseguir se segurar. Nunca vira André tão bêbado, mas pelo
que o loiro falara, ele já havia bebido bastante durante todo o dia, talvez o fígado já
houvesse ficado saturado de tanto álcool. Natália se sentou com ele no chão, ao lado da
moto, com a cabeça girando pelo que havia visto, enquanto André deitava a cabeça em
seu ombro, sonolento.

“Tu gosta dele?” Perguntou, acariciando distraidamente os cabelos do loiro. “Desse


jeito... De beijar?”

André apenas resmungou ininteligivelmente e murmurou o nome ‘Fabrício’.

“Parece que tu gosta.” Riu da ironia daquilo. “Oh, deus, eu tenho um amigo gay, e outro
bissexual, e nem fui capaz de perceber isso. Sou tão idiota...”

“Eu gosto...” André voltou a murmurar, parecendo quase dormir, e novamente o nome
do moreno escapou de seus lábios. Natália suspirou. Fora bom que o Davi houvesse
saído do armário antes, a ajudava a encarar o momento atual já que, de uma pessoa que
não agredia nem defendia homossexuais, passara a ser uma espécie de defensora da
liberdade sexual e coisas assim depois do Davi confessar gostar de homens.

Acariciou mais um pouco os cabelos do loiro, antes de puxar-lhe a orelha. André soltou
um gemido alto de dor e pareceu acordar um pouco, levando a mão até a orelha
dolorida.

“Por que fez isso?”

“Não dorme, pateta. Temos de voltar pra casa ainda, e se eu pego um táxi e deixo tua
moto aqui, amanhã sou uma guria morta.” O beliscou mais vezes até que estivesse
completamente acordado para que voltassem para casa. Uma sorte que não havia bebido
até cair, e o susto que tivera ao ver André aos beijos com Fabrício parecia ter eliminado
todo o álcool em seu sistema.

(...)

Gabi e Fabrício falavam bobagens aos montes, tentando manter erguido o ânimo dos
dois. Fabrício imitava alguns professores que eles tinham, e o fazia de uma maneira tão
igual e hilária, que era impossível para todos não gargalharem, até Natália, que nem
conhecia quem ele imitava.
“Que tal brincarmos de mímica?” Gabi sugeriu, empolgada. “Com filmes! A gente tem,
em duplas, de fazer a cena de um filme, e a outra dupla tem que acertar!” Disse, com
um ar infantil.

“’Fechou todas!” Fabrício logo acatou a ideia. “Eu e tu vamos primeiro.” Disse para
Gabi e já a fez se levantar, antes mesmo que os outros dois tivessem alguma chance de
negar. Os dois cochicharam um com o outro antes de começar a imitação. Começaram
com uma imitação complemente capenga de A Era do Gelo.

“Mas o que diabos é pra ser isso?” André perguntou com uma careta. “Um elefante?”

“Dumbo?” Natália sugeriu, em dúvida. Depois de minutos de luta, Fafá, de uma forma
nada digna, começou a imitar Scrat, o esquilo.

Gabi gargalhou.

“’Tá muito igual!” Ela riu ao ver Fafá andando de joelhos segurando o celular nas mãos
e tentando escondê-lo em qualquer lugar que visse, mexendo o nariz como um ratinho e
olhando pros lados para se certificar de que não havia ninguém por perto. Quem olhava
de fora obviamente achava que se tratava de algum louco com uns parafusos a menos. E
bem... Não estavam enganados.

“Espera! É aquele rato daquele desenho, que esconde a noz!” André disse, estalando os
dedos, sem conseguir lembrar.

“Era do Gelo!” Natália gritou como uma leoa que captura sua presa. André não sabia
como, mas ela conseguia ser mais competitiva em jogos do que ele próprio. Fafá e Gabi
ergueram as mãos para o céu, por eles finalmente acertarem.

“Que cena era aquela?” André perguntou de testa franzida.

“Aquela que o gelo ‘tá abrindo e eles correm, e o mamute joga o Diego, mas cai na lava
em cima de um pedaço de gelo, mas aí acaba voltando.” Gabi tentou explicar,
gesticulando com os braços.

“Vocês são péssimos imitando.” André declarou sem dó nem piedade, e se ergueu com
Natália para imitar algum desenho. Gabi o xingou.

“Mostra aí então, bonzão!”

“Com o Santa, é só ele imitar a Bela Adormecida. É igualzinho.” Fafá implicou de


volta, rindo quando o loiro lhe mostrou o dedo do meio. A brincadeira se seguiu até que
Natália também estivesse com um humor melhor.

Ao final, ela abaixou o olhar, segurando o choro.

“Obrigada por me convidarem. Foi muito legal conhecer vocês dois melhor.” Ela olhou
para Fabrício, que coçou os cabelos. Lembrava-se da lição de moral que ela lhe dera
depois de flagrá-lo agarrando André.
Da próxima vez que tentar beijá-lo, seja menos covarde e vê se tenta quando ele estiver
sóbrio.

Que braba! Pensara naquela noite. E ela parecia mesmo, mas também era uma garota
legal. Sentia-se bastante constrangido por ter agarrado o garoto com quem ela tinha uma
espécie de caso, mas se surpreendia por ela ainda ter dito para beijar André de novo, e
que tivesse vindo até ali e estivesse agindo naturalmente. Ela parecia importante para o
loiro, então era importante pra Fabrício não ser odiado pela guria...

“Foi bem melhor do que ficar em casa, revivendo... Vocês sabem.” Ela murmurou,
apertando as mãos sobre o colo. “O Leo me contou que tu visitou ele, Dré. Obrigada
mesmo por isso, estou orgulhosa.” Ela disse e abraçou o loiro, apertando os olhos para
não chorar.

André, surpreendido, a abraçou de volta, sentindo uma pressão no peito. Por mais que
se distraísse, a realidade não mudava. Davi continuava no hospital, por causa de um
bando de idiotas. Idiotas preconceituosos, como eu. Era o que sempre lhe vinha à
mente, fazendo-o sentir-se uma pessoa de merda.

“Hei. Desculpe atrapalhar, mas o pôr do sol está acontecendo, e eu ‘tô aqui tomando um
chimarrão e quero uma música de fundo. Então, Fafá, mãos à obra, porque se eu cantar,
espanto até gato morto.” Gabi ordenou cheia de propriedade e tomou mais um gole de
seu chimarrão.

“Opa! ‘Tá pra mim, ‘que a voz da Gabi é pior que CD da Xuxa de trás pra frente!”
Fabrício falou e pegou o violão que, como sempre, havia trazido. Não sem antes levar
um tapa na amiga. Natália sorriu para o moreno de maneira esperta, como se tentasse se
comunicar com ele, e se sentou comportada sobre a toalha, reparando na troca de
olhares que os garotos tiveram quando Fafá começou a tirar algumas notas do violão.

A menina suspirou. Tão óbvios. E ainda vão perder o pôr do sol. Pensou e desviou o
olhar, voltando-o para aquela aquarela de cores que se espalhava pelo céu em tons
vívidos que enchiam o peito de uma satisfação inespecífica. Gabi lhe passou um
chimarrão em determinado ponto, ao que ela aceitou, enquanto apreciava a música que
Fabrício tocava.

Quando eu me perco é quando eu te encontro


Quando eu me solto, seus olhos me veem
Quando eu me iludo é quando eu te esqueço
Quando eu te tenho, eu me sinto tão bem

Você me fez sentir de novo


O que eu já não me importava mais
Você me faz tão bem
Você me faz, você me faz tão bem

Fabrício sorriu para André e então olhou para o pôr do sol, rindo internamente da
maneira que o loiro corara apenas com aquilo. Isso quer dizer que tenho alguma
chance? É por isso que a Natália parece até nos dar algum suporte? Engraçado que
não sentisse ciúmes dela naquele momento, talvez porque a amizade entre ela e o loiro
lhe lembrasse a sua com Gabi. Só esperava que eles parassem com a parte colorida da
coisa. Mas não tinha por que antipatizar com a guria, aliás, gostara dela, tinha um
sorriso bonito e sincero.

Quando eu te invado de silêncio


Você conforta a minha dor com atenção
E quando eu durmo no seu colo
Você me faz sentir de novo o que eu já não sentia mais

Você me faz tão bem


Você me faz, você me faz tão bem
Você me faz, você me faz tão bem
Você me faz, você me faz tão bem

André ainda demorou a desviar o olhar de Fafá, pegou-se pensando como o moreno
sempre parecia escolher as músicas certas, nos momentos certos. Afinal, não havia sido
Fafá que lhe fizera tão bem naquele dia que tinha tudo para ser tremendamente
péssimo? Algo aqueceu dentro de si e, sentindo-se arrebatado por isso, deixou o corpo
cair pra atrás, descansando a cabeça numa das coxas de Natália. Virou o rosto pro
Guaíba, sentindo-se imerso naquele festival de cores avermelhadas, que acalmavam
quem as olhava.

Gabi começou a acompanhar Fafá na cantoria. Os dois formavam uma boa dupla; apesar
de Gabi não erguer muito a voz já que não era das melhores mantendo a afinação, eles
pareciam já acostumados a cantar juntos em momentos assim, descontraídos.

Você me faz tão bem


Você me faz, você me faz tão bem
Você me faz, você me faz tão bem
Você me faz, você me faz tão bem

Não tenha medo


Não tenha medo desse amor
Não faz sentido
Não faz sentido não mudar esse amor

Você me faz, você me faz tão bem...

Era verdade.

“Vou visitar o Davi de novo amanhã, tu quer vir?” Natália perguntou, num sussurro
dominado por uma melancolia calma. O loiro acabou por assentir, mesmo que não
soubesse se o Davi iria querer vê-lo assim tão cedo. De qualquer forma, não queria
discordar da amiga naquele momento.

André ainda observou Fabrício novamente antes do final da canção. Seus olhares se
reencontraram, e os dois sentiram o coração se atrapalhar no ritmo dos batimentos; Fafá
ainda dedilhando as últimas notas no violão, enquanto sussurrava “você me faz tão
bem”. E quando Fafá sorriu para o André, o loiro, com certa dificuldade, retribuiu com
um sorriso acanhado.
“AH! PIPOCA DOCE!” Gabi gritou estridente, quebrando o momento e assustando a
todos.

A garota deu um pulo e correu atrás do carrinho de pipoca no calçadão a alguns metros,
deixando os outros três rindo do ataque pipoqueiro que ela tivera – André reclamando
que havia ficado surdo com aquele berro súbito.

Você me faz, você me faz tão bem...

Notas finais do capítulo


Eu vejo esse capítulo como o marco do coraçãozinho do Dré sendo atingido pela flecha
de amor de vez. Agora não tem mais como ele se enganar, xDDD E o Fafá tem
preconceito comigo, sou uma bebedora de água, IJAIUOAJHIUOAJAIOA! . Obrigada
a todos que me deixam palavras de incentivo e carinho, sem isso, escrever não teria
metade do sentido!

(Cap. 20) Desculpas não colam mais


Notas do capítulo
Olá! Capítulo no meio da semana! É um cap. curtinho e simples, diria de transição, mas
espero que curtam a leitura! A música que o Fafá canta:
http://atleticaufrgs.tripod.com/los_metelones.mp3

Como o Intermed duraria quatro dias e aconteceria em Torres, no litoral, Cíntia


determinou que André achasse algum lugar para deixar Sascha nesse meio tempo, pois
não teria como cuidar do bichinho, e Sascha era muito carente, chorava o dia inteiro
caso ficasse sozinho. Uma sorte que tinham uma empregada que só ia embora quando
André já estava em casa.

André fez uma lista de amigos com quem poderia deixar, mas ou eles também iriam
viajar no feriadão, ou se negaram dizendo que não queriam se preocupar com um
filhote. Amigos da onça, o loiro pensava chateado, enquanto acariciava a cabeça de
Sascha, pensando no que iria fazer. Dali menos de uma hora havia o concentra antes da
viagem, que seria feito no mesmo lugar onde a festa da matrícula acontecera, na
Ashclin. Vários ônibus, com alunos da medicina de diversos semestres, sairiam da
Ramiro Barcelos em direção a Torres, às 22h30minh, a princípio.

Até que lembrou que Fabrício comentara que estava deixando Cherry na casa dos tios,
pois não gostava de deixar a gatinha sozinha no apartamento pequeno. André então
ligou para Fafá e, para sua sorte, ele estava justamente na casa dos tios. Para facilitar a
vida do loiro, Diogo se prontificou a passar de carro na frente da casa de André. Levaria
os dois de mala e cuia até a Ashclin e já ficaria com Sascha.

André ficou satisfeito, como Diogo ficava bastante em casa, cuidaria bem do
cachorrinho. Ao menos um de seus problemas fora resolvido. O outro continuava no
hospital, mas já com previsão de alta. Não que o Davi fosse um problema, mas o loiro
passara os últimos três dias preocupado. Na segunda até tentara ir com a Natália visitá-
lo, mas Davi estava dormindo e o melhor era deixá-lo descansar. Depois disso decidira
que voltaria a tentar falar com o amigo quando ele já estivesse em casa, mais tranquilo.

Não demorou muito e o loiro ouviu uma buzina na frente da casa. Pegou as malas,
despediu-se da mãe e, com um assobio, fez com que Sascha o seguisse alegremente,
balançando o popô mais do que a Globeleza enquanto resfolegava com a língua pra
fora. André só imaginou como seria quando ele crescesse, destruiria os móveis da casa
com aquela bunda inquieta.

XxxX

André se acomodou com dificuldade no banco traseiro do carro enorme do Diogo.


Estava difícil de sentar confortavelmente desde o paintball, apesar de os roxos na bunda
já terem diminuído, continuavam sensíveis. Fafá ainda iria pagar por isso, o que era dele
estava guardado! Seu sentimento de vingança não diminuía.

“Então vocês vão dividir a mesma barraca?” Diogo perguntou, enquanto os levava até a
Ashclin. André não soube dizer se imaginara o tom malicioso, ou se era real. Diogo
parecia malicioso até quando falava sobre a previsão do tempo. “Usem camisinha, não
quero ninguém grávido depois disso.”

“Homens não engravidam.” André rebateu, franzindo a sobrancelha e olhando Diogo


pelo retrovisor como se ele fosse louco, enquanto Sascha mordia e rosnava para seus
dedos.

“E eu lá estava falando que vocês que ficarão grávidos? Eu estava pensando nas gurias
com quem vocês se relacionarem, mas se tu ‘tava pensando em outra coisa...” Diogo
cantarolou sugestivo, escorrendo uma ironia bem-humorada. Fafá abafou um riso, e
recebeu um soco no braço de um André corado. O loiro absteve-se de novos
comentários pelo resto do caminho.

Quando chegaram, Diogo sussurrou para o sobrinho.

“É uma ótima oportunidade, só se certifique de ter uma rota de fuga caso ele decida te
chutar no meio das pernas quando tu for tentar resolver essa situação.” Piscou, deu uns
tapinhas nas costas do Fabrício e empurrou-lhe um maço de notas de cem. Fafá tentou
negar, mas Diogo quase o fez comer aquele maço, mandando-o aceitar de uma vez. O
moreno sorriu de lado e balançou a cabeça, saindo do carro e se despedindo junto com
André.

Depois de pegarem as malas, Fafá quase teve de arrastar André para longe do carro,
pois o loiro se penalizara com os latidos sofridos de Sascha.

“Ele ‘tá chorando...” André murmurou abatido, ainda olhando para trás enquanto
avançavam através do portão de entrada para a área onde os estudantes se encontravam
já fazendo barulho, cantando, bebendo e conversando.

“Até um tempo atrás tu não gostava de bichos, agora te deixa enganar com uns
choramingos que não vão durar nada.” Fabrício passou o braço livre pelos ombros do
loiro e ergueu a mão para apertar-lhe a bochecha. André balançou o rosto pra se livrar
do apertão.

“Depois eu sou o insensível!” Reclamou injuriado. Sascha estava verdadeiramente


sofrendo, já imaginava o cachorrinho sem conseguir comer por dias, sofrendo de
depressão por sua ausência.

André se surpreenderia ao encontrar Sascha ainda mais gordo do que antes dali a quatro
dias.

“Bestinha. Não sabe nada de cachorros mesmo.” Fafá implicou.

“Sei sobre ti.” André implicou de volta, com um sorrisinho mordaz.

“Porque tu adora cachorros, né? Principalmente os que mordem.” Fafá sugeriu


malicioso, deixando o loiro corado. Tchê, mas é muito bom deixar esse loiro corado,
Fafá chegou à conclusão animadamente, abrindo um sorrisão enquanto André o mirava
com uma aura medonha e se soltava, resmungando algo sobre churrasco de cachorros.

As mochilas estavam largadas numa estradinha que levava a um quiosque com


banheiros, e as pessoas se amontoavam perto de outro quiosque, a maioria ao ar livre. A
banda da UFRGS, Xaranga, tocava algumas músicas cheias de sons dos tambores que
serviriam para fazer mais barulho que as outras bandas, quando estivessem torcendo pra
UFRGS durante os jogos.

“Guris! Finalmente!” Gabi os chamou, atraindo a atenção dos dois para o grupo de
colegas que já estava ali. Fafá logo chegou se enturmando e puxando papo com a galera.
André ficou surpreso por ver que o Rafael e a Fran também estavam ali.

“Quem diria...”

“A vaca da Gabi me convenceu a participar disso. Sinceramente, como eu vou


sobreviver quatro dias sem um banho decente?” Fran discorreu cheia de drama. A
verdade, lá no fundo, é que soubera que Rafael também fora convencido por Gabi (a
garota era mais mala que o Fabrício nessas insistências), e resolveu não perder a
oportunidade. Rafael era caladão, coisa de germânico do interior, mas era muito
querido, bonito e bastante humilde, combinação que atraía a garota.

Gabi sabia do interesse da amiga e tentava lançar indiretas ao Rafael, mas aí a Fran
quase decepava a cabeça da guria, pois dizia que Rafael já tinha um casinho em Bento
Gonçalves, onde morara antes de vir pra Porto Alegre estudar. Gabi não ‘tava nem aí,
enquanto não fosse namoro, Fran tinha uma chance.

“Tem banheiros lá, ok? Fresca.” Gabi reclamou. “Mas o que importa é que estamos
todos reunidos, então vamos aproveitar e beber muito.” Falou, erguendo a caneca
metálica da medicina, que a maioria dos alunos tinha.

André ficou conversando com eles e alguns colegas, enquanto Fafá se intromedia nas
músicas, pegava uns instrumentos saídos ninguém sabia da onde para tocar, como um
mini-teclado meio chinelão, e se metia a cantar junto com os colegas. Começaram a
tocar as músicas clássicas do Intermed, com a do cavalão, que era o mascote da
medicina da UFRGS.

Conforme a bebida ia, o pessoal ia ficando cada vez mais solto, se abraçando em roda e
pulando, enquanto giravam e gritavam a plenos pulmões as músicas, com os sons da
Xaranga e dos outros estudantes obrigando-os a quase arrebentar as cordas vocais pra se
fazerem escutar. Havia muito gente louca naquela turma, Fafá se sentia em casa.

“Hei, Fafá, canta aquela dos Metelones, eu adoro!” Gabi pediu, debruçando-se sobre as
costas de Fabrício. O moreno havia aprendido rapidamente quase todas as letras do
Intermed, então se endireitou e começou a música que tirava com a Ulbra, a faculdade
mais cara de medicina do Estado, e cujo vestibular era bem fácil de passar.

Para paçar na Hulbra,

Para pacar na Hulbra

Yo nececito comprar mia vaga!

Para comprar mia vaga

Yo necessito ter mutcho diñero!

Pero non tengo diñero

Soy peladón soy peladón soy peladón!!!

MENSALÓN!!!

Pero yo estúdio de gracia

Pero yo estúdio de gracia

I mio diñero vai todo em catchaça

Sigo bebiendo catchaça pegando enfermera

E metiendo na ratcha

Si yo quiero boquete

Si yo quiero boquete

No mi esfuerzo mutcho e pego a ulbrete

I despues do boquete

Ela vira de cuatro pedindo baguete

Pero non tengo diñero


Soy peladón soy peladón soy peladón!!!

Fafá cantava todo jeitoso e cheio dos trejeitos, arrancando risada dos colegas. André até
se esforçava para não gargalhar, mas era impossível. Até precisou ir ao banheiro se
aliviar, porque a barriga já doía de tanto rir. Pelo caminho, viu que Gabi o seguira.

“Essa bebida toda libera a bexiga de qualquer um.” A garota falou e gargalhou já
bêbada, se apoiando em André. “Ai, ai, vou voltar em coma alcoólico desse Intermed...”

“Não só tu, acho que todo mundo.” André a amparou. Havia se segurado dessa vez pra
não beber até perder a consciência do que fazia. “Essas músicas são muito criativas,
né?”

“Noooooooooossa! Demais, tchê! Tu acha que vou me dar bem nesse Intermed?” Gabi
desviou totalmente do assunto. André parou, olhando-a abismado.

“Ué... Acho que... sim?” Disse meio incerto. Gabi era bonita e bem-humorada, guris
querendo ficar com ela não faltariam, ele achou. Gabi gargalhou e apertou as bochechas
do loiro. “Tu é cheia de qualidades, então...”

“Tu é tão fofo, André. No início te achava um porrezinho, mas tu melhorou tanto, coisa
graça! Eu sabia que o Fafá teria boas influências no teu jeito mala.” Ela disse sem
pudor. André não sabia se levava aquilo como um elogio, mas agradeceu mesmo assim,
com um sorriso amarelo. “Eu sinto que nós dois nos daremos bem nesse Intermed!
Sabia que eu não beijo na boca desde o ano passado? Meu primo me agarrou no Natal
da família, aquele peste, ele é dois anos mais novo que eu! Mas tem um bíceps...”

Gabi ficava mais tagarela que o normal quando bêbada. Aliás, quem não ficava?

“Hei, se bem me lembro, te beijei naquela festa no Cabaret.” André a lembrou, mesmo
que aquilo tivesse sido apenas um selinho.

“Ah, aquilo não conta. Eu ‘tô falando de beijo de macho.” Gabi dispensou dando de
ombros, se afastou rapidinho, indo pro banheiro feminino que por sorte recém liberara.
Os lábios de André se entreabriram.

“Vem cá que eu te mostrar o macho então!” Exclamou indignado, mas acabou sorrindo
descrente ao escutar a gargalhada da garota. Pensando melhor, com aquela
personalidade, era iria se dar bem era com a cerveja que iria consumir e com a privada
quando precisasse vomitar, porque a gurizada iria fugir de fininho.

XxxX

“’Tá na hora, galera! Os ônibus chegaram, vamos indo pra lá!” Um estudante mais
avançado no curso gritava, tentando chamar a atenção dos bêbados. Era parte da
Atlética UFRGS, que organizava os times e a participação da faculdade como um todo
no evento,

André e os outros começaram a dispersar, mas o loiro sentiu falta do Fabrício.


“Fran, tu viu o Fabrício?” Perguntou à garota, que negou. Era a mais sóbria do grupo,
apesar de também ter bebido. O loiro deu umas voltas e achou as malas do Fafá ainda
junto das suas. Resolveu ficar esperando o moreno aparecer.

Não demorou muito e o Fafá de fato apareceu, quase tropeçando nas malas das outras
pessoas, sem nenhum senso de equilíbrio. André teve de revirar os olhos para o estado
do traste.

“Onde é que tu ‘tava?” Perguntou, amparando Fafá antes que ele caísse de boca no
chão.

“Fui no banheiro, mas ‘tá sem papel. Eu preciso cagar.” Fafá admitiu num choramingo
bêbado. André quase se engasgou com a saliva e começou a rir cheio de deboche. “Não
ri, tchê! A situação ‘tá preta.”

“Que merda.” Falou condescendente. “Literalmente.” E riu pilhérico novamente.

“Já sei! Tem banheiro no Clínicas!”

“Ah, não! Não tem como ir até lá agora, os ônibus estão saindo! Te aguenta, agora!”
André reclamou. Era possível ver o Clínicas dali e havia um caminho curto até lá, por
dentro da área externa do hospital, mas quase todo mundo já havia ido pros ônibus,
estavam praticamente só os dois ali.

“Eu preciso! Tu não ‘tá entendendo! É vida ou morte!” Fafá exclamou cheio de
sofrimento. André suspirou – tinha de lidar com um bêbado com problemas intestinais
agora. Bufou e pegou o celular, mandando uma mensagem para Fran pra que segurasse
o ônibus.

“Vamos.” Segurou mais firme a cintura de Fabrício e começou a caminhar em direção


ao hospital. Nem sabia que teriam acesso aos banheiros de lá, mas era melhor que um
Fabrício cagando no ônibus. Acabou rindo da situação pelo caminho, ou melhor, tendo
uma crise de risos enquanto tentava sustentar o corpo do moreno. Fafá era encorpado e
mais alto, apesar de não muito mais alto – talvez uns seis ou sete centímetros.

“Não ria da tragédia alheia.” Fafá pediu com a voz engrolada. “Queria ver se fosse tu no
meu lugar, implorando por uma privada amiga.”

André riu mais alto.

“Idiota, cagasse em casa.”

“Essas coisas não se decidem, é que nem as coisas do coração.” Fafá explicou,
agarrando-se mais ao loiro, que gemeu com a dificuldade de sustentá-lo.

“Tu ‘tá seriamente comparando amor com merda?” André perguntou, sorrindo torto.
“Tu tem problemas, é sério.”

“Apenas sigo meu coração.”


“E teu intestino.” André rebateu. Aquela conversa não tinha sentido mesmo. Fafá não se
importou e, em sua coerência bêbada, lembrou-se de que havia algo que queria cantar
para o André.

“Tu lembra de quando cantei aquela música do Barão Vermelho no supermercado?”


Perguntou próximo à orelha de André, que experimentou um leve arrepio. A noite está
gelada, se justificou rapidamente, mas não conseguiu se convencer muito bem, o que o
transtornou um tanto.

“Sim, por quê?”

Fafá apenas pôs-se a cantar.

Por você
Eu dançaria tango no teto
Eu limparia
Os trilhos do metrô
Eu iria a pé
Do Rio à Salvador

Eu aceitaria
A vida como ela é
Viajaria a prazo
Pro inferno
Eu tomaria banho gelado
No inverno

O tom dessa vez era bêbado e levemente desafinado, e o Fafá movia uma mão no ar
como se regesse uma orquestra, fazendo André revirar os olhos, mas sem interrompê-lo.
Isso até o moreno chegar a uma parte da música especial para o loiro.

Por você!
Eu deixaria de beber
Por você!
Eu ficaria rico num mês
Eu dormiria de meia
Prá virar burguês

Eu mudaria
Até o meu nome
Eu viveria
Em greve de fome
Desejaria todo o dia...

“O mesmo André!”

André tropeçou nos próprios pés e os dois quase caíram de boca no chão. Eu deveria
deixar ele cair mesmo, pensou, virando o rosto para ele, vendo-o sorrir largamente, cara
de pau como só ele poderia ser.
“Tu ‘tá se declarando quando ‘tá com vontade de cagar?” Tentou amenizar a vergonha
que sentia com a piada, e Fafá gargalhou tentando abraçar mais o loiro, mas André se
desvencilhou e o puxou novamente. Já estavam quase na entrada do hospital.

Encontraram um banheiro num corredorzinho disfarçado, logo antes das roletas, que
permitiam passagem só de estudantes a partir do quarto semestre, funcionários,
médicos, enfermeiros e visitantes que pegassem autorização na recepção do hospital.

“Vai logo.” André empurrou o moreno pra dentro do banheiro e ficou esperando no
corredor, apoiado na parede com os braços cruzados sobre o peito. Teve de esperar um
tanto, até que Fafá saísse coçando os cabelos, parecendo chateado.

“Foi alarme falso. Acho que era só minha barriga enjoada com a bebida.” Falou. “Só
mijei. Mas não te preocupa, lavei as mãos.”

André se perguntou por que precisaria de todas essas informações. Bateu a mão contra a
testa.

“Tu fez a gente vir até aqui pra isso! Ai, Deus, o que que eu faço contigo...?”
Murmurou, fingindo aborrecimento, mas tapou o rosto com a mão para esconder o riso.
Com isso, não viu Fafá se aproximar sorrateiramente.

“Tem muitas coisas que tu pode fazer comigo...” Sussurrou contra o ouvido do loiro
logo após prensá-lo contra a parede. André ofegou, pego completamente de surpresa
pela atitude do moreno, e o agarrou pelos ombros, com o intuito de empurrá-lo, mas
estacou na mesma posição, olhando diretamente para os orbes enegrecidos de Fabrício,
cujo rosto estava muito próximo. Os galopes cardíacos reverberaram nos ouvidos do
loiro, que estremeceu, sentindo a respiração do moreno contra seus lábios.

Por que não conseguia empurrá-lo? E por que ele estava parara tão perto, olhando-o
daquela forma estranha? Iria lhe dar alguma outra espécie de lição? Mas já havia se
redimido de seus preconceitos, certo? Coisa de bêbado sem noção, então? Por que estou
me lembrando da noite em que ele me chupou o pescoço? Porra! Se exaltou
mentalmente.

“Fabrício...” Ia começar a dizer, nem saiba direito o que, sua voz saíra falha; porém o
celular apitou, sobressaltando os dois. André tirou o aparelho do bolso e o leu
atrapalhadamente, nervoso porque Fabrício, apesar de ter se afastado um tanto,
continuava perto, com uma mão em sua cintura. “O ônibus ‘tá saindo!” Exclamou,
satisfeito por ter um motivo pra quebrar aquele momento bizarro. E desde quando
preciso de um motivo?

Apressado, André segurou Fabrício pela gola da camiseta e pôs a correr com ele para
fora do hospital, evitando encará-lo ou falar qualquer coisa. Não conseguia pensar
racionalmente no que acabara que acontecer, só sabia que o corpo continuava quente e
estava com certa vergonha de como reagira com a proximidade.

E não tinha desculpas para isso dessa vez.


Notas finais do capítulo
E novamente o Fafá canta: http://letras.mus.br/barao-vermelho/44432/, mas dessa vez
com uma modificação especial na letra. IOAJHAIUOAJAUIO! O próximo capítulo é a
continuação do extra Gui/Davi! Devo postar no final de semana! Fiquem atentos, já que
o Nyah não tem avisado das atualizações... Beijos, amores, e MUITO obrigada pelas
reviews do capítulo passado!

(Cap. 21) Não! Eu não quero! Extra Guilherme Parte


II
Notas do capítulo
Queria MUITO agradecer à Jujuba chiclete e à Mayan por terem recomendado a
história! Me salvaram do número 9! (juro que tenho tique com esse número tenebroso,
IUJAIUOAJAIOU). Muito obrigada meninas, ameeeeeeei!!! E vamos para mais um
extra, dessa vez narrado pelo Guilherme! Imagem do Davi logo abaixo, haha! Fofura *--
*

Teus lábios são labirintos


Que atraem os meus instintos mais sacanas...

XxxX

Eu estava saindo do banheiro, ainda enxugando os cabelos com a toalha, quando a


Marília começou a acordar. Fui até o armário, atrás de uma roupa enquanto ela se
localizava no mundo. Foda-se que eu estava sem roupas, nada que ela já não tivesse
visto várias vezes.

“Guilherme?” Ela chamou enquanto eu pegava uma muda de roupas. Me virei para ela,
já sentada na cama esfregando os olhos, bastante descabelada. Provavelmente daria um
berro caso se visse naquele estado, e que bom que não tenho espelho algum no meu
quarto. “Nós transamos?”

“Não, tu dormiu antes disso.” Eu falei, não entrando em detalhes.

O melhor era que ela esquecesse a noite passada, assim como eu preferia esquecer. Que
baita mancada aquela. Eu tinha de parar de ir na onda da Marília, ou estaria ferrado. Eu
a havia conhecido na faculdade, ela faz engenharia química na UFRGS, coisa que ela
odeia, mas continua cursando porque não sabe o que fazer se largar o curso. Nós
transamos na primeira noitada, e acabamos virando grandes amigos. Era um alívio que
ela quisesse apenas sexo, pois desde que eu fora chifrado pela minha namorada, quando
eu tinha meus dezessete anos, não queria saber de nada sério. Queria apenas curtir.

E isso vinha dando certo nesses últimos seis anos.

“Não, mas espera... Nós não estávamos na casa da Luciana? Tu me trouxe pra tua
casa?” Ela perguntou, aturdida. Eu dei de ombros, tentando evitar que ela se lembrasse
de muita coisa, e apenas coloquei uma cueca e uma bermuda esportiva. Marília me
observou atentamente, com os olhos estreitos, parecendo colocar as engrenagens do
cérebro pra funcionar. Mau sinal.

Assim que terminei de me vestir, ela abriu um sorrisinho malicioso.

“Agora estou me lembrando. A gente ‘tava com o Davi. Eu não acredito que apaguei
bem na melhor parte! Não me diga que vocês transaram, e eu lá, dormindo feito uma
pata?”

“Eu não sei você, mas eu nunca vi uma pata dormindo.” Desconversei. Marília bufou,
mas se deitou de bruços na cama, abraçando um travesseiro e me observando com os
olhos brilhando.

“Vamos, conte-me os detalhes!” Exigiu.

Eu bem que gostaria de saber de onde ela havia tirado esse fetiche de gostar de ver dois
homens se pegando. Uma vez me ludibriara e me levara para uma festa bastante
alternativa. Percebi o erro quando percebi que 90% da população da festa estava se
pegando com gente do mesmo sexo. Até Marília se arriscou com outra guria, mas
depois atestou que preferia homens, apesar de não ter achado de todo ruim.

“Não há nada pra contar.” Rebati secamente.

Quando eu pensava no Davi fugindo, me sentia frustrado. Eu gostava dele, era um


garoto querido, gente fina, que conversava numa boa e parecia sempre bem disposto.
Me irritava a ideia de que as coisas ficariam estranhas entre nós, talvez ele fugisse toda
a vez que me visse. Mas me irritava, principalmente, o fato de que eu não queria que ele
tivesse fugido, porque queria ter feito certas coisas com ele na noite anterior.

“Nem vem! Eu sei que tu ‘tava meio bêbado, apesar de tu ser daqueles bêbados que
parecem mais sóbrios do que quem não bebe, mas eu lembro que ele ‘tava te
chupando!” Marília lembrou. Ah, droga, lembrar que um garoto havia me chupado, e
ainda ser lembrado disso, também me deixava um tanto desconfortável. Pior ainda
lembrar que eu havia gostado, mesmo que a técnica obviamente não tivesse sido das
melhores.

“É isso. Ele me chupou, e depois foi embora quando viu que tu dormiu.” Eu disse meio
irritado, me sentando na cama para colocar os tênis, e não deu três segundos e a Marília
caiu na gargalhada. Me virei um pouco para ela, vendo-a quase rolando no colchão. “O
que foi agora?” Bufei.

“Não me diga que... Tu broxou!” Ela concluiu o grande absurdo. “Não acredito que tu
broxou! Que tipo de homem tu é? Oh, deus, não foi capaz de dar conta de uma coisinha
pequena como o Davi!” Debochou às gargalhadas.

“Eu não broxei, porra! Ele que fugiu antes que-“

“Ele fugiu?” Isso pareceu diverti-la ainda mais. Percebi que havia acabado de cavar
minha própria cova. “Ele fugiu de ti! Ai, meus ovários, isso fica cada vez melhor! Então
o todo gostoso Guilherme seduz tão mal que faz jovens virgens e inocentes fugirem.”

A risada dela era irritante. Levantei da cama sem dizer nada e rumei para fora do quarto,
resmungando algo como ‘vadia sem coração’. Marília é uma vadia, mas não que eu
achasse que isso a diminuía como pessoa. Aliás, eu gosto bem mais das vadias do que
as reprimidas que ficam por aí falando mal e invejando as mulheres que têm coragem de
se libertar dessa montoeira de regras estúpidas da nossa sociedade machista.

Segui para o pátio.

Eu moro numa casa minúscula – um quarto com banheiro, uma sala e uma cozinha com
área de serviço. E ainda havia o pátio com churrasqueira aos fundos, para reunir alguns
amigos vez ou outra. Eu não precisava mais do que isso.

O pátio também era o lugar ideal pro meu Husky Siberiano de pelagem branca e preta, o
Vilão. Peguei a coleira dele e fui para os fundos, encontrando-o já acordado, deitado na
grama fresca. Como qualquer outro da raça, Vilão tinha uma tolerância alta ao frio.
Estávamos no inverno, a manhã estava gelada, e eu me apressei a ir colocá-lo na coleira
para ir logo correr. Preciso fazer isso todas as manhãs, ou tardes, porque cães da raça
dele necessitam gastar muita energia por dia.

“Hei! Vai me deixar aqui sozinha?!” Marília apareceu na porta apenas de calcinha e
sutiã, sem nem se importar com o frio. Era uma mulher quente. Não pude deixar de
reparar no pivete do meu vizinho espiando pela janela do prédio pequeno, de três
andares, atrás da casa. Olhei para ele e fiz um sinal para que sumisse, coisa que ele fez
num piscar de olhos. Tenho a leve suspeita de que ele tem medo de mim.

“Vou sair pra correr, em no máximo uma hora estou de volta. Tem pão, bolo e frutas pro
café da manhã, sinta-se à vontade. Depois te levo em casa, se quiser.” Ofereci,
colocando o Vilão na coleira com dificuldade. Apesar do nome, é um cachorro sociável
e carente, adora receber afagos e pular em cima dos meus amigos.
“É claro que vai me levar.” Marília jogou os cabelos para trás. “Vocês homens têm de
ter alguma utilidade além da oferecida pelo acessório entre as pernas.” Ela debochou,
cruzando os braços abaixo dos seios com um sorrisinho divertido. “E o teu parece com
problemas, não é. Ou isso, ou tu já não é mais o mesmo.”

“Eu já mandei tu ir dar o rabo hoje?” Perguntei e sorri torto, debochado como ela.
Marília soltou uma exclamação de desprezo.

“Como se eu precisasse de alguma ordem pra fazer isso. Mas quem parece não querer
dar o rabinho pro Sr. Gostoso é o Davi.” Mais umas risadinhas e ela fez um sinal pro
Vilão, chamando-o com um assobio. Vilão se empolgou tanto que acabou me
derrubando, e correu alegremente até a loira. Marília riu ainda mais da minha cara de
tacho, caído de bunda no chão, enquanto afagava a cabeça do cachorro.

Eu deveria mudar o nome dele para Traidor.

XxxX

Quando larguei a Marília em casa, já era quase meio dia. Resolvi ir almoçar na casa dos
meus pais. Eles moram em Porto Alegre, mas decidi sair de casa quando entrei na
faculdade. Minha sorte era que meus avós por parte de pai tinham aquela casinha pra
alugar, e alugaram para mim por um preço agradável. Eu estava trabalhando meio
período numa empresa pequena de construções, e à noite trabalhava em um bar da
Cidade Baixa três vezes por semana. Me virava como podia na faculdade, onde também
inventei de ser monitor de Cálculo, o que me rendia mais uns quatrocentos reais por
mês. Meu pai insistia em pagar parte do aluguel como ajuda, por mais que eu negasse.
No total, eu ganhava uns dois mil.

Dava pra viver.

“Tu não vai acreditar no que fiquei sabendo, Guilherme!” minha mãe falou enquanto eu
devorava a lasanha especial que ela fazia quase todos os sábados. Eu ergui os olhos para
ela, interrogativo. “O teu tio Samuel, lembra dele? Aquele que ‘tá morando em São
Paulo. Ele é gay! Dá pra acreditar? A tua vó Teresa veio me contar que ele se assumiu
semana passada, parece que ‘tá de namoro com outro homem e tudo!” Minha mãe
falava como se um gay na família fosse algo extraordinário. Eu não soube identificar se
havia algum preconceito ali, ou apenas surpresa e a alegria de espalhar uma fofoca.

“Themis, para de fofoquear sobre o Samy, deixa o homem viver a vida dele como bem
entender.” Meu pai interveio incomodado, defendendo o irmão mais novo, mesmo que
eles não se vissem há muitos anos, pelo que eu sabia. Minha mãe é a melhor do mundo,
mas nunca vi mulher que gosta tanto de fofocar, e isso irritava meu pai a maior parte das
vezes.

“Ué, e eu tô por acaso impedindo o homem de viver?” Minha mãe retrucou. “Só ‘tava
contando as novidades. Ele que faça o que quiser entre quatro paredes.” Se serviu
obstinada de mais um pedaço da lasanha. “Tu quer mais, filho?”

“Então vocês não acham errado dois homens juntos...?” Soltei enquanto estendia o prato
pra minha mãe, de repente curioso. Meus pais me pareciam o tipo nem conservador,
nem liberal, eram um meio termo, e geralmente não ficavam falando mal dos outros por
bobagem. Eu acabei crescendo indiferente a isso também, mas agora... Estava curioso
por alguma opinião mais concreta da parte deles.

“Não é que eu ache certo. Biologicamente falando, homem devia ficar é com mulher, e
vice-versa, mas também não sou de ficar me metendo na vida dos outros. Cada um é
feliz à sua maneira.” Meu pai disse, simples. Era um homem direto, e de poucas
palavras. Não à toa eu até hoje não sabia sua opinião quanto a isso. E fiquei com a
impressão que ele já sabia há muito tempo da verdadeira orientação sexual do irmão.

Minha mãe assentiu.

“Eu acho estranho de imaginar, então apenas evito. Tem certas questões que são
individuais de cada um. Se teu tio gosta, deixa o homem, não ‘tá atrapalhando a vida de
ninguém. Mas tua vó ‘tá bem louca com essa história, gente mais antiga tem mais
dificuldade pra aceitar, teu vô parece até que chorou...”

Foi difícil imaginar o carrancudo e durão do meu avô chorando, e por algo tão estúpido.
Meu tio Samuel era bem novo, devia ter no máximo uns trinta anos, talvez menos. Já
fazia uns dez anos que eu não o via. Talvez por isso ele houvesse ‘fugido’ pra São
Paulo, pra viver sem a repressão dos pais.

Passei o resto da tarde alternando entre estudar, dar uma arrumada geral na casa e
dormir pra recuperar o sono atrasado da semana. No final da tarde, saí de casa pro
futebol combinado com o pessoal da faculdade. Me perguntei se o Davi apareceria, e
primeiro achei que não. Depois me achei idiota por me achar importante a ponto de
fazê-lo não aparecer. Depois voltei a achar que ele não apareceria, e por fim achei que
eu próprio iria dar para trás; porém às 16h30min lá estava eu, me alongando no campo
que havíamos alugado, enquanto conversava com o Bordin, que acabara aparecendo
também, apesar da promessa que fizera.

“Apesar de estar quebrando a promessa, foi um quase, fiquei duas semanas sem jogar,
isso já é um recorde! Aposto que a santa lá em cima vai entender, ou quem quer que
esteja cuidando disso. Eu e a Débora estamos super bem, talvez até role um namoro.”

“Já estão assim, é? Guria corajosa.” Falei.

Ronaldo Bordin era um cara perdido no mundo, avoado e cheio de vícios, entre eles
futebol, cerveja, mulheres e cigarro. Pra uma garota o conquistar, e ela querer ficar com
ele, era muita coragem. Preferi esperar conhecê-la antes de levantar a hipótese de que
ela poderia estar somente atrás da grana dele, já que o Bordin, apesar do jeito simples e
desleixado, era filho de um dos homens mais ricos do Estado.

“Vai se fuder, Guilherme. Eu também tenho as minhas qualidades, sou um cara


romântico.” Bordin falou ofendido. Ele era assim sensível, se ofendia por qualquer
coisa.

“Eu imagino.” Falei, e foi quando vi o Davi chegando junto com um dos colegas de
turma dele. Eles estavam seguindo diretamente pro vestiário, mas como eu preguei
minha atenção nele, nossos olhares acabaram se encontrando. Davi arregalou um pouco
os olhos, nada discreto, e corou de leve, antes de desviar o olhar. Tive uma sensação
incomum com aquilo, uma vontade de ir atrás dele, mas me mantive comportado no
mesmo lugar. Então ele havia vindo, o que denotava certa coragem, talvez ele não fosse
tão tímido quanto eu imaginava.

Todos logo estavam reunidos pra jogar. Davi reapareceu com uma roupa mais esportiva,
e apenas me cumprimentou rapidamente, incapaz de me olhar nos olhos. Eu, por outro
lado, fiquei observando-o mais fixamente. Eu havia dito na outra noite que ele vinha me
chamando atenção, e não estava mentindo. Há algum tempo eu me pegava observando-o
quase sem perceber, em algumas vezes procurando a razão da necessidade de querer
olhá-lo.

Quanto ao jogo, foi um desastre. Ao menos pro Davi. Ele errou chutes, passes, tropeçou
uma vez e caiu, em outra se chocou contra mim quando virou rápido e saiu gaguejando
algo que me pareceu como um pedido de desculpa. Os colegas de time perguntaram a
ele o que estava acontecendo, mas ele não falou que a culpa era minha, que
deliberadamente mantinha minha atenção focada nele, fazendo-o a todo minuto sentir-se
desconfortável com a minha presença.

O que posso dizer, ao mesmo tempo em que toda essa consciência que eu estava tendo
dele me confundia, eu me arrependia de tê-lo deixando fugir na noite passada. O que
poderia ter rolado não saía da minha cabeça, e as risadas da Marília e a ideia dela de que
eu não dava conta me frustravam.

No fim, meu time ganhou de oito a cinco. Davi até conseguiu fazer um gol ao final, para
se redimir, mas saiu do campo cabisbaixo, o que me deixou com certa dó.

“Caralho, o que deu no Davi hoje? Geralmente ele joga um bolão.” Bordin comentou
quando o pessoal se dispersava. Já eram quase sete horas e estava escuro lá fora. Me
perguntei como o Davi voltaria pra casa, mas então lembrei que ele já tinha tirado a
carteira assim que fizera dezoito e já ganhara um carro dos avós.

“Vai saber, preocupações amorosas, talvez.” Sugeri, como quem não sabe de nada.
Bordin riu.

“’Tá louco, ele tem uma carinha de novinho que até esqueço que já tem idade pra se
interessar em bocetas.” Bordin falou, nada delicado. Deu uns tapas no meu ombro e se
despediu. “Vou encontrar com a Debi hoje de noite, vou indo cara. Qualquer coisa, dá
um grito.”

Quando segui pro vestiário já era tarde, havia perdido tempo demais conversando com o
pessoal. Encontrei o lugar vazio. Eu não teria tempo de passar em casa antes de ir
trabalhar no Mulligan, o barzinho Irlandês da Cidade Baixa, então teria de tomar um
banho ali. Tirei a camiseta suada, e aí vi o Davi sair de um dos boxes, com a toalha
enrolada na cintura. Ele me olhou assustado e voltou a ficar meio avermelhado. Era
necessário um olhar atento para perceber o rubor, pois sua pele era um pouquinho
bronzeada ao natural, então disfarçava bem.

“B-Bom jogo hoje.” Ele disse, tentando fingir naturalidade, mesmo quando eu estava
com os olhos pregados em cada pedaço de pele nua dele. Davi era quase trinta
centímetros mais baixo que eu, tinha o corpo delineado, de alguém que cuida pra se
manter em forma, porém magro de tal forma que eu poderia fechar minhas mãos na
cintura dele, caso usasse um pouco mais de pressão.

“Não foi o que pareceu. Tu parecia bastante nervoso.” Falei. Maldade da minha parte,
só consegui deixá-lo ainda mais desconfortável. Davi me deu as costas enquanto mexia
na mochila que havia trazido.

“Impressão tua.” Desconversou e, depois de encontrar as roupas, colocou rapidamente a


cueca, cuidando pra não deixar aparecer nada.

Uma pena, o pensamento veio mais forte do que eu.

Continuei olhando-o se vestir nervosamente, e um sorriso um tanto sádico pela


atrapalhação dele ao tentar colocar a camiseta tomou meu rosto. Nas costas esguias
dele, havia aquelas duas covinhas na região lombar, e eu não consegui desviar os olhos
daquilo desde que ele se virara. Eu estava consciente demais do corpo dele, e isso não
era nada bom.

“Vai a algum lugar agora?” Perguntei, já que ele havia tomado banho ali, e poderia
fazê-lo em casa. Davi terminou de se vestir e se virou, sentando-se num banco para
calçar os tênis. Meu sorriso continuava no rosto, e eu vi a forma como isso o afetou, e
até amarrar os cadarços pareceu difícil para ele. Deus, eu conseguia ser maldoso quando
eu queria. Minha pergunta era apenas curiosidade, não era como se eu fosse chamá-lo
para minha casa de novo.

Porém senti curiosidade quanto à reação dele caso eu convidasse.

“É... Tenho uma noite com fondue com uns amigos.” Ele comentou baixo, e eu quase
não escutei. “Nós sempre fazemos um no meio do ano. Fazemos em julho, mas o
Leonardo e o Lucas vão viajar nessas férias, então...”

“Leonardo... Acho que já ouvi esse nome antes.”

“Ah sim!” Davi ergueu o olhar, com um sorriso no rosto, seus olhos parecendo adquirir
um novo brilho, e as bochechas continuavam coradas. “Ele foi em algumas das festas
também! E ele ‘tá fazendo veterinária na UFRGS, então tem algumas aulas no Vale
também, e ‘tava junto em algumas das vezes em que o pessoal senta no Antônio no
intervalo das aulas! O Leo ‘tá sempre com um sorriso no rosto...” Falou empolgado,
numa voz que não escondia o carinho que sentia pelo amigo.

Por algum motivo logo antipatizei com o tal Leonardo, apesar de mal conhecê-lo. Ele e
o Davi teriam alguma coisa? Aquela expressão de felicidade e carinho ao falar do outro
não eram normais. Ou eram? Ah, estou sendo ridículo, não importa se eles têm alguma
coisa, me recriminei, levando minha mão à testa como se estivesse com uma dor de
cabeça forte.

“Então...” Davi se levantou, jogando a mochila sobre o ombro. “Até outro dia...”
Murmurou abaixando o rosto, voltando a ficar envergonhado.
“Até outro dia, Davi.” Eu falei, meu tom saindo inesperadamente enrouquecido, sem
que eu houvesse planejado. Davi pareceu se eriçar ao escutar o próprio nome e rumou
rapidamente para saída, evitando meu olhar que o acompanhou. Geralmente ele se
despedia com um sorriso que formavam covinhas tão bonitas quanto as que ele tinha
nas costas.

Ao menos todo aquele embaraço me dava a certeza de que ele não havia se esquecido da
noite passada. Eu só não sabia se isso era bom ou ruim. Odiava esses climas estranhos,
eu nunca havia sido disso, mas agora não sabia muito bem como agir. Não era como se
eu fosse gay e soubesse lidar com garotos pós-sexo. Mesmo que eu e o Davi não
houvéssemos transado. Ah, eu iria acabar enlouquecendo com essa história.

Se até um tempo atrás alguém houvesse me dito que eu estaria confuso e com a cabeça
cheia de parafusos soltos por causa de um moleque cinco anos mais novo, eu teria rido,
ou até socado o idiota, dependendo da situação. Isso tudo definitivamente não estava
nos meus planos.

Mesmo que eu próprio houvesse me colocado nessa situação.

...

“Então, Gui, com qual guri, ou qual tipo de guri, tu toparia um ménage?” Marília
perguntou, deitada sobre o tórax do Guilherme logo após uma rodada incrível de sexo.
Guilherme franziu a testa frente à pergunta tão repentina.

“Tu quer dizer com que guria eu faria um ménage?” Ele retorquiu com um sorriso
canalha.

“Não! Com que guri! Vamos, Guilherme, sexo é sexo, e isso é só uma pergunta. Não
faça tanto drama!” Marília perdia a paciência fácil quando não tinha os desejos
atendidos. Principalmente os desejos sexuais.

Guilherme suspirou, ainda estava aproveitando a sensação pós-orgasmo e não queria


perder tempo discutindo. Foi parar para pensar por um segundo e, estranhamente, de
imediato a imagem do Davi, sem camisa, após um jogo de futebol, lhe veio à mente.

“Um estilo o Davi.”

XxxX

“Vilão, aqui!” Chamei quando ele foi correr atrás de umas crianças no parque,
assustando as pequenas. Vilão adorava contato com humanos, e principalmente com
crianças, porém era tão afoito que acabava assustando todas elas. Eu geralmente o
deixava correr sem coleira comigo na Redenção, mas nos domingos era sempre mais
cheio de gente, e eu ainda havia acordado mais tarde por ter trabalhado até às três da
manhã.

Vilão me obedeceu e voltou a correr do meu lado, com um jeito de cão feliz que sempre
me passava boas energias. Ele já estava comigo há três anos, eu o havia comprado assim
que saíra de casa, e como sempre gostei de cachorros, me apeguei rapidamente.
Corríamos cerca de uma hora todos os dias, mas aquele domingo estava estranhamente
quente para um dia de inverno, no início de julho. Isso era morar em Porto Alegre, era
possível experimentar as quatro estações do ano em uma única semana.

Parei pra comprar água com um vendedor ambulante, enquanto o Vilão xeretava pela
grama do parque, como se houvesse sentido um cheiro interessante e quisesse segui-lo.
Quando estava na metade da garrafinha d’água, Vilão disparou alucinado pelo parque, e
cheguei a pensar que ele estaria correndo atrás de uma presa indefesa.

“Vilão!” Gritei, mas fui sumariamente ignorado. Bufei com vontade de dar uns safanões
no meu cachorro, e corri atrás dele, jogando o que restava da água sobre a minha
cabeça, para refrescar. Vilão ficava louco em dias quentes, ele não tolerava bem o calor,
e isso parecia afeitar diretamente o bom-senso dele.

Eu levei um susto quando o encontrei. Vilão estava com as patas sobre os ombros de um
guri, caído de bunda no chão, que ria das lambidas que recebia. Davi parecia
extremamente adorável enquanto apertava os olhos e ria a cada lambida, afagando a
cabeçorra do meu cachorro inconveniente. Percebi que não havia ninguém ali junto com
ele, e que a mateira dele havia virado no chão.

“Vilão!” Chamei irritado. Davi ergueu o olhar para mim, entreabrindo os lábios pela
surpresa. Eu me aproximei dos dois e arranquei o Vilão de cima do Davi. Não sabia da
onde meu cachorro havia tirado tanto amor pelo Davi, era a primeira vez que se viam!
Só se ele tivesse sentido o cheiro do Davi em mim na noite em que cheguei em casa,
após a reunião na casa da Luciana.

“Guilherme!” Davi continuou sentado no chão, esquecendo-se de se levantar enquanto


me encarava com a cabeça erguida. Juntei a mateira dele e estendi a mão para ajudá-lo a
se levantar. Ele acabou aceitando, erguendo-se ruborizado enquanto tirava a areia das
calças. “Que coincidência.”

“É, o que faz aqui tão cedo?”

“Já são onze da manhã!” Ele retorquiu. “Combinei com meus amigos de nos
encontrarmos aqui pra um chimarrão, e depois irmos almoçar juntos...” Explicou,
mordendo o lábio.

Ah, deus, ele não desgrudava desses amigos? O Leonardo estava incluído nisso?

“Não sabia que já era tão tarde. Vai encontrar com eles agora?” Perguntei. A última
semana de aula havia passado, e eu imaginei que não conseguiríamos nos ver muito nas
férias. Não queria deixá-lo se livrar de mim tão rápido.

“Era a ideia, mas tínhamos combinado onze e meia, acabei chegando um pouco mais
cedo...” Ele coçou os cabelos cor de mel, sempre evitando me olhar. Antes não fazia
isso, era o tipo de pessoa que mantinha um olho no olho ao falar com alguém, mas
continuava envergonhado demais para encarar meus olhos. Se eu fosse um pouco menos
sádico, me despediria e acabaria com o desconforto dele.
“Tua mateira virou tudo, estragou teu chimarrão.” Eu disse ao abrir a mateira e dar uma
espiada na erva toda espalhada. “Eu moro aqui perto, uns dez minutos. Podemos-“

“Não!” Ele puxou rapidamente a mateira da minha mão. “Eu dou um jeito nisso. Eu-
Ah!” Davi se sobressaltou.

“Vilão!” Eu puxei meu cachorro. “Não é pra ficar farejando as partes baixas das
pessoas!” Vilão latiu e eu acabei gargalhando. Davi virara um pimentão, mas acabou
sorrindo de leve. Eu tinha um cachorro tão tarado quanto eu. “Quer caminhar comigo
um pouco?”

Davi finalmente me olhou no rosto, novamente com aquela expressão de pura surpresa.
Sem encontrar voz, ele apenas assentiu com a cabeça, dando uns afagos novamente no
Vilão.

“Tu ‘tava aqui correndo com ele?” Davi me perguntou.

“Corremos todas as manhãs. Ele é um cachorro inquieto, se eu não fizesse isso, minha
casa seria destruída em poucos dias.”

Davi riu, e eu sorri também. Era bom fazê-lo sorrir e relaxar.

“Ele é muito fofo.” Ele disse referindo-se ao Vilão, e o acariciou de novo. Meu cachorro
parecia ridiculamente derretido. Era só o que me faltava agora, um cachorro gay.

Nós falamos sobre amenidades por alguns minutos, enquanto seguíamos a trilha do
parque em direção a um ponto mais reservado, onde nos sentamos na grama, em frente a
um dos lagos. Falávamos sobre raças de cães, e sobre o poodle da irmãzinha dele, mas
em determinado ponto a conversa cedeu.

“Tu sabe...” Davi cortou o silêncio que nos atingira. Ele passou a mão pela nuca,
olhando para a água com carpas. “Eu descobri naquela noite que... Que eu sou mesmo
gay.”

Meu coração acelerou algumas batidas por termos entrado naquele assunto. Eu não
imaginava que seria ele a trazer à tona aquilo, ainda mais com uma revelação como
aquela. Davi era mais corajoso do que eu imaginava. Talvez nem eu conseguisse tocar
no assunto, já que era algo que ainda me deixava bastante confuso.

“É mesmo?” Tentei incentivá-lo a falar mais.

“Eu já estava há um ano em dúvida quanto a isso. Começou quando um conhecido me


agarrou subitamente numa festa e me deu um selinho. Meu coração acelerou muito, e...
Eu não achei tão nojento. Ele estava com raiva de mim, porque eu era preconceituoso.
Nós fomos quase amigos quando tínhamos uns onze anos. Na época ele era mirrado e
até meio afetado, mas hoje em dia ele tem mais de 1,80 de altura e não é nada
afeminado. O nome dele é Caio. Eu não vi mais ele desde aquela noite. Mas durante
todo esse tempo comecei a perceber que eu sinto atração por guris. A vida toda eu fui
contra isso, porque minha família é bastante preconceituosa... Eu ainda negava um
pouco nesses últimos meses, mas com ajuda da Tati eu fui aos poucos me acostumando
com a ideia, me permitindo perceber e me conhecer com mais clareza.” Ele contou tudo
rapidamente, torcendo as mãos sobre o colo. “Aquela noite foi o empurrão que faltava
pra eu admitir de vez o que já vinha me atormentando durante o último ano.”

Eu não sabia o que dizer. O que poderia falar? Parabenizá-lo? Falar que ficava feliz em
ajudar? Passei a mão pelos cabelos, estranhando o fato de que me sentia sim satisfeito
pela revelação dele. Vilão latiu e começou uma espécie de briguinha com a mão do
Davi, que sorria suavemente, deixando que meu cachorro o mordesse carinhosamente
junto com ganidos de excitação.

Vilão estava especialmente bobo naquele dia.

“Algumas pessoas te viram subir com a Marília, e sabiam que eu estava lá. Vieram me
perguntar agora o que tinha rolado.” Eu dei uma desconversada. Davi imediatamente se
virou pra mim, com a expressão preocupada.

“E o que tu disse?”

“O que tu gostaria que eu dissesse?” O provoquei, deixando-se momentaneamente sem


fala novamente.

“Que... Nada rolou, apenas subimos pra conversar.” Ele disse corado, desviando o olhar,
e eu tive de rir.

“Então tu ainda ‘tá na fase que se assumiu apenas para ti mesmo?” Sorri de canto. Ele
levou isso como um deboche e virou o rosto, com um bico emburrado. Nem deu mais
atenção pro Vilão, para infelicidade do bicho.

“Só pra ti, e pra Tati... E o Caio. Eu o reencontrei recentemente e tenho... Conversado
com ele sobre isso. Ele tem me ajudado também. Não tenho coragem pra lidar com o
resto do mundo agora. E deixar muitas pessoas descobrirem, é pedir pra que meus pais
acabem descobrindo também.” Ele explicou, contrafeito.

“Entendo.” Falei, tirando da minha voz o tom mais trocista. Era um papo sério, e eu
tinha de me controlar. Também não havia gostado da história com o tal Caio. “Mas acha
mesmo que alguém acreditaria que apenas conversamos?” Perguntei. Era tão inocente,
não à toa era virgem. Quero dizer, sabia que ele era virgem com homens, mas também
duvidava que já houvesse feito com alguma guria. Não pelas reações dele com a
Marília.

“Bem, isso não é da conta deles de qualquer forma.” Ele disse ainda emburrado.

“Tu ‘tá certo.” Eu suspirei. Precisava dar o ultimato. Eu sempre havia gostado de
mulheres e nunca tinha me sentido insatisfeito no sexo, então não havia razão pra me
envolver numa curiosidade homossexual. O melhor era ignorar tudo aquilo. “Davi, eu...
Estava pensando em me desculpar por aquela noite. Eu estava bêbado, apesar de eu
nunca parecer bêbado, sou do tipo que mais perde o juízo-crítico do que perde o
equilíbrio e fala bobagem. Eu não deveria ter me aproveitado de ti naquela situação,
mas ao menos fico aliviado em saber que ajudou a acabar com as tuas dúvidas...”
“É...” Davi apertou mais os próprios dedos, e se arriscou olhar pra mim. “Mas tu falou
que vinha reparando-“

“Davi...” Eu o interrompi. “Eu não sou gay. Foi mal. Falei aquilo da boca pra fora. Tu é
um guri interessante, mas... não dessa forma... pra mim. Talvez pra outra pessoa, quem
sabe.” Eu não era idiota, já havia percebido que ele vinha me ‘cuidando’ há algum
tempo, esse fora um dos motivos por que eu também comecei a me tornar mais
consciente dele, seus gestos, seus sorrisos, seu jeito de falar... Era culpa dele. Por me
seduzir.

Ele se daria bem se encontrasse outro cara, mais bem resolvido, pra se interessar.

“Podemos continuar como se aquela noite não tivesse acontecido.” Tentei.

Davi abaixou o rosto, acariciando com as duas mãos a cabeça do Vilão, que pareceu
notar a mudança de humor dele, e chegou a roçar o focinho contra o garoto. Notei que
ele parecia estar segurando as lágrimas nos olhos, mesmo que tentasse disfarçar, com
um sorriso fraco e sem alegria nos lábios.

Tentei tocá-lo no braço.

“Davi, eu-“ Estava para dizer que ficava lisonjeado por ele gostar assim de mim, ou
alguma idiotice dessas, que só pioraria a situação, mas ele afastou minha mão e se
levantou.

“Já entendi. Tu não é gay, não precisa se desculpar por isso. Aliás, tu tem sorte de não
ser. Me desculpa por tomar teu tempo com essas coisas.” Falou num tom trêmulo, me
dando as costas, e eu imaginei que era porque não conseguiria segurar as lágrimas por
muito mais tempo. Era uma tarefa difícil falar e se impedir de chorar. “Tchau, Vilão!”
Ele deu um carinho rápido no topo da cabeça do meu husky e, no momento em que me
levantei, ele já se afastava a passos apressados.

Não consegui impedi-lo de ir, o melhor era dar-lhe um tempo.

“Mas que merda.” Murmurei comigo mesmo e, percebi pouco depois, ele havia
esquecido a mateira.

XxxX

Marília arrancou o cigarro da minha boca assim que me viu, deixou-o cair no chão e
pisou em cima dele com o salto alto no qual se equilibrava. Ela chamava bastante
atenção com o vestido colado, que chegava ao meio das coxas, e decotava os seios
pequenos, mas arrebitados.

“É feio jogar lixo no chão.” Eu falei indiferente, colocando as mãos no bolso.

“O feio é aguentar esse teu bafão de cigarro a noite toda. Eu gostava mais de ti quando
tu não fumava.” Ela declarou. Eu havia fumado dos quinze aos dezenove anos, e agora
do nada havia voltado, há exatas quatro semanas. “Não dá pra aguentar teu mau humor
dos últimos tempos, e finalmente aceitou sair. Essa segunda as aulas voltam, nada
melhor do que sair com a galera.”

Eu não sabia da onde ela havia tirado que eu estava saindo pouco. Nas férias de julho
havia dado uma diminuída, mas somente porque comecei a trabalhar seis dias por
semana no Mulligan. Tecnicamente, eu saía todos os dias, trabalhava até de madrugada
e acabava cansado demais pra ir em festa toda hora. Geralmente acabava indo sozinho,
ou com outros caras, só pra pegar alguma garota e transar por uma noite.

“Tu é que estava saindo pouco por causa do Tiago.” Eu a lembrei. “Foi só não dar certo
que já corre de volta pros meus braços.”

“Ah, ele era muito grude. Mas tu não é muito melhor, teu rendimento na cama também
caiu, parece que faz por obrigação.” Ela falou, e não era o tipo de coisa que qualquer
cara gostaria de ouvir. Minha expressão endureceu e somente a peguei pelo braço. Ela
havia me convencido a ir no Beco, pra uma festa que não era meu tipo, mas era pra onde
o pessoal decidira ir, então tive de aceitar.

“Hei, não ficou brabo com o que eu disse, né? Tu sabe que eu sou sempre sincera.”
Marília percebeu minha aura negra, que eu nem tentava esconder.

“Sincera até demais.” O que me irritava era que ela estava certa, eu só não entendia o
porquê, até que ela resolveu abrir a boca pra me atormentar um pouco mais.

“Só se for por causa de certo guri que tu não deu conta.” Ela riu maliciosa. “Desde
aquela noite que eu percebo que tu anda estranho, vai ver que o Sansão só vai voltar a
ser o mesmo se terminar o que começou naquela noite.” Sugeriu. Ela havia feito a
infâmia de apelidar o meu pênis de sansão, caso vocês estejam com dúvida.

Nós encontramos o resto dos nossos amigos na fila. Bordin estava lá com a Débora, que
parecia gostar mesmo do meu amigo. Isso me deixava bastante satisfeito. Havia também
o Carlão com a namorada Ana, o Segulo, o Russo, a Luciana, entre outros. Notei que o
Enzo também estava ali. Ele e o Davi eram bem grudados, então isso me alertou para a
possibilidade de o Davi também aparecer.

Fazia quatro semanas que não nos víamos, nem nos falávamos. Ele deveria estar me
evitando, ou eu que estava, de fato, saindo pouco. O pessoal da engenharia gostava de
sair junto, pelo menos da civil, e algumas se misturavam.

“O Davi vai vir também?” Perguntei ao Enzo.

“Ah, sim, ele já ‘tá lá dentro na verdade. Chegou mais cedo com a Tati!” Ele explicou,
alegre. Os outros haviam feito um concentra na casa do Bordin. Eu saí mais cedo do
trabalho, já a Marília estava fazendo um curso de alemão até às nove da noite.

“Certo.” Eu falei, e percebi que estava nervoso por isso. A verdade é que eu ficara
pensando no Davi nas últimas semanas. Nossa última conversa me enchia os
pensamentos, e eu me perguntava por que ele não aparecera no último jogo de futebol.
Eu tinha uma ideia, e a ideia era que ele nunca mais iria querer olhar na minha cara.
Essa ideia me atormentava.
“Aliás, tu fez alguma coisa pro Davi? Ele não parecia muito feliz com a ideia de te ver.”
Enzo deixou escapar, e depois arregalou os olhos, tapando a boca. Coisa de bêbado,
falar demais. “Desculpe, esqueça que ouviu isso, sim?”

“Tudo bem.” Evitei prolongar o assunto.

Não demorou muito pra entrarmos. Já havia bastante gente ali dentro, e eu comecei a
instintivamente procurar pelo Davi entre as pessoas. Mas quem encontrei foi a Tatiana.
Sabia que os dois eram unha e carne, e acabei perguntando pelo pequeno. Tatiana me
olhou com fúria, o que me assustou.

“O que quer com ele? Tu já disse que não é gay, então para de iludir meu amigo! Ele
chorou por tua causa já, e eu não vou deixar que isso se repita! Tu é um idiota, foi TU E
A MARÍLIA que arrastaram ele pra aquele sótão, e depois tu simplesmente o descarta!
Sabe como está sendo difícil pra ele se aceitar?! E eu tu não ajudou em nada. Vai tomar
no cu, Guilherme! E não chega perto do Davi!” Ela disse tudo exaltada e me deu as
costas.

Uma sorte que a música alta abafava o escândalo. Eu fiquei parado, apalermado, no
mesmo lugar. O Davi havia chorado? Me senti muito mal com aquilo, e uma pressão
forte esmagou meu peito.

“Eu ouvi meu nome?” Marília apareceu do meu lado, se apoiando no meu ombro. Eu
soltei um resmungo. “Olha, se tu ‘tá atrás daquela bundinha linda e virgem, ele ‘tá
bebinho lá do lado do bar de baixo, quase sendo devorado por outra cara.” Informou.

Não sei que força me possuiu, mas quando dei por cima estava descendo as escadas e
depois empurrando as pessoas para conseguir chegar até o bar. E acabei encontrando o
Davi apoiado contra uma parede, com um cara falando alguma coisa contra o ouvido
dele, enquanto o segurava pela cintura. Davi soltou uma risadinha, mas virou o rosto
quando o cara tentou beijá-lo.

Davi estava diferente, havia pintado os cabelos, deixando-os mais claros, e também um
pouco mais compridos. Havia colocado dois brincos, um em cada orelha, e parecia mais
sexy que o normal, tentando evitar ser agarrado pelo outro. Eu me aproximei quando
percebi que o Davi não queria ficar com o ele, provavelmente porque vários conhecidos
estavam naquela festa.

Puxei o cara pelo braço.

“Vaza.” Demandei. “Ele já tem dono.”

Eu era maior e mais encorpado que o moleque, então foi fácil intimidá-lo. No momento
seguinte ele estava sumindo entre as pessoas, e o Davi era deixado apenas para mim.
Deus, eu estava enlouquecendo, nem entendia por que estava ali roubando a presa de
outro para mim. Davi me encarou sem reação, corado mais do que o normal,
possivelmente pelo álcool em seu sistema.

“Por que fez isso?” Ele perguntou, evitando me olhar diretamente.


Eu estava bem próximo, e ele colado contra a parede.

“Tu parecia não querer aquilo.” Falei, suprimindo a parte em que eu havia odiado ver
outro cara perto dele. Davi vestia uma camisa nem apertada, nem larga, que mostrava
bem como eram os contornos do corpo magro, e a calça jeans era um tanto justa,
moldando bem as coxas que me lembraram as de uma garota, não pela grossura, mas
pelo formato.

“Obrigado, mas eu posso me virar sozinho.” Ele disse e passou por mim. Não o impedi,
apenas passei as mãos pelos cabelos e suspirei. Estava bancando o idiota. Eu sentia falta
dele, essa era bem a verdade. Apesar de não sermos os mais próximos, sempre
havíamos nos dado bem. Eu gostava do Davi. Gostava do jeitinho mais meigo dele,
inteligente, divertido, do sorriso com covinhas, e do nariz naturalmente arrebitado.

Acabei aproveitando pouco da festa. Quando via o Davi dançando com a Tati, ficava
excitado, e me frustrava, ficava irritado. Cheguei a ficar com uma guria, mas logo dei
um jeito de sumir da frente dela, coisa atípica da minha parte. Quando a Marília
descobriu, voltou a tirar com a minha cara.

“A Fabi veio reclamar que tu largou do nada!” Eu nem sabia que a Marília conhecia a
guria com quem eu havia ficado. “Ai, Gui, larga de ser bundão e agarra aquele guri de
uma vez, que porre! Se tu ‘tá a fim, pega ele de jeito!” Ela me disse impaciente. “Se não
quer que os outros vejam, tira ele da festa e leva pra tua casa, sei lá eu! Ou será que tu
quer que eu pegue ele pra ti de novo?”

Marília era simplista demais. Mas na próxima vez que eu encontrei o Davi, ele estava
mais bêbado do que antes, se apoiando num pilar do andar de baixo, parecendo meio
perdido. Guris do tamanho dele deveriam maneirar na quantidade de álcool que
ingerem.

“Tudo bem contigo?” Perguntei próximo do ouvido dele.

Davi segurou meu braço, em busca de apoio.

“Tu viu a Tati?” Olhou pros lados. “Droga, ela me deu aquela bebida louca que queima
e aí sumiu! Eu acho que aquilo me fez mal e... AH! MEU DEUS! Ela me disse o que te
falou e, aaargh, eu quero bater nela! Só esqueça aquilo, ok? Eu ainda não acredito que
ela te disse tudo aquilo! Desculpa por ela ter te xingado, e... Ah, que vergonha.” Ele
desviou o rosto, parecendo mortificado pelo que a Tatiana havia me falado. Eu no lugar
dele também não iria curtir muito.

“Não te preocupa com isso. Não foi nada demais.” Tentei aliviar a vergonha dele,
apesar de eu continuar gostando de vê-lo todo sem jeito. Davi apertou ainda mais meu
braço.

“Só fique sabendo que a parte sobre eu ter chorado foi um exagero.” Ele declarou, um
pouco orgulhoso. Imaginei que se ele não estivesse bêbado, não iria me relembrar disso.
O efeito foi ao contrário, isso só confirmou que ele havia mesmo chorado. Ah, me sinto
tão cafajeste, pensei.
“Sei, acredito.” Sorri torto, e ele me espiou pelo canto do olho, corando mais. Pareceu
tentar se afastar um passo, mas tropeçou, precisando que eu o segurasse pela cintura,
enquanto levava uma mão à testa.

“Awn, eu não estou bem mesmo, as coisas estão girando.”

Eu provavelmente iria me culpar por isso no dia seguinte mas, droga, era a
oportunidade perfeita.

“Tu não parece bem mesmo, acho melhor eu te levar pra casa.” O puxei gentilmente
para perto, apesar de estar com certo medo de que ele vomitasse em cima de mim. Davi
apoiou os antebraços no meu peito e olhou pra cima, constrangido, enquanto eu
mantinha minhas mãos em sua cintura fina.

“Eu não quero... Eu ainda quero dançar.” Ele se virou e tentou andar, mas quase
tropeçou. O abracei por trás para que não caísse. E também porque estava me
aproveitando e tinha consciência disso. Ele parecia extremamente pequeno contra meu
corpo.

“Então dança.” Falei contra o ouvido dele, sem a mínima vontade de soltá-lo. Deixá-lo
dançar sozinho, de qualquer forma, seria pedir por uma tragédia. As mãos do Davi
seguraram meus antebraços fracamente.

“Para. Tem colegas nessa festa, e tu não é gay.” Ele me lembrou, mas a voz não era
irritada; parecia um pouco manhosa, como a de uma criança que passou do horário de
dormir.

“Só sobrou a Marília e a Tatiana de gente que nós conhecemos aqui. O resto do pessoal
já largou.” Avisei rouco, não me segurando e deslizando os lábios pelo pescoço
ligeiramente suado dele, mas ainda com cheiro de perfume cítrico. Percebi ele se
arrepiar.

“Até o Enzo me abandonou?!” Ele pareceu chateado. “Ai, Guilherme, me solta, para...”

“Vai tentar fugir de mim de novo?”

“O que tu quer comigo? Achei que tínhamos concordado de esquecer aquela noite.” Ele
disse tentando virar o rosto pra mim. Notei que seus olhos diferiam de cor conforme a
luminosidade, em alguns momentos azul-água, em outros verde-água. Naquele
momento estavam azuis, e seus lábios entreabertos pareciam perfeitos para um beijo.

“Mudei de ideia.” Falei displicente. “Senti tua falta nessas últimas semanas.”

“Foi só um mês...” Ele disse com pouco caso, desviando os lábios dos meus quando
tentei capturá-los. “Para com isso, eu não estou conseguindo pensar direito.” Reclamou,
apertando os olhos. “Por alguma razão eu lembro que eu não posso me envolver
contigo.”

“E por que não?”


“Eu não lembro! Mas tu tem fama de galinha e... Não é saudável estar tão a fim de um
cara galinha e hétero, foi o que o Caio me disse.” Ele explicou com um jeito aéreo e
sincero de um bêbado. Foi o suficiente para me dar confiança, ainda que eu não tivesse
gostado de ouvir falar do tal Caio de novo.

O levei comigo para fora do lugar, não me importando com mais nada.

Davi me olhou aturdido assim que saímos pro ar livre.

“Tu pagou minha conta!” Ele reclamou. “Eu tinha dinheiro...” Tentou pegá-lo no bolso,
mas eu o impedi.

“Não te preocupa com isso. Vamos.” O puxei pela mão e começamos a andar pela rua
calma da madrugada. Minha casa não era longe dali, dava uns quinze minutos de
caminhada.

“Pra onde?”

“Minha casa.” Falei tranquilamente. Davi estacou no meio da calçada e, quando me


voltei para ele, estava vermelho e nervoso.

“Eu...”

“Não se preocupe, não vou fazer nada que tu não queira. Podemos até só conversar, se
tu quiser. E também, eu estou com a tua mateira, é a chance de pegá-la de volta.” Isso
pareceu tranquilizá-lo, e ele assentiu. De repente ficou animado por todo caminho,
quase tropeçou umas cinco vezes pelo desequilíbrio, e me contou quase tudo sobre
como haviam sido as férias. Conversamos também sobre a faculdade, e ele ria de
qualquer coisa.

A bebida parecia estar subindo ainda mais agora. Nos últimos metros tive de pegá-lo no
colo, estilo noiva, pois já nem conseguia mais andar direito.

“Não, me solta! Eu ainda posso andar. Eu tenho pernas! Olha!” Sacudiu-as, dificultando
a minha vida. “Ai, Gui, as coisas estão girando...” Deixou a cabeça pender pra trás, e de
repente me senti segurando um peso morto.

“Hei, não dorme.” Falei, mas não obtive respostas.

Ele só voltou a dar algum sinal de vida quando o deitei na minha cama, se contorcendo
um pouco pra conseguir me olhar sem que precisasse erguer a cabeça.

“Gui... Tu parece especialmente forte hoje.” Ele disse, aleatório. Eu não fazia ideia do
que isso poderia significar, eu continuava a mesma coisa de antes, desde meus dezoito
comecei a malhar e não parei mais, ganhei massa e definição, e alguns amigos
implicavam comigo, a última fora um comentário em uma das minhas fotos do
Facebook: Meu caro amigo Guilherme, não passe perto de um cacto, pois você pode
explodir ou simplesmente esvaziar.
“Obrigado. Está se sentindo melhor, quer uma água? Algo pra comer?” Perguntei. Davi
ronronou, rolando na cama pra se acomodar melhor, me ignorando. Eu tomei isso como
um ‘cala a boca, eu só quero dormir’.

Subi na cama e comecei a tirar os tênis dele. Depois me arrisquei a tirar as calças jeans,
mas como eram mais apertadas, tive certa dificuldade, e acabei o acordando, isso se é
que ele tivesse mesmo dormido. Davi me olhou assustado.

“O que tu ‘tá fazendo?”

“Tirando tuas calças.” Informei.

“Tu quer me molestar?” Ele perguntou, genuinamente preocupado. Eu não aguentei.


Acabei gargalhando da pergunta. “O que foi?!” Davi perguntou confuso, sem entender a
graça.

Eu me inclinei sobre ele, apoiando uma mão ao lado de seu rosto.

“Tu é mesmo fofinho, como a Marília costuma dizer.” Sorri, e minha boca já estava
rente à dele, que arfava de leve. “Tu sabe, o que eu mais me arrependi naquela outra
noite, foi de não ter te beijado.” Rocei nossos lábios. “Vai me deixar experimentar
beijar alguém com piercing na língua?”

“Gui...” Foi tudo que ele teve de falar antes que eu enfim capturasse os lábios finos, mas
chamativos. Deslizei a língua para a boca dele, e o ouvi gemer, contorcendo-se sob
mim.

O segurei pela cintura, erguendo a camisa para sentir a pele do abdômen magro.

Beijar alguém com piercing era mesmo bom, e fiquei brincando com a bolinha de metal,
satisfeito por ser correspondido. As mãos do Davi pararam nos meus cabelos e nuca, e
ele parecia tentar erguer o quadril para sentir mais minha mão. Então eu a desci e
comecei a acariciá-lo entre as pernas.

Davi soltou um gemido assustado e quebrou o beijo, tentando virar o rosto para ver o
que, exatamente, eu estava fazendo. A respiração tornou-se ainda mais ofegante, os
olhos nublaram. Apertei de leve sua ereção, mantendo meu olhar em seu rosto
afogueado, e ele gemeu novamente e afundou a cabeça no travesseiro. Parecia tremer de
cima abaixo.

“Tu é um completo virgem, não é?” Eu estava me divertindo. As reações dele, de quem
experimenta tais sensações pela primeira vez, apenas me davam uma vontade violenta
de dar a ele todos os tipos possíveis de prazer. Davi mordeu o lábio, me olhando em
dúvida, o peito magro subindo e descendo velozmente, deixando a respiração rasa.

“Não tire sarro de mim.” Ele reclamou, tentando empurrar meu rosto para longe, e
fechar as pernas fugindo do meu toque. Eu deveria estar com meu sorrisinho torto, que
eu usava para várias ocasiões, entre elas deboche, mas esse não era o caso, então peguei
o pulso fino e o prensei contra a cama, antes de me posicionar melhor, me ajoelhando
entre as pernas dele.
“Não estou tirando sarro. Só não quero abusar demais de um virgem.” Eu sorri
malicioso, vendo-o abrir uma expressão ainda mais tímida, e um pouco apreensiva. Eu
me inclinei um pouco para frente e comecei a subir a camisa dele, para expor todo seu
torso.

“Não, eu não quero.” Davi murmurou se remexendo, tentando segurar minha mão
abusiva. “Amanhã tu vai dizer que não é gay, e... e faz pouco que eu descobri que eu
sou, e já é o suficiente pra lidar.”

Eu parei por um segundo. A expressão dele era realmente triste e confusa. Senti-me mal
por tê-lo machucado, mesmo que não fosse minha intenção em nenhum momento. Gay?
Bi? Eu preferia evitar os rótulos, sempre os odiei, e estive justamente me preocupando
com eles. Suspirei mandando mentalmente tudo à merda, e me deitei sobre o pequeno,
acariciando-lhe o rosto. Tinha um rosto lindo, e eu sozinho era o culpado por ter-me
deixado seduzir por ele.

“Não vou falar isso amanhã.” Garanti e rocei meus lábios na bochecha dele. "Então me
deixe te dar um pouco de alívio para isso daqui." Falei voltando a tocar-lhe entre as
pernas.

Davi fechou os olhos e se rendeu. Eu não queria ficar apenas naquilo, apesar de saber
que sexo estava fora de cogitação considerando o estado alcoólico dele, então ergui-lhe
a camisa e abri-lhe o zíper da calça, puxando-a para baixo de uma forma que chegou a
arrastá-lo uns centímetros sobre a cama.

Joguei aquele pedaço inconveniente de tecido pra longe assim que consegui me livrar
dele.

"Tu colocou essa calça apertada hoje pra provocar quem, huh?" Perguntei-lhe num tom
sacana, fazendo-o corar e morder o lábio. Ele preferiu ignorar minha pergunta, e no
lugar devolveu-me outra.

"O que tu vai fazer...? Gui!" Exclamou assustado e gemeu fraco, erguendo o quadril
quando comecei a beijá-lo no abdômen, segurando-o firme pela cintura. Tinha a pele
incrivelmente lisa e macia. Não havia nenhum pelo em todo o torso. O que eu preferia.
Com aquela pele sensível, seria mais fácil ver na manhã seguinte as marcas que meus
dentes deixariam.

Quando desci mais os lábios e comecei a desenhar com os lábios o contorno de seu
pênis, sobre a cueca branca, ele agarrou meus cabelos, agitado e ofegante.

“Gui... Isso não... Tu não pode-“

"Estou apenas retribuindo o que tu fez comigo na outra noite." Murmurei malicioso,
apertando-lhe os glúteos e abaixando a cueca com os polegares. Eu nunca tinha feito
aquilo, mas não estava me importando, nunca havia tido frescuras para sexo, e achar
nojento dar prazer a outra pessoa não estava entre os meus defeitos. Mas admito que
fiquei aliviado em ver que ele não era dos melhores dotados, devia estar na média da
população.
Facilitava minha vida.

"Gui... Gui, espera, tu n- Ahn!" Ele se atrapalhou no que quer que falasse quando
comecei a chupá-lo. Suas pernas dobraram enquanto seus dedos apertavam meus
cabelos com mais força, sua coluna se curvou para frente e ele escondeu o rosto com o
braço. "Awn, Gui, isso é... ai, Deus." Tentou explicitar o que sentia, mas sua voz era
uma confusão, e a respiração agitada o atrapalhava.

Vê-lo afogando-se naquelas sensações me incentivou a continuar da melhor forma


possível. Em algum momento segurei-lhe as coxas por trás e as empurrei para frente,
expondo-o mais. Toda vez que erguia o olhar para seu rosto, o via praticamente
chorando de prazer, movendo os braços, se contorcendo, parecendo não saber pra onde
ir. Não sabia se era por ser a primeira vez que alguém o chupava, se era por ele estar
bêbado, ou porque eu estava fazendo direito, talvez os três motivos, mas era sexy e me
deixava tremendamente excitado vê-lo tão responsivo a mim.

Um pouco depois ele gozou, com um gemido alto, que me lembrou um grito de
rendição. Não esperava que isso acontecesse tão rápido, mas eu na minha primeira vez
também não havia durado muito. E o único virgem com quem eu já havia lidado era eu
próprio.

Eu estava mais duro do que poderia me lembrar, e minha ideia era que ao menos
continuássemos com uns amassos; porém, quando me ergui para olhá-lo, Davi estava de
olhos fechados, a respiração ligeiramente profunda e os braços jogados na cama em
posições diferentes. Havia desmaiado com o orgasmo, chapado de sono, álcool e prazer.

Soltei o ar angustiado, bastante ciente do aperto em minhas calças, e ter aquele garoto
lindo seminu na minha cama não ajudava em nada. Mas seria maldade acordá-lo.
Resignado, abaixei a camisa dele e recoloquei-lhe a cueca. Depois disso me levantei e
fui tomar um banho bem gelado, no qual tive de me virar para me livrar daquela ereção.
Não foi satisfatório, e me perguntei quando iria cobrar por uma terceira rodada mais
igualitária. Talvez pela manhã. Me questionei também se o Davi seria do tipo que
gostaria de uma primeira vez romântica. Aí eu precisaria me esforçar um pouco mais.

Quando saí do banheiro, apenas de cueca, Davi havia se acomodado melhor na cama,
deitando-se de lado abraçado a um dos meus travesseiros. Eu só tinha dois, um ele
abraçava, e o outro usava como apoio. Então deitei ao lado dele e o abracei pela cintura,
colando seu corpo pequeno contra meu tórax para que compartilhássemos o mesmo
travesseiro.

Estou mais amarrado do que havia imaginado, foi meu último pensamento antes de cair
no sono.

Notas finais do capítulo


Espero que tenham gostado! Obrigada pelas reviews e... confiram se leram o último
capítulo! Nyah continua me trollando, auhauahauhaua! Queria agradecer também à
querida Aiko, que me ajudou demais com esse extra! Beijão, amores! Até mais!
(Cap. 22) Ciúmes? O que é isso?
Notas do capítulo
Tava pouco criativa pra títulos dessa vez (Nock, perdão!, ahahah!) Quero agradecer
MUITO à Isisyuuki e ao deeziin pelas recomendações! Fiquei tão, tão, TÃO feliz!
Muito obrigada mesmo, awn, tão lindo isso! Boa leitura!

Pela segunda vez num período mais curto do que gostaria, André acordou um tanto
desorientado. Só que, dessa vez, não era ele quem tinha o braço circulando a cintura de
outra pessoa, e sim ele quem estava aprisionado por um braço pesado. O loiro abriu
lentamente os olhos que ainda estavam extremamente pesados, grogue demais para
raciocinar quem era o ser que também dormia com o corpo colado ao seu, na clássica
posição de conchinha.

As memórias de antes de cair no sono foram voltando: a festa na Ashclin, a corrida até o
hospital, a cantoria besta do Fabrício, a fato de quase terem perdido a viagem, as quatro
horas de viagem em que mal havia como dormir pela cantoria e bagunça sem fim dentro
do ônibus, o episódio da chegada ao campus da Ulbra em Torres, onde seria o evento, e
terem de ficar mais duas horas esperando no frio, em pé, perto de onde seria o
alojamento da UFRGS, pois houvera um problema na organização e os urguênses
estavam sem seus crachás do evento.

Por fim, o fato de a cara de pau do Fabrício ter finalmente servido para algo útil. O
alojamento da medicina seria num anexo de um dos estádios onde aconteceriam alguns
jogos. No primeiro andar havia um salão com grande espaço para montar as barracas.
No segundo havia um auditório cujas cadeiras haviam sido deslocadas para liberar mais
espaço. Os veteranos mandaram os bixos ficarem no andar de baixo, que seria mais
abarrotado e também mais barulhento; porém Fabrício se esgueirou para o segundo
andar, arrastando o André junto, e montou a barraca do loiro num camarote lateral, mais
elevado, do lugar.

Ali teriam mais silêncio e privacidade. E isso que ainda conseguiram escutar a música
alta do andar de baixo. Coitado dos outros bixos, André pensou momentamente
penalizado, talvez por efeito do sono. Catou o celular jogado próximo do travesseiro e
olhou as horas. Eram 8h45min, o que significava que haviam dormido 2h45min. Mas
isso também significava... Que o primeiro jogo de vôlei era em 45 minutos! André se
remexeu ansioso, os sentidos retornando ao corpo que ficara subitamente alerta.

Só que isso o fez perceber mais conscientemente da posição bastante peculiar em que os
dois se encontravam. André estacou na mesma posição, arregalou os olhos e percebeu
duas coisas: a respiração do moreno fazia cócegas em sua nuca, e ele estava com uma
ereção matinal. E, por ele, entenda o traste do Fabrício. André achou que iria morrer.
Ele quis morrer. Ele quis sinceramente morrer naquele momento.

No entanto, primeiro daria um jeito de castrar o Fabrício. Depois pensaria na melhor


forma de suicídio. De preferencial a mais indolor possível, pois ele não era masoquista.
André apertou os olhos, sentindo uma avalanche de calor subir pelo pescoço até arder
todo o rosto. Era só dar uma cotovelada no Fabrício, ele se afastaria e deixaria de sair
agarrando qualquer coisa enquanto dormia. Não que André se considerasse uma coisa
qualquer. Mas também não se considerava um travesseiro, caramba! Mas se fizesse
isso, a situação ficaria estranha, não? Quero dizer, não é sempre que dois amigos
acordam agarrados e um deles tem uma ereção!

André começou a suar frio, o coração acelerando e a pele se arrepiando cada vez que a
respiração do moreno batia-lhe na nuca. Não sabia o que fazer, de novo se sentia
paralisado, esperando alguma salvação externa, como antes fora a mensagem avisando
que o ônibus estava saindo. Mas se ficasse ali parado feito um retardado, ambos iriam
perder o jogo! E André era um dos titulares e, modéstia a parte, era o que melhor jogava
em meio àquela tigrada.

Durante aqueles minutos de grande dilema, Fabrício se remexeu ainda adormecido, com
um resmungo baixo, friccionando o corpo ao do André e o abraçando mais apertado
pela cintura, deixando o loiro quase sem ar. André sentiu a ereção do moreno apertar-se
contra sua bunda, e levou uma mão à boca, perplexo com aquilo. E ainda mais perplexo
com o fato que... Que...

André se levantou num rompante de adrenalina, empurrando descuidadamente o


Fabrício no processo, e correu para fora da barraca o mais rápido que conseguiu,
praticamente arrebentando o zíper da entrada.

Fabrício acordou alguns segundos depois, tão grogue e sonolento quanto André, e olhou
para a entrada da barraca, que estava aberta. Olhou pro lado e viu que o André não
estava ali. Piscou aturdido, bocejando longamente e se espreguiçando, coçando as costas
enquanto tentava amenizar o gosto ruim da boca como se mascasse um chiclete de boca
aberta. Aí teve um click e olhou também pro relógio. Eram 8h55min! Em meia hora
tinham o jogo de vôlei, e ele nem sabia em quais dos estádios seria!

“Por que o Santa não me acordou também?” Fabrício se perguntou confuso e,


procurando na mala, pegou escova de dentes e pasta, antes de também sair da barraca e
rumar para o banheiro.

XxxX

André chegara ligeiramente atrasado, mas era o técnico do time, então não teve de ouvir
muito sermão. Somente da japinha da Atlética da UFRGS que era responsável pela
organização de vários jogos quisera comer seus olhos. Fabrício ficou na torcida, já que
era da reserva. Como era cedo e praticamente todo mundo fora dormir pelas seis da
manhã, não havia quase ninguém para torcer pela UFRGS, somente uns gatos pingados
da Xaranga que batiam tambor parecendo nem ter dormido desde a chegada.

Fabrício bem que estava podre de sono e cansaço, mas ainda havia três jogos naquele
dia, e ele provavelmente participaria dos dois do futsal, um às 11h30min e outro às
17h00min. No outros dias haveria um jogo de vôlei e um de futsal até o domingo, e
sexta pela manhã (às 8h00min da manhã!) haveria as competições de corrida. Fabrício
se perguntava como aguentaria acordar cedo por quatro dias seguidos, indo dormir
todos os dias tarde após as festas. Isso seria um mistério a ser desvendado.
Por hora, ele olhava abismado para o jogo. Em particular para certo loiro em quadra que
era o desespero do time adversário. André jogava muito bem, os saques eram fortes e
difíceis, e os ataques eram praticamente sempre garantia de ponto. O time da outra
faculdade era fraco, mas isso não diminuía o fato de que André realmente era bom.
Fabrício sentiu uma espécie de orgulho pelo amigo, era ótimo olhá-lo correr, pular e
cortar a bola em cheio, fazendo-a cravar na quadra adversária, enquanto ele pousava no
chão com desenvoltura.

O jogo acabou rápido – cada set era de 15 pontos apenas, então em 50 minutos, o time
da UFRGS já havia ganhado. André saiu dali limpando o suor. Parecia mal-humorado.
Aliás, desde que acordara parecia bastante mal-humorado, com uma aura especialmente
ácida. Fafá já sabia que o loiro sofria de mau-humor matinal, e achou que o fato de ter
dormido tão pouco o houvesse maximizado. Porém, imaginava que ao ganhar ele fosse
ficar mais animado.

“Daleooo! Primeira vitória do Santa! Agora só vai!” Fafá se aproximou todo animador
apesar da expressão carrancuda do loiro – que sequer cumprimentara os colegas de time
antes de se afastar. André parou e esticou o braço, apontando o dedo indicador pro
moreno.

“Não chega perto de mim.” Avisou ameaçadoramente e simplesmente pegou a mochila


onde estavam suas coisas e rumou pro vestiário. Não gostava de se sentir suado e sujo
por muito tempo e, mesmo que tivesse um jogo dali uma hora, iria ao menos tomar uma
ducha. Fafá o seguiu como Sascha o seguiria, farejando intromedito a razão daquela
atitude do loiro.

“O que foi? O que te deu? Nós ganhamos, tu deveria estar feliz!” Disse e se postou bem
em frente ao André, impedindo-lhe a passagem. André suspirou e apertou a palma da
mão contra a testa, empurrando então o cabelo úmido para trás.

“Jogos muito fáceis me irritam. É isso. Eu gosto de adversários fortes, que me desafiem,
e não essas partidas bestas de quintal que parecem pura perda de tempo.” Explicou sem
paciência. Não era uma completa mentira, mas isso não o irritaria tanto. A razão da
irritação era outra, popularmente conhecia como ‘pau duro’. Não pão duro, mas pau
duro mesmo, e André não gostava nada de lembrar-se disso.

Se fosse somente a ereção do Fabrício, ele poderia conviver com aquilo, fora um
acidente, mas ter tido uma ereção também... Absurdo! Estava frustrado, nervoso e
assustado. Não podia ter acontecido. Não podia. André não queria pensar sobre isso. Só
que olhar o rosto todo sorridente do Fabrício não colaborava para que esquecesse, e
acabava descontando aquele misto estressante de emoções em cima do moreno. A culpa
é dele mesmo! Pensou quando uma vozinha sussurrou-lhe no ouvido que estava sendo
injusto com o amigo.

“Vou ir tomar um banho. Vá indo na frente, nos encontramos no outro campo. Eu não
quero que tu me espere.” André deixou bem claro ao passar pelo Fabrício, evitando
encará-lo.
Fafá coçou os cabelos ainda sem entender nada. Uma vitória era uma vitória. Mesmo
sendo fácil, era a garantia que avançariam e chegariam a adversários mais fortes, e isso
deveria ser o suficiente para deixar alguém feliz.

Esse loiro tem umas ideias estranhas, Fafá concluiu, e resolveu seguir com o pessoal da
Xaranga para fora do estádio, pra pegar uma das combes ou ônibus que ficavam
circulando pelos estádios e complexos do campus. Queria ir acordar a Gabi e a Fran
para ir vê-los jogar, mesmo sabendo que isso lhe custaria uns tapas.

É injusto que elas possam dormir tanto, pensou com um sorrisinho mal-intencionado.

XxxX

O jogo do futsal estava bem animado, e havia bem mais gente do que no de vôlei,
apesar de muita gente ainda estar dormindo. Fran e Gabi certamente estariam não fosse
o Fafá ter entrado na barraca e se jogado entre as duas. Ele precisou sair correndo da
barraca depois disso para poupar a própria vida, mas no fim ali estavam as duas.
Torcendo enquanto conversavam, a despeito do barulho das duas bandas. Gabi
balançava no ar uma bandeira da UFRGS.

“Eu não dormi o suficiente. Foi o tempo todo aquele pessoal louco da UEL com a
música lá nas alturas do lado do nosso alojamento! Porra! Que raiva daqueles caras!”
Fran reclamava, com olheiras sob os olhos.

A galera da UEL já tinha uma má fama de longa data no Intermed, diziam que eram os
mais loucos, encrenqueiros, sem noção e arruaceiros. Os garotos pintavam os cabelos de
laranja e faziam moicanos, então era fácil reconhecer alguém da UEL. Além do fato
que, se você visse alguém fazendo algo bizarro, havia grandes chances de ser da UEL.

“Os guris tão jogando um bolão, né?” Gabi ignorou as reclamações da Fran, ou aquilo
iria longe. “Eles são bem sincronizados! Acho que vamos ter vitória no futsal
masculino! Ah, e olha ali, que engraçado!” Gabi apontou para a pessoa que estava
fantasiada de cavalão, que era o mascote da medicina da UFRGS. A fantasia era
basicamente um cavalo mal-encarado e fortão. “Ainda bem que os guris não deixaram o
bigode crescer, esses guris da UFRGS bigodudos é um dos castigos de Deus sobre o
mundo.”

Fran riu, concordando. Assim como a UEL tinha a cultura de pintar os cabelos e fazer
moicanos, os urguênses deixavam o bigode crescer, e alguns faziam um cavanhaque.
Fafá ficara todo animado com a ideia, mas como Fran e Gabi insistiram pra que ele não
deixasse crescer, ele acabou não deixando, até fizera a barba para ir. Fafá era um
querido, sempre acabava fazendo o que as amigas pediam.

“O André é muito competitivo, parece que quer matar alguém em quadra.” Fran notou.
“Já o Fafá fica bem centrado, mas parece mais tranquilo. Acho que é a primeira vez que
vejo o Fabrício um pouquinho mais sério.”

“O Fafá tem esse jeito todo louco, mas quando o caso exige seriedade, ele fica super
centrado, até parece gente.” As duas riram, e começaram a lembrar das bobagens que o
moreno fazia, imitando as falas e caretas e rindo-se até se acabar. Ao final, estavam
ofegantes, e até perderam um gol que o André fizera por conta disso.

“Por que tu e o Fafá não deram certo ano passado? Eu acho que vocês combinam.” Fran
falou assim que as duas se recuperaram da dor no abdômen. “Ele é bonito, querido,
inteligente, de bem com a vida, e imagino que beije bem...”

“Ui, ele tem uma baita pegada sim.” Gabi falou num ar malicioso. “E na cama também,
ele é super carinhoso, mas sabe ser... Rawr! Sabe?” Soltou fingindo arranhar alguém,
fazendo a outra ir.

“Então! Por que dispensou?” Fran estava abismada.

“Ah, sei lá. Ano passado ele ainda parecia gostar da ex. E o Fafá é muito intenso, sabe?
Ele exige muito de ti numa relação, e não é fácil entrar no ritmo dele. E justamente o
fato de que ele aceita muitas coisas e releva muitas outras às vezes pode ser cansativo,
porque tu vai se sentindo culpado pelas coisas, e nem recebe um puxão de orelha por
elas! E ele é romântico demais, só que comigo parecia forçado, como se ele estivesse
sendo romântico só porque achava que o certo é ser romântico, e não porque realmente
queria, e isso me incomodava, o que parecia reforçar a ideia de que ele ainda era a fim
da ex dele e-“

“Ok, já entendi!” Fran a parou antes que ela continuasse interminavelmente.

“Ele é perfeito da forma dele. Só não é meu tipo. Ele é meu tipo pra amizade, eu amo
ele, mas pra namoro e coisas assim eu acho que eu sou daquelas idiotas que curtem um
cara mais problemático.”

“Então temos de achar um cara problemático pra ti nesse Intermed. Um cara da UEL,
quem sabe?”

“Sua tchó, tá louca?! Que tipo de amiga empurraria um cara da UEL pra outra?” Gabi
puxou os cabelos cacheados da Fran, que soltou um grito e retribuiu. Dali as duas
começaram uma briguinha ridícula e perderam o final do jogo, em que os urguênses
venciam de 5 x 2.

XxxX

O café da manhã e almoço eram oferecidos para todos os estudantes numa área coberta,
e estavam incluídos no preço pago para ir ao Intermed. André, Fabrício, Gabriella, Fran,
Rafael e outros colegas foram juntos almoçar, jogando conversa fora. A área de
alimentação ficava um pouquinho longe do alojamento dos urguênses, mas nada
exagerado – uns dez minutos de caminhada.

“Eu ‘tô caindo de fome. Vou comer como um porco, ou comeria um porco inteiro.”
Fabrício declarou enfático, apertando o estômago e fazendo careta.

“Olha o canibalismo!” Gabi implicou.


André revirou os olhos, enquanto os outros gargalhavam. O loiro continuava com um
péssimo humor, e isso já começava a incomodar o Fabrício. Ele tivera esperanças de
que as coisas iriam fluir bem no Intermed, mas o André nem o olhava na cara! Fafá se
lembrava do que havia feito no hospital, quase agarrara o loiro. Talvez ele estivesse
irritado com isso...

André ia conversando na frente com uns colegas, Fabrício atrás com outros. Quando
estavam chegando, Fafá foi abordado por uma garota. Era uma garota de origem
indígena, com todos os traços característicos: cabelos e olhos cor da noite, pele
azeitonada, um rosto arredondado que adquiria covinhas proeminentes quando sorria
com dentes muito brancos.

“Dani!” Fafá a cumprimentou. “Guria, que que tu ‘tá fazendo por aqui?”

“DANI!” Gabi apareceu feito um furacão e abraçou a garota também. “Menina,


perdemos o contato contigo! Como tu ‘tá? Tu passou em medicina então? Foi pra onde?
Meu Deus, isso que dá tu não ter face e não atender o celular!”

“Oi! Amores, eu ‘tô fazendo medicina na UFPEL! Passei lá! Consegui convencer meus
pais a deixar eu continuar a estudar em casa, e fazer vestibular lá!” Ela disse sorrindo.
“Senti muita saudades de vocês! Vim pro Intermed imaginando se vocês viriam
também!”

“Bah, vem almoçar com a gente então e conta as novidades!” Fafá convidou, ao que a
índia aceitou imediatamente. “André, essa é a Dani, foi nossa colega no cursinho até
outubro.”

André a cumprimentou, e então Fafá, Gabi e Dani seguiram na frente conversando


animadamente. Já Rafael, Fran e André ficaram um pouco mais para trás. Fran torceu os
lábios.

“Eu não gosto dessa guria.” Disse bastante séria. Rafael não falou nada, apenas colocou
as mãos no bolso.

“Por quê?” André perguntou curioso. Fran suspirou, mas acabou contando tudo.

“Eu fiquei sabendo, depois que ela já tinha saído do cursinho em outubro, que os pais
dela a tiraram de lá não porque ela transou com um cara, e os pais dela não gostaram
disso como ela contou, e sim porque ela, que ‘tava morando com a irmã em Porto
Alegre, pegava todo o dinheiro que os pais mandavam e que a irmã ganhava
trabalhando e gastava em roupas, festas e não sei mais o quê. Aí o dono do apartamento
ameaçou as duas de serem despejadas, e então a verdade veio à tona. Eu falei com a
irmã da Daniela, nós nos conhecemos coincidentemente num encontro de amigos em
comum. A Amanda diz que nunca mais quer olhar na cara da Daniela. E outra, ela tem
esse jeito todo despojado e amigo, mas quando a Gabi e o Fafá estavam ficando, ela
falava mal da Gabi pra irmã dela e não sem mais quem, e ainda ficava se insinuando pro
Fafá quando a Gabi não ‘tava por perto, e a porta do Fabrício nem se ligava!” Fran
discorreu, enquanto fulminava a garota pelas costas. “Eu nem contei nada pros dois da
história, porque antes quando tentei contar pra Gabi sobre ela dar em cima do Fafá, a
Gabi me disse que não tinha nada a ver. Eu já não ia com a cara dela, nunca fui, depois
dessa história dela roubar o dinheiro da irmã por oito meses, foi demais. Cadela filha da
puta.”

André arregalara os olhos durante a história.

“Eu também achava que havia algo de estranho sobre ela, só não sabia o que era. Mas
me mantive imparcial.” Rafael comentou, ainda com um ar meio imparcial. Porém
nunca fora muito chegado na guria, por ser mais quieto, ela costumava excluí-lo por
completo, agindo como se ele nem existisse. E Rafael não se importava em tentar
chamar atenção, nunca se importara com isso.

“ARGH! Que nojo dessa guria!” Fran se exaltou. Era o tipo de pessoa que não escondia
quando não gostava de alguém, e tampouco escondia quando adorava. Era muito sincera
em seus sentimentos. “Vamos almoçar longe deles. Por favor, eu imploro, não vou
aguentar aquela cadelinha contando as novidades.” Fran implorou.

“Tu não vai contar nada dessa história pra eles?” André perguntou, vendo de longe a
aglomeração onde as pessoas pegavam os pratos e talheres e seguiam para se servir num
Buffet improvisado, e depois se sentavam em mesas espalhadas sob o toldo de proteção.

“Não sei se vale à pena. Não vamos ficar juntos o Intermed todo. Só espero que ela não
invente de ir agarrar o Fabrício. Não quero amigo meu ficando com uma safada
descarada que nem ela.”

André sentiu o peito se apertar. Também não gostou da ideia do Fabrício e ela ficarem.
Olhou para o trio e reparou como a Dani já abria inúmeros sorrisos pro moreno, fazendo
questão de ficar bem perto dele. O estômago do loiro se contorceu, e não exatamente de
fome, apesar de estar quase caindo de fome e também planejasse comer como um porco,
como Fabrício, mas um porco com classe. Sentou-se com o Rafael e Fran, e mais um
colega que se juntou a eles, mas a todo o momento espiava por cima do ombro o outro
trio sentado não muito distante.

XxxX

Os jogos da tarde foram igualmente cansativos, mas a UFRGS venceu os dois e passou,
tanto no futsal quanto no vôlei, para as quartas de final. André estava ainda mais
estressado. A Daniela viera torcer nos dois jogos. Durante o jogo de vôlei, ela ficara
sentada junto com o Fabrício o tempo todo, de tal modo que o loiro mal conseguira se
concentrar e errara alguns ataques. Depois da vitória no futsal, ela viera abraçar
efusivamente o moreno e, foi somente aí que André reparou, ela tinha uns peitos
enormes.

O que mais irritava o André era que, após o jogo de futsal, que terminara pela seis e
meia da tarde, eles foram comemorar reunidos com vários colegas as vitórias com muita
cerveja e petiscos no bar-quiosque que fora montado próximo do estádio dos
alojamentos da UFRGS.

E Fafá cantava e tocava agora a música Daniela, do Biquini Cavadão.


Dane-se o emprego, o salário, o patrão
Dane-se o medo, a loucura, a razão
Dane-se a moda, se é brega ou 'Armani'
Dane-se tudo que não tiver Dani

Só penso nela,
Quem é ela,
O nome dela... é Daniela!

Pela primeira vez, André tinha vontade de jogar aquele violão longe. Era uma sensação
muito estranha, não se lembrava de já a ter sentido antes. Era algo opressivo, e mais
irritante que zumbido de mosquito durante a noite. A música era boa, mas somente se
não houvesse uma Daniela ali junto, se Fafá não estivesse sorrindo enquanto cantava pra
essa Daniela, e se essa Daniela não estivesse sorrindo de volta, sem nenhum medo de
deixar transparecer o interesse que tinha no moreno.

André olhou, através de seus óculos escuro Ray-Ban, pra alguns urguênses vestidos
com blusa azul e saia branca, que se autodenominavam ‘fundetes’ enquanto rebolavam,
dançavam e davam em cima dos outros guris. A implicância entre as faculdades
chegava a esses extremos, de guris da UFRGS se vestirem de guria só pra incomodar e
irritar os fundaceiros, dançando de maneira esquisita ao som da música do quiosque. Se
o humor do loiro não estivesse tão negro, ele estaria rindo tanto quanto os outros que
observavam.

Cansado daquilo, e realmente exausto fisicamente, André se levantou e só avisou a Fran


e o Rafael que iria ir dormir um pouco antes da festa, senão não aguentaria a noite, e
nem as competições de corrida na próxima manhã. Saiu sorrateiro e deu graças a deus
que, no segundo andar do alojamento, havia certo silêncio, já que todos estavam do lado
de fora.

“Hei, Dré, vai na festa hoje?” Uma das colegas, a Vanessa, perguntou.

“Vou sim. Onde vai ser?”

“Tem que pegar ônibus pra ir. Vai ser numa casa de festas numa praiazinha vizinha de
Torres, pelo que fiquei sabendo!” A Vanessa avisou. A conversa não demorou e logo o
André estava deitado de barriga para cima na barraca, tapando os olhos com um dos
braços.

“Se ele quer ficar com ela, ele que fique... Mesmo que ela seja uma ladra de parentes.”
Murmurou consigo mesmo, apertando o lençol na mão. “Que droga, por que estou tão
irritado...?” A vontade era de quebrar alguma coisa. Ou muitas coisas. “É culpa daquele
idiota por esfregar aquela ereção na minha bunda, isso estragou meu dia desde cedo.” A
sensação opressiva pareceu subir para a garganta, deixando meio claustrofóbico. “Que
merda!” Levou ambas as mãos aos cabelos, apertando-os como se quisesse arrancar uns
tufos loiros fora.

Depois respirou fundo e fechou os olhos, tentando relaxar. Justamente a imagem


daquele que queria esquecer lhe veio à mente – um dia em que Fabrício levara o violão
para a aula e tocara na rodinha de colegas no campus centro num intervalo entre
anatomia e fisiologia, nas cadeiras em frente ao bar da arquitetura. Naquele dia, não
havia nenhuma Daniela para estragar o momento.

André, que tinha a memória absurda para qualquer coisa, lembrou-se da letra que lhe
chamara atenção e começou a cantar baixinho:

Quis evitar teus olhos


Mas não pude reagir
Fico à vontade então
Acho que é bobagem
A mania de fingir
Negando a intenção

E quando um certo alguém


Cruzou o teu caminho
E te mudou a direção

Chego a ficar sem jeito


Mas não deixo de seguir
A tua aparição

E quando um certo alguém


Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar...

Num rompante, André abriu os olhos interrompendo a canção, e uma lembrança perdida
até então lhe assaltou a mente como uma criminosa que apunhala sem compaixão o
coração de sua vítima.

“Tu acha que vai se lembrar disso amanhã?”

“Isso o quê?”

“Isso...” Fabrício deixou o antebraço bater contra o chão, e seu rosto se aproximou
mais do do loiro.

“Se eu lembrar, vou te bater.”

“Então espero que esteja suficientemente bêbado...”

A sequência seguinte dos acontecimentos atropelou-lhe a mente, passando-se numa


sucessão de sensações, pois durante todo o tempo em que se beijaram, André estivera de
olhos fechados. O loiro se sentou na barraca com o peito explodindo e o coração
palpitando na garganta. Tapou de novo a boca com a mão, não conseguindo acreditar
naquilo. Ainda por cima haviam sido flagrados pela Natália. Pela Natália!

Por isso no dia seguinte ela dissera que não queria mais sexo sem compromissos. André
sentiu-se estúpido ao extremo. Ele e Fabrício haviam trocado um beijo! E um beijo nada
casto, tampouco fugaz. Um beijo intenso. E isso quando ele nem ainda percebido o
quanto era um idiota por ser tão preconceituoso! Ou seja, naquela noite era um
homofóbico hipócrita que se agarrara com o amigo de infância. E ainda gemera sem
nenhum pudor durante o beijo, e só Deus sabia o que mais teria feito caso Natália não
houvesse aparecido.

André novamente sentiu vontade de morrer.

E, dessa vez, nem se importou em pensar em alguma forma indolor de suicídio.

Notas finais do capítulo


Música do Biquini Cavadão: http://letras.mus.br/biquini-cavadao/281078/, amo essa
música, haha! Vários comentários sobre esse capítulo. 1) Dré se entregou total, até
ereção teve. 2) Será que ele vai conseguir seguir o ritmo intenso do Fafá num
relacionamento? E isso que o Fafá nem amava a Gabi, imagina como vai ser com o Dré,
aiajhiajhi! 3) Nyah cortou meus comentários, eu esqueci o que mais tinha falado aqui
antes, U_U Vídeos dos urguênses se vestiando de fundetes:
https://www.youtube.com/watch?v=JzJkg09Rppk
https://www.youtube.com/watch?v=uCTqmFTz0Hk, pra vocês verem que eu não
invento nada dessas putarias, uahauhauahua! Beijão, obrigada a todos que comentaram
cap. passado!

(Cap. 23) Banho de mar


Notas do capítulo
AEW! Quero agradecer ao Filipe e ao Neto Coelho pelas recomendações LINDAS.
Obrigada MESMO! O número de reviews e recomendações superou minhas
expectativas, vocês são lindos. Amei cada palavra. Boa leitura, esse cap. vai dedicado a
vocês! Hohoho *risada de papai noel*

Já era mais de dez da noite.

As gurias já tinham sumido para irem se arrumar para a festa, e os garotos estavam
bebendo numa rodinha perto do quiosque, jogando conversa fora, ou cantando em
conjunto músicas famosas brasileiras ou internacionais. Gabi era a única guria que
continuava ali com os colegas, mas até ela estava sentindo que precisa ir se arrumar, ou
perderia a viagem com os amigos até a outra cidade.

“Vou indo me arrumar, gente. Até depois.” Ela se despediu, já se pondo a caminhar;
porém o Fafá se levantou também, decidindo acompanhá-la. “Então... Tu e a Dani é?”
Ela perguntou quando se distanciaram alguns metros do resto da galera.

“Ahnn?” Fafá não entendeu nem a pergunta, nem o tom insinuante da amiga. “Que que
tem eu e a Dani?”

“Tu ‘tava dando em cima dela, não? Até cantou aquela música pra ela... Foi no mínimo
sugestivo.” Gabi explicou, revirando os olhos. Dani só faltara pular em cima do
Fabrício e devorá-lo ali mesmo, na frente de todos. Gabi, em seu íntimo, não se sentia
exatamente confortável com a ideia do moreno ficando com a amiga em comum, mas
não se meteria no assunto se fosse o que Fabrício queria.

Fafá soltou uma risada longa.

“Que isso, jovem! Eu gosto daquela música, só ‘tava cantando pra animar a gurizada,
aproveitando a desculpa de que tinha uma Daniela ali.” Fafá riu-se mais. Nem havia
percebido o interesse da Daniela, e Gabi teve de rolar os olhos novamente para o jeito
tapado do moreno. Como ele conseguia ser tão inteligente pra umas coisas, e tão burro
pra outras?

“Ai, Fafá, só tu mesmo! Só devo te avisar que ela achou que tu ‘tá super a fim dela.”
Gabi fez-lhe o favor de informar enquanto caminhavam pela grama, passando à frente
do estádio onde mais cedo haviam ganhado no futsal. “Só te liga hoje na festa...”

“Ciúmes?” Fafá se inclinou para a amiga, ondulando as sobrancelhas. Gabi empurrou-


lhe o rosto para longe, balançando a cabeça como se pedisse para que os céus
colocassem alguma luz sobre aquela cabecinha avoada.

“MORTA de ciúmes.” Gabi disse com uma ênfase irônica.

Fafá soltou mais uma risada divertida.

“Eu não quero nada com ela.” Esclareceu tranquilo. “Eu já tenho outra pessoa na mira.”

“QUEM?!?” Gabi quase deu um pulo de exaltação, parando de caminhar e se virando


pro amigo. Era a primeira vez que ouvia o Fabrício dizer que estava com interesse em
alguém! No ano anterior, fora ela quem dera em cima dele e o chamara para sair. Fafá
era tão lesado nesse tipo de coisa, que às vezes parecia até um tanto assexuado. Gabi
achava que ele ter namorado por tanto tempo durante a adolescência não lhe fizera bem.
“Quem é? Quem é? Vai, Fafá, conta! É da nossa turma? Quem? A Vanessa? A Carol? A
Ana? A FRAN?”

Fabrício riu da cara de curiosa mórbida de Gabi, mas passou os dedos pelos lábios como
se fechasse um zíper, chaveando na ponta e então jogando a chave fora por cima do
ombro. Gabi quase entrou em surto, invadida por uma necessidade vital de saber quem
era a pessoa. Era questão de vida ou morte. Tentou de todas as formas convencer o
moreno a lhe revelar-lhe quem era a ‘moça’ durante o resto do caminho até o
alojamento, mas Fafá apenas sorria enigmático, ignorando os apelos da guria.

Gabi ficou desolada, mas disse a si mesma que iria descobrir quem era. Aquele
momento era épico! O Fafá correndo atrás de alguém? Ele havia lhe contado que com a
ex-namorada ele também não fizera nada, fora a Thaís quem determinara que iriam
ficar e depois namorar. Ou seja, Fabrício nunca mexera um dedo pra conquistar
ninguém, e agora estava na caça? Era de enlouquecer qualquer amiga enxerida.

Fafá, depois de conseguia fugir da Gabi, subiu para o auditório e então para o camarote
onde estava a barraca que dividia com o loiro. Quando entrou nela, deparou-se com o
André sem camisa, apenas com calça jeans e meias, procurando pelo resto da roupa
dentro da mala enorme que ele havia trazido – pelo menos o dobro da do Fabrício.
André levou um susto com a entrada repentina do Fabrício na barraca, e o moreno deu-
lhe uma bela analisada, perguntando-se se ele ainda estaria de mau-humor.

“E aí? Conseguiu dormir um pouco?” Fafá perguntou tirando os tênis. “Eu bem que
deveria ter vindo tirar um cochilo também. ‘Tô caindo de sono.” Fafá olhou pro loiro,
que tinha a cabeça baixa e parecia estranhamente avermelhado. Era normal o loiro ficar
ruborizado devido à pele clara, porém geralmente ele tinha um motivo: vergonha,
irritação, até quando ficava animado.

“Dormi o que deu. Toma aqui.” André entregou ao Fabrício um comprimido ainda no
pacote já rasgado. “Vai impedir que estejamos podres amanhã, senão não vamos
conseguir levantar pras corridas.” Explicou. “Tem de tomar mais um quando
voltarmos.”

“Mazah guri! Tu pensa em tudo!” Fafá pegou uma garrafinha com água e tomou o
engov. André deu de ombros e continuou a procurar a camisa, num silêncio
desconfortável. Fafá franziu a testa, não estava entendendo nada daquilo. Primeiro o
loiro passava o dia irritado, agora parecia todo constrangido e mal o olhava na cara.

Se aproximou dele e colocou a mão sobre o ombro dele.

“André-“

“Não me toca!” André se exaltou e empurrou a mão do moreno para longe com um
tapa. Fabrício o olhou perplexo, enquanto André devolvia o olhar de uma maneira
igualmente atormentada, a respiração mais rasa e rápida que o normal. A imagem dos
dois se beijando passou pela cabeça do loiro novamente, e ele deu às costas ao Fabrício,
procurando nervosamente pela camisa.

“Qual o teu problema hoje?!” Fabrício não quis deixar para lá e segurou o braço do
André, virando-o novamente para si, ambos ajoelhados dentro da barraca. O loiro tentou
se soltar do aperto, mas o Fafá o segurou pelo outro braço, impedindo-o e mantendo-o
quieto na marra. André parecia à beira de um ataque de nervos, e Fabrício não tinha
ideia do que estava acontecendo, aquela atitude não fazia nenhum sentido!

“Me larga!” André se debateu mais, porém Fabrício foi igualmente teimoso e continuou
a segurá-lo ainda mais forte – toda vez que André tentava empurrá-lo, segurava a mão
dele, os braços, dali a pouco estaria segurando as pernas. Mas o que aconteceu antes
disso foi que os dois caíram sobre o colchonete – André por baixo, tendo os pulsos
comprimidos um de cada lado do rosto pelas mãos decididas do moreno.

Ambos se encararam ofegantes, olhos azuis nos olhos escuros. O próprio Fabrício
sentiu-se corar pela posição do André abaixo de si: as coxas dele estavam sobre as suas
que permaneceram dobradas, de modo que as pernas dele estavam abertas, o quadril
ligeiramente erguido, e ele ainda estava sem camisa deixando ver o peito subir e descer
rapidamente enquanto o tanquinho do abdômen se contraía no mesmo ritmo.

André estava com aquela expressão de surpresa e vergonha que Fabrício adorava
provocar.
“Não vai me contar o que tu tem hoje?” Fabrício perguntou não deixando nenhuma
escapatória ao loiro que não responder. André mordeu o lábio inferior, um sinal de
sentia-se desconfortável, e virou o rosto, evitando o olhar do outro. André na realidade
não conseguira dormir nada, passara o tempo todo se perguntando o que iria fazer, ou
como iria agir na frente do moreno.

Uma dúvida o atormentava: Fabrício se lembrava daquele beijo? Porque ele agira como
sempre depois daquilo, e ainda interagira de uma forma toda natural com a Natália,
mesmo depois do sermão que recebera dela. André apertou os olhos ao se lembrar do
sermão, lembrava apenas de umas palavras ou frases soltas, mas o tom brabo dela era
inigualável. Chegara a pegar o celular antes para ligar para ela só para brigar – e assim
descontar um pouco do conflito que sentia –, mas absteve-se. Não tinha coragem de
deixar outra pessoa saber que havia se lembrado daquilo.

“Não tenho nada. Vamos pra essa festa logo, talvez eu só precise beber.” Mas não o
suficiente para perder a memória, pelo amor de Deus, completou em pensamento. Fafá
não se convenceu muito, porém o tom do loiro parecia ligeiramente mais ameno.
Incapaz de se aguentar, considerando as vezes em que já havia se refreado antes,
Fabrício soltou um dos pulsos do loiro e segurou-lhe o rosto, deixando a ponto dos
dedos roçarem na nuca dele.

“André-“ Chamou baixo, e aproximou-se mais um pouco. André sentiu o coração tentar
quebrar uma das costelas do tórax, e arregalou os olhos por aquele milésimo de segundo
em que o mundo parece congelar em uma cena decisiva.

Em que apenas duas escolhas podem ser tomadas.

E a escolha do André foi empurrar Fabrício para o lado e se afastar dele, capturando na
mala uma camisa qualquer e a colocando rapidamente. Fabrício caiu sentado para o lado
e suspirou, em dúvida se agira precipitado demais, ou se o loiro que era realmente
difícil. Fafá em alguns momentos tinha certeza de que André também queria aquilo e
iria se render, em outras achava que estava vendo coisas onde não existiam.

“Eu vou ir encontrar o pessoal. Nos vemos na festa.” André avisou enquanto colocava o
cordão da caneca de alumínio da medicina a tiracolo e saía, pronto pra cair na noite. Ou
justamente o contrário. Talvez eu deva ficar com alguma guria e deixar isso pra lá,
pensou e foi justamente pensar em esquecer, que a lembrança do beijo retornou ainda
mais forte, deixando-o novamente com vontade de ir bater a cabeça contra a parede.

Pelo caminho, encontrou o Rafael e, sem nem dizer nada, o agarrou pelo braço e
começou a arrastá-lo consigo em direção aos ônibus que já levavam os mais adiantados
para o local da primeira festa.

“Hei! Que é isso?” Rafael perguntou.

“Vamos indo.” André não quis explicar muito.

“Mas e os outros?” Riu do outro, tropeçando nos próprios pés já que era sumariamente
arrastado. “A Fran tinha me pedido para esperá-la.”
André estacou largando o Rafael, que quase deu de boca no chão pela liberdade súbita.
O loiro lembrou-se de ter escutado uma conversinha entre a Gabi e a Fran, sobre a
última estar a fim do alemão. André suspirou, imaginando que teria o pescoço
esfaqueado caso não esperasse a de cabelos cacheados. Teria de encontrar outras
pessoas para acompanhá-lo mais cedo pra festa, ou esperar junto com o Rafael com o
perigo de o Fabrício se arrumar rápido e os dois se toparem em seguida.

Não tenho para onde fugir! Chegou à conclusão com certo desespero.

“O que que te deu? Tu não parece muito bem...” Rafael o olhou, ajeitando as roupas.
Estava de barba feita e com um bigodinho ridículo que, quando André olhou mais
atentamente, lhe deu vontade de gargalhar. “Agora ‘tá rindo sozinho.”

“Esse teu bigode.” André debochou, e Rafael passou o dedo indicador e polegar pelo
bigode, alisando-o.

“É charmoso.” Explicou, parecendo realmente acreditar naquilo. Pobre coitado iludido,


André pensou condescendente, e então soltou o ar pela boca, olhando para trás.

“Onde ‘tá a Fran, hein?”

“Não sei. Ela e a Gabi devem vir juntas.” Rafael colocou as mãos no bolso, parecendo
querer falar alguma coisa por um momento, mas sem encontrar a coragem.

“O que foi?” André cruzou os braços encarando os ares subitamente constrangidos do


alemão.

“Tu acha... Que eu tenho chance com a Gabi?”

Puta que pariu! Agora fodeu! André pensou verdadeiramente chocado com a pergunta.
Aquele tipo de coisa não era nada legal! Fran ficaria chateada, Gabi não saberia o que
fazer, e Rafael acabaria odiado por ambas. Maldita confusão dos infernos, ‘tá tudo
dando errado! A raiva do mundo do loiro aumentou a níveis alarmantes.

“Claro que não, idiota! Vocês não tem nada a ver! Tu é todo caladão, ao menos devia
ser mais atento ao que acontece ao teu redor e ver qual guria é a fim de ti mesmo, cego
do cacete!” Falou mal-educado e passou por ele, decidindo ir sozinho pra festa de uma
vez, deixando para trás um Rafael paralisado de olhos arregalados.

“Hei! André?! O que tu quer dizer com isso?! Volta aqui, cara!” Rafael gritou e saiu
correndo atrás do loiro, esquecendo-se de que tinha de esperar pelas gurias. “André!”

“Todo mundo é estúpido nessa faculdade!” André exclamou para o alto, atraindo alguns
olhares abismados pelo caminho. E teve de aguentar Rafael, pela primeira vez (para
aborrecimento do mais novo), falando feito uma matraca tentando lhe arrancar respostas
durante todo o trajeto de ônibus, em meio à gritaria e às músicas que as pessoas
cantavam.
Pode ser gorda! Pode ser feia! Só não pode ser gorda e feia! Uns rapazes bêbados
começaram a cantar. André massageou as têmporas, tentando aguentar essa e outras
barbaridades.

XxxX

Fafá foi mais tarde com a Gabi, a Fran e a Dani, além dos outros colegas, como o Tiago,
o Chico, o Pedro e o Gabriel. Depois de muito procurar, chegou à conclusão de que só
na festa encontraria o André. Resolveu manter a cabeça leve, não queria passar o resto
do Intermed se preocupando, então levaria na naturalidade, apesar de estar meio perdido
com as atitudes do loiro.

O trajeto no ônibus foi uma bagunça, ia junto gente de várias universidades, e sempre
rolava uma implicância. Quando chegaram, Fafá ficou impressionado. O lugar era muito
bacana, à beira mar, feito todo de madeira com um aspecto que fazia a pessoa se sentir
no Havaí.

Tiveram de enfrentar uma fila já bastante grande para conseguirem entrar.

Do lado de dentro, havia um espaço grande protegido pelos muros de madeira, onde
ficava a construção também de madeira rústica de dois andares, uma pista do lado de
fora em um quiosque enorme e quadrangular, com um palco onde algumas bandas
deveriam tocar. Mais atrás, havia duas pequenas casinhas geminadas onde ficavam os
banheiros. O lugar já fervia e ainda muita gente pra chegar.

Cerca de 3500 estudantes de medicina haviam ido ao evento.

“Vamos dançar!” Gabi determinou e puxou Fran para a pista.

XxxX

“E então ele me beijou. Tu consegue acreditar? Ele me beijou! Se aproveitou que eu


‘tinha bebido demais, e me beijou.” André discorria com uma guria aleatória que, após a
revelação, saiu de perto de si olhando-o como se ele tivesse algum problema. André
bufou e se jogou num dos bancos ao ar livre que havia em frente à casa de dois andares.

Bebera um pouco mais, tentara dar em cima de uma guria, mas acabara contando mais
do que devia, mesmo sem nem saber como chegara àquele assunto. Aquilo parecia estar
assombrando-o! Chegou à conclusão de que era um bêbado que falava demais, apesar
de não estar assim tão bêbado, apenas mais falador. Uma sorte que a guria nem o
conhecia, e ela que se ferrasse, nem queria ficar com ela pra começo de conversa. Aliás,
não estava com a mínima vontade de ir flertar guria nenhuma. Estava com sono, talvez
devesse se encostar melhor naquele banco e-

“ANDRÉ!”

O loiro saltou aturdido do banco, o berro ressonando como um eco infernal em seu
ouvido – muito pior do que as músicas que vinham das três pistas diferentes que o local
possuía. Olhou para a guria à sua frente, e o que viu foi a morte em forma de uma
Franciele com as mãos na cintura e um olhar genocida.
“A culpa não é minha!” O loiro ergueu os braços para o alto, mas levou um tapa, dois,
três bem dados no braço. Gemeu de dor, fechando os olhos, erguendo os braços para
tentar proteger o rosto daquele ataque frio e calculista.

“Maldito! Por que tu falou tudo pro Rafael? Ele veio se desculpar comigo por não
querer ficar comigo! Que humilhação, levei um fora sem nem ter tentado nada!” Fran
pegou a orelha do loiro e começou a arrastá-lo em direção à pista do quiosque.

“Heeeei! Eu ‘tava tentando ajudar!” Exclamou achando que teria a orelha arrancada.

Eu vou matar o Rafael, pensou pelo caminho.

“Pois só piorou tudo, e tu nem era pra saber de nada disso!” Fran berrava de frustração.
“Ai, que raiva! Agora tu vai dançar comigo na pista, e fingir que ‘tá tri a fim de mim, eu
não quero nem saber. Mas nem ouse encostar esses lábios fofoqueiros em mim!”

“Eu nem queria mesmo...” André murmurou, o que só lhe garantiu um aperto maior na
orelha.

No fim acabou na pista dançando com a amiga, perto do palco. Outros colegas
apareceram, e entre eles a Gabi, o Fafá, o Rafael e a Dani. André os ignorou e continuou
dançando com a Fran, passando as mãos pelas costas magras dela, tentando transparecer
que ‘tava super a fim, mas mantendo os lábios distantes, como ela determinara. Queria
manter ao menos uma orelha intacta. A outra talvez já estivesse com o dobro do
tamanho, e latejava como o inferno.

Acabou olhando primeiro para o Rafael, que para sua surpresa não pareceu feliz com o
que via, e depois para o Fabrício, que os olhou rapidamente com certa suspeita. O loiro
achou o plano perfeito, isso ao menos mostrava para todos que estava supostamente a
fim da Fran, e não do Fáb... André se conteve antes de terminar mentalmente a frase.

O que lhe irritava era ver a Daniela tentando a todo o momento se esfregar no Fabrício.

“Não acredito que botaram essa música.” Fran falou divertida. A música Conga la
Conga, da Gretchen, começou a tocar. “O Fafá dançando essa música é um sarro!”

André teve medo de imaginar; porém, nem precisou gastar neurônios para tão
traumática imagem mental, pois os amigos do moreno tiveram a mesma ideia e o
empurraram para o palco. Fafá tentou fugir, mas não teve para onde, então, como não
costumava se fazer de rogado (ao menos quando não tinha nenhuma escapatória),
deixou-se ser jogado no palco e começou a dançar. André achou que era seguro
observar. Olhar não tirava pedaço, oras!

Fabrício começou a dançar de uma maneira que André jamais conseguiria colocar em
palavras. Se tentasse, diria que era uma maneira Fabrício de dançar. Meio bobo, meio
sexy, o moreno mantinha um sorrisinho maroto no rosto enquanto remexia o quadril e
torso, movendo os braços ou fingindo movimentos sexuais que levavam às gurias mais
próximas do palco à loucura, berrando de excitação. Em alguns momentos ele levantava
a camisa, exibindo o tanquinho do abdômen bronzeado, e as meninas grudadas no palco
erguiam notas de cinco, dez, vinte reais para botar nas calças do moreno.
Em certa altura da música, ele tirou a camiseta, para delírio generalizado da mulherada,
e a girou no ar antes de tocá-la do palco. André teve certeza de que ele havia mirado
quando a camiseta caiu bem na sua cara, enchendo seu nariz com o perfume do moreno.
André resmungou e arrancou a camiseta da cara, mas a segurou, e voltou a olhar para o
palco, vendo Fabrício continuar a dança com um sorriso mais sacana. Ele já devia ter
uns cinquenta reais ou mais pendendo na barra da calça.

Um calor se espalhou pelo corpo do André, e um arrepio subiu pela coluna e o fez
tremer a partir dos ombros. A excitação gerada pela cena captada pelo olhar vidrado
quis descer para certa região exclusiva da anatomia masculina. Não olhe, não olhe, não
olhe! André mordia furiosamente o lábio inferior.

Entretanto, toda a excitação foi para o espaço quando outra pessoa subiu no palco e, no
maior descaramento do mundo, se aproximou do Fabrício e tascou-lhe um beijão ali na
frente de todos.

“Aquela cadela!” Fran gritou ao lado do loiro. Ela já estava mal-humorada antes, e isso
não a ajudava a segurar a boca agora. Daniela se abraçou ao Fabrício e praticamente o
engoliu com um beijo cinematográfico. André deixou o queixo cair e chegou a esperar
que o Fabrício a afastasse, com uma bela careta de nojo, porém ele apenas a segurou
pelos ombros e pareceu... retribuir!

Filho da p...!

Se antes André estava com raiva do mundo, naquele momento ele sentiu raiva de todo o
universo e possíveis extraterrestres vivendo pacificamente em outros planetas. Mataria
todos! O despeito foi tanto que não aguentou continuar a ver aquilo. Deu as costas para
o palco e rumou para a saída do lugar. Toda aquela barulheira e aquele formigueiro de
gente não o deixavam pensar, ou respirar. Alguém parecia ter colocado uma pedra em
sua garganta.

“Já vai tão cedo, guri?” Um dos seguranças perguntou. André enfiou uma nota nem
sabia de quanto no bolso dele só para que ele calasse a boca, e saiu para a rua,
deparando-se com a orla da praia, a brisa do mar, e o próprio mar, enegrecido e sábio
mais adiante, com suas ondas silenciosas. Em vez de ir para um dos ônibus, André pôs-
se a caminhar em direção à praia, com a boca com um gosto amargo e uma sensação de
areia nos olhos.

Tirou os tênis e foi em direção à água, para sentir a temperatura, sentindo os ombros
rígidos a cada passo. Esforçava-se ao máximo para não chorar, segurando soluços
estúpidos. Isso não faz sentido, balançou a cabeça tentando afastar aquelas emoções, e
foi quando teve um sobressalto – alguém colocou a mão em seu ombro.

Virou-se nervoso e deparou-se justamente com o Fabrício, que de alguma forma o


seguira. Detalhe que ele ainda estava sem camisa, exibindo o torso, abdômen e braços
sarados.

“Não me diga que ‘tá pensando em ir tomar um banho de mar!” Fafá sorriu brincalhão,
e no fundo era um sorriso um tanto culpado. Não queria ter beijado alguém na frente do
loiro.
“Não sou louco como tu pra ter uma ideia dessas.” André rebateu mordaz e voltou a lhe
dar as costas. Olhar para o moreno lhe dava mais raiva. Não entendia direito o que
sentia, mas reconhecia ser aquela sensação de quando Fafá cantara para a Daniela...

Andou alguns passos, a esmo, tentando compreender toda aquela frustração, aquela
vontade de chorar de tanta raiva e mais alguma coisa que não conseguia dar nome. E foi
novamente surpreendido, sentindo todo o corpo se eriçar.

Fafá o abraçara para trás, prendendo seus braços nas laterais do corpo.

“Que humor negro é esse? Não me diga que ‘tá com ciúmes?” Fabrício soltou uma
risadinha buliçosa contra seu ouvido, e chegou a morder-lhe a orelha na sequência,
arrepiando novamente o loiro, dessa vez de cima abaixo. André virou parcialmente o
corpo, tapando a orelha com a mão e olhando perplexo para o mais alto.

“Ciúmes?! Como eu estaria com ciúmes? Eu nem conheço essa Daniela!” Exclamou
sentindo o rosto arder mais do que conseguia lembrar. O coração bateu frenético,
ciúmes? Ciúmes? Ele nunca havia sentido ciúmes de ninguém antes! Nem conhecia a
sensação! Não mesmo! Não.

“Não, loirinho, eu não ‘tô falando da Daniela.” Fabrício rolou os olhos e sorriu mais
largamente, um tanto predatório ao encarar o loiro. Os dois estavam bem próximos,
Fafá ainda abraçava André, e seus rostos se encontravam a centímetros de distância.
André sentiu-se embriagado pelo perfume forte do outro, ou seria ele que estava
sensível demais?

“’Tá falando de quem então? De ti? Sai pra lá, tu ‘tá bêbado.” Tentou se soltar e
conseguiu, livrando-se do abraço do outro. Fafá continuou com o sorrisinho maldoso no
rosto e, sem aviso, arrancou-lhe os tênis da mão.

“Posso até ‘tá bêbado, mas é tu que vai voltar sem tênis pro alojamento!” Exclamou e,
para horror do André, disparou a correr pela praia, feito um cachorro que roubara os
tênis do dono.

“Fabrício!” André chamou. Aqueles tênis eram caros e haviam sido um presente de
aniversário da Natália. Se algo acontecesse com eles, estava ferrado. E André não
confiava nada no bom senso de certo cachorro. Não teve outra escolha senão disparar
também atrás do Fabrício. “Devolve meu tênis, maluco da porra!”

Fabrício, depois de vários minutos, só parou de correr porque tropeçou num buraco
disfarçado na areia, e André, que estava logo atrás, acabou se chocando contra as costas
do moreno e os dois caíram embolados no chão.

“Por que tu parou tão de repente?” André reclamou, sentindo uma fisgada no pulso da
mão que usara como apoio ao cair. Ergueu o olhar e percebeu que estava praticamente
deitado sobre o torso nu do Fabrício, que massageava a cabeça com uma careta. A
posição trouxe de volta o constrangimento, e as bochechas pinicaram.

“Isso traz lembranças.” Fafá falou divertido, referindo-se ao paintball em que eles
também se engalfinharam no chão. O moreno de súbito inverteu as posições e prensou o
loiro na areia, arrancando uma interjeição baixinha de susto do André. “E me faz
lembrar que tu me deve um pedido...”

“Tu não pode fazer ele agora!” André falou rapidamente, nervoso, sentindo todo o
corpo corresponder ao contato e proximidade entre os dois. A noite tinha uma brisa
fresca, mas continuava quente, fazendo-o suar de leve sob a camiseta, a pele tornando-
se febril.

“Por que não?” Fafá franziu a testa.

“Porque tu ‘tá bêbado.”

“Nós nunca criamos cláusulas de uso do pedido quando fizemos a aposta, Sr.
Santayana.” Fafá desconsiderou, colocando uma mão suja de areia no queixo do loiro,
olhando-o de uma maneira pouco convencida. André mordeu o lábio já prévia e
tentadoramente inchado, na opinião do Fabrício.

“Mas isso é senso comum...” Explicou tentando soar o mais persuasivo possível; e o
Fabrício, bobo como era, ainda parou para pensar sobre aquilo, erguendo a cabeça e
olhando para o horizonte, meditativo.

Uma lanterna pareceu acender sobre a cabeça do moreno segundos depois, e ele voltou
a sorriso daquela forma que deixava André não com só com um pé atrás, mas com pés,
mãos, cabeça... Aquele sorriso de quem queria e iria aprontar.

“Então vou te dar duas opções: ou vamos tomar um banho de mar, ou eu vou usar o meu
pedido.” Deu o ultimato, aproximando mais o rosto do loiro.

André sentiu-se capturado em uma armadilha.

“Não vale chantagem! E ‘tá louco?! Eu não vou tomar banho de mar no meio da
madrugada, com um bêbado!” Disse o loiro. Nem ele, nem o Fabrício estavam
exatamente bêbados, apenas haviam extinguido aquele freio social básico que todo o ser
humano deve ter para conviver em sociedade.

Se bem que André achava que ele era o único com algum senso-crítico ali.

“Então acho que vou cobrar o meu pedido...” Fafá sussurrou, olhando bem dentro dos
orbes azul-claros do loiro, e deslizou uma mão para dentro da camiseta alheia.

André ofegou arrepiado.

“Por que não pede pra Daniela ir pro mar contigo?” Perguntou com ciúmes mal
disfarçado que o fez corar ao percebê-lo no tom. Eu não acredito que estou mesmo com
ciúmes... Foi incapaz de negar, só de lembrar-se do beijo sentia o sangue borbulhar nas
veias, e uma vontade de estrangular o Fabrício. Maldito, como ele pudera retribuir
aquele beijo?
Fafá sorriu daquela forma predatória e um tanto satisfeita e se ergueu-se, começando a
abrir lentamente o zíper da calça jeans, o olhar pregado no loiro vulneravelmente
estendido no chão.

“Porque eu não ‘tô interessado nela.” Replicou displicente.

André arregalou os olhos e chegou a se sentir meio zonzo com a cena sufocantemente
sensual. Não queria ver aquilo, não queria, não queria... Mas manteve os olhos bem
abertos e focados no moreno, os lábios entreabertos deixando escapar uma respiração
agitada.

“O que tu fez com a minha camisa?” Fafá se lembrou de repente, quebrando o clima.

“Ahn?” André piscou repetidas vezes, tentando parar de olhar para o moreno com a
braguilha da calça aberta deixando o cós solto e um tanto abaixado, o que permitia
vislumbrar-se o elástico da cueca preta que ele usava. “Eu joguei no lixo.”

“QUÊ?!” Fafá exclamou atônito. “Aquela camisa era nova! Presente do Diogo e do
Rique!”

“Desculpa...” André mordeu o lábio abaixando o olhar, e Fabrício se surpreendeu com a


expressão adoravelmente arrependida do loiro; era surpreendente ver o loiro desse jeito,
mas ainda assim resmungou qualquer coisa, decidido a não deixar barato – pegou André
pelos tornozelos e começou a arrastá-lo rapidamente em direção ao mar.

“Fabrício!” André tentou sacudir as pernas, as costas ardendo pelo contato áspero com a
areia, mas as mãos do moreno pareciam aço ao redor de seus tornozelos. “AHHH! EU
‘TÔ DE ROUPA! ROUPA DE MARCA!” Tentou se virar e se segurar em alguma
coisa, mas havia apenas areia e tudo que conseguiu foi encher as unhas dela.

“É melhor tirá-las rápido então!” Fafá exclamou sem dar arrego, e riu do pânico alheio.

André se desesperou mais ao perceber que a água estava bem perto e acabou dando um
jeito de tirar ao menos a camiseta. A calça pelo jeito ia pro brejo. Ou era o que ele
imaginava.

Fafá o largou de repente, quando estavam a centímetros da areia molhada pela água do
mar, e, com uma risada safada, se ajoelhou rápido, segurou-lhe as barras das calças e se
levantou puxando-as junto, fazendo o loiro quase dar uma cambalhota no chão junto
com uma interjeição assustada.

Fafá tocou a calça bem longe, na direção oposta da água.

“Prepare-se, nem todos têm o privilégio de observar isso.” Fafá alegou cheio de marra
ao chutar os próprios tênis para longe e começar a retirar as calças.

André não conseguiu refrear uma gargalhada quando o moreno se desequilibrou e caiu
de bunda na areia molhada com as calças arriadas até o meio das pernas.
“Botou tanto olho que até me faz cair no chão!” Fafá acusou, refreando-se para não rir,
e terminou de tirar a calça e a atirou na mesma direção que a do André.

André continuou com o ataque de risos. Fora pateticamente hilário – e tal patetice
definitivamente não fora culpa sua. Fabrício terminou por rir e se levantou novamente,
andando para trás e alcançando as ondas fracas da margem. Chutou a água com o pé,
criando uma chuva que caiu exatamente em cima do André, que exclamou um palavrão
pelo choque térmico e se levantou num único pulo, fixando um olhar mortal no
Fabrício.

“Conga la Conga.” Fafá girou dando dois pulinhos e fazendo os movimentos de jogar os
braços para frente e puxá-los contra o quadril que ia pra frente ao mesmo tempo, e
imediatamente pôs-se a correr pra dentro do mar, fugindo da tentativa do André de
molhá-lo também.

Os dois entraram correndo no mar, jogando água um no outro, até que acabaram
mergulhando mais no fundo, quando uma onda maior se formou à frente. Quando
emergiram, iniciaram a típica brincadeira de tentar afogar um ao outro, alternando entre
fugir e atacar. Os corpos eram escorregadios, as risadas eram liberadas e nada custavam,
e os dois aproveitavam ao máximo para tocarem um ao outro, agarrando pelo pescoço
para tentar sufocar, abraçando por trás para derrubar na água, mergulhando e tentando
puxar o outro pelos tornozelos, entre outras formas de ataque. André sentiu-se livre por
descarregar toda aquela energia negativa que havia se instalado em seu corpo, e por
estar fazendo isso junto com o Fabrício.

A exaustão e falta de fôlego então os atingiu, e eles emergiram rápido depois de minutos
em baixo da água lutando por controle, parando um em frente ao outro, ofegantes.
André segurava o Fabrício pelos braços, e este pousara as mãos na cintura esbelta do
loiro. As respirações agitadas se misturaram entre os dois, muito mais quentes que a
brisa do oceano.

André não sentiu vontade de se afastar – apesar de aquela proximidade obviamente não
ser normal entre dois amigos e muito menos a forma como ela o afetava e o deixava
expectante por algo mais. Era difícil pensar em por que aquilo poderia ser tão
problemático, ali, isolados no mar longe da costa.

O contato com o vento deixava a pele eriçada, e somente a região que Fafá tocava
queimava de uma maneira gostosa.

“Nós estávamos assim quando eu senti vontade de te beijar pela primeira vez.” Fafá
confessou em um murmúrio, quebrando o silêncio agitado por ondas, vento, respirações
e batidas descontroladas de dois corações.

“O que tu ‘tá dizendo, idiota...?” André corou violentamente.

“Que eu ‘tô loco por ti. Ainda não percebeu?”

Notas finais do capítulo


Dança do Fabrício inspirada em:
https://www.facebook.com/photo.php?v=430611833723663&set=vb.329703680481146
&type=2&theater#_=_, uma leitura me mandou isso aqui no ask e eu achei TÃO a cara
do Fafá! FELIZ NATAL, GALERA! Beijos, obrigada por me fazerem feliz com o
retorno e palavras amáveis de vocês

(Cap. 24) Me abraça forte


Notas do capítulo
MUITO obrigada à Mia Palvin pela recomendação. Ai, que lindo, que lindo, que lindo,
obrigada! Foi lindo. E IMPORTANTE! Música do cap:
https://www.youtube.com/watch?v=HLWE5l7i47E Sério, ESCUTEM, ficou muito boa
nesse tom mais acústico, e super combina com o momento em que o Fafá toca! Dedico
isso à Gokkun, que me passou a música

“O que tu ‘tá dizendo, idiota...?” André corou violentamente.

“Que eu ‘tô loco por ti. Ainda não percebeu?”

Nem o Fabrício acreditou no que acabara deixando escapar. Não era a intenção dele se
declarar tão abertamente antes de o loiro dar algum indício concreto de que também se
sentia da mesma forma; porém, Fafá tinha quase certeza de que ele sentira ciúmes da
Daniela, e isso o levara ao limite. Simples assim. As amarras invisíveis que vinham o
refreando pareciam ter arrebentado e agora não conseguia mais controlar seus impulsos.

Fafá observou André arregalar lentamente os olhos, com as íris desviadas das suas,
talvez mirassem seu ombro esquerdo. Sentiu as mãos do loiro se apertarem em seus
braços, e quase pôde vislumbrar a guerra interna que acontecia dentro dele; sentir na
pele a confusão que parecia até mesmo reverberar na superfície escurecida do mar.

O moreno esperou com o coração na mão por alguma reação do outro, não iria mais
tomar nenhuma atitude, iria deixar o André decidir o que queria agora. Queria ter
certeza de que ele estava consciente do que estava acontecendo. Não iria aguentar que
ele esquecesse tudo de novo e, novamente, ele fosse o único ardendo de desejo,
ansiando por toques, por palavras, por algo que ele, que não era poeta, não saberia
explicar em palavras bonitas, precisando se apropriar das músicas que tanto gostava
para conseguir dar voz a algo que parecia ter estado adormecido há tanto tempo dentro
de si, e agora despertava com uma força irrevogável.

Mas todas essas ponderações pareceram evaporar.

Quando André ergueu o rosto e, deliberadamente, com os cílios tremulando enquanto


fechava lentamente os olhos, deixou seus lábios aristocráticos roçarem ao encontro dos
lábios entreabertos do Fabrício. Os dois arfaram simultaneamente com o contato suave,
um encostar tímido de amantes novos.

Fabrício estreitou as mãos na cintura do André, puxando-o quase inconscientemente


para mais perto, apertando o corpo molhado contra si podendo sentir a rigidez dos
músculos delgados do loiro pressionar-se contra seu torso tenso e expectante. Todo seu
corpo era pura expectativa e medo de quebrar aquele momento em que nem mesmo a
imensidão do mar ao redor parecia significante. André resvalou uma mão até o rosto
barbeado do moreno, sentindo a pele lisa e macia sob sua palma pequena, e gemeu
baixo quando Fabrício o abraçou, estreitando-os mais e deixando-o na ponta dos pés no
fundo da água.

A respiração se agitou entre os lábios que ainda roçavam, e tornou-se impossível manter
apenas aquele contato raso por mais tempo. Era necessário mais. Era necessário tudo.
André aprofundou o beijo, destruindo aquele abismo que existia dentro de si,
impedindo-o de alcançar tudo que realmente e desesperadamente desejava. Quando
sentiu a mão do moreno em sua nuca, afundando na pele e agarrando seus fios loiros,
enquanto a língua dele chocava-se com impaciência na sua, experimentou aquele
terremoto que estremece o corpo inteiro e abala o equilíbrio.

Um turbilhão de sensações difusas e deliciosas.

André sentia como se todos os seus pensamentos fossem um quebra-cabeça bagunçado,


com todas as peças fora do lugar, e suas mãos trêmulas não tinham capacidade para
encaixá-las novamente. Sua mão escorregou para os cabelos negros do Fabrício,
apertando-os e sentindo a dureza dos fios molhados por água salgada, sua outra mão
deslizou pelas costas largas do moreno, e tentou arranhá-lo mesmo que suas unhas
fossem curtas. Nesse meio tempo ofegou baixo, mal aguentando aquele calor que
fervilhava no peito a cada vez que sentia a língua do outro pressionar-se forçosamente
na sua. Não era um beijo calmo, tranquilo ou doce.

Era um beijo explosivo, rude, que ultrapassava a violência artística de um pintor


exaltado. E ainda assim não havia luta por controle, apenas uma rendição mútua que se
traduzia em um desespero por ter e sentir um ao outro. As mãos inquietas, os lábios
fortemente pressionados, as línguas envolvidas em seu próprio baile carnal.

Fabrício apertou André em um abraço quase sufocante, obrigando o loiro a quebrar o


beijo em busca de ar, ofegando com dificuldade. Não o esperou recuperar o fôlego e
atacou-lhe o pescoço, chupando-o e mordendo-o de uma forma mais intensa,
descontrolada, do que quando atacara-lhe o pescoço no apartamento dele. Uma mão
safada agarrou um dos glúteos protegido apenas pela cueca do loiro, e puxou-o para
cima apertando a carne arrebitada. André soltou um gemido fraco ao sentir seus pés
perderem o contato com o chão, uma mistura de dor e prazer tanto em seu pescoço
quanto na bunda.

Fabrício apertara bem na área ainda arroxeada pelo tiro de paintball.

“Fabrício... Tu ‘tá... Apertando demais.” André cerrou os olhos, com uma careta. Não
era exatamente o aperto do outro, mas as sensações que estavam fortes demais. Não
conseguia respirar direito mesmo que boca e nariz estivessem livres, e não conseguia
mais aguentar a forma como o coração estava disparado, os batimentos nas alturas.

“Desculpa...” Fabrício, ainda que excitado a níveis extremos, aliviou a força e


abandonou o pescoço do loiro, respirando fundo por um momento contra a pele de
cetim – que já começava a ganhar um novo roxo –, causando um arrepio no André.
Este, assim que todo aquele furor diminuiu, tornou-se mais consciente do corpo
desnudo e molhado do moreno contra o seu, mais esguio e menor, ainda que a diferença
não fosse grande. Constrangeu-se com aquilo, constrangeu-se com a mão em sua bunda,
constrangeu-se com a ereção que tinha pressionada contra a do Fabrício, mesmo que a
água estivesse um pouco gelada.

Constrangeu-se com tudo.

Não podia ser gay. Não podia! Uma coisa era aceitar os gays do mundo, outra coisa era
ser um! O que os pais iriam dizer? Os avós? Os tios? Os primos? Os amigos? Os amigos
aceitaram Davi, ele próprio aceitara, mas havia todo o resto do mundo. Sempre se dera
bem com garotas, tivera várias aventuras, principalmente naquele ano pela Europa. Por
que isso agora? Por que o Fabrício estava despertando aquelas coisas que não deveriam
existir dentro de si? Deviam ser apenas amigos. Amigos de infância. Era loucura beijá-
lo daquela forma. Ambos deviam estar bêbados. Fabrício estava bêbado. O álcool estava
mexendo com os neurônios de ambos, era isso. Fabrício queria ficar com a Daniela,
aquilo fora apenas um erro de percurso.

André sentiu o peito apertar dolorosamente com a ideia, mas mesmo assim não podia
simplesmente aceitar e se render. Não podia se permitir sem pensar nas consequências!

“Eu não posso...” Murmurou dando voz às ideias conturbadas, e colocou as mãos nos
ombros do moreno, tentando empurrá-lo. A pedra na garganta retornou, porém dessa
vez ela parecia ter várias pontas aguçadas rasgando suas cordas vocais, sangrando-o por
dentro e lhe trazendo lágrimas aos olhos. Não queria ser gay. Não podia. O pai iria
matá-lo. “Me larga, Fabrício. Eu não posso fazer isso. Isso é um erro.”

Com um empurrão conseguiu se libertar, mas caminhar era difícil dentro da água, e logo
Fabrício o alcançou, segurando-lhe o braço.

“Espera, André. Vamos conversar sobre isso, eu sei que-“ Tentou dizer com certo
desespero ao ver o loiro tentar fugir daquela forma, com lágrimas de confusão nos
olhos. Teve medo de como os dois ficariam se simplesmente o deixasse ir; talvez a
amizade que tinham se perdesse de vez, toda a cumplicidade e química que tinham, não
podia permitir tal absurdo.

“Não! Tu não sabe de nada! Pra ti tudo é fácil, engraçado, sem nenhuma preocupação.
Só que as coisas não são assim pra todo mundo!!” André exclamou, puxando o braço e
pondo-se e vencer as garras do mar com maior determinação, querendo chegar à beira.
Aproveitou uma onda que se formou assim que alcançou a área em que elas quebravam,
e ‘pegou um jacaré’ até a margem.

Fabrício xingou baixinho e pegou uma onda também, porém precisou correr os últimos
metros dentro da água até chegar na areia. André já estava de calças e colocava a camisa
quando o alcançou, ofegante, incerto do que dizer ou fazer. Tentou segurá-lo pelos
ombros, impedindo-o de terminar de se vestir. Estava escuro, as luzes vinham da casa
de festa um pouco distante, e da luz da lua, que se refletia no corpo de ambos, e
principalmente nos cabelos do loiro, deixando-os quase brancos.
“Por que está agindo assim? Não tinha percebido que não há nenhum problema em ser
gay?” Fabrício perguntou, apertando o ombro do André e levando uma mão ao rosto
dele, para que o olhasse nos olhos e entendesse que não havia nada de errado naquilo,
quando ambos desejavam a mesma coisa. “Tu também está apaixonado por mim.”
Declarou com uma certeza tão sólida, que André sentiu-se nocauteado. “Não teria me
beijado de volta se não estivesse!” Fafá completou, deixando o outro com uma
expressão de quem acabara de levar um tapa inesperado.

Era tão lógico quanto não deveria ser verdade. André ficou sem fala, o olhar desviado
para longe dos orbes negros e decididos do moreno. Era irritante como ele estava
sempre certo. Não! Ele não está certo. Eu não estou apaixonado. André pensou
desesperado, mas não conseguiu sequer articular aquelas palavras. Sentiu a mão do
Fabrício acariciar-lhe o rosto, e fechou os olhos, virando o rosto e segurando os pulsos
dele com força.

“André, tu me acha errado por querer isso?” Fafá sussurrou contra a orelha do loiro,
deixando-o trêmulo. Não! André pensou rápido, porém novamente não conseguiu falar
nada. Era aquela maldita bola de pedra na garganta. No lugar disso ofegou baixinho
sentindo os lábios do outro roçarem em sua orelha e depois na lateral de seu rosto,
procurando seu boca.

E os lábios quase se encontraram de novo, André pôde sentir o hálito quente dele sobre
sua boca, atiçando seus sentidos como o cheiro de maresia que os circundava. Mas um
choque de adrenalina e medo fez com que o loiro afastasse o Fabrício como podia,
como um reflexo de alguém que busca sobreviver, e não percebe o que faz, apenas age.

Quando deu por si, seu punho latejava e o moreno estava caído na areia, segurando a
mandíbula com uma careta de dor. André olhou-o arrependido, sua expressão condoída.

“Eu... Eu não posso. Desculpa.” Falou trêmulo, e não saberia dizer se as desculpas eram
pelo soco, ou por não poder. Catou os tênis do chão e correu dali. Não aguentava mais
estar perto do outro. Estava mortificado, envergonhado, arrependido, e aliviado,
novamente com raiva de tudo. O que significava que simplesmente não entendia como
se sentia. Apenas corria, e chegou a tropeçar duas vezes antes de alcançar um dos
ônibus próximos à casa de festa que, felizmente, já estava partindo.

Subiu e agradeceu por todos lá dentro estarem acabados, adormecidos nos bancos, ou
simplesmente grogues demais para perceber que estava ofegante, molhado, de pés
descalços, e com uma expressão de quem acabara de presenciar um assassinato. O
próprio assassinato. Sentia algo morto dentro de si, e não sabia exatamente o que era.

Tampouco desejava descobrir.

XxxX

André chegou à barraca e pegou as coisas para tomar um banho. Não sabia como iria
dividir a mesma barraca com o Fabrício agora. Não sabia como poderia continuar
naquele evento sabendo que poderia topar com ele a todo o momento, e tendo de jogar
com ele também! Sentiu-se sem ter para onde ir, abandonado em um lugar
desconhecido.
Quando foi aos banheiros do estádio ao lado, não havia mais água, o que o fez xingar
alto. Saiu do banheiro com a toalha sobre o ombro, e acabou encontrando um rapaz da
UEL, com seu moicano laranja.

“Os banheiros estão todos sem água.” Ele informou. “Mas colocaram uns containers lá
perto de onde servem o café da manhã e o almoço, que têm uns boxes com chuveiros
pra tomar banho.”

“Obrigado.” Agradeceu à informação, cabisbaixo, e foi em direção ao lugar onde


almoçara mais cedo. De fato, lá estavam os containers, porém era um absurdo faltar
água em um evento daqueles. André sentiu-se enojado por ter de tomar banho dentro de
um caixote de alumínio, mas não tinha outras opções. E um banho o ajudaria a pensar
com clareza, apesar de estar em meio a uma tempestade interior.

Demorou vários minutos no banho e, quando saiu, desejou ter ficado mais. Agora teria
de voltar à barraca, e o Fabrício certamente já teria retornado. Não faltava muito pro
amanhecer, já deviam ser umas quatro e meia da manhã. Ou não, pois ele teria de tomar
um banho também. André caminhou pelo lugar, olhando a gigantesca barraca de lona
branca que havia sido usada para alojamento da UFCSPA, vulgo Fundação, e depois
passou pelos prédios pequenos que deveriam estar servindo de dormitório para outras
faculdades.

Quando passou por ali, havia um grupinho de rapazes junto com algumas gurias,
bebendo e rindo alto, todos provavelmente bêbados, ou bem próximos disso. André
momentaneamente invejou toda aquela despreocupação com o mundo. Se não fosse g...
Não sou gay, balançou a cabeça, nervoso, os fios loiros molhados espalhando gotas
d’água ao redor.

Um rapaz do grupo, de cabelos cacheados e desgrenhados, notou o André e se engraçou.

“Ô loiro! Não devia andar sozinho por aí! Pode ser perigoso pra um guri como tu! Pode
acabar desvirginado!” Ele sorriu de lado debochado, e os outros todos voltaram a
atenção para o André, olhando-o curiosos com alguns sorrisos ainda no rosto.

André sentiu o sangue ferver. O que ele queria dizer com aquilo? Que tinha cara de
fraco? Que tinha cara de homossexual? Isso estava tão evidente assim? Os olhares
pareceram julgá-lo, como se soubessem o que havia rolado entre ele e o Fabrício.
Rangeu os dentes, vendo a oportunidade perfeita para extravasar a raiva e frustração que
sentia.

Aproximou-se como um felino do rapaz, que não era muito mais alto, e o agarrou pela
gola da camiseta.

“O que tu disse?” Perguntou com um olhar terrível, repleto de ira, que assustou o outro.
“Tu quer apanhar, filho da puta?” O rapaz tentou empurrá-lo, mas André acertou-lhe um
soco em cheio no nariz, derrubando-o no chão.

A partir daí foi uma confusão.


Os amigos se meteram, o derrubado tentou revidar, as garotas gritaram. Por sorte o de
cabelos cacheados era o mais bêbado, e seus amigos mais sensatos o seguraram,
enquanto também seguravam o André, impedindo os dois de caírem no pau. Os olhares
raivosos poderiam derreter um cubo de gelo.

“Me larga! Eu vou detonar esse loiro sem noção!” Gritou o grande idiota, na opinião do
André.

“Cai dentro, imbecil!” André tentou se desvencilhar, mas foi arrastado para longe, e
então largado com um empurrão que o fez cambalear vários passos até conseguir se
firmar sobre ambos os pés.

“Desculpa o nosso colega. Ele ‘tá bêbado e agindo como um imbecil. É melhor tu sair
daqui, não queremos briga.” Disse o garoto, simples e seco. “Se tentar arranjar mais
briga, seremos todos nós contra ti.”

André torceu os lábios, mas deu as costas a todos eles e voltou a andar. Quando passou
pelo segundo prédio, apoiou-se na parede lateral dele e deixou-se deslizar até o chão.
Abraçou os joelhos e escondeu o rosto nos braços, desejando sumir. Queria ir embora
daquele evento ridículo. Sentia-a mais sozinho do que uma criança jogada no meio da
rua sem nenhuma perspectiva, repudiada pelos pais – algo que se tornaria real caso eles
descobrissem o que se passara mais cedo.

Sentiu-se carente, desejoso de um abraço. Aquele abraço, que Fabrício lhe dera no
hospital, após a Natália explicar-lhe o que havia acontecido com ela, o Davi e o Gui.

“Droga!” Murmurou num tom doído, pois tudo parecia girar em torno do moreno.
Apertou o tecido da calça limpa com força, até sentir os dedos formigarem. As lágrimas
caíram ao chão, entre suas pernas.

Não queria ter preconceitos, havia gostado muito do Diogo e do Henrique, queria que
Davi o perdoasse e eles pudessem voltar a serem amigos. Nunca mais falaria mal de
homossexuais, fossem homens ou mulheres, prometera para si próprio, e fizera aquela
promessa com o Fabrício.

Não era preconceito o que sentia, era medo.

André estava imerso em um medo inconsciente, que o atormentava mais do que uma
ferida que não cicatriza, e sangra um pouco, intermitente, segundo após segundo.

XxxX

Fabrício encontrara aquela porta que levava até o terraço do prédio dos alojamentos, e
se sentara na borda do terraço, com as pernas cruzadas e o violão no colo. Sua expressão
era serenamente triste. Aliás, ele não lembrava quando fora a última vez que se sentira
tão apático, arrancando notas suaves das cordas do violão, suas amigas por tantos anos,
que sempre conseguiam transmitir tão bem, em belas melodias, todas as formas de um
sorriso, ou de um lamento.
Pôde ver o André retornando ao alojamento, as mãos no bolso e a cabeça baixa. Em
outro momento, o teria chamado e abanado empolgado, talvez quase caindo ali de cima,
o que teria feito o loiro xingá-lo mandando-o tomar mais cuidado. Sorriu de leve com
isso, e a música chegou aos seus lábios e surgiu em seus dedos de uma forma
extremamente natural, como respirar; porém as notas e a melodia eram diferentes da
versão original. Eram mais lentas, ternas, como uma carícia de vento morno em um dia
cinzento.

Todos os dias quando acordo,


Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo...

André chegou à barraca e se surpreendeu por não encontrar o moreno ali. Teria
acontecido alguma coisa? Ele poderia estar bêbado demais e ter caído em alguma vala!
Ter decidido entrar no mar novamente e se afogado! Com os neurônios do Fabrício, não
dava pra duvidar de nada. O loiro saiu da barraca após largar as coisas e olhou ao redor,
notando uma porta entreaberta com uma escada. Uma melodia fraca parecia descer
pelos degraus, chamando-o como o sussurro de um riacho escondido.

Todos os dias antes de dormir,


Lembro e esqueço como foi o dia
"Sempre em frente,
Não temos tempo a perder".

André chegou ao terraço e parou, observando o Fabrício não muito distante, cantando
naquele tom melancólico. Mais do que nunca um bloco de aço pareceu esmagar-se
contra seu peito. Nunca havia visto o moreno daquela forma desde que haviam se
reencontrado na universidade. Seus olhos voltaram a se encher de lágrimas e seus pés o
levaram silenciosamente para mais perto dele, sentindo aquela canção tanto acariciar-
lhe a pele, quanto rasgar-lhe as entranhas.

Nosso suor sagrado


É bem mais belo que esse sangue amargo
E tão sério
E selvagem,
Selvagem;
Selvagem.

Quando estava bem próximo, Fabrício notou sua presença, virando parcialmente o rosto
apenas o suficiente para percebê-lo. Ele parou por um instante de tocar e cantar, mas no
espaço de um bater de asas de um pássaro qualquer sobrevoando os céus, ele voltou a
tocar, olhando para frente, a voz retornando daquela forma tranquila, melodiosa e triste.

Veja o sol dessa manhã tão cinza


A tempestade que chega é da cor dos teus
Olhos: castanhos.

Então me abraça forte...


Foi quando André caiu de joelhos e o abraçou por trás, não aguentando mais segurar as
lágrimas apenas para si, deixando-as molhar a nuca do moreno. Um sorriso leve,
aliviado, surgiu nos lábios do Fabrício, antes de ele continuar a tocar, sentindo-se
aquecido pelo abraço do loiro.

E Me diz mais uma vez


Que já estamos distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo,
Temos nosso próprio tempo,
Temos nosso próprio tempo.

Como Fabrício conseguia sempre escolher as canções certas para os mais diferentes
momentos, ainda era um mistério para o André; porém o loiro só conseguia agradecer
por isso. Sentia todo aquele seu desespero, aflição, confusão evaporarem junto com as
notas que cresciam e então sumiam na noite, levadas pela brisa da cidade litorânea.
Simplesmente não queria parar de abraçá-lo, queria apenas deixar aquela sensação de
tranquilidade preenchê-lo.

Não tenho medo do escuro,


Mas deixe as luzes acesas agora,
O que foi escondido é o que se escondeu,
E o que foi prometido,
Ninguém prometeu.

Nem foi tempo perdido;


Somos tão jovens,
Tão jovens,

A música acabou, mas os dois continuaram em silêncio, naquela mesma posição.


Fabrício pegou a mão do loiro e a beijou carinhosamente, esperando que isso
transmitisse tanto quanto a música que acabara de tocar. André, então, o abraçou mais
forte porque, naquele momento, estavam distantes... de tudo.

Tão jovens...

Notas finais do capítulo


Own, que fofo, meu Deus. Mas se vocês acham que as coisas se resolveram nesse cap.,
não sonhem, OIAJHUIOAJHIUOA ainda tem alguns (três, eu acho) até que tudo se
encaixe. Mas não temam, esse dia vai chegar! UIHAUIHAUAHUIA Obrigada a todos
que fizeram meu Natal mais especial, com reviews lindas e cheirosas *dá uma fungada
nas reviews pra comprovar como eram cheirosas* Obrigada! Feliz Ano Novo, queridos!
Beijos!

(Cap. 25) O que mais dói


Notas do capítulo
Hello people! Duas musiquinhas pra vocês nesse cap.: -http://letras.mus.br/tiago-
iorc/1969372/ (cantada pelo Fafá) - http://letras.mus.br/pink/true-love/ (cantada pela
Gabi) A primeira música é linda demais, traz tanto significado, eu adotei como lema de
vida. Espero que gostem! Boa leitura!

Fabrício soltou um resmungo de dor e afastou o rosto do gelo que André pressionava
contra sua mandíbula, próximo do lábio inferior, que estava vermelho e terrivelmente
inchado. O loiro segurou o lado contrário do rosto daquela criança resmungona e o
forçou de volta contra o gelo.

“Se não ficar parado, não vai ajudar a desinchar.” André falou impaciente, mantendo a
cabeça do moreno no lugar.

Estavam sentados frente a frente dentro da barraca. André havia corrido para buscar
gelo ao notar o estado que seu soco deixara o rosto do Fabrício. Arrependia-se daquele
soco e queria fazer algo para compensar; porém o Fabrício era pior do que criança
quando se machucava, reclamava sem parar e não parava quieto. Aliás, quando ele
parava quieto?

“Mas está doendo.” Fafá resmungou, fazendo o loiro suspirar e voltar a se sentir
culpado.

“Quanto mais inchar, mais vai doer.” Avisou o óbvio, deixando seus olhares se
encontrarem.

E aquela mesma tensão se instalou entre os dois.

André sentiu o coração agitar novamente, uma sensação que já começa a se tornar
recorrente. Era difícil encarar o moreno depois do que havia acontecido. Havia tanta
coisa a se dizer que elas entalavam na garganta, espremendo-se uma nas outras e
misturando seus sentidos, letras e formas, impedindo que fosse possível dar voz a elas.

Quando o Fabrício terminara de cantar no terraço, os dois continuaram lá por um tempo,


em silêncio, até que o André se acalmasse, ainda abraçado ao moreno. Fafá sugeriu que
descessem, pois precisavam dormir ao menos um pouco antes da competição de corrida
às 8h00min da manhã. Ambos desceram em silêncio, de mãos dadas – o que deixara o
loiro com os sentidos agitados –, mas, ao entrarem na barraca, André decidira buscar o
gelo.

E agora estavam com aquelas mil palavras não ditas carregando a barraca e deixando o
espaço apertado para ambos. E se não conseguiam falar, talvez o melhor fosse agir.
Fabrício apoiou uma mão no colchonete e se inclinou para frente, num ato espontâneo,
desejando beijar o loiro novamente. André levou um susto pela aproximação repentina,
e se inclinou para trás, fugindo do moreno com as pálpebras ligeiramente arregaladas e
as bochechas enrubescidas.

André pela primeira vez viu o moreno esboçar uma rápida expressão chateada, que
novamente criou um aperto no peito já dolorido. Fabrício pegou a sacola com gelo das
mãos do loiro para colocá-la do lado de fora e, então, se deitou de com as costas viradas
para o lado em que André dormia.

“’Tô podre de sono, melhor dormir.” Ele disse simplesmente, deixando o André
paralisado na mesma posição, encarando as costas do moreno com os lábios
entreabertos pela surpresa. Ficou parado observando o outro por vários minutos, e só
viu-se capaz de se mover quando percebeu o ritmo da respiração do Fabrício mudar,
denunciando que havia adormecido. Deitou-se também, acomodando-se no colchonete
virado para o Fabrício.

Com certo receio que ele acordasse, André esticou a mão e roçou os dedos nas costas
dele, sentindo-se mal por aquela expressão que Fabrício deixara escapar. Queria acordá-
lo e... E nem sabia o quê! Desejou poder voltar para aquele momento no terraço, em que
podia abraçá-lo, ou simplesmente ter coragem de conversar sobre tudo aquilo com ele.

Não! Espera aí um pouco! André pensou de repente. Era o Fabrício quem deveria se
manter acordado e falar sobre aquilo! Fora ele que o beijara, certo? E por duas vezes
seguidas! Maldito. E agora simplesmente ia deitar e o deixar ali, com cara de tacho?
André sentiu vontade de esgoelar o moreno, e a raiva o ajudou a se esquecer dos
pensamentos confusos por algum tempo; porém mais tarde a preocupação voltou. Como
poderia ser gay!? Nunca me interessei em outros garotos antes! Afirmou
peremptoriamente para si próprio, no entanto o pensamento quase inconsciente de que
aquilo era uma mentira o oprimiu. Talvez só estivesse demasiadamente na negação para
perceber que havia reparado em outros rapazes ao longo dos últimos anos.

Não aguentou todas aquelas revelações escondidas em seu interior, querendo explodir
perante seus olhos, em busca de liberdade. Estava difícil tolerar aquela situação, e ficar
olhando para o Fabrício, recordando os dois beijos que haviam trocado e, pior, perceber
que o corpo se excitava com a lembrança, não lhe pareceu saudável. Não conseguiria
continuar com aquilo. Não queria que ninguém descobrisse o que se passava dentro de
si. Por que era tão difícil?

Aproveitando que o Fabrício continuava adormecido, e que estava bem próximo do


amanhecer, o loiro rapidamente se levantou e colocou todas as coisas que havia trazido
dentro da mala e, com o travesseiro embaixo do braço, saiu com mala e cuia da barraca.
Pelo caminho, ligou para um serviço de táxi e dirigiu-se até uma das entradas do local
que não ficava muito longe do alojamento da UFRGS, bem ao lado do quiosque onde
mais cedo haviam jantado e o estúpido do Fabrício havia cantado a música Daniela.

André se xingou por continuar com raiva disso.

Que se foda pra quem ele canta! Que se foda o Fabrício todo! Pensou sem se convencer
nem um pouquinho. Seus olhos estavam marejados de novo, e as malas pareciam mais
pesadas do que antes. Que inferno! Só queria ir pra casa e fingir que nada daquilo havia
acontecido. Teria sido melhor se nós nunca tivéssemos nos reencontrado, disse a si
mesmo enquanto esperava pelo táxi, sentado sobre a própria mala, mas o mero
pensamento causou-lhe uma ardência dolorosa em algum lugar indefinido de seu corpo.

Poucos minutos depois do amanhecer o táxi enfim chegou, depois de uns vinte minutos
de espera. André se levantou e pegou as malas, assentindo para o taxista que lhe
perguntara se fora ele quem havia ligado. André caminhou aqueles passos difíceis até o
carro, em meio a uma luta interna sobre ir ou ficar, mas sentindo-se cansado demais
para voltar atrás.

Quando segurou a trava da porta, alguém agarrou-lhe rudemente o braço, impedindo-o.

“Onde tu pensa que ‘tá indo?”

André sentiu todos os pelinhos do corpo se arrepiarem ao escutar a pergunta feita em


um tom duro e repreensivo. O loiro se virou e, dessa vez, havia uma nova expressão no
rosto do Fabrício. Pela primeira vez, ele o encarava com os olhos negros brilhando em
irritação, a expressão fechada de uma forma que acelerou o coração do loiro, deixando-
o com as pernas bambas. Era completamente diferente do Fabrício a que todos estavam
acostumados, o que deixaria qualquer um sem reação, olhando-o estupidamente.

Fabrício bufou e o puxou para longe da porta do carro.

“Desculpe o transtorno, mas ele não irá pegar esse táxi.” Disse e entregou uma nota que
tinha no bolso para compensar a viagem do taxista até ali. André tentou protestar, mas
se calou com o olhar que o moreno lhe lançou. Um olhar que parecia cortar. Engoliu em
seco enquanto o homem resmungava aceitando o dinheiro, e o Fafá pegava suas malas.

Somente quando o táxi já estava distante é que o loiro conseguiu reencontrar a própria
voz.

“Tu não tinha o direito...!” Começou a falar, aflorando de indignação, mas Fabrício o
interpelou.

“Tu que não tem direito nenhum! Tu faz parte do time de corrida, de vôlei e de futsal, e
quer simplesmente ir embora e deixar todo mundo na mão?!” Jogou na cara do outro.
Não era apenas por isso que estava irritado, mas era uma das principais causas. “Não
seja tão egoísta, porra!”

André se sentiu momentaneamente envergonhado. Nem havia pensado por esse lado,
simplesmente pensara em si próprio e quisera fugir daquele evento e do Fabrício. Mas
então apertou os punhos, olhando para a areia da estradinha daquela rua pequena,
sentindo-se particularmente teimoso.

“Eles iriam se virar sem mim! Todo mundo joga bem e-“

“Esse não é o ponto! Tu te comprometeu com algo, e tem gente contando contigo, e sem
tu no time de vôlei, eles provavelmente vão perder e tu sabe disso!” Fafá rebateu,
mantendo o tom repreensivo que fazia com que o loiro se sentisse uma criança de cinco
anos novamente. Fabrício não estava errado, o time de vôlei não era dos melhores e,
modéstia a parte, só ficava bom porque ele estava no time.

“Mas...!” André olhou para cima com os olhos novamente marejados. Maldição!
Aqueles olhos não paravam de querer verter água. O que havia de errado consigo?
Parecia que alguém abrira a torneira e esquecera-se de fechá-la. Eu não consigo lidar
com isso... Guardou tais palavras para si próprio e, fechando a cara, tentou pegar as
próprias malas de volta. “Me devolve. Se eu quiser ir embora, não é tu que vai impedir.”
Foi tão teimoso que pensou que até ele se daria um soco se estivesse no lugar do
moreno.

“Não.” Fafá o impediu. “Tu se lembra que me deve um pedido, não é?” Perguntou,
fazendo o loiro erguer os olhos para si, pasmo. “Pois então, tu ‘tá proibido de deixar
esse evento. Vai voltar com a turma de ônibus no domingo de noite, e fim de conversa.
Agora vamos largar isso e tentar dormir mais um pouco. Ainda temos pelo menos uma
ou duas horas de sono antes da competição.”

Fabrício se virou e começou a carregar as malas do loiro de volta para o alojamento.


André não teve outra escolha que não segui-lo, o constrangimento pela tentativa de fuga
retornando. Olhava para as costas largas do mais alto, que pisava duro, e refletia que
havia conquistado um grande feito: deixado o Fabrício irritado. Agora sentiria ainda
mais vergonha pra olhar para a cara dele. Que ótimo! Sorriu irônico, um sorriso que
logo murchou.

De volta à barraca, Fafá praticamente jogou suas malas ali dentro sem qualquer espécie
de cuidado – para nova indignação do loiro –, e se deitou para dormir sem novas
palavras. André bufou, mas estava com os olhos ardendo de sono, havia bolsas
escurecidas sob seus olhos pelas duas noites seguidas sem nenhum descanso
restaurador, então acabou deitando também e tentando dormir aquela bendita uma hora
que lhe restava.

Relaxou pouco depois e, de certa forma, lá nos confins da inconsciência, sentiu-se


satisfeito por o Fabrício tê-lo impedido de partir. Sou mais idiota do que ele, pensou já
meio adormecido.

Acordou pouco tempo depois, abrindo os olhos sem nenhuma razão, uma vez que
continuava com sono; porém percebeu que o Fabrício não estava ali na barraca. Sentou-
se agitado, olhando para a entrada da barraca, que estava entreaberta. Coçou os olhos;
tinha o sono leve e portanto deveria ter despertado da inconsciência quando Fafá saíra
da barraca. André saiu também, procurando pelo outro.

Ouviu uma música baixa e se apoiou no parapeito do camarote elevado em relação ao


resto do auditório, e viu que o Fabrício estava tocando baixinho sentado em um dos
degraus do lugar, suficientemente distante para que não incomodasse ninguém das
outras barracas – que deveriam estar ferrados no sono, então não importava. André
parou para escutar qual música ele começava a cantar, após apenas tocar por alguns
minutos, e incrivelmente não era uma canção brasileira.

You spend most time

Você passa a maior parte do tempo

Trying to figure out

Tentando entender porque você nunca consegue entender

Why you can never figure out just what you're trying to figure out?
Justamente o que você está tentando entender

Spend more time living

Gaste mais tempo vivendo...

You spend most time

Você passa a maior parte do tempo

Searching for the love that'll be searching for your love

Procurando pelo amor que estará à procura do seu amor

You love to save your love for love

Você ama guardar o seu amor para o amor

Spend more time loving

Gaste mais tempo amando…

You spend most time

você gasta a maior parte do tempo


Talking 'bout yourself and how it matters to yourself

falando sobre si mesmo e como isso importa para você


More than to anybody else

mais do que qualquer outra pessoa


Spend more time listening…

gaste mais tempo ouvindo...

You spend most time

você gasta a maior parte do tempo


Judging everything as if you ever knew a thing

julgando tudo como se soubesse de alguma coisa


There's more to things than just one thing

Há mais nas coisas do que somente uma coisa


Spend more time respecting…

gaste mais tempo respeitando...

You spend most time


você gasta a maior parte do tempo
Worried 'bout what's to say about your silly little ways

Preocupado com o que irão dizer sobre suas maneiras bobas


Isn't that silly, anyway?

isso não é bobo, de qualquer forma?


Spend more time flowing...

gaste mais tempo fluindo…

A letra machucou. André sentiu como se cada palavra se transformasse em navalhas e


se afundasse em várias partes do corpo, mas principalmente no peito, uma após a outra,
no mesmo lugar, afundando a ferida até que o coração não conseguisse bater
naturalmente. Então era aquilo que o Fabrício achava de si? Porque lhe parecia lógico
que aquela música era direcionada para si, ainda mais depois do que acontecera. Ele
ficou mesmo chateado por eu ter tentado ir embora... O pior era saber que tal música
caía como uma luva, não era nenhuma mentira.

André abaixou o rosto, mordendo o lábio – não queria chorar novamente.

Então voltou para barraca, fugindo do resto da canção, se deitou, e fingiu dormir
aqueles vinte minutos antes que o despertador tocasse, e eles tivessem de ir competir.
Porém, inevitavelmente, a letra da música continuou ressoando na mente, acrescida pelo
silêncio. Passe mais tempo vivendo... Mais tempo amando...

XxxX

“Por que eu tive de vir?” Gabi perguntou parecendo mais zumbi que André e Fabrício
juntos. “Malditos, eu preciso dormir.”

“Nós precisamos de alguma torcida.” Fabrício explicou sem muito humor, e foi se
aquecer e alongar. Gabi arregalou os olhos e olhou para o loiro.

“O que há com ele? Acho que é a primeira vez que vejo ele mal-humorado! Meu Deus,
André, tu ‘tá contaminando o Fafá com esse teu humor de crocodilo!” Ela exclamou
exaltada, apontando para o loiro com uma mão sobre a boca.

“Vai se foder.” André resmungou e foi se alongar também.

“TÁ VENDO?!” Ela gritou, mas o loiro a ignorou. Gabi bufou e foi se sentar junto com
o pouco pessoal que estava ali para assistir. Acabou batendo papo com um garoto de
outra universidade, a UFSC. E se animou toda quando o garoto, chamado Bruno,
começou a se engraçar pra cima dele, e até achou que foi bom ter acordado tão cedo.

André estava se sentindo mal. Fafá de fato parecia mal-humorado, provavelmente ainda
por causa de ter desviado do beijo e depois ainda tentado fugir do evento... Ele devia
tentar entendê-lo! Não sou gay, oras, se justificou, e percebeu que essa justificativa
provavelmente irritaria ainda mais o moreno. E irritava a si próprio, percebeu surpreso,
abismando-se.
Era estranho se deparar com um Fabrício mal-encarado, deixava o loiro sem saber como
agir ainda mais. Ele está me punindo por ser tão teimoso, concluiu sentindo-se ultrajado
com aquele tratamento. Era tão injusto! Fafá devia fazer papel de vida boa que não se
preocupava com nada! Suspirou. Aquele silêncio, constrangimento e modos estranhos
do Fabrício o incomodavam demais. E não tinha coragem para peitá-lo e perguntar o
porquê daquele comportamento. Pois isso levaria a justamente àquilo que o assustava, o
momento em que não poderia mais fugir.

O resultado da corrida foi esperado nas várias diferentes provas. Fabrício e André
alternaram entre o primeiro a terceiro lugar com outros urguênses, e às vezes alguns
rapazes de outras universidades. Foi um marco na história da corrida do Intermed, ao
menos para os urguênses, que levaram um monte de medalhas e ajudaram a UFRGS a
subir algumas posições no ordenamento geral da competição.

No feminino, uma das colegas dos garotos ‘arrebentou’ os músculos de ambas as


panturrilhas, pois chegou atrasada e não aqueceu, nem alongou. Caiu de boca no chão e
arrancou risada de todos. Quando ela não conseguiu se levantar, o pessoal percebeu que
era sério, e André correu para ajudá-la. Pegou-a no colo e disse que iria levá-la de volta,
já que a competição masculina já havia terminado. Era uma forma de fugir do outro,
obviamente.

Fafá se jogou nas arquibancadas ao lado da Gabi, que nem fora cumprimentá-los por
estar animada no papo com o tal Bruno. Mas há pouco o garoto havia dito que ia torcer
com os amigos pela namorada que iria correr, deixando a Gabi desolada e abandonada
na arquibancada.

“Parabéns pelas vitórias.” A guria disse emburrada. “Ainda mato vocês por terem me
acordado e me feito sofrer uma desilusão amorosa.”

“Foi mal. Eu só não queria vir sozinho com o André.” Disse sincero, esfregando a testa
e passando a mão pelos cabelos suados. Não sabia se aguentaria o cansaço até o final do
Intermed, mas esperava conseguir dormir após o jogo de futsal do dia, que seria às
14h30min.

Gabi o encarou apalermada. Fafá vivia grudado no loiro, e agora não queria ficar
sozinho com ele? O cérebro da morena quis explodir. Era muito cedo para revelações
estranhas.

“O que diabos aconteceu?” Perguntou franzindo a testa, satisfeita por ao menos


esquecer a pedrada na cabeça que recebera ao escutar do Bruno que ‘ia torcer pela
namorada gostosona’. Ele não usara aquelas palavras, mas... Gabi era uma pessoa que se
iludia fácil, fazer o quê.

“Aconteceu que eu ‘tô a fim dele, e não sei mais como agir, o que fazer, o que dizer,
acho que ‘tô ficando doido. Eu só penso em agarrar ele, só que parece que só ‘tô
estragando tudo. Eu não devia ter beijado ele ontem de noite.” Despejou tudo, não se
aguentando e aproveitando que havia pouca gente ali, e mais nenhum conhecido por
perto.
Se antes o cérebro da Gabi quis explodir, agora ele derreteu, virou geleia e escorreu
pelas orelhas. O queixo da garota caiu no chão, e os olhos saltaram das órbitas. Abrindo
e fechando a boca, Gabi não conseguiu encontrar palavras para aquilo por uns bons
quinze segundos. Fafá coçou os cabelos, achando que ou André iria matá-lo por ter
contado aquilo pra outra pessoa, ou... Ou iria matá-lo mesmo, não havia segunda opção.

“Fafá... Tu... É gay? A pessoa que tu falou que ‘tava a fim é o Dré?!” Gabi não tinha
preconceitos, mas ainda assim era uma surpresa. Ela achava que tinha um bom gaydar.
Havia identificado um dos colegas de turma como gay, sendo que ninguém mais sabia e
ainda achavam que ele não era, porém ela confirmara sua teoria com um amigo em
comum. Ou seja, Gabi se achava boa naquilo, mas ali estava ela, tomando um susto
porque seu melhor amigo era a fim do loiro marrento que ela também não imaginara
que tinha chances de ser gay, principalmente por causa do rolo que ele tinha com a
Natália.

E eu achando que o Fafá ‘tava a fim da Daniela. Gabi, sua cega!

“Gay, bi. Eu lá sei! Nunca tinha me interessado por nenhum guri antes, até porque
passei um bom tempo namorando, mas... Aí conheci o André e esses sentimentos todos
apareceram, e eu ‘tô jogando eles todos em cima do André. E estou irritado comigo, e
até com ele. Nem me reconheço mais! Acho que vou quebrar minha cabeça na parede,
com licença.” Fafá tentou se levantar e ir bater a cabeça na dita parede, mas Gabi, rindo,
o impediu, puxando-o de volta para o banco.

“Calma!” Ela riu mais, um tanto histérica. Talvez um pouco pelo nervosismo. Estava
com sono, por Deus! E recebia uma notícia daquelas, e ainda deveria dar algum
conselho. Conselho, conselho, conselho. Tentou pensar em alguma coisa, porém a coisa
mais brilhante que saiu de seus lábios foi. “Eu tenho algo a confessar... Eu também sou
bissexual. Já fiquei com gurias em algumas festas, só nunca tinha comentado antes.”

O queixo do Fabrício caiu, e os olhos poderiam ter saltado para fora.

“Sério?” Perguntou bobamente. Gabi assentiu.

“Foram poucas vezes, só uma vez foi um rolinho mais sério, mas durou só umas
semanas. Mas eu às vezes sinto atração por algumas gurias, que fazem o meu tipo.” Riu
envergonhada, mordendo o lábio. Nunca contara porque ainda se sentia meio em
dúvidas quanto aquilo. Gostava de garotos e sentia atração por eles, mas em alguns
momentos sentia grande interesse por meninas. Era um pouco confuso, e preferira
guardar as experiências para si, apenas a melhor amiga Beca, que vinha lá da época do
colégio, sabia sobre isso.

Fafá abriu a boca para encher a amiga de perguntas, afinal também era bastante curioso,
mas ela o interrompeu com um “shiu!” que exigia silêncio, enquanto erguia a mão para
calá-lo.

“Esse assunto não é sobre mim, depois te conto o que quiser saber. Agora quem ‘tá no
palco pra brilhar é tu e o Dré! E sobre o loiro... Ele não era homofóbico?”
Fafá sorriu torto, acabando por deixar a curiosidade para depois, e colocou as mãos atrás
da cabeça. Era bom desabafar com a amiga, e ainda mais uma que também já passara
por algo um pouco similar.

“É... Ele está tentando mudar isso por causa do Davi. Ele ficou bem mal com o que
aconteceu com o guri, e se culpou bastante. Mas não deve ser fácil logo em seguida já
descobrir que é gay... Isso se ele for. Eu não sei o que se passa na cabeça dele... Sei que
ele deve ‘tá confuso, mas-“

“É óbvio que ele deve ‘tá confuso, anta!” Gabi exclamou. “Vocês se beijaram! E até
uma semana atrás ele odiava gays, aquele grande idiota! Já imaginou o quanto a família
dele deve ser nazista com isso? E o quanto ele deve estar com medo? Eu nem sei o que
dizer pra vocês.” Balançou a cabeça. Precisava dormir. Meu Deus, Fafá estava querendo
dar uns pegas no André! E agora que parava para pensar, até que não era tão estranho.
Aqueles dois se amavam mesmo, viviam naquela de cachorro e gato. Fafá seria o
cachorro, e André o gatinho birrento, Gabi refletiu filosófica.

E, aleatória, começou a cantar enquanto fazia vários trejeitos para acompanhar a


música:

Sometimes I hate every single stupid word you say

(às vezes eu odeio cada uma das estúpidas palavras que você diz)

Sometimes I wanna slap you in your whole face

(às vezes eu quero bater em todo seu rosto)


There's no one quite like you

(não há ninguém como você)

You push all my buttons down

(você me leva ao limite)

I know life would suck without you

(eu sei que a vida seria uma merda sem você)

At the same time I wanna hug you

(ao mesmo tempo, eu quero abraçar você)


I wanna wrap my hands around your neck

(Quero pôr minhas mãos em volta do seu pescoço)


You're an asshole, but I love you

(você é um idiota, mas eu amo você)

And you make me so mad I ask myself


(você me deixa tão irritado que eu me pergunto)

Why I'm still here, or where could I go?

(por que eu continuo aqui, ou pra onde eu deveria ir?)

You're the only love I've ever known

(Você é o único amor que conheci)

Sim, Gabi estava com muito sono e seus neurônios não se encontravam funcionais.
Fafá, de olhos arregalados, a mirou como se ela fosse louca por começar a cantar do
nada se abraçando, movendo as mãos e fazendo caras e bocas, e receber um olhar desses
do Fabrício, era porque a coisa estava preta. O moreno acabou gargalhando, junto com
a amiga, que não se aguentou. Cantava tão mal sem ajuda do Fabrício, ainda mais em
inglês! Mas mesmo assim complementou:

But I hate you

(mas eu te odeio)

I really hate you, so much

(Eu realmente odeio você)

I think it must be

(tanto que eu acho que deve ser)

True love, true Love

(Amor verdadeiro, amor verdadeiro)

It must be true love…

(Deve ser amor verdadeiro...)

“Okay, chega.” Fabrício tapou a boca da morena, antes que ela terminasse de destruir a
música. “Já entendi. Realmente, me lembra eu e o Santa.” Riu um pouco mais.

Gabi o mordeu, fazendo Fafá soltá-la com uma exclamação de dor.

“Primeiro, me conta toda essa história direito. Em detalhes.” Gabi exigiu, enquanto
Fabrício pressionava com os lábios a região cruelmente atacada pelos dentes afiados da
morena.

Fafá suspirou. Seria uma longa história mas, de qualquer forma, eles tinham até as
10h30min, quando seria o jogo de vôlei. Pôs-se a narrar, contando até sobre algumas
situações dos dois na infância. Ao final, depois de muitas exclamações, interjeições e
intromissões, Gabi lhe deu um conselho.
“Continua dando um gelo nesse loiro. Aposto que até o final do dia ele ‘tá se jogando
nos teus braços cheio de carência. Se isso não acontecer...” Ela riu perversa, deixando o
final subentendido, e Fafá percebeu, a mente feminina realmente era uma das coisas
mais perigosas do universo.

Bem, Fafá continuava confuso, com medo de agarrar impulsivamente o loiro a qualquer
momento. Seria bom se afastar um pouco e dar um tempinho pro André pensar sobre o
beijo que haviam trocado. Ou não. Talvez o agarrasse de uma vez, e acabasse com
aquela agonia. Até porque continuava ‘de cara’ com ele por ter tentado fugir do
Intermed, e achava que ele estava bem merecendo mais uma lição.

XxxX

André nunca se sentira tão cansado na vida. O jogo de vôlei terminara com todas as suas
energias, e só tivera forças para ir tomar um banho, almoçar e depois já partir para o
jogo de futsal. E tudo parecia tão chato! Fafá continuava mal o olhando na cara, e isso...
Isso magoava. O loiro tentara se aproximar sutilmente em certos momentos, mas
Fabrício parecia prever suas tentativas e ia se enturmar com algum outro grupo, ou
conversar com aquela maldita Daniela que havia dado as caras novamente!

Até durante o futebol eles tiveram uma sincronia ruim, e venceram por míseros 2 x 1,
mas ao menos haviam ganhado. No vestiário, onde alguns tomavam um banho, André
tentou não ficar consciente demais da presença de certo moreno de pele bronzeada e
corpo definido. Estava estupidamente quente ali dentro, inferno. André começou a se
sentir meio zonzo com todo aquele calor do vapor. O loiro tinha pressão baixa, era
difícil lidar.

Sentiu os batimentos cardíacos aumentarem, e um calor subir do peito se misturando


com um suador gelado, enquanto a visão se turvava. Acabou desmaiando. Por sorte foi
amparado por um dos colegas de time que estava próximo, e estava de roupas – seria
constrangedor demais desmaiar pelado. Aliás, era constrangedor de qualquer maneira!
O desmaio do loiro causou um rebuliço dentro do vestiário.

Fafá quase teve uma parada cardíaca ao ver o André desmaiado. Correu até ele, mesmo
que estivesse pronto pra entrar no banho só com a toalha enrolada na cintura, e
empurrou pra longe o tarado que o segurara, amparando-o no lugar do carinha safado.

“Ele precisa de ar!” Falou para ninguém em especial e pegou o loiro no colo, levando-o
para fora do vestiário. Uma sorte que àquelas alturas a maioria do pessoal já havia
debandado, e o vestiário não dava diretamente para o campo. Deitou André com a
cabeça um pouco mais baixa que o resto do corpo e virou a cabeça dele para o lado,
para evitar que ele se engasgasse com a própria saliva.

Alguns minutos depois, André começou a recobrar a consciência. A primeira coisa que
viu ao abrir lentamente os olhos foi uma parede. Depois virou o rosto para cima,
experimentando pontadas de dor de cabeça, e notou que suas pernas estavam no colo do
moreno.

“Por que tu ‘tá só de toalha?” André perguntou desorientado e tentou se levantar.


“Hei, hei! Calminha aí!” Fafá o impediu de se levantar rápido demais, deixando o loiro
passar um braço por seus ombros. André percebeu-se quase sentado no colo do moreno
apenas de toalha. Corou. “Tu desmaiou no banheiro. Deve ser pelos dois dias seguidos
sem dormir direito e pelo esforço físico. E por estar se alimentando mal no almoço,
cabeção.”

André lembrou-se da tontura e sensação angustiante que sentira antes de perder os


sentidos, e corou ainda mais ao entender que havia desmaiado na frente de um monte de
gente.

“Tu percebeu.” André sorriu amarelo. Mal comera naquele dia. A comida daquele lugar
dava-lhe um reboliço no estômago só com o cheiro. Era muito forte e gordurosa; André
quase se sentia como uma grávida. E isso que Diogo dissera que não queria ninguém
grávido. Deus, ainda estou sob efeitos do desmaio, pensou atrapalhado com os próprios
pensamentos.

Fabrício segurou o rosto do loiro e, com o polegar, baixou a pálpebra inferior dele.

“Acho que tu ‘tá anêmico.” Fafá declarou ao notar a mucosa descorada do loiro.

“Ah, de novo não!” André se irritou. Vivia anêmico. A mãe também tinha o mesmo
problema, devia haver algum fator genético para sua tendência a ficar com falta de
ferro. Mas, de fato, vinha se alimentando mal nos últimos dias, não somente ali no
Intermed (o RU da UFRGS já era suficientemente nojento), e praticando exercícios
demais.

“Vou ter de cuidar da tua alimentação também, Bela Adormecida?” Fafá perguntou com
um sorriso no canto do lábio. André voltou a ruborizar. Fafá continuava só de toalha. E
ele está falando comigo de novo! O coração do loiro se empolgou no peito. Coração
traíra.

“Claro que não, idiota.” Resmungou, baixando o olhar. André se sobressaltou e se


afastou um pouco do moreno quando o pessoal que estava no vestiário começou a sair,
de banho tomado. Eles pararam para perguntar se estava tudo bem, genuinamente
preocupados, e André sentiu-se ainda pior por aquele vexame.

“Estou bem, foi só minha pressão que baixou.” Explicou emburrado.

Não era a primeira vez que desmaiava, a pressão baixava muito fácil. André odiava isso.
Um tempo atrás descobrira que tinha uma tal de síndrome vasovagal, desencadeada por
falta de compensação vascular pós movimentos súbitos, permanência por longos
períodos na mesma posição em locais com muita aglomeração de pessoas, ou pós
quadros agudos de estresse. Doar sangue, calor intenso, exercícios extenuantes,
desidratação, fome também podiam ser causas frequentes de síncopes para o loiro. Sem
contar que era perigoso para ele ficar desidratado, e os dois últimos dias bebendo
horrores de álcool, se alimentando mal e suando bastante durante as atividades físicas e
durante o próprio dia, bastante quente, não colaboravam em nada.
“Fica bem, hein, loiro! Ainda precisamos de ti pros próximos dois jogos!” O rapaz mais
adiantado do curso, lá pelo décimo semestre, que o havia amparado, piscou-lhe antes de
se despedir. Fabrício não gostou nada do cara, parecia interessado demais no seu loiro.

Seu loiro...

Isso assustou um pouco o Fabrício. Nunca fora ciumento! E agora estava olhando feio
pra um desconhecido que meramente se mostrara preocupado com o André. Suspirou e
se levantou, segurando a mão do outro para ajudá-lo a se levantar também. A verdade
era que estava inseguro quanto sua relação com o André, e insegurança gerava ciúmes...

“Melhor nós dois irmos tomar um banho também. Eu ainda ‘tô de toalha.” Fabrício
falou o óbvio. André se levantou, mas rapidinho soltou a mão do moreno, como se
levasse um choque, e logo se arrependeu ao ver a expressão do Fabrício endurecer, os
olhos estreitarem. Eu fiz de novo! O rejeitei! André percebeu nervoso e tentou alcançar
a mão do outro novamente, mas Fafá deu-lhe as costas e dirigiu-se para o vestiário.

André quase correu atrás dele, mas estava se sentindo tão fraco... Quando entrou no
banheiro, quase desmaiou de novo. Só teve tempo de ver Fabrício entrando num dos
boxes – completamente nu. Meu Deus, que bunda era aquela?! Não conseguiu reprimir
o pensamento e quis se afogar na privada por reparar na bunda do outro. Se virou para a
pia e jogou água no rosto; aproveitou e bebeu um pouco, mesmo que não fosse uma
água lá muito confiável.

Sentia-se desidratado, e estava suando de novo.

Demorou até conseguir se recuperar, o fôlego restaurado. Tirou as roupas e foi para o
boxe ao lado do que Fabrício tomava banho. Os únicos sons do vestiário provinham da
água dos chuveiros. O silêncio era torturante. André achou torturante tomar banho
sabendo que o moreno estava logo ao lado, completamente nu e... E eu não deveria
estar pensando nisso! Se repreendeu ao perceber que, se pensasse mais um pouquinho,
acabaria excitado, e não era um bom momento pra se virar com as próprias mãos.

XxxX

“Tu viu o Santa?” Fafá perguntou para a Gabi em determinado ponto da tarde, quando a
maioria do pessoal estava assistindo a um dos jogos, de handball pelo que lembrava,
mas os dois estavam em frente aos alojamentos, com uma toalha estendida sobre a
grama tomando um chimarrão.

“Hei, te aquieta!” Gabi deu-lhe um tapa no braço. “Tu não ia dar um gelo nele?”

“É que eu fico com saudades...” Fafá murmurou abaixando a cabeça, olhando pro
chimarrão que segurava nas mãos.

“Aaaawn, que fofo!” Gabi derreteu. Depois de tudo que o Fabrício contara, ela estava
torcendo muito pelos dois. Ainda lhe parecia surpreendente que o moreno fosse
bissexual, gay, sabia-se lá, mas ela achara a história fofa e queria vê-los juntos. “Mas
não,” Deu mais um tapa no amigo, voltando a ficar séria. “Tu tem de se manter firme,
pelo menos por hoje, espera ele dar algum sinal de que não vai mais ficar tentando só
fugir... Ai, que loiro complicado! Depois dizem que as mulheres é que são complicadas,
né?” Revirou os olhos.

Fafá deu de ombros. Já estava acostumado com o jeitinho complicado do outro.


Conversaram mais um pouco e, quando a Fran e o Rafael apareceram, Fabrício
anunciou que precisava ir dormir algumas horas. Estava pregado, e aquela noite haveria
uma festa à fantasia. Não dava pra deixar de ir, ainda mais que Fabrício nunca havia ido
a uma festa à fantasia! Havia comprado uma de vampiro, estava animado para usá-la.

Foi para a barraca e acabou encontrando uma bela adormecida por ali. Devia ter
imaginado que o loiro também tentaria descansar. Ainda havia a festa daquela noite, e
mais dos dias de evento. Não havia outro jeito, deitou-se também na barraca e
programou o despertador pra umas nove da noite. E isso que era recém umas cinco da
tarde.

Acomodou-se no colchonete, virando para o loiro que estava de costas para si e dormia
profundamente. Parecia um anjinho adormecido. E só adormecido mesmo, porque
quando acordava era aquela coisa brabinha... Riu de leve e se acomodou mais perto do
loiro, apenas o suficiente para conseguir sentir o aroma do perfume caro. Não consigo
ficar muito tempo chateado, ou irritado, pensou e deu uma cheirada no cangote dele;
porém André rolou no colchão e acabou com o corpo quase colado ao do Fabrício.

André ronronou qualquer coisa em meio ao sono e se aconchegou mais contra o peito
do Fafá, parecendo especialmente carente enquanto dormia, pressionando-se contra o
moreno. Este, com os olhos arregalados pela surpresa, passou um braço pela cintura
esguia do loiro, mais por reflexo do que por qualquer outra coisa. Isso não é bom,
Fabrício pensou nervoso. Ah, droga, droga, não, agora não, agora não, cacete!

Literalmente cacete. Fabrício acabou excitado com aquela aproximação. Sentiu-se quase
como um velho tarado há anos sem sexo, mas o que podia fazer? Estava mesmo há um
bom tempo sem sexo, e outro bom tempo a fim de dar uns amassos naquele loiro. Fafá
deixou a cabeça cair sobre o braço, sentindo-se derrotado. Já vi que não vou dormir
nada...

O loiro teria de recompensá-lo por aquilo depois, ah se teria...!

XxxX

Quando André acordou, ele estava dormindo abraçado ao Fabrício. O loiro levou um
susto, e seu primeiro pensamento foi de que precisava se afastar. E rápido. Não queria
repetir a infâmia da última vez em que estavam na barraca dormindo, em posições
comprometedoras... Porém após o sobressalto inicial, manteve-se parado e olhou
diretamente para o rosto adormecido do moreno. O que foi uma péssima ideia, pois não
conseguiu mais desviar o olhar do semblante pacífico do outro.

Fabrício era bonito... Não era nenhum modelo, nem se poderia dizer que era um Deus
grego, mas ainda assim era atraente, charmoso, cativante daquele jeito bobo alegre dele,
ou em alguns momentos com uma seriedade que chegava a ser estranha, principalmente
durante as aulas ou coisas do gênero. André não queria se afastar, aquele dia em que os
dois passaram num clima mais gelado já fora tão estranho... Tão ruim. Era
simplesmente péssimo se sentir distante do moreno, mesmo que por poucas horas.

Fabrício era uma pessoa quente, em todos os sentidos. André não queria se afastar
daquele calor. Passou a mão pelo rosto daquele idiota de que tanto gostava, traçando
suavemente, com a ponta dos dedos, as linhas que formavam o rosto magnético dele.
Fafá tinha um sono de pedra, provavelmente só acordaria com um soco, mas mesmo
assim André começou a se sentir constrangido com o que fazia, o corpo esquentou
roubando o calor do outro, mas não parou.

Pelo contrário.

Aproximou o rosto e encostou os lábios suavemente nos lábios do Fabrício.

Não podia! Sabia que não! Deus, o que estava fazendo?! Depois de tanto fugir, de tanto
procurar desculpas... Simplesmente não conseguia mais se segurar. Apertou mais os
lábios na boca do outro, segurando a respiração com o peito em chamas. Sabia que se
arrependeria daquilo. Ou não. Já nem mais sabia o que sentia. Ou o que sentiria. Tudo
era uma grande e complicada confusão na mente do loiro. Ele só sabia que precisava
repetir aquele contato. Não conseguia tirar da cabeça os outros beijos que haviam
trocado, principalmente o último, mais nítido e real.

...Eu ‘tô loco por ti. Ainda não percebeu?

André sentiu todo o corpo arrepiar ao lembrar o que o Fabrício havia dito em meio a
toda aquela água salgada. Se tu é louco por mim, não devia me deixar no vácuo o dia
todo! Pensou consigo mesmo, indignando-se, prestes a quebrar o contato ao também se
lembrar do beijo dele com a Daniela. Porém de repente o braço do moreno estreitou em
sua cintura, arrancando-lhe bruscamente o ar dos pulmões, e o Fabrício girou o corpo,
ficando por cima do loiro.

André ofegou com o peso súbito sobre si. Uma das pernas do Fabrício estava entre suas
coxas, e o moreno, ainda estupidamente adormecido, moveu-se, gerando uma corrente
elétrica através do corpo do André, que soltou um gemido assustado ao perceber que
estava prestes a acabar com uma ereção. Fabrício roçou os lábios na bochecha do loiro,
resmungando qualquer coisa em meio ao sono, num tom rouco.

André apertou os olhos, suas mãos agarrando a camiseta do outro, que moveu
novamente a perna, destroçando seu esforço em não ficar aceso. Ofegou desconcertado,
excitado, e aprisionado sob o corpo do outro.

E o despertador do Fabrício tocou.

André levou um novo susto e empurrou o moreno para o lado, com o que lhe restava de
forças. Puta que pariu, que merda! Foi só o que pensou ao se sentar, pondo-se meio de
costas para o outro que despertava pelo barulho e movimentação, evitando assim que
Fabrício notasse tanto o estado de suas bochechas e até orelhas que queimavam, quanto
o volume entre suas pernas.

Fabrício, ainda meio grogue, pegou o celular e olhou as horas.


“Bah, ‘tá na hora...” Foi tudo que ele disse, e saiu da barraca. O queixo do André caiu.
Como assim ele saía dessa forma, depois... Depois... André sentiu vontade de destruir
aquela maldita barraca e fazer o Fabrício comer aqueles colchonetes até engasgar e
morrer por falta de ar. Jogou-se novamente no colchonete e abraçou o travesseiro,
sentindo-se jogado de lado. Onde estava o Fabrício idiota que acordaria falando algo
como ‘hibernei como um urso’ e iria xeretar feito um cachorro o que havia de errado
com o loiro.

Maldito. André pensou atormentado e aborrecido, esquecendo-se do fato que no dia


anterior também fizera praticamente a mesma coisa com Fabrício. A diferença era que o
Fabrício sabia como arrancá-lo de seu mau-humor, e sempre conseguia amenizar
qualquer problema. E André percebeu que não sabia como agir quando o oposto
acontecia. Sentiu-se distante do moreno, largado, e incapaz de contornar todo aquele
redemoinho maluco que se tornara o relacionamento dos dois.

E isso doía...

Notas finais do capítulo


Agradeçam e amem o Deryck (meu muso haha!) porque ele me disse pra juntar os três
caps, tornando-os apenas dois, pra ficar menos tempo na enrolação, então... ;D André
em cima do muro, nuns momentos negando, nos outros se entregando, HAHA,
coitadinho. *aperta* Fafá foi mauzinho com ele (apesar de ele merecer). -q Gente,
MUITO obrigada por todas as reviews! Eu não ia postar hoje, pois estou super chateada
com o Nyah que não liberou DUAS recomendações que a Gokkun e a Rafa enviaram
(/chorei), mas com todo retorno que tive, foi impossível perder mais tempo. Novamente,
Feliz Ano Novo! Beijos!

(Cap. 26) Destruindo muralhas


Notas do capítulo
Gente, eu ia postar só sexta, mas me esforcei pra postar no primeiro dia do ano, até
porque recebi 5 RECOMENDAÇÕES LINDAS! Obrigada à Pandora Beaumont, L Kill,
Gokkun (apareceu sua rec! WEEE!), Maria Arichelli e Incon pelas palavras tão lindas,
que amores, sério, me emociono demais aqui.

Fran exibiu a fantasia de cigana com um giro que fez a saia comprida rodopiar. Estava
linda com uma saia vermelha e uma camiseta branca larguinha, que tinha um decote
comportado. Os cabelos cacheados pareciam brilhar como uma noite estrelada, presos
na cabeça por uma bandana vermelha, e a maquiagem a deixava ainda mais vibrante.
Gabi a olhou encantada, batendo palminhas.

“Está tão bonita!” Exclamou e pegou a mão da amiga, girando-a uma vez.

Fran sorriu e fez uma carinha fofa, piscando os olhos de cílios longos e negros, antes de
também cumprimentar a morena.
“Tu ‘tá ótima também.”

“Obrigada, madame. Espero que tenha um bom voo.” Gabi tirou o chapéu de aeromoça
e fez uma mesura cavalheiresca. Fran riu.

“Aeromoças não fazem isso.” Revirou os olhos, mas Gabi deu de ombros.

A fantasia da Gabi era algo meio improvisado. Ela comprara apenas um chapéu preto de
aeromoça, colocara os óculos escuros que André emprestara, um vestidinho preto com
uma cinta e botas de couro preto de cano alto. E lá estava a fantasia de última hora.

“Vem, vamos pra fora, está calor aqui dentro.” As duas seguiram para o lado de fora dos
alojamentos, para o gramado em que os vários estudantes se encontravam, bebendo e
conversando ao som de uma música agitada que as meninas nem sabiam de onde vinha.

Era um festival de fantasias, cores, criatividade.

“Ali os guris!” Fran apontou para o grupo em que estavam o Fabrício e o Rafael e
puxou alegre e saltitante a Gabi com ela. Fran amava festas, e sempre ficava mais
empolgada que o natural quando ia a alguma. Gabi chegava a estranhar, pois durante o
dia, e durante as aulas, ela era um pouco mais séria, ninguém diria que adorava festiar e
beber.

Fabrício estava fantasiado de conde Drácula: roupas pretas com detalhes vermelhos e
uma longa capa que ficava o tempo todo movendo como se fosse se esconder embaixo
dela, ou sair voando, sempre exibindo os caninos afiados. Era mesmo um crianção. Já o
Rafael estava fantasiado de algo que as meninas não souberam identificar, mas parecia
uma espécie de zumbi. Usava jaqueta e calças pretas, e uma camiseta branca com uma
gravata também preta. Até aí normal, porém o rosto estava pintado. Havia tinta preta ao
redor dos olhos, na ponta do nariz e a boca parecia estar costurada de uma bochecha à
outra. Era algo fácil de fazer, mas criativo.

“Até que ‘tá sexy.” Gabi comentou brincando, com um ar malicioso. Não percebeu que
isso ruborizou as bochechas do alemão, porém a Fran percebeu, o que a deixou com a
pulga atrás da orelha. Fran ainda tinha esperanças de conquistar o Rafael, apesar de
jamais iria dar em cima dele depois do fora. Estava chateada, porém fingia que não –
dissera ao Rafael que não era a fim dele quando ele viera pedir desculpas, e que o André
estava ficando louco. Ainda desejava castrar certo loiro fofoqueiro. Não era pra ele ter
ficado sabendo, e sentia-se agora um pouco envergonhada perto dele.

“E o André?” Fran perguntou por se lembrar da praga, e roubou a caneca com vodka e
energético que o Rafael segurava sem dar satisfações. Gabi e Fafá se entreolharam,
numa conversa muda. Gabi assentiu e sussurrou para a Fran.

“Vai na frente com eles. Eu vou ir um pouquinho depois com o Dré.” Avisou e voltou
para os alojamentos, em busca do loiro perdido. Encontrou-o dentro da barraca no
camarote (Gabi achava um absurdo que os dois estivessem no camarote e ela lá
embaixo, sofrendo na baderna), deitado de costas com os braços tapando o rosto.
Balançou a cabeça em repreensão, soltando uns ‘tsc, tsc, tsc’ que atraíram a atenção do
André.

“Oi, Gabi.” Ele disse, erguendo um pouco o corpo. “Não devia estar na festa?”

“Sem tu? Claro que não! Vamos indo e... Ah! Tu nem colocou a fantasia ainda,
criatura?!” Gabi suspirou massageando a testa. “O que seria de vocês se não fosse por
mim, hein?” Ela abriu a mala do loiro sem nenhum pedido de licença e pôs se a procurar
a fantasia. André arregalou os olhos quando ela jogou duas de suas cuecas por sobre os
ombros, como se elas fossem lixo. “É isso?”

“Sim.” André suspirou. Apesar de conviver com a guria há apenas dois meses, já fora o
suficiente para saber que seria cansativo demais tentar impedi-la de arrastá-lo para a
festa. “Gabi-“

“Nem venha me dizer que não ‘tá a fim de festa. Tu vai e acabou, ninguém vem pro
Intermed pra ficar enfurnado dentro de uma barraca!” Ela determinou e jogou a fantasia
sobre ele. “Tu vai ficar um pecado com essa fantasia.” Soltou uma risadinha safada,
pensando em como o Fabrício ficaria empolgadinho com aquilo.

“Um pecado.” André a imitou com uma careta. “Parece uma tia safada.”

“Cala a boca e te veste logo!” Gabi mandou jogando uma cueca no loiro.

“Para de ficar jogando minhas cuecas pra tudo que é canto!” André exclamou
exasperado, mas corou ao perceber que era uma cueca do Fabrício. A tocou de volta na
cara da morena, que soltou um gritinho de nojo enquanto o loiro abria um sorrisinho
sardônico.

“Vou te esperar ali fora.” Gabi saiu antes que tivesse de cheirar mais cuecas alheias.
“Ah, e Dré... Vamos rápido que o pessoal já foi na frente, ok? Encontraram a Daniela e
resolveram acompanhá-la.” Soltou mais uma risadela e deixou a barraca.

Só falara aquilo para fazer ciúmes no loiro. E não deu noutra, não demorou quase nada e
o André saía da barraca já vestido e pronto pra farra. A fantasia dele era de grego – uma
bata branca de apenas uma alça, com uma cinta na cintura, sandálias de couro com tiras
que se entrelaçavam nas panturrilhas, e uma coroa de louros na cabeça.

Gabi o analisou de cima abaixo, com a mão no queixo. O Fafá ‘tá com sorte mesmo,
André ‘tá quase um Deus grego! Pensou abrindo um sorriso encantador, novamente
com aquela sensação de torcida pelos amigos. Parecia-lhe óbvio que André também
estava apaixonado, só estava confuso e precisando de um empurrãozinho.

André suspirou, alheio aos pensamentos da amiga, mas acabou sorrindo de leve
também, apenas com os lábios, e ofereceu o braço para a morena.

“Vamos?” Perguntou charmoso.

Gabi aceitou o braço do loiro, e os dois seguiram para pegar o ônibus.


XxxX

Gabriella maldita, foi só um carinha aparecer que já me abandonou pelo caminho.


André pensou desgostoso. Gabi tinha esse problema de mal conhecer um cara e já ter
coraçõezinhos em cima da cabeça. E o pior era que eram corações falsos, ela dizia que
só gostava de fantasiar várias coisas pro futuro, porém mais na brincadeira, e se dava
certo ela geralmente perdia o interesse rapidinho. Se dava errado, ficava se lamentando
e fazendo drama por algumas horas.

André pegou uma bebida no quiosque, esperando a Gabi e o carinha que ela encontrara
dar sinal de que queriam ir pro ônibus e, nesse ínterim, alguém se aproximou para
conversar, já invadindo parte do espaço pessoal do loiro.

“Oi.” Disse o rapaz, mais alto. André arregalou os olhos ao reconhecê-lo. “Não sei se
lembra de mim, sou o Beto, e nós tivemos um episódio meio... estranho na festa da
matrícula. Eu só queria aproveitar pra me desculpar por ter chegado em ti daquele jeito,
do nada. Eu faço esse tipo de coisa quando estou bêbado.”

“Oh...” André estava surpreso, por um momento achara que iria receber uma surra pelo
que acontecera há dois meses e meio. Sentiu-se extremamente vexado, ainda se
lembrava em parte do que havia dito ao rapaz – algo sobre não ser nenhum viado
nojento. Caramba, como fui idiota e sem nenhuma noção de tato. Tudo que fizera de
estúpido do passado em razão da raiva infundada que tinha dos homossexuais o
atormentava atualmente. Era uma boa chance para reparar mais um de seus erros. “Eu
que peço desculpas, eu fui muito estúpido naquela noite. Eu não acho viados nojentos...
Digo! Eu não acho homossexuais nojentos!” Se corrigiu nervosamente, querendo se
estapear. Malditas manias difíceis de perder.

O rapaz sorriu simpático, denunciando o aparelho nos dentes brancos. Devia ter uns
cinco centímetros a mais que o loiro, os ombros eram largos mas não parecia muito
musculoso. Os olhos eram verdes, os cabelos castanhos comuns e havia uma covinha
charmosa no queixo quadrangular. A única coisa que estragava era o bigode grande que
não combinava com o rosto jovem, ainda que combinasse com a fantasia de policial.
André se surpreendeu ao pensar no garoto como bonito, e surpreendeu-se ainda mais
por não se sentir mortificado com isso. Era bonito mesmo, e daí?

“Que bom saber. Onde estão os teus amigos?” Ele perguntou, olhando ao redor por um
instante. “Os meus sumiram, acho que se esqueceram de mim.”

“Ah... Os meus já foram na frente, só ficou uma amiga, mas ela parece estar se ajeitando
com um carinha.” André procurou pela Gabi, mas não a encontrou. Desgraçada! A
xingou. “E ela também parece ter sumido.” Suspirou e bebeu um gole da cerveja que
comprara.

“Podemos ir juntos para a festa, se não se importar? Odeio andar por aí sozinho.” Sorriu
charmoso, afastando-se um passo do loiro. “Prometo que vou me comportar. Só quero
conversar mesmo, estou tentando reparar todos meus erros do passado desde que sofri
um acidente de moto há um mês e meio.” Ele explicou. André ficou surpreso. Apesar de
não ter sofrido nenhum acidente, também desejava por algumas reparações.
“Ok, só deixa eu mandar uma mensagem pra Gabi pra ver onde ele ‘tá mesmo...” André
pegou o celular e viu uma mensagem da amiga que não escutara chegar: André, socorro,
eu juro que foi sem querer! Quando eu vi estava dentro do ônibus e percebi que tinha
esquecido de ti! André revirou os olhos, ela só podia já estar meio bêbada. “Ok, vamos.
Pelo menos indo contigo sei que não serei roubado.” Concordou em acompanhar o
policial, que riu divertido. “E preciso achar a Gabi depois, não confio ela indo sozinha
com um desconhecido pra essa festa.”

“Pode apostar! Está seguro comigo. E vamos atrás da tua amiga.” Galanteou. André
estava desconfiado, mas tentando não achar que só porque o outro era homossexual que
iria tentar agarrá-lo – de novo. Precisava vencer aquela barreira que criara entre si e os
gays, ou o desconforto que sentia perto de algum. Na teoria já vencera os preconceitos,
agora deveria colocar isso em prática.

Afinal, em breve queria resgatar a amizade com o Davi. E também...

Não aguentava mais sentir-se errado, e ter medo de si próprio.

XxxX

Gabi, depois de um tempo de papo com o garoto de outra universidade, a qual já sequer
lembrava qual era, estava querendo se livrar dele. Papo chato e ainda era grudento,
ficava tentando passar a mão o tempo todo. Descarado. Assim que desceu do ônibus,
mandou uma mensagem para a Fran que dizia apenas: Socorro! Um cara chato quer me
pegar, e eu perdi o Dré. Fran apareceu do lado de fora não muito tempo depois, junto
como o Fabrício.

Gabi se jogou nos braços da amiga, e o Fabrício deu um jeito de dispensar o grude.

“Abobada, tem que parar com essa mania de jogar charme pra tudo que é guri que
encontra.” Fran ralhou com a amiga, que fingiu fungar chorosa. Gabi estava era
envergonhada por ter deixado o André para trás, que espécie de amiga trocava um
amigo assim tão rápido por uma chance de ficar com um carinha gato? No caso era
gato, mas chato, péssima escolha.

“Cadê o André?” Fabrício perguntou, não gostando da ideia que ele havia decidido não
vir. Já pensava em voltar para encontrá-lo e acabar com aquele gelo que Gabi o
aconselhara a manter.

“Ele deve estar vindo, me mandou uma mensagem.” Gabi avisou, espreguiçando-se por
um momento, antes de puxar os dois amigos para dentro do lugar. “Mas vamos, estou
com frio. Vamos dançar um pouco.” Pediu e sussurrou para o Fabrício. “E tu se aguente
ao menos por hoje, ele ‘tá precisando mesmo de um tempinho pra pensar.”

“Por que sinto que vocês estão escondendo alguma coisa de mim?” Fran perguntou ao
reparar nos dois aos cochichos. Gabi e Fafá apenas sorriram largamente, com ares de
culpa, mas apenas se apressaram para a pista. Nisso viram o Rafael junto com alguns
colegas, e a Daniela com uns amigos.
A índia se aproximou sorrindo, com o olhar voltado para o Fabrício. Fran olhou irritada
para a Daniela. Não aguentava a falsidade da maldita e, mesmo que não tivesse nenhum
interesse amoroso, morria de ciúmes dos amigos. Pelo menos o Rafael também não
gostava da fingida.

Segurou Gabi pelo braço.

“Eu tenho algo pra te contar, e algo que tu não vai gostar de ouvir.” Declarou frente ao
olhar interrogativo da amiga.

XxxX

André ficou surpreso ao perceber-se gostando da companhia do Humberto, que prefira


ser chamado de Beto, por motivos óbvios, segundo o próprio. Novamente teve aquela
percepção de como era estúpido ter preconceitos, ali estava uma pessoa bastante
agradável e interessante, independentemente da orientação sexual.

“Então chegamos.” Beto comentou quando chegaram na entrada. “Vai me abandonar


agora que vai reencontrar os amigos?”

André ergueu uma sobrancelha. Certo, isso fora alguma espécie de flerte? Se fosse
antes, não levaria numa boa. Não mesmo. Aliás, sentiu-se desconfortável ainda, mas
não irritado. Coçou os cabelos, sem jeito. Não sabia bem o que dizer, era meio óbvio
que preferia encontrar os amigos, apesar de... Não saber se queria mesmo encontrar o
Fabrício. Mas havia a tal Daniela no perímetro. E todas as outras gurias nessa festa
também... Deus, não, não podia estar com ciúmes de todo mundo. Ciúmes... Ainda não
podia acreditar que era mesmo isso.

“Ainda tenho que encontrá-los. Acho que vou comprar uma bebida.” Foi até o bar, e o
Beto o seguiu, comprando uma também. André começou a beber uma caipirinha,
adorava caipirinhas, e aquela estava muito boa. Acabou sentindo-se mais leve, algo bom
para desestressar e esquecer os problemas ao menos por alguns minutos, mas quando
percebeu, também começara a falar demais.

Definitivamente: bêbado que fala demais.

Acabou conversando sobre várias coisas. Seu preconceito (e acabara se desculpando


novamente), como os pais também eram preconceituosos; contou o que acontecera com
o Davi, e acabou falando também sobre o Fabrício. E foram-se vários minutos. Falou da
Daniela, do estúpido ciúme, de como tudo era confuso e de como se sentia irritado e
frustrado pelo outro estar ignorando-o por ter tentado fugir. Beto, que estava
acostumado a servir de psicólogo de todos os amigos – diziam que ele era o tipo de
pessoa que inspirava os outros a falarem sobre seus problemas –, apenas escutava,
interrompendo em alguns momentos, incentivando o loiro a continuar em outros.

“E agora eu estou provavelmente apaixonado por aquele idiota!” Soltou quando já


estava bebendo a terceira caipirinha. Era o que dava começar a beber de barriga vazia,
pegava rápido demais. Arregalou os olhos com o próprio comentário, sentindo um
rebuliço no estômago. Acabara mesmo de sair contando para a segunda pessoa em dois
dias coisas que não devia? Aquele episódio todo vinha mesmo prejudicando seu bom-
senso. Precisava urgentemente parar de beber, ou dali a pouco todo o Intermed saberia
sobre aquela história.

“Então tu é mesmo gay? Eu sabia que não ‘tava errado naquela noite, sou bom em
identificar essas coisas.” Beto comentou satisfeito, ainda que o garoto estivesse a fim de
outro. Adoraria poder tirar a confusão daquela cabecinha loira e mostrar-lhe prazeres da
vida que ele ainda não conhecia, mas percebeu que era em vão. Aquele coração já tinha
dono. “Se tu quiser, posso te ajudar a esquecer esse cara por uma noite.” Tentou mesmo
assim, aproximando-se com um sorriso galanteador, o aparelho dando certo charme.

André corou de leve, mas negou meio tenso.

Beto suspirou, não custava tentar, oras.

“Certo. Tu deveria ir esclarecer as coisas com o Fabrício. Melhor do que ficar se


enchendo de dúvidas... As respostas não vão cair do céu, sabe? Você já disse tudo isso
pra mim, o que falta pra falar para ele? Pra ti mesmo? Acho que já tem tuas respostas, tu
acaba de se aceitar.” Piscou e bebeu mais um pouco. “E eu vou parar de te atormentar,
porque, se eu continuar assim pertinho de ti por muito mais tempo, vou acabar te
agarrando. Essa tua fantasia é perigosa.”

André arregalou novamente os olhos, extremamente encabulado com o comentário


enquanto o Beto se afastava com um sorrisinho maldosamente divertido. Mesmo com o
fora, Beto estava contente, era bom ver alguém superar os preconceitos, fazia-o sentir-se
melhor, com alguma fé na humanidade.

André pediu mais uma caipirinha, encostado ao balcão do bar, pensativo. O que Beto
falara... Era verdade, não era? Teria ficado ali mais tempo; porém viu a Vanessa
próxima dali, sozinha, e não parecendo muito bem. Aliás, a garota parecia ‘fora da
casinha’. Aproximou-se dela, achando-a muito estranha. De fato, os olhos azul-água da
loira pareciam vidrados, e André teve a completa certeza de que ela não lembraria de
nada daquilo no dia seguinte.

Colocou a mão sobre o ombro magro dela.

“Vanessa, ‘tá tudo bem contigo?” Perguntou preocupado, mas ela nem pareceu escutá-
lo. Saiu andando para a rua, indo para pista de dança do lado de fora. André a seguiu,
não achando seguro deixá-la completamente sozinha. Como ela andava quase aos
tropeços, passou um braço pela cintura dela, que começava a dançar no ritmo da
música, um braço erguido para o alto.

Em que enrascada eu me meti? Se perguntou o loiro, rolando os olhos.

Agora, meio bêbado também, teria de ficar de babá!

XxxX

Fafá já começava a ficar desconfortável com a maneira com que a Daniela tentava
manter-se extremamente próxima dele. Na noite anterior, retribuíra ligeiramente o beijo
que ela lhe dera, pois pegaria mal empurrá-la no palco na frente de todo mundo. Ela
ficaria chateada, e o resto da mulherada provavelmente atiraria pedras. Não quisera ser
indelicado, mas agora não sabia como dispensar a índia. Mesmo se não estivesse a fim
do André, não ficaria com ela.

“Não, eu nem sei como são os esquemas, ‘tô meio perdidáço.” Fafá falou, referindo-se a
algo que a Dani perguntara sobre a faculdade de medicina na UFRGS, mas Fabrício
nem sabia como o curso era mais adiante, mal sabia o que era o internato. O André deve
saber, pensou distraído, inclinando-se para trás para fugir da garota que já praticamente
debruçava-se sobre si.

Foi quando viu com certa dificuldade o André junto com a Vanessa – o lugar estava
muito lotado –, e havia começado uma comoção pois aconteceria um concurso de
melhor fantasia masculina e feminina. Estreitou os olhos, achando estranha a
proximidade dos dois, Vanessa parecia abraçada ao loiro, mas não conseguiu ver muito
mais, pois eles logo sumiram de seu campo de visão. Ficou tão distraído com isso, que
não percebeu a Daniela segurar-lhe a nuca e puxá-lo de rompante para um beijo.

Arregalou os olhos para isso, era a segunda vez que ela o agarrava daquele jeito. Já
pensava em empurrá-la, apesar de preocupar-se em magoá-la com um fora daqueles,
mas não precisou fazer isso. Alguém agarrou os cabelos da índia e os puxou com força,
fazendo a menina soltar um grito, abafado pela música, e se contorcer para trás. Fran
torceu o lábio superior em satisfação ao poder finalmente causar alguma dor na garota;
sentiu-se até um tanto sádica.

“Fran, que que tu ‘tá fazendo?!” Fabrício perguntou perplexo, meio paralisado, sem
saber o que fazer, o queixo lá no chão, já provavelmente perdido entre a multidão.

“Briga de mulher!” Alguém gritou, e aí virou aquela bagunça. Todo mundo queria ver o
que estava acontecendo. As especulações começaram rápido, e de repente a Fran era a
namorada do Fabrício, que o flagrara a traindo com outra. A criatividade era ilimitada e
gratuita.

“Sua louca, me solta, o que tu pensa que ‘tá fazendo?!” Daniela berrou tentar livrar-se
das garras que puxavam dolorosamente seus cabelos. Gabi aproximou-se e levou as
mãos aos lábios. Fran lhe contara tudo, e ela ainda não conseguia acreditar. Dani era
sempre tão amável e sorridente, chegara até a derramar algumas lágrimas com a
verdade, mas ainda não conseguia odiar a índia, queria convencer-se que não fora tudo
falsidade.

“Não fique agarrando o que é dos outros!” Fran declarou exasperada. Não se referia ao
que era seu, mas do André. É, Gabi lhe contara tudo. Gabi simplesmente não era
confiável para segredos. Ao menos para segredos entre amigos. Era um defeito da
morena, ela não contava segredos para colegas, conhecidos, mas era incapaz de guardá-
los para os melhores amigos.

“E desde quando ele é teu, sua ridícula! Me solta!” Dani berrou furiosa por estar sendo
humilhada na frente de tanta gente. Fran puxou mais os cabelos longos e belos da índia,
fazendo-a quase se dobrar em dois, tentando fugir da dor.

Ah, como é bom! Fran pensava exultante, louca para cair no tapa.
“Ridícula é tu, além de falsa.” Fran informou com desprezo. Não suportava gente falsa,
ainda mais gente falsa para cima de seus amigos. Olhou pra o Fabrício, que continuava
parado no mesmo lugar como um pateta. “E tu!? Beijando essa cadela?! Vai logo atrás
do André, e deixa que eu resolvo isso.”

Fabrício corou, e olhou para a Gabi, que se escondeu atrás do ombro do Rafael.

“Fran, nós podemos resolver isso numa boa, e-“ Fafá tentou tirar as mãos da amiga de
cima da Daniela, ainda não entendendo o que diabos estava acontecendo e incerto de
como agir; porém Fran o olhou da maneira mais assustadora que já vira na vida. Era
ainda mais assustador do que o olhar do André quando irritado! Fabrício se afastou um
passo com as mãos para o alto, o rabo entre as pernas.

Fran soltou os cabelos da índia.

“VAI LOGO! JÁ DISSE QUE RESOLVO ISSO!” Fran berrou a beira de um ataque
sanguinário, e Fabrício quase correu para longe, ainda mais depois de Gabi fazer-lhe um
sinal para que ele fosse de uma vez e que depois lhe explicava tudo. Daniela, que
cambaleara para o lado ao ser libertada de súbito, se aprumou também pronta para
cometer um assassinato.

“Sua louca intrometida, tu ‘tá querendo apanhar?“ Ela tentou avançar, mas a Gabi
colocou-se entre ela e a Fran, com um olhar duro.

“Não ouse tocar um dedo na minha amiga. Ela, diferente de ti, tem algum caráter, não
rouba dos pais e da própria irmã por futilidades, e não fala mal dos amigos pelas
costas.” Gabi falou chateada. Não queria acreditar naquilo, ou acusar a índia sem
conversar em particular com ela antes, mas confiava na Fran, e não deixaria ninguém
machucá-la.

À menção do roubo, lágrimas vieram aos olhos da Daniela.

“O que tu ‘tá dizendo, Gabi? O que foi que te contaram?” Deu um passo para trás,
apertando o peito. Aquilo doía, e doía ainda mais todos aqueles olhares de
desconhecidos sobre si, julgando-a como fora tantas vezes julgada no passado, antes de
sair de casa e ir morar na cidade grande. Aquele era um erro do qual se arrependia
amargamente. “Eu nunca-“

“Chega. Vamos acabar isso por aqui; se quiser conversar, conversamos amanhã, e não
aqui no meio de uma festa. Só vê se para de dar em cima do Fabrício, ele não ‘tá a fim
de ti, e fica sem jeito para te dispensar.” Disse, ciumenta. Incrível como ficara com
ciúmes pelo André ao ver a Daniela agarrar o Fabrício. Devia uma ao loiro afinal, por
deixá-lo para trás.

Sem dar chance para a outra falar mais alguma coisa, Gabi pegou Fran pelo braço e a
puxou consigo para longe da Daniela, pelo caminho também agarrando o braço do
Rafael e o arrastando junto. Rafael estava ligeiramente decepcionado, achava que ia ver
de fato uma briga de mulher – cigana contra índia. O que foi? Todos têm os seus
fetiches...
XxxX

André não aguentava mais bancar a babá. Vanessa parecia desligada do mundo, não
sabia quem era quem, se metia entre desconhecidos para dançar, parecia até drogada. E
ninguém queria pegar a responsabilidade de cuidar dela para si, pareciam achar ótimo
que o André havia resolvido impedir que a garota acabasse nas mãos de algum
desconhecido safado, que poderia até levá-la para a cama sem consentimento, e davam
um jeito de fugir dos dois.

Como a Vanessa era baixinha – uns vinte centímetros a menos que o loiro –, André
agora a mantinha parada ao abraçá-la por trás, impedindo-a de ir para o meio da pista e
sumir. Suspirou olhando ao redor, em busca de alguém para quem empurrar o estorvo,
mas não viu ninguém. Aliás, quem viu se aproximar de onde estava – próximo do palco
da pista do grande quiosque –, foi o Fabrício. O coração pulou uma batida, e depois
pareceu atrapalhar-se em uma arritmia.

Fabrício parou bem à frente do loiro.

“Tu e ela estão ficando?” Ele perguntou muito sério, deixando o André
momentaneamente sem fala, o semblante marcado pela surpresa. Não! Tentou dizer,
mas isso só saiu em pensamento. Fafá pressinou a testa e esfregou os olhos com uma
mão, sentindo como se alguém usasse um facão para abrir-lhe o peito. Nem se importou
que a Vanessa estava ali, ergueu o olhar e falou, num tom doído, olhos cravados no
loiro:

“Se isso, entre nós, não vai acontecer, ao menos espere um tempo pra ficar com outra
pessoa, ou fique em lugares que eu não veja, nem fique sabendo, pra eu ter tempo de...
de parar de te querer.”

O olhar do André tornou-se ainda mais surpreso, e respirar transformou-se em uma


tarefa difícil. Abriu e fechou a boca umas três vezes, transtornado, perdido, ouvindo os
tais sinos bregas que algumas pessoas dizem escutar quando beijam alguém, ou coisa do
gênero – o loiro nem identificou o que se passava dentro de si. Apenas soltou a
Vanessa, apesar de não completamente para ela não dar de boca no chão, erguendo o
olhar para cima por um momento, com um suspiro, o corpo tenso.

“Idiota... Como pode gostar tanto assim de mim?” Chegava a irritá-lo. Pegou a Vanessa
e a jogou sobre um de seus ombros, e agarrou um dos pulsos do moreno. “Vamos.”
Falou e começou a andar. Fabrício sentiu-se perdidáço pela segunda vez na noite, mas
acabou acompanhando o loiro.

Pelo caminho, André topou com o Beto e, sem nem pensar duas vezes, largou a Vanessa
em cima dele.

“Cuide dela, e cuide mesmo, ela ‘tá muito mal. Eu fico te devendo uma.” Pediu em seu
tom mandão habitual. Beto olhou dele, para a Vanessa e então para o Fabrício, e acabou
entendendo mais ou menos a situação. Assentiu, já conhecia um pouco da Vanessa, era
com ela e com o André com quem havia conversado na festa da matrícula e, como logo
já voltaria pros alojamentos, poderia levar a loirinha.
André o agradeceu mentalmente e continuou o caminho para a saída do lugar, levando o
Fabrício com ele, sem olhá-lo e sem dizer nada. Queimava de indignação, nem sabia
exatamente por que, talvez pelas tantas palavras entaladas na garganta, mas também
queimava por outro motivo...

XxxX

Fafá deixou-se ser puxado pelo loiro, que agarrava com força seu pulso, até as dunas da
praia, um pouco distante da casa de festa. Apenas quando a música cedera, e a
iluminação vinha apenas de alguns postes próximos, é que o André o soltou ainda dando
alguns passos, mantendo-se de costas para o moreno e podendo assim admirar o mar
enegrecido a alguns metros. Sentia o coração bombear forte, deixando as pulsações no
pescoço exacerbadas, e um suor frio escorria através da coluna.

“Eu não ‘tava ficando com a Vanessa.” Informou e encontrou coragem para se virar e
encarar o Fabrício de frente. “Ela ‘tava meio doida, eu só ‘tava cuidando pra que
nenhum engraçadinho se aproveitasse do estado dela...”

“Ah...” Fafá experimentou um alívio difícil de explicar. Ainda se surpreendia com como
imaginar o loiro com outra pessoa o incomodava, a níveis alarmantes. Essas sensações
eram novas, ao menos nessa intensidade. Aproximou-se um passo do André, esticando a
mão, com a intenção de tocá-lo de alguma forma, mas estacou com a pergunta cortante:

“Tu lembra?” André inquiriu, e completou ao notar o semblante confuso do moreno,


denunciando que ele não fazia ideia a que se referia. “Tu lembra do beijo na festa dos
bixos?!” A expressão do outro foi o suficiente para que André captasse qual era a
resposta. “É claro que tu lembra! Meu Deus, como tu é cara de pau, continuou agindo
como se nada tivesse acontecido durante todo esse tempo!”

“E como tu queria que eu agisse? Se eu falasse qualquer coisa, eu provavelmente


ganharia um soco bem dado na cara!” Fafá exclamou, não se sentindo nada culpado. Só
estava mantendo a própria integridade física, oras!

André bufou.

“Era o mínimo que tu merecia. Se a Natália não tivesse aparecido, tu... Nós...” Nem
conseguiu completar a frase. Era constrangedor demais. “Tu parece que ‘tá tentando me
enlouquecer! As coisas não eram assim antes de surgir na minha vida de novo!”

“Eu te enlouquecer?! Tu que ‘tá tentando me enlouquecer!” Fabrício voltou a se


aproximar mais um passo, deixando-os a uma distância irrisória. “Tu não se decide
nunca, e eu não aguento mais esperar; tu às vezes baixa as defesas, em outras parece
erguer uma muralha. Eu nunca sei como agir perto de ti, e quando tô longe eu-“

“Tu que quis ficar longe! Me ignorou o dia inteiro, e ainda ficou de papo com aquela
Daniela. Cantou pra ela, depois beijou ela, hoje não desgrudou dela, e eu vi vocês dois
juntos na festa também.” Disse com o rosto avermelhado, apertando os punhos. “Tu
deveria simplesmente voltar praquela índia ladra.”
Fabrício não entendeu por que a outra era uma ladra – ladra de namorados? –, mas esse
não era o ponto principal da questão. Passou uma mão pelos cabelos negros,
bagunçando-o os fios que estavam endurecidos pelo gel que passara para deixá-los para
trás. Em parte sentiu vontade de chacoalhar o loiro, em outra, achou-o fofo com ciúmes.
Era evidente que aquilo era ciúmes, Fabrício não era porta a ponto de não perceber isso.

“Eu acho que eu já deixei bem claro quem eu quero, e essa pessoa não é a Daniela, mas
um loiro irritadinho, complicado e cabeça dura.” Enumerou as qualidades do outro, e
chegou a sorrir momentaneamente ao vê-lo abrir a fechar a boca, incapaz de encontrar
argumentos para aquilo. “Pelo amor de Deus, nós até nos beijamos ontem à noite!”

“Tu...” André tentou encontrar algo para falar, mas uma torrente de emoções subiu e
trancou na garganta; a sensação queimou nas escleras, e lágrimas brotaram no canto dos
olhos. Levou as duas mãos à cabeça, apertando-a como se estivesse com uma forte
enxaqueca. “Eu só estou confuso...! Isso tudo pode ser fácil para ti, mas pra mim não é!
E tu não ajuda em nada me ignorando o dia inteiro e agindo como se me quisesse
longe!”

Fafá agarrou os pulsos do loiro, puxando os braços dele para si, o que aproximou os
dois. André ofegou baixo e o mirou com os olhos brilhosos pelas lágrimas – as íris azuis
como um lago cristalino mais vívidas do que nunca. Fafá sentiu uma emoção forte por
vê-lo assim, o coração bateu em agonia.

“Eu estava te dando um tempo! E se tu se esqueceu, não fui eu que passei o dia inteiro
irritado ontem, distribuindo patadas e tentando fugir. Também não fui eu que te dei um
soco, que te neguei um beijo, ou um toque de mãos. Tu acha que essas coisas também
não machucam?” Fafá perguntou sério como nunca esteve, os olhos negros também
brilhosos.

André entreabriu os lábios bem desenhados, e duas lágrimas escorreram por suas
bochechas – uma de cada olho, caindo em perfeita sincronia. Não havia pensado sobre
isso, olhara para apenas o seu lado da moeda. Um constrangimento muito maior o
atropelou, junto com a culpa. Fafá sempre levava tudo numa boa, raramente se irritava
ou estressava, e fora ele – André – quem colocara uma expressão magoada, consternada
e angustiada naquele rosto sorridente.

Toda a indignação e exaltação do loiro esmoreceram como uma flor murchando sob a
mira do sol. O sol no caso era o Fabrício. E André... Não, ele não era uma flor, não
admitiria tal comparação. André mordiscou o lábio novamente, avermelhando-o e
inchando-o um pouco pela força imposta. Apertou também os olhos, não queria chorar;
porém quanto mais se segurava, mais as malditas lágrimas brotavam exigindo liberdade.

“André...” Fafá se arrependeu de jogar aquilo na cara do loiro, que agora mantinha a
cabeça baixa, olhando para o espaço entre seus corpos, as mãos ainda fechadas em
punho e o corpo trêmulo, parecendo frágil. Tão diferente da pose autossuficiente e
arrogante que ele costumava usar como um escudo a maior parte do tempo...

“Eu me sinto tão confuso, e perdido, e com... medo.” André sussurrou interrompendo o
que quer que Fabrício fosse dizer. “Eu criei tantas mentiras, para mim e para os outros,
magoei tantas pessoas. Eu só queria ir pelo caminho mais fácil, porque eu não tenho tios
legais, ou pais compreensivos, e tentei me proteger como eu pude, como eu conseguia.
Mas... Deus, eu sempre senti tua falta – sempre – e ficava dizendo para mim mesmo que
nossa amizade era estúpida e que tu era só um pobretão e como meu pai estava certo em
nos afastar. Mesmo que eu nem acreditasse nisso, e mesmo que eu ainda lembrasse até
da vez em que tu fez uma promessa idiota de que iria se casar comigo quando achou que
eu ‘tava dormindo depois de me assustar com aquela brincadeira do espelho. Eu cheguei
a te odiar por um tempo depois que me mudei, e te odiei quando tu não se lembrou de
mim na matrícula. Mas, se eu for sincero, eu sabia desde o início que tu iria destruir
toda a merda que eu construí ao redor de mim nos últimos anos assim que pus meus
olhos em ti naquele dia. E eu me sinto perdido e desprotegido agora, sem essas minhas
defesas idiotas, mas eu... Eu só... Me desculpa...” Um soluço escapou por entre os lábios
úmidos do loiro enquanto ele agarrava com força o colete preto da fantasia do outro. E
ergueu o olhar, assustado, como se só então percebesse tudo que deixara escapar em um
rompante de culpa, e uma necessidade de compartilhar tudo que sentia. Ainda que não
houvesse conseguido verbalizar sequer metade daquele caos interno.

Fabrício mirou-o estarrecido, mal acreditando em tudo que escutara. Seu coração
disparado competia com uma melodia grave de tambores, e os olhos, antes brilhosos,
também deixaram escapar algumas lágrimas. Queria dizer alguma coisa, qualquer coisa
coerente e que não soasse idiota; porém tudo que conseguia pensar era em como André
estava lindo com aquela fantasia de grego, como a pele dele tinha a tonalidade perfeita
para ser marcada com dentes e lábios, e como aquela declaração sincera, transbordando
vulnerabilidade, mexera consigo a ponto de afetar-lhe qualquer raciocínio coerente,
deixando-o apenas com os instintos mais básicos. E esses instintos desejavam
ardentemente abraçá-lo e beijá-lo, protegê-lo dos próprios medos.

“André-“ Voltou a chamar num murmúrio, e dessa vez largou um dos pulsos dele para
segurar-lhe o rosto, limpando com o polegar uma lágrima teimosa que estacionara
próxima do olho do loiro. Com isso André deu um passo para trás, sentindo o rosto
arder com o contato e o corpo queimar com o olhar negro do maior sobre si; o hálito
quente batendo em seus lábios salgados do choro.

O que não percebeu era que estavam muito na borda da duna, e que aquele mísero passo
para trás, junto com a aproximação do moreno, foi o suficiente para criar uma
miniavalanche na areia. André ofegou pelo susto, e Fabrício soltou uma exclamação
surpresa assim que os pés perderam o apoio e eles deslizaram pela areia fina e
branquinha da duna.

André agarrou-se no Fabrício e, quando enfim pararam, Fafá estava deitado no sopé da
duna com um loiro sentado em seu colo, inclinado sobre si, abraçando-o pelo pescoço.
Os joelhos do André encontravam-se um de cada lado da cintura do Fabrício, de modo
que a bata grega estava arregaçada deixando à mostra toda a extensão das coxas
extremamente brancas do loiro.

O olhar dos dois se encontrou enquanto ainda sentiam a adrenalina da queda, e André
avermelhou pela posição constrangedora em que se encontravam. As mãos do Fabrício
estavam estrategicamente pousadas em suas coxas, espalhando um calor que atingia a
virilha e se transformava em arrepios através da espinha dorsal. Fafá mirava-o
expectante, e a respiração dele era tão entrecortada quanto à do André. A tensão era
praticamente palpável, carregada nas íris de cores opostas – claro contra escuro –, e em
cada fibra do corpo.

André ergueu a mão e tocou no rosto do Fafá, acariciando-lhe a bochecha com o


polegar, os olhares ainda conectados, pois dificilmente algo os distrairia um do outro.
Fafá controlava-se para manter-se parado, querendo saber o que André faria – o que ele
queria e o que tinha coragem de demonstrar para além das palavras; e somente apertou
com força as coxas do loiro, de uma maneira que provavelmente deixaria marcas. André
arfou baixo e percebeu que não aguentava mais – queria tanto beijar o moreno, sentir o
calor e as mãos dele percorrendo seu corpo, os lábios e a língua buscando-se com
sofreguidão. Precisava daquilo como quem precisa de oxigênio circulando pelo sangue
quente, em alta velocidade.

Com um único movimento, extinguiu todo o espaço que os separava.

Os lábios do loiro pressionaram-se contra os do Fafá, e este imediatamente abraçou o


corpo menor sobre si, envolvendo-o junto com a capa negra da fantasia. Os dedos do
moreno forçaram a nuca do outro, e ele não esperou, invadiu esfomeado a boca alheia,
querendo provar novamente do sabor que pertencia somente ao André. O apertou nos
braços com toda a força que tinha, um medo inconsciente de que ele fugisse novamente,
reencontrando desculpas e permitindo-se engolfar-se nos mesmos medos. André sentiu
falta de ar entre os braços musculosos e possessivos do outro, e quebrou
momentaneamente o contato dos lábios, inspirando fundo com a testa apoiada à do
moreno.

“Fafá... Tu ‘tá me deixando sem ar.” André murmurou de olhos fechados, a face
ruborizada enquanto acariciava delicadamente, com ambas as mãos, os cabelos negros e
endurecidos de gel do outro.

“Isso é bom, ficar sem ar...” Fafá murmurou de volta, estreitando ainda mais o loiro.
“Ou não...?” Abriu os olhos e o encarou em dúvida. André o olhou também, vendo
aquela expressão pateta no semblante do moreno, e acabou rindo baixinho, voltando a
fechar os olhos.

“É bom, mas eu posso acabar desmaiando por falta de oxigênio.” Explicou.

Era tão estranho... Sentia-se tão leve, como se correntes houvessem sido retiradas de
seus tornozelos e pulsos, e uma sensação de confiança o deixasse relaxado; não sentia
vontade alguma de sair do colo do outro, mesmo que a posição em parte o
envergonhasse. Fafá sorriu também ainda olhando para o rosto do loiro, tão próximo, a
respiração dele brincando em seu rosto como um afago quente. Levou a mão ao rosto do
André e o acariciou também, delicadamente, querendo decorar nas digitais aqueles
traços suaves e belos.

“Tu é tão bonito...” Fafá sussurrou de uma maneira boba, e André abriu rápido os olhos,
mirando-o constrangido pelo elogio, e por notar aqueles orbes apaixonados do moreno,
que agora observava seus lábios como que faminto. Fafá o puxou pela nuca para um
pouco mais perto, os lábios rentes, os olhares aprisionados um no outro. “Não vai fugir
de mim se eu quiser te provar mais do que com apenas beijos, né?”
André, apesar de todo aquele tempo de convivência, não conseguiu acreditar na cara de
pau do Fabrício. Como ele conseguia falar aquelas coisas com tanta naturalidade? Como
se estivesse perguntando as horas? Todo o corpo do loiro ardeu em um formigamento
estonteante, e chegou a sentir uma vibração no baixo ventre apenas com aquela
pergunta. Em parte queria repreender o outro pela proposta safada, mas no lugar disso
mordeu o lábio.

“Não vou mais fugir.” Esclareceu, as maçãs do rosto ainda latejando.

[...]

“Gosta tanto dele assim?” Perguntou, com certa ideia se formando em seu íntimo. Fafá
assentiu, solene. “Mas não vai poder cuidar sempre dele, afinal, um dia vocês vão
crescer, ele vai se casar, tu vai se casar... As pessoas acabam se separando um pouco.”

“Não mesmo!” Fafá balançou a cabeça em negativa e passou o braço pela cintura de
André, estreitando-o contra si. “André é meu. Vou me casar com ele, e não vou deixar
que a gente se separe.”

“Se tu diz. Eu estarei sempre aqui pra apoiar vocês dois.” Falou e se inclinou, beijando
a testa de Fabrício. “Boa noite, peste.”

“Boa noite, tio.” Falou Fafá, sem se importar de ser chamado de peste.

As luzes se apagaram, e só então André se remexeu bem acomodado próximo ao outro,


erguendo o olhar para poder mirar o rosto do Fabrício, surpreendendo o moreninho ao
revelar que ainda estava acordado.

“Vamos mesmo casar?” Perguntou num tom baixo e desconfiado. Fafá corou, mas
assentiu com um movimento positivo de cabeça. “Okay... Então eu te perdoo por me
assustar.” André concordou e, com suavidade, deu um beijinho nos lábios do amigo,
antes de deitar novamente a cabeça no travesseiro e fechar os olhos.

Fafá sentiu as orelhas queimarem, mas sorriu largamente, traquinas, e se acomodou


para dormir também, abraçado ao loirinho.

[...]

Notas finais do capítulo


Música que define este momento: https://www.youtube.com/watch?v=76RrdwElnTU.
OIJAIOUJHUIOAHJIUOAAJHAIUOJHAIUOAJAOIUAJHAUIO! WEEEE,
finalmente! Que fofos, beijinho infantil (dedico essa cena ao Philipe Moon, que nem sei
se lê ainda a fic, já que nunca mais deu as caras por aqui /cries, mas se estiver aí, foi
especial pra ti que pediu xD). Gente, obrigada mesmo pelo retorno! Vou sumir por uns
dias, pois amanhã trabalho o dia inteiro, sexta vou sair, e depois trabalho de sábado a
quarta porque vou ser fiscal do vestibular da ufrgs. Semana que vem estou de volta com
mais caps.! Beijooooooooooooooooooos!
(Cap. 27) Deixar acontecer
Notas do capítulo
MUITO obrigada às SEIS (sério isso?) recomendações que recebi cap. passado. Um
beijo especial para: Joy Vee, Srta HeLL, Paulinho Miranda, Nock, Cupcake52 e zumbi
da vingança. AWN, foi lindo demais. Mil vezes obrigada!!!

“Não vou mais fugir.” Esclareceu, as maçãs do rosto ainda latejando.

Fabrício queria responder alguma coisa àquilo, dar voz à maneira como o coração bateu
quase dolorosamente e as mãos suaram ao encontro das coxas do outro; porém as
palavras não pareciam suficientes, e precisou soltar o ar que estivera prendendo sem
perceber ao esperar uma resposta do André. A respiração quente escapava dos lábios
sedutores do loiro, criando um calor gostoso sobre os lábios do Fabrício. Era como um
elo unindo-os e começando a encurtar, atraindo-os como imãs de volta para um ao
outro.

Assim que seus rostos pareceram entrar em harmonia para um encaixe ideal, cada um
ligeiramente inclinado para o lado contrário ao do outro, Fabrício colocou a mão na
nuca do loiro e o puxou de vez, capturando com precisão o lábio inferior dele, que já
vinha namorando há tanto tempo, e agora enfim podia experimentar sem nenhum medo
ou dúvida, tanto de sua parte, quanto da parte do André.

De novo o tempo paralisou, prendendo os ponteiros no lugar, ou seriam eles que


desejavam estacionar naquele instante e esquecer tudo? Distantes do mundo. André
soltou um gemido baixo e rápido contra a boca do moreno, experimentando centenas de
sensações naquele curto espaço de tempo congelado, criaturas esvoaçantes se agitaram
em seu estômago e o sangue jorrou quente por todos os pontos que conseguia alcançar.
Por um momento se atrapalhou em como respirar, interessado mais em beijar do que
encher os pulmões de ar. Fabrício subiu lentamente as mãos através de suas coxas e
agora lhe segurava a cintura com uma firmeza exagerada por baixo da bata branca. E,
por mais que por um lado a consciência do loiro exigisse que ele afastasse as mãos
safadas dali, outra parte se regozijava, espalhando um contentamento ardente pelo resto
do corpo.

O moreno sugou o lábio inferior do loiro, mordendo-o de leve com aqueles caninos
afiados que eram parte da fantasia – não eram aqueles dentes de plástico que pareciam
uma dentadura mal feita, apenas os caninos eram falsos e salientes, e André ofegou com
o arranhão em seu lábio interno antes que o Fabrício o libertasse, mas lambesse seus
lábios e voltasse a capturar ambos, colocando a língua dentro de sua boca e encontrando
a sua a meio caminho. André sentiu-se ávido por mais, por sentir mais, por permitir-se
mais, e experimentar tudo aquilo que se negara por tanto tempo.

O gosto do moreno rapidamente tornou-se um vício, e uma sede inexplicável queimou-


lhe a boca. Mas quanto mais o beijava, mais a sede aumentava, e mais o vício se
intensificava. André abraçou-se a ele, ofegante, enquanto seus lábios se perdiam
naquela dança particular, e segurou-o como se sua vida dependesse disso. Em resposta
Fabrício subiu as mãos por suas costas, a ponta dos dedos ascendendo lentamente pela
linha sulcada da espinha do loiro, criando um arrepio torturante que deixava a pele
formigando.

Fabrício dobrou os joelhos e, usando-os como apoio para o André, inclinou o corpo para
frente, pressionando-se mais ao loiro, aprofundando mais o beijo, exigindo maisdele,
tão insaciável quanto poderia. Extinguiu todo o espaço entre os dois, e seus braços
circularam André com facilidade, esguio como ele era. Seu corpo urgia pelo outro, e sua
ereção apertou-se na calça da fantasia e chocou-se com a do loiro, protegida apenas pela
cueca que pouco ajudava a esconder a evidência do desejo. Ambos gemeram em
uníssono com o contato prazeroso, estremecendo de leve. André moveu suavemente o
quadril, friccionando-os mais e deixando Fabrício estarrecido com aquela atitude, o que
o levou a começar um beijo mais desesperado, que extravasava uma saudade estranha –
por todos os minutos que poderiam ter tido, mas que haviam sido roubados quando se
separaram nove anos atrás.

André estava perdido nos braços do outro, e era perfeito, mais perfeito do que qualquer
lembrança que poderia ter – e ele era bom em lembrar-se de tudo –, pois nunca antes
ansiara tanto por algo, por tanto tempo, e só depois de muita luta – interna – era capaz
de ter, conquistar. Era diferente de todas as suas experiências anteriores, que não eram
poucas, e não somente por estar sentado no colo de um garoto deixando-se levar pela
aquela avalanche criada, mas por ser o Fabrício ali, aquela pessoa que deixara um vácuo
irrecuperável durante toda a sua adolescência, um vácuo que tentara suprir com
inúmeras bobagens que apenas o haviam tornado aquele tolo de três meses atrás.

Pararam de se beijar por um momento, arfantes, ainda de olhos fechados e testas


encostadas enquanto se acariciavam suavemente, sem pressa, precisando retomar o
fôlego.

Fabrício sorriu, ainda meio grogue, não acreditando naquilo, de certo modo ainda com o
temor que acordasse e se achasse deitado na cama, abraçando um travesseiro. Era
impossivelmente melhor ter o loiro daquele jeito, por completo, e não parte de alguma
fantasia.

Os dois se olharam novamente, as pupilas contraídas, pequenas, que pareciam deixar


seus olhos maiores, a cor das íris em evidência apesar de parca luminosidade.

“Tu não fugiu mesmo.” Fabrício murmurou com uma felicidade tola, sentindo-se no
paraíso, ou talvez em algum lugar ainda melhor. André respirou fundo, e soltou
fracamente o ar, estremecendo com as carícias do outro em suas costas.

“Eu disse que não ia.” Sussurrou de volta, num tom meio arrastado, a mente lenta e a
boca entorpecida pelo contato recente, tão intenso e real, que chegava a ser um tanto
assustador. Lutara tanto contra seus desejos e agora, de uma forma tão arrebatadora,
podia vivenciar tais momentos em todas as suas formas, desvendar cada emoção,
entregar-se a cada sensação, e degustar todos os sabores.

André sentiu-se perdido em meio a um campo minado, desconhecido do caminho que


não o levaria a uma implosão. Aquele sentimento... Compreendeu-o quando o Fabrício
beijou-o de novo, dessa vez um beijo calmo e suave, que roçava os lábios e acariciava
sua língua na dele. Não achava que estava apaixonado. Estava apaixonado – não havia
nenhum verbo de dúvida frente à afirmação. Estava ali, tão palpável, tão evidente, tão
forte que um beijo não era suficiente, queria mais, precisava de mais.

Aquela solução para sua cobiça que ao mesmo tempo era uma droga que o tornava
dependente e faminto.

Mas ao mesmo tempo, era cedo demais para ir além, era tudo muito novo, intimidante
de certa forma. Quando Fabrício lentamente contornou-lhe a cintura com a mão e
deixou os dedos escorregarem por seu ventre, até tocarem seu pênis teso sobre a cueca,
e então envolvê-lo com a palma cheia, num aperto comedido, André deu um pulo e o
empurrou pelos ombros, ofegante e nervoso, e empurrou a mão dele para longe,
fechando as pernas.

“N-Não vamos tão longe.” Falou nervosamente, constrangido, apesar de sentir o pênis
latejar com o contato, interessado em ir bem longe. André quase o mandou se acalmar
mentalmente.

“Mas... Tu disse que não iria fugir se fôssemos além de beijos.” Fafá o lembrou, se
aproximando de novo e começando a beijar o pescoço do loiro enquanto sua mão
acariciava a parte interna da coxa dele. André virou o rosto, puxando o ar com
dificuldade, sentindo o corpo excitar-se ainda mais com a língua provocativa do moreno
na região sensível sob sua orelha, e os dedos roçando próximos da virilha.

“Tu me interpretou errado. Eu quis dizer que não ia mais fugir do que eu sinto...” Disse
com dificuldade, meio se irritando por ter de explicar com todas as letras. Era uma
pessoa fechada, tinha dificuldade para expor seus sentimentos, o oposto do cara de pau
do Fabrício que até isso falava com uma naturalidade exasperante. “Não que tu pode me
estuprar com as mãos que nem tu ‘tá tentando!”

Fabrício riu e mordeu a orelha do loiro, que gemeu baixinho.

“Mas tua bunda eu posso pegar?” Perguntou descarado, e escorregou a mão pela coxa
até a bunda, apertando-a. André de novo teve um sobressalto e mordeu os lábios.
Fabrício era abusado também nos amassos. Considerando que ele era abusado em todo
o resto, não era de se surpreender.

“Que fixação é essa pela minha bunda? Depois do que tu fez no paintball, ela merecia
uma trégua.”

“Vou cuidar bem dela.” Disse num duplo sentido meio malicioso, meio brincalhão,
massageando uma das nádegas do loiro e optando por não comentar que trégua era a
última coisa que aquela bunda teria a partir daquele dia, principalmente depois que
começassem a... Achou melhor também não terminar a frase, do contrário acabaria
ainda mais excitado.

Por Deus, estava tão duro que já sentia dores, acabaria com uma câimbra.

“Idiota...” André murmurou apertando os olhos.


André estava tão sexy com aquelas coxas de fora, e o ombro desnudo com parte do
peito aparecendo pela bata ter apenas uma alça. Fafá começou a descer os beijos até o
peito dele, puxando o tecido da bata um pouco mais para baixo, para dar-lhe acesso a
um dos mamilos do loiro, que capturou entre os lábios e lambeu com a ponta da língua.
André soltou um suspiro entrecortado e afundou os dedos em sua nuca e costas.

Aquele maldito não conseguia se controlar, já estava avançando o sinal de novo! André
o xingou mentalmente, porém o abraçou com força, subindo a mão da nuca dele até os
cabelos, estragando o penteado com gel enquanto ele espalhava aquela sensação
estranha e nova em seu peito com os chupões, lambidas e leves mordidas em seu
mamilo. Mamilo! Nem tinha o raio de um seio, e ele estava ali, se deliciando. Estúpidas
caipirinhas que havia tomado mais cedo, intensificando tais sensações. Xingou o
moreno de novo nos confins do pensamento, mas apenas gemeu, deixando o quadril
mole quando Fabrício o puxou pela cintura, atritando novamente suas ereções. Fabrício
também gemeu, um gemido que mais se parecia com um rosnado. Cachorro.

“Ah, Fabrício-“ Chamou num tom lamentavelmente manhoso, do qual se envergonharia


mais tarde, mais sóbrio; porém o som de vozes os fez pararem, paralisados com os olhos
arregalados, o corpo entrando numa nova espécie de adrenalina. Olharam-se, e Fafá
tentou dizer alguma coisa, mas o loiro colocou um dedo sobre os lábios dele, soltando
um ‘shiu!’ baixo.

André empurrou o rosto do moreno quando ele chupou-lhe o dedo, e deu uma risadinha.
O loiro moveu os lábios num ‘idiota’ mudo, usando os dedos como pinças para pegar os
lábios do outro e fechar-lhe o bico.

“Eu juro que eu vi eles vindo por aqui!” Os dois arregalaram ainda mais os olhos ao
reconhecer a voz da Gabi, apesar de a voz dela estar arrastada e embargada,
denunciando que estava trêbada. “Vem, Fran, eu quero ver eles fazendo as pazes e se
pegando!”

“Calma, eu ‘tô indo. Por que tu quer ver isso? E se eles tiverem se comendo? Ai, nada
contra, mas não quero ver não, que pouca vergonha ficar espiando os outros!” A voz da
Fran chegou até os dois, e também não parecia nada santa. Eram bem possível que
estivessem se tropeçando pelas dunas, com dificuldade para se manterem em pé.

O queixo do loiro despencou, e Fabrício arregalou ainda mais os olhos, na típica


expressão de medo que as crianças abrem quando são pegas no flagra fazendo arte.
André estreitou os olhos e tornou o olhar pro moreno, mais do que nunca parecendo
querer torturá-lo, estripá-lo, esfolá-lo e depois jogá-lo no mar, para que os pedaços se
perdessem e nunca mais pudessem ser unidos novamente. Castrá-lo também parecia
incluído no pacote.

André, sem dizer nada, e com uma expressão medonha, se levantou e começou a andar
para longe do moreno estirado na beira da duna. As vozes das meninas ficaram para
trás. Não podia acreditar que ele havia contado alguma coisa pra Gabi e pra Fran! Pra
quem mais ele havia espalhado aquela história? O Rafael? A turma inteira? Que vontade
sentia de socá-lo!
O pulso do loiro foi agarrado, e ele virou ao ser puxado sem piedade, perdendo o
equilíbrio, mas sendo prontamente abraçado pelo mais alto.

“Hei, calma, onde tu pensa que ‘tá indo sem mim?” Fafá perguntou com um sorriso
largo, fingindo que nada acontecera. Cara de pau nível mestre, e aumentando. André
tentou se debater em busca de liberdade.

“Por que elas sabem sobre a gente? A gente mal... mal... se entendeu,” Ela difícil
verbalizar essas coisas. “E meio mundo já sabe!”

“Erm... Eu falei só pra Gabi. Foi sem querer.” Explicou, mas mudou de ideia frente ao
olhar mortal do loiro. “Ok, quase sem querer. Eu ‘tava precisando desabafar com
alguém, desculpa. Esqueci que ela e a Fran não escondem nada uma da outra.”

André, sem nem perceber, fez um beicinho chateado e virou o rosto, ainda lidando com
a indignação de ter mais gente sabendo sobre os dois. O que o levou a lembrar que havia
desabafado com o Beto e, consequentemente, se acalmou, pois também buscara ajuda
em alguém externo àquilo. Respirou fundo, pronto para perdoar o moreno, mas aí
lembrou-se de outra coisa...

“Espera... No aniversário do teu tio... Ele ficou o tempo todo jogando indiretas...” Seus
olhos se estreitaram de novo e caíram acusadores sobre o Fabrício, que abriu novamente
aquela expressão que era uma mistura de ‘Tu me ama e vai me perdoar, né? e ‘Socorro,
ele quer meu fígado!’. “EU NÃO ACREDITO! TU CONTOU PRA MEIO MUNDO!”
O sacudiu pelos ombros, depois o soltou bruscamente e voltou a caminhar. Fafá tentou
segui-lo. “Me deixa em paz!”

“Pera, loiro, foi mal, é que eu ‘tava precisando de uns conselhos, eu-“

“Tu ‘tá precisando é de uns chutes, pra deixar de ser tão... tão...!” Novamente não
encontrou a palavra para defini-lo, e bufou. A verdade era que nem conseguia ficar
brabo de verdade, mas isso não o impedia de soltar fumaça pelas ventas. Tinha vontade
de jogar o moreno no mar. “Argh, te definir se torna cada vez mais impossível.”

“Porque sou único.”

“O único idiota dessa praia, só se for.” O empurrou e continuou andando.

Fafá o seguiu como um cachorrinho com o rabo entre as pernas, ou como um vampiro
de dentes encolhidos, tentando se desculpar e, frequentemente, agarrá-lo de novo. André
teve de dar uso à boa parte de seu autocontrole para não se deixar levar, mas no fundo
estava se divertindo com o jeito todo arrependido do outro, e estava num momento
sádico o suficiente para deixá-lo se sentir culpado por um tempo.

“Eu quero dormir, vamos pro ônibus.” André disse quando chegaram na altura da casa
de festas, e saíram da beira da praia.

“Dormir?” Fafá não pareceu contente, agora se assemelhava ao Sascha quando queria
um pedaço do que quer que o loiro estivesse comendo.
“Dormir!” André exclamou enfático, e pôde jurar ouvir um ganido insatisfeito do outro,
mas devia ser coisa da sua imaginação.

Subiram no ônibus já quase lotado, pelas quatro da manhã, e rumaram de volta ao


campus.

De volta às dunas, Fran e Gabi discutiam sobre terem ouvido ou não uns berros do
André, e alguns sons da voz deles. Depois foram molhar os pés na água do mar e
caminhar por uns quarenta minutos pela margem, conversando e rindo, contando sobre
os guris que ficaram na festa, ou as cantadas que receberam, até tomarem o mesmo
caminho dos meninos.

XxxX

O ônibus estava lotado e, assim como na noite anterior, repleto de gente quase
desmaiada, podre, esgotada, que mal havia sentado nos bancos e já praticamente entrado
em coma profundo. Os que ficaram em pé pela falta de lugar se apoiavam uns nos
outros, ou nas barras de metal do ônibus, e cochilavam em pé. Ao ver aquele bando de
jovens naquele estado deplorável, André percebeu como também estava exaurido. E não
havia mais lugar para sentar.

“Olha o estado dos loucos. É muito cancha essa gurizada.” Fafá balançando a cabeça
murmurou, como se com medo de acordar a galera – algo que provavelmente não
aconteceria nem que um desfile de carnaval passasse do lado do ônibus.

“Essa juventude de hoje é lamentável.” O loiro declarou, como se fosse alguém muito
maduro que não houvesse também dançado, bebido – se agarrado com outro! – e
estivesse também louco por uma cama. Por motivos inocentes, é bom deixar bem claro.

“Fala como se fosse um velho!” Fabrício o cutucou no abdômen, fazendo o loiro saltar
para trás devido às cócegas, um de seus maiores pontos fracos. Fafá se divertiu com isso
e continuou cutucando o abdômen durinho do André até o fundo do ônibus, o limite da
fuga.

“Para com isso!” André resmungou irritado. Não gostava de ter cócegas, e o moreno
sabia muito bem disso. “Para antes que eu te dê um soco!”

“Outro soco?” Fafá não conseguiu impedir-se de implicar, com um sorrisinho malandro
que tinha por objetivo constranger o loiro. “Meu queixo ainda ‘tá meio dolorido.”

André mordeu o lábio, sentindo aquela pontadinha de culpa pelo que havia feito. Se não
tivesse tornado as coisas tão complicadas com suas dúvidas e medos, teria aceitado o
beijo na outra noite e não teria socado o moreno. Ele não merecera aquele soco. Se bem
que fora uma vingança boa por sua bunda.

Fabrício estava parado bem à sua frente, e André encostado a uma das barras de metal
que ficavam bem ao lado da porta de saída do ônibus. Estendeu a mão até o queixo dele
e o tocou com a ponta dos dedos, numa carícia delicada, pois não queria causar mais
nenhuma dor. O ônibus entrou em movimento bem naquele momento.
“É aqui que dói?” André perguntou agora também sussurrando. Todos ali pareciam
dormir, a exceção deles, mas talvez só não tivesse prestado atenção suficiente em cada
um ali dentro. Fabrício, que se segurava à barra de teto, segurou a mão do André e a
beijou na palma, mantendo o olhar sobre o loiro.

O famigerado formigamento nas bochechas apareceu, deixando André agitado. Olhou


para o lado e por cima do ombro do moreno, enquanto Fafá se aproximava um passo
ainda segurando-lhe a mão. Olhos negros cravados nos azuis.

“Se tu cuidar bem de mim a partir de agora, vai parar de doer.” Comentou com um ar
indefinível, difícil dizer se havia alguma malícia ali, ou se era o André imaginando
coisas. Pensou que seria difícil lidar com aquele moreno cheio de liberdades, se não
colocasse uma coleira nele o mais cedo possível. Cachorros não podem ser mal
acostumados.

“Não seja ridículo, vai parar de doer de qualquer forma, em alguns dias.” André se
empurrou mais contra a barra de ferro, querendo escapar um pouco de toda aquela
proximidade. “E não fica tão perto, ‘tá cheio de gente nesse ônibus.” Sussurrou grave.

Fafá contornou-lhe a cintura com o braço, segurando a barra às suas costas e deixando
seus corpos a milímetros um do outro. André sentiu aquele calor traiçoeiro espalhar-se
por sua pele, parecendo derreter-se e aprofundar-se nele.

“Estão todos dormindo.” Fabrício murmurou praticamente roçando os lábios nos do


André. “E teus lábios estão me chamando.” Abriu um sorrisão travesso, daqueles que
sempre abria quando sabia que falara alguma coisa que irritaria o loiro. Seus caninos
pareceram mais salientes do que nunca, e seus cabelos negros eram uma bagunça
endurecida pela maneira que André os agarrara enquanto se beijavam.

Os cílios dourados do André pareceram tremeluzir enquanto ele estreitava os olhos de


uma forma nada simpática ao comentário do moreno. Fabrício sentiu um arrepio subir
pela espinha, não sabia se de medo ou de excitação, pois o loiro sempre ficava muito
sexy quando irritado. Parecia gostar de mexer com fogo.

“Se me beijar aqui dentro, eu juro que te atiro pela janela do ônibus em movimento.”
Deixou bem claro, e não parecia estar falando da boca pra fora.

Não que o Fabrício estivesse desconsiderando a ameaça, mas bem na hora bocejou. Ele
também estava pregado de sono. Aproximou-se mais e descansou o rosto no ombro
branquelo exposto do André.

“Certo, então só me deixa dormir até chegarmos lá.” Pediu já acomodado, e fechou os
olhos descansando parte de seu peso em cima do loiro sem nem pedir permissão. André
arregalou os olhos, e agarrou o colete do ‘vampiro’, para manter o equilíbrio. O
motorista do ônibus não estava poupando na velocidade.

Suspirou cansado apoiando a cabeça na barra de ferro, sem forças para empurrar o
moreno abusado, e sentindo aquele mesmo calor continuar pulsando em seu corpo,
agora abaixo da pele, deixando-o com uma sensação de febre – um frio insaciável que
exigia pela proximidade do Fabrício, e uma temperatura anormalmente alta ardendo na
pele.

“Às vezes, tu é pior que o Sascha. Abusado, bagunceiro, e não faz nada do que eu
mando.” Murmurou contrariado. Mas fazer o que, adorava o Sascha.

Fafá apenas sorriu contra o ombro do loiro.

XxxX

“Hoje vamos poder dormir até mais tarde, porque o jogo de vôlei é só às 10h30min!”
Fafá comentou alegre. Alegre até demais enquanto entravam na barraca. André mal teve
tempo de se ajoelhar no colchonete e se virar para ele antes de ser sumariamente
agarrado. Caiu de costas no chão, com o moreno sobre seu corpo. De novo aquelas
sensações fortes invadiram-lhe o corpo, deixando-o nervoso.

A barraca era um lugar perigoso...

“Sai Fabrício!” Virou o rosto e tentou empurrá-lo. “Tu ‘tá animadinho demais!”

“E isso é ruim?” Fafá perguntou beijando-o no pescoço, e de repente lhe deu um chupão
forte entre os caninos afiados. André soltou uma interjeição de horror. “Ops, desculpa.”

“Tu quer me deixar com outro roxo enorme por dias?!” Ainda se lembrava da semana
que teve de carregar um roxo horrível, que chegou a ficar amarelado, no pescoço, por
culpa do moreno. “Para com isso! Por que pra ti isso é tão fácil!? S-Sair agarrando outro
guri... N-Não era pra ser assim... Tão normal.” André se exasperou encabulado e
empurrou-o, sentando-se. A bata escorregou por seu ombro, e todo seu torso ficou à
mostra, o que o deixou vermelho, principalmente pela maneira com que o Fabrício o
comeucom os olhos.

Descarado. Nem sequer disfarçava!

“Fabrício!” André o chamou, pois o outro só faltava babar. “Idiota, até parece que
nunca viu...”

“É que agora eu posso tocar.” Fafá abriu um sorriso pervertido e, ajoelhado, agarrou a
cintura esbelta do loiro, trazendo-o para perto com um puxão forte, que quase fez André
cair por cima de si, com um arfar assustado. “E pra mim é tri normal. Estou querendo
beijar e tocar a pessoa que eu gosto, que que tem nisso?” Aproximou o rosto do loiro,
que tinha os braços ao redor de seus ombros, e deu uma mordidinha no queixo dele.
André corou mais, e virou um pouco o rosto.

Sentia-se patético. Uma guriazinha virgem. Já tinha bastante experiência, mas com
garotas. Com o Fabrício, não sabia bem como agir. Achava constrangedor. Recém
admitira aquilo tudo para si próprio, e o outro parecia já querer deflorar até seu ouvido!
Ok, estava exagerando, mas ainda assim... Gemeu só com o beijo preguiçoso que o
moreno lhe deu na bochecha. Já estava excitado – por causa de um beijo na bochecha.
Perfeito, pensou irônico.
“Ok, mas vamos dormir então. Tu ‘tá todo fracote por causa das últimas noites de pouco
sono e alimentação ruim, e te quero inteiro pro próximo jogo.” Fafá anunciou, soltando
o loiro e retirando a capa da fantasia que ainda trajava.

Por um momento, André achou que ele o queria inteiro por outro motivo.

“Não ‘tô fracote.” André resmungou meio decepcionado, não sabia exatamente por quê.
No fundo, não queria dormir. Começou a retirar as sandálias de tiras.

“Não ‘tá fracote, só desmaiando por aí.” Fafá implicou com um sorrisinho malandro.
André o olhou feio, vendo-o já deitado com metade da fantasia posta de lado. Ou seja,
nu da cintura para cima, com os braços atrás da cabeça. André sentiu aquele calorão
subir pelo corpo, e decidiu colocar apenas um shorts para dormir.

“Queria ver se fosse tu com síndrome vasovagal e pressão baixa.” Murmurou


emburrado, mas se acomodou no peito do moreno, descansando a cabeça no tórax dele e
abraçando-o pela cintura, roubando-lhe o calor. Fafá se surpreendeu, e por um momento
não soube o que fazer. Não esperava aquilo do loiro, mas, pelo visto, ambos tinham
lados completamente novos um do outro para desvendar.

Fafá, por exemplo, descobriria que o André ficava bastante carente e afetuoso depois de
beber. Já o André aprenderia que não conseguia ficar brabo com o moreno por muito
tempo.

Ok, isso ele já sabia há um bom tempo.

Era o início de uma nova fase da relação dos dois que, por mais que não fosse ser fácil,
tinha tudo para ser inesquecível e deliciosa.

Fabrício abraçou o loiro em retorno, fazendo carinho nas costas dele.

“Também senti muito a tua falta, loiro.” Murmurou sem saber se o outro o escutava, e
perdeu a noção do tempo antes também de cair no sono, com um sorrisinho bobo nos
lábios.

(Cap. 28) Extra Daniela


Notas do capítulo
Por trás do que se vê

Dani ainda sentia os olhos lacrimejando pelo que acontecera na festa. Uma dor
indescritível machucava-lhe o peito, e certas lembranças, que com o tempo aprendera a
bloquear, retornavam como chamas vívidas que ardiam na pele. Chegou ao alojamento e
entrou na barraca que dividia com o amigo que fizera na faculdade. Conhecia o Milo,
apelido para Camilo, há apenas três meses, mas a afinidade acontecera como um raio, já
o considerando seu melhor amigo. Até porque, nunca tivera muitos amigos antes – além
da Gabi, e do Fabrício, guri por quem se apaixonara.

“Meu deus, guria, o que aconteceu?” Milo, que estava tirando da mala o pijama –
comprido, de ursinhos – perguntou assustado ao vê-la chorosa e cabisbaixa. “Te perdi
de vista em certo momento da festa e não levei meu celular pra festa... O que foi? O
bofe beijava tão mal que te deixou às lágrimas?” Se aproximou passando um braço
pelos ombros dela.

Seus pais provavelmente achariam um absurdo ela dividir a barraca com um garoto –
como se fosse virgem! –, mas o Milo era gay, do tipo afetado e alegre, que sempre lhe
arrancava gargalhadas. E acabou rindo do comentário dele, balançando a cabeça, antes
de acabar chorando ainda mais pesadamente. Milo arregalou os olhos e abraçou.

“Bichinha, nunca te vi assim. Me fala o que aconteceu.” Ele pediu, verdadeiramente


preocupado, e Dani chorou ainda mais por ter alguém que se preocupasse assim com
ela. Como poderia explicar? Tantas coisas haviam acontecido, tantos acertos, mas tantos
erros. Balançou a cabeça, limpando as lágrimas com as costas da mão e respirando
fundo.

“É uma longa história.”

“Pois eu sou uma criatura preguiçosa, que não se inscreveu pra nenhum esporte, veio só
pela putaria, e não preciso acordar cedo, então, temos o resto da madrugada pela frente.”
Milo disse, prático, sorrindo de leve. Ele tinha os lábios pequenos, lembrando um botão
de rosa, e meigos olhos verde-água. Os cabelos, cacheados que tapavam as orelhas,
davam-lhe um aspecto angelical. Não era lindo, mas tinha seus atrativos, e sabia chamar
atenção.

Dani voltou a rir. Como adorava Milo. Demorou alguns minutos até conseguir se
acalmar, respirando fundo, e então criar coragem para revelar coisas que nunca revelara
para ninguém. Começou pelo pior de seus ‘podres’. Tinha medo de perder o amigo,
assim como vira toda a confiança da Gabi se despedaçar frente a seus olhos, mas o
melhor era que ele o odiasse agora, do que depois, quando a amizade se aprofundasse.

“Eu roubei dos meus pais e da minha irmã ano passado. Pegava quase todo o dinheiro
que eles me mandavam, e não gastava pro que eles mandavam, e também roubei da
minha irmã. Ela trabalhava todos os dias, de manhã e de tarde, e me entregava o
dinheiro pra pagar o aluguel. Eu também peguei todo esse dinheiro.” Admitiu de uma
vez, pois não havia como dar voltas. Milo arregalou os olhos por um momento, o que
aumentou o aperto em seu coração, mas depois a expressão dele suavizou, antes de
perguntar:

“Por quê?”

Pela primeira vez, alguém lhe perguntava por que, antes de julgá-la ou criar razões
tiradas do além. E Dani agradeceu por isso. Mais lágrimas escaparam-lhe olhos, pois a
parte mais dolorosa das lembranças era a chave de tal pergunta.

“Porque a Moema estava morrendo.”


[...]

Começou quando tinha cinco anos e foi considera a criança mais bonita da reserva
Carreteiro, localizada no interior do município de Água Santa, a cerca de 5 km da
cidade. Um belo local em meio a muito verde. Os pais ficaram orgulhosos; porém, não
demorou para que preferisse ter nascido diferente. A irmã, Amanda, não tinha metade
da sua beleza, o nariz era comprido demais; os lábios, finos demais, a ponto de às vezes
sumirem quando ela os apertava em desgosto; as sobrancelhas grossas e grandes, quase
monocelha; os cabelos, como alguns meninos maldosos diziam, parecia uma palha.

No entanto, Amanda sempre foi mais inteligente e esperta. Ia melhor na escola, era
altiva, tinha respostas afiadas na ponta da língua. Era a mais velha. E Dani a adorava, e
idolatrava. O que ela não sabia, era que a irmã a invejava, e adorava fazê-la parecer
mais burra ao seu lado. Eram crianças e, como todas as crianças irmãs, tinham suas
picuinhas. Dani era tímida, doce e demorava a entender piadas, cálculos, e era ruim em
esportes. Amanda era energética, tagarela, e boa em tudo que fazia.

Com o tempo, toda a reserva já sabia. Dani era unicamente bonita, pois era burra, e
Amanda era feia, mas roubara toda a inteligência para si. Ficaram conhecidas como a
feia e a bonita, ou a burra e a esperta. Os meninos, principalmente, adoravam chamá-las
assim. Em determinado momento, os pais começaram a concordar com isso.

“Tu tem que ficar aqui na reserva, Dani. Casar, ter filhos e cuidar da casa. Do jeito
como é lenta, não vai ir longe, beleza serve pra agradar marido. Tua irmã é diferente,
não vai arranjar marido, é bom que ela vá pra cidade grande e tente se virar, porque
nenhum homem vai querer cuidar dela feia como ela é.” A mãe dizia-lhe várias vezes
por mês, em diferentes contextos, e com diferentes palavras, mas todas queriam
significar a mesma coisa. Algumas vezes, escondida, a Amanda entreouvia as palavras
da mãe e chorava escondida, e maldizia a irmã bonita.

Dani saía para a rua e tinha de aturar, principalmente quando chegou à puberdade,
homens a olhando descaradamente. De repente, era a menina fácil que devia aturar
assédios só por ser a mais peituda, a mais bunduda, com um corpo violão já de mulher
com apenas 11 anos. As outras garotas a olhavam com desprezo, chamavam-na de puta
burra pelas costas, e a Daniela simplesmente não entendia por que era tão odiada. Até o
pai a xingava às vezes, dizendo-lhe para se portar como uma mocinha, envergonhado
dos comentários dos vizinhos, mesmo que soubesse que a filha nem ao menos dera seu
primeiro beijo.

A primeira pessoa que não a tratou dessa forma foi outra pessoa que era ‘odiada’ na
comunidade. Já era uma mulher velha, com seus setenta e um anos, vivia sozinha e já
era meio cega, andava sempre com uma bengala e seus passos eram incertos. Quando
caminhava lentamente pela rua, as pessoas desviavam e a evitavam. Dani não conhecia
bem o motivo, mas era algo relativo a ela ter traído o marido quando mais nova. Até
hoje, dona Moema tinha marcas no corpo pelas agressões domésticas que recebia do ex-
marido, mas Dani não sabia disso, e ninguém se importava em saber. Ninguém
condenara o homem quando ela o espancara ao descobrir sobre a traição e deixara a
comunidade, levando todo o dinheiro e bens de Moema.

Ninguém se importou.
Mas Dani se importou ao ver a velha senhora sem a bengala, buscando apoio pela rua
em árvores e bancos, enquanto segurava uma sacola numa das mãos. Dani pegou a
sacola das mãos da senhora e lhe ofereceu um braço. Dona Moema olhou-a
impressionada, mas então ofereceu à menina um sorriso desdentado e amarelado, mas
que ainda assim, Dani achou bonito, pois era sincero.

“Eu levo a senhora até a sua casa.”

“É muita gentileza, Daniela.” Ela sabia seu nome.

Naquela comunidade pequena, todos sabiam o nome de todos. E a Dani a acompanhou,


e aceitou os biscoitos que ela tirou do forno, oferecendo-os com um pouco de chá. Dani
não gostava de chá, mas aceitou mesmo assim, bebendo um pequeno gole e esforçando-
se para não fazer uma careta pelo gosto forte.

“Obrigada por me acompanhar, Daniela. Não é sempre que uma velha como eu recebe
ajuda de uma mocinha inteligente e esperta como você.” Ela falou, sentando-se à mesa,
os olhos esbranquiçados pela catarata pousados na menina. O queixo delicado da Dani
caiu suavemente, e o coração palpitou. Era a primeira vez que alguém a chamava de
inteligente.

“A senhora deve estar me confundindo com a minha irmã. Ela é inteligente. Eu sou...”
A palavra ficou engasgada na garganta, e abaixou o olhar para xícara fumegante entre
suas mãos. Moema sorriu novamente, e todo seu rosto era rugas e manchas distorcidas
quando o fazia.

“Não, não estou. Pessoas inteligentes ajudam ao próximo, e não se importam com a
opinião dos outros.” Moema se inclinou e esticou a mão para a menina, que aceitou o
aperto da mão quente da velha. “E você é bonita sim, mas bonita no coração. Até uma
velha cega consegue ver isso.”

Dani chorou, e não entendia como, em todas as vezes que continuou a visitar dona
Moema, ela parecia lhe entender tão bem. Contou tantas coisas para ela, e ela também
lhe contou outras tantas. Dani passou a odiar aquela comunidade. Odiar a opinião
alheia. Odiar o homem que tentou assediá-la aos quatorze anos, quando saía do colégio.
Odiou o namorado que a mãe lhe empurrou, que vivia querendo ultrapassar o sinal,
mesmo que ela não quisesse. Odiou as crianças que viviam roubando a bengala de dona
Moema. Odiou tantas coisas.

Mas dona Moema dizia-lhe que o ódio não trazia bons frutos, apenas envenenava a
alma, então tentava não odiar. Aprendia a tolerar. Dona Moema era o anjo de sua vida, a
única pessoa que gostava, que lhe era especial, apesar de amar os pais e a irmã também,
mesmo que a mãe insistisse que só serviria para casar e parir, o pai a xingasse e batesse
sempre que voltava pra casa após ouvir algum comentário sobre ‘a filha puta’, e a irmã
adorasse inventar histórias sobre como transava com um garoto diferente por semana,
ou coisas assim.

Quando tinha quinze anos, a irmã mais velha foi para Porto Alegre, e começou a
trabalhar lá. Mesmo sem diploma, Amanda logo deu-se bem, fez amigos, arranjou um
emprego, e logo passou em um concurso público. Ela era realmente esperta, aprendia
fácil, e Dani novamente a admirou. Mas isso a fez pensar que jamais conseguiria o que a
irmão conseguira.

“Eu acho que só me resta casar, Dona Moema. A mãe sempre diz que é isso que eu
deveria fazer. Que não iria me dar bem como a mana...”

“Você não precisa casar e ter filhos se não quiser, Dani. O mundo está lá fora,
aguardando todos que tentarem se arriscar. Você é inteligente, iria dar-se bem.” Dona
Moema lhe disse uma vez. E Dani acreditou, e abraçou a senhora que não tinha família,
além dela.

Dois anos depois, Dona Moema adoeceu. Nenhum médico local sabia o que ela tinha,
então ela foi levá-la para Porto Alegre, para o Hospital de Clínicas. Lá, foi
diagnosticada com uma doença rara, cujo tratamento não era fornecido pelo SUS, de tal
modo que os medicamentos mensais teriam um custo muito caro, que Dona Moema não
seria capaz de pagar.

Naquele ano, Dani decidiu: iria se tornar médica. Iria ajudar pessoas como Dona
Moema, e iria ajudar Dona Moema. Se continuasse na comunidade, não teria como
reencontrá-la. Depois de um mês, descobrira que o filho de dona Moema – e Dani nem
sabia que ela tinha um filho! – a colocara em um asilo barato em Porto Alegre,
basicamente para deixá-la morrer, longe da comunidade, para não dar-lhe mais
vergonha.

Dani chorou dia e noite. Implorava para os pais que a deixassem ir para Porto Alegre.

“Apenas um ano, é tudo que eu peço pra vocês! Um ano!” Exclamava.

“Não seja ridícula, Daniela. Não tem capacidade pra passar em medicina. Ainda mais
dizendo que não vai tentar entrar pelas cotas de indígenas. Ao menos seja sensata!
Parece que gosta de ser burra!” A mãe exclamava em retorno.

“Eu vou passar como qualquer outra pessoa. Não preciso de cotas.” Falava. “Por favor!
Eu irei trabalhar, eu só preciso de um pouco de ajuda!”

“Tudo bem, mas se fracassar, vai voltar pra cá e nunca mais terá ideias dessas. Vai se
casar com o filho do Jacir, que te ama e te quer bem.”

“E ai teu se der uma de puta por Porto Alegre também. Te arranco os dentes fora, e
nenhum outro homem vai querer olhar pra tua cara.” O pai deixou bem claro.

Então Dani foi, e iniciou o cursinho, todas as manhãs e algumas tardes. Era um cursinho
caro, que felizmente os pais estavam dispostos a pagar. Dani não contou, mas conseguiu
algumas bolsas no cursinho, o que a ajudava a pegar o dinheiro que sobrava dos pais,
mais o do aluguel, e mais o do emprego que conseguira aos finais de semana, e repassar
para o tratamento da dona Moema. Também conseguiu, com concordata do filho dela,
transferi-la para um asilo melhor, o Padre Cacique, que felizmente não cobrava caro a
membros mais pobres, e ainda assim era considerado o melhor do Estado. Não contou
nada a ninguém, a irmã sempre o xingara por manter contato com Dona Moema, e os
pais viviam dizendo que a mulher era má influência, amaldiçoada.
O dinheiro sumia, a irmã desconfiava, Dani comprava uns sapatos, roupas e joias de
marca falsa, que se fossem verdadeiros custariam bem caro, para justificar o uso do
dinheiro que os pais enviavam para que ela comesse, comprasse algumas coisas, etc.

A irmã não gostava de tê-la no mesmo apartamento, e deixava isso bem evidente.

“Não sei o que tu veio fazer aqui, é óbvio que não vai passar em medicina.” Ela insistia
em dizer, quase todos os dias.

“E aí? Estudando? Entendeu alguma coisa? Essas coisas são difíceis, Dani. Tu deveria
voltar pra reserva.”

“Por que tu não desiste logo?”

Dani não desistia, porque, todas as semanas, podia visitar dona Moema, vê-la em
melhor estado graças à carga grande de remédios que tinha de tomar diariamente, e pelo
bom tratamento que recebia no asilo. Também, por ter feito amigos no cursinho, seus
primeiros amigos... Fabrício e Gabriella. Ainda se lembrava de como um dia o Fabrício
se aproximara com um sorriso e comentara: bah, mas tu é muito inteligente, acertou
esse simulado de português quase inteiro! Foi sua perdição. Não deveria ter acontecido,
mas rapidamente se apaixonou por ele, e morreu de ciúmes da própria amiga quando
Fafá e Gabi começaram a ficar.

“Por quê?!” Gritava quando chegava em casa, e caía no choro. “Eu sou a mais bonita,
não sou? Por que ele ‘tá com ela? Ela até acima do peso está! Nem é tão bonita assim!”
O ciúmes, a inveja a faziam dizer. Que importava ser bonita, se quando se apaixonava,
isso não lhe servia de nada? Odiou-se ainda mais. Sua única qualidade era a beleza, e
nem para isso servira. “Eu não suporto ver os dois juntos...”

“Como tu é falsa, Daniela.” Amanda lhe disse com um sorrisinho sarcástico. “Falando
mal da própria amiga pelas costas.”

Dani se envergonhava, mas não conseguia reprimir aquela dor no peito, aquela raiva,
aquele ciúmes, acabava ainda tentando chamar a atenção do garoto por quem se
apaixonara, não conseguia reprimir sorrisos quando estava perto dele, e chorava em
casa, xingava a Gabi, e sentia-se baixa por em parte odiá-la, e em parte adorá-la por ser
tão querida; tentava reprimir aqueles sentimentos. Mas era difícil. Quando se sentia
assim, ia até Dona Moema para conversar. Era seu único remédio.

Ela lhe passava a mão nos cabelos e dizia:

“A vida é assim, repleta de decepções, e as amorosas estão entre elas, e doem


intensamente, principalmente quando somos jovens e desejamos tão ardentemente,
vivendo tudo como se não fôssemos ter outras chances, ou outros amores. Mas tudo
passa, meu doce, e a vida vai nos endurecendo e fortalecendo... Você já é forte, vai
superar esse coração partido.”

E assim era. E assim Dani levou por mais um mês.

Até Dona Moema falecer, pouco depois do meio do ano.


Depois daquilo, seu mundo desabou. Fabrício e Gabi terminaram, mas ela não se
importou. Ele não queria nada. Não demonstrou nada. Moema estava morta, e ela
gastou o dinheiro no enterro, e depois em coisas que nem sabia. Achou ter entrado em
surto. De repente, era tão difícil. A morte de sua pessoa especial, a irmã, o coração
partido, a pressão para passar em medicina, do contrário iria voltar e casar-se com
aquele garoto intragável, que participava dos roubos à bengala de Dona Moema.

Sua personalidade mudou. Tornou-se mais inconsequente, parou de se importar com a


opinião dos outros, definitivamente, e passou a não tolerar mais desaforos. Foi em
festas, bebeu, transou com um rapaz – sua primeira vez! – e continuou com ele, não
sabia por que, por quase um mês. Nesse meio tempo, se desentendeu com a Fran
algumas vezes, por motivos bestas – as duas nunca tiveram uma afinidade muito boa,
simplesmente por serem muito diferentes, e por a Fran perceber que era a fim do
Fabrício.

Não demorou para a irmã descobrir sobre os seus roubos, e os pais sobre o rapaz com
quem perdera a virgindade. O resultado foi lógico: foi arrastada de volta para a reserva,
como uma pária. Odiada pela irmã e pelos pais. Não perdeu os dentes por pouco. E
sequer havia dona Moema para ajudá-la.

Porque ela estava morta.

E Dani não cumprira sua promessa de tornar-se médica e salvá-la.

XxxX

Dani voltou a chorar forte, não conseguindo mais continuar. Milo estava chocado com
toda aquela história. Como as pessoas conseguiam ser assim? Julgavam os outros pelas
aparências, e eram malvadas e mesquinhas até o âmago por pura diversão. Apontavam o
dedo, excluíam, judiavam, fofocavam, achando-se no direito para tal. Quem nunca
pecou, que atire a primeira pedra, não era isso? Algo tão básico, e ainda assim, todos se
esqueciam, assim como se esqueciam de tantas outras coisas, pois estavam mais
preocupadas em meter-se na vida alheia. Qual era a dificuldade em praticar um pouco
de empatia? Se colocar no lugar das pessoas e pensar... Uma boa dose de respeito fazia
toda a diferença.

Milo conhecia bem esse lado das pessoas, afinal, como a maioria dos homossexuais
assumidos – e principalmente os mais afetados – já recebera sua dose de preconceito
para toda uma vida.

“Não chora, Dani banana. Todos nós cometemos erros, e os teus nem foram tão
horríveis assim. Estava tentando ajudar alguém especial.” Fez carinho nas costas da
menina. “É por isso que tu tem trabalhado de noite, junto com a faculdade, não tendo
tempo pra nada? Pra devolver o dinheiro?”

“Quero devolver o dinheiro... pra minha irmã ao menos.” Soluçou, e não disse mais
nada por alguns minutos. “A Gabi de alguma forma sabe que eu às vezes chegava em
casa e falava mal dela. Me chamou de falsa. Eu acho que mereço...”
“Ai, por favor! Tu ‘tava sofrendo por estar apaixonada. Diga, quem não acaba ao menos
pensando que a rival ‘tá acima do peso?” Milo suspirou dramático. Pessoas apaixonadas
cometiam burradas incontroláveis, e quem se achava no direito de julgar, era por que
nunca se apaixonara de verdade! “E tu falava isso só no teu apartamento, pra extravasar
a dor de cotovelo, não saía falando mal pra todo mundo, ou fazendo intrigas. Só tua
irmã metida que ouvia, e ainda deve de alguma forma ter contado pra esses teus amigos,
e aumentado um conto. Isso é passado, fim. Aconteceu, tu se arrepende, isso já faz a
diferença. Se eu roubar o teu boy magia algum, pode me chamar de puta intrometida, eu
deixo.”

Dani novamente soltou um riso engasgado com o choro. Só o Milo para lhe arrancar
risadas em momentos como esse. Abaixou a cabeça, sentindo-se exausta.

“Achei que o Fabrício queria algo comigo. Ele foi tão querido e atencioso, até me
cantou a música Daniela, sabe? Todos meus sentimentos reacenderam, mas eu já
deveria ter aprendido que ele é assim, legal demais com todo mundo, sempre atencioso
e querido.”

Doía.

Ela preferia que ele não houvesse lhe dado tanta atenção. Viera ao Intermed pra tentar
reencontrá-los. Dera sorte de ganhar uma promoção da faculdade que a isentou do
pagamento, que era bem caro. Pensou em como seria bacana rever os amigos, mas foi só
ver o Fabrício que as pernas tremeram e o sorriso brotou no rosto, como sempre
acontecia. Desejou, ao menos uma vez, poder ter um rolinho rápido com ele; quem sabe
experimentando os beijos dele livrar-se-ia dessa obsessão quando retornasse para
Pelotas. Mas se iludira de novo.

“Tu ‘tá precisando dormir, Danizinha.” Milo decretou, vendo seu estado lastimável.
“Amanhã conversamos mais sobre isso, ok? Obrigado pela confiança em me contar tudo
isso.” Disse sincero, e a zelou até que pegasse no sono, acariciando-lhe os cabelos. A
amiga era tão alto-astral e confiante, com aquele ar menina fatal, que Milo nunca achou
que teria um passado tão tenebroso. Se arrepiou, e não soube se pela história, ou se pelo
celular que vibrou bem na sua bunda. Deu um salto e o pegou, xingando-se por ter se
sentado sob ele sem perceber.

Era uma mensagem.

Vem aqui pro lado de fora do alojamento. ‘Tô te esperando.

Ergueu a sobrancelha. Quem poderia ser? Não conhecia aquele número! Até que
lembrou do carinha que conhecera aquela noite, fantasiado de policial, e com quem
ficara e até dera o número do celular! Beto era o nome, se não se enganava. Ele sumira
no meio da festa, e depois se reencontraram no ônibus, onde ele falou algo como
‘escoltar essa loirinha para a barraca dela’. Milo ficou abismado, achando que ele era
um enrustido, e que agora ia comer a loira só pra provar que era macho. Nem esperou,
foi pro próprio alojamento dormir.

E agora essa.
Ir ou não?

Acabou indo. Fazer o quê? O cara era bonito e legal, e talvez não fosse enrustido.

Mal saiu do alojamento e foi bruscamente puxado e empurrado contra a parede do


pequeno prédio. Ofegou com o contato do corpo do outro. Logo pensou em sexo. Seria
bom para relaxar, e assim que voltasse para Pelotas nunca mais o veria mesmo, não era
uma perspectiva ruim.

“Sentiu minha falta?” Beto perguntou, exibindo o sorriso com aparelho. Por alguma
razão inexplicável, Milo adorava homens de aparelho. Achava perigosamente charmoso,
e ainda bom de beijar, mesmo que muita gente reclamasse.

“Achei que estaria com aquela loira agora.” Milo cruzou os braços e o encarou com a
boca repuxada para um lado, uma sobrancelha erguida.

“Quem? A Vanessa? Te falei que só ia largar ela na barraca. Demorei porque encontrei
um amigo no caminho e ficamos conversando um pouco.” Explicou já enfiando as mãos
para dentro da camisa do de cabelos cacheados. Estava com a sensação de que se daria
bem aquela noite. “Já comentei que essa fantasia de anjo combina contigo?”

“Eu só coloquei uma roupa branca e improvisei umas asas. E até já tirei elas.” Milo
revirou os olhos. Cantadas. Não era algo de que gostasse muito, preferia ações. E por
isso deslizou a mão pelas coxas do ‘policial’, subindo até tocá-lo entre as pernas.

“Vai ver que é porque tu parece um anjinho de qualquer forma.” Beto murmurou contra
seu ouvido ao se aproximar mais, mas gemeu com o apertão que recebeu no pênis. “Um
anjinho endiabrado.”

“Sabe, essa foi péssima.” Milo achou melhor dizer, enquanto o provocava beijando-o e
lambendo-o no pescoço. A diferença de altura não era gritante, talvez uns dez
centímetros, no máximo.

“Desculpe, é o que temos pra um final de noite.” Beto riu, percorrendo as mãos pelo
corpo magro do ‘anjo’, enquanto se deliciava com as sensações que a mão e os lábios
dele causavam em seu corpo.

“Vou te mostrar o que é bom pra um final de noite... Talvez até o amanhecer tu queira
me prender.” Milo sussurrou, antes de puxá-lo pela nuca para um beijo.

XxxX

Nota da autora: Queria falar da Dani com vocês, tô a fim de compartilhar. xD Então,
eu não sei chongas de como é a "cultura indígena" atualmente, mas eu tive uma colega
na faculdade, no primeiro semestre (Dani também) que entrou pelas cotas indígenas. Só
conversando com ela percebi que ela 'teve uma educação machista, e era muito limitada
nas visões dela de mundo, provavelmente por crescer numa comunidade fechada. Era
índia também, linda de morrer. Daí a ideia. Ela não aguentou a pressão da medicina e
retornou pra reserva, nunca mais voltou à faculdade, e eu vi no facebook dela fotos de
ela participando de concursos de beleza (daí a ideia de uma comunidade machista, e de
"só servir pra ser bonita"). A ideia dos roubos veio de outra pessoa, fiquei sabendo que a
amiga da minha cunhada contou para ela que a irmã dela a roubou e roubou os pais,
exatamente como a Dani da história. Eu fiquei pasma com a história, primeiro eu pensei
"que vadia descarada", depois fiquei me perguntando por que diabos alguém faria uma
coisa dessas... E aí surgiu essa ideia na história também, se bem que acho que a guria
que fez isso na vida real talvez apenas fosse uma safada mesmo, mas vai saber, e se não
fosse? E se tivesse uma razão? Enfim... Eu nem ia mostrar o background todo que havia
pensado pra Daniela, mas aí algo apareceu no ask que me deu vontade de fazer em
relação a ela, hehehe. Veremos!

Ah, e espero que tenham curtido o novo casal Milo e Beto, eles são secundários,
provavelmente aparecerão pouco, mas tão aí pra não ficar aquela coisa SÓ Fafá e André
o tempo todo, hehe!

Notas finais do capítulo


ATENÇÃO. Eu apenas transformei essa parte num extra, e repostei a história devido
aos inúmeros pedidos. Eu continuo dando um tempo disso tudo, okay? Desculpem-me
qualquer coisa. Beijos.

(Cap. 29) Pra mim é natural


Notas do capítulo
Agradecendo do FUNDO do coração à bii devon e à Pâmela Garcia pelas
recomendações, mesmo eu tendo colocado a fic antes em hiatus. Bem, as boas notícias é
que o hiatus acabou :)

André acordou com um cutucão que, ao ignorar, transformou-se em um carinho suave


em seu abdômen e depois em sua bochecha. Abriu os olhos pesados, apreciando aquele
carinho. Deu de cara com o Fabrício, já arrumado, vestido e de cara lavada, sorrindo
sapeca.

“Bom dia, Bela Adormecida.” O moreno provocou.

Maldito! Jamais esqueceria aquele apelido infame?

André resmungou constrangido e se virou de lado, querendo voltar a dormir. Talvez não
estivesse realmente preparado para encarar – sóbrio – os fatos da noite anterior. Não que
se arrependesse, pelo contrário, mas ainda tinha muito sono e era difícil pensar. E
acordar daquela maneira, com Fabrício lhe fazendo carinho... Era estranho, e bom, mas
estranho. Estava com vergonha.

“Me deixa dormir. Estou de ressaca.” Murmurou com a voz arrastada e preguiçosa.

Fabrício se deitou e o abraçou pela cintura, beijando-lhe a nuca.


“É 9h45min agora. Daqui 45 minutos tem o jogo de vôlei.” Fafá o lembrou, também se
sentindo preguiçoso ao se levantar de novo. Acordara mais cedo por acaso e resolvera ir
ao banheiro tomar um banho, escovar os dentes e aliviar a bexiga. Se voltasse a dormir
agora, ambos acabariam perdendo o jogo. Fafá também estava de ressaca, mas tomara
um paracetamol, era tudo que tinha. E era bom que André tomasse um uma meia hora
antes do jogo, para ter efeito até lá.

“Joga tu. Eu quero dormir.” André voltou a resmungar, soando bastante mimado e
manhoso. Fafá revirou os olhos e mordeu a nuca do loiro, causando-lhe um arrepio que
lhe eriçou os pelos. André tentou acotovelá-lo, mas Fabrício previu isso e o impediu.

“Essa semifinal é contra a UFSC. Vai ser dureza, eles parecem que são bons no vôlei e
estão em primeiro lugar na classificação geral atualmente, o time vai precisar de ti. Tu é
o técnico, além de titular!” Fabrício o lembrou, voltando a cutucar-lhe o abdômen e
causando cócegas. André se virou de barriga para cima com uma interjeição insatisfeita
e risos mal reprimidos.

“Para!” Pediu já mais acordado, e corou parando de se mexer quando o moreno


descansou os cotovelos sobre o colchonete, André entre eles. Fafá roçou o nariz no do
loiro, que fechou os olhos e manteve a boca bem cerrada. Ainda não havia escovado os
dentes, oras. Estavam ‘juntos’ há muito pouco tempo para que já trocassem um beijo
matinal. “Tu não acha nem um pouquinho estranho estarmos assim?” Murmurou com
cuidado, espiando-o através de uma das pálpebras semiaberta.

Fafá parou e pensou sobre aquilo. Suspirou.

“Eu te disse ontem que pra mim é mais natural, mas é porque cresci achando isso
natural, tão natural quanto um guri e uma guria namorando. Convivi bastante tempo
vendo o Diogo e o Rique trocando carinhos e alguns beijinhos.” Fafá explicou. “Eu fico
um pouco nervoso com isso... É meio inacreditável que tu tenha aceitado...” Corou de
leve, a pele bronzeada disfarçando. André adorou vê-lo um pouquinho constrangido,
para variar. “E ‘tava agora pouco pensando nisso, e senti um pouco de insegurança que
tu acordasse e voltasse atrás... Mas eu sou grude, abusado e meio mala, tu vai ter de me
aturar.”

André sentiu-se melhor com o que moreno disse, mas fez uma careta com a parte final.

“Meio mala?” Perguntou irônico, com um sorrisinho no canto da boca, roçando os


dedos no peito do Fabrício. Novamente Fafá se lembrou de Cherry, raspando as
patinhas em sua roupa. “Eu já te aturo há bastante tempo. Acho que consigo suportar.”

“Acha? Olha que eu posso ser um mala completo mesmo.” Fafá ameaçou sorrindo, e
tentou roubar um beijo do loiro. Este porém o empurrou e se levantou, querendo um
banheiro.

“Sem beijos enquanto eu ainda estou com bafo matinal.” Disse constrangido, mas
resoluto. Queria parar logo de se sentir encabulado perto do moreno, ou ao menos perto
do moreno com segundas intenções, mas isso provavelmente só viria com o tempo.
Pulou para fora da barraca.
“Mas eu não me importo!” Fafá tentou dizer, porém André já dera no pé.

Fafá jogou-se no colchonete e colocou os braços atrás da cabeça, olhando para o teto da
barraca. Um sorriso iluminou-lhe o rosto. Estava feliz, era inegável, finalmente parecia
ter saciado um desejo que tivera por anos. Talvez por isso seu namoro de quatro anos
houvesse sido meio morno, apesar de ter amado a ex-namorada. Talvez houvesse
namorado por tanto tempo justamente pelo comodismo. Começava a ver as coisas numa
nova ótica, e muitas atitudes faziam mais sentido agora do que antes.

Queria aproveitar ao máximo o namorado.

Namorado?

Fafá novamente pensou por alguns minutos. Pensou que era óbvio que o André era seu,
ninguém mais podia tocá-lo, beijá-lo e outras intimidades, além de si. Só não pedia em
namoro porque era cedo, André teria um treco, e o melhor mesmo era deixar rolar. Mas
não mentira sobre ser grude e, às vezes, até carinhoso demais.

Teria de se segurar pra não agarrar o loiro o tempo todo, ou acabaria apanhando.

XxxX

A cabeça do André estourava enquanto ele jogava, mas ele jogou bem, esforçou-se ao
máximo e até incentivou o time, para perplexidade de todos, que estavam acostumados
ao seu jeito mais sério. O loiro, apesar da ressaca, parecia de bom humor. Justo ele, que
tinha mau humor matinal desde que se entendia por gente. A sorte foi que no outro time
também havia rapazes de ressaca. Fabrício sentia vontade de jogar; porém, os titulares
eram todos melhores do que ele, então não ajudaria de verdade. Mas, como das três
outras vezes, era ótimo ver o André jogar. Ele poderia ter nascido para aquilo.

Gabi apareceu no último set, sentando-se ao lado do Fabrício. Fafá, na crueldade, não
falou nada, e Gabi não aguentou nem um minuto antes de perguntar pelo que a corroia
internamente.

“E aí?! Vocês se acertaram?” Ela perguntou ansiosa, desviando a atenção do jogo. Só


faltava roer as unhas. Fabrício sorriu apoiando os cotovelos na arquibancada.

“Não sei. Será?” Deixou no ar. E por isso levou um tapa no braço da amiga. Gabi soltou
um gritinho insatisfeito.

“Idiota! Com esse sorrisão, é óbvio que se acertaram! Fala a verdade!” Mal dormira
naquela noite de tanta curiosidade. “Não vejo a hora de implicar com o André sobre
isso!”

“Pelo amor de Deus, não. Ele já quis arrancar fora minha língua quando soube que tu, a
Fran, o Rique e o Diogo já sabiam que eu era a fim dele.” Fabrício passou a mão pelos
cabelos, preocupado. Gabi sabia ser implicante quando queria. E ela até que queria com
bastante frequência.
“Porra, Fafá, mas é um monte de gente mesmo. Pra quem mais tu contou? Pra toda a
torcida do Grêmio?” Gabi falou, esquecendo-se de que quem havia contado para a Fran
havia sido ela. Fafá revirou os olhos, experimentando uma pontada de dor de cabeça.

“Claro que não né. Não contei pra mais ninguém.” Se defendeu.

“’Tá, então eu conto pro Rafael.” Gabi se voluntariou.

Fafá a olhou admirado. Depois ele era o cara de pau do grupo.

“Será que dá pra tu manter a boca caladinha uma vez na vida? Sério, o André vai ficar
puto.”

“E desde quando eu tenho medo de um loiro magrelo daqueles? Ora, faça-me o favor, o
Rafael iria descobrir cedo ou tarde mesmo, ele ‘tá sempre com a gente. É até mais
confortável pra vocês e eu já sondei ele, e ele disse que não tem preconceito também!
Que até tem um primo gay lá de Bento!” Gabi contou empolgada. Fafá ficou aliviado
por isso, seria triste descobrir mais um homofóbico entre os amigos. “’Tá, mas afinal,
vocês se acertaram? Se beijaram? Fizeram nheco-nheco na barraca?”

Fafá gargalhou.

“Sério, Gabi, esse Intermed ‘tá te fazendo mal.”

“Fala logo, Fabrício!” Gritou.

O moreno colocou o dedo indicador sobre os lados e pediu por silêncio. Como se
alguém fosse escutá-los na baderna que eram aquelas arquibancadas: pessoas gritando,
pulando, tocando tambor e cantando as músicas de suas respectivas universidades. O
barulho era até irritante, mas animava o pessoal em quadra.

“Nos entendemos. Nos beijamos. Mas não fizemos nheco-nheco na barraca não.” Fafá
comentou, rindo ainda da amiga e da expressão. Nheco-nheco? Sério mesmo? “Só
dormimos.”

“Abraçadinhos?” Gabi juntou as mãos em frente ao peito.

“Abraçadinhos.” Fafá confirmou meio sem jeito, coçando o cabelo. Esperava não ter de
dar futuramente detalhes de tudo que ele e o André faziam. Seria constrangedor,
principalmente quando Gabi saía fofocando tudo para todo mundo.

Gabi soltou uma exclamação de vitória e abraçou o amigo, dependurando-se em seus


ombros.

“Own, que fofinhos!” Ela falou num ar implicante. “Awn, preciso de detalhes, conta!”

“Não mesmo, já tem o suficiente por hoje.” Fafá redarguiu tentando tirar os braços da
morena de cima de si.

Ela deixou o queixo cair.


“Não digo! Conta! Conta mais, Fafá! Como foi? O que tu disse pra ele? O que ele te
disse? Como vocês acabaram se beijando? Como que ele aceitou isso? Vai, vai, conta!”
Implorou quase o sufocando, apertando-lhe o pescoço e ainda o puxando para baixo,
deixando-o todo torto.

“Socorro! Tem uma tarada me agarrando!” Fabrício gritou. Conseguiu se soltar dela e
os dois, da maneira mais infantil possível, começaram a brincar de pega-pega ao redor
da quadra, tendo de se desviar de várias pessoas pelo caminho, que os olhavam feio
após quase serem atropeladas.

André, da quadra, após enterrar a bola no lado adversário, viu-os correndo em sua visão
periférica. Desviou a atenção para eles, seguindo-os com o olhar por alguns segundos.
Revirou os olhos para aquilo, contente por não ser associado a nenhum dos dois naquele
momento. Se lhe perguntassem, diria que aqueles dois loucos eram da UEL.

Era sua vez de sacar e faltava apenas um ponto para ganharem o set e a partida. Então se
posicionou, jogou a bola para o alto e para frente e correu alguns passos antes de saltar e
bater na bola, jogando-a rasgante para o outro lado da quadra. Quando seus pés
pousaram na quadra, o ponto para a UFRGS já era marcado, e o juiz anunciava a vitória.

Não demorou nem um minuto para que Fabrício entrasse correndo na quadra, na direção
do André, e ainda seguido pela Gabi. O loiro nem teve para onde fugir antes de ser
erguido pela cintura pelo moreno, em comemoração. O time vibrava, e Gabi gritou do
chão, pulando perto deles:

“Agora beija! Beija!”

André usou o pé para empurrar a morena pela cintura, e Gabi tropeçou para o lado,
insatisfeita. Fafá soltou o loiro, parabenizando-o, e dessa vez André aceitou os
cumprimentos com um sorriso tímido, bastante faceiro com a vitória sobre um time
difícil. Talvez agora estivessem em primeiro lugar na competição!

“Own.” Gabi soltou ao ver os dois próximos, olhando-se como se desejassem se beijar.

“Acho melhor sairmos daqui, ela ‘tá ficando assustadora.” Fabrício sussurrou para o
loiro, que assentiu enfaticamente. Os dois começaram a sair de fininho da quadra, mas
Gabi soltou uma exclamação de ultraje e os seguiu.

Acabaram pegando o ônibus juntos, e dessa vez André teve de aguentar as perguntas
indiscretas da morena.

“’Tá, mas assim, no futuro, vocês já pensaram sobre quem será o passivo da relação?
Porque nenhum dos dois deu a bunda, eu imagino, e dizem é que dolorido no início. Ou
vocês serão total-flex? Mas como vocês não fizeram nada além de beijar ainda, vou ter
de esperar. Mas admito, estou curiosa-“ E continuou tagarelando com ela mesma,
enquanto os dois olhavam para os lados, querendo pular do ônibus, se esconder ou
encontrar uma rolha para enfiar goela abaixo da morena.

Até mesmo o Fafá estava constrangido com aquele papo.


“Eu juro que ainda me vingo por isso, Fafá.” André murmurou para o Fabrício, que
apenas sorriu culpado e coçou a barba que começava a dar discretos sinais de vida.
“Juro que me vingo.” Enfatizou.

Fafá rezou para que a Fran não fosse tão indiscreta; no entanto, sabia que com o Diogo
seria ainda pior.

Que o loiro fosse duro na queda, era tudo que humildemente pedia.

XxxX

Até às 15h30min, horário que seria o jogo de futebol, houve tempo para tomar um
banho, almoçar e dar uma cochilada. André deitou na barraca e apagou. Já Fabrício
continuou com os colegas e amigos jogando conversa fora, arrancando umas músicas no
violão e bebendo umas cevas. É, o pessoal parecia beber o tempo todo no Intermed. Mas
cuidou para não acabar alcoolizado, pois precisavam ganhar no futebol, e um bêbado
em quadra ajudaria apenas o time adversário.

Quando chegou a hora do futebol, André acordou sozinho, e a turma toda rumou para o
estádio, ao lado do alojamento. Dessa vez André e Fabrício estavam bem mais
sincronizados e deram um show em quadra, dominando o jogo, tornando-se o delírio da
gurizada. Fafá umas duas ou três vezes deu tapinha na bunda do loiro, que sempre o
fuzilava com o olhar. Isso nunca mudaria.

O jogo foi apertado contra os moicanos da UEL. Foi agressivo e cheio de faltas, André
recebera um cartão amarelo por dar um carrinho num jogador que, antes, sem que o juiz
visse, lhe dera uma cotovelada que lhe tirara o ar dos pulmões. Fafá teve de segurá-lo e
acalmá-lo, antes que o loiro caísse em cima do idiota, pavio curto como era. Houve
outras faltas, os ânimos terminaram quentes, e houve briga entre alguns guris e gurias
da torcida.

Quando enfim ganharam, foi aquela festa, e o pessoal da UEL saiu ou xingando, ou
desolados demais para qualquer implicância. Fabrício e André, suados e exaustos,
abraçaram-se em comemoração. André não gostou de, pelo canto do olho, ver a Gabi e a
Fran cheias de risadinhas e tititis enquanto os observavam. Soltou o Fabrício com um
resmungo infeliz, sentindo-se envergonhado.

“Preciso de um banho.” Comentou, quando saíam da quadra. “Mas não quero pegar o
container lotado de gente.”

“Vamos um pouco mais tarde.” Fafá falou, apesar de, após uma fungada rápida na axila,
achar que gostaria de um banho o mais breve possível. André riu e lhe empurrou a
cabeça. “Ou não?” O moreno perguntou.

“Vamos esperar um pouco. Eu-“ André foi interrompido pela aproximação do Beto.

“André! Parabéns pela vitória. Vocês dois jogaram um bolão!” Beto sorriu e bagunçou
os cabelos do loiro. André fugiu do contato, sentindo-se zonzo com aquilo. “Vim aqui
convidar vocês para algo diferente hoje à noite. Vai ter a última festa lá no mesmo lugar
das duas últimas noites, eu sei. Mas eu consegui as chaves do ginásio com as piscinas, e
pensei em fazer uma festinha particular por ali. Não vai ter muita gente, e não espalhem
muito, tragam os amigos que realmente interessam. Teremos um ônibus para levar até lá
às onze da noite.”

“Ok, ahn... Vou falar com o pessoal, e te aviso, ok?” André falou, curtindo a ideia, pois
realmente não estava lá muito a fim de ir no mesmo lugar pela terceira noite seguida.
“Ah, e obrigado por cuidar da Vanessa, vi ela hoje inteira e bem.”

“Que isso, cara, de boa. A loirinha ‘tava na pior mesmo.” Beto comentou condolente,
dando dois tapinhas no braço do André. “Qualquer coisa ‘tô por aí, mas é só chegar no
ônibus às onze, ali na ruazinha perto do quiosque, se não nos toparmos antes.” Falou e
olhou pro Fabrício, cumprimentando-o também com uns tapinhas nas costas,
reafirmando o convite e parabenizando pelo jogo.

Depois retornou o olhar pro loiro, exibindo o aparelho num sorriso cúmplice enquanto
piscava um olho, e se afastou para junto de outra galera.

“Esse carinha é o de ontem, né? Bem simpático ele, hãn?” Fafá perguntou. Logo gostara
do Beto. Mas também, de quem ele não gosta? André se perguntou. Fafá era do tipo
‘sociável até demais’. Mas era uma sorte que o moreno não soubesse que Beto havia
recentemente dado em cima do loiro.

André voltou a andar, indicando que falaria sobre aquilo num lugar mais calmo, e Fafá
o seguiu. Foram até as arquibancadas que começavam a ser desocupadas, receberam
mais cumprimentos, tiveram de parar para conversar com uns colegas, e só então se
sentaram nuns degraus mais acima, olhando para o lugar que esvaziava gradativamente.

“É, ele... Bem, ele é o cara que eu destratei na festa da matrícula, não sei se tu se
lembra, já que ‘tava podre de bêbado.” André comentou, sentado com os antebraços
sobre as pernas, e passou uma toalhinha pelo rosto e cabelos para afastar o suor.
“Reencontrei com ele aqui e tomei um susto quando ele me pediu desculpas.
Obviamente era eu quem deveria pedir desculpas por aqui, e eu pedi. Foi bom poder
reparar isso. Conversamos um tempo ontem de noite, ele é tri legal na verdade.”
Mordeu o lábio.

Deveria contar que o Beto sabia de tudo? Aí Fafá iria chamá-lo de hipócrita e sairia
espalhando pra mais gente. Ok, no caso, mais gente queria dizer o Rafael. Tudo bem
que o Rafael mal deveria conversar com a própria mãe, mas ainda assim... Era muita
gente pra saber em tão pouco tempo! Fabrício notou o desconforto do loiro e se
aproximou um bocado, colocando uma mão nos costas delgadas, mesmo que a camisa,
como a sua, estivesse encharcada de suor.

“Isso é bom, não é? É bom quando podemos nos desculpar por alguma coisa e tirar esse
peso das costas. Ele parece legal mesmo, então o que ‘tá te incomodando?” Perguntou
sem entender. André desviou o olhar para o lado oposto ao do moreno.

“É que... Eu ‘tava meio bêbado, entende? E ele tem esse jeito simpático de ‘quero ouvir
teus problemas e ajudar’, e aí acabei contanto tudo pra ele... Ele me aconselhou a ir
conversar contigo, e eu ia, mas aí a Vanessa apareceu bêbada e eu fiquei preocupado,
fiquei tentando encontrar alguém pra cuidar dela, mas não achava.” Explicou ficando
com o rosto vermelho, parecendo pisar em espinhos enquanto falava.

Fafá franziu a testa, impressionado.

“Sério que tu contou tudo pra um desconhecido, e reclamou que eu contei pra
Gabriella?”

“Foi sem querer, ok!? Eu ‘tava confuso!” André achou que estava sendo acusado,
porém perdeu a expressão divertida no rosto do moreno. Fabrício não se importava, seus
tios eram assumidos, e ele não tinha medo do preconceito alheio. Claro que seria mais
fácil se pudessem ter certa paz num primeiro momento, sem sofrer com esse tipo de
coisa, principalmente porque seria muita dureza pro André já lidar com isso tão rápido.

“Calma, loiro. Eu não ‘tô reclamando.” Fafá apertou-lhe a bochecha, fazendo o André
virar o rosto para olhá-lo, meio apalermado, meio indignado por ter caído na
‘pegadinha’. “Mas espero que ele não espalhe nada ainda. É mais fácil se mantivermos
segredo por enquanto.”

“S-Sim.” André sentiu arrepios só de imaginar a história caindo na boca do povo. Não
conhecia muito bem ainda todos os setenta colegas de classe, e obviamente alguns
preconceituosos deveriam existir dentro da universidade, ele próprio fora um. “Mas o
Beto é gay também, e parece confiável. Não sairia espalhando.” Garantiu. Não sabia por
que estava confiando tanto quando isso nunca fora de sua natureza; talvez porque não
tivesse outra opção que não confiar.

“Se tu diz, eu acredito!” Fafá garantiu, empolgado. “Então vamos nessa festa na piscina
mesmo? Eu curti a ideia!”

“Eu também.” André sorriu, e o moreno teve vontade de agarrá-lo ali mesmo. Era
dureza ter de se segurar – não poder simplesmente abraçar e beijar em público como
outros casais. “Depois falamos com a Gabi, a Fran e o Rafa. Eu bem que queria comer
alguma coisa agora, estou podre de fome.”

“Erm... Sabe quem nos convidou para jantar hoje?”

André estranhou, apertando os olhos em confusão. Quem os convidaria para jantar?


Estavam no Intermed, a única janta era a oferecida no evento. Mas pela expressão de
‘não me bata quando ouvir isso’ do moreno, André ficou preocupado, e perguntou
cautelosamente:

“Quem...?”

“O Diogo e o Rique!” Fafá exclamou rápido, com uma risada descarada. “O Diogo tem
um apartamento aqui em Torres, e ele e o Rique decidiram vir passar o final de semana
na praia. Ele falou que poderia passar aqui e nos pegar. Também ofereceu o
apartamento dele para que tomássemos um banho, depois que contei que aqui anda
tendo problemas de falta de água em alguns lugares. E aí sairíamos para jantar. Depois
ele nos largaria aqui.” Riu mais uma vez, agora meio nervoso à espera da resposta do
loiro. “O que acha?”
Como se um aviso do destino, Gabi gritou lá de baixo:

“Guris! Parece que faltou água no campus todo! A previsão é que volte só de
madrugada!”

André não poderia viver sem um banho, como aguentaria até de madrugada? Uma coisa
era esperar uma hora até o movimento no container diminuir, outra era aguentar mais de
sete horas! Apoiou o rosto nas mãos, escondendo-o. Só de imaginar o que o Diogo iria
falar...

“Tu já contou para ele, né? Era com ele que tu ‘tava trocando mensagens de
madrugada.” André acusou, mortalmente envergonhado. Por isso também,
provavelmente, Diogo decidira vir a Torres. O homem não era capaz nem de esperar
mais dois dias pra conferir essa história!

Fafá soltou uma risada forçada e culpada, coçando os cabelos negros.

“Tu ‘tava acordado?”

“Eu acordei uma hora, vi que tu ‘tava mexendo no celular, mas logo voltei a dormir.”
Disse e se ergueu, meio nervoso, meio sem jeito. “Que seja, eu preciso de um banho, e
também seria bom comer em algum lugar decente pra variar. Por mim, aceitamos o
convite.” Falou, e já sentiu uma pontada de arrependimento nem meio segundo depois;
algo que só piorou ao notar toda a empolgação do Fabrício, que só faltou beijá-lo
cinematograficamente depois de abraçá-lo pela cintura e erguê-lo no chão.

Fafá e Diogo eram mais como dois irmãos arteiros e muito ligados, do que tio e
sobrinho.

Tenho medo desses dois juntos, André percebeu.

Notas finais do capítulo


Dona Mila, como assim o hiatus acabou? Tu falou que não ia mais escrever e mimimi.
Pois é, até eu estou surpresa com isso, e antes que vocês me olhem desconfiados, a
notícia completa é que eu TERMINEI a história, sim, a tenho completa no computador
e agora vou ir apenas postando os capítulos. O ritmo não sei, vai depender de vocês, e
também de mim e meu tempo livre. Infelizmente minhas aulas retornam segunda-feira!
Mas essa história, ao menos, novo hiatus não terá. Cap. pequeno e simples para vocês,
mas espero que tenham gostado, o próximo é maior! BEIJOS E OBRIGADA A
TODOS QUE ESPERARAM E COMPREENDERAM!

(Cap. 30) Os tapas de amor


Rique e Diogo estavam em dúvida se levariam os garotos para jantar fora, ou jantavam
ali no apartamento mesmo, na sacada com vista para o mar. Ambos sabiam cozinhar
bem, mas principalmente o Diogo, que, como não trabalhava em nada regularmente,
acabara fazendo um curso de depois treinando de tudo em casa. Rique já havia perdido a
conta de quantas vezes chegara em casa e encontrara a cozinha em estado de calamidade
pública, e a mesa servida com alguma comida deliciosa.

“Se eles quiserem jantar aqui, podemos servir primeiro uns aperitivos: salame, queijo
provolone, queijo árabe, queijo parmesão e rolinhos de cream cheese com amendoins e
damasco. Depois uma peperonata, que faz tempo que eu não faço e sei que tu adora, e
‘tava a fim de tentar fazer aquelas brusquetas de shitake com shoyu, antes de servir o
penne com molho gorgonzola.” Diogo ia comentando tudo animado, deitado no sofá
com Henrique deitado de lado sobre si, ambos apenas de cueca.

Cozinhar era um de seus hobbies favoritos, adorava fazer bagunça na cozinha.

Mas quem andava fazendo bagunça eram o Sascha e a Cherry. Os dois estavam no
tapete da sala brincando, Sascha abraçara Cherry com as patas e agora dava lambidas ou
mordidinhas fracas na orelha dela, rosnando e balançando o rabo. Cherry movia a
cabeça tentando mordê-lo em retorno. Rique olhou para os dois com um sorriso,
enquanto acariciava distraidamente o queixo barbado do namorado, lembrando a
baderna que eles haviam feito durante a viagem até Torres. Espreguiçou-se, sonolento
após a rapidinha no sofá – aproveitando o momento em que os bichinhos foram brincar
de pega-pega no quarto.

“De sobremesa poderia fazer aquela de uvas, é bom para esse calorão.” Henrique
comentou serenamente, se arrepiando de leve com a carícia que Diogo fazia em sua
coxa ligeiramente dobrada sobre o abdômen definido. Quando deitado sobre o
namorado, Henrique se sentia bem pequeno. Diogo era mais alto e muito mais forte.
Como Henrique não se exercitava, no máximo saía para caminhar e beber chimarrão no
parque Germania com Diogo nos finais de semana, era bastante magrelo – braços finos,
barriga chapada, coxas longas e esguias que lembravam as de um modelo. Às vezes não
sabia como Diogo sentia atração por sua ‘falta de carne’, mas o tatuado nunca
demonstrara falta de fogo, então...

“Boa ideia. Eu até acho melhor jantarmos aqui do que sairmos para comer. Dá mais
liberdade para os garotos, e para conversamos sobre eles-“

“Não vá inventar de começar a constranger o André sendo inconveniente, Dido. Ele


deve estar estranhando toda a situação.” Henrique falou entendido, afinal, já havia
passado por aquilo. Há muito tempo atrás, é verdade, mas as circunstâncias eram
bastante parecidas. Diogo esboçou uma expressão travessa mal contida.

“Eu inconveniente? Desde quando?” Diogo perguntou falsamente ofendido, um sorriso


querendo escapar pelo canto dos lábios. Rique deu-lhe um tapinha no peito.

“Estou falando sério, bobo.” Reclamou, no fundo sabendo que era em vão. Diogo não
conseguiria controlar a língua, pelo menos não completamente. Diogo segurou a mão
que lhe dera um tapa e puxou Rique por ela e pela coxa, para que ficasse deitado de
frente para si, coxas pressionadas nas laterais de seu abdome. “Diog-“ Rique queria
dizer que recém haviam transado, e que precisavam começar a se arrumar para buscar
os garotos, pois eles provavelmente confirmariam o convite em breve, mas Diogo
agarrou-lhe os cabelos e o puxou pela nuca.
Um calor se espalhou imediatamente por seu corpo, não conseguia se cansar dos toques
do tatuado, e nem queria. A mão do Diogo deslizou pela linha de sua coluna e cobriu-
lhe os glúteos. Henrique se moveu, roçando a ereção nascente contra a do Diogo, que já
estava completamente endurecida. Diogo parecia um adolescente, sempre ficava
excitado por qualquer coisa, pelo mínimo toque.

Beijaram-se em uma troca de carícias intensa, nada inocente, esquecendo-se dos dois
bichinhos. Sascha parou para olhá-los e latiu, achando que eles estavam brincando, e
voltou a abraçar e rolar com Cherry no tapete, mostrando que também sabia fazer
aquilo. Isso até o celular do Diogo tocar, com o toque do Fabrício. Diogo colocara
toques especiais para as pessoas que importavam, nas outras vezes, costumava ignorar
os telefonemas, principalmente quando estava em momentos quentes com Henrique.

Com um resmungo, Diogo pegou o celular sobre a mesinha ao lado do sofá e atendeu.

“Oi, meu querido!” Falou para o sobrinho. “E então? O loiro rabugento aceitou o
convite?” Perguntou debochado, e recebeu um tapa de Henrique novamente. Dessa vez
doeu, e ele reclamou, olhando magoado para o namorado, que revirou os olhos e tentou
se levantar. Diogo tentou segurá-lo, mas Rique escapou como um sabonete escorregadio
de sua mão.

“Oi, tio! Ele aceitou sim! Vocês vão vir nos buscar? Vamos comer fora?” Fafá
perguntou num tom animado que trouxe um sorriso para os lábios do Diogo. Era bom
ver que o sobrinho estava feliz. Assim como Rique entendia o André, ele também
entendia essa felicidade que o Fabrício estava sentindo.

“Pois eu e o Rique estávamos justamente discutindo isso. Podemos jantar aqui no


apartamento, ou jantar fora. Enquanto vocês tomam um banho, eu e o Rique iríamos ao
supermercado comprar todos os ingredientes. Assim vocês teriam um momento de mais
privacidade...” Diogo deixou no ar, meio malicioso. Henrique balançou a cabeça na
cozinha, que era anexa à sala, em estilo americano, enquanto se servia de um pouco de
água, sorrindo de leve.

Diogo percebeu o silêncio do Fabrício como uma vontade louca de aceitar,


provavelmente a mente se enchia de pensamentos pervertidos do que fazer com o loiro
durante o banho. Diogo teve vontade de gargalhar.

“Espera, vou perguntar pro André.” Fafá falou apressado, e os sons do outro lado se
tornaram abafados. Diogo esperou sem pressa, estava mesmo com um pouco de
preguiça de sair do sofá e, quando Rique reapareceu em seu campo de visão, fez sinal
para que ele voltasse para perto, seus lábios se movendo mudos chamando-o de volta.

Henrique o ignorou e disse que ia tomar um banho. Diogo fez um beicinho, mas então a
voz do afilhado o relembrou que estava em meio a um telefonema.

“Ele disse que até prefere comer aí, porque está cansado demais para sair!” Fafá disse
todo animado. Diogo pensou em como ele e o sobrinho eram parecidos. Esse é meu
garoto, sempre se orgulhava.
“Perfeito, nós vamos nos arrumar aqui e saímos pra buscar vocês.” Falou e, após as
despedidas, desligou sorrindo. Depois correu pro banheiro para tomar um banho junto
com o Henrique.

Enquanto isso, Cherry conseguia escapar de Sascha, e fugiu subindo em cima da


televisão da sala. Sascha botou as patinhas em cima do móvel, olhando para cima e
latindo, mandando-a descer. Cherry o observou com desprezo por alguns segundos,
antes de pular em cima da cabeça do filhote, e dali para o chão. Sascha ficou
desorientado por alguns segundos, depois virou e pôs-se a correr atrás da gatinha, num
novo pega-pega.

XxxX

“Botou tudo na mochila?” André perguntou. Estava levando uma mochila com roupas
limpas e outros acessórios, afinal, ainda estavam fedidos e sujos. “Eu quero tanto um
banho...” Falou desconfortável, sentindo-se pegajoso.

“Eu também, ‘tô imundo.” Fabrício suspirou, e estava sem camisa. “Vamos lá pra fora,
deve estar mais fresquinhos, e aí já esperamos eles no quiosque.”

“Vamos.” André comentou, e também tirou a camisa. Estava calor, estavam suados, e
era impossível ficar com aquelas roupas grudentas. Saíram ambos sem camisa mesmo,
não eram os únicos garotos a ficarem assim.

Encontraram a Fran e a Gabi discutindo no quiosque, enquanto Rafael tomava um suco.


Aparentemente, Fran acusava a Gabi de tê-la convencido a vir, e agora estar sem ter
como tomar banho. Gabi quase arrancava os cabelos com o drama da outra, e Rafael
cuidava para não se meter e acabar virando um alvo das duas.

“Aonde vocês vão?” Fran perguntou assim que os viu.

“É. Não digam que estão escapando do Intermed!” Gabi interpelou, já pronta para voar
em cima dos dois e impedi-los, se fosse o caso. Fafá ergueu as mãos para o alto em
rendição.

“Nós vamos jantar com os tios do Fabrício.” André explicou, e Gabi soltou uma
exclamação desanimada de quem também queria ir.

“Awwn! Que inveja, por que não fomos convidados?” Gabi quis saber, mas levou uma
cotovelada da Franciele. Olhou para a amiga, que revirou os olhos e lhe lançou um olhar
afiado, que lhe dizia para cair na real. O queixo de Gabi caiu um pouco, e os olhos se
arregalaram em compreensão. “Ahhh! Quero dizer, que isso, estava só brincando, eu
quero mesmo é ficar no Intermed! Boa janta pra vocês!”

Rafael não entendeu aquilo e, quando tentou falar, levou um beliscão da Gabi. Quase
deu um pulo, e acabou quieto. Depois reclamavam por ser quietão. Quando tentava
falar, recebia beliscões!

“Mas esses chupões no teu pescoço, An-“ Tentou perguntas ainda assim, mas voltou a
ser beliscado. “Hei, qualé?!” Reclamou. “Qual o problema de ele ter se dado bem?”
André revirou os olhos para a incrível discrição dos amigos. Só faltava escreverem em
letreiros luminosos para se comunicarem ‘silenciosamente’ uns com os outros. Fafá riu
divertido e coçou a parte de trás da cabeça, fingindo não perceber o olhar acusador do
loiro por causa do chupão no pescoço e a marca leve na cintura.

“Mas vocês voltam pra noite, né? Eu curti aquela ideia da piscina, mas fica muito cara
de pau ir sem o André, afinal, o convidado mesmo foi ele!” Gabi apontou.

“O Fabrício iria igual.” André resmungou, o que arrancou risada dos quatro. Acabou
rindo junto. “Mas nós voltamos sim.”

“Se puderem trazer um pouco de água na mochila...” Rafael comentou, e novamente a


risada invadiu o ambiente. “Eu merecia um prêmio por ser deixado sozinho com essas
duas.” Acabou levando mais tapa e beliscões, e resolveu ficar quieto, mantendo assim
sua integridade física.

“E que desfile de homem pelado é esse? Onde tem mais?” Gabi perguntou ondulando as
sobrancelhas, referindo-se à falta de camisa dos dois.

Fabrício jogou-se numa cadeira, assim como o André.

“Ali no alojamento do lado do nosso deve estar cheio.” André comentou como quem
não quer nada.

“Ouvi dizer que tem uns tri bonitões.” Fafá concordou.

“Parem de querer me empurrar pra algum maluco da UEL!” Gabi exclamou ultrajada,
arrancando risadas. Continuaram conversando por algum tempo, até Fabrício receber
um toque dos tios. Avisou o André e os dois se levantaram, se despedindo.

“Se comportem, hein?!” Gabi exclamou.

“E voltem!” Fran gritou.

“Voltem!” Rafael enfatizou, numa entonação que queria dizer ‘pelo amor de Deus,
voltem!’, só faltou o grito de socorro. Levou mais alguns safanões.

Fafá e André foram até a ruazinha que chegava até próximo do quiosque, e subiram na
caminhonete esportiva do Diogo, que estava ao volante, Henrique ao seu lado. Subiram
no banco de trás, cumprimentando e, no caso do André, agradecendo ao convite. Diogo
se virou para olhá-los por alguns segundos, a testa franzida, antes de sorrir de lado e
perguntar:

“Tchê, isso tudo é calor? Ou não deu tempo de se vestirem depois que liguei? Porque,
com esses hematomas aí no pescoço do André...”

André corou ferozmente, e Henrique tapou os olhos com uma mão.

Diogo realmente não sabia se controlar.


XxxX

Depois do trajeto de uns vinte minutos, em que os garotos contavam ao Diogo e


Henrique com estava sendo o Intermed, comentando principalmente sobre os jogos e as
festas, e evitando por hora o fato de estarem juntos, chegaram ao apartamento de vários
andares à beira da praia.

“Fafazito, tu já veio aqui com a gente, sabe como funciona. Vão subindo, tomando um
banho, que eu e o Rique vamos ao supermercado comprar as coisas pro jantar.” Diogo
jogou a chave pra o sobrinho, que a apanhou por reflexo.

“Pode deixar.” Fafá concordou, e os dois saíram do carro, caminhando até a entrada do
prédio.

“E não se comportem!” O tatuado gritou pela janela quando carro enfatizando bastante
o ‘não’. “Iremos demorar!” Disse ainda, após o que Rique mandou-o dar logo a partida
no carro. Obedeceu, rindo da cara dos mais novos ao ouvir aquilo.

Fafá soltou uma risada meio constrangida e abriu o portão de entrada do prédio. André
ficou feliz por ao menos não ser o único a ficar envergonhado com o que o tio do outro
dizia. Se perguntou se o Fabrício só tenderia a piorar com o passar do tempo, até
alcançar o nível do tio. Esperava sinceramente que não.

“Não dê bola pro que o Diogo diz. Ele adora implicar.” Fafá explicou, com o coração
batendo acelerado no peito, não sabia bem por quê. Ok, na realidade sabia, era porque
entraria sozinho com o loiro naquele apartamento, e... E era melhor não fantasiar muito
para não quebrar a cara depois.

“Eu percebi, mas tudo bem, eu gosto dele.” André deu de ombros. “Tu e ele são
parecidos, então...”

Fafá puxou o loiro para si, enlaçando-o pela cintura quando já estavam dentro do
elevador, em direção ao décimo andar.

“Isso quer dizer que tu gosta de mim?” Perguntou sorrindo largamente. André, com os
antebraços pressionados contra o tórax do outro, torceu o nariz, desviando o olhar.

“Claro que sim, idiota. Acha que eu estaria assim contigo se não gostasse?” Murmurou
desgostoso. Fafá era mesmo idiota por fazer uma pergunta idiota dessas. Idiota, idiota,
idiota.

“Eu gosto muito de ti também.” Fafá murmurou roçando os lábios na bochecha do loiro.
Como isso conseguia soar tão fofo e quente ao mesmo tempo, André não saberia
explicar, mas sentiu-se tímido até a alma. Até Fafá soltar um: “Quer tomar banho
comigo?”

“O quê?” André o empurrou, afastando-se um passo, ressabiado.

“É... Erm... É que... Sabe... Nós vamos estar sozinhos e-“


A porta do elevador abriu e André saiu, as orelhas queimando – e isso só acontecia
quando estava envergonhado além do limite. Havia duas portas, dirigiu-se a do
apartamento que tinha vista para o mar, pois se lembrava do Diogo comentando algo
sobre isso.

“Abra logo essa porta.” Demandou, encerrando aquele assunto. Os ombros do moreno
caíram e, derrotado, ele foi abrir a porta.

Assim que a porta se abriu, um mini furacão atacou as pernas do loiro. Sascha se
desesperou, se mijou, pisoteou o xixi e chorou escandalosamente ao ver o dono. André
o pegou pela barriga antes que ele se deitasse de barriga pra cima sobre o mijo exigindo
carinho.

“Ai, Sascha, seu escandaloso dramático.” André suspirou, enquanto o cãozinho se


contorcia todo querendo lambê-lo, ainda ganindo de saudades. “Ao menos controle os
teus esfíncteres.”

Fabrício riu, pulando o xixi. Teriam de limpar aquilo dali.

“Onde eu posso limpar as patinhas dele e pegar algo pra limpar o chão?” André
perguntou ao moreno.

“Ali na cozinha tem uma área de serviço com tanque. E pode deixar que eu limpo isso.”
Fafá se voluntariou, mas André negou com a cabeça.

“Não, o cachorro é meu, eu limpo.” Foi até o tanque, onde lavou as patinhas do Sascha,
que insistia em lamber-lhe o rosto enquanto o segurava e lavava. Depois o colocou no
chão, e pegou um pano e um produto de limpeza para dar um jeito na sujeira do filhote.

Fafá estava na sala fazendo carinho na Cherry, e Sascha apareceu todo intrometido e
empolgado, dando uma lambida certeira no rosto do moreno. Fafá riu e fez carinho nele
também, que aproveitou para tentar lamber Cherry, mas recebeu uma patada na cara.

“Cherry!” Fafá a repreendeu, e a gatinha miou e lambeu a própria patinha, antes de


começar a se roçar no dono. Fabrício se levantou com a intenção de ajudar o loiro, mas
André já estava limpando o xixi na entrada.

“Eu espero que ele pare com isso depois de crescido.” André comentou com um
suspiro. Fafá colocou uma mão no queixo, observando-o ajoelhado passando o pano no
chão.

“Nunca achei que te veria fazendo algo assim.” Fafá comentou abismado, e André
soltou um resmungo.

“Eu posso ter tido uma educação ruim em certos aspectos, mas meus pais me ensinaram
boas maneiras.” Se levantou e foi até o tanque, lavar o pano e as mãos. A empregada
que fazia essas coisas em casa, estava meio enojado sim, mas o moreno não precisava
saber disso.
Percebeu quando Fafá parou às suas costas e o abraçou pela cintura, beijando-lhe a
nuca. Um arrepio o atravessou inteiro, os pelinhos da nuca e o dos braços acabaram
eriçados, e um suspiro lhe escapou quando o moreno começou a beijar-lhe o pescoço.

“F-Fabrício, para, eu já ‘tô com hematomas por tua culpa.” Falou em um pedido pouco
convincente. Fabrício o abraçou mais forte, cuidando para não colocar muita pressão
nos beijos.

“Não vou dar chupões.” Prometeu, continuando a beijá-lo, subindo e mordendo-lhe a


orelha, antes de lambê-la. André se arrepiou ainda mais, e a barba nascente do outro,
roçando em sua pele, além de arrepios, causava cócegas. Afastou um pouco a cabeça,
tapando a orelha, um riso mal contido nos lábios.

“Para!” Pediu, inteiramente arrepiado. Fafá riu também, achando lindo o jeito meio
envergonhado, meio risonho do loiro. O virou pela cintura e o beijou, necessitado
daqueles lábios chamativos. Segurou-lhe o rosto e afundou a língua na boca do loiro, o
corpo palpitando de excitação.

André abraçou Fabrício em retorno, não conseguindo raciocinar bem. Parecia que toda a
vez que o moreno o pegava daquela forma, seus pensamentos viravam gelatina
derretida. Ou seriam suas pernas? Por que estou pensando em gelatina? Fafá o abraçou
pela cintura com mais força, gerando um fogo em regiões perigosamente estratégicas. O
beijo tornou-se mais ávido e urgente, e os dois tropeçaram até a cozinha, esbarraram na
mesa e, quando o loiro deu por si, estava sendo prensado contra a parede do corredor.

Os corpos nus da cintura para cima, colados e incendiados.

“Eu te quero tanto. Estou louco por ti...” Fabrício sussurrou rente aos lábios do loiro,
começando a deslizar a boca pela mandíbula até cair no pescoço. A barba causou
cócegas novamente, mas André estava ocupado demais se sentindo constrangido com as
palavras do moreno. Seriamente, ele tinha de parar de falar aquele tipo de coisa com
tamanha facilidade, ou acabaria sem língua. André se certificaria disso.

“Tu é mesmo abusado.” Murmurou de olhos fechados, apertando um dos braços do


moreno, enquanto outra mão estava afundada nos cabelos negros. Pelo menos ele ainda
não havia despudoradamente agarrado sua bunda, como na noite anterior. “Estamos no
apartamento dos teus tios...”

“Eles falaram que não chegam tão cedo, e nós mal chegamos.” Fabrício replicou,
afastando-se um pouco, seus olhos mais negros que o comum ao encarar o loiro. André
mordeu o lábio inferior, e nesse momento Sascha atacou o chinelo do Fafá, mordendo
uma das tiras enquanto se balançava de um lado pro outro rosnando empolgado.

“Parece que ele quer brincar.” Fafá comentou, mantendo o humor. Teve de se afastar
para tirar o cãozinho de seus pés, e nisso André foi até mochila que deixara na sala,
pegou-a e se dirigiu rapidamente para o banheiro, entrando e sumindo da vista do Fafá
sem dizer nada.
O moreno suspirou após Sascha se afastar, correndo em círculos atrás do próprio rabo.
Olhou para baixo, notando o volume em sua bermuda. Estava difícil refrear aquilo,
ainda mais depois de uma pegação tão intensa. Suspirou, teria de esperar, era o jeito.

Estava se virando para ir para a sala, jogar-se no sofá e pensar em coisas como sua avó
de bobs nos cabelos, Tony Ramos sem camisa e imagens tão ou mais broxantes; mas
parou ao ver o loiro aparecer novamente na porta do banheiro, apoiado à batente com os
braços cruzados sobre o peito.

“Então, tu não vem?” André perguntou num tom arrastado, até levemente entediado,
evitando contato visual direto com o moreno.

Fafá demorou um tempo para processar a pergunta.

“Ir aonde?” Perguntou bobamente, piscando os olhos algumas vezes, o que fez o loiro
olhar para cima em busca de paciência. Talvez Deus tivesse piedade e colocasse alguns
neurônios no cérebro do moreno, mesmo com alguns anos de atraso.

André não disse mais nada, apenas entrou no banheiro, e Fafá teve o bom-senso – ou a
falta dele – de segui-lo. Assim que pôs os pés no banheiro, foi puxado pela barra da
bermuda, quase tropeçando para frente, mas foi amparado pelo loiro que imediatamente
o beijou. Fafá o abraçou e, com o pé, deu um jeito de empurrar a porta, que se fechou
com uma batida bem no nariz de Sascha, que corria para também brincar no banheiro.
Nenhum dos dois escutou o ganido baixo e magoado do filhote.

O beijo consumia todos os seus sentidos.

Fabrício agarrou o loiro pela cintura, num abraço de urso que deixou André
momentaneamente sem ar e, aproveitando-se de seus centímetros a mais, arrastou o
loiro para dentro do boxe. Ambos tinham os corações acelerados, quase podiam sentir
os batimentos fortes um do outro, misturando-se ao alvoroço em seus próprios peitos.
Aquilo estava ficando tão intenso que mal beijar direito estavam conseguindo, seus
dentes bateram mais de uma vez, e a respiração rápida atrapalhava.

Um nervosismo enchia o banheiro, e André, dessa vez prensado contra os azulejos do


box, esticou a mão abrindo o registro d’água, para quem sabe acalmar aquele tornado
que se instalara por ali. Empurrou Fabrício para baixo da água, seguindo-o e tomando-
lhe os lábios molhados, a água jorrando livre sobre os dois. Só então perceberam
estarem ainda de bermuda, sentindo-as pesarem no corpo.

Afastaram-se minimamente, ofegantes, lábios ainda roçando. Os dedos do moreno


brincaram no elástico da bermuda do outro, e André se arrepiou. Na noite anterior
estava pensando que não deveriam ir tão rápido, no dia seguinte, já estava querendo
arrancar as roupas do moreno embaixo de um chuveiro. Não dava pra entender.

“Posso... Te despir?” Fafá perguntou incerto, e o loiro de novo percebeu como gostava
quando ele também ficava meio constrangido, ou inseguro. Era bom para variar,
ninguém poderia ser tão confiante, e o deixava mais confiante, por algum motivo.
Colocou as mãos na nuca dele, fitando-o diretamente nos olhos, deixando seus lábios
roçarem. Estava tão excitado que nem queria imaginar o estado em que estaria quando
acabasse completamente nu. Suspirou meio nervoso, mas não aguentando o desejo que
pinicava na pele, como agulhadas de adrenalina, principalmente quando o Fabrício
mordeu-lhe o lábio inferior, não o deixando escapar por alguns segundos.

“É melhor fazer isso logo, antes que eu mude de ideia.” Murmurou e também desceu as
mãos pelas costas molhadas do mais alto. A água vinha fresca e deliciosa, uma sensação
ótima e renovadora depois daqueles jogos e todo o calor que sentiam.

“Não pense que seria fácil me tirar desse banheiro a essa altura.” Fabrício falou, com
um sorrisinho malicioso. André o encarou como quem encara uma pedra no sapato, e
teve vontade de enxotá-lo só para provar que seria sim bem fácil, mas no lugar disso
ofegou ao sentir o tecido vencendo seu quadril e caindo no chão com um barulho de
roupa molhada. Sua cueca também se fora, e estava completamente nu bem em frente ao
moreno.

Era difícil pensar nessas circunstâncias, então empurrou a bermuda e cueca alheia para
baixo também, deixando os dois despidos, excitados e ofegantes sob a água fresca.
André se atreveu a olhar para baixo, e seu queixo caiu um pouco, junto com a
vermelhidão que lhe tomou as bochechas, as orelhas, tudo. Era a primeira vez que via a
ereção de outro homem – não apenas a sentia –, e aquilo o deixou meio fora do ar por
alguns segundos.

Até que Fabrício, nervoso com aquele olhar estranho, imaginando que era agora que
André soltaria um ‘é, não gosto de homem e muito menos de piroca, dá licença’ e se
mandaria do banheiro, segurou o queixo do loiro e ergueu-lhe o rosto, capturando-lhe os
lábios antes de ele ter tempo de dizer alguma coisa.

Colocou uma mão no lombo do André e o puxou para si. As ereções se chocaram
espalhando um prazer devastador, novo, eletrizante, e ambos gemeram nos lábios um do
outro, abraçando-se com certo desespero, as peles deslizando facilmente com ajuda da
água. Fafá não aguentou e cobriu uma das nádegas empinadas do loiro com a mão,
erguendo-o um pouco pelo apertão forte, gerando um novo atrito libidinoso.

André, irritado com aquela fixação do outro em sua bunda, também agarrou os glúteos
firmes do moreno, apertando-os com gosto ao se pressionar mais a ele. Fafá
interrompeu o beijo, puxando o ar e olhando para o loiro meio impressionado, um
sorriso malicioso querendo surgir nos lábios.

“O quê? Tu não é o único a gostar de bundas.” André objetou, mesmo que o moreno
não houvesse falado nada.

“Eu não gosto de bundas. Quero dizer, até gosto, mas gosto particularmente da tua.”
Disse sorrindo largamente, aquele ar de gurizão imprudente que merecia uns tapas.

“Cala a boc-“ André foi interrompido por mais um beijo. Pelo menos Fabrício estava
acatando a ordem e calando a boca, mesmo que calasse a sua junto com essa técnica.
Mas não podia negar, queria continuar beijando o moreno num futuro próximo e
distante. De preferência mais de uma vez por dia. Duas ou três vezes, talvez. Com certa
regularidade, pra falar a verdade.

Fabrício agarrou as duas ereções juntas num movimento súbito, pegando André de
surpresa. O loiro ofegou afastando um pouco o rosto, sem ar, e passou um braço pelos
ombros do mais alto, usando-o como suporte, ou poderia escorregar no chão molhado e
dar de bunda no chão. Fabrício sentiu certa fascinação ao ver André vulnerável daquele
jeito com seus toques, e aumentou o ritmo com que os masturbava. A mente do loiro
girou, aquelas ideias de que estava ali com Fabrício o atingiram, deixando-o instável.
Ainda era estranho, surpreendente, mas não poderia ser mais gostoso. Achou que fosse
desmaiar de novo, mas sua visão apenas perdeu o foco por alguns instantes.

“Teu corpo é lindo.” Fabrício comentou, mantendo o loiro firme num meio abraço. “Tu
é todo lindo.”

“Não fique falando isso!” André corou, a voz afetada pelo prazer. Apertou os olhos,
mordendo os lábios para não gemer, e levou a mão também para as ereções, começando
a ajudar o moreno.

“Mas é só um elogio.” Fafá falou, respirando pesadamente. Divertia-se com a maneira


como o outro se constrangia fácil, apesar de também sentir uma queimação insistente no
rosto; porém todo o corpo estava tomado por uma queimação inesgotável, seu rosto
apenas não escapava disso.

“Mas... Eu... Não sei como... Tu fala... Ah, que seja...” André não conseguiu encontrar
bons argumentos; quanto mais tentava, mais envergonhado se sentia. Apenas se
entregou àquelas sensações esmagadoras, aceitando o beijo do moreno enquanto se
esfregavam e tocavam sob a água, buscando de várias maneiras espontâneas apagar
aquele fogo exigente.

Tocaram-se até que o orgasmo atingiu a ambos, não saberiam dizer a quem primeiro.
André escondeu o rosto no pescoço do moreno, pressionando os lábios contra a pele
dele para abafar o gemido, e Fabrício esticou um braço, apoiando-se à parede sentindo
como se houvesse recém participado das competições de corrida novamente. Olhou para
as lajotas respirando fundo, mal acreditando que o loiro havia permitido aquilo.

Essas coisas também eram novas para o Fabrício, e ele sentia meio aparvalhado depois
de algo tão intenso e íntimo. Estava tão excitado e empolgado que nem parara para
pensar sobre a sensação de tocar o pênis de outro guri, apenas tocara, querendo
ansiosamente dar prazer a ambos. Acabou soltando uma risada aleatória, cheia de júbilo.
Não conseguia reprimir a felicidade que sentia, e o orgasmo recente deixava sua mente
leve.

“Do que tu ‘tá rindo?” André perguntou se afastando um pouco, ainda afetado pelo que
havia acontecido. Estava adoravelmente corado pelas emoções e sensações fortes, e
Fafá lhe acariciou uma bochecha e afastou uma mexa de cabelo dourado que estava
grudada próxima ao rosto dele.

“Nada não, só acho que é melhor começarmos mesmo o banho, senão vamos acabar
com a água do prédio.” Falou, um brilho nos orbes negros.
“É...” André concordou, pensando que depois daquilo não deveria se sentir
envergonhado por se banhar junto com o outro. “O sabonete ‘tá na mochila...” Saiu do
boxe rapidamente para pegar o sabonete, nem pensando que acabaria molhando tudo
pelo caminho.

Fafá observou o corpo nu do outro. Ele estava com um roxo na nádega, uns na cintura e
havia mesmo um chupão no pescoço, não lá muito bonito. Era bom que o banheiro não
tivesse espelho de corpo inteiro, ou acabaria assassinado. Teria de agradecer a Gabi,
Fran e Rafa por mais cedo terem tido o decoro de não comentar sobre o chupão, ou
André teria ficado com um humor ruim e provavelmente nada daquilo teria acontecido.

“Não fique aí com esse sorrisinho besta.” André falou enquanto entrava novamente no
boxe. Parou em frente ao moreno, suspirando ao ver o sorriso se alargar. Começou a
passar o sabonete pelo tórax e abdômen dele, limpando a região onde o sêmen havia se
derramado. Corou com aquilo. Estava mesmo lavando do outro? Isso era tão coisa de...
namorados.

Estamos ficando há um dia! Sua vontade foi de ir até a sacana e se atirar pelado ali de
cima. Se sobrevisse, diria que estava tentando dar um mergulho no mar, mas errara os
cálculos. O melhor seria não sobreviver.

“Então... Tu gostou?” Fafá perguntou, não impedindo o outro de lhe lavar. Aliás, estava
adorando, e culpou a juventude por ter de começar a se segurar para não acabar com
outra ereção. Desde quando era tão descontrolado? Mal se reconhecia em certos
momentos, e começava a se sentir como um tarado sexual.

André demorou a responder, deixando o moreno ansioso.

“Por que pra ti tudo precisa ser esclarecido com todas as palavras? Não é o suficiente
que nós tenhamos... Tu sabe, juntos.” Não conseguiu nem falar um simples ‘gozamos
juntos, isso não é prova suficiente de que foi bom?’. Às vezes sentia falta de sua
confiança de antes, com garotas raramente se sentia constrangido, já com o moreno
parecia estar em alguma espécie de treinamento intensivo para virar um tomate bem
maduro.

“Desculpa, é que gosto de te ouvir admitindo.” Fafá confessou. André quis dar-lhe um
soco, mas Fabrício o impediu e roubou-lhe o sabonete, começando ele a lavar o corpo
do loiro. “Calminha lá, estou sendo sincero! Isso é importante numa relação, não é?”

“Às vezes isso é importante para ganhar uns tabefes também.” André replicou,
arrepiando-se ao ter a cintura segurada, enquanto a outra mão do moreno passeava por
seu abdômen, descendo até as coxas, contornando a virilha. André estremeceu e se
segurou aos ombros do mais alto. “Eu juro que se tu me deixar com outra ereção, vou te
afogar na privada. Eu achei que iríamos demorar uns meses até nos sentirmos
confortáveis para algo mais íntimo, mas tu me pegou desprevenido sendo um completo
pervertido.”

Fabrício teve o recato de parecer constrangido, mas então sorriu todo travesso.
“Se é tu que vai ficar com uma ereção, não sou exatamente eu o pervertido e- AI!”
Massageou o braço onde recebeu um beliscão violento. “Isso dói...” Murmurou com um
bico infeliz.

“Posso criar dores piores, acredite.” André estreitou os olhos. Fafá riu e abraçou o loiro,
pegando este de surpresa. O sorrisinho malicioso voltara ao rosto do mais alto.

“Não imaginei que curtisse um sadomasoquismo.” O sorriso tornou-se ainda pior, e ele
novamente calou o André com um beijo, quando este tentou mandá-lo tomar no cu. O
ergueu no colo, agarrando-o pelas coxas, num excesso de felicidade.

“Me larga, idiota!” André exigiu.

Acabaram demorando o dobro de tempo para terminar aquele banho, em meio a


briguinhas, agarrações, beijos roubados e o sabonete que percorria seus corpos,
passando de uma mão a outra, felizmente – na concepção do loiro – não caindo no chão
nenhuma vez.

Quando enfim saíram arrumados e perfumados do banheiro, espiaram o apartamento,


mas ninguém havia chegado ainda. André suspirou aliviado, não precisava do Diogo
lançando mil indiretas sobre aquilo.

“Poderíamos ter aproveitado mais.” Fafá sussurrou, mesmo que não houvesse ninguém
ali dentro.

André o acotovelou e foi até a sala, jogando-se no sofá e olhando para a bela vista do
mar ali de cima. As praias do RS eram horríveis, o mar revolto, geralmente sujo, a
ventania insuportável. Torres, sendo divisa com Santa Catarina, era a melhor praia sul-
rio-grandense; o mar era mais limpo, mais calmo e enfeitado pelos paredões rochosos
que não existiam nas outras praias do sul. Dali, pôde ver a Ilha dos Lobos a dois
quilômetros da costa, única ilha marítima do Estado, e única do Brasil a acomodar
Leões Marinhos em certas épocas do ano.

“Estou caindo de fome. E ainda vai ter todo o tempo de preparo da janta. Será que não
tem nada pra ir beliscando por enquanto?” André perguntou, apertando a barriga que
roncava. Sascha apareceu e pediu colo, e o loiro o puxou colocando-o sobre sua barriga.
Suas pernas latejavam de cansaço. “Tô com fome, o Sascha também.” Resmungou de
novo. Sascha estava sempre com fome, ou ao menos gula, então podia falar pelo
bichinho.

“Acho que não, eles mal devem ter ido fazer compras. Mas deve ter um suco, ou refri.”
Fafá foi verificar na geladeira.

“Se tiver suco, eu quero!” André gritou bem acomodado, seu lado mimado que sempre
recebia tudo que queria nas mãos falando mais alto. Acariciou as orelhas do filhote, que
lhe lambeu os dedos, alegre.

Fafá, enquanto servia o suco, ouviu um miado e sentiu Cherry roçando em suas pernas,
carente. Achava engraçado como ela era carinhosa apenas com ele, ainda que achasse
que o tio exagerava chamando-a de insensível. A gatinha branca não deixava de ser uma
anjinha aos seus olhos.

Foi para a sala levando um copo de suco natural de laranja, e outro de coca-cola.
Entregou o suco para o loiro, que se sentou parcialmente, dando-lhe espaço para se
sentar também.

“Esse vício em coca-cola ainda vai te fazer mal.” André avisou, pegando o suco natural.
Era mais dado a coisas naturebas, a mãe era um pouco neurótica com isso.

“O que me faria mal seria ficar sem esse líquido divino.” Fafá exagerou, arrancando
uma risada debochada do loiro. Se inclinou e roubou um selinho do André, deixando
Sascha com ciúmes latindo agitado no colo do dono.

Bem nesse momento a porta do apartamento foi escancarada, e Diogo entrou seguido do
Henrique. Ele parou na entrada analisando o flagrante, a testa franzida.

“Sério? Só isso? Se fosse eu com a idade de vocês, teriam me encontrado nu no sofá


com o Henrique, não apenas dando um beijinho chocho desses.” Diogo falou e rumou
cheio de sacolas para a cozinha. André ficou vermelho como sempre acontecia, e Fafá
riu por pensar que, se o tio soubesse sobre o que havia acontecido no banho, não estaria
contando vantagem.

“Não deem bola para as mentiras dele.” Henrique sussurrou, mais movendo os lábios do
que falando, não querendo ferir o ego do tatuado. “Eu o mantive na linha no início do
nosso relacionamento. E mantenho até hoje.” Explicou e piscou, indo também largar as
coisas na cozinha.

“O que tu ‘tá cochichando aí com eles, hein, Rique? Contando sobre como tu não
conseguia resistir a mim? Sobre como é duro ter um namorado irresistível?” Diogo
suspirou profundamente, exibido. Sascha, que pulara do colo do loiro e o seguira até a
cozinha, latiu com um pulinho. “André deve se acostumar, meu sobrinho também é
irresistível.”

“Ele já sabe.” Fafá concordou, e choramingou ao levar outro soco. Ok, havia deixado
roxos no corpo do loiro, mas estava ganhando uns também. Uma troca justa, apesar de
dolorida.

André segurou o queixo, pensativo. Seria bom ter uma conversinha com Henrique sobre
certos assuntos. Já Fabrício também queria ter uma conversa, mas com Diogo.

Ao que parecia, ambos tinham bastante o que aprender com os mais velhos.

Notas finais do capítulo


GIF para o capítulo:
http://25.media.tumblr.com/91cdb0bf6aaa9ce0bc923291bf037560/tumblr_n09vk7RdV
T1s7qh9to1_500.gif#_=_ Que rápida, né? Me amem -nn É que eu achei sacanagem
depois de tanto tempo em hiatus não postar logo um cap. com uma pegação mais
intensa. KKKK porém acho que agora só sexta que vem cap. novo! Espero que tenham
gostado! Perguntas para os personagens em: http://ask.fm/MarDeAreia. BEIJÃO!
(Cap. 31) Festa de loucos
Notas do capítulo
Obrigada de coração à Eu-Pamy e Faith pelas recomendações!!!

Diogo serviu os aperitivos em uma tábua de carne na sala; nem usavam a mesa, para
deixar tudo mais informal. Os garotos estavam morrendo de fome e era melhor
alimentá-los antes que eles decidissem jantar carne de cachorro e espetinho de gato.
Sascha e Cherry não gostariam disso. Ainda que agradasse ao Diogo a ideia de um
espetinho de Cherry. Mas era bom que Fafá não ficasse sabendo disso, então cortara
vários pedacinhos de salame, queijos e rolinhos de cream cheese com amendoins e
damasco para eles, enquanto preparava o resto da janta.

Sascha andava de um lado pro outro, pedindo por pedacinhos dos aperitivos com as
carinhas mais adoráveis do mundo, e nenhum dos três era muito capaz de resistir, André
era o que mais alimentava o filhote. Já Cherry dormia sobre o encosto do sofá,
parecendo uma bolinha branca. Os quatro conversavam sobre assuntos amenos, Diogo e
Rique contavam experiências da faculdade, e os mais novos também relatavam sobre as
aulas e expectativas.

Até que Diogo, quando foi servir a peperonata, não aguentou de curiosidade. Queria
saber mais sobre os dois, então soltou em seu habitual tom de quem nem faz ideia de
estar fazendo uma pergunta inconveniente:

“E vocês? Quero saber o que aconteceu. Até quarta-feira o André estava dizendo que
não ficaria grávido, e agora já tenho de me preocupar com um possível neto.” Brincou,
fazendo o loiro se engasgar com um rolinho de creem cheese. Fafá soltou uma
gargalhada, e por isso foi acotovelado nas costelas pelo André. “Vamos, é melhor me
contarem do que me deixarem descobrir pelos meus próprios métodos.”

André corou, enquanto Sascha latia, olhando para o aperitivo que Henrique pegara
como se este fosse o objetivo de sua vida. Ou de seu estômago.

“O teu sobrinho se declarou.” Disse, pontual, achando que não precisava entrar em
maiores detalhes. Rique sorriu para o constrangimento do mais novo, realmente
lembrava a si próprio nos primeiros meses de relacionamento com Diogo.

“Eu sabia que tu tinha culhões, rapá!” Diogo deu tapa no ombro do sobrinho que quase
o desmontou, e Sascha correu pra abocanhar o aperitivo que o moreno deixou cair no
chão por acidente.

“Obrigado, tio.” Fafá agradeceu. “Foi isso, eu me declarei, nos beijamos, mas o André
me deu um soco, aí nós tivemos um dia estranho ontem, e só de noite nos entendemos.”

“Ficamos muito felizes por vocês dois.” Henrique meteu-se antes que Diogo falasse
outra barbaridade. O amor de sua vida não tinha qualquer tato, mesmo que tentasse
treiná-lo desde que haviam se conhecido. “Vocês dois lembram muito eu e o Diogo
quando mais novos.”

“Mesmo?” André se interessou, erguendo o olhar pra Henrique. Até porque, seria bom
tirar o foco dele e do Fabrício. Daqui a pouco Diogo descobriria na marra o que haviam
feito no banheiro. “Por quê?”

“Bem... Fafá nos contou que tu não aceitava gays antes, não é?” Henrique perguntou
cuidadosamente. André sentiu vergonha de admitir aquilo para um casal de
homossexuais, e pior, afirmar sua hipocrisia já que estava ali recebendo carinhos do
Fabrício na coxa desde que começaram a comer.

“É... Meus pais e, basicamente, toda minha família são preconceituosos.” Estremeceu.
Era algo que preferia esquecer, pelo menos por enquanto.

Henrique sorriu complacente.

“A minha também. Eu também era preconceituoso, até conhecer o Diogo.” Contou.

“Mas eu dei um jeito nisso rapidinho!” Diogo falou da cozinha, preparando as


brusquetas de shitake com shoyu, e fazendo todos rirem de leve. Henrique revirou os
olhos, mas sorriu e continuou.

“Não deixa de ser verdade. Nós nos conhecemos na faculdade, não éramos amigos de
infância como vocês dois. Diogo não me contou logo de início que era gay, apenas seis
meses depois que já éramos bastante amigos. Eu fiquei chocado assim que ele contou,
claro, mas não consegui sentir nojo dele, nem nada. Nossa amizade continuou e, com o
tempo, meu preconceito cedeu por completo.”

“Mas por que tu não contou pra ele logo de início, tio?” Fafá perguntou ao tatuado, e
Diogo veio da cozinha, sentando-se um pouco no apoio de braço da poltrona em que
Henrique se sentava, sua mão automaticamente indo fazer carinho nos cabelos negros
do namorado.

“Ah... Eu nunca fui de ficar expondo que sou gay a torto e direito, ainda mais entrando
na universidade e conhecendo tanta gente nova. Fiquei na minha no início, queria
conhecer as pessoas primeiro, antes de me assumir. Me assumi no segundo semestre,
primeiro pro Henrique, e depois para mais alguns. Obviamente em pouco tempo todos
sabiam.” Riu.

“E como tua turma agiu? Te aceitaram?” André perguntou, ansioso, empurrando com o
pé Sascha que começara a mordiscar-lhe o dedão, como que exigindo por mais
aperitivos.

“A maioria foi bem tranquila. Muitas meninas quiseram se tornar mais minhas amigas,
até comecei a ser convidado pra sair com elas, ir à praia, convites que os héteros não
recebiam.” Riu-se mais, recordando tais momentos. “Mas sempre há os
preconceituosos, alguns preferiam não se envolver muito comigo.” Deu de ombros.
“Porém eu tinha meus amigos e não dei bola.” Voltou pra cozinha, mas isso não o
impedia de continuar na conversa.
“Como foi que... Vocês dois começaram a namorar?” André não aguentou a
curiosidade. “Foi logo depois?”

“Quem dera!” Diogo exclamou, enquanto Henrique ria. “Da minha parte, foi amor à
primeira vista!”

“Que mentiroso! Na primeira vez que nos falamos ele falou que eu tinha cara de nerd
antissocial.” Henrique contou. “Não, não foi logo em seguida. Nós só fomos ter algo no
quinto ano da faculdade.”

André arregalou os olhos, achando-se fraco. Tinha de ter enrolado o Fafá por cinco anos
também. Não, nem eu aguentaria tudo isso.

“Eu me apaixonei pelo Henrique no final do terceiro ano da faculdade, acho.” Diogo se
apoiou ao balcão em estilo americano da cozinha. “Essas coisas são difíceis de
determinar um tempo exato. Mas o quarto ano foi meu tormento, estava apaixonado, e
achava que o Henrique era hétero. Éramos melhores amigos, e apesar de eu ser cara de
pau em vários momentos, ele parecia se fazer de louco para não entender o que eu
estava tentando dizer.”

“Eu inconscientemente escolhi não entender. Olhando para trás agora, eu já estava
apaixonado também, mas me aceitar era diferente de aceitar os outros. Eu não queria ser
gay, havia todo o peso da minha educação, da minha família em cima de mim, e eu via
o Diogo como melhor amigo, era complicado.” Disse, notando os olhos do loiro
brilharem em identificação. “Ficamos um ano assim, era mais fácil pois não nos víamos
tanto quanto antes, por estarmos em ano de estágios, até que no final do ano nós
conseguimos chegar a resultados animadores no laboratório de pesquisa onde
trabalhávamos, e na empolgação nos beijamos.” Henrique contou. Essa parte Fafá já
sabia. Incrível que nunca tivesse conversado com os tios sobre como haviam começado
a namorar, além de alguns fatos soltos aqui e acolá.

“Logo depois daquilo eu decidi largar a faculdade, já sabia que não era o que eu queria,
só continuava empurrando com a barriga. Notei que havia estragado tudo com aquele
beijo, pois a situação ficou ruim entre nós. Então eu decidi facilitar e sair logo do curso.
Mas antes passei na casa do Rique para deixar a situação "às claras" e também contar
que eu iria largar o curso de medicina.” Diogo continuou o relato. André não sabia
como alguém tinha coragem de, depois de cinco anos, largar o curso. Era ter uns
neurônios a menos mesmo.

“Eu fiquei desesperado em ouvir isso. A única coisa que pensei, meio dramaticamente,
era que nunca mais iríamos nos ver... Bem, eu já estava apaixonado, então acabei num
impulso o beijando.” Henrique riu coma lembrança. “Ah, éramos tão jovens! Tínhamos
23 anos na época.”

“Falando desse jeito, parece que tem oitenta anos, não trinta e cinco!” Fafá riu do tio.

“Jovens ou não, depois disso nós caímos na cama e tivemos um sexo selvagem.” Diogo
finalizou, com um sorriso malicioso. André quase se engasgou de novo, enquanto as
sobrancelhas do Fabrício subiam.
“Pare com isso!” Henrique olhou feio pra o tatuado, que riu descarado. “Isso só
aconteceu um tempo depois, mas não vem ao caso.”

“Mas devo avisar que tivemos mais cedo um sexo selvagem nesse sofá em que vocês
estão sentados.” Diogo fez o desfavor de avisar. André sentiu ímpetos de se levantar.

Henrique tapou o rosto, meio corado.

“Eu preferia ter ficado sem essa informação.” Sentou-se mais ajeitado, na ponta do
cômodo.

“Pois fiquem sabendo então que o banheiro-“ Fabrício recebeu um beliscão que o
impediu de continuar. “Hei! Daqui a pouco eu serei um hematoma humano, e não um
humano com hematomas!” Reclamou, mas André não se importou.

“Não se preocupem, tinha um lençol em cima do sofá e eu já tirei ele.” Rique informou
pra deixar os garotos mais confortáveis. “E Dido, cale a boca.” Pediu, fazendo os dois
mais novos rirem, enquanto Diogo murmurava que qualquer lugar do apartamento era
perigoso para visitantes.

“E sua família, Henrique? Como reagiu quando soube sobre vocês dois?” André mordeu
os lábios e, cansado das insistências do cachorro, jogou mais um pedacinho de queijo
para Sascha.

“Foi bem difícil no início, André. Mas por mais difícil que tenha sido, não me
arrependo de nada. Fui muito mais feliz depois de me assumir, do que quando era
enrustido. Uma vida de mentiras, e longe de quem se ama, é muito mais dolorosa do que
uma verdadeira, mesmo que tenha seus altos e baixos. Mas respondendo à sua pergunta:
meu pai não me aceita muito bem até hoje, ainda gosta de criticar homossexuais na
minha cara e me diminuir por ser gay, já minha mãe finge que eu não tenho um
namorado, mas me trata bem. O resto da família me chama de "o médico gay" ou o
"psiquiatra gay". Minha família sempre foi de um tipinho bem desagradável, todos
adoram brigar, fofocar, criar intrigas, e eu fui um prato cheio quando me assumi. Mas
eu tenho meus amigos, o Diogo, meu trabalho, e algumas pessoas da minha família –
duas primas, um primo, e uma tia – que são importantes pra mim, e isso é o suficiente.

“E pra ti, tio?” Fafá virou-se para Diogo. “A minha mãe aceitou bem? O que tu acha
que ela vai dizer quando souber de mim?”

“Que tu andou convivendo muito comigo?” Digo sugeriu, mas depois riu, abanando a
mão em descaso. “Brincadeira, ela jamais diria algo assim. Tua mãe é muito mente
aberta também, moleque, assim como a tua avó. Único problema que tive foi por parte
do meu avô, a quem eu era muito ligado, e que gostava muito de mim, mas era
extremamente conservador e homofóbico. Eu não queria decepcioná-lo... Acabei nunca
contando a ele, mas isso foi algo que me atormentou muito. Já meu pai... Era um meio
termo, eventualmente acabou aceitando, mas nunca me destratou nem nada, só a relação
ficou um pouco estranha no início. Mas isso é assim, infelizmente as pessoas ainda
agem como se sexualidade determinasse caráter ou mudasse aquilo que fomos a vida
inteira. Me assumi aos dezoito para alguns, para outros aos vinte, para outros aos vinte e
três, quando eu e Henrique começamos a namorar. Não mudei nada depois de me
assumir, mas mesmo assim alguns passaram a não gostar de mim. Não faz sentido
algum, mas a gente mantém por perto quem gosta da gente e nos ama pelo que somos, e
não por quem fodemos.” Arrematou, acabando com o ar filosófico e profundo do
discurso.

Uma risada irrompeu de todos, mesmo que tentassem suprimir.

“Obrigado por contarem isso. Eu... Estou com bastante medo da reação dos outros e,
acho que... Vou preferir não contar pra mais ninguém por enquanto. Ouviu, Fabrício?”
Lançou um olhar afiado para o moreno, que sorriu e coçou os cabelos, culpado.

“Vamos sempre estar à disposição caso precisarem de alguma ajuda. Tirar dúvidas,
buscar apoio em qualquer assunto que quiserem: sexualidade, faculdade...” Rique ia
dizendo.

“Corte, costura, culinária, literatura, filosofia, dúvidas existenciais, somos quase uma
enciclopédia.” Diogo enumerou, brincalhão. “Nós temos alguns anos a mais de
experiência pra compartilhar.” Piscou, fazendo os mais novos sorrirem, agradecidos.

“Que cancha esses meus tios.” Fafá falou, emocionado, e André se surpreendeu ao ver
que os olhos dele estavam umedecidos, e ele piscava tentando não deixar as lágrimas
caírem.

“Fafá...!” André tocou o rosto do moreno, que sorriu envergonhado. “Tu ‘tá chorando?”

“Hãh...?” Fafá se fez de desentendido, continuando a sorrir, e segurou a mão do loiro na


sua, ainda piscando pra ‘reabsorver’ as lágrimas. Sascha latiu e pulou nas pernas do
moreno várias vezes, pedindo colo, talvez querendo consolá-lo. André não sabia se o
cachorro era ou muito inteligente, ou muito intrometido.

“Mas é um fofo esse meu guri!” Diogo exclamou, querendo dar um abração no
sobrinho. Amava-o muito, era um garotão especial. Mas deixou que André cuidasse
disso, um namorado sempre seria mais proveitoso.

“E essa janta, hein? Já ‘tô quase explodindo aqui, e tu ainda cozinhando, tio!” Fafá
mudou de assunto, depois de abraçar o loiro pela cintura. André ficou meio
envergonhado, mas não se negou. Era bom poder ficar assim com o moreno na frente de
outro casal, que não os julgaria, porque eram iguais.

“Calma lá, moleque! É bom ter espaço ainda nessa barriga, pois tem as brusquetas, o
penne e a sobremesa ainda!” Diogo informou. “Há pouco ‘tava me dizendo que ‘tava
morto de fome, e agora já ‘tá arregando? Ah, mas te passo no laço, baitola.” Brincou
com um sotaque forte de ‘gaúcho macho’ da fronteira.

Os quatro caíram na gargalhada.

“Pois eu ainda tô com fome. Parece que há dias não comia algo que prestasse.” André
comentou, mas ele, no caso, havia comido metade da quantidade de aperitivos que o
moreno enfiara na boca.
“Vou ajudar pra agilizar, antes que vocês desistam de esperar.” Henrique se levantou e
pegou umas brusquetas. Logo voltavam a papear enquanto comiam o resto da janta,
rindo de monte e se divertindo com piadas e histórias sobre os mais variados assuntos.
André gostou de ouvir mais sobre o relacionamento dos dois, o fazia cada vez mais
perceber o quanto um relacionamento homossexual era igual a qualquer outro – amor,
brigas, passeios, companheirismo, dúvidas, medos, superações.

“Só falta vocês adotarem uma criança. Imagina que tri que seria!” Fafá comentou em
certo momento, pois Diogo comentara que os quatro pareciam uma família feliz,
jantando juntos.

“Acho que vamos!” Henrique abriu um sorriso comovido, feliz por o tópico ter
aparecido. “Nós já andamos visitando um orfanato... Conhecemos e nos apaixonamos
por uma menina! Ela tem dois aninhos e se chama Cecília.”

“Sempre quis uma menininha. Vou cuidar dela até os 35 anos, quando ela vai poder se
casar.” Diogo informou, sonhador. Nem seria um pai ciumento, claro que não.
“Também há um garotinho que gostamos muito.”

“Bah, mas que legal, tios!” Fabrício se empolgou também. “Eu vou ter uma priminha!
Ou priminho!”

A partir daí começaram quase que uma festa e um falatório sobre as crianças, contando
que haviam decidido aquilo há pouco, já que Henrique enfim se estabilizara no trabalho,
e Diogo vendera os terrenos e conseguira uma boa grana também. Sascha pareceu mais
elétrico do que nunca com aquela bagunça.

André achou que havia se metido numa família de loucos. E uma família de loucos
prestes a aumentar de tamanho.

Mas fazer o que, ele estava adorando.

XxxX

André e Fabrício bem que se voluntariaram a lavar louça e arrumar a cozinha, mas os
mais velhos os enxotaram dali. Sabiam que os dois deviam estar cansados do Intermed,
e agora arrumavam por eles próprios, enquanto Fafá e André estavam na sacada, os
ombros encostados e conversando aos cochichos.

“Eles não são uns amores?” Henrique perguntou, enquanto secava um prato.
“Realmente me lembram nós dois.”

“Isso que tu não os conheceu muito quando pivetes. Estavam sempre juntos, não
desgrudavam. Isso é amor de infância que voltou com tudo.” Diogo comentou com um
sorriso. “Só fico triste pois vai ser difícil pro André se a família descobre. Foi pra ti.”
Deu um beijo rápido na bochecha do namorado.

“Foi... Mas como eu disse, foi melhor. Vivo muito mais feliz assim, do que do jeito que
meus pais gostariam.” Henrique garantiu. “E o Fabrício com certeza estará ao lado dele
para apoiá-lo.”
“Sim.” Diogo olhou para os dois, vendo-os rirem de alguma coisa, André empurrando o
moreno com o ombro. “Disso eu não tenho dúvida. Até porque, se não fosse assim, não
seria sobrinho de quem é.”

“Convencido.” Henrique balançou a cabeça, resignado.

“Te ver e não te querer. É improvável, é impossível. Te ter e ter que esquecer. É
insuportável. É dor incrível...” Fafá começara a cantar pertinho da orelha do loiro,
divertindo-se com a maneira como esse tentava se afastar, os pelos da nuca arrepios.

“Pare de cantar colado no meu ouvido.” André reclamou num sussurro, estremecendo,
tentando empurrá-lo, mas Fafá o abraçou por trás, e continuou a cantar, mordendo a
orelha do loiro. Ambos esquecidos do resto do mundo, nem lembravam que Diogo e
Henrique ainda estavam por ali, e perdiam-se naqueles momentos enamorados.

Um tempo depois, tudo arrumado, os dois levaram os garotos de volta ao campus da


Ulbra. Diogo, claro, não pôde deixar de comentar que beijos na piscina eram uma
delícia quando comentaram sobre o convite que haviam recebido.

“Acho que vou precisar de alguns meses pra me acostumar ao jeito do teu tio.” André
sussurrou para Fabrício assim que desceram do carro, ainda se despedindo dos mais
velhos.

Fafá riu calorosamente.

“Há outras coisas que tu precisa se acostumar primeiro.” Comentou e deu um apertão na
bunda do loiro.

Só não levou um soco porque... Bem, na verdade levou um, no ombro.

XxxX

“Eu tenho de agradecer o André. Encontrei o Beto e ele me contou que eu ‘tava bem
louca ontem de noite, e que o André ficou cuidando de mim. ‘Tô surpresa, nem meus
amigos mais próximos me ajudaram.” Vanessa relatava para a Gabi e para a Fran, que
se riram, divertidas.

“Eu acho que te vi de longe, tu ‘tava muito piradona.” Gabi apontou, fazendo Vanessa
suspirar.

“Ai, que vergonha, agora peguei fama de bêbada, sério, um monte de gente ‘tá falando
disso. Me escondam.” Disse, e não era mentira. Havia sido marcada como a bêbada do
Intermed pelos colegas. “Aliás, onde ‘tão o André e o Fabrício?”

“Foram jantar com os tios do Fabrício, que estão aqui por Torres.” Fran comentou, mas
depois se arrependeu.

Vanessa franziu as sobrancelhas.


“Por que o André foi junto, e vocês não?” Perguntou, deixando as duas sem saber o que
dizer por alguns segundos. Até que o Rafael apareceu, saído do além – ou talvez da
barraca que estava próxima – e falou:

“Por que a gente ‘tava vendo um jogo quando os tios dele fizeram o convite. Aí os guris
foram, e nós ficamos por aqui mesmo. Eles foram jantar fora e eu tô meio sem grana, e
seria chato deixar os tios dele pagarem, né?” Riu com naturalidade, e Fran fez uma nota
mental sobre o alemão ser bom mentindo.

Rafael não era trouxa. Ninguém havia lhe contado nada, mas ele vinha reparando nesses
dois meses que a relação entre os dois amigos era diferenciada. E quando estava junto
com o Fabrício e ele falava do loiro, era visível a forma um tanto empolgada demais a
que o moreno se referia ao amigo de infância. Depois do Intermed e de notar a interação
deles nas festas, juntas as peças era coisa de criança.

“Ah, sim.” Vanessa concordou. “E vocês vão na festa de hoje?”

Os três se entreolharam. Beto havia pedido pra não espalhar sobre a festa na piscina, ou
senão todo o Intermed apareceria por lá. De novo Rafael deu uma enganada.

“Vamos sim. Mas vamos mais tarde porque combinamos de caminhar até a praia de
noite hoje.” Falou.

“Nossa, caminhar até a praia? Boa sorte pra vocês, porque é longinho!” Vanessa falou e
se levantou, levando junto sua caneca da medicina. “Vou procurar as gurias, nos
falamos depois!”

Assim que ela se afastou, Fran e Gabi se voltaram para o alemão.

“SEU DISSIMULADO!” Fran exclamou, e Gabi balançou a cabeça em concordância.


“Nós somos as gurias aqui, esse é nosso papel!”

“Mas vocês ficaram com cara de tacho e não falavam nada!” Rafael se defendeu.

“Desde quando tu sabe mentir tão bem? O que vem escondendo da gente até hoje? Que
mentiras tu já nos contou?” Gabi se aproximou dele com um olhar meio psicopata,
assustando o loiro que ergueu as mãos para o alto.

“Nenhuma mentira!” Garantiu, mas depois suspirou. “Ok, eu menti sobre algo.”

“Sobre o quê?” Fran quis saber, estreitando os olhos.

“Sobre gostar de vocês duas. Eu sei, é loucura, quem seria capaz de algo assim? Eu
forcei a barra nessa, me desculpem.” Falou com um suspiro, apologético. Recebeu dois
tapas bem dados, junto com uns gritinhos indignados. Sinceramente, havia perdido a
conta do quanto apanhara por não ter o Fabrício e o André para fazer esse papel de saco
de pancadas. Logo ele, que era tão quietinho. “Hei, hei! Estou brincando, parem!”
“Posso saber o que ‘tá rolando aí, gurizada medonha?” Fabrício chegou perguntando
junto com o André, pegando os três no flagra, sentados na escada do alojamento. “Que
agressividade toda é essa?”

“Garotas são agressivas por natureza.” André comentou.

“Olha quem fala, o estressadinho!” Gabi implicou.

“Não sou estressadinho!” Exclamou, mas todos lhe lançaram descrentes, fixos.
Pigarreou. “Ok, eu sou, mas não sou agressivo.” Fabrício o olhou avisando-o
silenciosamente que tinha evidências em seu corpo que provavam o contrário. André
arrematou, cínico: “Só quando os outros merecem, claro.”

“O Rafael merecia.” Fran disse, resoluta.

“E essa festa, hãh? Eu ‘tô por ir, ‘tá um calorão, uma piscina vai ser bom.” Fafá
comentou, puxando uma cadeira e se sentando próximo do pessoal. André se sentou nas
escadas.

“Vamos sim!”Gabi disse, alegre, mas então viu a pessoa que estava na entrada do
alojamento da UFRGS. “Dani...?”

“Oi.” Ela abanou desconfortável, não entrando muito. “Será que eu e tu poderíamos
conversar um pouco, Gabi?”

Gabi mordeu os lábios, mas assentiu, levantando, a expressão séria como não era
comum ser. Fran bem que quis impedir, mas acabou ficando quieta enquanto a morena
seguia para fora do alojamento junto com a índia.

“Credo, que caras de funeral são essas?” Fafá perguntou sem entender. André tinha uma
expressão de desgosto, Fran ficou braba e Rafael quieto, o que era bem normal, mas um
quieto diferente.

“Nada não...” Fran deu de ombros. “Vou ir atrás do meu biquíni. Não sei se eu trouxe
um, para falar a verdade.”

“Também vou atrás do meu biquíni. Ele é um luxo.” Rafael gozou, erguendo-se, e
fazendo os outros rirem.

“Esse Rafael ‘tá uma figura hoje. Já sabemos que fica doidão quando ‘tá que nem
gambá.” Fafá apontou, e o alemão mostrou-lhe o dedo do meio enquanto seguia para, na
verdade, o banheiro.

Fafá e André se entreolharam, rindo.

“Só conheci louco nessa faculdade.” André deu de ombros.

Beto apareceu pouco depois, como se atestasse ser mais um louco.


“Achei vocês, que sorte! E aí, vão ir? Chamaram mais quem? Estamos pensando em ir
um pouco mais cedo, tipo, agora.” Ele riu, obviamente já meio alto. Afinal, àquela hora
da noite todos já haviam passado boa parte do dia bebendo. “Com vocês, já fecha quase
quarenta louco numa piscina. Temos de ir logo antes que fique demais. Ah, e se tiverem
alguma bebida pra levar...”

“Chamamos mais três amigos.” Fafá comentou. “Eu não tenho bebida, mas posso
comprar umas cevas ali no quiosque, ‘tô com grana folgada.” Falou, lembrando-se do
dinheiro que o tio havia lhe empurrado.

“Eu tenho uma vodka na minha mala, e um energético. Vocês tem gelo?” André
perguntou. Havia levado já que tinha sobrando em casa, nunca se sabia. Beto pareceu
bem animado com aquilo.

“Sim, temos! Beleza, tragam tudo que puderem. E venham logo, chamem os amigos de
vocês. Encontro vocês no ônibus, e não esqueçam roupa de banho... Isso se não se
importarem de ficar de cueca.” Beto avisou sorrindo e, com um aceno, saiu do
dormitório.

Rafael voltava naquele momento.

“Cara, esse negócio de não ter água ‘tá insuportável. O banheiro ‘tá fedendo mais do
que gambá morto. E eu queria um banho.” Suspirou. “Imagina aquele bando de
fedorento pulando tudo na piscina.”

André fez uma careta de nojo. Não havia pensado nisso.

“Ah, não sejam frescos, todo mundo já tomou banho de piscina em algum clube, e
sempre tem uns porcos nesses lugares. Nenhuma água é muito sã.” Fafá objetou, sempre
pela festa, e se levantou. “Temos de ir logo, Ô FRAN, TE AJEITA RÁPIDO AÍ!”
Gritou.

“CALMA, JÁ TÔ INDO.” Ela berrou de volta, de dentro da barraca entre tantas outras.

“Vou botar minha bermuda de banho e pegar as bebidas.” André se levantou e subiu
rapidamente as escadas.

“E a Gabi?” Fran saiu da barraca, com um biquíni por baixo da roupa. “Vou atrás dela,
esperem!” Correu pra fora do alojamento também.

“Eu vou ir trocar de bermuda e pegar o dinheiro.” Fafá subiu também.

“Ótimo, ok, eu espero aqui, sozinho.” Rafael falou consigo mesmo, mas foi pegar uma
grana também, pra comprar umas bebidas e não aparecer de mãos vazias.

XxxX

Gabi torceu as mãos ao final do que Dani lhe contara. Ela não falara muito, apenas
admitira que roubara dos pais e irmã para ajudar uma pessoa querida, que estava doente
e precisava de alguma ajuda, e confessou que fora apaixonada pelo Fabrício durante
vários meses.

“Me desculpa mesmo, Gabi. Eu não sei como tu ficou sabendo disso, eu só falava em
casa, então deve ter sido pela minha irmã. Eu e ela não nos damos bem, mas ela não
mentiu, eu acabava desabafando em casa o meu recalque. Eu me arrependo de verdade,
porque eu te considero uma amiga, a primeira amiga, ou melhor, segunda amiga que eu
tive na vida. E eu te amo por isso.”

Gabi arregalou os olhos, o coração batendo forte. Mordeu os lábios, abaixando a cabeça.
Dani parecia realmente sincera, e ela sempre havia gostado da índia, a considerava uma
amiga também, e sentira saudades durante o tempo em que ficaram sem contato. Muita
saudades. Até demais, para ser sincera.

“Ok, vamos esquecer aquilo? Desculpe pelo que eu falei, apenas me abrace agora.”
Determinou e se aproximou, abraçando a índia e pegando-a de surpresa. Dani sentiu um
alívio aterrador e afundou o rosto no pescoço da outra, apertando-a em seus braços.

“Obrigada, Gabi. Isso significa muito pra mim.” Dani garantiu, deixando seu lado
vulnerável aparecer. Quando estava no cursinho, não costumava mostrá-lo, nem na
faculdade. Não gostava que os outros a vissem frágil, então se mantinha confiante e
algumas pessoas até a consideravam esnobe, por ser linda. Não se importava.

“Mas Dani...” Gabi se afastou. “O Fafá ‘tá em outra agora, então melhor tu não dar mais
em cima dele, ok? Pra não quebrar a cara. Erm... Desculpe falar assim.” Desviou o
olhar.

“Tudo bem, eu meio que percebi isso. Eu entendi mal as coisas, e na real eu nem sei
mais o que sinto por ele, talvez fosse apenas orgulho ferido e eu quisesse ficar com ele
pra provar pra mim mesma que conseguia... Eu sei, sou idiota, mas agora eu só quero a
amizade de vocês, pelo menos por hoje e amanhã, já que não nos veremos mais
depois...” Disse, cabisbaixa.

“Mas dessa vez manteremos contato!” Gabi garantiu.

“Hei, vocês duas!” Uma voz desconhecida para a Gabriella chegou aos ouvidos delas.
Um garoto de cabelos loiro-mel encaracolados se aproximou, parando próximo com
uma mão na cintura.

“Estamos quase saindo. Tu vai na festa da piscina também? É melhor buscar tuas
roupas, lindinha. E Dani, quero te apresentar a alguém, vem!” Chamou com um gesto
da mão.

“Ai, meu deus, vou lá pegar meu biquíni! Tu vai também? Ai, que tri! Já volto!” Gabi
exclamou agitada e correu pro alojamento.

Dani suspirou, olhando-a partir.

“Tudo certo?” Milo perguntou.


“Sim.” Sorriu. “Só que não quero tu me empurrando mais ninguém. Vai te pegar com
aquele Beto que ele é gato, e vocês só têm mais hoje e amanhã.” Disse, indo em direção
ao quiosque, onde comprou uma cerveja.

Milo a seguiu.

“Ai, para, tu precisa ficar com alguém pra sair dessa fossa. Ali ele, olha.” Apontou para
um rapaz bastante bonito que conversava numa outra rodinha. “O que acha?”

“Acho que prefiro minha cerveja.” Disse, com descaso. “Não preciso de homem pra ser
feliz.”

“Sei.” Milo revirou os olhos. “Pois eu preciso, e a razão da minha felicidade atual ‘tá
vindo pra cá, então licencinha, vadia.”

“Vadia é tua bunda, nem por isso eu julgo.” Dani mostrou a língua, e bebeu mais um
pouco.

XxxX

Havia mesmo umas quarenta pessoas no ônibus que os levou até o ginásio onde havia
uma piscina. Quando chegaram lá, as pessoas saíram correndo do ônibus, já invadindo o
lugar, ligando o som, ajeitando os isopores com toda a bebida que haviam reunido. Uns
já se jogaram de imediato, sem sequer tirar as roupas.

André e Fran se sentaram na borda, depois de pegarem umas bebidas. André reparou
que, apesar de magrela, Fran tinha um corpo bonito, com algumas curvas, e seios
chamativos.

“Sinceramente, o Rafael é um idiota por não querer ficar contigo.” Falou de repente,
sobressaltando a garota. Fran corou de leve, lembrando-se disso. Era constrangedor.

“Ainda sinto raiva de ti por ter contado a ele. Tive de desmentir dizendo que tu ‘tava
ficando louco.” A irritação surgiu de leve na voz, mas suspirou em seguida, mantendo a
calma. “Eu gosto mesmo dele, e vê-lo todo soltinho e piadista esses dias só piorou
tudo.”

“Desculpa, eu ‘tava estressado, nem pensei no que ‘tava falando. Mas... Já que eu fui
fofoqueiro com ele, vou ser contigo. ‘Tava conversando com ele antes, e ele admitiu ter
sentido um pouco de ciúmes quando te viu ficando com outro cara na festa de ontem.”
Comentou, não sabendo se isso era certo e errado, mas pelo menos agora as coisas
estavam iguais.

“Sério?!” Fran perguntou, abismada, e seu coração se acelerou um tanto. “Não ‘tá
falando isso só pra me animar né? Olha que te puxo as orelhas de novo.”

“Não, é sério! Eu consigo ver vocês dois juntos.” Admitiu, coçando os cabelos, e bebeu
mais um gole de vodka com energético. “E tipo, ele ‘tá olhando pra cá agora, e não
parece muito feliz de ver nós dois juntos.”
Fran riu, olhando com cuidado para o alemão. Houve contato visual, mas Rafael
desviou rapidamente.

“Se ele soubesse que tu não é risco nenhum.” Murmurou, pilhérica.

“Hei!” André se indignou. “Eu poderia ser um risco!”

“Não quando está com o Fafá. Diz, rolou algo quando vocês saíram?” Perguntou. “Não
quero detalhes, claro, isso seria a Gabi quem gostaria de escutar. Mas pelo teu jeitinho
todo felizinho desde que voltaram, aposto que rolou coisa! Tu só falta começar a
brilhar!” Implicou. “Dizem que sexo deixa a pele mais bonita.”

“Ah, vai pro inferno, nem era nem pra tu nem a pra Gabi saberem sobre isso!” André
pulou na piscina e começou a se afastar pela água. Fran apenas riu por alguns segundos,
mas parou, ficando nervosa quando Rafael se aproximou e tomou o lugar em que André
estivera sentado.

“Festa louca, né?” Ele perguntou para iniciar o assunto. Sorria, e Fran sentiu um arrepio
pelo mero sorriso. Não ficaria nervosa não fosse pelo que André havia dito, porém
sorriu para o amigo e iniciou uma conversa natural com ele.

XxxX

“Isso ‘tá uma loucuragê.” Fafá falou, daquele seu jeito bobo. “Tô com medo de alguém
se afogar.” Havia gente dançando na borda da piscina, outros na água conversando, ou
brincando de lutinha. Duas gurias estavam sentadas sobre os ombros de dois rapazes, e
lutavam uma contra a outra enquanto os outros faziam apostas.

Rafael deveria estar adorando a visão.

“Tô torcendo pra que as gurias comecem a tirar a parte de cima do biquíni.” André disse
displicente, mesmo que não fosse verdade. Bem, a visão não seria de toda ruim, mas
não teria o mesmo apelo de antes.

“Eu não. Já ‘tô vendo tudo que quero aqui.” Fafá deu uma olhada descarada pra os
mamilos do loiro, e por algum motivo André teve ímpetos de afundar mais na piscina só
pra escondê-los, mas obviamente não o fez. Jogou água no rosto do moreno.

“Cale a boca.”

“Isso é chato. Queria poder estar te beijando, que nem aqueles casais ali, ou como o
Beto e o Milo.” Fafá olhou para o casal de rapazes se pegando sem medo na piscina,
abraçados, trocando beijos e sorrisos. Só amigos e conhecidos do Beto estavam ali,
então certamente não havia ninguém para condená-los.

“É, mas eu não quero, não em público.” André afirmou, e ficou feliz quando Gabi
surgiu de baixo da água, emergindo bem em frente aos dois, evitando que um silêncio
chato se abatesse entre ele e o Fafá – ainda que fosse difícil ver o moreno calado.
“Hei, vocês dois, alguém me ergue que eu quero brincar de lutinha também! Vem tu!”
Ela puxou o Fafá, já que ele era mais alto e ligeiramente mais forte que o loiro. André
não teve outra escolha que não ir atrás de uma bebida e de alguém com quem conversar.

Depois de ganhar várias lutas – Gabi não era nada fraca –, ela se voltou para o Fafá.

“Há uma outra piscina lá atrás. Ela é menor, o Beto falou que vai levar o Milo pra lá, e
disse que vocês dois poderiam ir também, se quiserem um pouco mais de privacidade.”
Ela sussurrou para o amigo, antes de nadar até a Daniela e outros rapazes que estavam
com ela.

Fabrício saiu da piscina e se aproximou do loiro, cochichando no ouvido dele. André


sentiu a nuca se arrepiar, e ficou em dúvida se era uma boa ideia, mas quando Beto se
aproximou e falou que somente ele tinha as chaves da parte de trás, acabou por
concordar e os quatro se esgueiraram para a outra área do ginásio. Ali, uma piscina três
vezes menor reluzia tranquilamente com a luz fraca que atravessava as janelas altas.

“Acho que essa piscina é para natação artística e essas coisas.” Beto falou, chaveando a
porta às costas deles. “Eu ‘tava querendo um pouco de paz, essa é a quarta noite de
bagunça sem dormir direito, ou melhor, sem dormir nada.”

“Eu ‘tô exausto também, mas amanhã é o último dia.” André falou, caindo na piscina, e
se arrepiando quando Fafá, sorrindo predador, entrou também e se aproximou,
enlaçando-o pela cintura. “Não fica-“

“Ai, não grila.” Milo logo comentou ao ver o desconforto do loiro. “Só tem viado aqui,
então não precisa ficar envergonhado. E resistir a um moreno desses é pecado. Jesus
concorda comigo.”

Fafá corou com o comentário, e André não gostou de ser chamado de viado, porém não
falou nada sobre isso.

Beto entrou também na piscina, e abraçou Milo, rindo.

“Nervosos pras finais de amanhã? Eu ‘tô no time de basquete e handebol. Ou ‘tava, já


que chegamos na final apenas no handebol. Mas estamos em segundo lugar no geral, a
Fundação ‘tá na frente.” Comentou, desgostoso.

“Ai, vocês estão em segundo lugar e reclamando? Eu nem sei em que posição a UFPEL
‘tá.” Milo revirou os olhos. “Engraçado pensar que nesse Intermed é só futuros
médicos. Tu olha pra essa gente sem noção e pensa que tá num hospital psiquiátrico.”

“É lamentável.” André concordou, e eles riram.

Começaram um papo sobre medicina, depois partiram para uma conversa sobre
esportes. Beto havia trazido umas bebidas, e foram ficando cada vez mais altinhos, até
que estava rindo de qualquer bobagem. A conversa, entretanto, cessou quando Milo
simplesmente começou a beijar Beto de uma maneira intensa, sem se importar com a
presença dos outros dois rapazes.
O clima pareceu ideal para uma pegação, e André e Fabrício começaram a se beijar
também, sentindo-se livres para isso, o álcool lhes subindo à cabeça. André em alguns
momentos entreabria os olhos e olhava para os outros dois garotos se pegando não
muito distante deles, e talvez fosse o álcool, mas a visão o excitava ainda mais.

Perdeu-se no tempo, mas os lábios já estavam latejando pelas mordidas e por roçarem
na barba rala do moreno quando se apoiou à borda da piscina, um cotovelo para fora,
sustentando-se enquanto Fabrício beijava seu pescoço, causando-lhe arrepios. O pênis já
pulsava sob a bermuda, e gemeu abafado quando o moreno o tocou entre as pernas.
Acabou olhando pro outro casal, e se envergonhou ao vê-los, pois Milo estava prensado
contra a borda também, mas de costas para Beto, que investia contra o corpo menor.

Estão transando. Percebeu terrivelmente envergonhado, os gemidos dos dois


alcançando seus ouvidos. Quis desviar o olhar imediatamente, mas não conseguiu.
Gemeu fraco ao ser prensado com mais força por Fabrício, que lhe lambia o pescoço e o
peito, e afundou a mão nos cabelos molhados do moreno. Nunca havia visto dois
homens transando antes, mas por deus, não deveria ser tão sexy, ou deveria? A questão
era que, ao olhar aquilo, fantasiou-se fazendo o mesmo que os dois; porém quem estava
na ‘posição do Milo’ na imagem mental que o invadiu era... Não, não, não pense nisso.

Puxou Fafá pelos cabelos para de volta à sua boca, fechando os olhos e tentando abstrair
do outro casal. Até sentiu um pouco de inveja deles, pela libertinagem, mas de jeito
nenhum teria sua primeira vez com o moreno ali numa piscina, com outras duas pessoas
de testemunha. Ainda assim, suas pernas circularam por reflexo a cintura do Fabrício, e
o beijo se aprofundou, os toques ficaram ousados, e quando estava ficando quente
demais, os dois se afastaram ofegantes, percebendo que Beto e Milo os olhavam.

“Tem gente com fogo hoje.” Milo comentou, sorrindo malicioso.

“Olha quem fala!” André resmungou e se afastou envergonhado do Fabrício, ambos


ainda meio excitados; porém suficientemente satisfeitos, dadas as circunstâncias. André
queria sair logo daquela piscina, por motivos óbvios.

Beto também parecia bastante encabulado, talvez por cair a ficha do que ele e Milo
haviam feito na presença dos outros dois. O álcool é perigoso, concluía.

“Mas essa piscina escondida salvou minha noite.” Fafá admitiu, sorrindo malicioso para
o loiro, que desviou o olhar.

“Melhor voltarmos, ainda ‘tô querendo ver o final dessa festa.” André saiu da água, e os
outros o seguiram.

Na outra área, o pessoal ainda festiava, mas alguns dormiam pelo chão. Havia vômito
no chão – felizmente a piscina parecia intacta – e, em realidade, aquilo não duraria até o
sol raiar. Quase quatro dias seguidos de festa, bebida e noites mal dormidas derrubam
muita gente.

Porém André e Fabrício não deixaram de reparar em Fran e Rafael dentro da piscina,
abraçados aos beijos. E Gabi dando um beijo triplo com um guri e com a... Daniela!?
“Essa noite ‘tá muito sem noção, eu ‘tô precisando dormir.” André experimentou uma
vertigem de bêbado e se apoiou no moreno.

“Daleô!” Fafá exclamou, e riu, abraçando o loiro pela cintura.

Notas finais do capítulo


Próximo cap. é o último do Intermed, é pequeninho e tentarei postar logo. Obrigada a
todos que comentaram cap. passado! Beijão!

(Cap. 32) Voltando para casa


A final do vôlei estava eletrizante. André estava jogando com tudo que tinha, e a torcida
da UFRGS estava delirando, afinal, já ganhavam por 2 sets contra 1, e o set atual estava
ferrenho, um ponto para cada time por vez. Quando a UFRGS ficava um ponto na
frente, a Fundação ia e empatava, e assim sucessivamente. André, que estava mais atrás,
pareceu voar para frente e atingir a bola no centro da rede, afundando-a na quadra
adversária. Fabrício queria ter gravado a cena, mas dessa vez ele estava em quadra
também, jogando, pois um dos titulares estava com uma ressaca de derrubar até
elefante.

O time foi se abraçar para comemorar o 24º ponto, e Fabrício aproveitou para dar um
tapa na bunda do loiro, que lhe lançou aquele típico olhar funesto que prometia uma
morte lenta, dolorosa e muito, muito cruel. Fafá sorriu culpado e correu para sacar, já
que era sua vez. Se acertasse um ace, o time venceria o Intermed no vôlei. Respirou
fundo, tentando se concentrar. André era a estrela do time, que inclusive fizera cinco
aces durante todo o jogo. Fafá não conseguira fazer nenhum, o saque não era seu forte,
mas se concentrou mesmo assim.

Olhou para o André, e sorriu quando o loiro lhe piscou, incentivando-o antes de se
posicionar e lhe indicar com os dedos qual sequência de passes teria preferência na
próxima jogada. Isso o deixou mais relaxado, e tocou a bola para o ar, correndo para
atingi-la e então pousando na quadra quando a bola chegava ao adversário. Um dos
garotos da fundação conseguiu se posicionar para recebê-la, mas ela veio tão forte, que
voou para a lateral, até a torcida da UFRGS após a manchete que o garoto tentou dar. A
torcida enlouqueceu, e tudo que Fabrício conseguiu processar foi os colegas de time
indo abraçá-lo, naquela alegria inexplicável de vencer um campeonato, mesmo que um
pequeno como aquele.

“Estava sentindo que tu ia acertar essa!” André gritou para o moreno, tentar fazer-se
ouvir com a barulheira do estádio.

“Foi por ti!” Fafá falou ao se aproximar do loiro, quase colando os lábios contra o
ouvido dele. André o olhou com um sorrisinho sarcástico para disfarçar o
constrangimento. As bochechas já estavam vermelhas pelo esforço do jogo, e ambos
novamente urgiam por um banho, assim como qualquer outro dos jogadores.
Foram cumprimentar os adversários e, quando já estavam para sair, o loiro se voltou
para o Fabrício.

“Corremos pra um banho?” André perguntou, e nem estava pensando em os dois


tomarem banho juntos quando perguntou, mas estreitou os olhos quando o moreno abriu
um sorriso um tanto feliz demais.

“O jogo de futebol é em menos de uma hora!” Fafá o lembrou. Outra final, e aí estariam
livres. O ônibus os levaria de volta a Porto Alegre oito e meia da noite, pelo que haviam
dito, e o jogo de futebol era às 16h.

O Intermed estava quase no fim.

“Então corremos.” André falou e segurou o moreno pelo braço, correndo com ele para o
ônibus que já quase partia. Se fossem esperar os outros, não teriam tempo para nada
antes do futebol.

XxxX

“Penúltima vez que tomo banho em um container!” André exclamou quando entravam
no container que possuía uns oito boxes de banho.

Havia mais dois garotos tomando banho ali.

“Estou louco pelo meu apartamento apertado e um pouco de silêncio e paz.” Fafá
comentou, pendurando a mochila num dos ganchos. “’Tô cansadão, vou morrer depois
desse jogo de futebol. Eu nem sei que horas acabou aquela festa na piscina, não sei o
que aconteceu no final da noite, não sei de nada.”

André riu ao se lembrar. Diferentemente do Fabrício, dessa vez não bebera até perder a
memória.

“Por onde começar...? Primeiro, teve uma hora que tu chutou um copo, simplesmente
por chutar, e ele explodiu em milhares de pedaços. Sorte que isso foi do lado de fora,
acho que isso foi por último. Antes teve uma hora que tu ficou correndo de um lado
para o outro, passou por mim, disse que ‘tava com fome, escorregou no chão molhado,
caiu de boca, levantou e continuou a correr. Também atirou um monte de gente na
piscina, até gente que tu nem conhecia, e aí uma galera se reuniu pra te atirar, enquanto
tu gritava por misericórdia e os recordava dos treze mandamentos, que são dez, mas tu
acrescentou outros três, como ‘jamais por vingança jogarás amigo teu na piscina’ ou
coisa assim. Depois ainda te encontrei dormindo no banheiro do alojamento, abraçado
na privada depois de vomitar. Quando tentei te acordar, tu falou que a privada era tua
amiga e que teu vômito tinha gosto de morte.” André cruzou os braços sobre o peito.
“Preciso continuar, ou tu já ‘tá satisfeito?”

Fabrício engoliu em seco, ele tinha medo de si próprio bêbado. Acabou iniciando uma
gargalhada assim que André também explodiu em risadas, se curvando em dois. Fafá
empurrou a cabeça do loiro, no fundo desejando acreditar que era tudo invenção do
outro.
“É melhor eu tomar um banho. Acho que ainda ‘tô com gosto de morte na boca.”
Fabrício avisou estalando a língua.

Enquanto entravam nos boxes, os outros dois rapazes saíam. Não demorou a que
estivessem sozinhos ali no container, cada um num box.

“Em posição será que ficamos agora no geral? Ontem de noite me falaram que a
Fundação ‘tava em primeiro lugar, não?” André perguntou, já debaixo do chuveiro.

“Não sei. Ainda tem o jogo de basquete feminino, vôlei feminino e futebol masculino, e
sei lá eu o que mais.” Fafá enumerou, esfregando o sabonete pelo corpo. “Posso ir aí
contigo?” Perguntou, cara de pau.

“Vai sonhando.” André rebateu, quase um rosnado. Só de lembrar aquele banho que
haviam tomado juntos, sentia calafrios. Ou a maneira como haviam se agarrado na festa
da piscina, enquanto Beto e Milo transavam. Agora, mais lúcido, quando pensava nisso,
achava um absurdo ter presenciado dois garotos transando bem à sua frente. Beto e Milo
deveriam ter-se segurado; porém entendia que naquele momento a bebida falara mais
alto, e que os dois não teriam mais muitos momentos juntos.

“Ao menos me dê um beijo depois então.” Fafá pediu, insistente, e o André bufou,
querendo terminar logo aquele banho antes que o moreno resolvesse invadir seu box
mesmo sem consentimento. Não dava para confiar no bom-senso do Fafá, ainda mais
depois das coisas que presenciara ele fazer na festa da noite passada. Só de lembrar
acabou voltando a rir.

“Lembrei que ontem tu também perdeu tuas lentes. Me confundiu com uma loira de
cabelos curtos e tentou beijá-la.” André não gostou de ser confundido com uma guria,
mas em se tratando de um bêbado sem lentes não era de se surpreender. “E levou um
tapão na cara.” O moreno tivera o que merecia. Quase aplaudira a loira.

“Puta que pariu! Por isso que acordei com minha bochecha dolorida. Achei até que tu
tinha me batido, tchê!” Fafá exclamou, voltando a tocar a bochecha, mas esta felizmente
já parara de doer. Sorte também que trouxera lentes extras, pois tinha essa péssima
mania de perdê-las.

“Vontade não faltou.” André garantiu.

XxxX

“Então... Acho que isso é uma despedida.” Gabi mordeu os lábios. “Ainda ‘tô meio
chocada com o que fizemos noite passada.”

“Ah, é... Eu não sabia que tu era bi.” Dani também estava encabulada, mas viera atrás
da morena se despedir. Também esperava encontrar o Fabrício. Do Rafael não gostava,
apesar de não ter nada contra – nunca conseguira manter um conversa com ele, e
inconscientemente isso a lembrava das pessoas que a ignoravam e evitavam conversar
com ela, lá na reserva.

“Não sabia que tu era!”


“Eu me apaixonei quando mais nova por uma guria da minha reserva, mas tínhamos
medo de nos relacionarmos, pois sofreríamos muito se alguém descobrisse. Acabou
sendo meu primeiro amor, e como a maioria dos primeiros amores, não foi pra frente...”
Dani corou, remexendo o pé. Olhou para Gabi e sorriu. “Mas não me arrependo da noite
passada.”

“Ah, nem eu...” Gabi comentou, sem jeito, mexendo nos cabelos. Ela e Dani haviam
acabado na mesma barraca, da própria Dani, já que Milo ficou com o Beto, e se
beijaram e tocaram até caírem no sono, bêbadas como estavam. “E pensar que tu estava
atrás do Fafá...” Riu, desconfortável.

“O Fabrício era um assunto mal resolvido do passado, que foi resolvido nesse Intermed,
como já falei. O Milo acabou me contando que ele é gay e... Hei!” Exclamou ao ver a
expressão surpresa e insatisfeita da morena. “Não fique chateada com o Milo. Eu não
tenho por que espalhar isso, e não tenho preconceitos, obviamente. Aliás, até me senti
melhor por ele ser gay, ou bi, sei lá, por mais idiota que isso possa parecer...” Mordeu o
lábio.

“Eu te notei desde o cursinho. Mas ainda estava confusa com a minha sexualidade ano
passado. Acho que foi mais um dos motivos por que eu e o Fafá não demos certo e...”
Gabi pensou melhor e achou que desde aquela época já reparava na índia com outros
olhos, mas preferiu não comentar. “Queria que tu estivesse na UFRGS com a gente.”

“Eu também queria estar. Mas nunca se sabe, né? Vai que eu consigo uma mobilidade
acadêmica.” Deu de ombros e sorriu, e então abraçou a morena, deixando a vergonha de
lado. Gabi retribuiu.

Naquele momento, os outros apareceram. Fran olhou desconfiada para a índia, apesar de
ter escutado de Gabi a história dela, continuava não indo com a cara dela, e sentiu
ciúmes de vê-las tão próximas. Já Rafael se manteve indiferente, apenas se despediu
normalmente de Dani. André não a conhecia, então também apenas se despediu.

O loiro estava de mau-humor por a UFRGS ter perdido o Intermed. Ganharam no


futebol contra a UFPR, mas por um problema de comunicação, o time feminino de
basquete não conseguiu chegar a tempo no jogo final, e a Fundação ganhou por W.O.
Se tivessem vencido o jogo de basquete feminino, teriam ganhado o Intermed, mas
acabaram em segundo, enquanto a Fundação levou o primeiro lugar. Em terceiro, estava
a UFSC. Era uma injustiça indigesta.

Já Fabrício abraçou efusivamente a índia.

“Foi tri legal te ver, Dani!” Ele garantiu, sorrindo. Dani revirou os olhos, pensando que
o moreno jamais mudaria, e se sentiu meio ameaçada pelo olhar letal de certo loiro.
Afastou-se pigarreando.

“Então vou indo, que minha viagem é mais longa que a de vocês, então sairemos mais
cedo. A gente mantém contanto.” Pegou as malas e abanou, se afastando. Pelo caminho,
encontrou com o Milo, que também abanou para o grupo antes de seguir com ela em
direção ao ônibus.
Beto apareceu pouco depois e passou um braço pelos ombros do André.

“Cara, meu coração está sendo partido nesse momento.” Comentou com um ar
desolado. “Eu acho que ele era o amor da minha vida. Olha como é lindo!” Ergueu o
braço em direção ao garoto que já subia para o ônibus. André lhe deu uns tapinhas nas
costas.

“Namoros à distância são complicados.” Comentou, um tanto insensível e sincero.

Beto soltou uma risada sem alegria.

“Namoro à distância? Isso não existe. E o Milo não é do tipo que se conquista fácil, pra
ele isso foi pura diversão, entende? Pra mim também, claro, mas eu queria continuar a
me encontrar com ele.” Suspirou, soltando-se do loiro. “Mas agora tenho de ir arrumar
minhas coisas.” Abanou para todos e seguiu para os alojamentos.

Fabrício sorriu para a Gabriella.

“Então tu e a Dani, huh? Que loucura, gurizada. Esse mundo dá voltas.” Cantarolou,
empurrando a Gabi pelo ombro com um ar de implicância. Gabi o empurrou em retorno
e resmungou que iria arrumar suas coisas também, as memórias da noite anterior ainda
lhe causando arrepios. Assim como Beto, ela também queria poder encontrar-se com a
Daniela com alguma frequência.

Fran a seguiu, pois estava difícil encarar o Rafael.

“E vocês dois, hein?”André perguntou. “Acabaram ficando, e agora? Tu disse que era a
fim da Gabriella.”

“É... Mas naquela primeira noite, que eu fiquei meio bêbado, eu falei pra ela que nós
éramos só amigos e uma ladainha dessas. Só que ela agiu como se não soubesse do que
eu ‘tava falando e me deixou, não vi mais ela na festa. Durante o outro dia comecei a
reparar mais nela e... Na outra festa ela ficou com um guri e eu não gostei, como te
falei. Ontem quando vocês foram jantar nós conversamos bastante, por mais louco que
isso possa parecer vindo de mim. De noite eu simplesmente cheguei e... agora... eu curti
ela. Mas estamos meio nesse clima hoje, não sei como chegar nela de novo, ou se ela
quer.” Contou, talvez na maior sequência de palavras de sua vida, porém de uma forma
lamentável – só faltava começar a chover e ele cair de joelhos na lama, pegando chuva
em uma cena dramática.

André esboçou uma careta de deboche para a insegurança do alemão, já Fafá tentou
animá-lo.

“Convida ela pra sair agora quando voltarmos. Ninguém deixa de gostar de ninguém de
uma hora pra outra, só se tu beija mal pra caralho, ou tem bafo.” O moreno tentou
farejar o hálito do Rafael, que o afastou, mandando-o se foder.

“Cara, o Fabrício tem razão, e mulheres gostam de homens confiantes, então mostre
alguma coragem.” André corroborou o conselho do moreno, passando a mão pelos
cabelos. “Acredite, eu sou o ás da mulherada.”
Fabrício gargalhou de tal forma, que teve de correr quando André tentou chutá-lo.

XxxX

Diferentemente da viagem de ida, na de volta não houve gritaria, cantoria, bagunça.


Todos estavam podres, exaustos, alguns bêbados demais – depois de quatro dias
bebendo sem parar – e simplesmente dormiram. Um pequeno grupinho tocou violão e
cantou baixinho por algum tempo, depois ficaram conversando, alguns alternando entre
dormir, ou participar do papo. Fafá ficou nesse grupinho, com os colegas Chico,
Vanessa, Lauro, Giovanna, Eduardo e Paula.

André dormiu no assento, bem ao fundo do ônibus. Depois de um tempo, Fafá sentiu
sono e foi sentar-se também com o loiro. O encontrou já adormecido e, aproveitando
que o ônibus estava com quase todas as luzes apagadas para o pessoal descansar e que
todos ali atrás dormiam, sentou-se de lado no banco, as costas para o corredor, e
começou a acariciar a bochecha do dorminhoco.

André ficava muito lindinho dormindo encolhido também de ladinho.

Não aguentou e empurrou para cima o apoio de braço que dividia as duas poltronas,
aproximando-se do loiro. Praticamente o abraçou, querendo senti-lo aconchegado em
seu peito; porém se dormissem assim, a viagem terminaria e ainda estariam dormindo, e
então os colegas os veriam naquela posição comprometedora. André não gostaria disso.
Era tão injusto! Queria poder abraçar-se ao loiro, demonstrar carinho como qualquer
garoto – livre de qualquer preocupação – poderia demonstrar a uma garota, naquela
exata mesma situação; doía-lhe o peito ter-se de refrear dessa maneira.

Suspirou, acariciando os fios dourados do outro, e aproximou os lábios do ouvido dele,


sussurrando:

“Eu te amo.” Admitiu em voz alta pela primeira vez, apesar de não passar de um
murmúrio que ele próprio mal conseguiu escutar. André se remexeu de leve sob si,
como se aquelas três palavrinhas houvessem lhe causado cócegas, um arrepio sutil na
nuca. “Te amo.” Fafá repetiu, muito baixo, roçando a barba rala na orelha do loiro, e
pôde senti-lo estremecer.

Ao se afastar um pouquinho, viu que ele continuava adormecido, ressonando


tranquilamente.

Mas ainda repetiria essas palavras quando ele estivesse bem acordado.

Notas finais do capítulo


Esse cap. é tão curtinho que eu até queria tê-lo unido ao último, mas achei que ficaria
muito longo, mas por isso estou postando-o tão rápido! Próximo cap. é um extra
Guilherme/Davi. Beijos!
(Cap. 33) Onde estou? Extra Davi Parte III
Notas do capítulo
Esse extra é a exata continuação do último deles, que foi narrado pelo Guilherme. Este é
narrado pelo Davi. :D

Somos o que há de melhor


Somos o que dá pra fazer
O que não dá pra evitar
E não se pode escolher

Acho que todo mundo já teve aquela sensação de susto ao acordar em um lugar
estranho.

No meu caso, dei um pulo involuntário, por puro reflexo, e olhei ao redor ainda
desorientado, minha visão nublada tornando-se nítida numa velocidade inferior à que eu
desejava. Assustei-me por um segundo com a hipótese de ter acabado na casa de um
desconhecido, mas... Assim que vi o Guilherme saindo do banheiro do quarto os
acontecimentos da noite anterior me atingiram em cheio, e o ar deu uma de fugitivo e
escapuliu todo dos meus pulmões.

“Guilherme!” Exclamei bobamente. Ele estava apenas de bermuda, e eu apenas de


cueca. O quarto estava fechado, pois era inverno e o ar-condicionado estava ligado
deixando o ambiente agradável.

“Finalmente acordou. Eu já estava achando que teria de ir aí te acordar na marra.” Ele


disse com um sorriso malicioso, ainda esfregando os cabelos numa toalha. Recém devia
ter tomado um banho, obviamente, e talvez o barulho do chuveiro que me acordara. Eu
apenas continuei encarando-o que nem um boca-aberta, e minha boca ‘tava aberta
mesmo. “Tive tempo de sair pra correr com o Vilão, voltar, comer, tomar um banho...”

Olhei então pro relógio digital sobre o criado-mudo ao lado da cama. Eram 11h57min, e
eu não havia avisado ninguém lá em casa que dormiria fora. Minha mãe,
principalmente, era extremamente zelosa – problema de ser filho único. Ela geralmente
me tratava como se eu ainda tivesse uns doze anos, e não dezoito.
“Meu celular tocou em algum momento?” Perguntei meio atarantado, e aliviado por ter
algo diferente de ‘então nós nos pegamos mesmo ontem à noite?’ para falar. O
Guilherme foi até a escrivaninha do quarto, onde havia um notebook, uns livros e mais
algumas coisas jogadas.

Pegou meu celular e o tocou na cama. O peguei por reflexo, quase o deixando cair no
colchão.

“Teve umas, mas achei melhor te deixar dormindo. Como vi que era tua mãe, atendi e
disse que tu ‘tava dormindo ‘na casa de um amigo’.” Guilherme informou, e havia
ironia na questão do ‘amigos’. Mas éramos somos amigos, ou ao menos antes éramos,
então não era de todo mentira.

Eu nem sabia o que exatamente éramos agora.

“Obrigado.” Suspirei. “Ela costuma ficar bem preocupada.”

“Percebi.” Ele comentou, e eu me perguntei se ela havia tido algum surto no celular. “Se
tu quiser usar o banheiro, tomar um banho... Tenho toalhas limpas sob o balcão da pia, e
uma escova de dentes nova na primeira gaveta. Não tenho roupas pra te emprestar, já
que elas ficariam enormes...”

“Tudo bem...” Eu queria um banho, e escovar os dentes urgentemente. Eu preferia fazer


isso em casa, mas ao mesmo tempo eu não queria deixar a casa do Guilherme tão cedo.

Não queria simplesmente ir embora.

“Eu vou preparar algo pro almoço. A torneira da água quente é a mais próxima da
janela.” Ele avisou e saiu do quarto, praticamente decretando que eu iria almoçar ali
sem nem ao menos perguntar. Talvez ele também não quisesse que eu fosse embora tão
cedo... Meu coração se agitou e eu me deitei de novo, abracei um travesseiro e o mordi.

A cama toda tinha o cheiro do Guilherme – algo fresco e amadeirado. Me remexi


naqueles lençóis feito um bobo apaixonado, e só depois de uns minutos tomei vergonha
na cara e fui pro banheiro, querendo me deixar apresentável. Estava nervoso e agitado,
não sabia bem como agir, e nem o que o Guilherme tinha na cabeça, mas mesmo assim
era uma sensação gostosa.

XxxX

A casa do Guilherme era bem simples, mas surpreendentemente arrumada, ao menos


para um homem solteiro morando sozinho. A sala era confortável e arejada, com duas
poltronas, um sofá pequeno e uma TV de tela plana; a cozinha era suficientemente
grande para ter uma mesinha, e havia uma área de serviço pequena.

Um corredor conectava a sala com os fundos da casa, onde havia um pátio.

Quando cheguei à cozinha, o Guilherme estava mexendo alguma coisa na panela, ainda
sem camisa. Foi impossível não pensar que ele ficava extremamente sexy cozinhando,
com seus atributos à mostra. E por atributos me refiro aos braços, peitoral e abdômen
definidos dele.

“Guilherme.” O chamei, e ele se virou para mim. A cozinha tinha um cheiro bom de
strogonoff. “Eu... Não achei minhas roupas, então coloquei essa camisa tua...” Apertei a
barra da camisa com as mãos, me sentindo envergonhado. Já fui catando uma roupa no
armário dele que nem um mal-educado, sem pedir permissão! Mas não queria passear
pela casa de cuecas.

A camisa dele quase tapava meus joelhos.

“Ah,” Ele soltou, parecendo meio fora de órbita, olhando para mim com um ar
desfocado. Massageei minha nuca; será que ele havia achado muito ruim eu pegar uma
roupa? Era meio coisa de casal. “Não tem problema.” Garantiu, e se aproximou.

Meu peito disparou como um alarme mal programado, e um fogo se alastrou por mim.

“Tu ficou ótimo com uma camisa minha. Acho que acertei em pôr tuas roupas pra
lavar.” Ele comentou com um sorriso de lado, e já estava bem à minha frente, colocando
uma mão no meu rosto e se inclinando para me beijar.

E me beijou antes que eu pudesse ter qualquer reação.

Eu puxei o ar contra a boca dele, percebendo que o estivera segurando enquanto ele se
aproximava. Guilherme me abraçou e me ergueu um pouco, já que a diferença de altura
era grande. Meus braços circularam o pescoço dele e fiquei na ponta dos pés,
retribuindo derretido o beijo.

Era inevitável, eu estava apaixonado. Tive quatro meses de faculdade para começar a
gostar dele, mas o dia na casa da Luciana foi o que culminou definitivamente nisso.
Depois tive minhas esperanças jogadas no lixo, e agora estava ali sendo erguido e então
colocado sentado na mesa enquanto as mãos dele apertavam minha cintura e
massageavam minha nuca.

O que isso queria dizer? Ele havia dito que não era gay!

Lembrar o momento no parque me doeu, e eu interrompi o beijo, virando o rosto para o


lado.

“Guilherme, tu disse-“

“Esqueça o que eu disse.” Ele me beijou no pescoço, me arrepiando. “Eu só ‘tava


confuso. Não foi fácil admitir que eu ‘tava a fim de um pivetezinho virgem.”

“Então... Tu é gay?” Perguntei não me aguentando e abrindo um sorriso animado. O


Guilherme me olhou meio contrariado.

“Acho que estou mais pra Davissexual no momento.” Ele voltou a beijar meu pescoço e
meu mordeu, causando-me um gemido baixinho. No segundo seguinte eu estava deitado
na mesa, e nos beijávamos novamente. O Guilherme, percebi, tinha esse jeito
dominador, eu mal conseguia acompanhá-lo, o que me fazia sentir completamente
inexperiente.

Eu era meio inexperiente, mas não completamente, por favor!

Assustei-me quando ele enfiou a mão por baixo da camisa. Sim, eu sei que vocês devem
estar pensando: tu já chupou ele e ele já te chupou, larga de ser frutinha fresca! Mas nas
duas vezes anteriores eu estava bêbado, e agora estava bastante sóbrio, apesar da
ressaca.

Meu corpo ficou tenso, e fechei bem minhas pernas. O Guilherme percebeu e se afastou,
olhando-me por um momento. Fiquei envergonhado e quase falei para ele meter a mão
entre as minhas pernas de novo, mas então ele se endireitou, puxando-me junto.

“Quase me esqueci da comida no fogo.” Ele fingiu que nada de estranho havia
acontecido e desligou o fogão.

O olhei ainda meio alterado, sentado sobre a mesa.

Ele abriu um dos armários e começou a colocar a mesa, e eu finalmente tive a dignidade
de sair de cima dela.

“Espero que curta um strogonoff com arroz requentado. Ando com pouco tempo pra
cozinhar, ou pra fazer compras.”

“Eu adoro strogonoff.” Garanti e me sentei à mesa, meus olhos nele. Era impossível
desviar o olhar quando ele estava sem camisa, e me arrepiei ao lembrar a sensação
recente de tocar os músculos trabalhados. “Quanto ao arroz requentado eu não tenho
certeza.” Brinquei. Fazer o que, meus pais eram ricos e nunca permitiriam comida
requintada lá em casa. “Mas com a fome que eu ‘tô...”

“É a larica. Tu bebeu demais ontem à noite, devia cuidar pra não acabar tão bêbado
daquele jeito...” Guilherme comentou colocando a panela de strogonoff e arroz à mesa,
junto com um pacotinho de batata-palha. Eu não tinha como contar pra ele que vinha
afogando minha decepção amorosa, cuja origem era ele, em festas e bebida. Mas ontem
eu havia mesmo me passado.

“Pra quê? Pra não ser arrastado por caras maiores pra casa deles?” Sugeri não perdendo
a chance da ironia. O Guilherme me olhou meio surpreso, mas depois sorriu de canto.

“Exatamente por isso. Vá que quem tivesse te levado pra casa tirasse tuas roupas, te
beijasse, e depois te chupasse? Por pouco não te desvirginasse?” Ele replicou ainda mais
irônico, e um rubor subiu pelo meu pescoço, instalando-se preguiçosamente nas minhas
bochechas.

Eu achei melhor me servir, me dava um tempo pra pensar no que dizer.

“Tu adora me lembrar que sou virgem...” Reclamei baixinho e coloquei uma garfada de
comida na boca. Estava ótimo, e eu pensei que, além de gostoso, o Guilherme sabia
cozinhar. Pra que tantos atributos? Mas bem, acho que a maioria das pessoas que
moram sozinhas acabam aprendendo a se virar na cozinha.

Ele sorriu maldoso com meu comentário.

“Eu nunca imaginei que... nós dois... Quero dizer, até lá na Redenção eu imaginei que ia
levar um fora...” Eu acabei abrindo o bocão de novo, me sentia inquieto com assuntos
mal acabados. Remexi o arroz no strogonoff, olhando pro prato. “Eu não quero começar
nada se pra ti for apenas... não sei. Nada de mais.” Eu nem sabia como explicar. Eu
queria aquilo, mas tinha medo.

E se fosse só sexo? Eu já estava apaixonado e aquele fora me deixara numa espécie de


fossa por um mês! Se tivéssemos algo e eu fosse chutado assim que deixasse ele tirar a
minha virgindade, eu provavelmente acabaria em depressão e nunca mais acreditaria no
amor. Dramático, eu sei, mas eu ainda sou um adolescente e estou no meu direito, já que
dizem que a adolescência vai até os vinte e um anos hoje em dia, então, dá licença.

“Tu acha mesmo que eu iria explorar meu lado homossexual se fosse apenas pra dar
uma trepada?” Ele falou objetivo, me deixando estarrecido. Eu ali, todo cheio de dedos,
e ele me vem com trepada.

Guilherme suspirou.

“Ok, talvez alguns caras façam isso escondidos por aí, mas com desconhecidos, não
com alguém próximo e com quem provavelmente não terão sexo fácil.” Gui sorriu torto
para mim, me deixando ainda mais sem jeito. Sinceramente, que mania.

“Certo.” Respirei fundo e dei mais uma garfada na comida, em busca de tempo pra
pensar coerentemente naquilo.

“Então estou certo?”

“Com o quê?” Voltei a olhar para ele, confuso. Ouvi um latido vindo do pátio,
provavelmente do cachorro dele que me ‘atacara’ no parque.

“Em não ter sexo fácil.” Ele só podia estar sendo maldoso. Eu baixei o olhar,
queimando de vergonha. Ele estava me propondo sexo fácil? Idiota.

“Óbvio que ‘tá certo nisso.” Eu resmunguei, e voltei a comer enquanto ele soltava uma
risadinha frente à minha vergonha. O que eu podia fazer se era tímido pra essas coisas?
O xinguei mentalmente de novo.

Ele estava sendo maldoso, mas isso era apenas normal da parte dele, parte de seu
charme.

Felizmente ele mudou de assunto e até que tivemos uma conversa decente ao longo do
almoço. Depois quebrei um copo ao tentar ajudar a lavar a louça. Os cacos de vidro se
espalharam pelo chão, e eu ainda tive a capacidade de pisar em cima de um deles pelo
susto. O vidro era pequeno, mas doeu pra caramba ao se cravar no meu pé.
“Tu ‘tá bem?” Guilherme perguntou preocupado e, como estava de chinelo, me pegou
no colo e me tirou da cozinha. Eu queria muito me esconder, que desastre dos infernos.
Eu geralmente não era assim, mas ficar perto dele vinha me deixando atrapalhado.

“Estou. Me desculpa.”

“É só um copo, estou mais preocupado com o teu pé.” Ele me largou numa poltrona e se
ajoelhou à minha frente, erguendo meu pé. “Preciso tirar o vidro...” Avisou e eu prendi
a respiração. Doeu novamente pra tirar, e o sangue escorreu para o chão. Eu tinha
problemas com sangue e acabei enjoado com o cheiro.

“Vou procurar algo pra limpar isso.” Ele disse se levantando. “Mantenha esse pé
elevado.”

“Não precisa!” Eu me agitei. Não queria dar trabalho, ele ainda teria de limpar a
cozinha.

“Claro que precisa. Também não quero que tu caminhe e espalhe sangue pra toda a
casa.” Ele explicou e foi até o banheiro do quarto.

Um bico chateado surgiu nos meus lábios; era agora que ele percebia que eu era um
estorvo e nunca mais ia atrás de mim.

Acabei me lembrando do que ele havia dito para aquele cara que ‘tava me trovando no
Beco: ele tem dono. Ou algo assim. Me arrepiei de novo. Como assim dono? Mal
éramos namorados!

Quando ele voltou, carregava um pequeno kit de primeiros socorros, e se ajoelhou de


novo para limpar meu ferimento. Eu me inclinei para frente, tentando tirar o algodão
embebido em soro das mãos dele.

“Eu posso fazer isso!” Garanti, mas ele afastou minhas mãos.

“É melhor não arriscar, não duvido de tu piorar o corte se tentar.” Ele disse sincero.

Que mau! Eu não estava tão fora de mim assim pra cometer mais essa estupidez.

Suspirei me acomodando no sofá e deixando ele tratar do meu pé.

“Desculpa.” Reforcei chateado.

“Tudo bem, apenas se mantenha longe da minha cozinha.” Ele sorriu pilhérico, e eu
acabei soltado uma risada breve pelo nariz.

“Chato.” Murmurei com os braços cruzados sobre a barriga. Aquela poltrona era
extremamente confortável e eu logo pensei que queria uma em casa. Ou em como seria
dar uns amassos nela.

Ai, pervertido! Me recriminei.


“Apenas preservando o resto da minha louça.” Guilherme observou sorrindo, e eu me
derreti com seus dentes brancos expostos. As mãos dele eram tão delicadas e gentis
naquele momento, fazendo o curativo com tanto cuidado, que eu me derreti ainda mais,
soltando um suspiro.

Deus, chega, não posso ficar cada vez mais apaixonado...

“Melhor?”

“Sim, obrigado.” Eu ergui o pé para dar uma olhada. Ele havia limpado, colocado uma
gaze, e depois enfaixado. Era muito esmero. “Ficou ótimo.” Garanti, e ouvi mais um
latido agoniado do pátio. “Eu acho que ele quer entrar... Não?”

“Já coloco ele pra dentro.” Guilherme murmurou e se inclinou sobre mim, apoiando as
mãos no encosto do sofá. Ele sorriu daquele jeito maldoso, e eu senti aquela mistura
típica de sensações de fuga ou luta: coração batendo forte, um calor intenso em partes
estratégicas, a respiração desregulando rapidamente.

Ele roçou a boca na minha, parecendo provocar. Tentei beijá-lo, mas ele se afastou de
leve, ainda sorrindo. Ele adorava provocar, eu estava percebendo. Eu me aproximei de
novo e dessa vez o puxei, não o deixando fugir. Ele deslizou a língua pelos meus lábios
e aí aquela loucura começou.

Guilherme moveu alguma coisa que fez o encosto da poltrona ir para trás e o descanso
para os pés se erguerem, deixando-a completamente na vertical. Eu me agarrei nele
quando isso aconteceu, por um momento achando que a minha incrível sorte havia feito
a poltrona desabar.

“Tu me deixou só na vontade ontem à noite.” O Guilherme acusou, deitado sobre mim.

Eu tentei replicar em busca de defesa, mas ele me calou com um beijo fogoso. Ou eu
que ‘tava fogoso, e aí tudo parecia acima dos cinquenta graus. Fogoso... A Tati riria da
minha cara pelo meu uso de palavras, mas que se dane.

Em meio aos amassos, o Guilherme levou minha mão até a ereção dele, e eu fiquei
nervoso, mas a curiosidade por senti-lo melhor e aquele fogo todo me impediram de
afastar a mão, então o toquei sentindo a dureza sob a bermuda. Eu lembrava que era
grande, mas tocá-lo depois de mais de um mês me causou surpresa novamente. O
Guilherme soltou um gemido enrouquecido – que foi totalmente sexy – e pressionou
mais o corpo contra mim.

Eu acabei com a mão por dentro da bermuda dele, apenas a cueca no caminho. Cheguei
a pensar em ir além, mas acabei levando um susto e soltei o ar de surpresa quando
Guilherme se ergueu de súbito, levando-me junto. O abracei com braços e pernas por
reflexo, e ele sorriu sacana para mim, deixando-me envergonhado.

“Melhor continuarmos na cama.” Ele disse, e chegou a se virar para nos levar no quarto.

“N-Não.” Eu espalmei as mãos no tórax dele e tentei empurrá-lo, mesmo que isso fosse
idiota e eu cairia se ele me soltasse de fato. “I-Isso está indo rápido demais, não?”
“Não vou fazer nada que tu não queira.” Guilherme garantiu, mas isso não me deixou
nem um tantinho mais tranquilo. Quando percebi, nós já nos beijávamos de novo, e ele
entrava no quarto. O que foram feito dos segundos antes disso acontecer, eu bem que
gostaria de saber.

Ele me deitou na cama, e minhas pernas já estavam bem abertas por estarem ao redor da
cintura dele. Guilherme era tão maior que eu que me senti sendo aprisionado por um
gigante. Fiquei ainda mais nervoso. Ai, deus, como eu daria conta de um homem
desses? Lindo, gostoso, experiente e enorme? Ai, socorro! Minha mente gritou e eu me
remexi, ofegante, gemendo contra sua língua que parecia violar minha boca, enquanto
suas mãos apertavam minha cintura e coxa.

Não demorou muito para que estivesse metendo a mão na cueca, ansiosamente tentando
senti-lo com mais liberdade. Eu sei, sou um tarado! Nem me reconhecia, devia mesmo
ser a paixão me fazendo cometer loucuras. O masturbei por vários minutos enquanto
não largávamos a boca um do outro. Era bom que beijo não parasse, pois assim ele não
via o meu estado de constrangimento. Eu provavelmente demoraria um tempo até me
acostumar com essas coisas. O quê? Eu sou virgem, oras!

Quando o Guilherme gozou, eu internamente vibrei por isso, afinal, eu era o causador
daquele prazer. Eu! O garoto inexperiente! Rá, me vangloriei mentalmente! Ele gemeu
no meu pescoço, sua respiração quente me causando arrepios fortes enquanto meu corpo
tremia de leve. Antes mesmo de erguer o rosto, a mão dele foi para o meu membro e
começou a me tocar, flagrando o fato de que eu estava tão excitado quanto ele estivera
minutos atrás. Eu tive um espasmo e me encolhi, um gemido baixinho me escapando.

Guilherme ergueu o rosto para me olhar.

“Relaxe.” Ele pediu transmitindo confiança. “Seria sacanagem não te ajudar com isso.”
Sorriu de lado. Eu não sabia como ele conseguia ter um sorriso maldoso, sexy e
tranquilizador ao mesmo tempo, mas acabei relaxando, ainda que minhas mãos
agarrassem os braços dele, apertando-os com força.

Fechei os olhos e puxei o ar, numa espécie de suspiro. Gozei ridiculamente rápido,
sujando a camiseta dele.

“Ah, droga.” Murmurei.

“Tudo bem. Pode tomar outro banho se quiser, ou pegar outra roupa. As suas estarão
secas daqui a pouco.” Ele falou, se afastando. “Vou abrir a porta pro Vilão antes que ele
a derrube.”

Eu corri pro banheiro antes que o Vilão entrasse correndo na casa e decidisse me atacar
e cheirar minhas partes baixas de novo. Me olhei no espelho vendo meus cabelos
bagunçados e meu rosto afogueado. Apertei minhas bochechas com as mãos, e um
biquinho de peixe surgiu involuntariamente nos meus lábios. Que diabos...! Isso estava
mesmo acontecendo. Tipo, mesmo, mesmo? Eu joguei água no meu rosto, tentando me
acalmar. Estava difícil processar. O que o Guilherme queria comigo? Iríamos sair como
ficantes? O que ele havia visto em mim? Como ele poderia agir tão naturalmente por
estar pegando um garoto – no caso, eu?
Praticamente hiperventilei apoiado à pia. Suei tanto que decidi tomar uma ducha rápida,
que mal durou cinco minutos. Depois sai do quarto, espiando, e fiquei feliz ao ver
minhas roupas sobre a cama. Me vesti rapidamente e só então fui para a sala. Mal abri a
porta e duas patas enormes bateram no meu peito e eu quase caí de bunda no chão.
Recebi uma lambida do Vilão em cheio na bochecha.

“Hei, calma lá, garoto!” Eu exclamei, rindo. Guilherme rapidamente afastou o husky de
mim, e eu consegui ficar em pé com mais facilidade. Deus, como eu sou fracote.

“Ele realmente desenvolveu alguma paixão por ti.” Guilherme revirou os olhos, e depois
me olhou com cuidado. “Essas calças não caem bem em ti.”

“O quê? Por quê?” Perguntei confuso, olhando para baixo. Eu gostava delas, e o Vilão
pareceu latir discordando do Guilherme. Acariciei o topo da cabeça dele. Bom garoto.

“Apertadas demais.” Gui deu de ombros, indo jogar-se no sofá. Franzi a testa, pronto
para perguntar desde quando isso era algo ruim, mas ele deu uns tapinhas na própria
coxa. “Vem pra cá namorar um pouco.”

Eu arregalei os olhos, ficando totalmente sem jeito de novo. Droga, já havíamos nos
pegado de tudo que é jeito, e eu corando! Que ridículo, Davi, recomponha-se, respirei
fundo e me aproximei. Quando estava perto, Guilherme me puxou para seu colo, e eu
sentei sobre suas pernas, meus pés sobre o sofá ao lado dele.

“Quer sair depois? Podemos pegar um cinema, tem um filme que eu ‘tava querendo
ver.” Ele comentou, acariciando minha coxa.

“P-Pode ser. Não achei que tu era do tipo que curte cinema.”

“Eu adoro ver filmes no cinema, em casa sinto preguiça, pelo menos sem companhia, às
vezes até vou sozinho. Mas geralmente vou com a Marília, ela também adora.”
Comentou, acariciando também minha nuca com a mão enorme.

“Eu também adoro!” Garanti. A Marília era legal, mas ele continuaria saindo com ela e
ficando com ela sem compromissos? “Pode me convidar sempre pra ir.” Mordi o lábio.

Guilherme sorriu.

“Pode deixar.” Voltou a me abraçar e nós nos beijamos de novo.

Aquilo era tão bizarramente bom, eu estava ridiculamente apaixonado e sabia que era
extremamente perigoso sentir-me assim tão cedo. Mal sabia como aquilo acabaria, mas
era melhor não pensar muito.

Um tempo depois, após muitos beijos misturados com conversas aleatórias em que
tentávamos nos conhecer ainda melhor, nós saímos da casa dele e fomos para o cinema
mais próximo.

Eu estava louco pra encontrar com a Tati e contar tudo que havia acontecido!
Notas finais do capítulo
Anw, que fofos! Espero que tenham gostado! ;D Ainda haverá dois extras deles! Beijos,
povo!

(Cap. 34) Descoberta noturna


Notas do capítulo
MUITO obrigada à Becca pela recomendação tão fofa.

André desceu as escadas com a mochila da medicina já nas costas. A turma havia feito
uma mochila da UFRGS medicina, marcando qual era a ATM deles. Era azul-marinha e
um tanto grande demais, ainda mais para o loiro, que não levava caderno nem nada já
que sua memória fotográfica ajudava-lhe bastante a lembrar o que os professores diziam
em aula.

Foi para a cozinha apenas para tomar um suco.

“Não vai comer nada, filho?” Cíntia perguntou, enquanto preparava um café. “Isso de
nunca comer pela manhã faz mal.”

“Mãe, tu me diz isso há dezenove anos. Felizmente agora não pode mais me obrigar a
comer nada.” André torceu o nariz. Quando menor, era obrigado a tomar café da manhã,
algo que odiava. Sentia-se enjoado, preferia comer um lanche pelas dez horas.

Cíntia suspirou, ainda mais quando viu Sascha descendo ansiosa e animadamente as
escadas, atrás do André. Já, já começaria a espirrar.

“Eu gostava dessa época em que podia controlar melhor tuas ações. Não gostei nada do
estado que tu chegou desse Intermed! E tem prova amanhã, não?” Ela perguntou,
preocupada. André suspirou, mas mãe é mãe, mesmo quando os filhos crescem, elas não
mudam nunca.

“Amanhã é prova prática de anatomia. Quinta a prova teórica. E terça que vem prova de
neurofisiologia – segundo os veteranos, a prova mais difícil do semestre, mas estou
estudando desde o início, e ainda tem tempo pra rever tudo.” André disse displicente, e
bebeu um gole de seu suco.

Quando Sascha se aproximou, se rebolando todo e ganindo baixinho por carência por
não ter sido acordado pelo loiro, André o cutucou com o pé e ele caiu no chão, ficando
de barriga para cima. André sorriu distraído, o acariciando na barriguinha com o pé.

Cíntia espirrou.

“Eu não aguento mais esse bicho.” Ele disse, estafada.


“Mãe! Não fala assim!” André rebateu chateado. Terminou de beber o suco e,
emburrado, foi largar o copo na pia. Logo a empregada chegaria e lavaria a louça.
“Estou indo, já estou atrasado.” Falou, já que a aula começava às 7h30min e já eram
7h20min.

Pegou o capacete e foi para a garagem, subindo na moto, uma de suas paixões.
Conhecia tudo sobre motos – modelos, marcas, motores, novidades. Lembrou que
naquele final de semana precisava lavar a moto. Uma das poucas tarefas manuais que
praticava naquela casa, não confiaria tal tarefa a mais ninguém.

Quando chegou ao campus centro, teve de ir direto para o laboratório de anatomia onde
os monitores já davam a aula prática, que naquele dia era uma revisão. Cada um, em
cada mesa de granito, explicava uma matéria. Numa um falava de nervos cranianos,
outro de meninges e medula, outro de bulbo e ponte, outro de mesencéfalo,
tálamo/hipotálamo e núcleos da base, outro de cerebelo, vascularização cerebral, sulcos
e giros. Era uma correria, obviamente ninguém poderia assistir a todas às monitorias,
mas apenas àquelas que tinham maior dúvida para a prova. André já havia decorado
cada peça e nome, mas decidiu ouvir a monitoria sobre mesencéfalo, hipotálamo e
núcleos da base, pois era uma parte da matéria que com certeza cairia, apesar de todas
terem grande chance. Aproximou-se, pondo-se a ouvir o que a monitora falava enquanto
apontava com uma pinça para o cérebro cortado à metade que segurava, num corte
coronal.

“Aqui nós temos a cápsula interna. No ramo posterior, transitam o feixe córtico-
espinhal e as radiações ópticas e auditivas. No chamado joelho da cápsula interna,
transita o feixe córtico-nuclear. Depois nós temos aqui o claustro-”

Alguém a interrompeu para perguntar qual era mesmo o nome de um dos feixes, e
André revirou os olhos. Achava um saco aquele pessoal que não prestava atenção e
depois ficava perguntando, atrapalhando e atrasando a explicação. Ficou tão distraído
xingando mentalmente o colega – por acaso um que vivia de conversar no meio das
explicações para depois encher monitores e professores de perguntas recém-explicadas
–, que levou um susto quando alguém lhe apertou a cintura por trás.

Fafá logo estava ao seu lado, sorrindo. Ele segurava um caderninho no qual tinha todas
as anotações de todas as monitorias que haviam dito. André o olhou sentindo o peito
agitado, mas não apenas por isso. Por que agora eu sempre fico assim quando ele está
perto? André se perguntou. E por ‘assim’, ele se referia ao coração agitado, o corpo
mais quente, apenas não transpirando porque não estava calor, pelo contrário, usava um
casaco leve sob o jaleco.

“E aí, como acha que vai ser essa prova, huh?” Perguntou num murmúrio, mantendo o
ouvido atento à explicação da monitora.

“Falaram que é bem de boa. Apesar de ter só um minuto pra olhar pra peça, reconhecer
e escrever, sempre dá tempo. Vai ficar pro simulado hoje no final da tarde?” Perguntou
com pouco caso.

Os monitores sempre preparavam um simulado da prova prática de anatomia um dia


antes da prova.
“Certo que sim. E tu?”

André deu de ombros.

“Se tu vai ficar, eu fico também. Apesar de preguiça... Vamos sair daqui depois das seis
da tarde.” Murmurou já com saudades da cama. Ainda não havia se recuperado do
Intermed. Aliás, duvidava que qualquer um houvesse.

Acordar no dia anterior às 6h30min da manhã fora um martírio. No fim se arrependeu


de ter saído da cama, já que apenas uns quinze – dos setenta – colegas apareceram na
aula de anatomia, a maioria composta pelos que não haviam ido ao Intermed. Até os
monitores faltaram; apenas um apareceu – que também não havia participado do evento
– e a aula foi bem simples, sobre vascularização cerebral. Fabrício também deu as caras,
porém dormira apoiado ao seu ombro durante a monitoria.

Naquela terça-feira, a maioria ainda parecia uns zumbis cansados demais até para comer
carne humana. Algo até relativamente bom, considerando estarem numa aula de
anatomia. Meu cérebro está derretendo e junto meu bom-senso, eu precisava dormir
por uma semana seguida, André pensou massageando as têmporas por um momento.
Seus pensamentos não estavam fazendo muito sentido.

“É, e tem que estudar de noite. Tu se importaria se eu fosse pra tua casa depois?” Fafá
perguntou com olhos pidões que lembravam Sascha quando queria carinho. André
abaixou as mãos e o olhou cheio de desconfiança. Primeiro porque era estranho o
moreno pedir, no lugar de simplesmente ir se convidando, ou aparecer sem avisar.
Segundo porque... Bem, os dois sozinhos no mesmo quarto...

Fafá ergueu as mãos para o alto.

“É só porque se eu for pra casa vou dormir, não vou estudar nada. Não consigo estudar
nada desde semana passada.” Explicou, inocente. Como André não farejou nenhuma
malícia, acabou suspirando enquanto ignorava a fisgada na boca do estômago ao
imaginar ele e Fafá num quarto, mesmo que fosse apenas para estudar.

“Essas malditas provas me atrapalhando... Eu queria marcar uma coisa, com o Davi...
Eu ‘tava pensando sobre isso hoje. Vou precisar da tua ajuda.” André comentou, quase
fugindo do assunto. Havia conversado com a Natália na noite anterior, e ela lhe contara
que o Davi já estava bem melhor, em casa, já bem-disposto. André queria muito fazer as
pazes com o amigo. Morreria de vergonha de contar para ele que estava de rolo com
outro garoto, mas eventualmente teria de ser sincero, principalmente se quisesse
resgatar a amizade de antigamente.

“O que é?”

“Lá em casa te conto.” Disse, deixando um curioso como o moreno na curiosidade.

Pura maldade naquela cabeleira loira, foi o que Fafá concluiu.

XxxX
Alguns estavam quase chorando após o simulado. Não tinham acertado nem cinco, das
dez mesas. Na prova, cada mesa do laboratório teria uma ou duas peças, nas quais
flechas estariam apontadas, e as perguntas estariam sobre a mesa igualmente. Naquele
simulado havia tantas perguntas numa única mesa que era impossível escrever tudo em
um único mísero minuto.

“Galera, fiquem tranquilos. Nós fazemos o simulado muito mais difícil que a prova, só
pra vocês verem o que estão e não estão sabendo! Ainda tem tempo de estudar.” A
monitora, Bruna, madrinha do André, tentava tranquilizá-los. Ela se aproximou do loiro,
parecendo mais baixinha do que nunca. “E aí, como foi, afilhadinho?”

“Errei uma das perguntas.” André deu de ombros, chegando a falar meio baixo. Não
queria que ninguém o escutasse, ou poderia até tomar um soco. Os ânimos estavam
exaltados e já vira uma colega que tirara oito no simulado ser execrada pelos colegas
mais desesperados, que só faltavam abrir o próprio corpo para estudar intensivamente
para o teste derradeiro.

Fafá, que se aproximara sorrateiramente, espiou a folha de respostas do loiro por cima
do ombro.

“Ô lôco, meu! Eu acertei só quatro, sei nada pra essa prova!” Fafá falou alto, sorrindo
como se isso fosse algo engraçado. Só se fosse do tipo ‘rir pra não chorar’. Nisso, mais
pessoas, empáticas com a situação do moreno, pois estavam na ‘mesma merda’, se
aproximaram e só faltaram debater a teoria da relatividade aplicada à anatomia humana
ao começarem a discutir e debater o simulado.

Gabi havia tirado uns sete, já a Fran também quase gabaritara. Rafael fora que nem o
Fafá. Os monitores garantiam que tudo iria dar certo, e André só queria ir para a casa
porque estava cansado depois de um dia cheio de aulas, e aquela tagarelice e gritaria
toda já lhe dava dores de cabeça. Além disso, estava caindo de fome e não queria acabar
desmaiando de novo pelo cansaço e falta de glicose.

Saiu do laboratório e largou a mochila num dos bancos do longo corredor, para retirar o
jaleco.

“Fafá vai lá pra tua casa, então?” Gabi perguntou ao loiro de uma forma bastante
suspeita. André quase pulou novamente, pois não vira ela o seguir e muito menos se
aproximar para sussurrar em seu ouvido. Olhou para a morena com as pálpebras
estreitadas.

“Está insinuando alguma coisa?” Quis saber, ao que a garota soltou uma risadinha
marota ao abanar a mão.

“Eu? Imagina... É claro que vocês vão apenas estudar.” Ela disse com aquele ar de
quem não acredita nadinha no que o outro está falando, e outra risadinha escapou-lhe
dos lábios. André bufou, virando o rosto que ficou quente ao imaginar coisas que não
deveria. “Ora, vamos, ao menos uns beijinhos, né.” Ela voltou a sussurrar, conspiratória.

“Isso não é da tua conta!” André sussurrou de volta, grosso.


“Ai, que saco, todo mundo tem algum amigo gay para contar essas coisas, e agora que
eu tenho, tu é todo fechado sobre isso, e o Fafá é babaca demais pra contar, ele só fala,
fala, fala e não fala nada. Tentei arrancar o que aconteceu no apartamento dos tios dele
em Torres, mas ele só conseguia sorrir que nem um besta e dizia umas bobagens.
Sacanagem com a minha pessoa, sou amiga, sou leal, podia ‘tá roubando, podia ‘tá
fumando, mas só ‘tô aqui colhendo informações. Vocês poderiam ajudar a realizar meu
mais novo sonho.” Ela reclamou tudo com verdadeira indignação, jogando a mochila
sobre as costas e olhando para o loiro com os braços cruzados sobre o peito.

“Arranje outro sonho. Ou outros amigos gays. Um que nem o Milo, ou até o Beto. Esses
aí não iriam se importar nem de transar na tua frente.” Falou como quem não quer nada,
não se abalando pelo bico que a morena esboçou ao não ter seus desejos realizados.

Fafá saiu do laboratório naquele momento.

“O Rafa e a Fran já foram?” Ele perguntou, se aproximando e passando um braço pelo


pescoço do loiro, quase o sufocando. “O Rafa é que nem o Santa. Um dos homens
lindos!”

“Para que essa piada já perdeu a graça!” André se soltou, ainda que Gabi estivesse
rindo. Fafá ficava muito engraçado quando falava aquilo.

“Olha o ciúmes.” Gabi provocou, e o loiro mostrou-lhe o dedo do meio. Gabi deu-lhe
um tapa, e Fabrício os afastou antes que uma guerra começasse no corredor. A morena
se empertigou. “A Fran saiu correndo porque queria pegar o trem o mais cedo possível,
e o Rafael se ofereceu pra dar uma carona até a estação.” Explicou então, ao ser barrada
de sua vontade de treinar luta livre com o André.

“Mazá! Ele ‘tá aprendendo, aquele Don Juan.” Fafá falou como se Rafael fosse um
conquistador safado, e os outros acabaram rindo incrédulos. Rafael era bastante tímido
para esse tipo de coisa, mas parecia engajado em conquistar a de cabelos cacheados. Os
três estavam na torcida.

“Eles formam um casal fofo.” Gabi comentou. “Então vamos? Eu ainda tenho de ir pra
casa estudar, porque não quero tirar um sete, ou menos, na prova de amanhã!”

“Quer ir estudar com a gente? ‘Tô precisando muito estudar essas nabas.” Fafá
convidou, mesmo que fosse na casa do André, e o mais natural fosse o loiro convidar.
André nem se importou, afinal, já se acostumara à cara de pau do moreno. Gabi os
olhou em dúvida, é claro que por ela iria curtir estudar em conjunto, conhecer a casa do
André e ficar mais tempo com os amigos. Mas também não queria atrapalhar nada.

“Vem com a gente.” André colocou as mãos nos bolsos do casaco, dando de ombros.
Reprimiu a leve decepção com o convite. É claro que não, é até melhor assim. Sua mãe
estaria em casa e não queria que ela começasse a desconfiar de nada. Mal André sabia
que o Fafá havia convidado a morena justamente para que estudassem de verdade, e ele
não ficasse somente querendo agarrar o loiro. Fabrício não confiava mais em seu poder
de concentração e autocontrole quando estava sozinho com o André.
“Ok, então eu vou! Estou com saudades do Sascha!” Gabi se animou, se colocou no
meio dos dois e agarrou o braço de cada um deles, arrastando-os consigo para fora do
ICBS.

“Só tem um detalhe. Eu estou de moto.” André avisou. “Vocês terão de pegar o ônibus
até lá, ou um táxi, porque não tem capacete nem lugar pra vocês, e eu não vou deixar a
moto aqui.” E muito menos pegar aqueles ônibus lotados.

“Porra, André, vai comprar um carro!” Gabi reclamou.

XxxX

Como eles saíram da faculdade justamente no horário de pico do trânsito, André


obviamente chegou primeiro por estar de moto. O loiro resolveu enfiar os outros dois
num táxi e pagou o motorista por antecipação, afinal, já havia pegado um táxi num dia
de chuva e sabia quanto que dava até sua casa. Fafá e Gabi reclamaram, mas ele disse
que ele era o rico do trio e eles que calassem a boca. Um poço de educação.

“Mãe!” André entrou em casa procurando pela Cíntia, mas estranhou que ela não
estivesse ali. Quem encontrou foi a empregada, Amélia, preparando-se para ir embora, e
Sascha, que pulava em suas pernas querendo carinho. “Onde ‘tá a mãe?”

“Tua mãe saiu para se encontrar com alguém. ‘Tava toda arrumada e perfumada. Olha
que daqui a pouco tu ganha um pai novo.” Amélia brincou, e André torceu os lábios
para a empregada. Amélia havia cuidado dele até os seis anos, antes de se mudar para
Porto Alegre. Quando os Santayana se mudaram também, Cíntia a recontratou, e ela
trabalhava naquela casa já há nove anos.

“Que nojo, não me faça imaginar coisas.” Torceu os lábios, se aproximou e deu um
beijo de despedida na senhora que conhecia desde seus primeiros meses de idade.
Amélia estranhou. O que estava acontecendo com aquele menino? Parecia mais
carinhoso e de melhor humor nos últimos tempos, principalmente desde o dia anterior.
Teria encontrado alguma namoradinha no tal Intermed? “Até amanhã, então. Uns
amigos vão vir aqui em casa agora para estudarmos.”

“Estou vendo que vou ter bastante coisa pra arrumar amanhã.” Amélia suspirou, mas
sorriu antes de dirigir-se para a saída da casa enquanto balançava a cabeça. André a
olhou ultrajado por ela achar que ainda eram crianças que desarrumariam toda a casa,
mas não falou nada, apenas foi atrás de algum lanche para oferecer aos dois que logo
chegariam.

Sascha o seguiu com a certeza canina de que seria ele a ganhar um lanche especial.

Com que Cíntia está saindo? André se perguntou. Nem queria imaginar, não conseguia
pensar na mãe de namoro com algum homem qualquer. Não que achasse que ela deveria
voltar com o Heitor, eles costumavam brigar por bobagem, e a casa se tornara muito
mais tranquila após a separação, há dois anos. Mas a ideia de ter um padrasto era um
tanto estranha, só esperava que fosse um cara decente e, de preferência, trabalhador que
ganhava o próprio dinheiro, e não daqueles safados querendo dar o golpe do baú.
Quando Fabrício e Gabi chegaram, um cheiro bom de pão de queijo e croissants
encheu-lhes as narinas.

André abriu para os dois, e eles foram até a cozinha.

“Ai, que coisa mais querida!” Gabi exclamou e pegou o Sascha no colo, tendo de se
desviar de várias lambidas. “Ele já cresceu um monte!” Sascha realmente crescera
naqueles dois meses, praticamente dobrara de tamanho.

“Ele vai se tornar um monstro.” André lamentou. “Se estiverem com fome... Esquentei
para vocês.” Ele próprio pegou um pão de queijo e deu uma mordida generosa. “Fiquem
à vontade, somos só nós três de qualquer forma.” Sascha latiu para aquilo. “Nós
quatro.” Se corrigiu.

“Ah, que perfeito!” Fafá exclamou e, inesperadamente, abraçou o loiro e lhe deu um
selinho. André o encarou envergonhado, principalmente pela Gabriella estar olhando-os
bastante interessada. Porém a morena não falou nada, apenas sorriu e foi lavar as mãos
após soltar o Sascha no chão. Depois também pegou um pão de queijo.

“Estou com o Yokochi na minha mochila.” Avisou, referindo-se ao livro de anatomia.


“Nem sei como vamos estudar, mas minha madrinha me passou algumas provas e
simulados anteriores que podemos fazer. E eu tenho todos os bancos de questões,
podemos fazer algumas questões juntos também.” Ela foi falando, prática e eficiente, de
boca cheia como a dama que era.

Fafá lavou as mãos e também pegou um pão de queijo. Dois na verdade, que socou na
boca de uma só vez. Tocou um pedaço para o Sascha, que pareceu o cão mais feliz do
mundo ao abocanhar no ar o pedaço.

“Acho que já podemos no casar. Esse pão de queijo ‘tá ótimo.” Fafá comentou assim
que engoliu a primeira mordida.

“É comprado, idiota. Só esquentei.” André retrucou.

“Saber usar o forno e o micro-ondas é fundamental nos dias de hoje.” Gabi se meteu na
conversa, e recebeu uma resposta não lá muito educada do loiro.

Acabaram gastando uns minutos apenas comendo e conversando.

XxxX

Fafá estava dolorosamente consciente do peso em suas costas. E, bem, isso não era
legal. Não quando se tem uma prova no dia seguinte. Não era como se ele pudesse
chegar e dizer "Ah, professor, tu precisa me dar um desconto. Eu juro que tentei estudar,
mas eu só conseguia pensar em beijar o loiro bonito que eu fisguei recentemente". Na
verdade, não era como se ele pudesse falar qualquer coisa para convencer o professor de
que merecia um desconto.

Estavam no quarto do André. O moreno estava estirado no chão de barriga para baixo,
enquanto André se esticava de barriga para cima, com a cabeça apoiada nas costas de
Fafá, os corpos formando algo como um T no carpete. Felizmente para o Fafá (ou não),
Gabi também estava ali, sentada na cadeira do computador, a testa vincada enquanto
lhes mostrava as imagens de outros simulados no notebook e lhes perguntava o que era,
a função, entre outras perguntas relacionadas que poderiam cair.

Fafá já nem sabia o que era um cérebro, e talvez houvesse perdido o próprio.

“Tu não é uma boa almofada." Resmungou André, remexendo-se, tentando achar uma
posição mais confortável. Sascha resmungou indo morder e lamber a orelha do loiro,
querendo alguma atenção.

"Nossa, depois dessa, acho que não conseguirei dormir essa noite." Replicou Fafá
arrastando a voz. Estava cansado, com sono, já haviam revisado toda a matéria. E
mesmo assim ele não iria conseguir dormir por outros motivos...

André tocou os papéis de resumos e imagens longe e se sentou, esfregando o rosto e


dando uns carinhos no cãozinho para que ele parasse quieto. Espirrou.

"Não aguento mais." Disse como uma criança mimada. Se levantou, chutou o famoso
livro Netter de anatomia que estivera em seu colo e olhou para o Fafá, que sentia as
costas formigando pela falta do contato.

"Vamos fazer alguma coisa.”

“Sexo?”

André praticamente chutou o moreno como fizera com o livro, enquanto a Gabi
gargalhava, junto com o Fafá, que tentava se esquivar da indignação do outro. Sascha
corria atrás do próprio rabo.

“Brincadeira, brincadeira, loiro!”

“Gente, acho que vou indo pra casa. Estou tri cansada, e amanhã a prova é às 7h30min
né. Dré, sabe que ônibus eu pego pra ir para casa?” Ela perguntou. Não tinha dinheiro
suficiente para um táxi. “Se eu caminhar até a Protásio, eu pego qualquer ônibus e desço
na altura da Eça de Queirós.”

“Bem capaz. Às 10h45min da noite, sozinha? Não mesmo, te levo em casa.” André
falou. A mãe estava usando um dos carros, mas o loiro havia ganhado uma moto e um
carro por ter passado em medicina na UFRGS. Não usava muito o carro, mas ele ficava
na garagem para emergências e eventuais necessidades.

“Não, sério. É muito abuso.”

“Então eu chamo um táxi.” André saiu do quarto já ligando pra algum serviço de táxis.

Gabi olhou pro Fabrício.

“Ele vai querer pagar de novo, né?” Ela suspirou, e Fafá assentiu solene. “Ele num geral
tem essa pose de ‘o mundo foi feito para me servir’, mas ao menos não é pão duro.” Ela
deu de ombros. Procurou por algum dinheiro na bolsa, mas encontrou apenas cinco reais
atestando sua pobreza. Quando tentou dizer para o loiro que pagaria uma parte, ele
gargalhou na sua cara, ridicularizando seus modestos trocados. Gabi deu-lhe uns tapas,
mas ele não mudou de ideia. Quando o táxi chegou, André a empurrou para dentro
novamente e lhe jogou vinte reais, o suficiente para que ela chegasse até em casa.

“Eu ganho quinhentos reais por semana de mesada. Então apenas aceite calada.” André
revirou os olhos, estafado, e fechou a porta do táxi antes que a morena começasse a
reclamar novamente, pois já havia percebido que a morena detestava que os outros lhe
pagassem qualquer coisa. Orgulhosa.

Entrando em casa de novo, foi subitamente agarrado, ofegando baixo.

“Acho que se a Gabi não estivesse aqui, isso seria tudo que eu teria feito.” Fafá admitiu,
começando a beijá-lo no pescoço. André estremeceu, e suas mãos pararam nos cabelos
negros do moreno. Sascha, sentado no chão, os observava com curiosidade, a cabecinha
inclinada para o lado. André pensou que estava dando maus exemplos ao seu ‘filhote’.

“Tu não vai embora também?”

“Está me expulsando?” Fafá ergueu o olhar. “Bem quando eu estou te beijando?”

“Minha mãe pode chegar a qualquer momento.” André sussurrou nervoso, como se a
Cíntia estivesse por perto. Afastou-se. “Posso te levar em casa. Gosto de andar de moto
de noite, é mais tranquilo.”

“O quê? Andar de moto agora?”

“Não, amanhã. É claro que agora!” Exclamou, estressado. “Mas antes tenho algo para te
dar...”

Fafá ergueu as sobrancelhas.

“Me dar?” Um sorrisinho safado surgiu em seus lábios.

“Não! Isso- Ah, vai se ferrar.” André entendeu a malícia e subiu para o quarto, gritando
um “Espere aqui!”. Fafá obedientemente esperou, sentando-se também no chão para dar
carinhos no Sascha, que se aproximou sacudindo o rabo.

Quando André desceu, trazia um skate velho. Fafá, sem entender nada, primeiro o olhou
como se André estivesse com o corpo coberto por bolhas de pus. Depois acabou
reconhecendo o skate velho, ao ver a inscrição que havia feito na parte inferior dele:
Fafá e Dré, amigos para sempre. Lembrava que, quando mostrara aquilo ao loiro, ele
corara, sorrira e o abraçara, dizendo que não queria que se separassem nunca.

“Não ‘tô acreditando! Tu guardou mesmo isso? Por nove anos?” Se aproximou,
embasbacado, pegando o skate para dar uma olhada nele. Uma emoção forte se alastrou
em seu peito, e acabou rindo entrecortado. “Sério... Isso é... Nossa!” Nem encontrou
palavras enquanto passava a mão com carinho pelo skate. “Nunca imaginei que tu havia
encontrado ele.”
“Deixou na frente da minha casa, claro que encontrei.” André coçou os cabelos,
envergonhado. “Era a lembrança mais vívida que eu tinha daquela época...”

Fafá sorriu ainda mais largamente, e largou o skate apoiado ao balcão. Aproximou-se do
loiro, que o olhou tímido, e o puxou pela cintura, capturando-lhe os lábios. O abraçou
com força, tomado pela emoção de saber que o André sempre o manteve, de certa
forma, por perto. O beijo se tornou intenso rapidamente, mas quando Fafá se empolgou
demais e prensou o loiro contra o balcão, este o afastou, ofegante.

Sascha começara a brincar com a bolinha que o loiro comprara para ele.

“Não podemos aqui.” Murmurou, olhando por cima do próprio ombro para as escadas
que levavam à garagem. Se Cíntia aparecesse... Estava ferrado até a alma. “É melhor eu
te levar em casa.”

“Okay...” Fafá disse, apesar de somente querer voltar a beijar o loiro. Mas sabia que ele
tinha toda razão. “Tu quer que eu fique com o skate?”

“É teu... Eu guardei para algum dia te devolver. Eu meio que...” Massageou a nuca,
desviando o olhar. “Acreditava que iríamos nos reencontrar algum dia. Mas mantinha
isso só para mim, evitava pensar, mas no fundo...”

Fafá voltou a rir e acariciou o rosto do loiro, encostando sua testa à dele.

“Tu é tão fofinho.”

“Cala a boca, a última coisa que eu sou é fofo.” André reclamou, avermelhado. “Vamos,
vou pegar um capacete pra ti.”

XxxX

“Por que fui convencido a isso?” André perguntou pela quadragésima vez, quando eles
se dirigiam a certa casa do bairro.

“Não foi tu que falou que gostaria de assustá-lo só de sacanagem?”

"É perigoso." André retrucou alguns momentos de silêncio depois, enquanto ponderava
os prós e contras de largar o moreno no meio da rua.

Fafá riu.

“Vai dar tudo certo!”

“A casa dos meus tios." André disse, parando em frente a uma casa enorme, a apenas
algumas ruas de distância de sua casa. Uma cerca viva impedia uma boa visualização do
pátio.

Fafá pulou da moto, como se agradecido com a oportunidade, e caminhou até a cerca.
"O que você está fazendo?" Sibilou André, estreitando os olhos para o moreno. Fafá se
virou com um sorriso travesso. Um sinal de que ele estava prestes a ter uma ideia
maluca.

"Tem uma piscina ali. É gigante!" Falou Fafá, apontando entre a cerca. André desligou
a moto e caminhou até o Fafá, olhou calmamente entre a falha na cerca viva e então
olhou de volta para o moreno.

"E?"

Fafá se agitou.

"Eu adoro piscinas."

André praguejou internamente.

“Fafá, não...!" Arregalou os olhos. Fabrício estava escalando a cerca.

Algumas pessoas verdadeiramente não deveriam ser deixadas soltas na sociedade.

"E se tiver alarme! E se eles compraram um cão de guarda e eu não ‘tô sabendo?
Fafá...?" Chamou baixo, nervoso. Tudo bem que eram seus tios, mas eram tios que o
odiavam por ter caído na briga com o filho deles três anos atrás, deixando Lázaro com
um olho roxo. E o primo intragável o odiava ainda mais por esse e vários outros
motivos. Seria uma confusão se fossem pegos.

O moreno pulou para o lado de dentro e sorriu para o André.

"Vem logo, não tem perigo."

André blasfemou contra todos os Deuses que conseguiu lembrar, algo em torno de três.
Onde estivera com a cabeça quando decidira mudar o rumo? Deveria apenas ter largado
o moreno em casa. Não se lembrava de ter tomado substâncias ilícitas. Diferentemente
do Fabrício e seus cogumelos.

Começou a escalar e então pulou para o pátio também, lembrando que os tios haviam
retirado momentaneamente a cerca elétrica por uma falha após um raio que caiu numa
tempestade recente. Fafá estava na beira da piscina, tirando a camiseta.

"Eu tenho piscina em casa, sabe? Tudo bem que ela tem um terço do tamanho dessa, a
água ‘tava suja e ela ‘tava tapada, mas não precisávamos estar aqui invadido a casa
deles. A ideia não era apenas pregar um susto no Lázaro?" Sussurrou, mas tirou a
camiseta também. Agora que repetia a ideia, via como ela era ridícula, ainda mais
ridícula do que invadir a casa e fazer uso da piscina. Tinham uma prova na manhã
seguinte, por Deus!

"Tu deveria ter me impedido antes, então." Retrucou Fafá e entrou na água, tentando
fazer o menor barulho possível.
André olhou para suas calças de marca de trezentos reais. Não entraria na piscina com
ela. Reclamou algo como a dificuldade de se fazer amigos decentes e tirou-as também,
ficando apenas com a cueca preta. Iria matar Fafá por isso. Quem sabe afogá-lo?

Fafá assobiou.

"Cale a boca." Resmungou André e entrou na água. Estava bem fria e ele sentiu todo o
corpo se arrepiar. Fafá boiava relaxadamente no meio da piscina.

"Como se sente?" Perguntou Fafá, quando André começou a boiar ao lado dele.

"Como um delinquente. Mas um desses ruins que invade a casa dos próprios tios, em
vez de invadir de algum desconhecido mesmo." Afirmou o loiro, e Fafá riu.

“Lá na cidade, eu e uns amigos invadimos o clube pequeno de lá, à noite, pra tomar
banho de piscina. Lembra daquele clube?” Perguntou.

“Lembro. Era bem chinelão.”

“E continua o mesmo.”

Ficaram em silêncio alguns instantes, observando as estrelas borradas pela poluição da


cidade.

"Mas é uma sensação boa. Né?"Fafá sorriu de lado e André fechou os olhos, flutuando.

André pensou sobre aquilo.

"Sabe, desde que, bem... Desde que eu me mudei para cá, tentei fazer de tudo para virar
o filho que meu pai queria. Não que eu não tenha aprontado algumas, mas... Eu não sei,
é diferente com tu aqui comigo, de novo. Eu me sinto diferente, como se resgatasse uma
parte de mim..."André não poderia ter ouvido o coração de Fafá parar, contudo, Fafá
tinha certeza que ele parara. Por que André tinha que falar aquelas coisas?Por que
André tinha que falar aquelas coisas quando estava só de cuecas?

André corou ao perceber o que recém admitira. O que havia sobre o moreno que o fazia
admitir em alto e bom tom esse tipo de coisa?

"Também estou feliz por estar aqui contigo, loiro." Fafá disse, parando de boiar e
olhando para o André, que parou também e o fitou com as batidas do coração parecendo
estremecer a água que tocava em seu peito, tão fortes eram.Fafá se aproximou e o
abraçou pela cintura, e o loiro apoiou os braços em seus ombros, olhando-o também.
“Fiquei completo quando te reencontrei...” Admitiu num sussurro, e as orelhas do loiro
pegaram fogo.

“Bobo...” André reclamou baixo, mesmo que tivesse sido ele a tocar naquele assunto
primeiramente. A noite não estava quente, e ambos já tremiam de leve pelo frio.
Roçaram os lábios fracamente, os olhos apenas entreabertos, por vários minutos,
alternando entre beijos rápidos e mordidas leves.
“Não me contou por que não curte teu primo.” Fafá perguntou em determinado
momento, a curiosidade surgindo novamente, porém se arrependeu ao ver o loiro ficar
subitamente indignado.

“Porque ele é chato, já tentou me ferrar no colégio, já contou mentiras sobre mim, é
fofoqueiro, dedo-duro, trapaceiro... Já teve uma vez que até pagou três outros guris na
escola para irem bater em mim, no Leo e no Lucas, e com isso pegamos uma suspensão.
Ele é pior que eu, acha que dinheiro compra tudo, que compra até amizades... Acredita
que uma vez ele tentou comprar a amizade do Davi? Ofereceu dinheiro para ele, o sem-
noção. Quando se tocou que o Davi já é rico, tentou com o Lucas, que é o mais... pobre
do grupo. Ele sempre teve inveja de mim, e sempre me odiou. E eu odeio ele também.”
Bufou ao final, com uma raiva latente.

Desde que se formara, não precisara mais olhar para a cara do primo, depois de viajar
então, quase o esquecera por completo. Mas aí ele e o Fabrício, no rápido espaço entre
irem da sala até a garagem – onde descobriram que o Sascha fizera coco e o loiro teve
de limpar –, começaram a falar sobre primos. Fafá comentou sobre a Juliana, com quem
costumavam brincar quando mais novos, e André falou do primo mala, comentando
algo sobre ‘algum dia ainda prego uma peça nele, só por diversão’.

E de alguma forma acabaram ali, naquela piscina.

“Wow. Vocês são parecidos.” Fafá se fez de surpreso, debochando. André deu-lhe um
soco no braço que latejou e lhe arrancou um gemido baixo.

“Vai se foder.” André resmungou, realmente ofendido.

“’Tô brincando, loiro...” Fafá murmurou divertido e sorriu, abraçando-o mais forte
como num pedido de desculpas. André ainda relutou, virando o rosto, tentando se soltar,
mas Fabrício não permitiu, rindo baixo da chateação do outro.

Fabrício roubou-lhe um beijo, contra vontade. André ainda tentou resistir, mas
rapidamente acabou cedendo; era um beijo lento, escorregadio pelos lábios molhados.
Ambos os corpos estavam frios pela temperatura mais baixa da noite e da água, mas
naquele abraço pareciam protegidos, dividindo o mesmo calor. Fabrício gemeu baixo ao
puxar mais o loiro para si, um prazer gostoso culminando do encontro gostoso e sensual
de suas línguas, e da carícia que o André fazia em sua nuca molhada. Abraçaram-se
com mais força, suas línguas entrando em maior contato.

E levaram um susto quando a luz da sala da casa foi acesa. Arregalaram os olhos,
desviando o olhar para a fonte de luz. Fazendo um sinal para que ficasse quieto, André
indicou para que nadassem até a borda, espiando o cômodo iluminado. André deixou o
queixo cair ao ver através das portas de vidro o primo sendo furiosamente agarrado por
um homem mais velho, desconhecido para si.

“O que é isso? O mundo é gay e eu não sabia?” Se perguntou. Os tios haviam viajado
em uma segunda lua de mel, justamente por isso escolheram aquele dia para tentar
pregar uma peça.

Fafá estava surpreso também, apesar de nem conhecer o tal Lázaro.


“Bem, isso explica por que ele te odiava, já que é gay e tu era homofóbico.” Comentou,
pensativo.

“Filho da mãe enrustido! Eu ainda quero dar um cagaço nele.” André nadou até a borda
onde tirara a calça e, ocultando seu número, ligou para a casa dos tios.

Foi hilário ver os dois rapazes levando um baita susto com a chamada, o mais velho
chegando a cair de bunda no chão. André, segurando as risadas, fez sinal para que Fafá
o seguisse. Enquanto do lado de dentro os dois se agitavam como baratas tontas, André
e Fafá saíram da água na surdina, pegando as roupas e correndo de volta para a cerca.

Ocultando novamente o número, André mandou uma mensagem para o celular do


primo: Acabamos de voltar, mas teu pai esqueceu as chaves de casa. Depois disso,
André, já vestido, tocou a campainha da porta da frente e correu para a moto. Fafá,
pulando num pé só tentando recolocar as calças, fez um malabarismo para pegar o
capacete que o loiro lhe jogou, pegou a mochila que não tinha quase nada dentro, o
skate preso a ela e pulou na carona da moto. Inconsequente da parte deles terem deixado
aquilo tudo desprotegido na rua, à noite, mas aquele bairro tinha um índice baixíssimo
de roubos.

André acelerou.

"Prefiro acreditar que ele não nos viu."

"Dois adolescentes seminus e molhados pulando a cerca? Deve ser bem corriqueiro. Tu
deveria avisar ele que a casa ‘tá mal de segurança, antes que eles sejam roubados." Fafá
comentou alegremente.

“O que foi roubado é a dignidade do Lázaro. Queria ter visto o desespero dele quando a
companhia tocou.” Riu maldosamente, estilo vilão de desenho animado, e Fafá acabou
rindo do som de sua risada. “Ainda não acredito que ele é gay... Talvez devesse me
desculpar com ele. Os meus tios são insuportavelmente evangélicos, deve ser difícil pra
ele. Deve ser por isso que ele é chato pra cacete.”

“Mas agora que tu sabe que ele vive uma situação parecida com a tua, vocês poderiam
virar amigos.” Fafá ponderou, como sempre com aquele jeito de ‘temos de ser amigos
de todos’.

André achou a ideia ridícula.

“Só porque sou... gay, não quer dizer que eu vá virar amigo de todos os gays no
mundo.” André objetou, pela primeira vez conseguindo admitir aquilo. Não era
bissexual, só havia ficado e transado com garotas para se autoafirmar. Ou talvez fosse
mesmo bissexual, já que ainda achava garotas bonitas e atraentes. Não entendia muito
bem dessas definições. O que sabia era que nunca antes fora como era agora com o
moreno. Nem perto disso. E, se parasse para relembrar certas memórias, conseguiria
recordar vezes em que se sentira atraído por outros rapazes, reprimindo tais sensações
de imediato, fingindo com toda certeza do mundo que jamais havia acontecido.

Mas preferia não pensar no quanto se fizera de cego naqueles anos todos.
Mordeu os lábios.

“Segure-se firme, vou ir mais rápido!” Avisou e acelerou quando sentiu o moreno
segurar-se com mais força à sua cintura.

E deliciou-se com aquela sensação de liberdade.

Notas finais do capítulo


Excepcionalmente dessa vez não respondi aos reviews, pois estou sem tempo... Porém
irei respondê-los assim que todas as minhas provas passarem, junto com os que eu vier
a receber. Me sinto super mal fazendo isso, mas achei que, para vocês, valia mais à pena
uma atualização, do que três semanas sem cap. novo até ficar um pouco livre de novo.
Espero que não se chateiem, irei responder tudo assim que possível! A parte final desse
capítulo é meio "WTF?", mas sei lá, essas zoeiras fazem parte da vida.
JUJAOUAIJAAOIAHAIUOA Beijos, gente querida!

(Cap. 35) Epitáfio


Notas do capítulo
Obrigada à Rafaella Lima pela recomendação LINDA! Música do cap.:
https://www.youtube.com/watch?v=L3eiOMQVUqs

“Então, como é que está a medicina?” Natália perguntou, enquanto entravam no


apartamento que a garota alugava, tendo se mudado recentemente. Pegara um
apartamento mobiliado, ou parcialmente mobiliado, próximo do bairro Moinhos de
Vento, onde ficava o estúdio de tatuagens que abrira há um ano, o Valentin Tattoo Arte
e Café; galeria onde, além do estúdio, havia uma loja de joias/piercings e uma galeria de
arte com alguns trabalhos da própria garota.

André admirava o quanto a amiga se esforçara, nos últimos anos, para realizar tal sonho.
Desenhava desde pequena, e começara a praticar com tatuagens de henna com uns doze
anos, fazendo cursos com o pai de uma amiga próxima. Claro, ser filha de pais ricos
ajudara muito, e ela estava devendo uma grana considerável a eles; porém o estúdio
vinha fazendo sucesso e Natália estava ganhando renome como uma ótima tatuadora.

“’Tá indo. Essa semana tivemos umas provas de anatomia. Foi bem tranquilo.” André
deu de ombros. Todos havia ido muito bem, quase todos os alunos haviam gabaritado a
prova prática e a teórica, alguns tirado nove ou nove meio. Pouquíssimos menos do que
isso.

“Tu acha tudo tranquilo desde o colégio. Enquanto eu ‘tava lá, me esgualepando nas
provas de matemática e química, tu só faltava chupar bala, seu filho de uma égua
xucra.” Ela disse e, pelo linguajar, André muito genialmente percebeu que ela não
estava nos seus melhores humores.
“O que aconteceu?” André logo perguntou, e caminhou até o piano antigo, sem cauda,
que já viera com o apartamento. Sentou-se ali, tamborilando os dedos sobre o tampo do
instrumento antigo.

Natália bufou.

“Andei tendo uns desentendimentos com o Fernando. Ele é meu tatuador mais famoso,
depois o Cássio. Estou com medo que o Fernando saia, assim como Luís Henrique, que
eu comentei contigo quando tu ‘tava viajando...” Contou, largando-se no sofá e
massageando as têmporas. Natália, quando estressada, era uma pilha de nervos que
poderia lançar raios e matar alguém apenas com o olhar.

“Lembro, aquele com quem tu teve um caso, mas não deu certo. Não me diga que ‘tá
rolando um clima com o Fernando também?! É por ele que tu disse que se apaixonou?”

“Hein?” Natália então lembrou da mentirinha que contara para justificar os dois não
terem mais uma amizade colorida. “Ah... É... Mas sim, rolou um clima. Eu fiz outra
tatuagem, dessa vez uma grande. Criei coragem, sabe? Fiz uma nas costas.” A garota se
ergueu e, de costas, ergueu a blusa. Era uma tatuagem linda, toda em tons de preto, uma
fada ao redor da qual sobrevoavam borboletas negras e desciam raízes emaranhadas,
ocupando boa parte das costas.

Natália já tinha outras: uma sequência de três passarinhos pretos e pequenos atrás da
orelha esquerda, uma corujinha na escápula, uma âncora permeada com flores atrás do
maléolo lateral do pé direito, e uma sequência de cinco estrelas subindo em diagonal da
virilha direita que alcança quase a altura do umbigo. Agora mais essa nas costas. Daqui
a pouco ela seria uma tatuagem ambulante e colorida.

“É muito bonita. Mas o que isso tem a ver com o Fernando?” André perguntou.
Conhecia o tal Fernando, afinal, já visitara o estúdio da amiga algumas vezes.

“Ele quem fez e, enquanto ele fazia, meio que rolou um clima e... Nós transamos no
estúdio.” Disse, mordendo os lábios. “Desde então estamos só brigando. Parecemos
duas crianças idiotas, que não sabem conversar. Sinceramente, que raiva, fiz a mesma
porcaria do ano passado. Será que eu não aprendo nunca? Que ódio!” Bufou jogando-se
no sofá de novo.

“Calma, não é por isso que ele vai sair do estúdio ou algo assim. Tenta conversar com
ele, sei lá. Deixa de ser tão esquentadinha uma vez na vida.” Sorriu torto.

“Vai se ferrar, André.” Ela disse, e se levantou. “Mas ok, tenho de me acalmar mesmo.
Agora, posso saber que ideia é essa tua?”

“Quero me desculpar de novo com o Davi.”

“E por que aqui em casa? Quero dizer, não que tenha algum problema. Já convidei ele,
o Gui, o Leo, a Tati e o Lucas para virem aqui. Eles devem chegar daqui a pouco. E o
Fabrício vai vir também, né?” Colocou as mãos na cintura.

André coçou atrás da cabeça.


“É...” Disse, evasivo. Estava com vergonha de contar pros amigos que era gay, em
realidade, não sabia se iria contar. Talvez para o Davi, no máximo. Não estava
preparado ainda, ele e Fafá estavam juntos há apenas uma semana! “Ele já deve-“

A campainha tocou naquele exato momento. Natália foi até o interfone, atendeu, e então
apertou o botão que liberava a porta. Depois se virou para o loiro.

“Tem algo que tu queira me contar também?”

“Eu?” André se fez de desentendido, e pigarreou. “Não. Nada não. E eu escolhi tua casa
porque era um campo neutro.”

“Certo.” Ela disse ainda desconfiada, e foi abrir a porta. Logo Fabrício apareceu com o
violão a tiracolo. Chegou e a cumprimentou com um beijo na bochecha.

“E aí! Cumé que ‘tamo?” Ele disse daquela forma despojada e largada. Entrou no
apartamento sorrindo para o loiro, que corou e desviou o olhar, sentindo-se agitado.
Aquela semana vinha sendo uma tortura, agora vinha ficando cada vez mais tímido
perto do moreno, só agindo normalmente quando eles estavam no modo ‘amigos’, mas
era só ele sorrir ou se aproximar um pouco que já sentia todo estranho e errado, coração
fora de ritmo.

Depois de entregar o skate, Fafá parecia ainda mais ‘bobo’ para cima de si.

“Que bom que chegou antes dos outros.” André passou a mãos pelos cabelos, e
empinou o nariz, escondendo o que sentia através de um olhar indiferente. “Treinou a
música que eu pedi?”

“Já tinha tocado ela outras vezes antes, só tive de relembrar umas partes. Música
famosinha né? Mas fiquei surpreso que tu conhecia alguma música brasileira por ti
mesmo.” Riu tirando o violão das costas e sentando-se no sofá, enquanto André revirava
os olhos. “E aí, Nati, curte Titãs?”

“Eu curto. Vocês vão tocar?” Se sentou na ponta do sofá. “Qual música?”

“Tu vai ver qual.” André disse, querendo fazer mistério. “Então... A Tati ainda me
odeia?”

“Muito, acho que vai ser mais difícil ela te perdoar, do que o Davi. Tu sabe como ela é,
depois que o Davi se assumiu, ela abraçou toda a devoção que sente por homossexuais e
ainda diz que quer te dar uns socos pelo que tu falou pra ele. E, sabe, tu bem que
merecia.” Natália o lembrou daquele episódio infeliz.

“Eu sei que errei, porra, não precisam ficar me lembrando disso o tempo todo. Estou
aqui pra tentar me redimir.” André disse, estressadinho como sempre, mas com aquela
sensação pesada de culpa o abatendo.

“Até o Lucas aceitou, entendeu? Ele diz que não, mas é um machista babaca e nem
percebe, apesar de ser num nível suportável. Sério, o que eu faço com amigos como
vocês?” Bufou. “Devia ter escolhido melhor meus amigos.”
“Valeu a consideração.”

“Hei, hei! Todos nós temos nossos defeitos. A gente releva os dos amigos, certo?” Fafá
quis apaziguar os ânimos, antes que os dois criassem um clima desagradável
irreversível. “Então, Dré, ninguém sabe?”

André quis atirar o moreno pela sacada.

“Eu já te disse isso antes!”

“Sabe o quê? O que foi?” Natália perguntou, toda curiosa e desconfiada, olhando de um
pro outro. Viu o loiro corado, e o moreno só faltando assobiar para disfarçar. “Acho que
sei do que vocês estão falando...”

“Quê? O que tu acha que é?” André perguntou, nervoso, mas Natália deu de ombros.

“Me diz o que é, que eu digo o que achava que era. Senão, vai se ferrar, é feio esconder
coisas das amigas.” Ela se levantou e foi ao interfone de novo, pois mais alguém havia
chegado. “Ah, oi Leo, já ‘tô abrindo.”

“Leo é aquele que eu encontrei no hospital? Bah, figuráça aquele ali, muito gente boa.”
Fafá comentou cheio de sinceridade e entusiasmo.

“E safado e galinha como nenhum outro. Sinceramente, que amigos...” Nati massageou
a testa, como se sentisse uma dor de cabeça intragável. “Um homofóbico, um galinha,
um machista, um chorão, uma louca e eu, a única normal.”

André soltou uma exclamação de escárnio antes que pudesse se segurar.

“Até parece.”

“Cala boca se não quer morrer hoje.” Natália ladrou. O humor dela estava realmente
perigoso, a aura negra pairando sobre sua cabeça. Fafá se perguntou como alguém que
parecia uma boneca de tão fofa poderia parecer tão malvada.

Quando Nati abriu a porta, Leonardo entrou todo espiado.

“Ele está por aqui? Sério, alguém me explica por que eu vim? É uma combinação
altamente letal eu, o Davi e o Guilherme no mesmo ambiente fechado. Letal para minha
humilde pessoa, é claro. Oi, André, oi... Fabrício, certo? Bem, já vou indo então.” Ele
tentou dar meia volta, mas Natália o segurou pela gola posterior da camiseta e, no
primeiro passo, Leonardo quase foi estrangulado.

“Paradinho aí. Tu também é parte desse grupo de amigos então, morrendo ou não pelas
mãos do Guilherme, vai continuar nesse apartamento.” Natália determinou, puxando-o
para dentro e fechando a porta.

“Quanta consideração.” Leo disse debochado, murchando. André concordou, havia dito
a mesma coisa segundos atrás. Leo foi até o Fafá, cumprimentando-o com um aperto de
antebraços e uns tapinhas nas costas. Depois puxou André para um abraço cheio de
tapinhas também. “Moleque, fazia tempo que não marcávamos uma tarde assim. Agora
com essa medicina não quer mais saber dos amigos?”

“Cara, eu ‘tô de boa. Só essa história do Davi atrapalhou, mas eu quero resolver as
coisas.” André comentou, apoiando um braço sobre o piano.

“É, tu e tua homofobia. Te dizer que levei um susto quando o Davi apareceu me dizendo
que gostava de macho, né, vocês dois eram uns enrustidos homofóbicos. Agora só ‘tô
esperando tu sair do armário também.” Leo estava brincando, mas mesmo assim a cor
fugiu das bochechas do loiro.

Fafá gargalhou.

“Eu ‘tô esperando também.” O moreno sorriu de lado, malandro, e olhou para o André,
que praticamente o fuzilou, enquanto Natália confirmava mais um pouquinho de suas
suspeitas.

Não demorou pro resto do pessoal chegar. André ficou nervoso, o coração batendo
agitado.

Esperava conseguir o perdão do Davi naquele dia, queria que os amigos vissem que
havia mudado.

Davi chegou com Guilherme, e Tati e Lucas estavam ali junto, provavelmente haviam
pegado carona. Davi parecia bastante recuperado após duas semanas, ainda que tivesse
de caminhar com cuidado, afinal, havia quebrado uma costela. O rosto do Guilherme
ainda parecia ligeiramente roxo em certos pontos, e o nariz ficara um pouco torto,
porém era algo muito sutil. Já ganhara uns dentes novos, e usava gesso no braço direito.
André se lembrou de como Davi estava no hospital e sentiu a garganta se apertar.

Houve aquele momento de cumprimentos, e Davi parou ao ver o André.

“Então foi para isso que fui chamado?” Ele perguntou, olhando para o André como se
visse algo sujo e muito desagradável. “Eu achei que tínhamos combinado, Nati, de que
quando eu estivesse preparado, eu mesmo iria procurar o André para conversarmos.”
Falou alto, sem se importar em dizer aquilo bem na cara do loiro.

“Olha aqui!” Tati avançou e tentou dar um tapa bem no rosto do André, mas este
segurou-lhe o pulso, olhando-a assustado.

“Endoidou?” Ele perguntou, irritando-se.

“Era o tapa que tu merecia por todas as vezes que tive de aguentar teus comentários
homofóbicos, eu era uma idiota naquela época, achava que eu que era a errada, mas não
sou mais. E não me vinguei ainda pelo que tu falou pro Davi!” Tati era meio doida,
todos ali já estavam acostumados com aquela jeito dela.

André soltou o ar pesadamente.


“Então deveria dar uns tapas no Davi, já que ele concordava comigo em tudo antes. Mas
as pessoas mudam. Eu já pedi desculpas, tu deve saber disso.” Disse à garota.

“E quem disse que eu confio nas tuas lágrimas de crocodilo?” Ela quis saber, puxando o
braço e cruzando os braços. “Ninguém como tu muda de uma hora pra outra.”

“Não foi de uma hora pra outra!” André exclamou exasperado.

“Galera, vamos nos acalmar, por favor.” Natália resolveu interceder, deixando seu
próprio humor negro de lado, pelo bem maior.

“É gente, relaxem, por favor, somos amigos há anos! Estamos aqui pra nos acertamos,
não para brigarmos ainda mais.” Leo tocou o ombro da Tati, tentando amenizar o clima
com seu sorriso caloroso.

“É, Tati, tudo bem, não precisa bater no André. Pode deixar que eu mesmo bato nele se
eu quiser.” Davi também não queria brigar. Havia se emocionado com o pedido de
desculpas do loiro no hospital, só achava que precisava de um pouco mais de tempo;
porém André apesar de tudo era um de seus amigos mais antigos, com quem já vivera
muitas coisas. Não valia à pena estender as brigas.

“Por favor, não vamos transformar essa vontade coletiva de me bater em fetiche.”
André pediu, emburrando-se com aquilo. Já não era fácil pedir desculpas, menos ainda
numa situação dessas. “Eu queria pedir desculpas de novo. Eu sei que eu deveria deixar
tu decidir isso por si mesmo, mas eu queria meio que... Fazer uma homenagem a tu e o
Guilherme. A propósito, oi.” André fez um aceno para o rapaz grandão e forte que não
conhecia.

“E aí.” Guilherme estava evitando se meter na briga dos amigos. Era melhor deixar eles
se resolverem sem que se intrometesse, e até se sentara no sofá, apenas aguardando o
desfecho daquilo.

“Uma homenagem?” Davi perguntou confuso, olhando confuso para o André.

“É... Algo assim, um pedido de desculpas um pouco diferente pra mostrar o quanto
estou arrependido, e o quanto eu não me importo de vocês serem namorados e tudo...
Pra isso pedi ajuda pro meu... amigo Fabrício.”

Todos estavam curiosos, a exceção da Natália, que já tinha uma ideia do que seria.

“Tudo bem?” André perguntou ao Davi que, ainda confuso, assentiu. “Certo, então se
sentem, por favor.”

André foi para o piano, erguendo a proteção das teclas, e Fabrício se sentou em um
banquinho ao lado, com o violão já no colo. André começou a tocar as primeiras notas
no piano da música Epitáfio, dos Titãs. E, apesar de sua voz não ser tão boa quanto à do
Fabrício, começou a cantar:

Devia ter amado mais


Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer

Queria ter aceitado


As pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
E a dor que traz no coração

Chegando ao refrão, Fafá também entrou na música, com violão, e acompanhando o


loiro na cantoria, tornando os sons mais altos e vibrantes, enchendo todo o apartamento
com aquele pedido de desculpas.

O acaso vai me proteger


Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Davi estava pasmo com aquilo, e segurou o braço do namorado, sentindo a garganta se
apertar, os olhos umedecerem, porque nunca imaginou que o loiro, além de se
desculpar, lhe cantaria uma música que carregava todo seu arrependimento.

Devia ter complicado menos


Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor

Queria ter aceitado


A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier

Retornaram para o refrão, e então para o final da música. O primeiro segundo ao final
da canção, todos ficaram em silêncio. André se virou para o Davi, com o coração
apertado.

“Espero que isso tenha resumido como me sinto. Eu mudei, de verdade. Eu te apoio,
apoio todos vocês, em tudo. Desculpe não ter sido assim desde o início, eu sou mesmo
idiota.” Abaixou o rosto, arrependido, e com aquela vontade boba de chorar, por
vergonha do que fizera, e pelo que acontecera com o Davi e o namorado.

Davi se levantou do sofá e caminhou até parar bem em frente ao loiro, que lhe ergueu o
olhar.

“’Tá perdoado, loiro burro.” Davi sorriu, com as lágrimas represadas nos olhos. André
sorriu e se levantou, e os dois se abraçaram apertado. Todos no cômodo aplaudiram,
Fafá assobiou, e Leo implicou com o Guilherme dizendo pra ele abrir o olho. Guilherme
o olhou feio, e Leonardo se calou.

Quando os dois se separaram, estavam ambos meio sorrindo, meio chorando. André, na
verdade, fingiu tirar um cisco do olho. Tati se levantou e abraçou o loiro também, se
desculpando por ter sido tão agressiva. Conseguira ver a sinceridade escorrendo no
loiro, e se convencera. As pessoas podiam mudar.

“Tudo bem, todo mundo aqui já te viu em piores dias.” André rebateu, debochado.

“Vai à merda.” Ela disse, mas sorria.

”Cara, quanta boiolagem.” Lucas comentou, implicante. Lucas era o típico que fazia
piadinhas o tempo todo, mas não falava na maldade, apenas se permitia implicar por
tratar-se de seus amigos. Ele havia sofrido muito bullying quando mais novo, antes de
entrar para aquele grupo de amigos, por ser gordo e feio, então hoje em dia acabava
bulinando todo mundo em retorno. Uma vingança inconsciente, mas que não continha
maldade.

“E... Bem... Tem outra coisa que eu... Tinha pra contar...” André estava com medo, não
sabia se queria fazer aquilo mesmo. Porém seus amigos da faculdade já sabiam, seria
certo deixar seus amigos mais antigos sem saberem? E todos eles haviam aceitado o
Davi. Não seria hipocrisia de sua parte sentir-se envergonhado de contar a eles que era
como o Davi? Sentia-se confuso, talvez estivesse cobrando demais de si próprio, rápido
demais, mas já era um saco esconder do resto do mundo, até de seus amigos mais
próximos, que conhecia há nove anos?

E, de certa forma, a música que acabara de cantar parecia lhe dizer exatamente isso: se
preocupar menos, deixar a vida correr livre, aceitar ao próximo e a si próprio.

“O que foi?” Davi perguntou, notando o desconforto e a vermelhidão do loiro. “André,


pode nos contar qualquer coisa. Depois do que eu perdoei, perdoo qualquer coisa.”
Brincou, para descontrair.

“Porra, não vai dizer que ‘tá com vergonha da gente agora, vai?” Leo perguntou,
ultrajado. “Já contei pra todos vocês que a última vez que fiz xixi na cama foi com dez
anos, tem algo pior do que isso?”

“Acho que não.” Lucas apontou.

“Mas lembrando que a penúltima vez foi com cinco anos, vamos nos respeitar aqui.”
Leo ergueu as mãos, o tom muito sério, ainda que brincasse.

“Vai André, conta.” Natália incentivou, afinal, tinha uma boa ideia do que era. Desde
aquele pôr do sol que havia assistido junto com o loiro, Fabrício e Gabriella, sabia que
não demoraria muito para aquilo acontecer, ainda que tivesse sido mais rápido do que
imaginava.

“É que eu... Eu também... Quero dizer, eu e o.... Nós dois começamos...” André olhou
para os lados, respirando fundo. Já estava quase gaguejando! Olhou para o moreno em
busca de apoio que, assim como o Guilherme, não quisera se meter na reconciliação dos
outros.

Fafá sorriu, entendendo o que ele queria revelar. Levantou-se largando o violão e, sem
dizer nada, puxou o loiro pela nuca e tascou-lhe um beijo naquela boca deliciosa. Sem
muita língua, apenas sugou-lhe o lábio inferior carnudo, logo finalizando o contato.
André estava de olhos arregalados, vermelho até as orelhas, enquanto os outros haviam
perdido os queixos em algum lugar, depois de eles terem despencado. Alguns
esperavam que André fizesse um escândalo e espancasse o moreno. Apenas Natália
sorria sabida.

Fabrício abraçou André por trás e sorriu deslavado.

“Estamos junto há uma semana.” Disse, simplesmente, como se fosse algo muito banal.
E, afinal, por que não seria?

“PERAÍ! Quer dizer que eu ‘tava certo! Porra, cara, deixa eu ir jogar na mega-sena
agora!” Leonardo exclamou, embasbacado.

“’Tá todo mundo virando gay. Sério, ‘tô preocupado com a integridade do meu cu
agora.” Lucas disse, inconveniente, como era de seu feitio.

“AI MEU DEUS, ISSO FOI TÃO LINDO E FOFO E SEXY!” Tati levou as mãos à
boca, e soltou um gritinho, balançando as pernas freneticamente, sentada no sofá. “DE
NOVO! AH, EU SABIA, ANDRÉ NUNCA ME ENGANOU!!!”

André tapou o rosto, envergonhado demais frente às risadas que começaram, junto com
piadinhas e perguntas. Davi era um dos mais perplexos, mas então começou a rir sem
parar, não acreditando na ironia da vida, e abraçou-se ao Guilherme, dando-lhe um
beijinho também, extravasando a emoção que estava sentindo.

XxxX

Depois de muita, muita, muita falação e especulação, em que André se recusava a saciar
a curiosidade alheia, Davi o levou para o pátio do prédio, onde poderiam conversar com
mais calma. O menor estava quase se mordendo de tanta curiosidade. Como assim
André também era gay? Depois da empolgação inicial, ficou preocupado com o loiro,
afinal, conhecia bem a família que ele tinha, e não seria fácil.

“Estou perplexo com tudo isso...” Davi admitiu enquanto sentavam-se num dos bancos
do pátio simples. “Sua família já sabe?”

“Não, e nem quero que descubram, então todos vocês mantenham a discrição, pelo amor
de Deus. Serei expulso de casa depois de levar uma surra, se descobrirem.” Suspirou.
“Teus pais...?”

“Eles não me bateram nem nada. Apenas brigaram, e depois ficaram me dando gelo,
como se eu não existisse, por duas semanas, até que eu não aguentei e procurei abrigo
na casa do Leo. Eles nem tentaram impedir; de qualquer forma, me senti expulso de
casa, já que não era mais bem vindo.” Contou com certo pesar. “Agora tenho pensado
em ir morar com o Guilherme... Já estamos juntos há dez meses.”

“Queria ter sido menos idiota desde o início e poder te dado algum apoio. Argh, quando
eu penso-“

“Não pense, Dré. Eu tive meses pra me acostumar com a ideia de ser gay e começar a
me aceitar, com a ajuda da Tati, enquanto tu estava viajando... Já tu foi pego de
surpresa, vamos pensar por esse lado. Mas agora eu queria saber de ti!”

“Eu não sei se estou preparado pra sair falando sobre isso... Já foi difícil admitir.” Disse
envergonhado, e seu jeito lembrou ao Davi dele próprio nas primeiras semanas junto
com o Gui, sempre envergonhado e tímido quanto ao assunto.

“Esse Fabrício é mesmo aquele teu amigo de infância que tu comentou algumas várias
vezes quando éramos mais novos?” Davi quis saber, lembrando-se de como antigamente
André, nos primeiros meses em Porto Alegre, falava do garoto, até mesmo com certa
raiva reprimida.

“É ele mesmo.” André suspirou, apoiando os cotovelos no encosto do banco. “Ao que
parece eu tinha um amor reprimido por ele há anos.” Revirou os olhos, irônico.

“Já admitindo amor, é?” Davi brincou.

“Vai se ferrar.” André bagunçou os cabelos do menor, que riu se afastando.

“Tudo bem. Sabe, ‘tava pensando, seria legal tu também reencontrar o Caio. Lembra do
Caio? Aquele guri mirradinho que começou a virar nosso amigo quando tínhamos uns
onze anos e sabíamos que ele era gay?”

“Tu reencontrou ele?!” André exclamou, mal acreditando. Porto Alegre era mesmo um
ovo. “Como ele ‘tá?”

“Bem diferente! Tá com mais de 1,80 de altura, parece outra pessoa, ficou bem menos
afetado e ‘tá namorando. Acredita? Encontrei ele faz tempo, numa festa. Ele me ajudou
também, conversou comigo sobre sexo gay, enema e essas coisas todas...” Davi corou
de leve ao comentar sobre isso, mas estava curioso se o loiro já havia ido além de uns
beijos.

André tossiu.

“Oh...” Soltou, sem saber o que dizer. Não fazia ideia do que era um enema.

“Então, vocês dois já...?”

“C-Claro que não.” André disse, quase se engasgando. “Não fique fazendo perguntas
idiotas.”
“Não são idiotas. Mas olha, eu demorei muito tempo pra liberar: três meses. Me
arrependo, sabe? Porque depois que todo o medo e insegurança se foram, foi muito
bom. Mas ao menos tu já teve experiências sexuais anteriores, já eu...”

“O virgem.” André riu. “E ainda nos mentia que não era, mas todo mundo sabia.”
Tentou implicar para desviar a conversa do tópico ‘ele e Fabrício transando’. Só de
imaginar se arrepiava todo.

“Não enche.” Deu-lhe um soquinho. “Mas sério, tu tem de pesquisar sobre essas coisas
antes... Enema e-“

“O que diabos é enema?” André perguntou estafado. Percebia que Davi estava
insistindo no tópico como uma espécie de vingança – bastante cruel e mesquinha em
sua opinião. Davi estava se divertindo com aquilo.

“É lavagem anal, entendeu? Tem que fazer antes de transar, senão acidentes podem
acontecer.” Riu ao ver a expressão de pavor do loiro.

“E quem disse que sou eu quem vai dar?” André rebateu, erguendo as sobrancelhas.

“Fala sério, né, André, um morenão daqueles, e tu acha que ele vai querer ser o passivo?
Não que isso seja tudo que defina, mas ele parece te pegar mais de jeito do que tu pega
ele. Mas ok,” Ergueu uma mão, ao ver que o loiro iria replicar com raiva. “Vamos supor
que vocês estão na cama se pegando. É tu geralmente que toma a iniciativa, que domina
a situação, que sente vontade de ‘ficar por cima’? Ou tua vontade é que ele te domine e
te use e abuse? Nem precisa responder, só pensa contigo mesmo, e terá tua resposta. Eu
sempre soube que queria ser o passivo com o Guilherme...” Davi sorriu cruel ao ver o
loiro desviar o olhar, consternado. “Então...?”

“Tu disse que eu não precisava responder!” André rosnou. “Desde quando tu te tornou
tão sádico?”

“Ah, nós ficamos muito tempo sem nos falar.” Davi riu. “Tem a questão da depilação
também, né. Vai que ele não gosta de pelos? Ainda mais que ele nunca ficou com guris
antes, né. Talvez fosse bom tu se depilar, eu posso te passar o número de onde eu-“

“AH! Chega! Não ‘tô aguentando essa conversa!” André exclamou, tapando os ouvidos.
“Eu não quero pensar nisso agora.”

“Só estou tentando ajudar!” Davi se defendeu, puxando o antebraço do loiro. “Uma hora
vai ter de pensar nisso.”

“Sou a favor de deixar as coisas acontecerem naturalmente.” André falou empinando o


nariz. “Naturalmente do jeito que eu quero.” Complementou, e só restou ao Davi rir da
prepotência do loiro.

“’Tá certo, não vou mais te encher com isso.”Davi deu-se por derrotado. Por hora.
“Meu primo chato também é gay.” André desviou completamente o assunto, ou iria
enlouquecer com aquilo. Enema? Depilação? Com o que mais teria de se preocupar?
Quantos absurdos!

“O Lázaro?!?!” Davi perguntou, chocado. “Como tu descobriu? Ele te contou?”

“Claro que não, aquele lá não me contaria nem o que comeu no almoço. Eu vi ele se
pegando com outro cara quando invadi a piscina dele com o Fabrício no meio da noite
e-“

“Peraí, tu o quê?” Davi tornou a perguntar, ainda mais surpreso.

Ainda conversaram por vários minutos, minuto após minuto mais satisfeitos por
sentirem a cumplicidade de antigamente retornando a cada novidade compartilhada.

XxxX

Mais tarde, depois de passarem a tarde juntos, pedirem pizza, jogarem imagem e ação e
tentarem assistir a um filme, Natália, Tati e Leo resolveram sair pra ir numa festa. Gui
teve de sair para trabalhar, mesmo com o braço quebrado. Davi quis ir para casa
descansar, assim como o Lucas, que se convidou para ir à casa do pequeno para jogarem
videogame. Já Fafá e Dré decidiram terminar a noite por ali, pois a prova mais ferrada
do semestre era terça-feira e teriam somente domingo e segunda para estudar, sendo que
segunda-feira havia aula toda manhã e boa parte da tarde.

Quando André parou a moto em frente ao prédio onde Fafá morava, este desceu e,
coçando a cabeça perto da orelha, perguntou:

“Não quer subir um pouco?”

“Subir?” André perguntou, olhando para o prédio adiante. “P-Por quê?”

“Ah... Podíamos estudar um pouco né? É dez horas agora, amanhã não sei se vamos nos
ver, e eu estou com umas dúvidas pra prova.” Sorriu inocente. Era verdade que estava
com umas dúvidas, não estava contando nenhuma mentira.

André ficou em dúvida, porém acabou aceitando a ideia. Cíntia avisara que queria sair
para passear com ele no domingo – típico programa mãe e filho que Cíntia fazia questão
de fazer ao menos uma vez por mês, e de fato os dois acabariam não se vendo.

“Beleza.” Disse, e Fafá conseguiu permissão com o porteiro – graças a toda sua cara de
pau – para que André deixasse a moto na segurança interna do prédio.

Depois subiram, entrando no elevador apertado. Só essa proximidade forçada já deixou


o loiro com o peito retumbando e as bochechas quentes, mas ficou feliz em olhar-se de
esguelha no espelho e ver que não estava muito vermelho.

“Ao menos diga que já começou a estudar pra prova?” André perguntou, cruzando os
braços sobre o abdômen.
Fafá sorriu culpado, mordendo o lábio.

“Bah... Antes era o Intermed, aí teve as provas de anatomia, e ontem eu decidi


descansar. De noite fomos no barzinho com o pessoal, e hoje de manhã ‘tava com um
pouco de ressaca, aí agora de tarde ficamos lá na casa da Nati e-“

“Resumindo, tu não estudou nada.” André acusou, olhando-o como um adulto olharia
para uma criança arteira.

“Antes do Intermed teve prova de biofísica, antes de histologia, mas eu ‘tava dando
umas estudadas vez ou outra, juro!” Ergueu as mãos, em sinal de paz.

“Sei...” Não se convenceu. “Deve ter é dormido em cima dos livros, e ainda babado.”

“Talvez...” Sorriu de lado, maroto.

O elevador parou e saíram, logo entrando no apartamento minúsculo do moreno, igual


ou menor que uma quitinete. André largou os capacetes sobre a mesinha com notebook
e viu Fabrício tirando os tênis e sentando-se na cama.

“Onde ‘tá a Cherry?” O loiro perguntou.

“Deixei na casa dos meus tios. Vou pra lá amanhã, fazer um churrasquinho, e como ia
passar o dia fora hoje, deixei ela por lá.” Inclinou-se para trás. “Quer comer ou beber
alguma coisa?”

“Não, valeu. Vamos começar a estudar logo, senão vai ficar muito tarde e eu vou ficar
com sono. Acordei cedo pra lavar minha moto hoje. Notou que ela ‘tava brilhando?”

“’Tava bem limpinha mesmo.” Fafá riu do olhar de dedicação e carinho do outro. Se
levantou e foi tomar um água na cozinha. Quando retornou, André estava sentado na
cama de casal, sem tênis, em posição de índio. O livro de fisiologia – cem milhões de
neurônios – estava aberto sobre a cama.

“O que tu tem mais dificuldade?” André perguntou, erguendo o olhar para o moreno.

“Visão. Bem o que dizem que a regente Denise ama e que cobra mais difícil na prova.”
Informou, infeliz. “Difícil pra caralho entender aquelas coisas de neurônios bipolares e
neurônios ganglionares, células horizontais, e centro-ON e periferia-OFF e essa
caralhada toda.”

“Isso é difícil mesmo. Senta aqui que eu te explico.” André mandou, ajeitando-me
melhor na cama.

“’Tá.” Fabrício se jogou na cama e, para susto do loiro, deitou-se nos travesseiros e o
puxou para se encostar a ele, descansando as costas em seu peito, entre as pernas do
moreno. André teve certeza de que dessa vez corou, mas pigarreou e acomodou o livro
em seu colo, usando suas coxas como apoio.

Abriu na página sobre fototransdução.


“Eu vou começar do início, que é mais fácil, até a parte difícil, ok?” Perguntou,
didático, e o moreno assentiu, encostando o queixo sobre seu ombro e o abraçando pela
cintura.

“’Bora lá.”

“Certo. Então... No escuro, há uma corrente constante de Na+ para dentro da célula,
bastonete ou cone, por canais que ficam abertos pela presença de GMPc. O
fotorreceptor ‘tá então despolarizado na falta de luz, liberando glutamato para as células
bipolares ON e OFF, tá vendo aqui na imagem?” Perguntou, apontando para a imagem
esquematizada no livro. E o moreno concordou, botando as engrenagens do cérebro para
funcionar. “Pois então, as células bipolares OFF despolarizam com o glutamato, e as
ON hiperpolarizam...” Continuou explicando concentrado, apesar do calor no corpo. “A
transdução começa quando um fóton atinge a proteína transmembrana rodopsina, e
assim altera a conformação do retinal, que ‘tá nela, de cis-retinal para todo-trans-retinal.
Essa alteração ativa a proteína G, que ativa a enzima fosfodiesterase, que por sua vez
hidrolisa o GMPc, determinando o fechamento dos canais de Na+ e hiperpolarização do
fotorreceptor. ‘Tá entendendo?”

“Aham. ‘Tô lembrando disso da aula. Mas vou ter de diferenciar essas células ON e
OFF, daquele esquema de periferia ON e OFF?” Perguntou, esperançoso que a resposta
fosse negativa.

André bufou.

“Mas tu tá querendo entrar na sala e que a Denise te de uma chupada e um 10 na prova


né, Fafá. É óbvio que tem de diferenciar!”

“Tá, ‘tá!” Fafá exclamou, erguendo as mãos em derrota.

“Certo. Continuando...”

André explicou por mais de hora, tendo de aturar as constantes interrupções do moreno,
que tinha a péssima mania de ficar cortando a explicação, perguntando coisas nada a ver
que ainda explicaria mais para frente, futricando no livro ou ainda o beijando na nuca
cortando sua linha de raciocínio. Mas graças a inexistente paciência do André, o que
apenas provava que ele estava criando tolerância ao jeito do moreno, passaram também
por outros assuntos da matéria extensa: neurotransmissão, audição, paladar, equilíbrio,
tato, sistema neuromotor, entre outros tópicos. Apesar de tudo Fabrício parecia bastante
interessado e conseguia compreender a matéria.

André nem percebeu em que momento relaxou, deixando-se apoiar mais livremente ao
moreno, sentindo-se confortável em estar assim com ele. Um sorriso bobo chegava a
brotar-lhe nos lábios em determinados momentos.

Acabaram ambos caindo no sono juntos, com o abajur ainda ligado, os livros jogados e
o notebook ligado sobre a cama.

André acordou em determinada altura da noite, um tanto assustado, mas logo se


localizou. Fabrício estava apagado na cama, dormindo de lado, petrificado como lhe era
comum. Levantou e arrumou tudo, tirou seus tênis e os do moreno, apagou a luz e
voltou a se deitar.

Aproveitando que o moreno não veria aquilo, deitou-se de lado também, aconchegando-
se a ele e puxando o braço dele para abraçar sua cintura, antes de voltar a cair no sono,
com um calor gostoso no peito.

XxxX

N/A: Davi teve uns bons dias pra pensar sobre o perdão do André. Como ele é uma
pessoa muito doce que não consegue guardar rancor, acabou desabando com a música, e
logo perdoou ♥ Tati só perdoou porque pôde ver uma agarração e seu lado fujoushi
falou mais alto. OIJAAOIAJAIOAHAIO brinks!

Próximos dois capítulos são os dois últimos extras Gui/Davi, que na verdd seria um
único cap., mas decidi dividir em dois porque senão ficaria muito longo. Quero ver se
consigo postar antes do próximo final de semana. Peço perdão pela demora em postar
esse cap., eu estava com uns problemas pessoais, que felizmente estão se resolvendo, e
estava bem mal, e quando estou assim, isso acaba se refletindo nas histórias, eu fico
dramática e chateada com bobagens etc, não queria vir postar num clima ruim.

Enfim, é isso. Obrigada a quem continua comigo! ♥

Beijos!

(Cap. 36) Mas eu me mordo de ciúmes Extra Gui/Davi


Parte IV
Notas do capítulo
Muuuuuuuuuito obrigada a DCC pela recomendação!

"Para! Ai, que saco, Leo, te odeio." Davi o empurrou. Estava na casa do Leonardo, que
morava sozinho em um apartamento de tamanho razoável. O pai do garoto era de
Caxias do Sul, mas Leo viera para Porto Alegre morar com a tia desde os dez anos. A
mãe morrera de câncer um pouco antes disso.

"O que foi? Estou apenas brincando Sr. eu sou fino demais para comer comida dos
amigos." Leo disse, fingindo-se de emburrado, enquanto pegava seu prato de massa e
metia uma garfada na boca.

"Leo, isso tá nojento. A massa 'tá toda grudenta e tem gosto de plástico. Tu não tem
habilidades culinárias, apenas aceite isso." Davi disse, virando o rosto quando o amigo
tentou enfiar-lhe mais uma garfada daquela coisa nojenta que ele chamava de almoço
goela abaixo. Achou que deveria ter aparecido mais tarde.
"Chega dizendo que 'tá morrendo de fome, e agora isso. Mas tudo bem, sobra mais pra
mim." Deu de ombros e continuou comendo, voltando a atenção para o seriado que
passava na televisão. Friends. Mesmo depois de anos do término, Leonardo ainda
adorava aquilo.

"Vai passar mal." Davi cogitou a hipótese de pegar o prato dele e correr para cozinha,
jogar tudo no lixo, mas Leo poderia mordê-lo se tentasse. Leonardo ignorou seu
comentário, nada que Davi não esperasse.

"Se não veio pra comer, pra que veio? Tipo, nós já íamos nos encontrar com a Natália e
a Tati na redenção hoje de tarde." Leonardo perguntou curioso, largando o prato porque,
tinha de admitir, aquilo estava intragável e causando um mal-estar no estômago. Porém
comera quase tudo.

"É que... Eu tenho uma coisa pra te contar." Davi engoliu a saliva que se acumulara na
boca - e a culpada definitivamente não era a massa. Leonardo o olhou com uma careta
de dúvida e curiosidade, notando que o menor ficara desconfortável, encabulado e
nervoso de uma maneira bastante súbita.

"Fala aí." Disse tranquilo, tentando deixar o outro mais relaxado. Davi ainda abriu e
fechou a boca inúmeras vezes, coçou os cabelos cor de mel, mordeu o novo piercing
que ele fizera no canto do lábio, e demorou a conseguir olhar Leonardo nos olhos. Este
já estava acreditando que ele contaria que assassinara alguém, ou coisa que o valha.

"Sou gay." Davi admitiu e arregalou os olhos, como se até ele mesmo se surpreendesse
com tal informação. No caso, se surpreendia por ter tido coragem de contar para o
Leonardo.

Se Leo estivesse comendo massa, ela provavelmente trancaria em sua garganta e ele
morreria lentamente por asfixia. Acabou engolindo errado a saliva e tossiu pela
surpresa. Depois olhou para o Davi, esperando que ele dissesse que era uma piada. Ao
ver apenas seriedade e nervosismo no rosto do pequeno, se levantou, indo até a janela
pegar algum ar.

Não era que fosse preconceituoso, estava apenas muito surpreso. Como não percebera
antes? Era algum tapado? Davi era tão fofo! Tão pequeno e inocente! Como assim era
gay e iria deixar algum cara pegá-lo e destruir toda aquela inocência? Era muita
informação pra sua cabeça. Considerava Davi seu irmãozinho caçula. Impossível não se
sentir preocupado, pois sabia que muitos homossexuais sofriam preconceito. Ainda
mais levando em conta os pais do garoto.

"Leo...? Tu 'tá... Com nojo de mim?" Davi perguntou num tom tão vulnerável e triste, e
Leonardo virou-se de imediato para ele, vendo-o ainda sentado encolhido no sofá,
abraçando as próprias pernas.

"Tu endoidou?" Perguntou, colocando seu tom bem-humorado de sempre na pergunta.


Um sorriso encheu seus lábios, mesmo que o forçasse um pouco. Era difícil entender
como um homem poderia sentir atração por outro, quando tentava imaginar como,
achava estranho e sem sentido, mas respeitava. "Por que eu estaria com nojo de ti?"
Davi o olhou ainda em dúvida, repleto de receio.

"Porque eu sinto atração por homens... Porque estou quase namorando com um..."
Contou num murmúrio constrangido, abaixando o olhar para seus joelhos.

"Namorando?!?" Leonardo exclamou atarantado. Com um ciúmes de irmão mais velho,


sentiu ganas de ir tirar satisfação com o cara, mas se conteve. Não tinha esse direito,
afinal, não eram de fato irmãos. Aliás, sempre achara ciúmes fraternais bastante idiotas.
Passou a mão pelos cabelos castanhos repicados. Eles eram sempre uma bagunça, por
mais que tentasse arrumá-los. Nunca tentava, mas sabia que continuariam da mesma
forma caso o fizesse.

"Já tem um mês e alguns dias que estou ficando com um cara. Ele tem vinte e três anos,
e é meu veterano. Ele tinha começado outro curso antes, de Estatística, mas não gostou,
largou, ficou só trabalhando um tempo, e aí decidiu entrar em engenharia e-"

"Tu não precisa me dar a ficha completa e o histórico de vida dele." Leo o cortou, antes
que Davi se animasse demais. "Desde quando tu sabe que é gay? Há um mês e pouco?"

"Não... Eu já vinha desconfiando há quase um ano. Em março conheci o Guilherme e


não consegui refrear a atração que fui desenvolvendo por ele. Em junho foi a
confirmação completa. Então, fazem dois meses e meio, por aí..." Abraçou as pernas
com mais força, as coxas se pressionando contra seu abdômen. "Só a Tati sabia até
agora."

"Tu contou primeiro pra ela? Por que eu estou sabendo disso apenas agora?" Leo sabia
que estava sendo dramático, algo que não era de seu feitio. Mas aquela confissão o
pegara desprevenido, e se sentia meio sem saber o que dizer ou fazer. Tinha conhecidos
gays, e em festas, quando levava cantadas de homens, levava na boa, os dispensava com
bom humor. Era apenas a surpresa do momento.

"Ela é fujoushi, ela percebeu, e eu acabei contando porque não ia conseguir superar meu
próprio preconceito sozinho. Tinha medo dos meus pais, e da reação dos outros. Ela me
aceitou." Davi explicou, um pouco na defensiva, mas ainda vulnerável, mordiscando o
piercing no canto da boca.

Leo não fazia ideia do que era 'fujoushi'.

"Eu te aceito também." Declarou, conseguindo atenção total do Davi. Este


imediatamente abriu um sorriso enorme, que marcava covinhas nas bochechas coradas.
Lágrimas saltaram aos olhos do pequeno, e Leo se aproximou, parando em frente a ele e
erguendo a mão para limpá-las. "Só 'tô com ciúmes que tu contou primeiro pra Tati. E
eu quero conhecer esse guri que 'tá te pegando. Como assim ele não passou primeiro
pela minha aprovação?"

"Leo..." Os lábios do menor tremeram antes que ele se erguesse e se jogasse em cima do
amigo. Leonardo, que não era nenhum parrudo forte como o Guilherme, não aguentou o
peso repentino e caiu para trás, no chão, com Davi sobre ele. Davi o olhou assustado e
culpado assim que Leonardo soltou um gemido de dor. "Desculpa..."
"Tudo bem, eu só acho que não sinto as minhas pernas. Quero uma cadeira de rodas de
compensação." Leonardo disse, sentindo bastante dor no quadril. Levou um tapa do
pequeno.

"Nem brinca com essas coisas!" Davi disse exaltado, mas isso sumiu rapidinho e ele se
abraçou ao amigo, ali no chão mesmo. Começou a chorar.

Leonardo arregalou os olhos sem entender nada. Havia dito que o aceitava, certo? Então
por que ele estava ali chorando como se seu bichinho de estimação houvesse morrido
atropelado? Fez força pra se sentar, com Davi ainda abraçado a si como um bicho
preguiça chorão agarrado em uma árvore.

"Hei, hei! Que isso, guri? Não precisa chorar assim. Eu falo sério sobre não ver
problema nisso, e sobre a Tati, eu entendo. Não estou brabo. Então não chora." Disse
meio sem jeito, mas acabou abraçando o Davi, que agora estava em seu colo com os
braços ao redor de seu pescoço. Acariciou os cabelos extremamente lisos dele, e
esperou até ele se acalmar, aninhado em seu colo, rosto escondido em seu pescoço. As
lágrimas quentes pinicaram a curva do ombro.

"Eu estava com medo de tu ficar com nojo de mim." Davi murmurou após uns
segundos, sentindo-se estúpido por ter chorado daquela forma. Era a primeira vez que
contava a alguém sem saber que reação esperar. Fora assustador, já o alívio, fora
tremendo. "Obrigada por entender."

"Não tem nada que entender. Tu nasceu assim, e como amigo me resta aceitar. Isso não
muda nada. Só muda que vou ter de pensar em piadinhas novas com garotos pra te
constranger. E vou ter de manter os caras longe de ti, e parar de tentar te arranjar
alguma guria. E te dar presentes mais adequados de aniversário, tipo, um vibrador, sabe.
Vai ser estranho entrar numa sex shop pra comprar isso mas-" Leo se calou e riu ao
levar um tapa pesado no braço.

Davi se levantou, com as bochechas coradas.

"Deixa de ser bobo." Ele disse, revirando os olhos. "Mas concordo com o resto. Tu
sempre quase me matava de vergonha querendo me empurrar alguma das tuas 'amigas'."
Disse a palavra com bastante ironia. "Agora já estou comprometido. Ou quase."
Guilherme não o pedira em namoro, e Davi não sabia se ele poderia pedir também, ou
não.

"Tu ainda é virgem?" Leonardo perguntou de supetão, apenas para implicar. "Porque
aquelas tuas mentiras de que já havia feito com garotas-"

"Cala a boca. Não quero falar sobre isso." Disse se irritando. Principalmente porque ele
e o Guilherme ainda não haviam transado, por puro receio seu, já que não faltaram
tentativas da parte do mais velho.

"Então é porque ainda é bunda virgem." Leo abriu um sorriso sacana, e riu se desviando
de uma almofada tocada pelo outro. "Hei, calma! Estou só te enchendo o saco."
"Eu sei!" Davi exclamou, mas sorriu também, porque era ótimo pode ter contado e ter
sido aceito. Leonardo tornara-se alguém extremamente especial para si nos últimos
meses, era como o irmão que nunca tivera, e se perguntava por que havia demorado
tanto para que a amizade dos dois se aprofundasse. "Mas obrigado mesmo, Leo."
Sentou-se no sofá e abraçou outra almofada.

Leonardo se levantou, massageando a lombar.

"Ainda quero conhecer esse teu ficante. Quem ele acha que é pra te roubar de mim?
Olha que eu venho treinando boxe." Foi logo avisando dando uns soquinhos no ar, e
jogou-se no sofá ao lado do menor.

Davi o empurrou pelo ombro.

"Ele não me roubou de ti." Disse baixinho. "Eu não quero nunca perder tua amizade,
Leo." Corou ao admitir, pois não era muito normal um garoto confessar isso a outro.
Mas nem se importou, era a verdade.

"Não vai perder, tampinha." Leo bagunçou-lhe os cabelos.

XxxX

Estavam no Muligan, já que o Guilherme trabalhava no bar dali, fazendo drinques. Leo,
Marília e Davi estavam sentados ao balcão, conversando e bebendo, enquanto
Guilherme alternava entre dar atenção para eles, ou fazer as bebidas. Já a Tati estava
com o pseudo-namorado de quatro anos, com quem tinha uma relação infernal de vai-e-
volta, Bruno.

Davi estava se deliciando com as batatas rústicas do lugar, divertindo-se com o jeito
efusivo e engraçado da Tati, que no momento brigava ‘carinhosamente’ com o Bruno, e
com as cantadas que Leonardo soltava para cima da loira. Marília obviamente dava
corda, e em alguns momentos Davi até corava com o nível em que eles desciam. Dois
pervertidos.

"Tu não sente ciúmes?" Davi cochichou para o Guilherme após este se inclinar para
perto para escutá-lo. O mais velho não entendeu a pergunta. "Da Marília! Quero dizer,
vocês costumavam ter alguma coisa..."

"Amizade colorida. Nunca senti ciúmes dela, nós dois nunca tivemos nenhum
compromisso. Não me importo se ela for dar pro teu amigo hoje. Aliás, não gostei dele."
Guilherme avisou, contrafeito. Leo e Davi pareciam próximos demais em sua opinião, e
seu alarme de ciúmes estava apitando. Já apitara desde que Davi havia falado de Leo
tantas vezes, e com tanto carinho.

Talvez fosse porque já havia sido traído na sua única tentativa de relacionamento
quando adolescente, e por isso agora seu ciúme estivesse em alta. Davi tinha uma beleza
inocente e chamativa, principalmente agora que se rebelara e colocara piercings,
arrepiara um pouco o cabelo, começara a usar roupas mais justas e correntes, brincos,
parecia um pequeno rebelde inocente, uma mistura bem paradoxal.
"Por quê?! O Leo é tão legal!" Exclamou abismado. Nunca havia conhecido alguém que
houvesse desgostado do Leonardo.

"Não sei. Esse jeito dele pra cima de ti..." Guilherme olhou para Leonardo, que se
debruçava sobre Marília, com uma mão nas costas dela, para falar algo no ouvido dela.
Ok, era idiota estar com ciúmes, mas sentia, era inevitável.

Tati entreouviu a conversa dos dois e se inclinou sobre o balcão.

“Leonardo e Davi são amigos desde a quarta série, se fosse pra rolar alguma coisa, já
teria rolado.” Tati contou, mas sorria. “Ciúmes é algo tão fofo...”

“Hei! Por que então quando eu sinto ciúmes, tu fica toda irritada?” Bruno perguntou,
metendo-se também no assunto. Tati o olhou indignada.

“Ora, é fofo quando é entre homens, tu pra cima de mim é um porre.” Suspirou, e aí os
dois voltaram a discutir.

Davi riu daquilo, achando melhor não se meter, e olhou para o Guilherme.

"Deixa de ser bobo, Gui. Eu e o Leo somos amigos, como a Tati disse. Só isso, e ele é
hétero." Segurou-se para não fazer um afago no rosto do maior. Dificultaria,
provavelmente, o trabalho do Guilherme se soubessem que ele era gay. Ou bi, melhor
dizendo.

"É, é. Sei. Eu também achava que era até um tempinho atrás." O lembrou. Davi revirou
os olhos e bebericou de sua caipirinha, feita pelo Gui que, aliás, estava ótima.

"Sério, tu tem de parar de achar que qualquer cara que puxe assunto comigo quer me
pegar. Que coisa! Nem somos namorados pra ter todo esse ciúmes!" Falou, e logo se
arrependeu. Guilherme o olhou de uma maneira estranha, séria e nada contente. Se
encolheu um pouco no banco, remexendo a língua para sentir o piercing.

"Tem uma coisa que quero te pedir depois." Guilherme avisou, e logo se afastou para
fazer mais um drinque para um casal que acabara de chegar. Davi congelou por alguns
segundos, o coração batendo forte. Depois cutucou a Tati.

"Acho que ele vai me pedir em namoro!" Sussurrou alto suficiente para que ela
escutasse assim que ela se virou. Marília também ouviu e se achegou pra perto, e o Leo
apoiou um braço no balcão, inclinando-se para frente para escutá-los também.

“Ai. Meu. Deus.” Tati abriu a boca e sacudiu as mãos, agitada. “Sério? O que ele
disse?”

“Eu falei que não éramos namorados, e ele disse que tem algo pra me pedir.” Fofocou,
nervoso.

"Ai, já era hora, né? Várias semanas vocês nessa chatice de fidelidade quando nem
estão namorando, e nem transaram ainda. Sério, como que tu ainda não deu a bunda? Já
pensou que o sexo entre vocês pode ser horrível? Deveriam experimentar antes de
saírem namorando. Se bem que hoje em dia tem namoros que duram uma semana, ou
nem isso. GARÇOM, mais uma Eisenbahn Weizenbieraqui!" Marília falou e chamou,
dirigindo-se ao Guilherme, que a olhou com os olhos estreitados.

Ela lhe mandou um beijinho.

"Eu estou impressionado com o Guilherme. Tanto tempo sem sexo, não é fácil." Leo
comentou, pensativo. "Tu 'tá sendo cruel, hein, Davi."

"Não estou!" Davi exclamou, ruborizando. Olhou por cima do ombro para o Guilherme,
sentindo um arrepio descer pela espinha. Sentia muito desejo por ele, mas toda vez que
estavam chegando na hora na hora H, ficava muito nervoso e tenso, e o clima ia pro
espaço. Guilherme estava sendo paciente, por enquanto.

“O Davi tem o tempo dele, não é nada de crueldade. Se o Gui gosta mesmo dele, ele que
espere e não pense só com a cabeça de baixo.” Tatiana defendeu, era uma romântica
irremediável. Bruno revirou os olhos, os dois haviam transado no laboratório de
informática do colégio na hora do intervalo quando mal se conheciam, ele trabalhando
como estagiário, e ela uma estudante. Definitivamente nada romântico, mas Tati era
mais de sonhar do que colocar em prática, ou então esperar que os outros seguissem
seus planos românticos.

"Claro que é crueldade, Sansão deve estar enferrujando. Ai, não vejo a hora de vocês
transarem para me contarem todos os detalhes. E algum dia poderei assistir?" Marília
perguntou sem demonstrar um pingo de constrangimento. Leo se engasgou com a
cerveja que tomava, e Davi olhou boquiaberto para a loira. Tati quase se voluntariou
para assistir também, e Bruno bebeu um gole de cerveja.

"Claro que não! Isso seria constrangedor!" Davi achava Marília sempre um pouquinho
mais louca a cada nova vez que a encontrava. E isso que já tinha a Tati como amiga, só
esperava que a negra não acabasse influenciada.

"Por que uma guria iria querer ver dois homens transando? E... Sansão? Como assim?"
Leonardo perguntou. Já era difícil entender como um cara achava outro cara atraente,
agora por que uma mulher se interessaria em dois homens juntos?

Tati pigarreou, chamando atenção para defender sua tese.

"Porque é sexy. É como eu sempre digo, dois paus são melhores do que um.” Explicou.

“Fala sério!” Bruno achou a ideia ridícula, mas a Tati o olhou com desprezo e ele se
calou.

Marília riu concordando.

“Sansão é o apelido do acessório do Guilherme. Mas não precisa sentir ciúmes, Leo,
posso pensar em um nome pro teu também." Marília lhe piscou, e Leonardo acabou
gargalhando.

"Sem nem conhecê-lo?" Perguntou descarado.


"A noite ainda não terminou, meu querido." Ela rebateu com um sorriso debochado e
malicioso, fazendo Leonardo sorrir da mesma maneira.

“Viu como se cria um clima?” Tati perguntou.

“Ah, agora tu quer safadeza?” Bruno replicou. “Vamos ali no banheiro que eu te mostro
umas.”

"Hei! Eu estou aqui ainda, okay?!" Davi exclamou, querendo se esconder embaixo do
balcão.

"Está mesmo. Quem sabe essa conversa não te anime a acolher o Sansão na tua toca?"
Marília sugeriu. "Ele deve estar com saudades de calor humano."

"Minha toca?" Davi demorou um momento para entender.

“Ai, Davi, tu sabe... Teu fiofó.” Tati explicou, paciente. “Mas não dê ouvidos a esses
pervertidos. Eu sou sádica e até gosto da ideia do Guilherme sofrendo um pouquinho,
ele merece depois de ter te feito chorar.”

“Pare de me lembrar que eu chorei por causa dele!” Davi sussurrou contrafeito e
encabulado.

“O Guilherme tem de te fazer chorar por outros motivos agora.” Marília sugeriu
maliciosa. Não deixava escapar uma. Leonardo gargalhava quando Guilherme se
aproximou novamente, entregando mais um chopp de Eisenbahn para Marília, que o
agradeceu erguendo o copo num brinde mudo.

"Qual o motivo da graça?" Guilherme perguntou, apoiando-se ao balcão e erguendo a


mão para tocar o piercing que Davi havia colocado na orelha, num carinho sutil.

"Os sofrimentos do jovem Sansão." Marília explicou, e Leo se debruçou sobre o balcão,
acabando-se de rir. Estava meio alegrinho já pela bebida.

Guilherme entendeu rapidinho do que eles estavam falando, Marília já vinha lhe
enchendo a paciência com a história de ainda não ter desfrutado dos 'prazeres de um
corpinho intocado’, como ela mesma dizia.

"Sério, eu acho que estou me apaixonando aqui." Leonardo admitiu à loira ao se


recuperar. "Por que eu não te conheci antes?" Perguntou para Marília, que deu de
ombros, jogando os cabelos para trás.

"Tu teve sorte até o dia de hoje." Guilherme apontou, e a loira soltou uma risada
forçada.

"Engraçadinho. Pois fique sabendo, Leonardo, que eu acho que iremos nos divertir
bastante juntos daqui pra frente." Piscou para ele.
"Esses dois estão me deixando preocupados. Mais um pouco e estarão acasalando em
cima da mesa." Davi falou para o Guilherme, antes de capturar mais uma batata e levá-
la à boca.

"Acho que invejo essa rapidez."

"Gui!" Davi repreendeu, ficando chateado. Sentia-se constrangido por estar demorando
tanto para vencer seus receios, mas ele era desse jeito, oras. Fez um bico enquanto
cutucava umas batatas com o palitinho, mas se arrepiou quando Guilherme se debruçou
sobre o balcão, segurando-lhe o pescoço para sussurrar contra sua orelha.

"Não faz essa cara, estou apenas brincando."

"Toda a brincadeira tem um fundo de verdade." Resmungou, ainda emburrado.

"Quer que eu negue que estou louco pra transar contigo?" Dessa vez o arrepio foi ainda
mais poderoso, junto com uma fisgada nas entranhas. Os pelinhos de sua nuca
continuaram arrepiados, e as bochechas pinicavam.

Não soube o que responder àquilo, e Guilherme teve de se afastar de novo para preparar
mais um chopp. Tati se abanava depois de toda cena, ficara quietinha para não
interromper nada.

“Ai Davi, eu juro que entendo teu lado e te apoio, mas se fosse eu no teu lugar...” Puxou
o ar, com uma expressão sofrida.

“Ah sim, porque eu não existo. Dá pra não babar em outro cara, na minha frente?”
Bruno perguntou, puxando o banco da garota para mais perto, para abraçá-la pela
cintura.

“Foi apenas uma sugestão hipotética.” Tati se defendeu, ainda se abanando, e piscou
para o Davi.

“Vocês não cansam de viver de briguinhas e implicâncias?” Davi perguntou abismado,


dando mais um gole em sua caipirinha.

“É o que deixa uma relação mais picante.” Tati disse divertida. “Apesar de às vezes eu
ficar mesmo furiosa...”

“Mesmo quando eu não tenho culpa alguma.” Bruno fez questão de lembrar. Mesmo
sendo o mais velho ali, com 25 anos, não era o dos mais maduros, mas combinava
perfeitamente com a Tatiana.

"Então, só para lembrar que espero detalhes depois hein? Se rolar o tal pedido..."
Marília chamou atenção para si.

“Eu também, e prioridade, eu sou a melhor amiga.” Tati lembrou, mas Marília ergueu as
sobrancelhas.
“Pois fique sabendo que eu sou a pessoa responsável por os dois estarem juntos.”
Empinou o nariz.

“Se é por isso, eu que convenci o Davi a ir na casa da Luciana naquela noite, logo eu
também faço parte disso.” Opinou. Antes que as duas começassem uma discussão, Davi
interpelou.

“Eu conto pras duas ao mesmo tempo! Pronto! Todos os detalhes que quiserem!”
Acalmou os ânimos, apesar de saber que se arrependeria amargamente disso mais tarde.

"Já eu dispenso todo e qualquer detalhe." Leonardo contrariou, solene, arrancando


risadas dos outros dois.

“Eu ‘tô boiando completamente nessa história, mas também dispenso de saber os
detalhes.” Bruno falou concordando, e ele e Leonardo trocaram um olhar de
assentimento.

"Mas agora quero um nome pro meu instrumento." Leo lembrou.

"Da Vinci?" Marília sugeriu, em dúvida.

"Clichê, mas eu faço arte e poesia com ele, realmente."

“Ai Leonardo...” Tatiana soltou com um ar de que achara aquele comentário lamentável
e desnecessário.

“Eu vou ao banheiro.” Bruno não queria ouvir sobre as ‘façanhas’ do nomeado Da
Vinci.

"Mas sabe, eu prefiro que faça música com ele." Marília objetou maliciosa, referindo-se
aos sons que eram gerados durante o ato sexual. Davi se afastou dos dois, sentando-se
mais próximo da Tati, e resolveu beber mais da sua caipirinha. Aqueles dois eram um
poço de malícia juntos, ficar perto deles era um atentado contra o que restava de sua
inocência.

"Apenas se comam de uma vez." Falou alto para eles, entregando a caipirinha à Tati
para ela provar.

"Digo o mesmo pra ti e o Gui!" Marília retrucou, sorrindo torto quando Davi lhe
mostrou a língua.

XxxX

A noite estava agradável, e um poste de luz piscava próximo da entrada do bar.


Algumas pessoas saíam da boate em frente, atravessando a rua. Apesar do horário mais
avançado, a Lima e Silva ainda tinha seu movimento. Leonardo bebera demais e estava
quase caindo, já sem noção dos limites entre seu pé e o chão.
“Leo, vai se dependurar em outro.” Davi reclamou, tentando tirar os braços do garoto de
cima de seus ombros. Ou Leo era pesado, ou Davi era fraco. Davi preferia fingir que a
segunda opção não era a mais provável.

“Sério, eu não acredito. Jurava que teria uma noite proveitosa hoje, e é assim que ele
acaba. Da Vinci jamais pintará algum quadro erótico nesse estado.” Marília lamentou
torcendo os lábios, seus braços magros cruzados abaixo do decote singelo enquanto
balançava a cabeça em contrariedade.

“Cadê o Gui que não vem?” Davi perguntou. Tati e Bruno haviam ido embora mais
cedo, pois Bruno tinha de trabalhar pela manhã, e Tati dormiria na casa dele. Gui havia
dito que só iria terminar algumas coisas e já sairia.

“Deve estar vindo.” Marília deu de ombros e tirou um batom da bolsa, passando sobre
os lábios.

“Pra que passar batom se está indo para casa?” Davi perguntou sem entender, e segurou
os antebraços do Leonardo, que praticamente se debruçava por completo em suas
costas.

“E existe hora pra ficar bonita? No mais, acho que vou passar na casa de um amigo.
Estou carente hoje.” Lamentou, ainda dando uma olhada de esguelha para o Leonardo, e
voltando a soltar um suspiro insatisfeito.

“Você está sempre carente.” Davi apontou com um sorriso sabido.

“Sexo ao menos uma vez por semana é saudável, obrigada.” Avisou-lhe, e seus olhos
brilharam afiados. Davi, a contragosto, entendeu o recado, mas fingiu que não. Marília
deu-lhe as costas para ligar para o tal amigo.

Davi precisou dar um pulinho e acomodar melhor o Leonardo em suas costas. Isso
despertou o moreno, e ele apertou os braços ao redor de seus ombros, estreitando-o
contra ele com um resmungo manhoso de bêbado.

“Acho que tu encolheu.” Leonardo murmurou movendo o rosto, e seu nariz roçou no
pescoço do menor, que sentiu uma cócega chata. “Teu perfume é bom, parece uma
flor.”

“Não encolhi! E é um perfume que o Guilherme me deu de presente... Bom né? Mas
não é de flor...” Perguntou abrindo um sorriso divertido e revirando os olhos. “Se ‘tá
acordado, e ainda tem capacidade pra sentir cheiros, podia sair de cima de mim.”

“Não!” Leo reclamou e abraçou-se mais ao garoto. “Aqui ‘tá bom.”

“Leo... O Gui não vai gostar disso.”

“O Guilherme que se dane. Tu era só meu até ele aparecer de intrometido.” Falou
resmungando e lhe fez algumas cócegas, limitadas pela posição em que estavam. Davi
riu e tentou se afastar e, ao dar um passo para o lado, viu que o Guilherme os olhava da
entrada do barzinho.
Nada contente. Novamente.

Davi remexeu a língua, sentindo o metal do piercing, e cutucou o Leonardo, que soltou
um “Que foi?” sonolento. Quase dormira de novo, tal era seu estado alcoólico.
Guilherme avançou até os dois e praticamente arrancou o Leonardo de cima do mais
novo. Tu era só meu até ele aparecer de intrometido? Era só o que faltava.

Leo tropeçou para o lado.

“Hã!? Hã?! Já é de manhã?! Onde...?!” Leonardo olhou para os lados e se situou. “Ah...
Puta que pariu, eu acho que eu vou...”

“Leo!” Davi correu e segurou o amigo quando ele se curvou. Leonardo acabou
vomitando na calçada. Não era exatamente fraco, mas sempre que passava do ponto,
acabava vomitando. Marília soltou um gritinho de nojo.

“E eu cheguei a pensar em beijar essa boca!” Fez uma careta, e o Leonardo, ainda
curvado, ergueu um dedo na direção dela.

“Só para constar, essa boca beija muito bem quando não está vomitando.” Explanou,
enquanto Davi tirava seus cabelos do rosto e tentava erguê-lo.

“Leo, tu ‘tá bem? Consegue caminhar? Vai vomitar de novo? O mundo ‘tá girando
muito?” Perguntou cheio de preocupação, quase tropeçando junto com o amigo, quando
Leonardo tentou se endireitar e caminhar. Por pouco não caíram em cima do vômito.

“Deixe ele com a Marília, eles estavam se dando bem até agora pouco.” Guilherme
decidiu e, pegando Leonardo facilmente pela camisa, praticamente jogou-o em cima da
loira, que gritou como se o Leonardo fosse um naco de bosta de vaca atirado em sua
direção. Leonardo se agarrou à loira para não cair. “Nós estamos indo.”

“Gui! Eles precisam de carona!” Davi o lembrou. Guilherme parecia estar esquecendo-
se desse detalhe.

“Isso mesmo! Ai, quer saber, me larga em casa, perdi o clima. Meu amigo não está em
casa mesmo.” Marília suspirou, deixando Leonardo abraçar-se à sua cintura, com o
rosto estrategicamente afundado em seus seios.

Guilherme expirou pesadamente e apenas seguiu para o carro. Aquele Leonardo era um
abusado, agarrando o Davi daquela forma bem na sua cara. Mas, claro, se falasse
qualquer coisa, seria atacado novamente com aquela história de ‘apenas amigos, etc’.
Ficaria de olho naquele garoto.

Davi ainda foi checar se estava tudo bem com o Leonardo, ajudando a loira a levá-lo até
o carro estacionado na garagem não muito longe dali.

Guilherme dirigiu em silêncio durante todo o percurso, e mesmo quando ele e Davi
chegaram à sua casa, continuou caladão. Davi esperou pelo resto da noite para que o
Guilherme falasse o que ‘ele tinha para pedir’, mas o mais velho não tocou mais no
assunto. Acabou indo dormir frustrado, ainda mais por ter recebido um beijo de boa-
noite tão seco do mais velho.

XxxX

Foi inesperado para o Davi quando seus pais o chamaram para conversar e começaram a
cercá-lo com perguntas comprometedoras. Naquele momento soube que os pais já
desconfiavam de seu relacionamento com o Guilherme, e resolveu admitir tudo. Filho
único, sempre fora filhinho de papai, mimado pelos pais, e costumava nunca guardar
segredo deles. Foi seu primeiro segredo, e sua primeira decepção.

A mãe chorou, o pai ficou tenso, sem conseguir falar nada. Depois falou que não
esperava aquilo de seu único filho, e o mandou para seu quarto. Davi não teve opção
que não subir, com lágrimas nos olhos. Seu único consolo eram seus amigos e ligou
para eles, primeiro para Tati, depois para o Leo. Ajudou, mas mesmo assim sentia-se
rejeitado.

E os dois seguintes foram piorando. Os pais começaram a tentar proibi-lo de ver o


Guilherme, a mãe parecia não saber como agir, e o pai simplesmente o ignorava, como
um pária. Sentia-se tão sufocado ali, tão rejeitado e errado. Aproveitou que já tinha
dezoito anos, arrumou as malas e saiu de casa. A primeira pessoa que pensou foi no
Leonardo. Ele morava sozinho e sabia que não lhe rejeitaria abrigo.

Tati morava com os pais. Já o Guilherme... Estavam há muito pouco tempo juntos para
ter a coragem e o descaramento de pedir para morar com ele. Então bateu na porta do
amigo, que atendeu apenas de bermuda, pés descalços e uma escova de dentes na boca.
Os cabelos eram uma bagunça completa.

"Davi?" Ele perguntou com a boca cheia de espuma, engrolada. "O que 'tá fazendo
aqui?" O olhar do Leonardo se desviou para as malas do menor.

"Preciso de abrigo. Meus pais praticamente me expulsavam de casa todos os dias pela
maneira que me tratavam..." Murmurou, abaixando a cabeça. "Desculpe por não ligar
antes."

Leo arregalou os olhos e foi pegar uma das malas pesadas do Davi.

"Não, não esquenta, entra aí. Vamos conversar sobre isso." Afirmou dando espaço para
o pequeno, que entrou rapidamente e parou na sala, sem saber onde iria dormir.

"Desculpa aparecer sem avisar, Leo." Davi mordeu o lábio. "Mas eu realmente não
sabia para onde ir, e foi impulsivo, só queria sair de casa."

Leo já estava por dentro da situação do amigo em casa, então apenas suspirou e pediu a
ele que o seguisse. Levou-o até seu quarto, afinal, aquele apartamento tinha apenas um;
porém grande o suficiente para colocar um colchão no chão.

"Eu não tenho colchão extra. Posso comprar um. Eu durmo na cama de casal, se eu
fosse suicida diria para dormirmos juntos."
"Eu posso dormir no sofá." Davi alegou, não querendo incomodar o outro. Tinha suas
economias no banco; como sempre fora pão duro, apesar de rico, colocava quase tudo
na conta que tinha na poupança. Tinha uns vinte mil acumulados, e pretendia arranjar
algum emprego temporário.

"Bem, tu que sabe." Leonardo deu de ombros, ainda escovando os dentes. Largou a
mochila do amigo no chão, e foi no banheiro limpar a boca. Voltou pouco depois. "Mas
tuas roupas podem ir no meu armário, vou liberar um lado pra ti."

"Certo. Obrigado." Davi largou a outra mala e a mochila.

"Não precisa ficar agradecendo, tampinha. Amigos são pra essas coisas." Leonardo
garantiu. O chamava de tampinha, porém também não era o mais alto dos garotos, com
seus 1,77m.

"Eu sei, mas mesmo assim. Não quero ser um estorvo. Estou nervoso com isso, nunca
fiquei longe de casa por mais que uma noite." Sentou-se na cama de casal, abaixando o
rosto. Começou a chorar antes que conseguisse se segurar. A rejeição doía, e ter de sair
de casa por não aguentá-la doía ainda mais. "Meu pai sequer pareceu se importar..."

"Davi..." Leo sentou-se ao lado do amigo e passou um braço por seus ombros. "Não fica
assim. Eu imagino que deva ser muito difícil, mas quem está perdendo são eles. Tu é
um guri show de bola. E literalmente ainda, pois joga um bolão."

Davi riu em meio ao choro, a risada saindo meio estrangulada.

"Jogo mesmo, né?" Perguntou. "Até seria bom jogar para limpar a mente."

"E por que não? Vamos." Levantou-se indicando com a cabeça para que o pequeno o
seguisse. Pegou uma bola de futebol jogada a um canto do quarto.

"Quê? Agora?" Davi perguntou aturdido, mas se levantou.

"Não, só estou pegando a bola para levá-la pra passear, sabe como é, ela fica
reclamando de ficar só em casa." Revirou os olhos e sorriu divertido. Davi roubou-lhe a
bola junto com um empurrão.

Pouco depois, desciam a rua até a praça próxima, e começavam a jogar um contra o
outro no campinho que havia ali. Leo continuava de bermuda e descalço, mas nem
parecia se importar. Mesmo com todos os dribles que levou do outro, sendo humilhado.

"O que posso dizer? Sou um músico, um artista. Não me dou bem esses jogos brutos."
Leonardo explicou, dando de ombros fingindo que futebol era algo que não merecia
louvor.

"Frutinha." Davi sorriu de lado, implicando, e chutando a bola para ele. Ambos riram da
ironia daquilo. Leonardo voltou a dominar a bola e se empertigou.
"Te mostrar quem é frutinha, sua bichinha exibida." Voltou a avançar, e a brincadeira
durou horas, até Leonardo se render, exausto, e Davi cair sentado ao seu lado, também
mal conseguindo respirar.

Mais tarde, Davi ligou para a Tati e a menina foi visitá-lo na casa do Leo; chegou
chorando pelo amigo, mas depois se acalmou ao ver que ele estava bem, apesar de tudo.
Passaram a noite vendo filme e comendo brigadeiro de panela.

XxxX

“Não vai comer nada?” Guilherme perguntou ao ver o mais novo ignorar por completo
o que havia preparado para o jantar. Davi olhava TV um tanto apático, abraçando uma
almofada. Vilão tivera o descaramento de subir no sofá e agora dormia ao lado do
garoto.

“Não... O Leo pediu comida antes de eu vir pra cá, acabei comendo com ele.”
Respondeu distraidamente, e o maxilar do mais velho travou com aquilo. Há semanas
Davi estava distante e, quando falava, parecia só falar do Leonardo.

“Ok.” Respondeu mesmo assim e sentou-se também no sofá. Havia um Vilão entre ele e
o Davi, mas descansou o braço sobre o encosto do sofá, e seus dedos roçaram nos fios,
agora, escurecidos do mais novo. Davi vivia mudando o visual. “E como foi o teu dia?”
Tentou puxar assunto, já que o pequeno não parecia disposto a isto. Haviam passado a
semana inteira sem se ver, e Davi não demonstrava nenhuma saudades quando aparecia.

“Normal. Terça eu e o Leo fomos ao estúdio da Natália, ele ‘tava pensando em colocar
um piercing, mas desistiu. Eu quase cogitei fazer uma tatuagem. Na quarta tive aquela
prova que comentei, acho que fui bem, o Leo teve uma também, no fim saímos pra
comemorar, eu, ele e a Tati, mas o carro pifou e aí acabamos na casa dela mesmo. Na
quinta nós fomos jogar futebol, uma pena que tu não pôde ir, o pessoal da veterinária
joga bem até, acho que podíamos marcar um jogo Engenharia contra Veterinária. E aí
na sexta encontramos um gatinho atropelado na rua, foi triste, levamos ele pra dentro,
cuidamos dele, mas ele faleceu, o Leo ficou arrasado. O gatinho era pretinho, bem
pequeno e magro, estava com as pernas quebradas...” Apoiou o queixo na almofada,
com uma expressão triste enquanto seus olhos continuavam pregados no filme velho
que passava na televisão.

A única coisa que o Guilherme ouvira daquele monólogo todo foi: Leonardo, Leonardo,
Leonardo. Era assim em todos os assuntos dos últimos tempos, e simplesmente não
aguentava mais. Se o Davi falasse mais uma vez esse nome, não sabia mais o que faria
e, como seu humor para conversar voou para o espaço e não deu mais indícios de
retornar, Guilherme se levantou, pegou o mais novo no colo, e o levou para o quarto.
Davi ficou completamente atarantado, afinal, o mais velho sequer comentara uma
palavra sobre tudo que havia dito. Recém falara da morte de um gato, e ele pensava em
dar uns pegas?!

“Gui, o que tu ‘tá fazendo?” Perguntou contrariado, mas um suspiro lhe escapou quando
foi colocado na cama e imediatamente beijado.

Mas havia algo de agressivo naquele beijo...


Como sempre acontecia, seu corpo se eriçou e correspondeu, porém algo lhe cutucava a
mente, impedindo-o de aproveitar melhor o momento. Mas quanto mais se retraía, mas
o Guilherme parecia atacar, exigir. Puxou suas roupas, o despiu de uma maneira bruta.
A barba rala roçou em sua pele, arranhando seu peito e pescoço. Tentou dizer para ele ir
com mais calma, mas foi beijado de novo, mal conseguindo retribuir. Sentiu uma
pressão forte em sua cintura, a mão do maior segurando-o de um modo doloroso, e
percebeu que não estava no clima para aquilo. Não estava no clima para algo doce, o
que dirá algo mais bruto, que já o estava machucando!

Sentiu-se mal com aquilo, imaginou coisas que não deveria.

Davi parou o Guilherme quando ele tentou acariciar-lhe entre os glúteos. Guilherme se
afastou irritado ao ser novamente repelido pelo garoto. Estava enlouquecendo com isso,
haviam entrado no terceiro mês juntos, e nada de sexo. O que isso queria dizer? Davi
não sentia vontade? Não confiava? Preferia o Leonardo? Maldito Leonardo.

Não disse nada, apenas foi para a cozinha em busca de algo para tomar. Havia outras
coisas em sua mente. Não gostara de saber que o Davi fora morar com o Leonardo, e
não buscara por sua ajuda. Morava sozinho, poderia ter dado abrigo a ele. Por que
sequer lhe contar primeiro? Por que correr direto pro Leonardo? E ainda havia o
encontrado um dia passeando no shopping com o outro, ambos rindo e parecendo se
divertir demais, para seu gosto. Leonardo inclusive fazia cosquinhas no Davi, e chegara
a abraçá-lo por trás, antes que se aproximasse, nada contente. Agora ouvia que eles
haviam tido uma ótima semana grudados um no outro, comemorando juntos, e salvando
gatos.

Ciúmes o consumia, como um ácido estragando metal.

"Gui..." Davi apareceu na cozinha, e a cena dele com uma camiseta sua lembrou-lhe do
primeiro dia em que ele havia dormido em sua casa. "Eu..." Davi conseguia sentir a
irritação do outro, latejando em todo o porte musculoso do namorado. "Desculpa, eu só
não 'tô preparado pra-"

"Pra sexo? Porra, Davi, estamos há tampo suficiente juntos, do que tu sente tanto
medo?" Perguntou irritado com aquilo tudo.

"E-Eu não sei." Murmurou, se encolhendo contra a batente da porta, envergonhado. Já


haviam feito toda a sorte de preliminares, mas na hora H, travava, ficava tenso, e a
história com os pais apenas lhe deixava com menos vontade, enchendo a mente até
mesmo em momentos assim. Acabava imaginando seus pais ali, o olhando, o julgando,
cochichando o quanto aquilo era nojento e como o ‘haviam criado errado, com
liberdades demais’, como escutara de uma conversa entre os dois, antes de se mudar.

Guilherme suspirou e bebeu água. Precisava se acalmar, mas nem a água lhe desceu
bem. Largou o copo na pia quase o quebrando, e apoiou as mãos no balcão.

"Tu deveria ir embora, lá pro Leonardo." Disse deixando escapar.

Davi arregalou os olhos.


"Como assim, pro Leonardo? E vai me mandar embora à uma da manhã?" Sentiu-se
magoado com aquela atitude, aquele tom. Por que ele não conseguia compreender? Só
precisava de um tempo!

"Não está morando com ele? Quem sabe o que vocês fazem, pra tu chegar aqui tão sem
vontade que eu te toque. Desde que chegou, mesmo nos beijos, parecia não querer."
Virou-se para o pequeno. Sua expressão era dura, e Davi se afastou um passo.

"E tu acha que isso tem algo a ver com o Leonardo? Olha a maneira como tu começou a
me agarrar hoje! Parecia querer me estuprar, em vez de me dar prazer!"

"Por que te toco com desejo? Ah, desculpe se tu não sente o mesmo. Não sei o que
estamos fazendo aqui se é pro Leonardo que tu corre sempre que precisa de ajuda, se é
com ele que tu te diverte. Está apaixonado por ele, é isso?"

Davi sentiu a cabeça girar. Guilherme havia enlouquecido? Tudo bem que vinha falando
um tantinho demais sobre o Leonardo, mas estava morando com ele, e se divertindo
sim, era divertido viver com o Leo, era um bom amigo, sempre tentava animá-lo quando
estava triste, e estava triste quase constantemente nos últimos dias. Também estava
descobrindo coisas sobre o amigo que não se descobre caso não se more junto, e
acabava comentando.

"Pare de falar assim!"

"Então não vai negar?" Guilherme se irritou ainda mais. Estava jogando verde - ou
talvez não tanto - e colhendo maduro. Quis ir até a casa do Leonardo e espancá-lo.

"Claro que vou! Mas que droga, Guilherme. Não aguento mais esse teu ciúmes! Já disse
mil vezes que o Leonardo é hétero e-!"

"Ah, e se não fosse hétero, tu iria querer? Aí poderia rolar? Ou tu anda tentando seduzi-
lo agora que estão morando juntos? Já conseguiu comigo, quer converter mais um? É
alguma espécie de jogo pra ti? Ficar me enrolando deve ser um também, se fazendo de
virgem inocente, mas pra chupar meu pau-"

"CALA A BOCA!" Davi ficou realmente chocado, nem reconhecia o mais velho. Ele
era debochado, malicioso, mas sempre fora carinhoso e atencioso, sempre o tratara
como se fosse especial. Lágrimas brotaram de seus olhos, era apaixonado por aquele
idiota, e ouvir tais coisas, ouvi-lo duvidando de si daquela maneira doía tanto.
Menosprezando-o. Já não bastava seus pais? Quem seria o próximo? "Eu vou embora."
Virou-se para ir atrás das roupas, praticamente correu para o quarto.

Guilherme socou a parede, conseguindo apenas esmagar a pele contra os ossos. Foi para
a sala quando Davi já estava dirigindo-se nervosamente para a porta. Segurou-o pelo
braço antes que ele alcançasse a saída e, devido à diferença de altura, Davi acabou na
ponta dos pés, olhando-o de lado, olhos chorosos.

"Não acredito que vai ir lá mesmo. Eu não admito que tu continue morando com aquele
guri." Determinou autoritário, não aguentando a ideia de que o pequeno chegaria na
casa do outro chorando, e seria o Leonardo quem o consolaria.
"Não me importo com o que tu admite ou não!" Davi exclamou, se debatendo, mas
Guilherme aumentou o aperto em seu braço.

"Se eu estivesse morando com uma guria, tu iria gostar? Se me visse tão próximo dela,
se visse nós dois nos abraçando, se ela me tratasse como o Leonardo te trata, tu iria
adorar a ideia, imagino." Falou, numa ironia irritada.

"Eu iria confiar em ti!"

"O caralho que iria! Por que não veio aqui para minha casa? Eu também moro sozinho!"
Guilherme expôs sua dúvida.

"Porque eu não quis!" Davi gritou. Quando ficava nervoso, não conseguia argumentar
adequadamente, seu coração estava pulando, estava magoado, frágil, e só queria sair
dali. Não era nenhuma mentira, não quisera pois achava que não daria certo, iria
deteriorar a relação ainda nascente dos dois. Só não percebia que ir morar com o
Leonardo dera na mesma, ou ainda pior. "Não queria morar contigo!"

Guilherme arregalou os olhos. Não esperava algo tão cortante, mas machucou, seus
dentes trincaram e se sentiu um idiota. Por que estava mantendo aquela relação, afinal?
Era uma relação complicada simplesmente por ser com outro garoto. Poderia ter
qualquer garota, qualquer uma, e seria muito mais fácil, em todos os sentidos -
socialmente, fisicamente, sexo viria fácil. E agora tinha de ouvir isso. Largou o braço do
menor.

"Se tu for voltar pra ele, nem volta pra cá. Não vou tolerar chifres." Disse. Talvez fosse
por ter sido chifrado no passado, por aquela vadia maldita que o enganara. Não
admitiria isso, nunca mais. Era contra relacionamentos desde então, decidira se arriscar
por alguma razão obscura, e era isso que recebia em troca. Novos chifres.

"Seu idiota egoísta e burro." Davi o xingou chorando, e se virou para sair dali.
Guilherme estava só pensando nele mesmo, não conseguia ver seu lado? Sentia-se
pressionado e a vontade de chorar aumentava.

Assim que colocou a mão na maçaneta, foi novamente impedido. Foi virado contra a
porta, e Guilherme o pressionou contra ela, forçando-lhe um beijo após chamar-lhe o
nome com certo arrependimento. Foi um beijo rude, forte, com gosto salgado, que
parecia querer prendê-lo àquela casa.

Possessivo.

"Me larga!" Davi conseguiu se afastar e um tapa estalou no rosto do maior. Se virou e
saiu pela porta sem sequer ter coragem para olhar para o outro após o tapa. Apenas
correu para o táxi que felizmente já esperava em frente à casa.

Guilherme rugiu furioso assim que a porta bateu. Socou novamente a porta, com a
mesma mão, e dessa vez arrancou sangue dos metacarpos. Xingou o Davi, o Leonardo,
xingou a si mesmo, sabendo que agira de maneira irracional. Sentou-se no sofá e,
apoiando os cotovelos na coxa, tapou o rosto nas mãos, sentindo a cabeça explodir.
Notas finais do capítulo
*No Mulligan eles não servem caipirinha, mas nem tô, o Gui fez especial pro Davi
KKK! Ah, esses dois últimos extras acabaram saindo em terceira pessoa. Eu comecei a
escrever, e escrevi metade desse cap., e só então me toquei que estava em terceira
pessoa, sendo que os outros extras eram em primeira. Aí fiquei com preguiça de mudar,
e foi assim mesmo. Peço desculpas. IOJHAOIAJAOIA Tentarei postar a continuação
desse extra na sexta! Beijos!

(Cap. 37) Não é cedo para dizer Extra Gui/Davi Parte


Final
Notas do capítulo
MUITO obrigada ao Tenshi e à Andressa pelas recomendações! Sem palavras,
emocionada aqui.

Davi chegou trêmulo à casa do Leonardo. Queria um banho, um banho quente o


acalmaria. Estava em choque com o que havia acontecido. Ele e o Guilherme haviam
terminado, era isso? Seu peito se contorceu com a ideia, as lágrimas não paravam de
cair. Não iria aguentar, só de pensar já sentia saudades do veterano.

Entrou no quarto para pegar uma toalha e um pijama, sem nem bater ou parar para
escutar nada. Levou um susto ao ver o Leonardo na cama transando com uma garota
loira, que o cavalgava e acabava de jogar a cabeça para trás, gemendo alto. Bateu a
porta e se afastou o mais rápido possível, correndo para sala. Que mancada! Andou
nervoso de um lado pro outro, sem saber para onde ir – atirar-se das escadas do prédio
sempre era uma opção –, até que alguém apareceu na sala.

Tomou outro susto ao ver que era a Marília, sequer tivera tempo de reconhecê-la
minutos antes.

"Davi?" Ela chamou. Estava enrolada no lençol, e Leonardo apareceu logo atrás, apenas
de bermuda. "Tu não deveria estar na casa do Gui? Meu Deus, tu 'tá chorando!? O que
aquele brutamontes te fez?!" Ela perguntou num tom maternal e correu para abraçá-lo.
Davi se sentiu estranho ao ter o rosto pressionado contra os peitos dela. Marília era alta,
talvez 1,75 m de altura.

Leonardo se jogou no sofá.

"Vocês brigaram?" Ele perguntou.

Davi conseguiu se afastar da loira.

"Desculpa interromper vocês." Davi lamentou, sentando-se também no sofá. Sentia-se


cansado, tanto física quanto mentalmente. "Não sabia..."
"Tudo bem, o Da Vinci já estava bem satisfeito." Marília assegurou, falando com
naturalidade, mas Davi corou mesmo assim, enquanto Leo coçava a orelha. "Agora nos
diga o que aconteceu."

"É como o Leo supôs. Brigamos... Porque eu sempre afasto ele quando estamos para
transar, e porque ele acha que eu e o Leo... Que nós... Temos um caso." Corou mais e
abaixou o olhar.

Leonardo se engasgou com a própria saliva.

"Quê?!" Perguntou perplexo. Davi achou que ele ficaria impressionado pela ideia de
eles terem um caso, mas o que perguntou foi: "Vocês ainda não transaram?"

Marília gargalhou.

"Ai, esse Guilherme é um retardado mesmo, adora ver coisas onde não existem. Não à
toa ele nem se metia em namoros antes, ele sabe que é possessivo demais." Riu-se. "Ah,
tu e o Leo até ficariam fofos juntos."

"Eu sei, se eu fosse gay, o Davi seria a minha putinha. AI!" Leonardo massageou o
braço em que recebeu um soco bem dado. Davi sentiu-se irritado.

"Vocês não levam nada a sério!" Exclamou e sentiu falta de ter um quarto só seu para
correr e se trancar nele. "Eu e ele terminamos!"

Agora eles pareciam impressionados de verdade.

"Sério?" Marília esbugalhou os olhos, pois sabia que o amigo estava ridiculamente
apaixonado por aquele tampinha - como Leo costumava chamar. "Mas..."

"Mas nada, ele é um idiota! Idiota! Eu não quero nunca mais olhar pra cara dele!" Davi
gritou, por pura teimosia e mágoa. Não era verdade, mas não importava. E não se
importou de não ter um quarto, correu para o do Leonardo, arrancou os lençóis restantes
da cama, pegou novos, e se deitou no colchão, se embrulhando abraçado a um
travesseiro que parecia limpo, intacto.

Leonardo e Marília apareceram pouco depois e também se deitaram na cama, um de


cada lado do pequeno. Marília ao menos colocou calcinha e sutiã antes de se deitar, e
abraçou-se ao embrulho pequeno na cama. Leo deitou-se de lado, olhando para os dois.

"Ele é mesmo um idiota, mas ainda vai vir pedir desculpas." Marília garantiu. "No
fundo ele sabe que tu e o Leo são apenas amigos."

"É tão difícil entender isso? Eu não posso escolher entre ele e um dos meus melhores
amigos!” Davi resmungou com a voz embargada. "E realmente não quero morar com
ele, ainda é cedo demais pra algo assim..." Teimou.

"Se for para escolher entre eu e ele, eu acho que eu deveria ser o escolhido." Leonardo
apontou pomposo, e dessa vez levou uma travesseirada da loira. Riu ao se proteger com
os braços.
"Tu ‘tá certo, mas por que não quis transar durante todo esse tempo? Davi, transar é
algo natural, não importa que ambos sejam homens, continua sendo natural. Não tem
porque sentir vergonha." Marília falou, carinhosa. "Até dói no início, mas depois fica
bom, e olha que nem tenho próstata."

"Tu já fez anal? Por que eu não fiquei sabendo sobre isso?" Leonardo quis saber.

"Discutam isso depois!" Davi exigiu, arriscando colocar a cabeça para fora do casulo
que havia feito com os lençóis. Suspirou. "Eu só quero dormir, obrigado pela
preocupação, mas estou cansado..." Não queria discutir sua vida sexual com os dois.
Principalmente não depois de flagrá-los transando.

"Só queria lembrá-lo que tu 'tá na minha cama." Leonardo achou por bem avisar.

"Vem, vamos deixá-lo descansar." Marília puxou o moreno para fora da cama,
arrastando-o. "Boa noite, Davi." Fechou a porta, dando um pouco de solidão ao
pequeno, ele precisava.

Leonardo protestou.

"E eu que vou dormir no sofá?" Ele quis saber, apenas se fazendo de chato. Sabia que o
tampinha merecia a cama depois daquilo. Estava achando aquele Guilherme um idiota,
mas esqueceu-se disso quando Marília o empurrou contra o sofá e subiu em seu colo.

"E o que há de ruim no sofá?" Ela perguntou maliciosa.

"Com certeza nada." Leonardo colocou as mãos na cintura dela, sorridente.

XxxX

Caio olhou para o amigo com certo tédio.

“Vamos. Vou te levar pra fazer uma tatuagem e um piercing novo.” Ele decidiu e
passou os braços pelos ombros do menor. Davi, como sempre e com quase todas as
pessoas, era bem mais baixinho que ele. “Tu ‘tá precisando extravasar essa rebeldia. Vai
te ajudar a se acalmar e encontrar o perdão no coração.”

“Não quero encontrar o perdão.” Davi resmungou, mas aceitou ir até o carro do amigo.
Haviam combinado de ir juntos a um evento de anime. Davi era o único de seu círculo
de amizades que adorava isso, apesar de não ser algo exagerado, e então descobrira que
Caio também curtia.

“Tua amiga Natália é que tem aquele estúdio né? Vamos pra lá. Me diz o endereço.”
Caio o ignorou e saíram do colégio onde o evento acontecia. Já tinham passado a manhã
e parte da tarde ali. Davi não queria ir pois estava com um cosplay de Levi, de Shingeki
no Kyojin, um personagem nanico com quem havia se identificado.

Mesmo assim, passou o endereço ao amigo.


“Se tu não quer mais o Guilherme, olha que vou investir.” Caio ameaçou no caminho, e
Davi vincou a testa.

“No Guilherme?” Sentiu ciúmes.

Caio revirou os olhos. Santa paciência.

“Não, tampa! Eu ti! Preciso desenhar? Não curto parrudos como o Guilherme, prefiro
ou no mesmo porte físico que eu, ou menos.”

“Obrigado por me chamar de ‘menos’.” Davi reclamou.

“Fala sério, acabei de te cantar.” Caio se exasperou.

“Tu tem namorado!” Davi o lembrou, mas Caio deu de ombros.

“Não sou fiel.” Admitiu com pouco caso, e percebeu a expressão de puro horror do
amigo. “Ele também não é. Eu sei que ele me trai, ele sabe que eu traio ele. Mas
continuamos, sei lá. Eu gosto dele, não quero soltá-lo. É tipo uma relação aberta.”

“Não consigo imaginar como esse tipo de relacionamento funciona. Eu morreria de


ciúmes.” Davi murmurou.

“É assim com relacionamentos. Ok, eu sei que eu e o Sandro somos uma exceção, mas
eu digo que, pra duas pessoas funcionarem juntas, elas têm de aprender a ceder e buscar
o ponto de equilíbrio. Tu com o Guilherme, por exemplo. Tu tem de entender que ele é
ciumento, sim, e sempre vai ser. Claro que isso não deve te impedir de ter teus amigos,
sair... Mas tu não pode simplesmente se irritar com ele, xingar e não tentar conversar
porque ele é ciumento e estúpido às vezes. Se não conversarem, ele nunca vai melhorar.
E eu te digo melhorar, porque deixar todo ciúme de lado ele nunca vai conseguir deixar.
Aí é o momento que tu cede e compreende isso, aceita esse lado dele.” Caio falou
enquanto dirigia tranquilo, dobrando uma esquina. “Não se pode ser egoísta num
relacionamento.”

Davi ficou impressionado com o ‘discurso’ do amigo. Ele era muito bom
argumentando, já descobrira isso naquele um ano de amizade, mas não sabia que ele
entendia assim de relacionamentos, principalmente ao escutar que estava em um
relacionamento aberto. Tinha certo preconceito com isso.

“Não sabia que tu era tão maduro.” Davi o encarou.

“Já levei muito na cara e na bunda pra não entender um pouco disso.” Caio sorriu
escarninho.

Logo chegavam ao estúdio da Natália. Ela estava fazendo uma tatuagem, mas os
cumprimentou e disse que havia um tatuador disponível, porém o Davi insistiu em fazer
com a amiga. Natália sorriu.

“Vai pegando o catálogo, Davi. Vê as tatuagens pra te inspirar, ou pode pedir uma dali
mesmo!” Piscou para o garoto e voltou ao trabalho.
Davi começou a folhar o catálogo enorme.

“Tua amiga é muito foda. Dezenove anos já tem o próprio negócio, é tatuadora e rica
ainda, não seguiu aquele caminho típico de faculdade, depois casar, ter filhos... Se eu
não fosse gay, daria em cima dela.” Falou com um olhar prolongado na garota que
tatuava concentrada. “Mas e aí, já te decidiu?”

“’Tô olhando...” Davi mordeu o lábio.

“Vai fazer onde?”

“Não sei também.”

“Sabe um pierging que ficaria legal em ti?” Caio perguntou, e sorriu quando Davi o
olhou interrogativo. O virou e ergueu a camisa dele, exibindo a barriguinha lisa.
“Piercing no umbigo, acho sexy em garotos com a barriga como a tua.”

Davi corou e abaixou a camisa.

“Como a minha?”Perguntou sem entender. Achava sua barriga bastante normal.

“Não sei explicar. Tem essa ondulação meio feminina, apesar de tu ter ela bem
firmezinha. É uma barriguinha gostosa.” Caio deu de ombros, falando sem vergonha
alguma. Davi se constrangeu ainda mais.

“Para de falar assim da minha barriga!” A apertou como se o outro fosse um tarado por
barrigas e estuprador de umbigos. Caio suspirou entediado, mas mesmo assim falou:

“Uma tatuagem na barriga ia ficar legal. Algo meio atrevido. O Guilherme iria pirar.”
Sorriu de lado malicioso e implicante.

“Não vou fazer nada na minha barriga!”

Acabou fazendo tudo.

XxxX

Dias depois, Leonardo levou um susto quando viu Davi com um piercing no umbigo,
um novo na orelha, e uma tatuagem de raposa em tons azuis e de olhos verdes na região
do apêndice, mas à esquerda, recém-feita, com algumas pequenas estrelas próximas. O
analisou de cima abaixo.

"Que revolta toda é essa?" Perguntou curioso, mas Davi deu de ombros e jogou-se no
sofá, para estudar algumas coisas para a faculdade. Cálculo II estava acabando com seus
neurônios.

"Curti a tatuagem." Leonardo comentou, sentando também, mas para ver TV. Não era
do tipo que estudava muito. "Fez no estúdio da Natália?"
"Raposa é símbolo de esperteza, fiz há alguns dias, com a Nati sim, ela me deu um
desconto legal." Davi contou. "É um lugar bem bonito o que ela montou, né."

"Eu até pensei em fazer uma tatuagem depois de irmos lá naquele outro dia, mas bah,
acho que nada combina comigo, e prefiro manter meu corpinho intacto, como veio ao
mundo." Leonardo disse, esparramado no sofá assistindo a um seriado qualquer.

"Alguma tatuagem de mulher pelada combinaria perfeitamente contigo." Davi redarguiu


monocórdio, pegando o lápis e começando a rabiscar alguns cálculos de integrais
compostas e essas loucuras todas da engenharia.

"Olha, eu até concordaria, mas como escolher? Uma ruiva? Uma morena? Uma loira?
Seios pequenos? Grandes? Magra? Cheinha? Todas têm minha devoção." Leonardo
proclamou um tanto teatral.

Davi balançou a cabeça em negação, mas não falou nada. Leonardo parou para observar
o amigo. Mesmo suas bobagens não o animavam, não arrancavam sorrisos. Sabia que
era porque ele e o Guilherme não se falavam há mais de duas semanas, o tampinha
estava com o coração arrasado.

"Tu deveria ir conversar com ele." Leonardo aconselhou de repente, e Davi não
precisava perguntar quem era 'ele' para entender. "Pelo que tu me disse, vocês não
conversaram propriamente, apenas gritaram e reclamaram. Uma conversa agora que
estão de cabeça fria-"

"Eu não vou ir atrás dele. Ele foi o errado, me acusando de traí-lo." Replicou teimoso,
mantendo o olhar sobre seus papéis com anotações de aula e exercícios resolvidos e a
resolver.

"Tu nunca foi teimoso assim." Leonardo o lembrou. "Amar te deixou assim, é?"

"Quem disse que eu amo ele?" Perguntou ainda mais teimoso, erguendo o olhar para o
amigo. Não conseguiria mais estudar, e tinha prova no dia seguinte. Leonardo babaca,
começando assuntos difíceis em dias importantes.

Leonardo riu sarcástico.

"Aham, sei."

"Não amo!" Davi exclamou e quase chutou o rosto do amigo. Leonardo segurou o
tornozelo do menor por reflexo.

"Hei, calma! Só porque tu 'tá todo chateado porque se arrepende de não ter dado a
bunda mais cedo, agora a culpa é minha? Eu sou apenas um observador dos fatos."
Leonardo esclareceu, sorrindo levado ao ver o Davi enrubescer.

Davi se levantou, abraçando seus papéis, irritado.

"Tem dias que não te suporto!" Avisou e saiu da sala, pisando forte. Seu humor
ultimamente também andava por um fio, nada doce como geralmente era.
Leonardo sorriu divertido.

"É, mas mesmo assim, segundo o Guilherme, somos amantes tórridos!" Cantarolou.

"Vai se ferrar!" Davi gritou já entrando no quarto.

Leonardo riu, mesmo irritado o garoto ainda não falava 'vai se foder'.

XxxX

Quando Davi saiu da prova, já era quase nove da noite e estava escuro e friozinho, pois
um chuvisco chato e fino caía persistente. Em breve, talvez um temporal caísse. Davi
estava apenas de camiseta de mangas curtas e suspirou, arrepiado. O campus do vale
ficava até meio assustador à noite, deserto, os prédios em meio àquele mato, e o clima
ruim. Era o lugar ideal para uma cena de filme de terror.

Apressou-se em direção ao bar do Antônio, que contornaria para seguir para as paradas
de ônibus uns vários metros adiante. Quando estava passando pelo bar já fechado,
tomou um susto quando alguém lhe segurou o braço. Engoliu o grito ao olhar pro lado e
ver o Guilherme. Entreabriu os lábios, meio atarantado.

"Estava te esperando." Guilherme explicou, mesmo que ele não houvesse perguntado
nada. "Tive prova também, Equações Diferenciais. Encontrei o Enzo há uns quinze
minutos e ele falou que tu ainda 'tava fazendo prova..."

"Oh..." Davi sentiu-se como nos primeiros dias. Não sabia o que dizer, e sentia-se
tímido. "E por que me esperou?"

"Vou te dar uma carona, é perigoso pegar ônibus a essa hora aqui no Vale." Guilherme
simplesmente determinou e começou a levá-lo consigo em direção aos estacionamentos.

"Mas não precisa!" Davi exclamou nervoso.

"Mas eu quero. Deixa eu fazer isso, por favor." Guilherme pediu e, diferentemente da
última vez em que haviam se falado, seu tom era baixo e calmo. Davi não deu
resistência, e acompanhou o mais velho até o carro.

Queria ter ganhado um carro dos pais após terminar a autoescola recentemente, mas
agora era impossível. Talvez comprasse um baratinho com suas economias.

"Então, como tu está?" Guilherme perguntou quando já estavam no carro, a caminho. A


vantagem de sair tarde do Vale era não pegar os engarrafamentos da Av. Bento
Gonçalves.

"Bem..." Davi olhava para rua.

"E a situação com teus pais?"

"Eu não sei... Minha mãe tenta falar comigo às vezes, me visitou na casa do Leo semana
passada. Meu pai até ligou perguntando se eu precisava de dinheiro, mas era tão seco, e
ainda falou coisas sobre eu ‘já ter decidido voltar a ser homem’..." Disse chateado.
Sentia falta dos pais, e até se perguntava se eles estavam tentando aceitar, afinal, haviam
se comunicado. Porém achava que, mesmo se fosse visitá-los, o pai o ignoraria ou
xingaria e a mãe ficaria sem saber como agir.

"Eu fui idiota em não perceber que era por causa deles que tu andava... me repelindo
mais que o normal e estava sempre sem vontade... Não por causa do Leonardo."
Guilherme falou, sério, o olhar na estrada. Marília o havia enchido os ouvidos até que
eles latejassem nas duas últimas semanas, e até a Tatiana ligara para xingá-lo.

"Foi mesmo." Davi replicou baixo.

O silêncio reinou depois disso por um bom tempo.

Até Davi perceber que ele não estava fazendo o caminho para o prédio do Leonardo,
mas para a casa do Guilherme.

"Gui...!? Por quê...?" Davi perguntou, o coração acelerando pra valer.

"Quero conversar, aqui em casa teremos mais privacidade." Guilherme falou


estacionando no pátio e saindo do carro. Davi remexeu a língua sentindo o piercing,
mas o seguiu, e uma felicidade inexplicável se instaurou em seu peito ao entrar naquela
casa de novo.

Vilão, que não estava preso ao pátio dos fundos, o cumprimentou com entusiasmo,
praticamente o derrubando. Davi o acariciou sorrindo, havia sentido saudades do husky
e riu com uma lambida que recebeu no rosto, mas logo Guilherme o levou para os
fundos, pois do contrário não teriam sossego.

Quando retornou, Davi estava comportadamente sentado no sofá. Por deus, pensou
Guilherme olhando-o, havia sentido tanta falta de tê-lo ali. Mal se concentrara em nada
durante aquelas duas semanas, que se arrastaram de maneira miserável. Davi o olhou
corado quando se ajoelhou em frente a ele, no sofá. Sentira saudades daquelas
bochechas avermelhadas também.

"Me desculpe." Disse, não querendo prolongar isso, pois estava morrendo por beijar
aquela boca novamente. "Fui um idiota, falei asneiras, não respeitei o teu tempo..."

"Gui..." Davi desviou o olhar; ver o outro ajoelhado à sua frente, se desculpando, estava
deixando-o quente. Queria teimar mais, mas apenas a proximidade deixava-o ansioso
por cair nos braços dele.

Guilherme segurou-lhe o queixo e fez com que o pequeno o olhasse.

"Acredito em ti, sei que não rola nada entre tu e o Leonardo. Eu só sou... ciumento
demais. Não gosto da proximidade de vocês, e minha cabeça se enche de insegurança e
pensamentos idiotas. Mas eu acredito que não passa de amizade." Guilherme afirmou.
Confiava no Davi, não que isso significasse que confiava no Leonardo, ou gostasse
dele. "Falei aquilo tudo de cabeça quente."
"Eu também..." Davi murmurou, a mão do outro parecendo queimar em seu queixo.
Entendia o ciúme do mais velho, ele havia lhe contado sobre a traição que sofrera na
adolescência. "Eu... Eu só não vim pedir pra morar contigo porque achei que era cedo
demais e não daria certo. Eu-"

"Não precisa explicar isso, tu decide onde quer morar." Guilherme garantiu, e sua mão
deslizou para acariciar o rosto do mais novo. "Então estamos bem?"

"Antes prometa que não vai mais falar nada sobre o Leonardo. Eu e ele somos amigos, e
isso nunca irá mudar." Davi demandou, e Guilherme, mesmo a contragosto, assentiu. "E
eu vou parar de falar tanto dele. Eu sei que fiquei botando ele em todas as conversas,
mas era somente porque ele vinha me dando apoio com a questão com meus pais, e... E
era mais fácil falar dele, do que falar sobre o que realmente me enchia a cabeça.”
Apertou os olhos impedindo as lágrimas, enquanto suas mãos se agarravam com força
sobre seu colo. “E só... Tão difícil. Eu queria meus pais de volta.”

Guilherme sentiu-se horrível, e um caminhão pareceu passar sobre seu peito. Davi
estivera passando por uma fase difícil, e se fechara, escondendo sua dor atrás de
momentos com os amigos, e sequer havia percebido isso. Sequer havia feito alguma
coisa para tentar ser o suporte que o Davi precisava, dando segurança para que o mais
novo se abrisse consigo, tudo porque estava tomado pelas próprias inseguranças.
Achou-se o pior dos namorados, e acariciou a bochecha do outro.

“Eu imagino.” Gui falou baixo e se moveu, sentando-se no sofá e puxando o menor para
seu colo. “Mas vocês tinham uma relação forte, e tua mãe foi te visitar. É um começo,
não é? Talvez eles só precisem de um tempo, para entender, amadurecer.” Sugeriu com
o tom cuidadoso, acariciando os cabelos do Davi, que descansara a cabeça em seu tórax
ainda de olhos fechados. “Eles ficaram tantos anos acreditando nas coisas erradas, mas
nunca é tarde para mudar... Para se arrepender e fazer a coisa certa.”

Davi fungou, mas não falou nada. Porém aquelas palavras lhe encheram de esperança, e
o fato de poder roubar o calor do Guilherme novamente, estar assim no colo dele,
sentindo-se protegido enquanto recebia aqueles toques carinhosos, deixava-o num
estado de paz que não sentia desde a fatídica conversa com os pais. Era como voltar a
respirar depois de tanto tempo... Roçou a mão no peito do mais velho, agarrando a
camisa que ele usava, como que para impedi-lo de deixá-lo.

“Gui...” Chamou baixo depois daqueles minutos confortáveis de silêncio. Guilherme


soltou um ‘hm?’ que o incentivava a falar. “Eu... Eu também... Digo, eu sinto desejo por
ti, é só que... Antes eu tinha receio de que depois que transássemos tu percebesse que
não era mesmo bi e terminasse comigo, e depois essa história com meus pais... Mas eu
também..." Era difícil falar. Não contara sobre esse medo a ninguém. Guilherme
também nunca havia transado com um garoto, e se ele não gostasse? Tudo bem que nas
preliminares ele sempre estivera bem animado, mas... Quem disse que tais medos
tinham alguma lógica?

Guilherme soltou uma risada abafada, pelo nariz. Davi o olhou sem entender, a
expressão inocente, e corou com o afago que recebeu na bochecha, enquanto o maior o
olhava com um sorriso torto.
"Acho que somos dois idiotas, não é?” Perguntou com certo divertimento debochado.
“Claro que eu sempre serei o maior idiota, até pelo tamanho, cabe bem mais idiotice em
mim do que em ti.” Brincou e riu um pouco mais quando uma careta marcou o rosto do
mais novo. Davi ia reclamar, apesar de não haver muito do que reclamar, já que aquela
era uma grande verdade, mas fechou a boca quando o Guilherme segurou-lhe o rosto e o
olhou profundamente. Os olhos dele pareciam queimar em sua pele. “Tudo bem. Eu
espero por ti. O que eu não quero, é passar de novo pelo que eu passei nessas duas
últimas semanas. Estar junto de ti é o mais importante." Ele garantiu. Os lábios do mais
novo entreabriram, seu coração disparou como nunca e, chorão como a Nati costumava
lhe chamar, seus olhos lagrimejaram. Seus lábios tremeram, mas o que saiu disso foi um
sorriso junto a um riso de alegria, enquanto segurava o rosto do Guilherme e encostava
a testa contra a dele.

O maior ergueu-se, pegando Davi pelas coxas e levando-o junto. Davi puxou o ar pela
surpresa, mas continuava sorrindo. Guilherme sorriu também ao tê-lo daquele jeito em
seus braços novamente. Apenas duas semanas, e mal se aguentara: comera mal, dormira
mal, não malhara e não estudara, no trabalho, estava sempre distraído. Estaria tão
amarrado assim? Sim, estava, e sabia disso. Virou-se em direção ao quarto, seus olhares
conectados. Davi aproximou mais seus rostos e deixou seus lábios roçarem.

"Senti saudades..." Ele admitiu num sussurro doce, antes de abraçá-lo. "Não vamos
brigar de novo."

"Namorados brigam, é algo inevitável." Guilherme informou, já dentro do quarto.

"Namorados?" O coração do mais novo palpitou com força redobrada.

"Tinha alguma dúvida? Não houve pedido formal, mas... Se quer um, posso fazer."
Guilherme sorriu de canto ao deitar Davi na cama.

"Não, não precisa. Porque minha resposta seria bem óbvia." Riu e voltou a segurar o
rosto do namorado. Era bom ter a certeza. Guilherme se deitou sobre si, e o beijou.

Ficaram por vários minutos namorando na cama, e Davi se impressionou e estranhou o


outro não tentar nada mais ousado. Apenas mãos bobas e toques e beijos em sua boca e
pescoço. Guilherme sequer tentou tirar suas roupas e, em dado momento, ele parou, se
levantando.

"Vou ir tomar um banho." Falou e seguiu para o banheiro.

Davi estava terrivelmente excitado, e o xingou baixinho. Precisava se aliviar, e pensou


em todas as vezes que ouvira sobre o famoso 'sexo de reconciliação'. Seu corpo ardia
nos pontos em que as mãos do maior o tocaram e apertaram, e seus lábios formigavam.
Remexeu-se na cama, esfregando o rosto e passando as mãos pelos cabelos.

Quando Guilherme voltou, ele se deitou novamente.

"Ainda tem umas roupas tuas aqui, tua escova de dentes, entre outras coisas."
"Eu sei." Davi deitou de lado, usando seu braço como travesseiro, e olhou para o mais
velho. "Meu pai não te demitiu, não é?"

"Não, continuo trabalhando na empresa. Fiquei surpreso com isso." Guilherme admitiu,
mas já tinha semanas desde que os pais de Davi haviam descoberto e arrancado de Davi
quem era o rapaz, e não fora demitido. Por sorte também nem via o pai do garoto.

"Eu disse para meu pai que seria pouco profissional ele te demitir se tu estava
trabalhando bem. Ele ao menos não misturou as coisas..." Davi concordou, e resolveu
correr também para um banho. Só de olhar para o Guilherme deitado naquela cama,
apenas de cueca, um desejo sem igual subia sinuoso pelas pernas.

Tomou um banho e, numa resolução impulsiva, mas da qual sabia que não se
arrependeria, tomou outras precauções estratégicas. Guilherme estranhou a demora,
uma hora já se passara e Davi continuava naquele banheiro. Já estava pensando em se
levantar e bater à porta, perguntar se estava tudo bem, quando o mais novo abriu a porta
do banheiro.

Completamente despido.

Não que Guilherme já não o houvesse visto sem roupas várias vezes, mas fazia um
tempo, e a visão o excitou, principalmente ao notar o piercing novo no umbigo dele, e a
tatuagem delicada na fossa ilíaca esquerda. Notou o olhar entre nervoso e determinado
do mais novo, que correu para a cama e o montou, sentando-se sobre seu quadril.

"Eu quero ir até o fim hoje." Davi definiu e se inclinou para beijá-lo. Guilherme
arregalou os olhos, mal retribuindo ao beijo, mas quando pensou em inverter as
posições, ainda meio atordoado com aquela atitude repentina, Davi o empurrou de volta
para a cama. "E quero ficar por cima."

Guilherme quase se engasgou.

"Quer ser o ativo?"

Davi revirou os olhos e se esticou até a cômoda, da onde tirou lubrificante e camisinhas.
Havia comprado e colocado ali sem nem dizer nada para o namorado há um tempo.
Guilherme mal usava aquelas gavetas.

"Não seja bobo..." Murmurou, corando e se sentando um pouco mais para trás, para
começar a tocá-lo sobre a cueca, sentindo o volume enrijecer em sua mão. "Eu não
consigo nem me imaginar sendo 'ativo' com gurias, o que dirá contigo."

Guilherme tinha de admitir, se sentiu mais tranquilo. Tentou se erguer para agarrar o
menor, já louco de desejo novamente – o banho apenas ajudara a se acalmar e acabar
não passando dos limites novamente –, mas agora tudo retornava em dobro. Porém Davi
novamente o impediu e mandou-lhe ficar deitado. Ele parecia concentrado e
determinado àquilo. Mesmo que tivesse muito mais força, Guilherme voltou a se deitar,
apenas olhando para o mais novo.
"Tu tem certeza disso?" Guilherme perguntou, apesar de outro lado seu não querer
incitar dúvidas no Davi. "Não precisa se forçar apenas porque-"

"Guilherme, apenas fique quieto por enquanto." Davi pediu e abaixou suas cuecas. No
segundo seguinte, ele descia os lábios em seu membro rígido. Guilherme ofegou e se
calou. Davi naqueles três meses ficara ótimo em sexo oral, e olhá-lo fazendo, desde a
primeira vez, era extremamente sensual.

Davi parou apenas quando o maior parecia prestes a gozar. Com as mãos um pouco
trêmulas, mas livre de dúvidas, colocou uma camisinha nele, e o lubrificou. Porém
quando, com o rosto ardendo e o coração aos pulos, se posicionou para descer contra o
pênis do namorado, Guilherme colocou as mãos em sua cintura e o impediu, por mais
que latejasse de desejo por aquilo.

"Melhor te preparar antes." Ele explicou, sorrindo para o olhar desconcertado do


pequeno de quem achava que havia feito algo de errado. Pegou o lubrificante, lambuzou
os dedos e então, segurando firme a cintura do Davi com a outra mão, levou os dedos
até a entrada do mais novo, penetrando-o com cuidado. “Tu ficou muito sexy com esse
piercing no umbigo, combinou contigo.”

“Estava triste e coloquei ele... Me deixou mais... mais...” Não conseguiu terminar a
frase. Davi afundou os dedos em seu abdômen, lábios se entreabrindo em um gemido
mudo, olhos um pouco arregalados enquanto erguia inconscientemente o quadril.
Guilherme ardia de impaciência por dentro, mas se controlava, indo com calma e
admirando as expressões de prazer do mais novo, que começou a gemer baixo conforme
o estimulava, tentando encontrar a próstata e aos poucos o relaxando para depois aceitar
um volume consideravelmente maior.

“E a tatuagem? Achei que tu não teria coragem de fazer uma.” Guilherme comentou.
Tinha uma tribal sob o braço, bonita, na parte inferior do bíceps definido de seu braço
direito.

"Gui..." Davi gemeu e apoiou os antebraços sobre seu peito, deixando o rosto cair entre
eles, as coxas uma de cada lado da cintura do maior, o bumbum arrebitado permitindo
que o Guilherme o explorasse bem.

Guilherme já estava quase para acabar com aquilo, inverter as posições e tomar o corpo
do namorado. Não aguentava mais. Três meses! Desde que começara sua vida sexual,
não se lembrava de ter ficado tanto tempo em abstinência, era quase uma punição, ainda
que preliminares houvessem rolado. Mas a ideia de que iria finalmente tirar a virgindade
do Davi já fazia seu lado possessivo vibrar.

Davi novamente o impediu, voltando a se sentar ereto assim que a preparação acabou.

"Já disse que vou ficar por cima." Ele afirmou resoluto e, então, endireitou-se
novamente, segurando o pênis do maior e deixando o corpo descer pelo efeito da
gravidade. Apertou os olhos e gemeu, sofrendo com a dor. Aquilo era verdadeiramente
maior que meros dedos, e teve de vencer o ímpeto de se afastar.
Guilherme admirou a cena com os lábios entreabertos, a respiração ofegante. Davi
parecia mais lindo do que nunca, inclinando para trás, apoiando as mãos em suas coxas
enquanto tinha aquela expressão de libidinoso sofrimento ao deixar-se penetrar. Apertou
com força uma das coxas dele, lutando contra si próprio para não puxá-lo para baixo de
uma vez, era tão apertado. Levou outra mão ao abdômen dele, acariciando o umbigo
com o piercing antes de descer à ereção do menor, que puxou o ar, jogando a cabeça
para trás e gemendo, descendo mais alguns centímetros.

"Tu fica perfeito dessa forma." Guilherme falou, rouco pelo desejo que nublava seus
olhos. Ver seu pênis sumir por entre as nádegas do mais novo era uma visão
absurdamente excitante.

Davi o encarou corado e ofegante.

"Tarado." Gemeu mordendo o lábio e sentiu quando suas nádegas enfim encostaram-se
à pelve do maior. Já se sentia quase sem forças, tolerando a dor e a sensação de
preenchimento estranha, que ainda não lhe causava nenhum prazer. O prazer vinha dos
toques do outro em sua ereção.

"Depois de três meses, tu me deixou pior que um pervertido sexual." Guilherme


garantiu, e gemeu rouco quando Davi moveu-se timidamente, arriscando-se. Apertou as
coxas musculosas do maior, seu peito magro subindo e descendo e a respiração saindo
trêmula por entre os lábios. Era horrível, por que doía tanto? Um choramingo sofrido
acompanhou sua expressão doída; sempre fora fraco para dor.

Guilherme começou a ajudá-lo a se mover, e se moveu também. Quando o fez, Davi


soltou um gemidinho estrangulado, quase perdendo a força nos braços. Guilherme se
sentou e o abraçou, segurando-o pela nuca e o beijando. O prazer que sentia era enorme,
não só pelo ato físico, mas por Davi estar se rendendo, entregando-se. Sequer pensara
que poderia rolar naquela noite, antes até achara que ele poderia não querer fazer as
pazes, e ali estavam eles, fazendo amor.

"É cedo demais pra dizer que te amo?" Guilherme perguntou, sentindo-se piegas, mas
não se importando naquele momento. Davi olhou-o da maneira surpresa mais adorável
do mundo, até esquecendo-se de continuar a se mover.

Guilherme enfim deitou-o na cama, ficando sobre ele, e não encontrando nenhuma
resistência. Davi agarrou seus cabelos, ainda olhou-o surpreso, sem palavras, mas
gemeu e apertou as pálpebras quando encontrou a melhor posição e começou a mover-
se contra ele, ritmado, segurando as coxas bem desenhadas do menor e as empurrando
para frente, para conseguir atingi-lo mais profundamente. Os gemidos do mais novo se
tornaram mais frequentes, e apenas incentivavam Guilherme e ir mais rápido, mais
forte...

XxxX

"Nos conhecemos há oito meses. Não é cedo." Davi murmurou, aconchegando-se ao


namorado, após o sexo. Durara vários minutos, e fora maravilhoso. Ainda trocaram de
posição, Davi ficou de ladinho e Guilherme por trás. Guilherme acariciou os cabelos do
Davi, olhando-o de uma forma que enrubesceu as bochechas dele."Eu também te amo."
Davi confessou, escondendo o rosto no peito do mais velho. "E estou arrependido de
não ter aceitado transar mais cedo."

Guilherme riu e abraçou o menor.

"Que bom, porque eu vou querer de novo." Guilherme avisou, mordendo o ombro do
pequeno, que se arrepiou. "Não vou me saciar tão fácil, tenho três meses para colocar
em dia."

"Gui! Não sou uma máquina de sexo." Davi ergueu o olhar para ele.

"Se não é, não deveria ter um corpo assim." Guilherme o beijou, e sua mão boba
começou a acariciar a parte interna de uma das coxas do mais novo. Davi gemeu e
tentou se afastar, mas Guilherme o puxou de volta, pressionando os corpos.

"Gui...! Só espera um pouco, recém fizemos!" Davi espalmou uma mão no peitoral do
maior, e então se virou de costas para ele. Estava cansado, havia estudado noite adentro
para a prova de Cálculo II e não dormido nada, a dia fora tenso, e agora que haviam
voltado, confirmado o namoro e ainda transado, a sensação de alívio o relaxava como
uma droga para dormir.

Guilherme beijava seu pescoço e ombro.

"Já falei que tu ficou muito sexy com esse piercing no umbigo?" Guilherme perguntou
malicioso contra seu ouvido, e o virou de costas contra a cama, deitou-se entre suas
pernas e começou a beijar-lhe o umbigo, mordendo com cuidado o piercing em alguns
momentos.

Davi gemeu e dobrou as pernas, começando a ficar excitado.

"Já falou." Davi puxou o ar, e suas costas arquearam inconscientemente.

“Aposto que fez para me provocar.” Gui sorriu com ainda mais malícia, suas mãos
apertando com mais força o quadril, e Davi gemeu um “Não é verdade!” bastante tímido
e nervoso. E revelador. O maior riu sarcástico, deixando claro que não acreditava, e sua
língua provocou novamente o umbigo do menor. “Isso não vale...” Davi murmurou
manhoso.

"No amor e na guerra, vale tudo, não é assim?" Guilherme perguntou, debochado, e
começou a mordiscar toda a barriga lisinha e sensual do menor. Todo o corpo do Davi
despertou, principalmente quando as mordidas do namorado desceram para suas coxas,
lambidas provocaram sua virilha.

"Tu é terrível!" Davi reclamou. Estava cansado, mas já ardendo por outra rodada.
Depois que a dor cedera, fora tão, tão bom. Se sentia até idiota por ter demorado tanto a
ceder, e o Guilherme, no lugar de perder o interesse, como fora seu medo, parecia mais
interessado do que nunca. Mas se fizessem de novo, não conseguiria acordar cedo na
manhã seguinte para a aula. Não mesmo.
Guilherme o chupou por uns minutos, e depois o virou, deixando-o de bruços, e
começou a lamber-lhe entre as nádegas. Davi mordeu o travesseiro, abafando o grito,
ondulando o quadril. Quando já estava pedindo por mais do que aquilo, Guilherme se
afastou.

"Bem, me excedi, tu 'tá cansado." Ele disse, e sua voz era pura malícia e ironia. Davi
soltou uma lamúria.

"Não se faça!" Resmungou envergonhado, olhando-o por cima do ombro, mantendo-se


de bruços.

"Mas foi tu que disse! O que tu quer que eu faça?" Guilherme foi para frente, usando os
cotovelos de apoio e roçando os lábios na orelha do mais novo. Davi ronronou, queria
dizer, mas tinha vergonha.

"Faz de novo..." Murmurou, abaixando a cabeça quando Gui começou a beijar-lhe a


nuca.

"Fazer o que de novo, amor?" Ele perguntou, e Davi corou, pois ser chamado de amor
por ele soava tão gostoso e especial. Tomou coragem.

"Faz amor comigo de novo, Gui." Pediu virando o rosto para olhá-lo, e Guilherme
sorriu satisfeito antes de beijá-lo. Como alguém tão pequeno conseguia ser tão sexy?
Ele então colocou outra camisinha e, erguendo um pouco o quadril do Davi, voltou a
penetrá-lo, dessa vez entrando com mais facilidade.

Davi gemeu mordendo o lábio e quase desfaleceu, agora o prazer vinha rápido, em
ondas, causando-lhe espasmos incontroláveis. Guilherme o mordeu no pescoço, saiu um
pouco e voltou a se afundar em si, arrancando-lhe um grito. Ergueu a mão e agarrou os
cabelos do outro, virando o rosto para beijá-lo. Os próximos minutos foram intensos,
Davi tentava se agarrar a tudo que encontrava, tentando aguentar aquele prazer insano,
debilitante, estarrecedor que lhe queimava partes desconhecidas de si mesmo, e gozou
antes do Guilherme, tão sensível se sentia a cada toque e cada estímulo. Guilherme o
abraçou quando derramou-se dentro do mais novo, beijando-o longamente na nuca.

Davi não se arrependia de nada, Guilherme muito menos, por mais que jamais houvesse
se imaginado em um relacionamento gay; e continuaram com aqueles momentos de
reconciliação até madrugada adentro, ou conversando bobagens, ou se beijando, ou
voltando a se tocar, insaciáveis. Davi não saberia dizer em que momento caiu
profundamente no sono, aninhado ao maior, com um sorrisinho contente nos lábios.

Obviamente faltaram às aulas da manhã seguinte.

Notas finais do capítulo


Awn, que amados! *Mila jogando açúcar na cara dos leitores* Este foi o último extra
deles, espero que tenham curtido! Fiquei muito feliz com a resposta que esse casal teve
na história! Eles chegaram de metidos, mas tiveram uma boa recepção, obrigada! Ah,
agora, provavelmente, somente daqui duas semanas o próximo capítulo! Vou pra
metade final do módulo (esse semestre está dividido em cinco módulos de um mês) e a
metade final é a preparação para as três provas incrivelmente fodidas da última semana
do módulo, então próximo final de semana estarei afundada nos estudos! :3 Até lá,
amores! Beijos!

(Cap. 38) Perdendo o controle


“Tu ainda ‘tá nos teus tios?” André perguntou por celular.

“Aham, fiquei pra jantar e acho que vou acabar dormindo aqui mesmo e ir direto pra
faculdade amanhã.” Fafá contou. Havia passado o dia com os tios, estudado um pouco à
tarde e não estava a fim de voltar para seu apartamento minúsculo. “Por quê?”

“Erm... Eu posso passar aí e deixar o Sascha com teus tios por uns dias?” Perguntou, o
tom ganhando um ar de chateação. Não queria ficar longe do cãozinho.

“Acho que não tem problema não, meu tio adorou o Sascha, mas por quê?!” Fabrício
indagou sem entender, pois sabia que o loiro havia se apaixonado pelo filhote.
“Aconteceu alguma coisa?”

André suspirou ainda mais chateado.

“Vou ir aí então. Daí te explico...” Desligou.

Fabrício olhou para o aparelho como se admirasse um óvni e as tentativas de


comunicação de um extraterrestre, o que atraiu a atenção dos tios, sentados ao redor da
mesinha esperando sua vez no jogo de tabuleiro de zumbis que Diogo havia comprado
recentemente. As luzes estavam apagadas, apenas umas velas acesas, só para melhorar o
clima. Ideias do tio Diogo.

“O que aconteceu?” Henrique perguntou preocupado ao notar a expressão do garoto.

“Ele não explicou, mas disse que vai passar aqui... Perguntou se tudo bem para vocês
ele deixar o Sascha aqui por uns dias.” Fafá guardou o celular no bolso e deu umas
afagadas nas orelhas de Cherry, que estava empoleirada em cima da mesa olhando
fixamente para os bonequinhos do jogo. Diogo já havia reclamado que ela iria atacar e
comer as pecinhas em algum momento.

“Por mim, sem problemas. Cherry e Sascha vão voltar à velha rotina de ‘eu tento
brincar contigo e tu me esfola vivo’ tão particular deles, é um passatempo engraçado de
se olhar.” Diogo garantiu, se calando e prontamente se preparando para um ataque
quando Cherry desviou seus olhinhos negros mal-humorados em sua direção. “O que
foi? Vai dizer que eu estou mentindo, diaba?” Perguntou à gata, que miou insatisfeita
para o Fabrício, como se dissesse ‘livre-se desse humano!’.

“Que estranho... Algo deve ter acontecido, mas nos resta esperar.” Henrique comentou,
acariciando distraidamente a nuca do namorado enquanto Fafá fazia sua jogada. “Se ele
quiser, pode dormir aqui. Eu já vou ir me render daqui a pouco, meus olhos estão
pesando.”

“Os meus também. Vocês terão certa privacidade daí. Imagino que não tenham isso em
muitos lugares.” Diogo ponderou. Lembrava-se de seus primeiros meses de namoro, em
que ainda escondiam o relacionamento de muita gente.

“Na faculdade agimos como sempre, só em alguns momentos em que estamos só nós
dois rola um beijo ou outro, mas tudo rápido.” Suspirou. Sentia-se um pouco impaciente
com isso, tinha momentos em queria poder agarrar aquele loiro com maior liberdade.
“Mas ele ainda parece meio tímido com essas coisas...”

“Normal, Rique também era assim e depois virou um devasso.” Diogo garantiu
bonachão, dando de ombros como se informasse em que momento o namorado
começou a deixar os cabelos crescerem. Rique deu-lhe um tapa que arrancou uma
exclamação verdadeira de dor do tatuado, e dessa vez cherry miou com satisfação.

“Segure essa língua. E sim, isso é normal, Fabrício, ele não está acostumado a esse tipo
de intimidade com outro guri, e todos os anos em que ele se reprimiu sobre isso não vão
desaparecer magicamente em alguns dias... Mas isso vai mudar, e provavelmente não irá
demorar.” Piscou para o sobrinho. Rique lembrava-se de como se sentira tímido para
retribuir aos toques de Diogo e permitir-se inúmeras coisas nas primeiras semanas.

Fafá sorriu aliviado.

Era sempre bom conversar com os tios sobre isso, pois assim acabava com suas dúvidas
e receios. Vinha até pensando que o loiro talvez não estivesse curtindo tanto assim, pela
maneira como ele às vezes o repelia, ou ficava tenso com a proximidade. Ele admitir no
dia anterior pros amigos que estavam juntos o deixara mais tranquilo, mas ainda assim
se perguntava se estava fazendo algo de errado, já que o loiro nunca mais tomara uma
iniciativa própria.

Continuaram jogando por alguns minutos, batendo papo, até que a campainha soasse.
Fafá correu pra abrir a porta, e encontrou o loiro na entrada, abraçando fortemente o
labrador nos braços, parecendo prestes a chorar com a ideia de se separar do filhote.
Tinha uma expressão entristecida e – Fafá não conseguiu suprimir o pensamento –
terrivelmente adorável também.

“Trouxe ele.” Murmurou e pareceu ainda mais triste quando Sascha deu-lhe uma
lambida no rosto, notando a tristeza do dono e tentando consolá-lo. “Ele vai se esquecer
de mim se eu deixar ele aqui, né?”

Fabrício teve ímpetos de rir e abraçá-lo para enchê-lo de beijos.

“Claro que não!” Disse enfático, abafando os risos. “Vem, entra. Meus tios querem só te
dar um oi antes de irem dormir.”

André entrou e encontrou os tios do moreno na sala de estar escurecida.


“Estamos sem luz.” Fafá informou, explicando aquela escuridão, e Sascha se contorceu
no colo do loiro, querendo pular ao visualizar aquele pontinho branco minúsculo sobre a
mesa. E ele conseguiu de fato pular bem em cima da mesinha e espalhou as peças de
tabuleiro para tudo quanto era lado. Cherry rosnou e pulou da mesa, e os dois
começaram um pega-pega pela casa.

“Meu jogo!” Diogo exclamou quase caindo em cima da mesinha para abraçar o que
restava das peças. Havia pagado 250 reais naquele jogo de tabuleiro.

“Foi mau.” André mordeu o lábio.

“Não, não precisa se culpar. Foi minha culpa por não ter escondido a Cherry na privada
antes do Sascha chegar.” Diogo suspirou, enquanto Fabrício soltava uma interjeição
descontente. “E aí, meu garoto, como está? Estamos todos curiosos com o que
aconteceu.”

“Diogo! Não dá pra ser mais indiscreto?” Rique reclamou, irônico e retórico.

“Mais? Bem, então, já decidiram que vai ser o ativo, e quem será o passivo? Ou vai
rolar uma versatilidade aí? O Rique desde o início quis ser o-“

“Ok, chega. Acho melhor irmos dormir. Sinta-se em casa, André, qualquer coisa
estamos no quarto. E não se preocupe que o Sascha pode ficar aqui com a gente pelo
tempo que for necessário.” Rique foi falando enquanto empurrava Diogo em direção aos
quartos.

“Mas ele nem contou o que aconteceu ainda!” Diogo exclamou sussurrado, rindo da
indignação do outro e se encolhendo de possíveis tapas.

“Deixa de ser intrometido!” Henrique ladrou. “Boa noite, garotos.” Sorriu amavelmente
para os mais novos.

“Boa noite!” Os dois disseram juntos. Fafá se segurando para não rir, e André meio sem
jeito com tudo, e ainda chateado demais para achar qualquer coisa engraçada. Diogo
também desejou boa noite de uma maneira infeliz, o rabo entre as pernas enquanto os
dois ouviam Henrique sussurrar algumas repreensões para ele, até que o barulho da
porta do quarto batendo também chegasse aos seus ouvidos do corredor.

André caiu sentado no sofá. Não estava a fim de voltar para casa, apesar de que os pais
provavelmente já teriam se recolhido também. Fabrício sentou-se ao seu lado, ficando
preocupado com o jeitinho desolado do loiro. Acariciou-o na bochecha e depois na
nuca, chamando-lhe a atenção.

“O que houve?”

“Meus pais...” Engoliu em seco. “Eles voltaram...” Murmurou abaixando a cabeça. Fora
bastante súbito. Sabia que a mãe vinha se encontrando com alguém, porém jamais
imaginara que esse alguém seria justamente o ex-marido. André levou um grande susto
quando encontrou os dois em casa naquele domingo de manhã, quando voltava do
apartamento do moreno. Eles simplesmente atiraram a notícia em sua cara, e restou-lhe
fingir um sorriso de animação.

Suspirou profundamente e passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os.

“Talvez eu devesse estar feliz, mas não estou. Isso só piora as coisas, eu acho. E ele
disse que não queria mais o Sascha lá em casa quando voltou pra lá hoje. Nós brigamos,
e ele disse que era um absurdo manter o Sascha lá quando ele causava tanta irritação e
desconforto pra minha mãe. Como sempre ele ganhou a discussão, e eu só consegui
pensar nos teus tios.” André desabafou, e seus olhos lacrimejaram ainda mais. “Ele
nunca irá me aceitar. Vai me querer fora de casa assim como quis o Sascha quando
descobrir.” Murmurou, apertando o abdômen como se sentisse náuseas. “Nem ele, nem
minha mãe.” Tremeu e acabou abaixando o rosto, começando a chorar baixinho. Mesmo
tentando reprimir, as lágrimas eram mais fortes, graúdas e insistentes.

“Hei, hei. Calma! Não vale à pena ficar pensando nisso agora.” Fafá o abraçou,
trazendo-o para perto. André recostou a cabeça no peito do moreno, escondendo o rosto
e o abraçando também, com força. Estava assustado com aquilo. Fora bom ter o apoio
dos amigos, os amigos que lhe importavam – Leo, Nati, Tati, Davi, Lucas, Fran, Gabi,
todos esses os aceitavam. Mas não deixava de sentir medo da forma como os pais e o
resto da família o olhariam quando, e se descobrissem sobre sua orientação sexual.

“E-Estou assustado. Agora ele morando junto de novo será muito mais fácil de acabar
descobrindo. Sei que é egoísmo, mas preferia que eles continuassem separados.” André
lamentou, a voz entrecortada e falha pelo choro. Fabrício acariciava-lhe o braço e as
costas, e beijou-lhe entre os cabelos dourados.

“Ele não precisa descobrir nada, ao menos enquanto tu morar junto com eles. Não se
culpe tanto, tu sabe que eles estão errados por não aceitarem isso.” Tentou consolá-lo.
Conseguia compreender como ele se sentia, apesar de não ter as mesmas preocupações.
Ainda não havia contado aos pais, pretendia esperar um tempo, mas iria contar no
momento oportuno. Sempre haviam tido uma relação aberta e não queria esconder nada
deles.

“Eu sei...” André murmurou, fungando e tentando segurar o choro, apenas aproveitando
o abraço quente e reconfortador do outro. Sentia-se tão bem naqueles braços, era uma
sensação que mal conseguia explicar. Segurança. Onde experimentara isso antes? Em
nenhum lugar de que se lembrasse. Não queria largá-lo mais, nunca mais, e deixou os
braços subirem até envolverem o pescoço dele.

Ergueu o rosto, olhando na penumbra para aqueles olhos negros, que o encararam de
volta, cheios de carinho e apoio. Por que ele tem de ser tão perfeito? Perguntou-se
abismado, até mesmo um pouco aflito, e acariciou a bochecha do moreno, sentindo a
barba roçar na ponta de seus dedos. Seus lábios se encontraram sem que nenhum dos
dois soubesse dizer quem tomara a iniciativa para tal.

Era o beijo mais terno que trocavam até então. Calmo, lento, com o gosto salgado das
lágrimas que haviam molhado os lábios do loiro. Fabrício tocou gentilmente os fios
dourados, ainda tentando transmitir conforto ao outro. Nunca o vira tão triste e
vulnerável, e um instinto protetor tomou conta de si, deixando-o até mesmo meio
ansioso. Abraçou o loiro com mais força, puxando-o pela nuca e aprofundando o beijo,
conseguindo de André um gemido fraco.

Empurrando de leve o loiro contra o sofá, sem interromper o beijo, Fabrício se deitou
sobre ele, sem forçar nada, ambos apenas se deixando levar pelo momento. André sentia
arrepios com as voltas que a língua do moreno dava contra a sua, girando numa dança
lenta e íntima enquanto se tocavam sem pressa. Fabrício escorregou a mão até a coxa do
loiro e a ergueu, acomodando-se melhor contra ele, e André subiu as mãos pelas costas
firmes e definidas do moreno por dentro da camiseta, sentindo a pele quente.

Fabrício moveu-se contra o loiro e gemeu abafado, e André arrepiou-se com aquele
som. Após alguns instantes de troca de beijos, pôde sentir que o moreno começava a
ficar excitado, pressionando-se entre suas pernas e o deixando num estado similar.
Afundou as unhas nas costas dele, ouvindo-o gemer de novo, pois elas estavam um
tantinho compridas, precisando de um corte. Ele apertou-lhe mais a coxa em resposta,
sustando o beijo por um instante em busca de ar – em busca de algum freio para a
excitação crescente; e as respirações dos dois se misturaram, ofegantes, expectantes.

“Desculpa, acho que me aproveitei do momento. Eu-“

“Idiota.” André resmungou, seus olhos azuis parecendo ainda brilhar, umedecidos pelas
lágrimas de antes. “Não precisa se desculpar por isso...” Disse lembrando-se de ficar
encabulado, e suas bochechas pinicaram, principalmente pela posição em que estavam.
“Mas teus tios, eles-“

“Estão dormindo.” Fabrício garantiu. Diogo quando caía na cama não demorava cinco
segundos e virava uma estátua adormecida. Eram parecidos nesse ponto. Aliás, em
muitos pontos. “Tu quer ficar aqui mais tempo...?” Perguntou, por algum motivo
inseguro naquela noite em especial. Talvez porque o loiro havia chorado há pouco, e
não queria que parecesse estar apenas a fim de dar uns amassos com ele.

“E-Eu deveria ir para casa, mas ao mesmo tempo queria continuar aqui.” Murmurou e
mordeu o lábio, aliviado pela sala estar escurecida e Fabrício não poder notar o estado
afogueado de seu rosto. “Só... Continua me beijando mais um pouco.” O puxou para si
novamente, e dessa vez o beijo iniciou completamente diferente – forte, ansioso,
intenso.

As mãos do moreno se tornaram mais rudes, apertando o corpo do loiro com mais força,
e possibilidade de deixar marcas. André gemeu não conseguindo corresponder ao beijo
por um segundo, e Fabrício pareceu aprofundar mais a língua em sua boca, mal o
deixando respirar. Mordeu-o no lábio numa espécie de reprimenda, e estremeceu
quando sentiu as mãos dele erguendo sua camiseta, tocando-lhe o abdômen que subia e
descia rápido, como o peito, denunciando a respiração nervosa.

Fabrício desceu os lábios e lhe atacou o pescoço enquanto terminava de subir a


camiseta, e assim que todo o tórax do loiro estava exposto, ele desceu uma das mãos e o
tocou entre as pernas, massageando-lhe a ereção. André ofegou e fechou a mão em
punho, levando-a até a boca e mordendo-a, suas pernas involuntariamente abrindo mais
e sua outra mão parando numa das nádegas do moreno, enchendo a palma com a carne
durinha, apertando com vontade.
O moreno sorriu para isso e desceu um pouco mais, abocanhando um dos mamilos
rosados do loiro enquanto ainda o tocava de uma maneira estonteante. A barba roçando
ao redor do mamilo causou arrepios no loiro, e de alguma forma a língua contra a ponta,
provocando, também. Apertou os olhos e parou de morder a própria mão, descendo-a
para acariciar os cabelos negros. Remexeu-se embaixo dele, sentindo-se queimar,
desejando mais. Procurou a braguilha da calça dele, e Fabrício, notando sua intenção,
procurou a sua também, afobado.

Assim que libertos, Fabrício deitou-se novamente sobre o André, apoiando os


antebraços na almofada, de cada lado do rosto do loiro, seus olhares se conectando
numa expectativa sensual, enquanto suas ereções se tocavam sem nenhum impedimento.
André agarrou as nádegas do moreno de novo e o puxou contra si, criando aquele atrito
que tanto aliviava a tensão, quanto aumentava a necessidade de contato. Voltaram a se
beijar, enchendo a sala com os sons do beijo e dos gemidos roucos. Uma sorte que o
quarto dos tios fosse ao final do corredor, a uma boa distância, ou teriam de escutar
piadinhas do Diogo no dia seguinte.

A possibilidade de serem flagrados, de certa forma, aumentava a adrenalina e


expectativa que corria pelo sangue.

Fabrício acariciou o pescoço, depois o peito e desceu a mão pela lateral do abdômen do
loiro, uma carícia áspera, forte, que parecia querer marcar suas digitais na pele branca,
até envolver-lhes os membros e ajudar no atrito, movendo-se mais. André virou o rosto
para gemer, sua expressão vulnerável e afogueada causando um furor ainda maior no
moreno. Fabrício o beijou no pescoço e então, sem aviso, se afastou um pouco e virou o
loiro no sofá, que ficou de bruços, antebraços apoiados na almoçada alta.

André ofegou pego de surpresa por aquilo, e logo sentiu os lábios do Fabrício em sua
nuca, a mão na sua cintura e outra envolvendo novamente seu pênis. Ele se moveu e
pôde sentir o membro ereto dele roçar-se entre seus glúteos. Um calor explodiu dentro
de si, junto com certo pânico. Tudo que Davi lhe falara no dia anterior, sobre ser
passivo, enema, depilação, lubrificante, e mais todas as coisas com as quais ele lhe
‘assustara’ lhe encheram a mente, e toda a entrega de segundos atrás foi para o espaço.
Seu corpo tencionou e o nervosismo acabou brutalmente com a excitação.

Virou-se e empurrou um pouco o moreno, a mão espalmada no tórax dele.

“E-Eu acho que vou pra casa.” Falou levantando já arrumando as calças, e tomou um
susto ao ver o Sascha parado na porta da sala que a conectava à cozinha. O filhote o
olhou com uma carinha inocente. “Sascha, seu pervertido!” André resmungou e foi até o
cãozinho, que imediatamente se levantou, rebolou resfolegando até ele e caiu feito fruta
podre de novo, ficando de barriga pra cima assim que André se ajoelhou na frente dele.
“Se comporte, viu? Eu vou aparecer pra te ver sempre que possível.”

Fabrício se ajeitava também no sofá. Estava sentindo ganas de esmagar a própria cabeça
contra a parede. Havia abusado da situação e sabia disso. Teria assustado o loiro? Nem
pensara no que fazia, e mais um pouco e poderia ter acabado transando com ele ali
mesmo no sofá, tão tomado pela excitação ficara. A primeira vez dos dois não deveria
ser assim! Idiota descontrolado, se xingou imaginando que seriam essas exatas palavras
que André lhe diria.
Levantou-se quando o loiro se ergueu e se virou para si. Seu coração batia nervoso
também.

“Pode... abrir para mim?” André perguntou, coçando a nuca sem jeito. Fabrício assentiu,
e os dois foram até a porta de saída, ambos um tanto constrangidos. Fafá se martirizava
por ter perdido tanto o controle. Decidiu que isso não aconteceria novamente, saberia se
comportar nas próximas vezes.

Segurou o braço do loiro quando chegaram à saída.

“Desculpe por ter me excedido.”

“Já disse pra não pedir desculpas pra esse tipo de coisa!” André falou irritado, mas
somente porque isso o acanhava e não queria que o outro percebesse.

“Desculpa.” Disse de novo, e fechou um olho, sorrindo culpado coçando os cabelos ao


perceber que se desculpava de novo. André revirou os olhos, mas puxou o ar com força
quando o moreno o prensou contra o portão. “Eu não me importo de esperar o tempo
que for preciso até tu se sentir plenamente confortável com tudo isso, e preparado pra
dar o próximo passo...”

“Idiota!” André deu mais ênfase que o comum na palavra. Queria ir se esconder num
bueiro depois dessa. “Tu não facilita eu me sentir confortável falando essas coisas!”

“Desculpa...” O beijou no pescoço, roçando a barba ali e gerando arrepios violentos no


loiro.

“Já disse pra não ficar se desculpando, que saco!” O moreno começava a estressá-lo;
porém Fafá apenas riu e, roubando um selo, se afastou para abrir o portão.

“Até amanhã então.” Despediu-se do loiro encabulado e estressado. Sascha ganiu


lamentoso, denunciando que os seguira até ali.

“Awn, olha a carinha dele.” André, esquecendo-se de sua irritação, disse bobo ao olhar
pro cãozinho, vendo-lhe a expressão infeliz. Sua vontade foi de chorar de novo
abraçado ao labrador.

Fafá sorriu condescendente e pegou Sascha no colo.

“Não te preocupa, de jeito nenhum ele vai esquecer de ti.” Garantiu ao loiro. “Tu ainda
vai vir visitar ele com frequência.”

André ainda afagou o queixo de Sascha, sorrindo fraco, antes de sair pelo portão.

“Até amanhã, Fafá.” Despediu-se também e seguiu para o carro estacionado em frente à
casa. Riu balançando a cabeça, enquanto ligava o carro, ao ver o moreno segurando a
patinha de Sascha no ar, balançando-a para fingir que era o filhote que abanava.

Mas agora só conseguia pensar em uma coisa: precisava conversar com o Davi
novamente, e pedir ajuda em certos detalhes desagradáveis...
Notas finais do capítulo
Uma das minhas provas foi adiada, então tô mais tranquila, pude vir postar. Capítulo
curtinho! Mas espero que tenham gostado. Próximo cap. é bem comédia. haha!
Obrigada aos que continuam acompanhando, e comentando! Beijos, paixões!

(Cap. 39) Já sei beijar de língua


Notas do capítulo
https://www.youtube.com/watch?v=HNrgK8h2xBc - Música cantada pelo André. Nessa
versão mesmo. Dedico ao meu querido Thomás, porque ele pediu essa música!

André estava no primeiro andar de casa, sentado em frente ao balcão largo de granito do
ambiente que era sala de estar, cozinha e área de lazer, enquanto comia um torta de
frango feita pela emprega e assistia à televisão. Seus pais chegaram juntos pouco depois
que começou a comer, morto de fome após voltar da academia. Havia intensificado o
treino porque estava se achando muito magrelo perto do Fabrício. Apesar de, claro,
continuar achando que seu corpo beirava a perfeição. Poucos tinham a sorte de serem
assim, quase perfeitos.

Só não dizia completamente perfeito porque estava tentando melhorar e se tornar mais
humilde nos últimos tempos.

Estranhou o clima, notando que os pais desciam as escadas em meio a alguma


discussão. Por um momento, achou que era novamente aquelas discussões de casado, e
considerou bem rápido o retorno daquela rotina estressante, afinal, era recém segunda-
feira. Talvez eles terminem logo, pensou, mas se recriminou em seguida, principalmente
ao perceber que eles não estavam discutindo entre si, mas concordando com alguma
coisa que desgostava a ambos.

“O que aconteceu?” André perguntou desviando a atenção da televisão para eles e


terminando de engolir sua torta de frango. Que por sinal, estava deliciosa. Nesses
momentos, amava a dona Amélia.

“Tu não vai acreditar meu filho!” Cíntia disse, o nariz torcido pelo desgosto.
“Acabamos de ficar sabendo...!”

“Eu sempre soube que aquele rapazinho tinha algo de errado. E o Adriano o deixava
livre pra agir como bem entendia! Não surraram o garoto o suficiente enquanto era
tempo, agora isso. A Flávia sempre o mimou demais também.” Heitor falava, rude e
seco, um ar impassível.

“E-Estão falando do Lázaro? O que ele fez?” Algo dentro do loiro já sabia o que era.
Aqueles olhares de desgosto...

“Teus tios voltaram de viagem domingo pela manhã e encontraram um homem de mais
de trinta anos na cama com teu primo. É uma pouca vergonha!” Cíntia declamou,
ofendida. “Eu jamais esperaria isso, sempre achei o Lázaro um bom menino, apesar de
vocês dois não se entenderem. Não consigo acreditar que o Adriano e a Flávia o criaram
para isso.”

“E está explicado o porquê! André, tu acertou em cheio em não se envolver com aquele
ali. Estava certo o tempo todo, fico aliviado que-“

“Aliviado com o quê?!” André praticamente gritou, assustando aos pais. “Qual o
problema? Ele é gay, e daí? Não foi por isso que eu não me dava bem com ele, e sim
porque ele era um chato, não tinha nada a ver com a orientação sexual dele.” Defendeu,
em parte, o primo. Cada uma daquelas palavras chocadas e desgostosas dos pais
cravavam espinhos em seu peito.

“André, não erga a voz para nós. E tu me pergunta o que tem de errado? Tu sabe muito
bem o que tem de errado! Teu primo precisa de um psicólogo, nenhum homem de
verdade vai e acha bom dar a bunda para outro. Homem foi feito pra ficar com mulher,
e vice-versa, qualquer coisa que fuja disso vai contra a natureza.” Heitor determinou,
em um ar de ponto final. “Agora termine de comer e suba, antes que eu perca a
paciência.”

André riu debochado.

“Tu deve estar ficando louco, né? Acha que eu ainda tenho dez? Onze anos? Pra mandar
em mim desse jeito?” Perguntou cheio de escárnio, deixando o pai furioso e a mãe
horrorizada. “Fica dois anos distante, mal me manda um email durante todo o tempo em
que estive na Europa, e quer voltar pra essa casa e achar que pode sair jogando ordens
pra tudo que é lado? E contra a natureza? Tu tem ideia de quantos animais praticam a
homossexualidade na natureza?”

André se calou ao receber um tapa que lhe virou o rosto.

A bochecha latejou.

“É melhor tu me respeitar, guri insolente. É isso que acontece quando eu fico um pouco
distante? Começa a desrespeitar aos teus pais? Foi isso que tu fez ao teu filho enquanto
eu não estava por perto, Cíntia?” Heitor voltou-se aborrecido para a mulher.

“É claro que não. O André só deve estar estressado com o final do semestre na
faculdade...” Cíntia tentou explicar, consternada ao ver o filho apanhar. “Não bata no
nosso filho, Heitor.”

“Eu não bati metade do que ele merecia. Defendendo bichas agora? Não me diga que se
tornou uma?” O pai o olhou incisivamente, e André chegou a transpirar. “Já chega
disso, vá para o seu quarto e vamos fingir que essa conversa não existiu. Não quero
mais ouvir o nome do teu primo nessa casa. O Adriano e a Flávia que se virem com o
viado que criaram.”

André segurou a vontade de socar o pai. Saiu da mesa e praticamente voou escada
acima até o terceiro andar, entrando em seu quarto e se trancando ali, fazendo questão
de bater a porta. Sabia que discutir com o pai seria em vão e apenas deixaria Heitor e
Cíntia desconfiados. Atirou-se na cama de barriga para cima e tapou o rosto com o
travesseiro, suprimindo a vontade que tinha de gritar.

Como Lázaro havia sido idiota a ponto de continuar com aquele homem em casa, depois
do susto que dera nele? Ou o susto justamente o deixara inconsequente, achando que os
pais não apareceriam? Garoto estúpido, ele sempre havia sido meio burro e lento, e por
isso André achava-o insuportável, junto com outras razões – também era falso e
dissimulado. E agora deve estar pagando com juros por isso, o loiro pensou,
momentaneamente penalizando-se. Seus tios também eram homofóbicos; aliás, parecia
um mal de família.

E dois rapazes da ‘nova geração’ dos Santayana são gays, olhe que mundo irônico.
André teve ganas de gargalhar, mas sua garganta estava apertada demais para isso. Seus
pais haviam sido bons pais em vários quesitos, haviam lhe garantido educação, uma
vida confortável, mas em outros... Eu deveria sair dessa casa. Ir morar sozinho. Pensou
determinado. Mas com qual desculpa? Ainda dependia financeiramente dos pais, pois
não trabalhava e a medicina ocupava seus dias quase por inteiro. Cíntia não iria querer
que se mudasse.

Ficou com vontade de entrar em contato com o primo. Seria ele expulso de casa? Como
ele estaria? Teria apanhado do tio Adriano? No entanto, não tinha intimidade nenhuma
com o primo para ir conversar com ele e, até onde Lázaro sabia, ele continuava o
mesmo filhotinho de homofóbico de antes. Como eu pude ser dessa maneira antes?
Que nojo. Sentiu raiva de si mesmo novamente e socou o travesseiro, atirando-o longe.

E o pior é que ainda precisava estudar para a maldita prova de neurofisiologia e agora
não tinha cabeça nenhuma para isso. Sentia raiva dos pais, dos tios, e era inevitável a
preocupação com o primo, mesmo que continuasse não gostando dele.

Porque afinal, sentia que passaria pela exata mesma situação no futuro.

XxxX

Davi precisava ser sincero. Jamais imaginaria que André ligaria pedindo por sua ajuda.
Essa certamente era a melhor vingança que poderia desfrutar depois da forma como ele
agira – apesar de já o ter perdoado. Agora se dirigiam a um estúdio de depilação perto
de sua casa, no bairro Bela Vista. Uma mulher de confiança, livre de preconceitos, um
verdadeiro amor de pessoa, cujo apelido era Neca, era a dona do lugar. O bom era que
ela atendia apenas uma pessoa de cada vez, em horários pré-marcados, ou seja, ninguém
veria dois garotos entrando no estúdio.

“Eu juro que te odeio nesse momento. Muito. Demais. Absurdamente. Por que tenho de
me depilar?” André perguntou. Não sabia por que estava sendo tão influenciável, porém
Davi o havia assustado com certos detalhes, e como se sentia inseguro com aquilo tudo,
estava caindo na ladainha dele. E outra, estava fazendo tal coisa simplesmente para
desafiar o pai. Mesmo que o Heitor sequer desconfiasse com o que iria gastar sua parte
de sua tarde.

“Por quê?! Ora, quando tu transava com garotas, tu gostava delas peludas lá embaixo? E
é mais higiênico, sabe. Depois ele vai fazer um beijo grego e é melhor sem pelos. Pelo
menos eu acho, né. Experimenta e depois tu vê o que acha. Depois vocês podem
conversar sobre isso também.” Foi falando enquanto dirigia, para finalmente estacionar
em frente ao estúdio camuflado. Apenas olhando, ninguém diria que o lugar era algo
além de uma casa comum.

“Até parece que eu vou conversar com ele sobre isso. Imagina: “Fabrício, tu prefere cu
com pelo ou sem?” ARGH, que raiva. Por que fui me enfiar num relacionamento gay?”
Bufou inconformado, cruzando os braços sobre a barriga. “É tudo mais complicado, e
ainda por cima serei o passivo.”

“Ué, mas se tu quer ser ativo também, vocês podem ser versáteis, oras.” Davi sugeriu
com ar de obviedade entediada, e desligou o carro, descendo em seguida. André tirou o
cinto e o seguiu, evitando comentar que, quando estava dando uns malhos com Fabrício,
não conseguia nem pensar em ser ativo, só queria que o moreno o pegasse forte, o
beijasse e... Eu não acredito que estou pensando nisso! Xingou-se com todos os
palavrões de sua listinha especial – que não era nada pequena.

Quando Davi tocou a campainha, André tentou fugir.

“Eu não quero mais. O Fabrício que me tolere com pelos.” Deu meia volta, mas Davi
segurou-lhe o pulso, rindo.

“Ah não, agora tu veio até aqui, fez eu perder o meu tempo, vai ir até o final!”

“Tu nem precisava ter vindo, era só ter me passado o maldito endereço!” André o
acusou estreitando os olhos, mas já não tentava fugir. Por enquanto.

“E perder essa oportunidade? De jeito nenhum. Aliás, diretos iguais né? Se tu ‘tá aqui te
depilando, pode mandar o Fabrício ir tirar o excesso de pelo também.” Davi comentou,
afinal, havia feito certos pedidos ao Guilherme, pois não curtia pelo demais.

“Ele já é.... b-bem aparadinho lá embaixo e... Eu acho a-atraente como é.” André corou
e gaguejou, desviando o olhar. Davi o olhou impressionado, jamais imaginaria que o
loiro poderia ser tão fofinho.

Gargalhou sem conseguir se refrear, e foi fuzilado pelo olhar azul do outro.

“O que é tão engraçado?!” André vociferou, apertando os punhos.

“N-Nada não!” Davi exclamou em falsete, e foi quando a porta foi liberada para que
entrassem. Chegaram aos fundos da casa onde havia um estúdio pequeno, mas arejado e
bem limpo e organizado. Neca, que deveria estar pelos seus mais de quarenta anos, os
recebeu com um sorriso repleto de simpatia.

“Davi, meu anjinho.” Ela foi dar beijinhos no garoto. “Veio acompanhar teu amigo,
então? Ah, que graça. É a primeira vez, não é, André?” Ela já havia se interado do nome
do loiro antes.
“É sim.” André disse infeliz, morrendo de vergonha, mesmo que fosse apenas a Neca
ali, e Davi ainda houvesse lhe contado que ela era lésbica e morava junto com a mesma
mulher há vinte anos. Era constrangedor ainda assim.

“Então, o que vai ser exatamente?”

“Ele quer ter a primeira vez com o namorado. Então faz o mesmo que comigo, que ‘tá
perfeito.” Davi cantarolou indo se sentar para aguardar o loiro.

“Hei, espera! Como ela faz contigo!?” André quis saber, mas Neca começou a empurrá-
lo para a salinha da tortura. Ou melhor, da depilação.

“Não se preocupe, meu bem. Isso nem vai doer muito. Vou te deixar prontinho pro teu
namorado!” Neca garantiu exultante. Ela parecia ter um brilho sádico no olhar, ou era
apenas impressão?

André estava quase gritando por socorro, mas ele gritou mesmo foi quando a mulher
arrancou com a cera a primeira leva de pelos. Davi abafou a risada ao escutar o berro do
outro que, basicamente, afirmava que seus dias estavam contados.

“DAVI, EU VOU TE MATAR!”

Davi pegou uma revista para ler.

XxxX

“Não. Não. Não. Não. Já chega, okay? Eu decidi, vou terminar tudo com o Fabrício
assim que encontrar com ele.” André ia falando enquanto era arrastado por Davi até
uma sex-shop.

Davi ignorou aquilo, sabia que o loiro não conseguiria terminar com o amigo de
infância. Não depois do que ele lhe relatara. André havia lhe contado boa parte do que
havia acontecido desde que ele e o Fabrício haviam se reencontrado. Afinal, era o
mínimo que poderia fazer: explicar como de homofóbico acabara num relacionamento
gay. Davi também contou sobre o Guilherme e, apesar de o loiro ficar bastante
desconfortável com aquela conversa, o menor mantinha a naturalidade, o que ajudava a
dissipar qualquer clima estranho.

“Tu tem que comprar lubrificante e camisinhas. Podemos comprar outros acessórios
também. Depois passamos na farmácia pra comprar teu kit de enema.” Davi comentou
com aquele ar de simplicidade que exasperava o loiro.

“Jamais deveria ter pedido pela tua ajuda.” André resmungou, infeliz. Principalmente
porque Davi lhe explicara com mais detalhes como funcionava um enema, e ele não
gostara nadinha, nadinha dessa história. Ele quase mandou Davi enfiar aquele enema no
cu, mas bem, esse era justamente o propósito do acessório.

“Deixa de ser reclamão! Meu Deus, eu tinha me esquecido de como tu é dramático! Me


pergunto como o Fabrício vai te aguentar, haja paciência naquele corpo, viu?” Davi
exclamou e empurrou o loiro para dentro da sex-shop.
“Sou eu quem tem de aguentá-lo! Não o contrário! Que absurda a tua forma de pensar.”
André declarou afrontado, e olhou ao redor, logo se deparando com um atendente um
tanto estranho. Parecia um maníaco sexual, de barba longa, um colete de couro preto,
calças de aspecto sujo, olhos negros e atentos. Havia um senhor sendo atendido pelo
homem. André entreouviu a conversa. O senhor, que deveria ter seus sessenta anos,
pedia por filmes pornôs.

Davi abafou uma risadinha.

“Quem hoje em dia ainda compra filmes pornôs?” André sussurrou para o Davi, que
concordou.

“Aparentemente, o tiozão ali.” Davi foi pegar o lubrificante – aproveitando para pegar
mais de um tubo e algumas camisinhas especiais, mais confortáveis para sexo gay. E
capturou na estante também uns óleos que gostava de usar no Guilherme. André estava
xeretando sobre seu ombro.

“O que é isso?” Ele sussurrou, como se falar alto ali dentro fosse perigoso.

“Uns óleos aromáticos, com gosto e que esquentam. Gosto de usar no pên-“

“AH! Não termine essa frase, por tudo que é sagrado nessa vida!” André exclamou
dramático, esquecendo-se do perigo e tapando os ouvidos enquanto se afastava. Acabou
batendo as costas no senhor que havia pedido pelos vídeos pornôs. Virou-se assustado e
o velho o olhou de cima abaixo.

“Tu gosta de pornô?” Ele perguntou conspiratório, e André quis ir enfiar a cabeça numa
privada.

“Erm... Não.” Falou para não dar mais corda ao homem. Ele o encarou com evidente
desprezo por não ser um apreciador da maravilhosa indústria pornográfica.

“É, tu não tem mesmo cara de quem gosta de pornô.”Ele deu de ombros e se afastou,
carregando feliz a sacolinha com seus recém adquiridos vídeos de putaria. André
definitivamente queria apagar para sempre aquele dia de sua vida.

Davi saltitou até o balcão e pagou pelos produtos.

“Quando tu estiver mais soltinho, vamos vir aqui juntos para comprar outras coisinhas!”
Ele sugeriu com um sorrisinho divertido que claramente debochava da cara do loiro,
apesar do André saber que ele não estava debochando, falava sério sobre virem ali dali
uns meses.

“Vai sonhando. Eu nunca mais vou repetir nada disso na vida.”

André não sabia do pior. Ainda tinham de passar na farmácia, porém felizmente Davi
comprou o kit em seu lugar, não parecendo constrangido ao pedir aquilo à atendente.
André se manteve afastado, para a moça não pensar que eram namorados.
“Pronto, André, depois de usar isso, não tem mais chance de passar cheque!” Davi
exclamou alegremente quando saíam da farmácia.

“Passar o qu-? Ah, esqueça, prefiro nem saber.” André grunhiu ao entrar novamente no
carro. É bom que o sexo seja incrível, memorável, espetacular, abissalmente gostoso, ou
eu vou atirar o Fabrício no Guaíba depois das vinte e sete facadas que vou dar nele por
me fazer passar por tudo isso em vão, resmungou mentalmente, mesmo que o Fabrício
não houvesse pedido por nada daquilo.

Era melhor do que pensar que estava fazendo tudo por contra própria para agradar ao
moreno.

“Então... Acho que terminamos. Como estão os fundilhos? Depilar nem dói muito né?”
Davi, ao ligar o carro, perguntou, e isso que ele se depilava inteiro. Realmente não
gostava de pelos, só gostava dos do namorado, e olhe que ainda o mandava aparar.

“Nem dói? NEM DÓI?” André exclamou alterado, virando-se no banco do carona para
fuzilar o Davi, só não o matava ali mesmo porque ele já colocara o carro em
movimento. Davi se encolheu um tanto. “Está tudo latejando até agora!”

“Ah, tu mal deve ter pelos, já quase não tem nos braços e nas pernas. Deixa de ser
exagerado. Eu te ajudei, não ajudei? Gastei minha tarde de quarta-feira pra isso.” Davi
disse de uma forma que deixava claro que esperava algum agradecimento.

Que obviamente não aconteceu.

“E não se esquece de usar aqueles cremes que compramos. Não vai querer a região
irritada, coça e fica desconfortável, sabe? Tem que deixar hidratado.” Davi
complementou, sábio.

André bufou sonoramente e afundou no banco.

XxxX

Fran olhou chocada para a amiga.

“Como assim vai ir pra Pelotas esse final de semana?” Perguntou desconfiada.

Gabriella corou e passou a mão pelos cabelos ondulados, forçando uma risada.

“Vai eu e o Beto. Já combinei com ele.”

“Tu vai ir encontrar a Daniela? Vocês estão em alguma espécie de relacionamento à


distância, ou coisa parecida?” Fran perguntou ainda sem acreditar. Apenas havia visto
ela e Daniela se beijando naquela festa na piscina, não achou que elas continuariam dali.

“Beto quer muito ir ver o Milo. E eu... A Dani me convidou para ir lá, conhecer a
cidade. Será legal!” Sorriu larga e inocentemente, e Fran suspirou. Não gostava da
Daniela, mas estava na hora de aceitar que a amiga gostava, e talvez até de uma maneira
diferente. Sabia que não gostava por preconceito prévio e por ciúmes da amiga, mas
sempre tivera dificuldade de mudar de opinião depois que pegava antipatia por alguém.
Era um defeito seu.

Sentaram-se num dos bancos de pedra que se espalhavam pelo Campus Centro após a
aula de histologia, aproveitando o solzinho da tarde que ajudava a amenizar o frio antes
da aula de fisiologia dali a vinte minutos. Começaram a discutir sobre o final do
semestre. Ainda tinham umas cinco semanas de aula, e várias provas pela frente. Só de
pensar, sentiam-se cansadas.

“Ao menos não pegamos recuperação em neurofisiologia. Agora quero ir na festa dos
cem dias pra comemorar!” Gabi decidiu. A festa dos 100 dias tinha esse nome, pois era
feita pela ATM cuja formatura seria dali a cem dias. Todas as festas da medicina eram
feitas por alguma ATM, com objetivo de conseguir dinheiro para a formatura.

“Ah, mas a festa dos cem dias é à fantasia. Já usei a única fantasia que eu tinha lá no
Intermed.” Fran fez beiço.

“Isso dá-se um jeito. Oh, ali os guris!” Ergueu o braço e fez sinal para os três, que se
aproximaram junto com outros dois colegas, João e Chico. “Guris, vocês vão no 100
dias?”

“Bah, eu não vou.” Chico falou com uma carinha triste. “Vou viajar pra Canela esse
final de semana. Ver a família.”

Gabi lhe mostrou língua.

Rafael sentou-se ao lado da Fran, passando um braço pela cintura dela. Estavam
ficando, mas geralmente não passavam desses carinhos eventuais na faculdade. Fran
corou sem jeito, mas sorriu. Rafael havia tomado uma atitude e convidado a garota pra
sair logo depois do Intermed, e ela não conseguira recusar. Foram ao cinema e depois a
um barzinho, acabaram ficando novamente, e estavam nessa desde então.

André se sentou também, Fabrício ficou em pé em frente a eles.

“Bah, loucura gurizada, tinha até esquecido! É essa sexta? Ah, eu vou, quando eu não
vou? Vamos sim, né? Ou não?” Fafá disse daquela sua maneira que não confirmava
nada.

“Eu não ‘tava muito a fim de colocar uma fantasia de novo, mas se vocês forem, eu vou
também.” André assentiu, apoiando um braço no ombro da Gabi, que o empurrou no
mesmo instante.

“Eu acho que vou de super-homem. O que acham? Eu com aquela cuequinha? Ninguém
vai conseguir manter as mãos longe.” João falou. Sempre falava bobagens e fazia-se de
irresistível, apesar de ele mesmo admitir vez ou outra que não era nem de perto o que
dizia ser.

“Vai nessas, JP.” Fran revirou os olhos.

“É mais fácil não te deixarem entrar na festa.” Gabi alertou.


André pegou o celular quando ele vibrou no bolso. Olhou o facebook e viu que um dos
colegas avisava que não haveria aula de fisiologia, pois a professora fora para um
congresso de endocrinologia e não conseguira um substituto. Depois da neurofisio, viera
a fisioendócrino, que também era difícil, mas zilhões de vezes mais fácil comparada à
primeira. Quando avisou aos colegas que estavam liberados da aula, foi aquela festa,
todos contentes por poderem ir para casa antes das três da tarde, em vez de saírem de lá
às seis.

“Tu quer ir lá em casa agora?”André perguntou num sussurro ao Fabrício. “Meus pais
não vão estar lá...”

Fabrício não precisou pensar duas vezes.

XxxX

André sentiu falta de chegar em casa e ser recepcionado por Sascha, como acontecia
desde que entregara o cachorrinho aos tios do Fabrício. Olhou para o moreno quando
desceu da moto, vendo-o tirar o capacete. Agora sempre levava um capacete extra no
pequeno compartimento de carga da moto - às vezes precisava dele para carregar livros
ou outros materiais.

“Deveríamos ter ido pros teus tios, eu poderia ver o Sascha.” Comentou, chateado.

“Podemos ir agora, eu não me importo.”

“Hmmm... Não, mas eu quero ter um tempo apenas nós... Erm... Bem, vamos entrar
logo.” Disse caminhando para dentro da casa. Subiu direto para o segundo andar ao
perceber que a Amélia estava na área de lazer mais abaixo, passando roupa. Jogou-se no
sofá da sala de estar puxando Fabrício junto. “Que saco, me esqueci da empregada.”

“Ela é fofoqueira?” Fafá perguntou divertido, sentando-se propositalmente próximo do


loiro.

“Não sei, mas se meus pais perguntarem alguma coisa, ela vai contar.” André não
duvidava, afinal, eram eles que pagavam o salário dela. Mordeu o lábio ao perceber que
o moreno começara a acariciar seu rosto e cabelos com a ponta dos dedos.

“Podemos ir pro quarto.” Fafá comentou como quem não quer nada, o timbre suave e
próximo, e roçou os lábios em sua orelha. Pinicou, e André se encolheu. Aquela barba
por fazer sempre lhe causava arrepios. Puxou fundo o ar antes que os lábios do moreno
cobrissem os seus, num beijo lento, mas quente. Segurou-lhe a nuca, arqueando
levemente a coluna ao sentir a mão dele acariciar-lhe o abdômen.

Fabrício virou mais o corpo, aproximando mais seus corpos e afundando a língua na
boca do loiro de tal forma que a cabeça do André foi forçada para trás e afundou uns
centímetros no estofado. André segurou a cintura do Fafá, quase se esquecendo de que
não estavam sozinhos naquela casa, mas assim que se lembrou, afastou o rosto
suavemente, corando ao ver o moreno sorrir, de olhos ainda fechados, como se ainda
aproveitasse a sensação deixada por aquele contato.
“Hmm... Tem certeza de que não quer pro quarto?” Fafá perguntou baixo, num sugestão
rouca, ao voltar a aproximar os lábios da orelha do loiro, roçando-os na bochecha e
pescoço do André. Este se eriçou inteiro, sua jugular pulsando de uma maneira que
poderia ser considerada patológica.

“Estou te devendo uma música!” Se levantou rapidamente, lembrando-se daquilo ao


olhar para o piano de cauda da sala. Foi até ele e se sentou no banquinho, quase feliz por
ter alguns minutos para se acalmar. E, de qualquer forma, tinha aquilo em mente quando
convidara o moreno. Fabrício logo se sentava ao seu lado. “Tu quer que eu toque
agora...?”

“Claro! Eu tinha esquecido que tu ‘tava me devendo uma música. Tu fica muito bonito
tocando, quando tocou Epitáfio pro Davi, eu adorei...” Fafá sorriu largamente, ar de
meninão quando André o olhou de esguelha, meio constrangido com o elogio, mas ao
mesmo inflando as narinas com orgulho.

“Realmente, eu toco muito bem, mas já treino há oito anos, tocar bem seria o mínimo
depois de tanto tempo, ou eu já teria desistido.” Endireitou as costas, adquirindo uma
aura pomposa. Fafá riu do jeito esnobe do loiro, que de certa forma tentava esconder o
constrangimento. Ele ainda não sabia lidar bem com seus elogios. “Eu treinei essa
música essa semana pra tocar pra ti...” André admitiu, e mordeu rapidamente o lábio
inferior. “Só lembre que eu não canto nem um terço tão bem quanto tu.”

“Eu gosto da tua voz.” Fafá sussurrou ao ouvido do loiro ao passar um braço pela
cintura dele.

André sentiu um formigamento espalhar-se por sua orelha e regiões próximas, mas se
aprumou novamente, pigarreando. Esticou os dedos finos e longos, considerando que a
palma era pequena, e começou a passear pelas teclas, como se conversasse com elas. A
música Fafá reconheceu rapidamente, apesar de mais acústica – Use Somebody, do
Kings of Leon.

I've been roaming around

Tenho andado por aí

Always looking down at all I see

Sempre menosprezando tudo que vejo

Painted faces, fill the places I can't reach

Rostos pintados, preenchendo lugares que não alcanço

You know that I could use somebody

Você sabe que eu preciso de alguém

You know that I could use somebody


Você sabe que eu preciso de alguém

André cantava calmamente, envolvido pela música, seus dedos seguindo as teclas como
se elas os chamassem e adorassem seu toque suave e gracioso. Sua voz era um pouco
mais aguda que a do Fabrício, mais sussurrada enquanto cantava, mais cuidadoso ao
articular cada palavra ritmada, esforçando-se para manter a afinação, mas nem por isso
tornando a canção forçada. Pelo contrário, dedicava-se aquilo com atenção, cuidado,
sem pressa, sentindo a canção, e Fabrício o achava lindo daquela forma.

Someone like you, and all you know, and how you speak

Alguém como você, tudo que você sabe, como você fala

Countless lovers under cover of the street

Amantes incontáveis disfarçados nas ruas

You know that I could use somebody

Você sabe que eu preciso de alguém

You know that I could use somebody

Você sabe que eu preciso de alguém

Someone like you

Alguém como você

Someone like you

Fabrício estava se emocionando com aquilo. Aquela letra era tão linda e, de fato,
parecia se encaixar tão bem para o loiro. Para os dois. André o olhou de esguelha no
momento de pausa, as bochechas visivelmente avermelhadas, e Fabrício suspeitava que
as suas não estavam muito diferentes. Sorriu para o loiro, que desviou rapidamente o
olhar, continuando a cantar, agora de olhos fechados e a testa vincada em concentração.
Mas Fafá percebeu que ele estava se esforçando para não sorrir também e perder o ritmo
da música. Seus dedos tremiam de leve, apesar de não errar o ritmo, ou as teclas.

Off in the night, while you live it up, I'm off to sleep

Saio andando pela noite, enquanto você vive, vou dormir

Waging wars to shake the poet and the beat

Começando guerras para sacudir o poeta e a batida

I hope it's gonna make you notice

Espero que isso faça você notar


I hope it's gonna make you notice

Espero que isso faça você notar

Someone like me

Alguém como eu

Someone like me

Alguém como eu

Someone like me, somebody

Alguém como eu, alguém...

Fabrício estava com uma vontade irresistível de tocar o rosto absorto do loiro, sentir a
pele macia na ponta de seus dedos, beijar as bochechas avermelhadas ou os lábios
rosados com os seus. Abraçá-lo... mas sabia que isso o atrapalharia, então se conteve,
concentrando-se em apenas olhá-lo e deixar a música fluir entre os dois.

I'm ready now, I'm ready now, I'm ready now …

I'm ready now…

I'm ready now, I'm ready now, I'm ready now …

I'm ready now…

Estou pronto agora…

I've been roaming around

Always looking down at all I see…

Painted faces, fill the places I can't reach

You know that I could use somebody…

André terminou a canção, deixando os dedos descansando sobre as teclas – eles ainda
tremiam –, e respirou fundo antes de encontrar coragem de abrir os olhos e olhar para o
moreno. Assim que o fez, viu-o sorrindo e o olhando de uma forma que espalhou uma
emoção lancinante, quase deliciosamente sufocante, por seu corpo. Suas coxas se
tocavam, sentados lado a lado como estavam, e Fabrício ergueu a mão e tocou-lhe o
rosto, de uma maneira doce.

“Vou dar um jeito de te cobrar mais músicas.” Fafá garantiu, sorrindo. André sorriu de
volta, sentindo aquela tensão pré-beijo instalar-se entre eles. Sentiu como se fosse beijá-
lo pela primeira vez, suas mãos suavam e o coração batia convulso. Queria mais que
tudo beijá-lo, seus lábios formigavam e já podia sentir o perfume do moreno inebriando
seus sentidos.

Mas pulou pra trás, quase caindo do banco, ao ver Heitor subindo as escadas, e parando
ao encontrar os dois rapazes.

“P-Pai? O que está fazendo aqui?!” Perguntou, a voz falha e os olhos completamente
arregalados.

XxxX

[...]

Heitor chegou de Porto Alegre e perguntou à Cíntia onde estava o filho. Ela acabou
admitindo, depois de tentar desviar o assunto, que ele estava provavelmente na casa do
filho dono da padaria da cidade. Padaria! Heitor brigou com a mulher, não gostava de
gente de classe baixa, achava-os péssima influência para o filho tão novo. A cada dia
tinha mais certeza de que precisavam se mudar para a capital, onde o filho teria uma
educação mais adequada e entraria em contato com amigos de pais mais abastados. Não
a ralé.

Foi até a bendita padaria por ele próprio e, ao entrar, deparou-se com o garotinho, filho
do padeiro, tentando tocar alguma coisa no violão para o André, que estava sentado no
sofá numa área mais aconchegante do lugar, bastante atento e curioso. O menino, que
deveria ter a idade de André – nove anos – começou a tocar e cantar.

Já sei namorar
Já sei beijar de língua
Agora só me resta sonhar
Já sei onde ir
Já sei onde ficar
Agora só me falta sair

Heitor achou a escolha da música um absurdo para crianças daquele tamanho. Mas por
algum motivo, continuou observando a cena, com curiosidade. O garoto moreno se
atrapalhou pela metade da música e esqueceu o resto da letra. Reclamou, mas André
apenas riu, e olhou curioso para o rapaz.

“Mas então...Tu já sabe namorar e beijar de língua?” O loiro perguntou, repleto de


inocência. Fafá corou e coçou os cabelos, sem saber muito bem o que dizer. Era
evidente que nunca fizera nenhuma daquelas coisas.

“Já.” Ele disse mesmo assim. “Eu sei beijar de língua!”

“Duvido!” André disse sem acreditar, empinando o nariz. “Nunca que tu vai aprender a
fazer alguma coisa antes de mim!”

“Mas ‘tô falando a verdade!” Fafá garantiu, meio envergonhado por ter mentido. Num
rompante de impulsividade, segurou o rosto do loirinho. “Vou te provar!”
André arregalou os olhos, mas na curiosidade inocente da infância, ficou parado e
entreabriu a boca. Foi puxado pelo braço antes que o Fafá se aproximasse.

“Que pouca vergonha é essa?” Heitor perguntou, furioso com o que havia visto. Seu
tom atraiu o pai do Fabrício, Lucas, que estivera atendendo a uma cliente no balcão.

“Algum problema por aqui, Sr. Heitor?” Ele perguntou educadamente. Aquele homem
era o mais rico e influente da cidade, obviamente que o conhecia.

“O seu filho estava tentando dar um beijo de língua no meu. Bem na sua cara. Uma
pouca vergonha!” Rosnou para o outro, torcendo os lábios.

“Devia ser apenas brincadeira de criança, não tem porque ficar tão irritado e ofendido.
Eles nem deviam saber direito o que faziam.” Lucas tentou apaziguar os ânimos do
homem.

“Pode ser brincadeira para ti, mas eu não vou deixar meu filho na presença de um
gayzinho que está claramente tentando influenciá-lo para o mau caminho. Tenha uma
boa tarde.” Disse, apesar de não ter um pingo de educação na voz, e arrastou o filho
para fora da padaria, não se importando com o brilho irritado que queimou nos olhos
negros do dono do lugar.

Quando estavam no carro, Heitor olhou para o filho pelo retrovisor.

“Tu nunca mais – nunca mais – faça uma coisa dessas. Beijar outro garoto é errado, eu
já te disse isso antes, mas parece que tenho de reforçar. É bom que não permita algo
assim de novo, ou vou ter de te corrigir na base de surra.” Deixou bem claro pra o filho.

André estremeceu e assentiu, segurando o choro. Tinha muito medo do pai quando ele
usava aquele tom.

“E não quero que se encontre mais com aquele garoto. Ele é má influência.”

André concordou novamente, em silêncio, mas isso ele sabia que não poderia cumprir.
Motivo por que o pai acabou tão irritado ao flagrá-lo uns meses depois descendo a
lomba com o mesmo rapaz, logo antes de se mudarem para Porto Alegre, algo que
Heitor começara a planejar desde aquele primeiro flagra.

Notas finais do capítulo


SOCORRO! *fugindo de tudo e todos* Só digo uma coisa: Até o próximo cap.! E feliz
páscoa!!! Beijos!

(Cap. 40) Puro magnetismo


Notas do capítulo
Agradeço IMENSO pelas TRÊS (!) recomendações que recebi. Obrigada à RSS,
Heiwajima Haruhi e Sai! Nossa, babei nelas, lindas demais! Obrigada!!! Capítulo
dedicada a vocês!

Heitor ainda demorou uns segundos para responder, seus olhos claros e impassíveis
movendo-se do filho, para o Fabrício, que se levantara também, sabendo tanto quanto o
André como agir em tal situação, ou seja, não tinha a mínima ideia.

Heitor andou alguns passos, afastando-se da escada.

“Cheguei mais cedo do trabalho. Então, não irá me apresentar seu amigo?” Ele
perguntou. Seu tom parecia normal, mas o André reconhecia aquele ar neutro, de cão
farejador dele.

“Pai, esse é o Fabrício, um amigo da faculdade. E Fabrício, esse é meu pai, Heitor.”
André apresentou, tenso. Lembrou-se da cena do livro Dom Casmurro, em que a Capitu
é quase flagrada pela mãe dando um beijo em Bentinho, e desejou ter o poder de
dissimulação da personagem e não ficar com as mãos trêmulas como estava. Colocou-as
nos bolsos.

“Prazer, senhor.” Fabrício estendeu a mão e apertou a do pai do André. Ele o olhou por
uns momentos, fixo, até reconhecê-lo.

“Era o amiguinho de infância do meu filho.” Ele disse, e não havia nenhum agrado em
tal confirmação. Fabrício sorriu amarelo; lembrava-se pouco daquele homem, mas as
lembranças que tinha não eram das mais agradáveis. Ele parecia sempre mal-humorado,
e não de uma maneira engraçada como o André. Parecia um cão de caça brabo. Mas não
seria ele, claro, a falar ao Heitor sobre esses pequenos detalhes mundanos.

“É, nós nos reencontramos na faculdade.” Fafá aquiesceu.

“Oh, que inusitado. Quem diria.” Heitor sorriu seco. “É um prazer revê-lo.”

“O prazer é meu.” Fafá falou o que era de praxe.

“André, eu estava pensando em irmos hoje assistir a um jogo de vôlei que vai ter no
Ginásio Tesourinha, pelo campeonato brasileiro. O que me diz? Podemos aproveitar que
está em casa mais cedo.”

André pensou que ao menos Heitor estava sendo sutil para mandar o Fabrício embora.
Não entendia aquela atitude do pai, esperava que ele fizesse um escândalo pelo que vira.
Ou será que ele não vira muito? Seria uma benção se fosse esse o caso.

“Erm... Eu acho que vou indo então.” Fabrício entendeu a deixa, e o André rapidamente
se voluntariou para levá-lo até a saída. Quando chegaram à porta, ambos estavam meio
nervosos.

“Precisa de um dinheiro pro táxi?” Perguntou.


“Não, eu vou ir até o Iguatemi, estou querendo comprar umas coisas mesmo. Dali eu
pego um ônibus.” Fafá falou. O Iguatemi era uns 15 minutos a pé dali, e ele negou a
oferta do loiro de levá-lo de moto. “Vai ficar tudo bem entre tu e teu pai?”

“Não sei, mas se ele não falou nada agora...” Suspirou, ansioso. “Espero que ele não
tenha desconfiado.”

“Qualquer coisa me liga, ok?” Pediu e, aproveitando que não havia ninguém por perto,
deu um beijo de despedida no loiro, na bochecha. “Até amanhã!”

“Até...” André voltou para dentro de casa e encontrou o pai bebendo uma água na
cozinha. Desceu para a área de lazer também, temendo o pior.

“Que grande coincidência, não?” Heitor perguntou. “Por que não me contou que haviam
se reencontrado?”

“Tu não gostava dele antes, imaginei que não ficaria feliz com a coincidência.” André
rebateu e foi pegar uma água também. Estava nervoso.

“E então?” Heitor perguntou.

“Então o quê?”

“Vai querer ir no jogo?” A expressão do pai parecia ter amenizado, suas rugas de
expressão não estavam tão severas. André piscou antes de processar aquilo. Nenhuma
reprimenda por ter se ‘associado’ ao moreno novamente?

“Sim, vamos.” Concordou.

Surpreendeu-se por no fim ter momentos bem agradáveis com o pai. Viram o jogo,
comentando sobre o vôlei – que Heitor também praticara quando adolescente e curtia
tanto quanto o filho –, e depois ainda jantaram fora, no Outback Steakhouse do
Iguatemi. Há tempos André não tinha momentos assim com o pai; desde que voltara de
viagem, mal o havia visto.

“E as namoradas, filho? Não me diga que continua naquele relacionamento aberto com
a Natália.” O pai comentou em certo ponto, curioso, o olhar afiado sobre o mais novo
enquanto jantavam. André esqueceu-se dos bons momentos.

“Nunca estive num relacionamento com ela, pai. E só somos amigos agora.” Afirmou
com grande atenção para o prato, como se o que restava de comida ali fosse alguma
espécie de obra de arte mundialmente famosa.

Heitor limpou os lábios com o guardanapo.

“É mesmo? Uma pena, é uma boa menina, apesar de ter-se tornado uma tatuadora.
Ainda assim virou-se com o novo negócio e fiquei sabendo que vem ganhando destaque
na área.”
“Sim, o estúdio dela já é considerado um dos melhores de Porto Alegre.” André disse
com orgulho da amiga. “Mas ela está com outros rolos agora. Mas, por favor, não venha
com essa conversinha de namorados pra cima de mim. Parece a tia Eloísa!”

Heitor riu breve, concordando, mas após uns minutos readquiriu a expressão séria de
costume.

“André, queria pedir perdão pelo tapa que te dei alguns dias atrás. Acabei me
descontrolando. Eu sei que tu não é nenhuma bicha, como o Lázaro. Confio no filho que
criei. Tu me orgulha, filho, sempre foi bem no colégio, não me deu preocupações, se
esforçou nos esportes, se comportou na Europa e ainda passou em medicina sem
precisar de anos de cursinho como alguns. Tenho certeza de que vai continuar me
orgulhando.” Heitor apontou com um orgulho medido, mas de certo modo parecia
desafiar o filho e discordar do que dizia.

André sentiu a comida afundar no estômago, um gosto amargo alastrando-se por sua
saliva, tornando-a espessa e lhe retirando o apetite.

“Obrigado, pai.” Disse, pois não queria iniciar uma discussão no meio do restaurante.
Todo o clima legal que tiveram durante o jogo e no início do jantar pareceu ir pro
espaço, explodir e ser engolido pelo vácuo. Chegou a sentir-se culpado por não
corresponder às expectativas do pai, mesmo sabendo que essas expectativas eram
erradas em certos pontos.

Depois que Heitor pagou a conta, retornaram para casa. André queria ter Sascha para
abraçar quando se fechou em seu quarto, mas se contentou com o um travesseiro. Cíntia
chegou a aparecer pouco depois, perguntando se eles haviam conversado e o Heitor
havia se desculpado, e André soube que havia dedo da mãe em parte daquela conversa.

Não era de se surpreender. Cíntia sempre havia sido o ponto de equilíbrio e


reconciliação entre ele e o pai. André não se lembrava de ter apanhado mais do que
poucas vezes do pai, e certamente isso se devia à sua mãe.

“Está tudo bem, mãe.” Mentiu, fingindo-se de indiferente. “Eu vou ir tomar um banho.”
Levantou-se da cama.

“Está bem, filho. Boa noite, durma bem.” Ela beijou-lhe a testa, acariciando-lhe os
cabelos, e saiu do quarto.

André foi mesmo para o banho e ficou lá por vários minutos, tentando colocar as ideias
no lugar. Quando saiu, o celular tocava indicando uma chamada do moreno. Acabou
sorrindo ao se jogar na cama e atender ao celular.

"E aí, loiro, tudo certo?" Fabrício perguntou de cara, não disfarçando de todo a
preocupação. Só de ouvir a voz do moreno, André já se sentiu melhor, e nem saberia
dizer por quanto tempo ficaram de papo no celular.

Tão... adolescentes!

XxxX
“Então...” Gabi saltitou ao redor do Fabrício e André. “Já escolheram fantasia? E como
foi a última visita ao posto de saúde?”

“Vou dar uma improvisada depois, nem sei.” Fafá comentou dando de ombros. Estavam
esperando pela aula de histologia prática. A última aula da manhã terminava às
11h30min, e a próxima aula, para os medianamente colocados no vestibular, era às
15h30min.

Fabrício e André haviam tido visita ao posto de saúde naquela sexta-feira, e vieram
direto de lá, um bairro bem distante, até o campus centro. A cada quinze dias, havia
visita a um posto de saúde em áreas carentes da cidade. Lá, acompanhavam o médico
nas consultas e nas visitas a domicílio. Era interessante, apesar de bastante triste ver as
condições precárias em que tantas pessoas moravam, em estados de saúde lamentáveis.

André sentira-se mal, sufocado, em vários momentos. Tinha certeza que aquela cadeira
o havia ajudado a ver a situação do país e da saúde de uma forma mais realista, e o
ajudara a amadurecer. Ainda se lembrava da velhinha de mais de oitenta anos
abandonada pela família, com gastrite, problemas cardíacos e magreza extrema, que não
tinha condições nem de sair de casa, tão fraca e frágil era. Talvez isso fosse uma parte
do que Henrique lhes falara aquela vez – é impossível não amadurecer e ver o mundo
com outros olhos ao envolver-se com a saúde e a vida de outras pessoas.

“Eu acho que vou de pirata.” André cogitou.

“Awn, um pirata loirinho, que amor!” Gabi exclamou, e sorriu travessa com o olhar
cortante do loiro. Este ia replicar algum comentário ácido – desde que a Gabi ficara
sabendo sobre ele e o Fabrício, agia como se ele fosse a coisa mais meiga e fofa de
todos os tempos, e André já começava a perder a paciência –, porém fechou a boca ao
justamente ver o primo Lázaro.

Por um segundo, perguntou-se o que diabos ele fazia no Campus Centro da UFRGS,
mas então lembrou que ele havia passado em Direito no ano anterior, e deveria estar-se
dirigindo para o prédio do Direito do outro lado da rua, em frente à Avenida João
Pessoa. André se levantou, sem avisar nada, e correu até interceptar o primo.

Lázaro levou um susto. Era um garoto um pouco mais baixo que André, cabelos
extremamente negros num corte que o loiro considerava ridículo de tão certinho, olhos
azul-cobalto e uma carinha de mimado enjoada naquele rosto mortalmente pálido, mais
pálido que o próprio André.

“Tu!” Lázaro disse, adquirindo uma expressão do mais puro ódio. André arregalou os
olhos. Tudo bem que se odiavam, mas também não era pra tanto. “O que tu quer, guri?
Jogar na minha cara que sou gay assim como todo o resto da família? Muito obrigado,
mas não tenho tempo para tipinhos fofoqueiros como tu!”

Por um momento, André acreditou que ele iria dizer ‘tipinho homofóbico’, mas
fofoqueiro? O segurou novamente quando ele lhe deu as costas, e o arrastou até uma
área mais reservada, sob um canteiro de árvores onde poucas pessoas passavam, ainda
mais àquela hora.
“Como assim fofoqueiro?! E não, não vou jogar nada na tua cara, então não precisa sair
atirando pedras, ô branquelo.” O xingou com o apelido ‘amigável’ de infância.

“Fofoqueiro sim! Acha que não sei que foi tu que contou que eu era gay pros meus
pais? Eu já entendi tudo que tu fez!” Ele acusou, parecendo latir como um cãozinho
indignado. André vincou a testa sem entender bulhufas. “Primeiro, de alguma forma tu
descobriu sobre mim, e aí depois me espionou e viu quando o Fabiano foi lá em casa, aí
ligou pro meu telefone convencional pra me assustar, e depois ainda tocou a campainha!
Acha que eu não tenho como descobrir quem ligou de chamadas de número bloqueado?
E eu vi tua moto pela janela.” Ele foi acusando quase sem fôlego. Parecia ter teorizado
tudo aquilo por dias. “Por tua culpa pela manhã achei que era outra pegadinha e aí meus
pais me pegaram no flagra. Aposto que foi tu que ligou para eles avisando sobre mim!
Era pra eles voltarem só dali uma semana!”

“’Tá maluco, moleque? Acha que minha vida gira ao redor do teu umbigo? Eu nem
sabia que tu era gay, e nem liguei pros teus pais.” André exclamou, atarantado.

“Vai mentir que foi tu que fez aquela ligação e tocou a campainha?!” Lázaro
praticamente gritou. Parecia louco para dar um soco no loiro, mas sabia que perderia
caso tentasse. André era maior e um pouco mais forte.

“B-Bem, fui eu mas... Eu só queria pregar uma peça, nunca tive intenção de que teus
pais descobrissem alguma coisa. Aliás, eu nem sabia que tu era gay até te ver com
aquele cara.” Coçou os cabelos, desviando o olhar. Lázaro o encarou sem acreditar num
pingo do que dizia. “Eu só queria perguntar se está tudo bem contigo...?”

“Rá, não te contaram? Meu pai me colocou de castigo, limitou minha grana ao mínimo
e ainda me botou pra trabalhar o resto do tempo na firma dele, sem ganhar nada em
retorno, ou seja, não posso trabalhar em outro lugar pra juntar uma grana. Depois de
uma longa conversa sobre eu ter seguido um mau caminho e precisar ir a um psiquiatra,
eles mal falam comigo, ou melhor, meu pai não fala, e o clima é um inferno. Minha mãe
até tenta levar tudo como se nada houvesse acontecido, apesar de me dar indiretas,
chorar toda noite e pedir a Deus para me mostrar o caminho certo.” Revirou os olhos
com extremo desgosto.

André lembrou que tia Flávia era uma das únicas religiosas fervorosas da família.

“Isso tudo é tua culpa!”

“Já disse que não contei nada pra ninguém, mané! Mas tu mesmo gay continua chato
como sempre!”

“Cala a boca! Eu sempre fui gay e sempre aceitei isso, desde pequeno, mas também
sempre escondi. E agora por tua culpa, todos esses anos de fingimento foram por água
abaixo!” Lázaro apontou o dedo quase o encostando ao nariz do loiro, que se sentiu
ligeiramente vesgo ao olhar para a ponta do dedo.

André piscou e olhou para o Lázaro.


“Argh, tu é mesmo insuportável. Desculpa se minha pegadinha te deixou descuidado
pela manhã, mas em vez de tu mandar o cara embora de noite mesmo, não, foi dar a
bunda noite adentro e nem ouviu teus pais chegarem. O que o cara fez, hein? Fodeu teus
ouvidos também?”

“Vai pro inferno, André! Caralho, como eu te odeio!” O empurrou e saiu correndo dali,
em direção ao prédio do Direito. André suspirou, irritado. Que criatura teimosa aquela,
há tempos não falava com ele, mas sempre que falava, acabavam brigando.

Fabrício se aproximou segundos depois e tocou o ombro do loiro.

“Tudo bem? Aquele era teu primo, não?”

“É... Os pais dele descobriram sobre ele e eu queria saber como ele estava.” André deu
de ombros, fingindo não estar nem aí. “Mas ele é chato pra cacete, pelo amor de Deus.”

“Bah, que isso! Conta essa história direito! Coitado dele, não é? Hãn? Ou não?”
Fabrício perguntou todo preocupado, mas em dúvida pela expressão de ‘foda-se o
mundo’ do loiro.

André não teve alternativa que não contar para saciar a curiosidade do moreno. Do
contrário, não teria paz nem quando a virada do século chegasse.

XxxX

A festa dos cem dias foi como as outras, a exceção das fantasias. Era sempre divertido
ver a criatividade do povo. André vira até mesmo um fantasiado de lixeiro. Ou era
criatividade, ou falta de grana. Como no caso do Fabrício, que colocou umas roupas
largas, branco com azul, um chapéu pontudo, uma espada de papelão, e fez-se de
Raiden.

Dançaram, beberam, impediram um dos colegas, que tinha namorada, de ficar com
outra colega, que era considerada já no final do primeiro semestre como a vadia da
turma. Gabi reclamava disso, não gostava desses estereótipos, mas a Fran dizia que ela
ficava com qualquer um e era mesmo uma vadia. As duas acabaram se desentendendo
durante a festa, e no fim André e Fafá estava tendo de aguentar a ladainha de Gabi,
reclamando da amiga.

Estavam sentados num degrau logo na entrada da Hebraica, local de festas famoso,
usado por muitos cursos das universidades, e para outros eventos. Ficava perto do
Campus Centro.

“Ela consegue ser tão machista às vezes, e nem percebe! Vive falando que não gosta de
gurias, que elas são falsas e dissimuladas, e eu sei que tem muitas que realmente são,
mas ai, eu me irrito. Gurias são desunidas justamente por causa de pensamentos assim.”
Bufou com um ar de bêbada e quase caiu sentada para o lado. Aquela fantasia de sereia
atrapalhava.

“Acho que vocês estão precisando de uma DR, sereia.” Fafá sugeriu subindo e descendo
as sobrancelhas. Era o mais sóbrio dos três, por mais louco que isso possa parecer.
André estava quase cochilando sentado, olhos fechados e cabeça baixa. “Se não fosse
pelo Rafael, eu acharia que aí tem coisa.”

“Nah, Fran é como uma mana. Brigamos, e no dia seguinte já estamos nos amando de
novo. Ai, mas me irrito!” Jogou as mãos para o alto, e dessa vez caiu para trás, ficando
deitada de barriga para cima no chão sujo da entrada. “Ela deve ‘tá lá mesmo se
pegando com o Rafa. Traíra! Desde que começou a ficar com ele, me largou nesse
mundão de Deus.”

“Mundão...” André resmungou meio fora do ar e apoiou a cabeça no ombro da morena.


Gabi fez-lhe alguns carinhos distraídos no cabelo loiro, que havia perdido o chapéu de
pirata no meio da festa.

“Vocês dois parecem acabados, gurizada. É recém três e meia da manhã!” Fafá
exclamou abrindo os braços, e a Gabi bocejou, perguntando-se de onde ele tirava aquela
energia. Fafá começou a fazer poses de esgrima com a espada de papelão já meio
destruída, caindo aos pedaços.

“Sério, Fafá, às vezes tu me irrita, sabe? Tu é o tipo de pessoa legal demais, energético
demais, extrovertido demais, engraçado demais, e às vezes eu simplesmente quero te
torturar até te arrancar lágrimas.” Gabi disse pausadamente, com olheiras profundas sob
os olhos apagados, enquanto mirava o moreno.

Fafá arregalou os olhos, dando um passo para trás.

“Torturar...” André resmungou novamente, concordando com a ideia.

“Eu acho que vou levar o Santa pra casa, antes que vocês criem um complô contra mim,
e meus restos mortais sejam encontrados no Guaíba depois de anos em que ficarei
desaparecido, com meus pais ainda tendo esperanças de me encontrar.” Fafá foi dizendo
enquanto puxava André pelo pulso e passava o braço inerte dele por seus ombros,
enlaçando-o pela cintura.

“Tu ‘tá falando demais, Fafá. Minha cabeça dói. Mas vou pra casa também, amanhã
tenho de estar inteira pra viagem até Pelotas.” Gabi se levantou e quase caiu para frente,
como um boneco João-bobo. Fafá a empurrou para trás apenas com o dedo indicador, e
a morena revirou os olhos, vendo o mundo girando, antes de se endireitar.

“Ah é, vai ir ver a Dani.” Soltou uma risada maliciosa, que fez a morena mostrar-lhe o
dedo do meio. “Manda abraços pra ela.”

“Nem quero lembrar ela da tua existência.” Gabi fungou.

“Ciumenta!” Fafá reclamou, mas a morena apenas tropeçou ao tentar-lhe mostrar a


língua. Fafá a segurou com dificuldade, abraçando-a com o braço livre, e seguiram para
a calçada da rua em busca de dois táxis.

Gabi entrou no primeiro, enquanto estranhamente cantava o hino nacional da Inglaterra


“Salve a rainha! Salve a rainha!”.
“Rainha...” André murmurou, mas abriu os olhos, acordando quando Fabrício tentou
endireitá-lo, segurando-o com mais firmeza. O loiro o encarou como se visse uma
assombração. “Onde estamos?” Olhou ao redor.

“Achei que tu não acordava mais hoje.” Fafá riu e fez sinal para um táxi. Algumas
outras pessoas saíram da festa, mas não era ninguém que os dois conhecessem.
“Estamos saindo da festa, tu ‘tá podre, e a Gabi também ‘tava. Agora eu ‘tô ficando
com sono.”

“Eu não quero ir pra casa.” André resmungou, abraçando o moreno pelo pescoço, sem
nem pensar que estavam no meio da rua. Culparia a bebida e o Fabrício mais tarde,
como o bom samaritano que era. “Quero ir ver o Sascha.”

“Não vai ser legal ir na casa dos meus tios de madrugada.” Fafá pela primeira vez
demonstrou mais bom-senso. André resmungou impropérios em um tom indefinível,
escondendo o rosto no pescoço do moreno e sentindo o cheiro de suor e perfume dele.

Ambos cheiravam a final de festa.

“Mas não quero ir pra casa!” André disse embirrado, o tom infantil. Fafá estava para
colocá-lo no táxi que havia parado e dar o endereço ao motorista, mas acabou entrando
junto, e deu o endereço de seu apartamento, que era bem próximo dali. Poderiam ir
andando, caso André não estivesse tão sem forças nas pernas.

“Vamos pro meu apartamento então.” Fafá disse, mantendo o corpo do loiro próximo.
Ignorou o olhar do motorista pelo retrovisor, mas não deixou de notar a forma como o
André apertou os dedos em sua roupa, com certo nervosismo, ou como ergueu o rosto
para olhar-lhe, o nariz roçando em seu pescoço ao fazê-lo. “Que foi? Tu disse que não
queria ir pra casa.”

“E não quero.” André abaixou o olhar novamente, mantenho o ar embirrado. “A Cherry


‘tá lá? Ela vai me morder.” Murmurou roçando os dedos no braço forte do moreno.

“Não, ela ‘tá no meu tio fazendo companhia pro Sascha.” Fafá informou e sorriu pro
loiro. “Alguém já te disse que tu fica bizarramente bonitinho quando bêbado?”
Perguntou abafando uma risada. “Ai! Pra que me maltratar assim, loiro?” Perguntou ao
receber um beliscão. Ao que parecia, ainda existiam réstias de consciência nele.

“Sempre sou bonito.” André empinou o nariz.

“Mas não tô falando bonitinho de bonito, tô falando bonitinho de fofo!” Fabrício ainda
segurava a risada, abraçando o loiro com mais força e praticamente o colocando em seu
colo.

“Não sou fofo.” Agora torcia o nariz olhando ofendido para o moreno.

“Não é a maior parte do tempo, mas mesmo assim eu gosto do teu jeito.” Fafá falou
baixo, afastando alguns fios de cabelo dos olhos do André.

O loiro sorriu, mas de uma forma ligeiramente sarcástica.


“Acho bom, né? Como iria aceitar namorar comigo se não gostasse?”

Fabrício arregalou os olhos.

“’Tá me pedindo em namoro?” Perguntou meio abobalhado, e o André se enroscou em


seu pescoço, ronronando em concordância. “Tu ‘tá me pedindo em namoro num táxi,
quando tu ‘tá bêbado?”

“Tem problema?” André perguntou curioso, ar de bêbado que não entende nenhuma
norma social básica. Ergueu o rosto e roçou os lábios nos do moreno, cheio de
chamegos. “Não quer namorar comigo?”

Fafá sentiu suas bochechas criarem covinhas com o sorriso que abriu, e ignorou o
pigarro do taxista. Ele já havia dobrado na Avenida Independência, e agora parava em
frente ao prédio do moreno. Fabrício tirou o dinheiro do bolso com dificuldade e saiu do
carro arrastando o André junto, que ainda não conseguia caminhar sozinho.

“De dou minha resposta lá no apartamento.” Disse agora sorrindo de uma maneira
perigosamente alegre, e André olhou-o se arrepiando.

“Por que só lá?!” André perguntou, mas não impôs resistência ao ser arrastado pelo
outro, atravessando a rua e então seguindo para a entrada do prédio e elevador. Fabrício
cumprimentou o porteiro, que soltou um ronco e acordou, aturdido, cumprimentando-os
também por reflexo.

Ambos riam ao entrar no elevador.

Fafá abraçou a cintura do loiro, trazendo-o para perto de si assim que começaram a
subir. Roçou a boca no pescoço do André, que por algum motivo lhe era tão chamativo,
assim como os lábios – e a bunda, mas era melhor que o André não soubesse disso. Não
que o André já não desconfiasse. Até fizera a barba para que o loiro não sentisse
arrepios e se afastasse como antes, gostava de beijar aquele pescoço.

“Eu não acredito que tu me pediu em namoro primeiro, eu ‘tava tentando pensar em
maneiras românticas de fazer isso!” Fafá reclamou acariciando as costas do loiro. “Mas
eu devia ter previsto a chance de tu pedir primeiro, ainda mais bêbado.”

“Eu te pedi em namoro?!” André perguntou perturbado, e Fafá segurou-lhe o rosto para
olhá-lo, não acreditando que ele já havia esquecido.

“Sério mesmo que tu esqueceu, já?”

André não aguentou e acabou rindo.

“Que mané, acreditou! É claro que não esqueci. E é claro que eu seria mais rápido em te
pedir em namoro.” Disse convencido, assim que o elevador parava no andar certo. “Sou
mais esperto, mais bonito, mais bem articulado...”

“Tu ‘tá querendo sofrer?” Fafá perguntou sorrindo divertido, porém também maldoso, e
começou a fazer cócegas no outro. André se debateu, e os dois saíram do elevador
parecendo fugitivo e policial. Seria perfeito se Fabrício não estivesse com sua fantasia
de Raiden improvisada de péssima qualidade – na opinião do loiro.

Fabrício aprisionou o André contra a porta, suas mãos apoiadas na madeira, na altura do
rosto do loiro. Ambos ofegantes, apesar da corrida curta. André colocou as mãos na
cintura do moreno, que se aproximou, pressionando-se contra ele e capturando-lhe os
lábios. Um verdadeiro cárcere.

André se entreteve tanto com o beijo, praticamente disputando com a língua do moreno
de maneira teimosa, que perdeu o equilíbrio e quase tropeçou para trás quando Fabrício
abriu a porta do apartamento, só não caiu de fato pois foi habilmente segurado pelo mais
alto. Estava tão bêbado que não ouvira o barulho das chaves, ou o beijo que estava bom
demais?

“Vou ir tomar um banho. ‘Tô me sentindo todo suado e sujo... Tem uma toalha?”
Perguntou procurando algo para se apoiar. Estava zonzo e uma água fria na cabeça o
ajudaria a se manter acordado. Fabrício pareceu murchar um pouco por isso, afinal, o
loiro quebrara totalmente o momento de pegação, mas foi buscar uma toalha.

“A água quente é o registro da direita.” Informou, perguntando-se não deveria ir tomar


um banho junto com o loiro, mas nem teve tempo de se oferecer, pois o André escapuliu
rapidamente para o banheiro, trancando-se lá.

Fabrício resolveu preparar um lanche. Estava verde de fome.

Enquanto preparava uma torrada para ele e o André, escutou o som do chuveiro. Não foi
um banho demorado, antes mesmo que conseguisse dar uma mordida em sua torrada,
viu o loiro saindo do banheiro com a toalha enrolada na cintura, os pingos de água
escorrendo dos cabelos pelo pescoço, descendo pelo tórax esbelto e bem desenhado. A
torrada ficou no caminho entre o prato e a boca, esta entreaberta.

André o olhou, sentado na mesinha da cozinha minúscula, e ergueu uma sobrancelha.

“Que cara de mané é essa?” Ele perguntou, e Fafá se perguntou se ele era ou inocente
demais, ou simplesmente gostava da ideia de chamá-lo de mané. Sorriu malandro,
largando a torrada e se levantando. De repente, estava com fome de outra coisa. Seu
sorriso alargou-se ainda mais ao ver o loiro, inseguro, recuar um passo com sua
aproximação.

André não sabia se gostava ou não quando o Fabrício entrava naquele ‘modo predador’
e perdia o jeito bobo alegre.

“Eu não ‘tava pensando em fazer nada hoje, porque tu ‘tá bêbado e tudo, mas aí tu me
pede em namoro, e depois ainda se exibe de toalha na minha frente...” Fabrício explicou
e, quando estava próximo o suficiente, colocou as mãos na cintura nua do loiro e o
puxou para si, seus corpos se chocando num impacto prazeroso.

André ofegou baixo com o contato firme, e tentou objetar:


“Eu-” Fabrício o calou com um beijo, e agarrou os cabelos do loiro, pressionando-o
mais contra si. Aquele quarto parecia abafado, apesar da janela parcialmente aberta,
deixando entrar o vento fraco, mas gelado da madrugada.

André estava completamente arrepiado nos braços do moreno.

Mordeu os lábios quando o Fabrício arrancou o colete que usava. O loiro segurou a
barra da camisa dele e a ergueu, retirando-a facilmente quando o moreno ergueu os
braços para ajudá-lo. Ambos nus da cintura para cima, seus lábios voltaram a se
procurar, ansiosos, assim que se abraçaram, experimentando aquele contato pele a pele
que soltava faíscas. A pele amorenada do Fabrício estava tão quente, que André chegou
a pensar que ele poderia estar com febre.

Os calçados do moreno marcaram no chão a trajetória curta até a cama, e André caiu de
costas sobre o colchão, logo tendo o corpo do Fabrício sobre o seu aprisionando-o
novamente. Fabrício agarrou seus pulsos e prendeu-os acima de sua cabeça, num aperto
firme que fez o loiro ofegar baixo, antes de ter os lábios tomados. Enlaçou a cintura do
moreno com as pernas, gemendo abafado contra a boca dele.

Fabrício interrompeu o beijo, ganhando um resmungo insatisfeito do loiro, e se afastou


para olhá-lo – ofegante, afogueado, olhos azuis mais brilhantes do que nunca. Tinha
todo aquele ar de marrento, mas ali agora, na sua cama... E isso o excitava tanto! Não
posso perder o controle, lembrou-se enquanto mirava o rosto do loiro, que começava a
ficar confuso com sua análise. Nem sabia se o André se lembraria daquilo no dia
seguinte. E se transassem e o loiro acordasse sem lembrar-se de nada? Seria um
Fabrício eunuco caso isso acontecesse.

“Tu ainda não me respondeu.” André dissipou o silêncio que se instaurara junto com a
contemplação absorta do moreno, que começava a envergonhá-lo.

Fabrício sorriu largamente e acariciou rosto do loiro.

“Preciso mesmo responder? Não ‘tá na cara que te considero todinho meu desde que
damos nosso primeiro beijo?” Perguntou retoricamente e decidiu, ao vê-lo abrir a boca
mas logo fechá-la sem saber o que responder, que daria a ele algo para lembrar no dia
seguinte.

“O beijo que eu nem lembrava? Aquilo foi praticamente um estupro.” André o acusou
após readquirir controle sobre suas cordas vocais.

“Mas não me arrependo.” Fafá garantiu, cara de pau. Largou os pulsos do loiro e,
colocando-se de joelhos, o puxou pela cintura para encaixá-lo melhor contra seu quadril.
André abriu a boca de novo, num gemido mudo, a parte interna de suas coxas apertando
a cintura do moreno. Fabrício espalmou a mão no abdômen magro, sentindo a firmeza
do corpo do loiro, a definição leve; porém atraente. André mordeu os lábios com força
quando o Fabrício arrancou-lhe a toalha ainda em sua cintura e a jogou para o chão;
seus braços haviam permanecido jogados na cama acima de sua cabeça, e segurou o
lençol com força, sentindo a adrenalina esparramar-se por seus músculos.
Fabrício sorriu divertido, com um ar matreiro, e tocou a ereção do loiro, que
imediatamente suprimiu um gemido. André tinha ideia do que se passava pela cabeça do
Fabrício; porém também não tinha intenção alguma de interferir. Apenas apertou os
olhos quando ele moveu a mão, com uma lentidão beligerante que parecia testar suas
reações. Quando ele se inclinou, capturando um de seus mamilos, André suspirou alto,
abrindo novamente os olhos e vendo o teto rodar enquanto a cabeça também girava. Era
efeito da bebida? Que mania era essa de tentar destruir o próprio fígado em quase todas
as festas?

Fabrício se afastou novamente para retirar suas próprias calças, levando junto a cueca, e
o loiro corou ao vê-lo completamente nu. Ainda não se acostumara com isso, afinal, só
havia acontecido uma vez, quando tomaram banho juntos. Fabrício ainda apreciou o
corpo também desnudo do namorado – namorado! –, apenas tempo suficiente para que
não levasse um chute no rosto por olhar demais e fazer de menos. Voltou a se inclinar e
passou a beijar os gominhos tensos do abdômen do loiro, que contraíam e relaxavam no
ritmo da respiração apressada.

André gemeu distraidamente. A bebida o deixava aéreo e maleável, e não esperava pela
próxima atitude do moreno. Fabrício o agarrou pelos glúteos e o jogou mais para o
centro da cama, arrancando-lhe uma interjeição surpresa, depois se deitou de bruços,
entre suas pernas, e passou os braços sob suas coxas, agarrando novamente seu quadril.
André ergueu-se pelos cotovelos, boquiaberto, somente agora entendendo o que Fafá
tinha em mente. Não, ele não vai, pensou nervoso, subitamente mais consciente do
mundo, e até mesmo os poucos sons da rua voltaram a vibrar em seus tímpanos.
Fabrício sorriu enviesado ao olhar para a expressão admirada e expectante do loiro, e
segurou-lhe a ereção. André, sentindo a respiração dele bater contra a pele sensível da
região, deixou a cabeça cair contra o colchão novamente, tapando os olhos com o braço,
pois àquilo seguiu-se a boca do moreno. Ah, ele vai, entendeu e gemeu, suas pernas se
dobrando um pouco mais e os dedos dos pés flexionando involuntariamente pelo prazer
súbito.

Era, obviamente, a primeira vez que Fabrício fazia aquilo. Sabia que não levava muito
jeito, e estranhou inicialmente o ato, mas era ótimo ouvir os gemidos e a maneira como
o loiro parecia mergulhar num mar de prazer mesmo que não fosse experiente. Talvez a
bebida ajudasse. É, era bom que André estivesse meio bêbado, não perceberia sua
imperícia. Agarrou as nádegas dele, apertando-as com volúpia e erguendo mais o
quadril do loiro. Adorava aquela bunda, empinada, cheinha, que cabia perfeitamente em
sua mão. Continuou aquilo, com os olhos pregados no rosto afogueado e lúbrico do
loiro afogado nas sensações que lhe dava.

André se empurrou e se sentou em dado momento, segurando o ombro do moreno e o


empurrando comedidamente. Segurou o rosto do dele com ambas as mãos e o beijou,
chamando-lhe o nome num sussurro. Queria abraçá-lo, beijá-lo, sentia uma necessidade
quase dolorosa de tocá-lo. Fabrício o abraçou, correspondendo aos seus desejos,
enquanto se beijavam lentamente, línguas deslizando preguiçosamente uma na outra.
Com as mãos um pouco trêmulas, André abaixou a mão e tocou-o intimamente,
conseguindo um gemido do namorado.

Fabrício pousou uma mão na lombar do loiro e o puxou para si, e André o enlaçou com
as pernas, seus membros roçando juntos, deixando ambos ofegantes. André o abraçou
também com os braços, pousando-os sobre seus ombros, arfando contra seus lábios, e
Fabrício não resistiu, a mão que estava na lombar do loiro deslizou e seus dedos
acariciaram as pregas entre as nádegas. André arquejou surpreso, ficando tenso com o
toque, abrindo os olhos e encontrando o moreno olhando-o com um sorriso indefinível.

“Tu se depilou pra mim?” Fabrício perguntou naquele momento, inconveniente, e


acariciou com mais pressão aquela parte inexplorada do corpo do outro. Já havia
reparado que a parte da frente estava depilada e, bem, achara sexy o fato do André –
André! Estamos falando de André Santayana aqui! – ter-se depilado para agradá-lo.

André reprimiu o ímpeto de esbofeteá-lo.

“Não me faça responder a isso, ou tu terá problemas amanhã. Ou até hoje mesmo.”
Avisou num tom que poderia ser considerado potencialmente perigoso, caso seu rosto
não estivesse tão adoravelmente corado, e não estivesse nu abraçado ao moreno, que
sorriu.

Fabrício mordiscou com um sorriso malicioso o lábio do loiro antes de se afastar e virá-
lo facilmente. André não entendeu aquilo, mal entendia como acabara de bruços na
cama – maldita bebida! –, mas então um arrepio golpeou-lhe as costas quando a língua
do Fabrício provocou-lhe a nuca, junto a uma mordiscada. Apertou os dedos no colchão
quando a provocação úmida desceu rasante, seguindo o caminho bem demarcado na
coluna do loiro até sumir entre as nádegas. André gritou com aquilo, agarrou-se à cama
e mordeu o lençol. Fora pego de surpresa, e gemeu baixo quando as mãos do moreno
agarraram e apertaram seus glúteos, afastando-os para dar acesso livre à língua.

“Fabrício! O que diabos tu ‘tá fazendo, idiota...? Ah, não, ah...!” André murmurou
desconexo e escondeu o rosto entre os braços, pensou em pedir ao outro para parar, pois
era constrangedor demais receber um beijo grego – maldito Davi que havia até lhe
falado o nome daquilo!

Fabrício gostou do fato de o loiro parecer sentir mais prazer com isso, do que com a
oral. E era ótimo ter total liberdade para apertar e amassar as nádegas nas quais reparara
desde que ele se vestira de bombeirinha sexy. O penetrou com a língua, e o André
gemeu mais alto, remexendo-se, mas o Fabrício o segurou parado. Não estava achando
ruim fazer aquilo, apesar de ser algo completamente novo, pelo contrário, estava
adorando dar prazer ao loiro. Ainda teria de se acostumar completamente àquele tipo de
toque, mas se achasse ruim, ou nojento, não estaria fazendo. Havia assistido a uns
pornôs gays e vira como os passivos pareciam adorar aquilo, quisera experimentar com
o – agora – namorado.

Sorriu ao pensar na palavra, e intensificou as carícias molhadas. Lambeu as pregas,


criando atrito e por vezes mordendo a carne arredondada ao lado. André, como já havia
sido estimulado pela frente, acabou tendo um orgasmo, sujando o lençol da cama e o
próprio abdômen ao, sem força alguma, cair de bruços, cansado, sobre o colchão.
Fabrício subiu os beijos pelas costas do loiro, até deitar-se ao lado dele; ainda estava
ridiculamente excitado, mas apenas acariciou as costas do outro.

André virou-se de lado, olhando-o, lábios mordidos.


“Não acredito que tu fez essas coisas...” Murmurou sem conseguir olhar diretamente
nos olhos negros. “Não faça essas coisas sem me avisar antes!”

“Mas...! Era pra ser surpresa.” Fafá se aproximou, sorrindo de lado, e ondulou
rapidamente as sobrancelhas. André o encarou apenas por um segundo, antes de passar
um braço pelo ombro dele e puxá-lo, beijando-o. Levou a mão até a ereção ainda
desperta do moreno, e o masturbou, arrancando também gemidos – era uma benção não
ser o único a gemer ali, apesar de gemer mais, ainda que nunca viesse a admitir tal
ignomínia. Fabrício o montou, e moveu o corpo contra o do loiro, ajudando-o com o
movimento da mão, causando atrito na ereção ainda semidesperta do André, que pôde
ouvir o próprio coração retumbar, excitando-se novamente por ter o moreno sobre si
daquela forma, movendo-se como se... Oh, André fechou os olhos apertados, gemendo
em meio ao beijo intenso.

Até que o Fabrício gozou também, e o abdômen do loiro foi novamente a vítima a ser
atingida pelo sêmen, dessa vez alheio. André desejou por um novo banho. Logo.
Estavam suados, melados e o quarto tinha aquele cheiro característico de libido e sexo.
Ainda que não houvessem transado.

Ficaram ainda abraçados, recuperando o fôlego e tentando acalmar aquele jorro de


adrenalina que circulava veloz pelo corpo. Fabrício acariciou os cabelos úmidos do loiro
e, agora, o vento fresco deixava a pele de ambos arrepiada. André sentia a cabeça
girando. Ele lambeu meu cu, não acredito que eu deixei isso acontecer, pensava
frenético, estremecendo de leve a cada vez que se lembrava das sensações fortes e novas
que experimentara.

“Então somos namorados.” Murmurou o Fabrício, enlevado com a ideia.

“É o que parece, mas não torne isso mais brega do que já é.” André resmungou ao notar
o olhar apaixonado e piegas do outro. Se é que um olhar poderia ser brega, mas isso não
era importante. Acariciou o rosto barbeado do moreno. “Eu... Não teria te beijado pra
início de conversa se... Não gostasse muito de ti e não fosse pra ser algo sério.” Disse,
contrafeito. Era difícil ficar falando essas abobrinhas românticas. Mesmo que tais
abobrinhas não fossem nenhuma mentira.

Fabrício riu da dificuldade do outro em admitir e segurou-lhe a mão, beijando-a na


palma. André ainda teria de descobrir se gostava ou não desses carinhos bobos do
moreno. Ok, ele sabia que gostava, por mais que não soubesse onde meter a cara depois.

“Eu sei disso. Quando tu cantou no piano pra mim, entendi que me ama.” Disse, abrindo
um sorrisão presunçoso quando o André o olhou boquiaberto.

“Quem disse que te amo?! Convencido! O único que pode ser convencido aqui sou eu!”
André tentou de alguma forma estapeá-lo – um desejo antigo – mas Fafá, que já estava
ficando craque naquilo, o impediu e os dois rolaram na cama, numa briguinha rápida, o
moreno rindo e o loiro mais rosnando que rindo, mas de qualquer forma, acabaram
novamente abraçados sobre o colchão, aos beijos.

Porque não conseguiam desgrudar um do outro.


Era puro magnetismo.

Notas finais do capítulo


Ainda estou em processo de responder os reviews do cap. passado. Estou meio doente,
aí estou bem lerda, e daqui a pouco vou sair ainda U___U Mas até o final do dia
respondo tudo! Espero que tenham curtido! Não foi lemon ainda IUJHAOIAUJAIO
mas foi bem promissor certo? Agora que eles já experimentaram de tudo... O próximo
passo... ~sugestivo~ AJHAOUIAJHUIO Tentarei nesse domingo postar um extra, de
Beto/Milo e Gabi/Dani. Próximo cap. dos dois sexta que vem! Beijos, gente linda!

(Cap. 41) Extra Porque nada é em vão


Notas do capítulo
Esse é um extra dos casais: Beto/Milo e Dani/Gabi. Não lê-lo não alterará em nada a
compreensão do resto da história. É pra quem pediu um pouquinho mais deles. É um
extra bem simples e cheio de fofuras haha! Eu gostei muito de escrever, espero que
também gostem. Tem um pseudo-orange nele, se não gosta, cuidado.

Dani olhou analiticamente para seu melhor amigo, achando-o um tanto desleixado. Os
cabelos amarelo-queimados se juntavam numa moita de cachos particularmente
desordenados, vestia um pijama velho listrado, e havia bolsas azuladas sob os olhos
verde-água. Milo comia um cereal com leite sentado no sofá com as pernas recolhidas
contra o peito, usando seus joelhos como apoio para o prato. Dani estalou a língua e
balançou a cabeça, discordando daquele visual ‘vou ficar em casa hoje e nada me
convencerá do contrário’.

“Tu deveria ir colocar uma roupa. De preferência, tomar um banho.” Dani disse
despretensiosamente, enquanto pegava um prato na prateleira logo acima da pia. A
cozinha e a sala ficavam num único cômodo. Os dois dividiam um apartamento
particularmente pequeno próximo da faculdade, dividiam inclusive o mesmo quarto.

Milo, no primeiro dia, para o alívio da Dani, disse que era gay. No segundo, Dani saiu
pelada do banheiro atrás das roupas no armário. Ainda ria ao se lembrar do berro de
espanto do anjinho – apelido que dera ao Milo – ao vê-la como veio ao mundo.

O apelido era um tanto irônico, pois de anjo ele nada tinha, mas a aparência sugeria o
contrário.

“Por quê?” Milo perguntou, olhando para a televisão sem realmente vê-la, seus olhos
inchados de sono. Não entendera muito bem, mas a Daniela praticamente o tirara da
cama aos pontapés às 10h15min da manhã de sábado. Desde quando esse era um
horário saudável? Chegara em casa às quatro e meia da madrugada, estava pregado
depois de uma noite de festa com os amigos. Dani, para espanto do Milo, decidira não
ir, afirmando estar cansada.

“Velha.” Foi do que Milo a xingou antes de sair de casa.


“Porque, não sei... Vai que alguém resolve visitar?” Perguntou com um ar distraído, já
se servindo de cereal. Precisava fazer compras, a geladeira estava um tanto vazia.
Captou uma amêndoa entre o cereal e a jogou na boca. Milo a olhou por um momento,
momentaneamente parecendo ter por ela a mesma consideração que teria por uma
mancha desagradável numa parede branca.

Depois notou o quanto ela estava bonita, com roupas de inverno que lhe caíam muito
bem; os tons verdes discretos da blusa de veludo sob o casaco gabardine gelo
ressaltando sua pele cor de oliva e seus expressivos olhos amendoados, e o melhor, não
a deixando similar a um balão que resolvera se agasalhar. Milo piscou algumas vezes e,
após alguns segundos juntando dois mais dois, praticamente engasgou-se com um
inconveniente grão de cereal.

“Teremos visitas?!” Quase gritou, erguendo-se rapidamente, quase derrubando o prato.


“Como assim alguém vai vir aqui e tu me avisa só agora? E por quê? Quem? Ai, tu sabe
que eu odeio que alguém me veja nesse estado!”

Dani mordiscou internamente o canto do lábio. Milo simplesmente iria matá-la... Mas a
questão é que, apesar de conhecê-lo há apenas cinco meses, a amizade deles crescera de
uma maneira tão brusca e especial, que simplesmente o conhecia melhor que qualquer
um. E se tinha uma coisa que Dani sabia, era que Milo jamais admitiria que estava
louco para ver o Roberto novamente. Ele nunca convidaria o Beto, nunca iria para Porto
Alegre para vê-lo, e nunca comentaria o fato de que passara as últimas semanas
trocando mensagens atrás de mensagens com o garoto, e suspirando pelos cantos.

Milo tinha a péssima mania de falar que ‘se apaixonar era para os fracos e uma grande
perda de tempo’. Dani não achava que ele estava apaixonado e em negação, porém
inegável era o romance rápido e intenso que os dois garotos viveram no Intermed, e ela
achava que não havia nada de errado em dar um empurrãozinho no destino.
Principalmente se o destino carregava junto uma menina linda, com o sorriso mais
sincero e encantador do mundo. É, Dani convidara o Beto e a Gabi para visitá-los em
Pelotas sem que o Milo ficasse sabendo.

Olhou para o relógio, ignorando por um momento as perguntas escandalosas do anjinho.

“Eles devem chegar em mais ou menos meia hora. E nós vamos almoçar fora, todos
nós, anjo.” Dani comentou enfaticamente, colocando uma garfada generosa do cereal na
boca.

“ELES QUEM?!” Milo gritou, mas já estava no quarto arrancando o pijama e quase se
atirando dentro do guarda-roupa atrás de algo que prestasse. Dani riu. Milo
verdadeiramente odiava que o vissem em seu estado matinal, não importava quem fosse.
Era muito cuidadoso, para não dizer obsessivo, com a aparência.

XxxX

Gabriella parou em frente à entrada do pequeno prédio e respirou fundo. Estava


nervosa, e não entendia bem isso. Seu coração batia descompassado, deixando sua
pulsação no pescoço evidente. Isso era estranho. Conhecia a Daniela, foram amigas,
quando a vira no Intermed sentira-se apenas feliz, mas agora a felicidade lhe custara
todas as unhas das mãos. Roera todas ao longo da viagem.

Beto assoprou o ar contra as mãos, esfregando-as.

“Acha que ele vai gostar de me ver, ou vai querer me espancar por aparecer de
surpresa?” Ele perguntou e, com certo alívio sádico, Gabi percebeu que não era a única
nervosa ali. É, se estivesse aparecendo completamente de surpresa, também ficaria
preocupada com a reação da Daniela.

“Vocês estavam tão nhom-nhom-nhom no Intermed! Eu acho que ele vai gostar sim.”
Gabi concluiu genialmente.

Beto perguntou-se se nhom-nhom-nhom era algo realmente bom. Preferiu pensar que
sim e deu de ombros, antes de apertar o interfone do apartamento dos dois. Ambos
aguardaram na expectativa, Gabi roendo uma réstia de unha do dedo anelar, e Beto
estralando os dedos dentro dos bolsos do casaco, até que uma voz feminina respondeu-
os.

“Sim?”

“Dani, é a gente! Gabi e Beto!” Gabi falou imediatamente, um tanto alto e rápido
demais. Beto a olhou como que a avisando para se segurar, e a morena mordeu a língua.
Dani soltou uma risadinha do outro lado da linha, e o portão destrancou.

“Subam.” Dani pediu, e os dois entraram no prédio, que tinha modestos quatro andares,
sendo que Dani e Milo moravam no terceiro andar.

Dani os aguardava na porta, e a Gabi não refreou o sorriso largo que abriu ao vê-la.
Subiu mais rápido os últimos degraus e se jogou nos braços da índia, abraçando-a
apertado.

“Fiquei com saudades!” Admitiu a morena, com as bochechas coradas e geladas. “Tu
‘tá linda.”

Dani sorriu acariciando os cabelos ondulados da garota, riu e sentiu as bochechas


quentes. Achava a Gabi tão linda e fofa também. Só havia realmente percebido isso na
noite que passaram juntas, após a festa na piscina. E depois nas conversas diárias que
tiveram por celular e por vídeo. Ambas estavam até mesmo com os estudos atrasados
por gastarem tanto tempo uma com a outra, apesar da distância.

“Eu também estava. Vamos, entrem.” Dani pediu, voltando-se pro Beto. “O Milo está
no quarto se arrumando. Ele simplesmente entrou em pânico quando soube que tu
estava vindo, e entrou num profundo drama sobre não ter nenhuma roupa.” Contou após
dar-lhe um beijinho na bochecha.

“Ele... gostou que eu vim?” Beto perguntou baixinho, olhando na direção da porta que,
supunha, era do quarto.
O apartamento era pequeno e aconchegante, com móveis em tom queimados, estantes
repletas de livros, um tapete felpudo na sala, e quadros e plantas grandes
estrategicamente colocados. Tudo parecia calculadamente planejado e organizado para
deixar o ambiente agradável. Obra dos dois amigos, ambos tinham bom gosto para
decoração, e juntos haviam dado um trato no lugar.

Dani sorriu enquanto fechava a porta.

“Não. Ele odiou.” Admitiu, destroçando o coração do Beto. “Mas só porque ele deve
estar mais nervoso que tu. Apesar de que ele nunca irá admitir isso, e tampouco irá
parecer nervoso. Milo pode ser afetado, mas sabe disfarçar como um rei da mentira.”
Piscou para o outro, que abriu um meio sorriso inseguro.

“Talvez eu devesse ter falado com ele, e não feito as coisas pelas costas...” Refletiu, mas
quando a Daniela lhe propusera vir vê-los, junto com a Gabriella, simplesmente não
conseguira negar e, como ela dissera para fazerem uma surpresa, acabara se deixando
levar. Queria muito ver o Milo, sentira que haviam tido algo especial, mesmo que
efêmero, no Intermed...

“Sim, exatamente o que tu deveria ter feito.” Milo saiu do quarto naquele instante, com
uma expressão ligeiramente irritada. “Mas eu deveria adivinhar que a Dani inventaria
algo assim, vadia intrometida.”

Dani ergueu uma sobrancelha, particularmente ofendida, e lhe mostrou o dedo do meio.
Ah, o amor entre amigos...

“Milo...! Eu... Me desculpa, mas... Surpresa?” Perguntou, inseguro, enquanto a Gabi


segurava o riso. Milo revirou os olhos e se aproximou, parando bem à frente do mais
alto. Seus cabelos estavam perfeitamente cacheados agora, e suas roupas colocariam
inveja a qualquer estilista famoso.

“Vamos acabar logo com isso, odeio essa etapa constrangedora até que troquemos
alguns beijos.” Confessou e, para a surpresa do Beto, puxou-o pela gola da camisa,
depositando um beijinho delicado sobre os lábios do rapaz. “Olá...” Murmurou, sorrindo
de leve contra a boca dele.

Não iria mentir, quase tivera um treco quando soubera daquilo e xingara a Daniela de
uma lista de palavrões surpreendentemente criativa. Mas agora que via o rapaz, uma
parte tímida dentro de si se perguntava como aguentara aqueles dias longe dele. Afinal,
lá no Intermed sentira muita vontade de conhecê-lo melhor, passar tardes batendo papo
e aprendendo a decifrar cada uma de suas expressões.

Beto sorriu com evidente alívio após o beijo. Talvez fosse justamente esse tipo de
atitude que gostara tanto no garoto.

“Olá.” Respondeu acariciando com o polegar a bochecha rechonchuda dele.

“Awn, que fofo!” Gabi falou encantada.


“Oh, vou vomitar.” Dani revirou os olhos, com certa diversão, e pegou na mão da Gabi
e a levou até o sofá, sentando-se junto com ela. “Então, eu separei algumas opções de
restaurante, vocês podem escolher. Não sei vocês, mas eu já estou morta de fome.
Vocês dois demoraram a chegar.”

Gabi soltou uma risada nervosa. Era tão constrangedor.

“É que pegamos o ônibus errado e fomos parar em outra cidade... Por isso as duas horas
de atraso...” Gabi admitiu com uma risada e, depois disso, ela e Beto foram motivo de
piada por vários minutos.

XxxX

Acabaram almoçando num restaurante em frente à praia do Laranjal. Tanto Gabi quanto
Beto não conheciam o lugar, e ficaram encantados. Era uma prainha, banhada pela
Lagoa dos Patos, que ficava a apenas dez minutos do centro da cidade, e parecia tirada
de cartões postais. Gaivotas pareciam se reunir em determinados pontos da areia.

Agora caminhavam pelo calçadão que tinha em torno de 2 km de extensão, apreciando a


vista. Um vento fraco refrescava o ambiente já de temperaturas mais baixas de outono,
mas o sol no céu azul-límpido era agradável e reconfortante, e as várias árvores e
coqueiros pelo caminho deixavam o ambiente propício para uma caminhada após um
almoço repleto de conversas, brincadeiras e risadas.

Beto e Milo andavam de mãos dadas mais atrás, podendo ver as meninas mais à frente,
também de mãos dadas, às risadinhas, daquelas que sempre deixam os outros
desconfiados, pois certamente há fofocas rolando.

“É muito bonito aqui. Deve ser ainda melhor no verão.” Beto olhou para as águas
tranquilas, pensando que era um ótimo lugar para remo, canoagem e Kitesurf em dias de
vento, três coisas das quais gostava de praticar, geralmente no Guaíba, quando possível.
“É liberado para banho?”

“É sim, em alguns pontos... Esse ano falaram que havia sete pontos liberados para
banho... Sabia que o nome desse balneário é Balneário dos Prazeres? Sugestivo, não?”
Perguntou imprimindo um tom malicioso na pergunta, seus lábios se curvando em um
sorriso sugestivo.

Beto riu e parou, puxando-o para um abraço, não se importando com quem também
passeava pelo calçadão, ou andava de bicicleta por ali. Eram poucas pessoas de
qualquer forma, e já passara da fase de se constranger com essas coisas.

Milo lembrou que achava o sorriso dele muito meigo, com um ar infantil devido ao
aparelho.

“Mesmo? E por que desse nome?”

“Não sei. Talvez porque seja o melhor lugar para dar uns amassos. Como naqueles
bancos sob as árvores.” Milo indicou um dos bancos sob uma árvore frondosa de galhos
retorcidos e antigos, nascendo da areia clara.
“E as gurias?”

“Prefiro que se peguem bem longe de mim.” Riu-se Milo, puxando Beto para se sentar
ali com ele. A sombra da árvore estava para o outro lado, então ainda pegavam um
pouco de sol. Sentou-se e se aconchegou a ele. “Vamos ficar um pouquinho aqui
porque, eu não disse antes, mas não gosto de caminhar logo depois de comer.”

“E o que tu gosta de fazer depois de comer?” Beto perguntou, passando um braço pela
cintura do menor.

Milo abriu um sorrisinho que não mostrava os dentes e aproximou o rosto do mais
velho, roçando o nariz no dele.

“Gosto de beijar.” Admitiu, e deu-lhe um selinho, antes de abraçá-lo, sendo retribuído


pelo outro, que ria. “Estou feliz que veio... Eu me envergonho de dizer, mas... Eu não
teria te convidado. Não gosto dessas coisas à distância.”

“Eu também não gosto. Preferia poder te ver todos os finais de semana. Mas acho que
terei de me contentar com eventuais visitas.” Beto disse, um tanto prepotente, afinal,
Milo não comentara nada sobre ‘próximos finais de semana’, mas o de cabelos
encaracolados gostava de garotos confiantes, e também abusados.

Riu, erguendo o olhar.

“Então tu quer mesmo ter algo à distância comigo?”

“Se eu não quisesse, não estaria aqui, não é?” Beto perguntou retoricamente,
acariciando a bochecha do menor. Ele fazia isso bastante, e Milo achou que acabaria se
acostumando a isso. Era um carinho estranhamente fofo e confortador, e a maneira com
que Beto o olhava enquanto o fazia lhe aquecia mais do que o casaco que lhe cobria o
corpo.

“Não, não estaria... Mas não entendo como será isso. Parece mais sério do que apenas
ficar.” Cogitou, se perguntando se teria de ser fiel ou não. Estava acostumado a ficar
com alguém por uma noite, no máximo alguns dias, e depois partir para a outra, sempre
sem nenhuma espécie de compromisso. Mas Beto viera até ali só para vê-lo, isso
deveria significar algo a mais, certo?

Beto beijou-o rapidamente nos lábios e depois na bochecha, mordendo-a de leve. Estava
apaixonado por aquelas bochechas, eram carnudas e rechonchudas, deixavam o Milo
com um aspecto angelical. O apelido de anjinho combinava muito bem com ele.

“Vamos apenas aproveitar o dia que temos, ok? Não precisamos nos preocupar com
isso, o que importa para mim, ao menos, é que tu me quer aqui, tanto quanto eu quero
estar aqui.” Tentou acalmá-lo. Se começassem a falar sobre compromisso tão cedo,
certamente aquilo não duraria nada. Não era momento.

Apesar de achar a resposta extremamente insatisfatória, Milo concordou e descansou a


cabeça contra o peito do maior. Beto tinha braços calorosamente aconchegantes, que o
deixava com vontade de se agarrar a ele e não se soltar nunca mais.
Era uma sensação boa.

XxxX

Dani se divertia com o quanto Gabi era tagarela. Ela simplesmente não calara a boca
desde que começaram a caminhar. Aliás, ela não calara a boca desde que saíram para
almoçar, parecendo mais empolgada que o habitual. Dani sorria internamente com o
pensamento de que era a ‘culpada’ pela animação da morena. Mas agora estava sentindo
algo estranho no peito ao ouvi-la falar sobre a Franciele. Mesmo que estivesse
reclamando da amiga, pois as duas haviam brigado na noite anterior, na tal Festa dos
100 Dias.

Dani sabia que a Franciele não era sua maior fã, e talvez por isso acabasse com um pé
atrás com a menina também. No caso, um pé atrás pela relação dela com a Gabi, apesar
da novidade de que a Fran e o Rafael estavam namorando.

“E aí eu me pergunto: por que as pessoas se metem tanto na vida dos outros? E daí se
uma guria pega vários, veste roupas curtas ou flerta com vários garotos? Isso faz dela
alguém pior? Alguém que merece desprezo? Alguém a se olhar torto? Que conceitos
são esses? Que mania é essa que temos de julgar as pessoas por coisas tão fúteis? Parece
que as pessoas tem uma fixação absurda quanto a vida pessoal e sexual dos outros... É o
mesmo com os homossexuais, é a mesma ideia. Essa fixação sobre o que a pessoa está
fazendo de sua vida particular, com quem está transando, como, onde, quando, com
quem, com quantos? Isso importa, muda a vida? Não, não muda. Isso não faz o caráter
de ninguém. Aí é vadia pra cá, vadia pra lá, e ela é puta, e ela não se dá ao respeito.
Sério, que respeito é esse que as pessoas exigem dos outros, quando elas próprias não
respeitam e saem julgando?” Desabafou tudo de uma única vez, chegando a ficar
ofegante. Eram coisas que haviam ficado entaladas durante toda a noite.

Dani abaixou o olhar.

“Eu entendo o que está dizendo, acredite ou não, já passei por bastante desse
preconceito.” Olhou para a morena, sorrindo. “Mas acredite, todas as ‘vadias’ em algum
momento percebem que a opinião alheia não importa. Que julguem, que apontem o
dedo, que torçam o nariz. Não importa. Porque enquanto essas mesmas pessoas se
afogam em restrições e julgamentos, nós vadias estamos vivendo tudo que a vida
oferece, estaremos acertando e errando, e talvez nos arrependendo de algumas escolhas,
às vezes, mas esses problemas são nossos, e de mais ninguém, nós sabemos de nós
mesmos, não os outros. Nós escolhemos nossos amigos e amores, sem medos, pois não
há mais nada a temer. Já somos julgados, o que há para perder?” Sorriu abertamente, e
puxou a morena para a praia, deixando seus pés afundarem na areia. “Sabe... Quando eu
morava na reserva, meu primeiro amor foi uma menina. Mas nós apenas trocamos uns
beijos inocentes, pois tínhamos muito medo, não éramos fortes para vencer toda aquela
repreensão. Hoje eu uso isso, entre tantas outras coisas, para não perder nenhuma
oportunidade. Sou julgada de prepotente e exibida por ir atrás do que eu quero, mas não
me importo mais, porque, afinal, não importa. Se arrepender de algo que deixamos de
fazer por covardia é o pior dos sentimentos.”

Gabi sentiu o coração palpitar. Era tão bom encontrar alguém com as mesmas opiniões.
Dani era tão decidida e forte, era algo que admirava. Ela própria, apesar de todos os
seus discursos, tinha certo medo da opinião alheia em alguns aspectos. Talvez por isso
se revoltasse tanto. Talvez apenas quisesse um mundo onde as pessoas aprendessem a
não julgar, e permitir a todos a liberdade de viverem suas vidas, criarem memórias e
terem novas experiências, sem serem massacradas por isso. O sonho de tantos jovens...

“Mas não fique braba com a Fran, Gabi. Converse com ela, exponha sua opinião. Às
vezes, as pessoas apenas falam as coisas da boca para fora, sem real intenção de ferir.
Estão tão acostumadas a agir assim, acostumadas a aceitar o que já é dito como verdade
absoluta por quase todo mundo, que apenas se deixam levar. Às vezes, tudo que
precisam é de uma boa influência. E tu, certamente, é uma ótima influência.” Dani
apertou-lhe a mão com mais força.

“Não sei, minha mãe costuma dizer que eu sou uma péssima influência para meus
primos mais novos. Me pergunto o porquê disso...” Gabi ponderou, segurando o queixo.
Dani riu, guiando-as em direção ao cais que avançava lagoa adentro.

“Mas sério, pare de falar da Fran agora, porque sou ciumenta. Ela pode passar todos os
dias contigo, enquanto eu estou aqui, em outra cidade. E eu sei o quanto vocês duas são
próximas...” Avisou, ficando um pouco séria. Gabi arregalou os olhos, e depois
gargalhou, jogando-se nas costas da índia.

“Boba. Eu e ela somos como irmãs. Eu nunca nem cogitei nada com ela...”

“É, mas aposto que também não cogitou nada comigo até estar bêbado o suficiente para
acabar participando de um beijo triplo, e depois me agarrando absolutamente do nada.”
Dani brincou, mas havia certa seriedade em seu tom.

Vivera tanto tempo de sua vida sozinha, depois perdera a pessoa que mais amara, e que
lhe amara de volta, como mãe e amiga, sem cobrar-lhe nada. Hoje em dia, quando se
aproximava de alguém, carente, acabava por tornar-se extremamente possessiva. Alguns
de seus medos a deixaram, mas outros surgiram, como o medo de perder novamente as
pessoas que lhe eram especiais.

“Não é tão verdade...” Gabi murmurou, virando-a para si, colocando as mãos na cintura
da índia. “Eu já sentia algo por ti no nosso ano do cursinho. Era algo que eu nem
entendia e eu ignorei, ainda estava me descobrindo... Acabei ficando com o Fabrício,
mas a amizade entre eu e ele prevaleceu. Enquanto isso, eu ficava reparando em ti.”

“Gabi...” Dani ficou realmente surpresa, e se envergonhou de invejá-la naquela época,


por ela ficar com o garoto pelo qual desenvolvera certa paixão. “Aquele ano foi tão
conturbado pra mim. Tanta liberdade de uma só vez, como eu nunca havia sentido,
meus primeiros amigos e... A perda da Moema. Foi tudo tão intenso e devastador. Eu
queria ter feito as coisas diferentes...”

“Dani, não foi tu mesma que disse que temos de tentar, mesmo se nos arrependermos
depois, do que nos arrependermos de não tentar? Tu não fez nada de errado, do que te
envergonha? Eu que me envergonho de ter te julgado antes de conversar contigo. Foi
idiota da minha parte.” Acariciou-lhe os cabelos negros compridos. Mesmo com o vento
fraco, continuavam perfeitamente lisos, ondulando como um véu noturno.
“Não foi. Eu devia ter mantido contato, ter confiado mais em vocês, explicado tudo.
Escondi demais, e depois me afastei. Eu sentia tantas saudades. Mesmo que eu nunca
tenha conseguido manter uma conversa longa com o Rafa, ou que a Fran me odeie pelas
coisas que eu fiz, eu sentia saudades de nós cinco no cursinho, daquelas risadas e
brincadeiras, e até das neuroses de pré-vestibulandos.” Sorriu, um tanto emocionada,
seus olhos mais úmidos. “Foi tão bom reencontrar vocês no Intermed...”

“Reencontrar nós, ou reencontrar o Fabrício?” Gabi perguntou. É, Dani não era a única
ciumenta ali. Dani a olhou com os lábios entreabertos, o cenho franzido. “O quê? Acha
que eu vou esquecer que tu estava apaixonada pelo Fabrício até algumas semanas
atrás?”

“Gabi!” Dani riu-se, e se jogou na areia, levando a morena com ela, que soltou um
gritinho. Sujar as roupas de areia era horrível, mas Dani não se importou. “Eu não
estava apaixonada pelo Fabrício. Sim, eu fui apaixonada por ele há um ano atrás, mas
foi uma paixão passageira. No Intermed, era como se eu quisesse apenas concluir algo
que não se concretizou no passado e deixou um vazio... Eu achei que ele estivesse
dando em cima de mim, e tentei. Eu sempre tento, sou assim e não consigo refrear.
Tentei, não deu, ele já ‘tava em outra, e fim. Agora, eu também ‘tô em outra.” Explicou
com certa diversão. Adorava que sentissem ciúmes de si, fazia com que se sentisse
querida e importante.

Gabi, que estava deitada por cima dela na areia, a encarou em dúvida, mas logo acabou
por sorrir.

“Hunf, sim, está na minha agora. Melhor esquecer isso...” A morena decidiu e
aproximou seu rosto. Seus lábios se tocaram com doçura, a maciez de ambos se
misturando antes os entreabrissem e se permitissem mais. Dani a abraçou, sentindo a
respiração falhar de leve junto a um leve gemido de satisfação, e Gabi acabou por sujar-
lhe a bochecha com areia ao segurar-lhe gentilmente o rosto.

O beijo tinha um ingênuo gosto de chocolate.

XxxX

Beto e Milo reencontram as meninas sentadas na ponta do cais, abraçadas enquanto


conversavam e observavam a longa lagoa. Algumas pessoas andavam de remo por ali.
Beto tentou convencê-los a fazerem aquilo também, mas seu pedido foi
peremptoriamente negado. Como já era final de tarde, resolveram ir a um dos barzinhos
que haviam por ali, em frente ao calçadão. As opções eram variadas, mas sequer
escolheram muito. Acabaram sentados em uma mesinha do lado de fora, e beberam e
conversaram até altas horas. Brincaram de ‘eu nunca’ e acabaram por descobrir várias
coisas uns sobre os outros, algumas até bem vergonhosas. O jogo também causou
discórdia quando Milo bebeu no ‘eu nunca transei com mais de uma pessoa ao mesmo
tempo’.

Beto, já meio bêbado e mais ciumento que o comum, saiu da mesa pondo-se a caminhar
sem direção quando Milo se recusou a dar mais informações sobre o assunto. Milo teve
de correr atrás do garoto e enchê-lo de chamegos e palavras amorosos tolas para fazê-lo
voltar à mesa. Beto, que quando passava do ponto só sentia vontade de se agarrar a
alguém, acabou esquecendo-se da brincadeira e ficava o tempo todo tentando beijar e
agarrar o de cabelos encaracolados; então eles deram a noite por encerrada, pois seria
perigoso demais irem a alguma festa ou qualquer outra coisa no estado em que estavam.

Voltaram para o apartamento, e Dani sugeriu que assistissem a algum filme, ela tinha
alguns novos baixados. Gabi gostou da ideia, não queria ir dormir tão cedo. Mas Milo
teve de levar o Beto para a cama, pois ele parecia pronto para entrar num caixão e dar a
vida por encerrada.

“Ele vai viver. É um pinguço, ‘tá acostumado.” Gabi deu de ombros, antes de ir ao
banheiro, escovar os dentes e tomar um banho.

Dani preparou uns sanduíches, já que a última vez que haviam comido alguma coisa
fora no almoço, e levou alguns para o Milo. Beto já parecia meio pregado de sono na
cama.

“Eu devia ter impedido ele de beber tanto.” Milo comentou, com um bocejo. “Achei que
ele seria o mais forte de todos nós.”

“Eu também achei. Quem diria, né? Só tem tamanho.” Dani sentou-se um pouco na
cama. “E aí, gostou da surpresa?”

“Eu acho que te odeio ainda mais. E se eu acabar me apaixonando, o que vou fazer? O
Beto é possivelmente o melhor cara com quem eu já fiquei... Ele é tão fofo e doce... E
agora eu estou-“

“Com medo? Ai, Milo, quantas vezes já te disse? Não temos de ter medo de nos
arriscar. Temos de ter medo de deixar as oportunidades passarem. Era isso que eu queria
te mostrar. Ele queria tanto te ver, e tu por teimosia iria deixar essa chance passar.
Esqueça essa de ‘se apaixonar é para os fracos’ e se permita um pouco.” Falou com um
ar de irmã mais velha, e tocou-lhe a mão.

“Mas e se eu acabar machucado? Moramos longe, nos veremos de vez em quando... E


do jeito que vai, eu vou querer ele sempre comigo. Ele pode ter vindo até aqui, mas e se
for apenas curtição?”

“E não é? Por enquanto é curtição, não se sabe o que pode vir disso. Não fique
pensando nisso e estragando o presente, ok? Se tu acabar machucado, vai sofrer, e
depois vai seguir em frente, mas sempre terá as memórias daquilo a que tu se permitiu.
Se não vencer esse medo, apenas terá a amarga memória de algo que nunca aconteceu.”
Se levantou e deu-lhe um beijo na testa. “Te amo, anjo.”

“Te amo, índia.” Retribuiu apertando-lhe a bochecha. Dani deu-lhe um tapa na mão e
foi para a sala, colocar o filme. Sabia que apenas ela e Gabi assistiriam, pois o Milo
ficaria com o Beto, que provavelmente não acordaria tão cedo.

Era um filme de comédia romântica. As vantagens de ficar com uma garota – ela nunca
reclamaria de filmes melosos, pelo contrário, ela os aprovaria. Riu com a ideia e se
sentou no sofá.
Gabi apareceu pouco depois e, como uma gatinha manhosa, se acomodou no sofá, em
seu colo.

“O que vamos ver?” Gabi perguntou, roçando o nariz em sua bochecha. “O Beto dormiu
mesmo?”

“Pensei em colocar um filme novo, mas como fiquei extremamente chocada de tu nunca
ter visto ‘Uma linda mulher’, foi esse que coloquei. Um pouco de cultura filmográfica te
fará bem.” Dani determinou, beliscando-a de leve na barriga.

“Ai, não faz isso.” Gabi tapou a barriga, envergonhada.

“E por que não?” Dani perguntou maldosa, beliscando-a mais algumas vezes. Gabi se
encolheu inteira, reclamando.

“Ai, para, eu sei que tu me acha gordinha...” Disse, com um bico. As sobrancelhas
negras da índia subiram, um tanto perplexa, até lembrar-se das coisas que havia falado,
da boca para fora, que de uma maneira muito torta chegaram aos ouvidos da morena.

“Gabi, eu não acho isso.” Falou, séria, envergonhada também, mas de si mesma. “Tu
tem um corpão.”

“Não! Tu que tem... Eu sou cheia de gordurinhas...” Gabi desviou o olhar. Não devia ter
tocado nesse assunto, mas era algo que lhe pinicava os pensamentos quando estava com
a índia – no fundo achava que a Dani a via assim. Isso, e o fato de que Dani tinha um
corpo escultural, simplesmente perfeito, com peitos, coxas e bunda generosos e firmes,
uma cintura esbelta e uma barriga lisinha, sem nenhuma gordurinha extra.

Gabi sabia que estava muito longe desse ideal de beleza.

“Vou te provar que não estou mentindo.” Dani murmurou, segurando-lhe o rosto. “Vou
provar que a inveja faz a gente falar besteiras, como tentar diminuir alguém para nos
sentirmos melhor com nós mesmos. Infelizmente já fiz uso desse veneno, mas eu
aprendi com esse erro...”

Gabi a abraçou quando Dani a beijou. Um beijo calmo, mas ainda assim forte, que
transmitia desejo. Estremeceu de leve, entreabrindo mais os lábios, e se sentou de frente
para ela, em seu colo. Dani era mais alta; Gabi era mais o estilo baixinha e fofinha –
1,55m de altura –, enquanto Dani era um mulherão de 1,75m.

Abraçaram-se, tocando-se com um desejo crescente que tornava o beijo a cada segundo
mais intenso. Gabi ofegou ao sentir, minutos depois, as mãos de unhas pintadas da índia
invadindo sua blusa, e ergueu lentamente os braços quando ela as puxou para cima. A
única luz ligara era a da cozinha, então a sala estava parcialmente escurecida e, na TV,
cenas do filme passavam sem serem notadas. Gabi segurou os cabelos macios da índia
ao senti-la descer os beijos para seu peito, beijando-lhe os seios apertados no sutiã com
uma delicadeza excitante.

Quando a mão dela apertou-lhe um deles, com força calculada, suspirou, logo se
arrepiando com o carinho em sua barriga. Quis retribuir e começou a retirar também a
blusa dela. Olhou um tanto maravilhada para o corpo amorenado e belo dela, à meia luz.
Gabi abraçou-a, deixando seus seios se apertarem um contra o outro, e beijou-a no
pescoço, deixando trilhas de saliva ali, e se pressionou mais a ela ao senti-la abrir-lhe o
zíper da calça e, então, com um beijo provocativo em seu ombro, tocá-la sobre a
calcinha, massageando-lhe o ponto erógeno.

“E se o Milo vier aqui pra sala?” Gabi perguntou contra a orelha dela, movendo
lentamente o quadril para intensificar as carícias.

“Acredite, ele vai voltar rapidinho pro quarto...” Dani riu, antes de abrir-lhe o sutiã e
olhá-la nos olhos. Gabi gemeu antes de beijá-la e apertar-lhe o seio, puxando as alças
dele para baixo. Dani ronronou em meio ao beijo ao deitar-se no sofá, com a morena por
cima. A coxa da Gabi encaixou entre suas pernas, e ela a movia junto ao quadril,
também proporcionando-lhe prazer.

Os beijos continuaram, cada vez mais intensos, insuficientes, e as respirações


começavam a pesar, deixando-as ofegantes. Gabi segurou um dos seios da índia e
sugou-lhe o bico, apertando-o mais forte ao sentir um dedo penetrá-la lentamente,
explorando-a e encontrando-a úmida. Procurou também o sexo da índia, e a beijou
quando sentiu o calor da índia os envolver com entrega.

Tremeram juntas, enquanto os corpos roçavam com uma paixão nova, e seus lábios se
tornavam cativos um do outro. Dani tinha um aroma de baunilha e canela que Gabi
adorava, parecia próprio dela, desprendendo-se de sua pele de oliva. Era tão viciante... E
ela ficava tão linda gemendo, com os seios fartos subindo e descendo no ritmo da
respiração acelerada. Gabi esqueceu-se de suas inseguranças, sentindo-se inteiramente
envolvida pelos toques da índia, e teve um espasmo forte e vibrante pelo corpo quando
Dani a segurou com mais força, e lhe massageou mais profundamente, procurando por
seus pontos mais fracos.

“Está satisfeita, ou quer mais?” Dani perguntou baixinho, sorrindo com doçura e
malícia, uma estranha mas instigante combinação.

“Quero mais...” Gabi murmurou, beijando-a.

Dani inverteu as posições no sofá, e decidiu que provaria suas palavras, mas também
provaria cada pedacinho do corpo da morena, pois gostava dela inteira, sem tirar nem
pôr, gordurinhas ou não.

XxxX

Milo estava profundamente desolado. Não iria mentir, queria se esbaldar no corpo
daquele moreno. Beto não era musculoso, mas tinha um corpo lindo, longilíneo e
definido, extremamente sexy... Ah, e ele sabia muito bem dar uso a aquele corpo. As
vezes que transaram no Intermed havia sido memoráveis, Milo se arrepiava só de
lembrar. Mas bem, o babaca bebera demais, e agora lhe restava dormir. Tomara um
banho rapidamente, fizera sua higiene, e fora para a cama, deitando-se junto ao rapaz.
Dani já havia dito que dormiria no sofá com a Gabi. É, Milo sabia bem o que ela faria
com a Gabi no sofá... Ao menos alguém se dará bem hoje à noite, suspirou.
Mas tinha de admitir, era de certa forma aconchegante ter o Beto em sua cama apenas
para dormir. Fingia que não, talvez pelo tanto que sofrera de rejeição na adolescência, e
dos foras que recebera, principalmente de um garoto em especial por quem se
apaixonara, mas era hétero e lhe dera um toco daqueles, mas às vezes sonhava com um
namorado com quem dividiria a cama, momentos bobos e carícias apaixonadas. Estou
me precipitando! Pensou angustiado. Talvez também por isso fugisse de coisas sérias,
acabava sonhando demais. Mantinha a pose de ‘sou autossuficiente, não preciso nem
quero ninguém’ para não se magoar novamente. E bem, era mesmo autossuficiente, mas
até que gostaria de alguém.

Acariciou o rosto do Beto, sorrindo com seus pensamentos tolos. Ora, nunca antes um
garoto havia viajado para vê-lo, ainda mais sem avisá-lo. O fizera se sentir especial e,
distraído, ficou alguns minutos velando o sono do rapaz, porque não queria ir dormir
ainda. Para sua surpresa, Beto acabou abrindo os olhos.

“Hei...” Ele murmurou, parecendo cansado. “Acordei no céu? Estou vendo um anjo.”

Milo revirou os olhos.

“Sabe o quão velha é essa cantada?” Perguntou, mas um sorriso lhe escapou.

“Não é cantada, não preciso mais disso. Estou apenas falando o que eu vejo.” Sorriu,
mas logo levou uma mão à cabeça. “E agora o mundo está girando...”

“Eu tenho um engov na gaveta, eu vou-“

“Não. Tu é meu engov, fica aqui.” Beto pediu, fazendo o menor rir.

“Como tu é bobo...” Murmurou, mas deitou-se juntinho a ele novamente.

Beto deitou-se de lado e o abraçou pela cintura.

“Eu sei, sou mesmo. Melhor se acostumar, pretendo ficar mais bobo a cada nova visita.”

“Hm... Eu acho que posso me acostumar com isso.” Ronronou.

Seus lábios se encontrarem após o breve diálogo foi apenas natural, beijos doces e sem
nenhuma intenção além de aproveitar o momento. Suas roupas estarem, minutos depois,
no chão, também foi bastante natural.

Igualmente natural, foi o momento em que Milo deitou-se de bruços e sentiu o corpo do
garoto cobri-lo e, com beijos em sua nuca, penetrá-lo lentamente enquanto segurava-lhe
a mão em cumplicidade. Deliciosamente natural foram os vários minutos que levaram
perdendo-se no corpo e calor um do outro, de uma maneira extremamente nova para
ambos. Não porque fossem virgens, mas porque havia algo além da simples necessidade
física. Algo novo, tímido, dando seus primeiros passos.

Algo que era melhor não definir, que ainda não tinha palavras exatas.
Ao final, Beto deitou a cabeça no colo do mais novo, ouvindo a música que o vizinho
colocara para a tocar, algo extremante censurável para o horário, mas ela vinha baixinha
e suave, embalando o sono eminente, assim como o carinho suave e gostoso que Milo
fazia em seu cabelo.

Sinceramente você pode se abrir comigo


Honestamente eu só quero te dizer
Que eu acertei o pulo quando te encontrei
Acertei

Eu sei a palavra que você deseja escutar


Você é o segredo que eu vou desvendar
Você acertou o pulo quando me encontrou
Acertou o pulo quando me encontrou

E então o nosso mundo girou


Você ficou e a noite veio
Nos trazer a escuridão
E aí então
Eu abri meu coração
Porque nada é em vão...

“Estou ouvindo tua barriga roncar.” Beto comentou após alguns segundos, e Milo
gargalhou e gargalhou, porque era bom rir.

E porque estava feliz.

Notas finais do capítulo


Música que toca ao final do capítulo: http://www.vagalume.com.br/cachorro-
grande/sinceramente.html Próximo capítulo agradecerei às recomendações (porque não
sei se quem recomendou lerá esse extra), e também antes de postar o próximo cap., eu
responderei todos os reviews. Perdão por não tê-los respondido ainda. Atualização
semana que vem, porque estou com bastante estudo pra colocar em dia nesse feriado...
Abraços, obrigada a quem leu!

(Cap. 42) Cuidado em quem confia


Notas do capítulo
Agradeço MUITO às pessoas que recomendaram: Charlie, Daychan e Okumura Rin!
BABANDO nas recomendações, sério, ai, nem acredito. Obrigada!

André sentia, mas suprimia, certa vontade de imitar a liberdade do Guilherme e Davi
juntos – o menor encostado no peitoral do namorado, que mantinha os braços frouxos
ao redor da cintura dele. Haviam apanhado, mas decidiram que não iriam se esconder,
no máximo cuidarem os lugares por onde andavam sozinhos. Que a sociedade os
engolisse trocando carinhos e deixando claro que eram um casal. E, sentados sobre uma
toalha na grama da Redenção, pegando o solzinho agradável de inverno de meio de
tarde, André e Fabrício estavam ali junto com eles.

Fora ideia do Davi, que queria conhecer melhor o namorado do loiro, e também queria
que André conhecesse o Guilherme. O chimarrão percorria a roda, esquentando-os do
frio, e a conversa fluía tranquila, enquanto Vilão brincava com Sascha pelo gramado.
Apesar de estarem os dois bichinhos sem coleira, nunca se afastavam muito. Ainda que
às vezes disparassem correndo um atrás do outro, Sascha sempre voltava saltitando
ofegante, até ser novamente ‘atacado’ por Vilão e a brincadeira recomeçar.

“E parece que a maioria foi para a cadeia.” Davi contou sorrindo largamente, sem
nenhuma pena. “Pegaram em flagrante.”

“Isso é ótimo!” André ficou verdadeiramente aliviado. “Mas eles mereciam uma surra
também.”

“Espero que não sejam simplesmente soltos depois de todas as vítimas que fizeram.”
Fafá comentou, mas sabia que no Brasil isso era complicado. “Eles chegaram a matar
alguém?”

“Parece que houve uma vítima. Não mataram na hora, mas ele não aguentou os
ferimentos no hospital.” Guilherme informou, sombrio, inconscientemente trazendo o
Davi para mais próximo de si. “Por um lado, acredito que demos sorte. Afinal estamos
os dois aqui, vivos e inteiros, apesar dos dentes que tive de recolocar.” Sorriu amarelo.
Perdera um dos dentes, mas os pais do namorado haviam pagado sua recuperação, pois
seus pais tinham um orçamento apertado. Fora surpreendente, mas mostrava que os pais
do pequeno vinham mudando.

“E serviu pro Dré cair na real e depois conseguir se assumir.” Davi alfinetou, olhando
para o loiro, com um sorrisinho.

André abaixou a cabeça, chateado.

“Preferia ter caído na real de forma diferente.” Resmungou e arrancou uma graminha do
chão. Fafá deu-lhe um apertão na bochecha. “Hei!” Reclamou.

“Iria acabar percebendo. Eu garantiria isso.” Fafá sorriu divertido enquanto André
massageava a bochecha.

Ainda engataram num papo extenso e acalorado sobre preconceito, injustiças sociais,
defeitos e qualidades do país, corrupção e só pararam quando Davi os interrompeu, pois
não gostava de discutir partidos políticos, mesmo em discussões saudáveis como aquela.
Política e religião, duas coisas que lhe entediavam ao extremo.

“Daqui a pouco estaremos discutindo a teoria da relatividade.” Davi reclamou.

“Mudando de assunto então, vocês dois estão pensando em morar juntos?” Fafá
perguntou curioso. Achava a ideia fantástica, lhe lembrava de seus tios. Eles haviam
decidido morar juntos bem cedo, até pela questão familiar complicado do tio Henrique.
“Sim!” Davi sorriu emocionado. Havia conversado recentemente sobre isso com o
Guilherme, e ele também achava uma boa ideia. “Meus pais, apesar de terem se tornado
mais tolerantes e estarem me tratado muito bem, pedido desculpas e tudo, ainda
guardam certos preconceitos, e não gostam do Guilherme... No fundo o culpam por ter
me ‘convertido’ e pela surra. O que é ridículo! Eu que converti o Gui.” Riu convencido.

“O pior é que nem posso discordar completamente disso.” Guilherme revirou os olhos e
beliscou a cintura do namorado. “E a surra foi culpa de idiotas intolerantes como eles.”

“Hei, olha lá como fala dos meus pais!” Davi pediu, ficando sério, e o Guilherme
suspirou. “Apesar de tudo, eles estão tentando, a cada dia me aceitam um pouquinho
mais... Enfim, o Gui conseguiu estágio em outro lugar, e eu já conversei com meu pai,
ele disse que posso começar a estagiar na empresa dele, mesmo se me mudar. Apenas
minha mãe está relutante, mas ambos parecem respeitar minha decisão.”

“Mas não é meio cedo? Vocês não estão juntos não tem nem um ano...” André
perguntou, sem nem pensar se a pergunta era inconveniente ou não. Ainda tinha certa
dificuldade para aceitar atitudes inconsequentes do amor, sempre fora bastante cético,
tanto que nunca se envolvera amorosamente com ninguém. Até recentemente. Acariciou
Sascha, que viera se rebolando todo por cima da toalha querendo carinho. Ele parou
lambendo os dedos do loiro, que lhe segurou o focinho, balançando-o de um lado para o
outro, implicando, e Sascha rosnou querendo brincar de morder.

Davi deu de ombros, enquanto André movia a mão para escapar das mordidinhas
saltitantes do labrador.

“Eu vinha dormindo quase todos os dias na casa do Gui antes, até pra liberar o ap. pro
Leo. Não vai mudar muita coisa. E se der errado, volto pra casa dos meus pais.” Davi
também precisou dar atenção ao Vilão, que viera tentar lamber-lhe o rosto, enquanto seu
parceiro de brincadeira se distraía com o loiro.

“Eles iriam adorar que desse errado entre nós.” Gui revirou os olhos e se inclinou para
trás, apoiando as mãos da toalha. “Eles me odeiam.”

“Bah, eu também sou odiado pelo pai do André, entendo o sentimento.” Fabrício ergueu
o polegar, num cumprimento de animação debochada. Sascha achou que aquilo era para
ele e tentou abocanhar o polegar do moreno. “Eu sinto como se um grupo de assassinos
contratados fosse aparecer a qualquer momento pra me matar, esses dias gritei como
uma guriazinha quando estava voltando para casa à noite, mas era só um gato
derrubando umas latas de lixo.” Fabrício riu junto com os outros.

“Mas como assim?! Heitor descobriu sobre vocês?!” Davi perguntou, demonstrando-se
preocupado ao afastar o Vilão, que foi morder o Sascha e o arrastou com ele novamente
para a grama. Sascha abriu a boca, mostrando os dentes e virando a cabeça de um lado
para o outro. Na primeira oportunidade, pulou e mordeu a orelha do husky.

“Quase. Ele nos flagrou quando estávamos prestes a nos beijar, mas isso já tem umas
três semanas, e desde então ele só vem me enchendo os tubos, me lançando indiretas,
me sondando, perguntando sobre o Fabrício. Estou até meio assustado, mas ele não
pareceu irritado em nenhum momento.” Contou, ressabiado. Não acreditava naquela
calmaria do pai.

“Bah, mas o olhar que ele me deu depois do flagra foi de arrepiar. Me senti como um
gafanhoto pronto para ser esmagado.” Fafá estremeceu ao relembrar aquilo. Coçou o
olho, sentindo a lente seca num deles. Desejou tirá-la, mas não havia como, ali. “Eu
tinha me esquecido de como ele é assustador.”

“Não precisa chorar, Fafá. Se ele tentar te esmagar, ou te assustar, pode deixar que eu
ajudo meu pai.” André o confortou com deboche, e riu sarcástico quando o moreno o
empurrou pelo ombro, fazendo-o cair para o lado.

“Mas tu ficou ainda mais impossível depois que começamos a namorar, ô Bela
Adormecida!” Fabrício o puxou antes que ele conseguisse reagir, engatando o braço no
pescoço do loiro, fingindo estrangulá-lo.

“Eu impossível?! Olha quem fala!” André exclamou debatendo-se para se soltar do
gancho imbatível do moreno. Sascha latiu esganiçado com aquilo, mas quem o labrador
atacou foi o Vilão, que novamente disparou correndo, sendo prontamente perseguido.
Passaram por uma toalha alheia de um grupinho de jovens, derrubando algumas coisas;
foram xingados, mas não pararam de correr.

“Bela Adormecida?” Davi perguntou curioso.

“Não, não conta!” André pediu ainda preso. Maldito braço musculoso. Fabrício riu
perverso, e começou a contar o ocorrido no dia do trote solidário. “Não, Fabrício! Não!”
Mordeu-o no antebraço, fazendo o moreno soltar um urro de dor e enfim soltá-lo.

“Tu quase arrancou um pedaço de mim, tchê!”

André o ignorou.

“Se Deus existir e for bom, meu pai nunca irá descobrir nada, ao menos não até eu estar
formado e morando na minha própria casa, ganhando meu próprio sustento.”
Praticamente orou por aquilo. “Do contrário terei de buscar abrigo no apartamento do
Fabrício, olha que destino cruel.”

“Eu ia gostar. Ia ter alguém pra lavar as minhas cuecas.” Fafá sorriu cara de pau, ainda
massageando a área do antebraço com as marquinhas dos dentes afiados do loiro.

André o olhou perplexo, quase engasgando.

“Vai sonhando, idiota. Quer receber outra mordida?”

“Ei, que injusto! Eu ainda quero saber o porquê de Bela Adormecida!” Davi reclamou,
mas o André o mandou ficar quieto. “Sabe, vocês dois parecem que já estão juntos há
um tempão, e não há mais ou menos um mês. Serem grandes amigos desde antes deve
ajudar, né?” Davi perguntou, sorrindo para as implicâncias. “Eu admito que demorei um
pouco pra me sentir totalmente confortável com o Gui.”
“É, eu sofri por três meses, a maior abstinência da minha vida.” Guilherme rolou os
olhos. Só de lembrar já sentia um alívio por aquilo ter ficado para trás. Depois que o
Davi perdeu a inibição, a vida mudou. Até numa sessão praticamente vazia de cinema já
haviam transado. Fetiche seu – transar em lugar público. Davi se tornara bastante
soltinho em vários aspectos, aleluia.

“Não estava falando disso, Gui! Ou só disso...” Davi deu-lhe um tapinha no braço.

André se calou, ficando desconfortável por um momento, e o Fafá riu de leve, coçando
os cabelos. Tal desconforto de ambos atraiu a atenção do outro casal, que rapidamente
compreendeu que certo alguém ainda não havia liberado. Davi o olhou boquiaberto por
alguns segundos, antes de explodir em indignação.

“Porra, André! Pra que fui contigo depilar e comprar kit de enema!? Nem usou aquilo
ainda? Sofreu pra nada?” Davi perguntou exasperado, não segurando a língua.

André quase o assassinou apenas com o olhar.

“Cala a boca, Davi!” André exclamou, mortificado.

“O que é enema?” Fafá quis saber, mas o loiro o mandou calar a boca também e mudou
radicalmente de assunto, começando a falar de modo um tanto aleatório sobre a
faculdade e todas as provas finais que viriam pela frente. Dirigiam-se para as últimas
semanas de aula.

Para ajudar, Guilherme também contou sobre as da engenharia, e o Davi o acompanhou,


até porque sentiu, com um arrepio, que o loiro poderia matá-lo ali mesmo caso desse
continuidade àquele assunto. Nesse meio tempo, Vilão se cansou e se deitou na grama
perto deles, ignorando todas as mordidas e rosnados que recebia do Sascha, que, mais
filhote, não parava quieto um minuto. Sascha havia crescido uns bons centímetros,
afinal, já estava com uns quatro meses.

Claro, curioso como era, até o final da tarde o Fafá ainda perguntou umas três vezes o
que era esse tal enema que o loiro havia comprado, e por quê. André o ignorou todas as
vezes, assim como o Vilão ignorava o Sascha. Só esperava que ele não fosse pesquisar
sobre o assunto na internet, corava só de imaginar. A verdade era que o dia dos
namorados seria no próximo final de semana, e ele e o Fabrício haviam combinado de
passarem o final de semana juntos em Gramado, uma cidade turística muito bonita da
serra gaúcha.

E como seria apenas os dois, num hotel, no dia dos namorados...

XxxX

Lázaro saiu da última aula do dia já com um enjoo no estômago. Voltar para casa e
conviver com os pais vinha sendo uma verdadeira provação desde que eles haviam
descoberto sobre sua orientação sexual. Flávia não parava de falar sobre Deus, e obrigá-
lo a rezar junto com ela. Sabia há muito tempo que a mãe era extremamente religiosa,
mas ela nunca o havia obrigado a ser também. E agora ela parecia terrivelmente
arrependida por isso, culpando-se por ele ter ‘ido para o mau caminho’.
Suspirou e começou a caminhar até seu carro, mas quando chegou lá, tomou um susto
ao encontrar justamente seu tio homofóbico esperando-o, apoiado no próprio carro
estacionado ao lado do seu. Arregalou os olhos sem entender o que aquilo poderia
significar. Ele viera para xingá-lo, era isso? Se for isso, eu juro que vou dar um soco na
cara dele, há muitos anos quero fazer isso. Pensou, apesar de perceber perfeitamente
que o tio era muito mais forte e sabia autodefesa. Heitor não era o mais alto dos
homens, um pouco menos de 1,80m talvez, mas impunha respeito e tinha um físico
magro e forte, os ombros rígidos e a expressão praticamente sempre austera e superior.

“Tio Heitor...” Acabou falando ao parar em frente a ele. Pensou em xingá-lo, mas então
se lembrou: Não posso dispensá-lo porque ele controla mais da metade dos negócios do
meu pai, e o Adriano ainda deve pra ele. Apesar da raiva que sentia dos pais, não queria
ferrar os negócios deles. “Estou surpreso.”

“Não fique. Há um bom motivo para eu procurá-lo. Entre no carro comigo um pouco,
gostaria de conversar.” Ele pediu e abriu a porta do carro preto, que Lázaro tinha quase
certeza tratar-se de um Porsche. Mas não entendia muito de carros. De qualquer forma,
acabou entrando, sentindo-me extremamente desconfortável com aquilo.

Logo Heitor estava sentado ao seu lado, e o motorista, separado dos dois pelo vidro
negro que isolava a parte de trás, colocou o automóvel em movimento.

“Então, como vai, Lázaro?”

“Tu deve imaginar, é tão homofóbico quanto meus pais. A vida não anda fácil, mas eu
continuo a mesma bicha que sempre fui, apesar de tudo.” Disse descarado, cruzando os
braços e voltando o olhar para a rua. Não podia falar abertamente com os pais, então
falaria com o tio, ao menos um pouco. Era bom poder extravasar um pouco sua
frustração, mesmo que falar aquilo talvez trouxesse dificuldades para o Adriano na
firma. De repente, Lázaro não dava mais a mínima.

Heitor, no entanto, permaneceu impassível.

“Eu imagino como deve estar sendo difícil para todos. Mas não vim aqui tentar colocar
alguma razão na tua cabeça.” Heitor se acomodou também. “O que eu acredito é que tu
iria gostar de sair de casa, viver a vida como bem entende sem precisar dar satisfação
aos teus pais.”

Lázaro arqueou as sobrancelhas, ressabiado.

“Isso seria ótimo, sim.”

“Posso fornecer isso. Pagarei uma quantia considerável mensal, pelo tempo que
precisar. Posso te conseguir um emprego em outra firma.” Heitor cruzou as mãos sobre
o colo, olhando diretamente para o sobrinho, seus olhos azuis mais sagazes do que
nunca.

Lázaro ficou ainda mais desconfiado.

“E o que eu tenho de fazer?”


“Manter um olho no André para mim. Ele andou... Te defendendo esses dias, e retomou
uma amizade antiga com certo rapaz. Mantenha um olho nos dois, se aproxime do meu
filho. E depois me conte tudo.” Heitor determinou.

Tentara descobrir por si próprio, mas o André estava mais fechado do que nunca, não
lhe obedecia como antes e sumia sem dar explicações. Afogado em trabalho como
sempre fora, não tinha tempo para averiguar, mas tal assunto vinha lhe tirando o sono.
Também havia uma razão para ‘contratar’ o afilhado – poupar a irmã Flávia de conviver
com o filho, ela havia lhe ligado aos prantos implorando para que a ajudasse, pois o
marido nada fazia. Heitor não era religioso como ela, mas a irmã se tornara
exageradamente, após aquele episódio que toda a família havia enterrado no passado.
Dessa maneira, manteria um olho no sobrinho, pela irmã, e daria um tempo para que ela
absorvesse aquela história. Talvez dali um tempo aquela rebeldia adolescente do Lázaro
passasse e ele se acertasse com alguma moça decente, se casasse e se encaminhasse na
vida.

“Tu quer que eu descubra se teu filho é gay?” Lázaro riu daquilo, e continuou rindo
mesmo perante a expressão irritada do mais velho. “Sério? E vou ganhar tudo isso até
me ajeitar?” Era a chance perfeita.

“Meu filho não é gay. No máximo meteu-se com as pessoas erradas. Se algo estiver
errado, o mandarei para a Europa novamente, dessa vez para terminar os estudos, sob os
cuidados do avô.” Heitor se levantou e entregou um papel com uma conta recém-aberta
para o Lázaro. “Depositarei o dinheiro nessa conta, à qual tens total acesso. Poderá
alugar um apartamento próximo da faculdade.”

Lázaro aceitou, apesar da consciência pesada. Era isso, ou viver sufocado pelos pais. Ao
menos tinha uma chance de começar de outra forma, com ajuda financeira.

E de qualquer forma, sempre odiara o primo.

XxxX

“Porra, essa prova de histologia prática me quebrou as pernas!” Gabi saiu do ICBS
dizendo. A prova era prática, dez questões que poderiam ter subquestões, cada uma em
um microscópio preparado pelas duas professoras da cadeira. Um minuto para olhar no
microscópio e escrever, e no final entregava-se a folha à professora.

Mas a Gabi era quase sempre assim. Saía da prova dizendo que tinha se ferrado e,
quando as notas saíam, lá estava um nove. Pior que ela apenas a Fran, que tirava dez –
era a que mais estudava do grupo – e entrava na onda da morena, criando dramas junto.
André não sabia se aguentaria aqueles dramalhões todos até o final da faculdade.
Poderia até considerar suportar, caso elas realmente fossem mal, mas não quando era
pura fachada. Massageou os olhos, ainda estavam esperando o Fabrício. Já o Rafael
tinha a prova apenas às 17h30min, ainda nem aparecera de tarde no centro.

“O que tu botou ali na última questão? Eu olhei praquilo e fiquei muito em dúvida.”
Gabi perguntou à Fran. As duas haviam se acertado assim que a Gabi retornou de
Pelotas, jamais conseguiram ficar brigadas por mais do que alguns dias.
“Acho que coloquei que era astrócito protoplasmático.” Fran informou, e a Gabi deu um
gritinho e um pulinho, batendo palmas.

“Então acertei!”

“Não sei se eu ‘tô certa né!” Fran exclamou, e a Gabi deu de ombros dizendo que ela
estava sempre certa. Fran rebateu e a discussão começou. André massageou novamente
as têmporas.

“Sério, vocês duas sempre estão certas, então parem com essa discussão sem sentido!
Amanhã ela deve mandar o gabarito e vocês terão o dez de vocês.” As interrompeu,
entediado. Só continuava ali, pois sabia que dali a pouco o Fabrício também sairia.
Alguns colegas também estavam ao redor, discutindo a prova, mas poucos. Eles se
aproximaram do trio.

“Olha quem fala, outro que só tira dez praticamente. E não estuda quase nada. Uui, eu
tenho memória fotográfica.” Gabriella ergueu as mãos pra cima e disse num tom
debochado que supostamente imitava o loiro. “Eu passei no vestibular sem fazer
cursinho, sou melhor que todos vocês, uuuui.” Continuou implicando.

“Sério que tu passou sem cursinho?” Um dos colegas que se aproximou perguntou,
chamava-se Matheus, e era baixinho, lembrava um macaco e ainda por cima adorava se
intrometer em todas as conversas. André suspirou, desejando que Gabi fosse um guri
apenas por alguns minutos, tempo suficiente para dar uns bons tabefes nela. Estava com
dor de cabeça depois da semana com três provas seguidas, só queria ir para casa
descansar.

Pelo menos amanhã iria viajar com o namorado e esquecer um pouco aquele final de
semestre insuportável. Só de pensar nisso, tinha vontade de sorrir como um bobo, mas
obviamente se segurava. Já chega o Fabrício sorrindo feito um bobo nessa relação,
pensou com certa diversão cruel.

“Fiz um mês de cursinho, quando voltei da Europa.” André contou, mantendo o tom
neutro apesar de, sim, já ter-se gabado disso algumas vezes só pra implicar com os
amigos. Gabi e Rafa fizeram dois anos de cursinho, e conheceram a Fran e o Fabrício no
segundo ano, sendo que esses dois haviam passado na primeira tentativa.

“Bah, que inveja. Eu tive de fazer quatro anos pra passar.” Informou outra colega, uma
loira baixinha, irritadiça, que falava alto e era bastante extrovertida. Tinha um nome
estranho que o André nunca recordava.

“Bah, quatro anos?! Mas o importante é que passou! Tem gente que faz quatro, cinco
anos, e ainda assim não consegue!” Gabi disse para animar a loira. Ela concordou.

“Sim, eu nem me estresso mais com isso. Estou aqui na faculdade agora, como todo
mundo. Posso ter demorado, mas consegui ao menos. Acho que na vida todo mundo
tem seu tempo, não dá pra ficar se comparando com os outros.” Ela disse, bem segura
de si.

“Isso aí!” Gabi ergueu a mão pra um high five.


Começaram um papo sobre cursinho, professores, aulas, e André nem prestou muita
atenção, já que ficara tão pouco tempo naquela vida de pré-vestibulando. Minutos
depois, Fabrício apareceu, caminhando daquele seu jeito despojado, de quem não tem
pressa de nada, enquanto batia papo com a Ana, que se provara a garota mais inteligente
da turma, e a Vanessa. Essa felizmente nunca se lembrara da noite da festa, e das
palavras que Fabrício e André haviam trocado bem à sua frente.

Quando eles estavam quase perto, alguém lhe tocou o ombro. Virou-se e tomou um
susto ao deparar-se com uma alma penada. No caso, o branquelo esquálido do seu
primo.

“Lázaro.” O nome não saiu com muito prazer de seus lábios. “O que quer?”

“Que antipático, André. Como sempre.” Fez questão de ressaltar. “Será que posso falar
contigo rapidinho?”

André queria apenas enxotá-lo como um cachorro de rua pedindo comida, mas respirou
fundo e, fazendo um sinal para o Fabrício, se afastou um pouco do ICBS com Lázaro.
Pararam quando chegaram a um pequeno caminho sob árvores atrás de um depósito
longo mais à frente. Lázaro parou, torcendo as mãos. Seu olhar parecia arrependido.

“Desculpa pelas coisas que falei há algum tempo. Eu estava estressado, a situação lá em
casa não ‘tá legal. Eu acredito que tu não contou nada, pois senão meus pais teriam
comentado alguma coisa.” Disse com um ar triste. “Eu sei que tu também não gosta de
gays, mas-“

“Não!” André o cortou. Odiava essa fama, queria mudá-la. “Não penso mais como
antes. Não vejo nada de errado. Desculpa se algum dia eu te ofendi com meus
comentários...”

Lázaro ficou surpreso, de verdade. Jamais esperaria um pedido de desculpas do primo.

“Quem é você e o que fez com meu primo?” Lázaro perguntou, brincando, mas em
parte também sério. André fez uma careta de tédio.

“As pessoas mudam, ficamos um bom tempo sem nos falar... Mas então, tranquilo sobre
antes. Eu imagino que deve estar sendo tenso passar por isso. Se eu soubesse que teus
pais voltavam na manhã seguinte, não teria-“

“Não tinha como tu saber, de qualquer forma. Mas então... Acho que tu é o único da
família que não está me condenando. Obrigado.” Falou abrindo um sorriso que deixou o
loiro desconcertado. Quando havia visto Lázaro lhe sorrir dessa forma amigável?
Nunca. Chegava a ser assustador e lhe despertar arrepios desagradáveis.

“Bem, se precisar de ajuda em alguma coisa...”

“Ah, obrigado. Sabe, meus pais continuam a não me deixar sair de casa. Estou trancado
como um criminoso.” Suspirou com um ar cansado. “Foi bom descobrir sobre esse teu
novo lado, André. Acho que poderemos pela primeira vez começar uma relação de
primos de verdade.” Sorriu novamente, estendendo a mão.
“É, eu acho... Será um desafio te aguentar, mas acho que aguento.” André concordou
irônico e apertou a mão do primo mala.

Lázaro alargou o sorriso. Foi muito mais fácil do que imaginara, o primo realmente
havia mudado. Sequer percebia a falsidade de seu sorriso. Ele não conhece meus
sorrisos verdadeiros. Pensou, e no fundo sentiu um enjoo no estômago por enganá-lo,
considerando que o André, diferentemente de si, parecia sincero naquele aperto de mão.

Notas finais do capítulo


EEEEEEEEEEE postei cedo! No fim esse meu feriado tá inútil e não ando conseguindo
estudar nada. Meu final de semana lotou com as coisas a terminar haha! Próximo
capítulo talvez demore porque ainda tenho de escrevê-lo *foge* e preciso ainda
reformular os últimos capítulos da história, pois tive um zilhão de novas ideias para o
final, e quero ajeitar tudo. Mas não, isso não é um hiatus, apenas demorará um
pouquinho mais pro próximo. É isso, até maaaaaaaaaais! (ps.: Durante o findi respondo
as reviews do extra, ok? Já respondi as do cap. 40, aí logo respondo as do extra!)
Beijos!

(Cap. 43) Somos o que há de melhor


Notas do capítulo
Música do capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=UPF6cj7GSnI

André bem que tentou escapulir de casa bem cedo pela manhã. Pegaria seu carro, em
vez da moto, pois seria melhor para viajar até a serra, considerando também que estava
bem frio, e então passaria na casa dos tios do Fabrício. O moreno havia dormido lá
aquela noite, porque um prédio estava sendo construído bem ao lado do dele, e dormir
se tornara impossível em seu minúsculo apartamento. O plano de sair despercebido, no
entanto, foi cruelmente frustrado por Cíntia, que acordara bem cedo e o abordou antes
que conseguisse atingir seu destino, a garagem.

Ela frequentemente sofria de insônia, André perdera a conta de quantas vezes ela o
flagrou chegando em casa tarde, na ponta dos pés.

“Filho.” Ela chamou, e o loiro congelou antes de dar meia volta, sorrindo amarelo para a
mãe. “Já está indo! Combinou tão cedo com teus amigos... Quem vai mesmo?”

“Quem acordou cedo para um sábado foi tu, mãe.” André comentou, e foi dar um beijo
nela. “Vai o pessoal de sempre: Nati, Leo, Davi, Tati, Lucas...” Mentiu deslavadamente,
algo que se tornara uma constante nos últimos tempos.

“Estão todos solteiros?” Cíntia riu. “A Tati não tinha namorado?”

“Ah, eles vivem brigando.” André deu de ombros, passando desconfortavelmente uma
mão pelos cabelos jogados para trás. A outra segurava a alça da mochila atirada
displicentemente às costas. “Iremos aproveitar que estamos solteiros e passar esse
tempo juntos. A Tati sempre reclama que nunca viu neve, então...”

“E teus amigos da faculdade? O Fabrício? Gabi o nome da menina, não? Teu pai veio
me perguntar do Fabrício, se eu já sabia. Eu disse que sim, tu sabe que ele não gostava
dele pela situação financeira, mas eu falei que isso era coisa do passado. Os dois serão
futuros médicos, colegas de profissão, eu sempre achei bobagem essas coisas de ‘classes
sociais diferentes’. Ainda lembro de como vocês dois se davam bem quando pequenos,
sempre juntos...” Cíntia comentou, com certo ar saudoso. “Tu parecia um anjinho
naquela época.”

“Mãe...” André revirou os olhos, mas sorriu. Era bom que ao menos a mãe não tivesse
nada contra seu namorado, apesar de, claro, ter noção de que ela não gostaria nadinha
quando e se descobrisse que eram justamente namorados.

Mas, realmente, ela sempre acobertara a amizade dos dois.

Cíntia riu e segurou-lhe o rosto para beijá-lo na testa. Era alguns centímetros mais baixa
e, sem seus costumeiros saltos altos, teve de ficar na ponta dos pés, enquanto o André se
abaixava um pouco para receber o carinho.

“Sempre será meu menininho.” Cíntia garantiu, ajeitando as roupas do filho, mesmo que
elas estivessem perfeitamente alinhadas. “Mas agora vá, não queremos deixar teus
amigos esperando.”

“Valeu, mãe. Até domingo!” André a abraçou rapidamente e praticamente correu para a
garagem, afinal, assuntos envolvendo o namorado sempre poderiam acabar de maneira
perigosa. Não queria acabar falando nada que deixasse a mãe, ou o pai desconfiados,
então vinha evitando falar sobre a faculdade, preferindo comentar apenas sobre seus
amigos mais antigos.

“Te amo!” Ainda ouviu a mãe gritar quando já entrava na garagem.

Mães... No fundo, todas iguais. Pensou, com certo pesar enquanto entrava no carro e
novamente sentia aquele aperto no peito por saber que, eventualmente, iria decepcioná-
la. Suspirou com certa tristeza mas, como muito vinha fazendo, afastou tais
pensamentos. Tinha todo um final de semana pela frente com o namorado e não queria
estragá-lo com suas preocupações.

As colocaria na gaveta, já que, em relação aos pais, o armário estava bem ocupado.

XxxX

Cherry acabara de dar uma patada no focinho do Sascha, fazendo o cachorrinho ganir
baixinho e se afastar magoado, quando o Fabrício jogou-se no sofá com a mochila
pronta, bastando agora esperar o namorado. Diogo e Henrique estavam acordados, eles
costumavam acordar cedo aos finais de semana. Henrique pelo costume, Diogo porque
gostava de aproveitar bem o dia, afinal, durante a semana, Henrique saía cedo e voltava
tarde.
Henrique pegou o Sascha no colo, e este, carente, encheu-lhe de lambidas na bochecha.

“Entendeu, Fafá?” Diogo perguntou. Acabara de lhe explicar o caminho até Gramado.
Fabrício já havia ido até lá com os pais, mas poucas vezes e de carona, portanto, sem a
preocupação de saber o trajeto. Além disso, pegavam outro caminho, pois saíam da
cidade do interior, não de Porto Alegre.

Fabrício coçou distraidamente a barba.

“Pegar a estrada de Petrópolis, sei, sei.” Dispensou, acariciando os pelos branquinhos de


Cherry quando esta veio se acomodar manhosamente em seu colo. O André, que iria
dirigindo, provavelmente sabia o caminho. A realidade era que o Fabrício não confiava
muito em suas noções de direção e espaço. Talvez, se tentasse, arruinaria a famosa Lei
da Relatividade do espaço-tempo.

“Pegou o presente de dia dos namorados, Fafá?” Henrique perguntou. Havia ajudado a
comprar, pois se dependesse do moreno, ele acabaria sem a mínima noção de com que
presentear o loiro. E, claro, ainda havia a chance de ele se esquecer de levar o presente.

Fabrício, no entanto, concordou.

“E camisinhas? Lubrificante? São mais importantes que qualquer presente. Tente sem
lubrificante, e na manhã seguinte nenhum presente, flores ou mimos recompensarão o
ódio do loiro pela dor que tu deixará nos fundilhos.” Diogo alertou sabidamente. “Teve
uma vez que eu e o Henrique-“

“Diogo, ninguém precisa saber sobre nossas peripécias sexuais, muito menos o teu
sobrinho.” Henrique o impediu de contar alguns fatos nada desagradáveis de quando
eram mais novos, menos experientes, e mais impacientes. Bem verdade que Henrique
nunca fora dos mais afobados, porém se hoje em dia o Diogo ainda era, há uns dez anos
atrás então...

“Só estou tentando ajudar.” Diogo murmurou, parecendo-se momentaneamente como o


Sascha após levar a patada da Cherry. Henrique revirou os olhos com um sorriso leve,
comentando que iria preparar um chimarrão.

Fabrício riu da situação, esticando um braço sobre o encosto do sofá enquanto mantinha
as carícias atrás da orelha da gatinha. Cherry já tinha o tamanho de uma gata adulta,
magra e esguia, ocupava boa parte de seu colo, ronronando feito um trator. Continuava
carinhosa apenas com o dono, mas já era bem menos arisca com os tios do moreno.

Nesse momento, Sascha reapareceu e correu até o sofá, tentando pular para o colo do
moreno também, porém falhou miseravelmente e caiu de bunda no chão, com um latido
descontente.

“’Tá tudo cedo, tio. Eu ‘tô indo precavido.” Fabrício assegurou, movendo o pé para que
Sascha tentasse mordê-lo. Cherry o observava de cima com uma expressão do mais
puro desagrado, seus olhinhos oblíquos de gata fixos nos movimentos do filhote. “Eu
quero que tudo seja perfeito!”
“Bom garoto! Mas então, quais são os planos para o final de semana?” Perguntou,
milagrosamente sem nenhuma malícia na voz. Gramado era uma cidade interessante,
havia muito que fazer, e também se podia visitar Canela, a cidade vizinha que também
possuía muitas atrações turísticas.

“O André reservou um quarto no hotel Bangalos da Serra-“

Diogo concordou com a escolha, era um dos dez melhores da cidade.

“Parece que não só tu quer tudo perfeito, hein?” Riu-se divertido. “O hotel fica num
lugar lindo, perto do Lago Negro, e pertinho de Canela e do Parque do Caracol. E ainda
tem umas hidromassagens...” Beijou a ponta dos dedos, em um cumprimento culinário.
Obviamente a malícia não ficaria tanto tempo ausente, e logo Diogo já sorria cheio de
sugestões em cada um de seus dentes brancos.

Fabrício coçou a barba.

“As fotos do lugar são mesmo lindas. Só que ele quis pagar tudo, disse que depois eu
pago o que gastarmos no passeio, se eu quiser.” Fabrício, quando namorava a Thaís, ex-
namorada, costumava pagar tudo. Se fizesse qualquer mínima sugestão de ela pagar
alguma coisa, Thaís se ofendia e desistia de sair. Logo ter um namorando querendo
pagar tudo era um tanto inusitado e diferente.

“Ah, mas é assim mesmo. Ele tem mais dinheiro que tu, por enquanto, se ele quer pagar
e não se importa, não precisam discutir por isso. Vão fazendo um balanço, ele paga
aqui, tu paga lá, e assim vai indo. Ou dividir igualmente, quando possível.” Explicou,
puxando o Sascha para suas pernas quando este, cansado de morder os tênis do
Fabrício, recorreu-lhe atrás de algum carinho.

“É, eu sei. Só é diferente mesmo. Mas sei lá, até gostei. Vou ficar mal-acostumado.”
Soltou uma risada junto com o tio. “Sabe, tio, eu ‘tô muito feliz mesmo. Às vezes fico
pensando que eu e ele estaríamos juntos há muito mais tempo, já que até falar que ia me
casar com ele quando era moleque, eu falei. Engraçado que eu nem me lembrava disso,
mas ele lembrava.”

“Lembrava?” Diogo soltou uma gargalhada. “A memória daquele moleque vale ouro.”

“Ele admitiu antes de nos acertamos no Intermed.” Fabrício sorriu bobamente com a
lembrança, suspirando em seguida. “Eu ‘tô mesmo apaixonado.” Riu de si mesmo,
acompanhado do tio. Já se apaixonara antes, mas sentia que agora era diferente das
outras vezes. Queria grudar naquele loiro e não perdê-lo nunca mais.

Não cometeria o mesmo erro novamente.

“Isso é ótimo. Estar apaixonado é ótimo!” Diogo exclamou, extremamente contente


pelo sobrinho. É claro que ele sabia que, não fosse pelo traste que era o pai do loiro – o
qual tivera o desprazer de conhecer no passado –, os dois teriam continuado juntos, e
teriam, conforme havia previsto há dez anos, começado a namorar muito mais cedo.
Mas o importante é que estavam juntos agora. Diogo até poderia começar a acreditar um
pouquinho em destino depois dessa.
“É verdade, não há nada como estar apaixonado.” Henrique, sorrindo, retornou com o
chimarrão em mãos, e entregou a cuia para o tatuado, sentando-se na ponta da poltrona.
Sascha tentou meter o focinho no chimarrão, mas o Diogo o impediu. “Aproveitem
bastante esse primeiro dia dos namorados. E cuidado na estrada, sem altas velocidades,
ok?”

“Pode deixar, vou controlar aquele loiro.” Fabrício afiançou divertido, colocando
também certa dose de malícia na frase, a qual foi imediatamente aprovada pelo tio.

Culpa da convivência, obviamente.

XxxX

Quando o André chegou, primeiro agarrou-se ao Sascha e não o soltou por um bom
tempo. Parecia-se com uma criança que reencontrava seu bichinho de pelúcia favorito.
Sascha se esganiçava, latindo, lambendo-o, balançando o rabo. O loiro ficava
extremamente aliviado com o fato de o labrador, além de não se esquecer de si, ainda
demonstrar saudades. Depois disso, aceitou um chimarrão e uns bolinhos de queijo
ofertados pelos tios do namorado.

André, no entanto, parecia mais nervoso que o normal. Henrique entendeu o que se
passava quando, antes de os dois garotos pegarem a estrada, o loiro tê-lo ‘encurralado’
na cozinha, apertando o Sascha em seus braços como faria com um brinquedo, enquanto
mordia ansiosamente os lábios. Henrique ergueu as sobrancelhas, momentaneamente
preocupando-se com o que estaria afetando o loiro. Pensou ser nervosismo de virgem,
mas não era assim tão simples.

“O que houve, André?”

“E se meus pais descobrirem?” perguntou baixinho, piscando os olhos. “Eu... Eu tentei


desligar os pensamentos disso, mas como vou aguentar se minha mãe me olhar com
nojo e desprezo? Se eu nunca mais ouvir dela um ‘eu te amo’, ou que eu ‘sempre serei o
menininho’ dela? Como tu lidou com isso?” Apertou mais o filhote em seus braços, e o
Sascha mirou o psiquiatra com um olhar dengoso e brilhante, como se esperasse
também por uma resposta.

Henrique suspirou, com uma contração no peito. Era um assunto delicado e complicado.

“Eu nem sei dizer como que lidei com isso, André. Até hoje, isso é uma ferida.
Infelizmente eu tive de escolher entre ser aquilo que meus pais queriam, fazê-los feliz,
mas que me faria infeliz, ou decepcioná-los e encontrar minha felicidade. Se eu pudesse
escolher, escolheria um terceiro caminho, mas esse caminho não se abriu para mim. Se
eu sinto falta da relação que eu tinha com meus pais antes de tudo? Sim, eu sinto. Mas
se para ter essa relação eu precisava fingir ser algo que não sou, então eu prefiro não tê-
la. Mas, André, tu não sabe como será em relação aos teus pais. Talvez tua mãe te
aceite.”

André balançou a cabeça, soltando o ar com desprezo para a ideia.


“Tu não diria isso se visse o desprezo que ela demonstrou ao descobrir que meu primo é
gay. O desprezo de ambos. Sabe, eu já esperava isso dos meus pais, esperava até da
minha mãe... Mas foi a primeira vez que a vi realmente falando mal de um
homossexual. Talvez porque fosse da família, pois ela parece ser indiferente a outros
homossexuais, ela trabalha na área de decoração, então chega a ter relações
profissionais com alguns. Mas imagine se ela souber que o filho dela...”

Sascha lambeu a bochecha do loiro, que respirou fundo, tentando se acalmar enquanto
segurava um espirro. Ainda era meio alérgico ao filhote.

“Ela aceitar outros homossexuais já é alguma coisa, não? Talvez tudo que ela precise
seja se acostumar com a ideia. Mas não adianta ficar se mortificando com isso agora. O
momento certo de contar tudo a ela virá, acredite em mim.” Henrique colocou uma mão
sobre o ombro do loiro e, para surpresa deste, puxou-o para um abraço. Sascha latiu ao
ver-se quase esmagado entre os dois, mas na verdade pareceu gostar, pois tentou lamber
ambos. “Pode sempre contar comigo quando precisar conversar, ok?”

“Obrigado, Henrique.” André agradeceu, com um sorriso fraco, mas agradecido.

“Que isso. Agora, por favor, desligue-se dos problemas e aproveite esse final de semana
que será só de vocês, e também porque o Fabrício só faltava flutuar nas nuvens desde
ontem com esse passeio.” Brincou, piscando-lhe um olho. André riu, com certo
constrangimento. Fafá idiota, pensou enquanto suas bochechas se pintavam levemente
de vermelho.

“Eu vou, até porque, acredite ou não...” Aproximou-se conspiratoriamente do de cabelos


compridos, erguendo a mão para esconder parcialmente os lábios e sussurrar
praticamente inaudível: “Eu também estou nas nuvens.”

Largando o Sascha no chão, praticamente correu para fora da cozinha antes que
escutasse qualquer comentário sobre isso. E, claro, foi interceptado por certo moreno
assim que chegou à sala. Fafá o abraçou e ergueu do chão, com um sorriso largo antes
de beijá-lo na bochecha, para completar com um brinde o constrangimento do loiro.

“Tudo pronto, Bela Adormecida?”

“Para de me chamar assim!” André reclamou, aborrecido. “Já não basta me chamar de
Santa? Maldito apelido que se alastrou por toda faculdade!” Simplesmente todos os
colegas de turma, e até alguns de outras turmas, passaram a chamá-lo de tal maneira.

Fabrício apenas riu, falando algo sobre ‘Santa’ ser bonitinho e combinar com ele.

Maldito Fabrício.

XxxX

A viagem até Gramado estava estranhamente longa. André franziu a testa após algum
tempo, com o sexto sentido cutucando-lhe o cérebro. Fabrício batucava ao seu lado,
acompanhando uma das músicas que tocava no rádio.
“Diga a verdade ao menos uma vez na vida–” Fabrício cantou, inclinando-se para perto
do loiro para provocar-lhe a orelha. André se arrepiou inteiro, quase derrubando o
chimarrão. Dirigia com uma mão e, com a outra, segurava a cuia. “Você se apaixonou,
pelos meus erros!”

“Para com isso, vou acabar saindo da estrada!” Reclamou. “E tem algo de errado. Tem
certeza que não tínhamos de ter entrado em Petrópolis e ido pela estrada dentro da
cidade?”

“Não lembro, pensei que tu sabia.” Fabrício falou distraidamente, e continuou a


cantoria. André adorava a voz do moreno, porém naquele momento queria que ele
calasse a boca e prestasse atenção no que estava falando. Mas não, no lugar disso, ele
cantou: “Diga a verdade, ponha o dedo na ferida, você se apaixonou, pelos meus
erros!”

“Me apaixonei o caralho, tu falou que não era pra entrar lá e seguir a estrada, e agora me
diz que não lembra e que eu deveria saber? Por mim a gente tinha entrado!” André
exclamou, estressado. Era incrível como o loiro se tornava ainda mais estressado que o
normal quando dirigia e, ainda assim, afirmava que adorava dirigir.

Depois eu sou o louco, Fafá pensou, infantil e momentaneamente emburrado.

“Desculpa...?” Pediu com um sorriso deslavado, movendo as sobrancelhas negras.

André bufou e entregou a cuia do chimarrão para o moreno. Depois procurou o celular
no bolso, abrindo o aplicativo de mapas. Santa paciência, se o caminho certo fosse o
outro, a viagem se prolongaria por mais umas duas horas.

“Caramba, nós já estamos quase em Caxias!” Exclamou ao olhar para o mapa, e deu um
tapa na cabeça do Fabrício quando este começou a gargalhar, principalmente da
expressão espantada do namorado.

“Bah, nós fomos longe!” Falou o moreno sem perder o bom humor. “Calma, loirinho, é
só dar meia-volta e logo estamos lá de novo, nem faz tanto tempo que passamos do
caminho certo.”

“Mas se nos atrasarmos, podemos acabar perdendo as reservas do hotel, moreninho.”


Replicou, utilizando o apelido com uma entonação debochada e ácida. Respirou fundo,
olhando rapidamente no mapa onde era o lugar mais próximo para inverter o caminho.
“Na nossa próxima viagem, tu não abre a boca pra dar opinião na estrada, ok?”

“Já pensando na nossa próxima viagem? Assim eu apaixono mais.” Brincou, dando um
apertão na bochecha do loiro. Carinhoso, André quase o mordeu, e o Fafá puxou a mão
rapidamente para não acabar com um dedo a menos.

Nada abalado, Fafá apenas voltou a acompanhar a música que seguia para os
finalmentes:

“Feitos um pro outro, feitos pra durar! Uma luz que não produz... Sombra! Vai tu
também, loiro!”
“Me lembre também de te colocar no porta-malas na próxima viagem...” André
resmungou baixinho, revirando os olhos e empurrando novamente a cabeça do moreno
quando este tentou beijar-lhe a bochecha. “Sai, vai nos matar assim! Toma esse
chimarrão e fica quieto, peste!” Reclamou, acabando por deixar escapar uma risada que
acompanhou à do namorado.

Somos o que há de melhor


Somos o que dá pra fazer
O que não dá pra evitar
E não se pode esconder...

XxxX

Gramado não é o terceiro destino mais desejado do Brasil por nada.

Tem um ar europeu, com ruas floridas – os jardins de hortênsias que percorriam as


beiras das estradas, as casas de arquitetura germânica, algumas lembrando chalés; as
praças arrumadinhas, as lojinhas e várias atrações, tudo deixando a cidade ainda mais
encantadora. A temperatura caía bastante ali na serra. Como estavam atrasados, André
seguiu direto para o hotel, que ficava um pouco distante da cidade, mas o simples
caminho até lá, entre as árvores, por uma estradinha de areia tosca, já era de admirar.

“Uou, é lindo aqui!” Fabrício exclamou enquanto saía do carro. “E ‘tá frio!” Tremeu
inteiro, já que estava mal agasalhado, com apenas uma camiseta de mangas compridas
sob um casaco de meia-estação. André, que estava bem entrouxado, afinal não queria
que sua rinite alérgica atacasse, foi até o moreno, tirando o cachecol que usava e
colocando-o ao redor do pescoço do moreno.

“Idiota, te avisei que ia estar bem frio, ainda mais aqui no meio de todo esse mato. Vai
acabar gripado.” Resmungou, arrumando o cachecol no pescoço do namorado. Fabrício
sorriu com a preocupação do loiro e o abraçou de supetão, afundando o nariz gelado no
pescoço aquecido e branquinho do André. Este se arrepiou e piscou aturdido com o
beijo que recebeu ali.

Torceu os lábios.

“Se alguém iria desconfiar que somos um casal de gays curtindo o dia dos namorados,
agora não há dúvidas.” Falou, um tanto desconfortável. Era inevitável. Ainda não
conseguia agir como namorado em lugares públicos, sentia-se oprimido pelos olhares e
repreensões silenciosas nas expressões das outras pessoas. Algumas, talvez, apenas na
sua imaginação.

“Desculpe.” Fabrício pediu pela segunda vez no dia. “Às vezes me esqueço das outras
pessoas.”

“Tudo bem...” André murmurou, pois, no fundo, gostava desse jeito despreocupado do
namorado. Talvez devesse mandar tudo à merda e sair andando por aí de mãos dadas,
abraçar e dar beijinhos rápidos publicamente, assim como o Davi e o Guilherme faziam.
Mas... Era difícil. “Vamos entrar.” Falou, puxando-o consigo para dentro do hotel.
Não queria estragar o clima com tais inseguranças.

O hotel era composto por vários bangalôs próximos. Não era extremante sofisticado,
mas era organizado, simples e aconchegante. Haviam chegado atrasados e, por
conseguinte, perderiam as reservas, mas antes que o André fizesse terrorismo
psicológico com a moça da recepção, Fabrício o interrompeu, apoiando um braço no
balcão e inclinando-se um pouco para frente com um sorriso sedutor.

“Hei, eu acredito que uma moça bonita – com um sorriso desses” emendou quando a
garota sorriu abaixando o olhar “vai dar um jeito de ajudar dois desesperados patetas
que erraram o caminho na estrada e chegaram meia horinha atrasados, certo?” Sorriu
mais largamente, seu sorriso bobo que, no entanto, era de um charme impecável.

A moça, corada, reabriu o caderno de reservas.

“Bem... Eu acho que posso dar um jeito sim.” Sorriu docemente, olhando com um
interesse indisfarçado para o Fabrício.

André tinha as orelhas vermelhas enquanto observava aquilo e, além de apertar os


punhos, tinha a mandíbula travada. Aquela guria só faltava comer o seu namorado com
os olhos! Tudo bem que o cara de pau do Fabrício tivera o disparate de flertar com ela
bem na sua cara, e agora ainda tinha o descabimento de lhe piscar descontraidamente o
olho, junto com um sorrisinho cúmplice no canto do lábio.

André apenas pegou as chaves e seguiu para o bangalô reservado a eles, pisando duro.

“O que foi?!” Fabrício perguntou ao entrar no quarto, seguindo-o. Era um cômodo


bastante aconchegante. Possuía uma cama de casal e um pequeno espaço para o jantar,
próximo a uma lareira que já estava acesa, deixando o ambiente extremamente
agradável.

André largou as malas em cima da cama, ainda sem dizer nada, mas sentiu um arrepio
quando percebeu o moreno atrás de si. Ele lhe segurou os braços e roçou os lábios em
sua nuca, beijando-o de leve. O arrepio aumentou.

“Não vai falar nada?” Perguntou baixo, aspirando o perfume do namorado.

André respirou fundo, tentando se acalmar.

“Precisava ter flertado com a recepcionista?” Perguntou, tentando – mas falhando – não
parecer tão ciumento. Fabrício riu e circulou o corpo do loiro com os braços. Algumas
pessoas não gostavam, porém em seu caso, achava fofo e engraçado o ciúme do André.
Quem diria que, após tanta negação, o loiro faria justamente o tipo possessivo.

“Só estava conseguindo nossas reservas de volta, loiro. Apenas fui educado, falei com
jeitinho.” Sorriu contra o pescoço do namorado e o mordeu no pescoço. “Está brabo
comigo? Achei que seria melhor do que rodar a cidade atrás de outro hotel, perderíamos
mais tempo do nosso dia...”
“Ela estava te comendo com os olhos!” André não escutou a razão, continuava
desejando a morte da garota. Ok, isso era forte demais. Que ela ao menos fosse demitida
por comportamento inapropriado.

“Vem cá.” Fafá falou virando-o para si. André resmungou, mas apenas apertou as mãos
na gola do casaco do namorado quando ele o beijou, fazendo uso de uma tática muito,
muito baixa para distraí-lo de sua raiva. André suspirou com o contato quente, que o
fazia esquecer completamente o frio do lado de fora.

Fafá se afastou com um sorriso tão bobo apaixonado, que o André, ao mesmo tempo em
que se esvaíra completamente da raiva, quase se irritou de novo, simplesmente por amar
todos os sorrisos que apareciam naquele rosto bronzeado e bonito.

“Melhor?” Fafá perguntou.

“Sim...” André admitiu, envergonhando-se um pouco de seu ciúme exagerado. Mas


crescera assim, oras. O que era seu, era seu, e ninguém tinha direito de pôr a mão e
meter o olho. Achava bastante coerente sentir-se da mesma forma em relação ao
namorado. “Tu sabe que em algum momento teus beijos vão perder o efeito e tu vai
precisar mais do que isso para me acalmar, não sabe?”

“Sei,” Fafá o abraçou. “Mas, quando isso acontecer, eu vou dar um jeitinho...”
Murmurou sugestivo contra a orelha do loiro, que voltou a se arrepiar inteiro como se
uma rajada de vento frio houvesse invadido o quarto.

Pelo jeito, o tal efeito ainda demoraria a passar...

Notas finais do capítulo


Relutei muito em dividir esse capítulo, porém se não o fizesse, ele teria mais de 10 mil
palavras e eu começaria a cortar coisas por ficar grande demais. Além disso, estou sem
tempo para escrever e não queria deixar a fic num mini-hiatus, principalmente quando
garanti que isso não aconteceria por já tê-la terminado de escrever. Como eu disse, tive
novas ideias para a história, então estou e irei escrever capítulos novos ou ajeitar já
escritos. Os capítulos já postados não serão modificados. Ainda não respondi os
reviews, estou doente (de novo! #chora) e vou ir respondendo ao longo da semana, pode
ser? Obrigada a todos que comentaram no capítulo passado!

(Cap. 44) Dia especial


Notas do capítulo
Muito obrigada ao Doidool por recomendar a história! Música do cap.:
https://www.youtube.com/watch?v=y18GLZManTM

Apesar de estar acostumado com os pratos de caminhoneiro do namorado dos dias de


RU, André se impressionou com a real quantidade de comida que o Fabrício era capaz
de enfiar goela abaixo quando almoçaram no restaurante do hotel. Os pratos eram de
ótima qualidade, o que justificava um pouco o moreno exagerar. André, no entanto, não
comeu nem um terço que ele, desde pequeno Cíntia o havia ensinado a não parecer um
morto de fome em um restaurante.

“Tu vai passar mal se continuar comendo assim.” André apontou dando um tapa na mão
do namorado quando ele tentou roubar com o garfo um pedaço de queijo de seu prato.
“Depois vamos passar o dia fora, caminhando, ou patinando.”

“É como eu disse, eu sempre como assim, mas quando eu virar um velho gordo, sei que
tu vai continuar me amando.” Apoiou-se na cadeira, colocando as mãos sobre a barriga
com um suspiro satisfeito e um sorriso maroto.

“Não vou não.” André objetou levando o garfo à boca de uma maneira muito pomposa.

“Como não!?” Fabrício exclamou, abismado.

“Não.” Falou num ar de ponto final. Aí teve de aguentar vários minutos do moreno
enchendo a paciência sobre o amor superar as gordurinhas. Não que isso tenha mudado
a opinião do loiro.

Agora caminhavam à orla Lago Negro, que ficava muito próximo ao hotel. O ambiente
era acolhedor e relaxante, e muito romântico. Havia caminhos entre a natureza, árvores
e pinheiros, hortênsias azuis que eram a marca da cidade, e o lago com suas águas
calmas e azuis escuras. Algumas pessoas andavam de pedalinho de cisne no lago.
Fabrício logo sentiu vontade de tentar, mas o André vetou a ideia.

Pedalinho de cisne, oras, pensou com desprezo, revirando os olhos. No lugar disso,
pegou na mão do namorado. Não havia muitas pessoas por ali e, ele tinha de admitir, o
clima pedia por aquele contato simples. Fabrício sorriu com a atitude do loiro, enquanto
conversavam e caminhavam.

“Não, depois disso eu fui pra França. Lá eu fiquei estudando, e fiz amizade com uns
franceses. Eles me mostraram vários lugares da cidade, e ainda viajei com eles para
outros países. Deu para melhorar muito meu inglês e francês.” André comentava, pois
haviam iniciado um papo sobre viagens e outras cidades a visitar, afinal, haviam feito
quando pequenos a promessa de viajarem juntos pelo mundo algum dia. “Tem uns
lugares lá que eu acho que tu iria adorar...” Comentou baixinho, mordendo o lábio.

“Hmmm... Eu acho que eu iria adorar te ouvir falando francês, oui.” Fabrício gracejou,
fazendo o loiro olhá-lo com uma sobrancelha erguida.

André sorriu torto e falou:

“Vous êtes le gars le plus stupide que je sais.”

Fabrício parou com um sorriso. A voz do loiro ficava extremamente sexy e charmosa
em francês.

“O que isso quer dizer?”


André deu de ombros.

“Tu falou que queria me ouvir falando francês, eu não disse que iria traduzir o que eu
falasse.” Falou com um sorrisinho maldoso;conhecia a curiosidade exacerbada do
namorado.

Fabrício se agitou, puxando o loiro.

“Não vai dizer? Será que vou ter de arrancar isso à força? Talvez tu não goste dos meus
métodos.” Provocou, sorrindo perigoso. André achou que estava cutucando o perigo
com vara curta. Fabrício na maior parte do tempo se parecia com uma ovelha inocente,
mas em outros... A ovelha se transformava em lobo.

“Tu é o cara mais bobo que eu já conheci.” André balançou a cabeça e continuou a
caminhar. O vento frio batia em seus cabelos, jogando-os para trás, mas ambos estavam
bem agasalhados agora. Fabrício continuava com seu cachecol.

“Hei! Eu não sou tanto assim. Ou sou?” Fabrício o seguiu pelo caminho curto –
aproximadamente seis quilômetros – que os levaria até Canela. No caminho, havia um
mirante que dava vista à boa parte da serra, após o que chegariam ao Parque do Caracol.

“Só por perguntar se é, quer dizer que tu é!” André riu, mas parou pelo sobressaltou
quando foi abraçado por trás e erguido, seus pés perdendo por completo o contato do
chão.

“Ainda não me disse o que falou em francês!”

“Já disse!”

“Não disse não!”

“Pense um pouco!” André revirou os olhos, e repetiu a frase mais pausadamente: “Vous
êtes le gars le plus stupide que je sais.”

“Estava me chamando de bobo desde o início!” Fabrício percebeu após alguns segundos
de associação. Ainda segurando o loiro, que se sacudia querendo que o largasse,
caminhou até a borda do lago. “Será que eu deveria te soltar aí dentro por isso?”

“Não!” André pediu, verdadeiramente assustado. Ele aprendera a não duvidar de


nenhuma das ideias do moreno. “Fabrício, se tu me lar-“

Fabrício o soltou em terra firme e segura, rindo pelo loiro ter acreditado que faria algo
assim. Não era assim tão louco. Ou era?

“Até parece que eu iria arriscar te deixar gripado.” Falou, mantendo os braços ao redor
da cintura do namorado. “Te quero inteirinho por todo o final de semana.”

“Hunf.” André ainda duvidava do bom senso alheio.


“Amanhã antes de irmos quem sabe eu te jogue aqui dentro.” Fafá deu de ombros,
displicente.

“Babaca.”

“Um dia ainda faremos nossa viagem por vários países, e aí tu vai me mostrar também
tudo que tu já viu por lá.” Fafá murmurou e, com uma olhada rápida por cima do ombro
do loiro, vendo que não havia ninguém por ali, beijou-o de leve, pressionando os lábios
contra a boca macia do namorado.

Para aumentar ainda mais seu humor, André não se afastou.

Foi quando se lembrou da câmera fotográfica. Bem que tentou tirar um foto dos dois se
beijando, mas o André não deixou. Porém o loiro não escapou de a todo o momento o
Fabrício querer tirar foto dele, ou dos dois juntos. Odiava tirar fotos, pois sempre saía
piscando, ou parecendo ter recém sofrido um acidente de carro, mas se conformou que
não conseguiria convencer o namorado a não tirá-las.

Também, não queria acabar com a empolgação do moreno.

XxxX

“Mas... 730 degraus?! Equivalentes a 44 andares?” André perguntou, já sentindo


preguiça de descer tudo aquilo. Haviam chegado ao parque do caracol. Dali, primeiro
foram ao mirante, que possuía uma estrutura cercada, onde todos tinham a plena
segurança para apreciar a beleza da queda d’água, fotografar, filmar ou somente
observar. Depois, é, claro, o Fabrício quis descer a escadaria que os levariam até a base
da cachoeira.

“Tu parece os asmáticos, cardíacos, hipertensos e sedentários que eles recomendam aqui
na placa que não façam a descida.” Fabrício implicou. “Descer é fácil.”

“Sim, o problema vai ser subir. Lembrando que ainda quero ir no Snowland hoje. Faz
tempo que não patino no gelo...”

“Eu vou dar de bunda no chão nisso daí.” Fabrício logo avisou. Nunca havia patinado
no gelo, e não tinha certeza se queria.

“Eu não vou deixar tu cair.” André assegurou, porém um sorrisinho maldoso de canto
de lábio o traiu.

“Mentiroso!” Acusou, mas o loiro apenas começou a descer rapidamente a escadaria.


Pelo caminho, a vista da famosa queda d’água até mesmo os fez parar para apreciar a
visão. “Sempre gostei desses passeios assim, em meio à natureza.”

“Sim, eu imaginei. Por que acha que escolhi justamente o Bangalôs da Serra? É perto
disso tudo...” André murmurou, empurrando levemente o moreno com o ombro. “E,
admito, eu também gosto... É relaxante.”
“Ainda mais depois desse primeiro semestre. E as pessoas ainda dizem que apenas
piora...”

“Eu só espero que esse semestre termine, porque parece que vai ter greve mesmo.”
André lembrou. Várias faculdades federais já estavam em greve, algumas desde o início
do semestre. A UFRGS andava sobre uma corda bamba, mas um dos professores já
havia avisado que a greve aconteceria ali também.

“Deus sabe quando iremos ter aula de novo depois que isso começar.”

“Férias prolongadas!” Fafá tentou ver pelo lado bom.

“E depois nunca mais férias.” André objetou. “Mas sabe... Nós deveríamos ir para a
Inglaterra juntos! Tu poderia conhecer meu avô, pai da minha mãe!”

“Mas... Será que ele...?”

“Ele não é homofóbico.” André falou, até mesmo um tanto estarrecido, pois havia se
esquecido disso. Um sorriso abrilhantou seu rosto. Alguém de sua família não era
homofóbico! Descobrira isso no ano anterior, chegara a ter uma pequena discussão com
o avô por causa disso, logo antes de ir para a França. Sua falecida avó era sim
preconceituosa, e talvez daí houvesse saído o preconceito de sua mãe... Ou talvez o
velho senhor houvesse mudado de opinião com o passar dos anos. “Meu Deus, tu tem
que conhecê-lo! E eu tenho de visitá-lo para me desculpar com ele por causa da nossa
discussão!”

“Hei, hei! Isso é ótimo, mas calma. Vai acabar caindo aqui de cima!” Fabrício riu, e
justamente quase caiu, se desequilibrando quando o loiro subitamente o abraçou.

“Talvez ele possa me ajudar a conversar com a minha mãe!” A ideia tirava um peso
enorme de suas costas, um que involuntariamente o incomodava desde cedo pela
manhã. Era uma sensação tão boa... Poderia até mesmo ligar para o avô naquele
momento!

Chegou a pegar o celular quando se afastou do namorado, mas estava fora da área de
cobertura.

“Droga!” Resmungou. “Vamos, talvez lá embaixo pegue!” Segurou o braço do moreno


e praticamente o arrastou escada abaixo.

“Lá embaixo é mais fácil ter menos sinal do que aqui!!” Fabrício alertou, cuidando para
não tropeçar, e de olho no loiro para segurá-lo caso ele perdesse o equilíbrio. Mas
quando chegaram, toda a descida valeu à pena. A visão da cascata ali debaixo era única,
e os pingos se espalhavam para todos os lados, deixando as pedras escorregadias.

Fabrício teve de segurar o loiro pela cintura quando este, agitado, saiu caminhando atrás
de sinal sem nem olhar por onde andava. André teria caído e quicado até a água não
fosse pelo moreno, mas no lugar de agradecer, apenas o olhou com uma adorável
expressão chateada.
“Não pega sinal aqui também.”

“Quando a gente voltar para o hotel, vai pegar.” Fabrício afiançou e, não resistindo,
mordeu o bico emburrado que os lábios rosados do loiro formavam.

XxxX

Acabaram indo em outro parque de Canela, que possuía tirolesa, rapel e outras atrações.
Fabrício se transformou completamente numa criança. Quando descia na tirolesa e
andava na montanha-russa, gritava sem medo de ser feliz. Até o loiro se contagiou e
acabou se soltando, aquelas coisas realmente davam calafrios na boca do estômago.
Passearam por atrações turísticas, uma delas era o apfelstrudel(torta de maçã), servido
com creme de nata ou sorvete, acompanhado por chá de maçã ou chocolate quente.
Compraram chocolates e foram no cinema 4D; disputaram corrida ao alugarem dois
quadriciclos para explorarem uma trilha na mata, num trajeto de cerca de 40 minutos de
duração, e depois, exaustos, acabaram na cidade, onde caminharam tranquilamente
pelas ruas, apreciando os lugares e lojas, tirando fotos, uma delas na famosa Catedral de
Pedra, construção antiga que fazia as pessoas sentirem-se de volta a séculos passados.

Acabaram pegando carona com um casal de namorados para voltarem para Gramado.
Fabrício logo fez amizade, o casal era muito simpático, e agiu extremamente natural ao
entender que também eram namorados. André se impressionou, mas isso fez com que
percebesse que havia pessoas, além de seus amigos, que não tinham preconceitos, que
aceitavam, que viam aquilo como absolutamente normal. A sensação foi ótima. Carol e
Ricardo lhes deram inúmeras dicas de lugares pelo Brasil que podiam visitar numa
próxima vez; eles viviam viajando juntos e conheciam tudo que era cidade. Moravam
em Santa Catarina e, após a carona até Gramado, onde ficaram passeando juntos ainda
por algum tempo, eles lhes passaram o endereço, caso algum dia quisessem visitá-los.

É incrível como, nesse mundo, se encontra, por acaso, pessoas maravilhosas. Tal fato
fez com que o loiro mandasse seus receios às favas. Passeou de mãos dadas com o
namorado, colocou chocolate na boca dele quando visitaram uma das fábricas de
chocolate, e não negou carinhos em público. Fabrício já não vinha se segurando em
disfarçar desde o início, de qualquer forma. Era muito impulsivo, a todo o momento
tocava o loiro de alguma forma, como se ficar próximo dele fosse difícil, descabido.

E era.

Para fechar o dia, resolveram visitar o parque de neve de Gramado. Era um parque
indoor, o maior da America Latina, e a ideia do loiro era patinar no gelo. Entraram e
andaram de snowboard, depois lancharam no restaurante rústico, porque apesar da torta
e dos chocolates, a fome não poupava, ainda mais no frio, e ainda mais quando havia
um Fabrício entre os dois. O moreno parecia ter um buraco negro no lugar do estômago.
Mas como os preços eram bem salgados, acabaram não comendo muito. Resolveram ir
patinar.

E patinar no gelo não era fácil.

Se o Fabrício deixasse o eufemismo de lado, diria que era impossível. Parecia uma
galinha tentando alçar voo, balançando os braços enquanto se esforçava para não dar de
bunda no gelo. André veio patinando e segurou-lhe os braços, rindo. Estava ainda mais
feliz porque, antes de entrarem no parque, conseguira ligar para o avô. Fora uma
conversa rápida, mas Isaac Ellen, como se chamava, lhe falara que estava tudo bem
entre eles, e que adoraria encontrar o neto novamente. “Talvez ele venha para o Brasil,
ele disse.” André contou ao namorado.

Enquanto patinavam, começou a contar toda a história dos avós e seus pais.

O nome completo do loiro era André Ellen Santayana, mas ele sempre ocultava o
sobrenome inglês; não gostava muito. Seu pai viajara para a Inglaterra a negócios,
quando bem novo. Acabou conhecendo por acaso Cíntia (cujo nome de batizado, em
realidade, era Cindy, mas ela mudara por achá-lo muito bobo), e foi praticamente amor
à primeira vista. Ele era frio e sério, ela risonha e livre. Diferentes, viveram uma paixão
intensa, que durou algumas semanas. Sem demoras, decidiram casar – jovens,
impulsivos. Os pais da Cíntia foram contra, mas ela fugiu para o Brasil com Heitor e se
casou. Ele morava no interior, apesar de ser de uma família tradicional, de posses.
Ficaram dois anos sem falar com Isaac e Dorea, até que Cíntia ficou grávida. Ela acabou
voltando à Inglaterra e deu a luz ao loiro lá, junto aos pais, fazendo as pazes. Eles enfim
aceitaram a fuga e o casamento, apesar de sempre com o nariz ligeiramente torcido.

Havia muito mais por trás da história. Idas e vindas, brigas, separações, perdões,
reconciliações. André, agora que parava para pensar, nem deveria se surpreender pelos
pais terem se reconciliado. Eles tinham uma história longa juntos, afinal, pensou
distraído e percebeu então que, mesmo após todo o relato, Fabrício continuava com
dificuldade para se equilibrar nos patins.

“Se tu parar de se sacudir todo, que nem um passarinho assustado, quem sabe vai
conseguir patinar.” André aconselhou, patinando de costas, de tal modo a levar o
namorado com ele.

“Se tu me soltar agora, eu juro que vou cair e quebrar alguns ossos, e aí tu que vai ter
que me carregar nas costas até o hotel.” Fabrício alertou, atrapalhando-se com os pés.
Não tinha leveza nem graciosidade para se equilibrar em cima de algo tão fino quanto
aqueles patins! Achara mais fácil até mesmo o snowbord de mais cedo.

“Não vou te soltar, deixa de ser medroso!” André revirou os olhos. Diferentemente do
moreno, seus pés pareciam agir sozinho, guiando-os, tornando aquilo tão natural quanto
caminhar. Talvez mais. “Solta mais o corpo, tu ‘tá todo duro e tenso.”

“Estou em risco iminente de morte!” Exagerou, olhando para os pés de ambos. André
riu daquilo, divertindo-se com o jeito atrapalhado do namorado. Nem quando patinara
pela primeira vez achara assim tão difícil. “Quem sabe não paramos para comprar
algumas lembrancinhas pros amigos?” Fafá sugeriu, segurando com força a cintura do
loiro. Tinha medo de cair.

A pista era inusitada, a patinação ocorria numa espécie de feirinha, como se estivessem
no meio de uma rua invernal congelada, passeando e patinando. Precisavam se desviar
de algumas pessoas em alguns momentos, e havia algumas pessoas paradas nas
barraquinhas, fazendo compras.
“Está querendo apenas fugir né?”

“Estou querendo apenas me manter íntegro.” Fafá o corrigiu.

“Talvez seja bom, sinto que a Gabi e a Fran nos matariam se não levássemos nada.”

“Sim, eu sinto o mesmo.” Fafá estremeceu, e o André os guiou até uma das lojinhas.

Levaram um bom tempo para comprar presente para todos que lembraram. Fabrício era
extremamente indeciso e nunca sabia o que comprar, já o loiro era bem mais prático,
porém sempre queria comprar o que havia de mais caro, para aflição do moreno. Se
antes não conseguia se equilibrar, com compras em mãos Fabrício mal conseguia se
deslocar por poucos centímetros. André ria e implicava, até passar um braço pela
cintura do namorado, para ajudá-lo a chegar à área onde poderiam retirar os patins.

“Eu nunca vou aprender a andar nisso! É impossível!” Disse meio curvado,
atrapalhando-se com os pés. Uma aranha de patins se moveria com mais coordenação
que o Fabrício.

“Se fosse impossível, não haveria tantas pessoas andando, eu incluso.” André revirou os
olhos.

“Impossível para alguém como eu!” Fafá se corrigiu.

“Bem, disso eu não posso discordar completamente...” Provocou sarcástico, apertando


com mais força a cintura do moreno, pois do contrário cairiam ambos no chão. Sorriram
um para o outro, e acabaram trocando um beijinho rápido e inocente. Nesse momento,
um grupo de três rapazes passou pelos dois, e um deles sorriu com desprezo e exclamou
suficientemente alto para que eles escutassem:

“Olha, bem que disseram que a gente acaba encontrando viados em áreas com neve.” E
riu-se com os amigos.

André parou, sentindo uma fúria incontrolável se espalhar por seu corpo. Em algum
ponto do passeio, André parara de se importar em parecer apenas amigo do moreno,
pois era dia dos namorados, deveriam ter o direito de aproveitar, então acabavam
trocando mínimos carinhos, mesmo que somente toques nas mãos e gestos do gênero.
Deveria saber que sempre havia algum idiota para estragar a felicidade alheia.

“O que foi que tu disse?! Diz na minha cara, filho da puta!” André se virou para os três,
largando o Fabrício com as compras e avançando. Nunca tivera problemas em dar uns
bons socos em idiotas como aqueles. Ele e o Leonardo, às vezes até mesmo o Davi, já
haviam se metido em muitas brigas, e saído delas em bom estado. O mesmo não podia
se dizer dos outros.

Fabrício se desequilibrou ainda mais por ter de segurar todas as compras. Estava numa
péssima situação. Se tentasse se mover, acabaria se espatifando no gelo. “André!”
Chamou, preocupado, mas os três rapazes já haviam se virado, concentrando a atenção
no loiro.
“O que é? Gosta que falem pela frente? Achei que vocês viados preferissem por trás.”
Sorriu repleto de deboche, enquanto os outros dois riam baixo. André nem falou nada,
apenas tentou atingir um soco bem no meio das fuças do ignorante, mas foi impedido
antes que isso acontecesse.

“Não vale à pena.” Fabrício sussurrou em sua orelha, e o André apenas não tentou se
soltar porque sabia que isso faria o namorado cair e, talvez, se machucar.

“Oh, que amor, protegendo o namoradinho!”

“Vai tomar no cu, filho da puta!” André rosnou, apertando os punhos. Ah, como eles
imploravam para sentir o nariz daquele babaca.

“Carlo, para com isso. Deixa os caras.” Um dos rapazes pediu, colocando a mão sobre o
ombro do amigo, apesar de ter rido antes. “Não temos nada com isso. Vamos embora...”

“Vem.” Fabrício tentou puxá-lo, sua voz tranquila. “Não vamos deixar isso estragar
nosso dia, por favor.”

Os garotos se afastaram, o tal Carlo com uma expressão debochada.

“Como tu consegue?” André perguntou quando deram às costas aos três. Pegou algumas
das sacolas para ajudar o moreno. Estava tão feliz antes, agora se sentia tão frustrado.
Queria ainda socar alguma coisa, e estava com tanta raiva que ergueu um pouco a
cabeça, para evitar que chorasse de ódio. Aquilo destroçara seu bom humor. “Tudo
estava indo tão bem...”

“Tudo vai continuar indo muito bem!” Fabrício exclamou, cheio de confiança. “Vai
deixar um babacão daqueles estragar nosso dia?” Perguntou, e se sentiu aliviado por
chegarem ao local onde tirariam aqueles patins. Seria bom voltar a ter algum equilíbrio.

“Não...” Disse, mas um pouco hesitante. “Pode ser difícil de acreditar, mas mesmo
quando eu era homofóbico não ficava procurando briga assim, aquele idiota ‘tava
pedindo pra apanhar. Eu deveria voltar lá e dar um soco nele!” Exclamou e tentou se
virar, mas o moreno o segurou novamente. “Me larga, Fabrício!”

Fabrício o arrastou até um dos banheiros do lugar. Felizmente, não havia ninguém
naquele. Soltou o loiro, que andou de um lado para o outro como um leão enjaulado.
André era extremamente pavio-curto. Uma vez, o Fabrício teve de segurá-lo para não
descer do carro no meio de um engarrafamento pós-aulas e ir brigar com um imbecil
mal-educado em outro carro.

Fafá chaveou a porta do banheiro e largou as compras em cima de uma bancada,


enquanto o loiro soltava um monte de palavrões.

“HEI!” Fabrício gritou para que o André parasse de soltar fumaça pelas orelhas e o
olhasse. Aproximou-se em passos firmes dele, a expressão séria, até que o loiro,
recuando, batesse as costas contra a parede. “Eu acho que vou aproveitar enquanto meus
beijos ainda não perderam o efeito.”
“O qu-“

André se calou com a pressão forte dos lábios do namorado; gemeu baixo com a pegada
forte dele em sua cintura. Sua cabeça girou, e seus lábios se abriram quando a língua do
moreno exigiu por isso. Estava preso entre a parede e o corpo forte do moreno, mal
conseguindo respirar. O peito explodiu num calor quase insuportável, de repente se
sentindo agasalhado demais. Suas mãos seguraram a nuca do Fabrício, enquanto suas
pernas se abriam quando ele insinuou uma coxa entre elas. Por deus, achou que iria
desmaiar sob aquela pressão toda.

Nem conseguia pensar mais no porquê de tanta raiva.

Abraçou-se mais ao namorado, apertando-o contra si, e retribuindo o beijo à altura. Não
fora a intenção inicial do moreno, mas em pouco tempo, perderam completamente o
controle da situação. André arrancara seu cachecol e abrira seu casaco. Fabrício fizera o
mesmo, e agora beijava e mordia o pescoço do loiro, as mãos enfiadas sob as roupas
dele. Podia sentir o loiro excitado contra sua coxa, movendo-se de leve contra ela. Ele
próprio se friccionava contra o ventre do namorado.

“Vamos pro hotel...” André murmurou com a voz fraca, uma de suas mãos agarrando os
cabelos negros macios do moreno.

Se antes o Fabrício já estava excitado, agora ele desejava ter uma forma de se
teletransportarem para o hotel. Teriam de pegar o carro ainda. Suspirou tentando refrear
seus desejos, e beijou o loiro ainda umas três vezes antes de rumar com ele para fora do
parque de neve.

XxxX

Já estava escuro quando chegaram ao hotel, estacionando o carro logo em frente do


bangalô. Fabrício dirigira dessa vez. Há duas semanas, havia finalmente feito a prova da
autoescola e passara na primeira tentativa. Diogo preparara um churrasco de
comemoração em sua casa na sexta-feira do último final de semana, exagerando, como
sempre, as qualidades do sobrinho.

“Não está com fome? Podemos pedir algo... Eles trazem no bangalô.” Fabrício sugeriu
enquanto destrancava a porta.

“Podemos pedir... Um vinho e alguns aperitivos, talvez...” André disse. No banheiro do


parque, seu corpo explodira em excitação, mas no trajeto até tivera tempo de respirar
fundo, pensar e perceber o quanto se sentia nervoso e ansioso.

Queria um banho quente para relaxar.

“Certo, vou ligar pedindo.” Fabrício falou.

André aproveitou e entrou no banho, buscando relaxar um pouco. Água quente lhe faria
bem. Sabia que queria aquilo. Deus, queria muito! Não haviam conseguido fazer nada
mais intenso desde a noite após a festa dos 100 dias. Era difícil conseguir momentos a
sós com o moreno. Ainda mais em final de semestre, e com o Heitor procurando sempre
saber de todos os seus passos. Mas agora não haveria nada para atrapalhá-los.

Saiu do banho usando apenas um roupão de seda preta que o hotel oferecia. O quarto
estava parcialmente iluminado, a luz provinha principalmente da lareira, que o moreno
havia acendido. Os aperitivos e o vinho já haviam chegado, e o loiro se arrepiou inteiro
quando o Fabrício se aproximou, seus olhos parecendo mais negros e quentes do que
nunca. Ele o olhou sem esconder o desejo, e o André mordeu o lábio.

“Vou tomar um banho também. Me espere.” Disse, ainda que não houvesse para onde o
loiro ir. E ele também não queria ir para nenhum lugar. Estava exatamente onde queria.
Aceitou o beijo rápido, mas cheio de palavras não ditas do namorado, e então foi até a
garrafa de vinho. Notou que o moreno havia colocado tudo sobre o tapete confortável
em frente à lareira, junto a algumas almofadas.

Sentou-se ali, apreciando o calor do fogo próximo, e serviu-se um copo de vinho. Bebeu
um bom gole. A todo o momento olhava para a porta do banheiro, principalmente
quando o barulho do chuveiro cessou. Fabrício não demorou tanto no banho quanto o
loiro e logo saía, também usando um dos roupões pretos. Sorriu ao ver o loiro sentado
no tapete felpudo, mordendo os lábios.

Ele sempre mordia os lábios quando nervoso. Sorriu leve e foi até ele, sentando-se
próximo.

“Sinto como se há séculos não tivéssemos um momento só para nós dois assim.” Falou,
tocando o rosto do namorado com carinho. Não cansava de olhá-lo, ainda mais com os
cabelos loiros brilhando dourados com a luz da lareira.

“Na última, meu pai ligou bem na hora e-“

“Shhh!” Fabrício pediu, colocando um dedo sobre os lábios do loiro. “Não vamos falar
do seu pai agora. Sabe, ainda não trocamos nossos presentes.”

“Tu lembrou de comprar alguma coisa?” André perguntou, desconfiado. Afinal, o


moreno havia se esquecido de comprar um presente de aniversário para o próprio tio.
Fabrício riu e se levantou, indo até sua mala, de onde tirou um embrulho.

“Claro que eu lembrei.”

André aproveitou e pegou seu presente também. Quando voltou a se sentar, bebeu mais
um pouco de vinho, servindo também um copo para o moreno. Fabrício sempre ficava
muito animado em ganhar presentes, então aceitou o dele primeiro. Tratava-se de um
óculos-escuro na cor branca, de extremo bom gosto, provavelmente de alguma marca
cara.

“Tu andava falando que precisava comprar um óculos-escuro...” André murmurou,


esperando que ele houvesse gostado.
“Eu adorei!” Fabrício sorriu largamente e colocou o óculos, começando a fazer um
monte de poses, além de altas caras e bocas que fizeram o loiro gargalhar. Era um
moreno tão bobo... “E aí, estou sexy, hm?”

“Eu acho que tu criou teu próprio senso de sensualidade.” Sorria. Sentia-se tão bobo,
mas de repente não conseguia parar de mostrar os dentes. Talvez fosse o nervosismo.

Fabrício, sorrindo galante ainda com o óculos, levantou-se e buscou o presente do loiro.
André ergueu as sobrancelhas ao ver um arranjo com vários presentes. Todos, em
realidade, relacionados com alguns produtos de beleza.

“Esse é parte do teu presente.” Fabrício falou, voltando a se ajoelhar e depositando a


cesta entre os dois. Havia perfumes, cremes de massagem, sabonetes, espumas de
banho... André não queria admitir, mas era meio metrossexual e gostava de se cuidar.
Fabrício acertara em cheio, pegou um perfume e experimentou o cheiro, um dos
melhores que já sentira.

“Considerando que eu achava que tu nem lembraria de comprar alguma coisa...”


Provocou o André, com um sorriso contido. Fabrício tirou os óculos, o sorriso de lobo
surgindo em seus lábios, acendendo um aviso na mente do loiro, que se arrepiou inteiro.

“Ainda tem mais... Uma massagem de dia dos namorados com um desses cremes
especiais.” Fabrício pegou o creme, despejando um pouco na mão. “Acredite ou não,
sou bom nisso.”

“A-Acredito.” André murmurou, ficando meio estático. Fabrício se aproximou mais,


para sussurrar em seu ouvido.

“Então não vai se deitar e aproveitar das habilidades do teu namorado?” A voz
aveludada criou um alvoroço dentro do loiro, e uma gota de suor escorreu por sua nuca.
A lareira estava próxima. Sem conseguir dizer nada, e com as mãos um pouco trêmulas,
abriu o roupão, deixando-o escorregar até a cintura, sob o olhar atento do moreno, e
deitou-se de bruços, cruzando os braços para servir de apoio à cabeça.

Não tardou a sentir a sensação inicialmente gelada do creme, seguida pelo toque quente
e firme do namorado em suas costas. Mordeu os lábios, respirando fundo e escondendo
o rosto entre os braços. Fabrício iniciou a massagem de maneira lenta e dedicada. Ele
não havia mentido, era extremamente bom. Poucos minutos se passaram e o loiro já se
sentia inteiramente relaxado, e seu corpo ardia em todos os pontos em que sentia os
toques hábeis do moreno.

Fabrício começou a massagear as coxas do loiro também. Aquela visão era um tanto
provocante, afinal, o roupão tapava apenas os glúteos e um pouco das coxas do André, e
ele não vestia nada por baixo. Aquele clima escurecido, com a lareira crepitando
próxima parecia deixar tudo mais provocativo, as chamas refletiam-se na pele branca do
loiro, parecendo dançar acompanhando o ritmo de sua massagem. Subiu bem as mãos,
chegando a erguer um pouco o roupão, massageando toda a extensão da coxa do
namorado. André suspirou, suas omoplatas se destacando nas costas.
Queria tanto ver o rosto dele, que apoiou a mão no chão e se inclinou sobre ele, para
murmurar contra seu ouvido de novo. “Vire-se.” Pediu, não conseguindo esconder o
desejo na voz, e o André se virou um pouco hesitante, ficando de frente e usando os
antebraços como apoio. Seu peito subia e descia já desregulado. Seus olhares se
encontraram, e o moreno começou a massagear o tórax e abdômen do loiro.

As respirações de ambos estavam pesadas, expectantes.

André mordeu o lábio reprimindo um leve gemido, enquanto o Fabrício mantinha a


expressão séria, mirando-o profundamente. Aquele olhar negro e os toques suaves e
firmes o excitavam, era impossível evitar. Os dedos do moreno pareceram dedilhar o
tanquinho contraído de seu abdômen, e André gemeu entrecortado quando as mãos dele
foram novamente para suas coxas, subindo perigosamente até a virilha.

“Fabrício...” Murmurou no segundo antes que o moreno o beijasse. Inicialmente os


lábios se encontraram com uma pressão que extravasava, apenas um pouco, todo o
clima que crescera entre os dois. Mas não era o suficiente.

Fabrício segurou a cintura esbelta do loiro, apertando-a para puxá-lo para si, desejando
sentir o corpo pálido do namorado contra o seu. André quando deu por si estava
ajoelhado em frente ao namorado, estavam abraçados e seus lábios continuavam juntos.
O abraço era forte, as respirações pesavam. Ambos queriam aquilo, ambos estavam
nervosos. André respirou fundo quando o moreno o abraçou ainda mais forte, buscando
confiança, mas também tentando transmiti-la. Ele apartou o beijo e escondeu o rosto no
pescoço do André, aquele pescoço cheiroso que adorava marcar, só para depois acabar
levando uns esporros pelos vergões que deixava.

Sentir o cheiro do loiro era tão bom... Viciante. Principalmente quando o calor dele o
envolvia enquanto o abraçava.

“Te amo.” Admitiu, e dessa vez André estava bem acordado para escutá-lo. Pôde sentir
o corpo antes relaxado voltar a ficar tenso, como se não o houvesse massageado há
pouco tempo. “Te amo, loirinho...” Repetiu baixinho, mesmo assim. Não conseguia
refrear a vontade de externar tais sentimentos. Amava, e queria amar o loiro de todas as
formas.

André afundou os dedos nas costas do moreno, o coração batendo como um doido no
peito, na barriga, nas costas... Já nem sabia onde o desgraçado fora parar. Sua voz
literalmente tomara um chá de sumiço. Uma emoção inexplicável e nova parecia nascer
no peito e explodir, causando uma dor que era boa. Mordeu o lábio e apertou os olhos,
tentando se colocar nos eixos, mas falhando, tudo parecia ter começado a girar e não
havia indícios de que pararia tão cedo.

Abriu os olhos quando sentiu um carinho nos lábios, e encontrou aquele olhar negro
envolvente novamente sobre si, mantendo-o tonto, mas ao mesmo tempo acalmando-o.
Fabrício sorriu ao ver aqueles olhos azul-claros perdidos que, porém, deixavam
transparecer o quanto suas palavras haviam afetado seu dono. Os lábios rosados do loiro
se entreabriram quando o Fabrício aproximou os seus.
“E quero fazer amor contigo hoje...” Deixou o claro o que já era bastante óbvio, mas
esse era o Fabrício, sempre transcrevendo tudo em palavras com uma facilidade
invejável. André sentiu uma avalanche de calor subir-lhe ao rosto, enquanto outras
partes do corpo também esquentavam memoravelmente.

Sentiu-se um tanto tolo por não conseguir falar nada, mas isso não importou quando
seus lábios se juntaram novamente. Nada era superior àquele gosto, àquele toque, a tudo
que isso significava. A maciez da boca do moreno o envolveu e voltou a relaxá-lo, e
dessa vez foram além, lentamente explorando a boca um do outro, buscando o gosto e
sensação conhecidos, mas que sempre transmitiam algo novo, ainda mais naquele
momento. Suas mãos procuraram um ao outro, André colocou as suas sobre os ombros
do moreno e, ao ritmo do beijo, abaixou o roupão dele, expondo o corpo do namorado
assim como o seu estava exposto. Pôde deixar as mãos tocarem o tórax definido do
moreno, sentir os poucos pelos da região roçarem de leve em suas palmas, todos os
mínimos detalhes excitando-o mais, junto aos toques que também recebia.

Era como tocar ao outro pela primeira vez, se conhecendo, se apreciando...

André se arrepiou quando o tecido em sua cintura foi retirado, ficando assim
completamente despido, mas não se envergou em retirar também o do namorado,
enquanto ele lhe beijava o pescoço e lhe apertava a coxa de uma maneira lenta e
cuidadosa, mas ainda assim desejosa, que o fazia estremecer. Ambos nus, abraçaram-se
de novo, com um beijo mais profundo. André sentou-se no colo do moreno, seus joelhos
apertando a cintura dele enquanto ele o segurava como se afirmasse que nunca mais o
soltaria.

Gemeram com o contato íntimo, pele contra pele, compartilhando calor e desejo.
Fabrício circulou a cintura do namorado e o puxou para si, criando um atrito que os fez
interromper o beijo para se encararem, ofegantes. Seus olhares pareciam dizer mil
coisas, uma conversa muda, o ponto de não retorno. O loiro acariciou os cabelos negros,
tirando alguns fios grudados na testa do namorado, achando-o tão lindo naquele
momento, que era uma necessidade dolorosa tocá-lo, senti-lo...

“E-Eu também te amo.” Admitiu, tão baixo, que até o som da lareira ecoava mais forte,
porém ambos puderam escutar as palavras completamente, sem impedimentos. Não
havia mais nenhum. Fabrício abriu lentamente um sorriso largo, o sorriso bobo e
contente que o André já conhecia, mas esse parecia brilhar mais do que todos os outros.
A expressão ‘sorriso que não cabia no rosto’ parecia fazer sentido agora.

“Repete.” Fabrício pediu, abraçando-o mais forte.

“N-Não...” André corou, e o Fabrício não insistiu. Aquelas bochechas coradas diziam
muito. Deitou o loiro contra uma das almofadas, acomodando-se entre as coxas dele.
Beijou-o de novo, e de novo, até sentir os lábios dormentes, e perceber que ambos
precisavam mais do que aquilo.

“Eu preciso tanto de ti...” Admitiu para o loiro, roçando seus lábios. Tocou-lhe os
cabelos, ouvindo-o gemer baixo quando desceu os lábios por aquele corpo esbelto e
definido. Beijou um mamilo antes de sugá-lo, e escorregou as mãos pelas laterais do
corpo do loiro quando ele arqueou as costas, parecendo tão lindo e sensual assim...
Podia sentir o gosto do creme de massagem enquanto o beijava o torso, descendo sem
pressa. Lembrava baunilha, talvez.

Quando beijou e mordeu a virilha do loiro, sorriu com o suspiro que recebeu. Muitos
outros suspiros e gemidos encheram o quarto nos minutos seguintes. André queria
retribuir, mas sentia-se perdido naquelas sensações, mordia os lábios, mas não era o
suficiente, tentava agarrar alguma coisa, mas havia apenas o tapete felpudo sob seu
corpo, ou a almofada. Nenhum dos dois foi poupado, não quando o moreno alternava as
carícias entre as duas regiões erógenas, já o preparando também com a língua ao
afastar-lhe as nádegas.

Quando o Fabrício se afastou, em busca do lubrificante e camisinha, André observou-o,


ficando mais quente.

Não falou nada quando o namorado posicionou-se à sua frente, apenas, vermelho e
nervoso, entreabriu as pernas, permitindo. Sentia-se exposto e envergonhado, porém
aquele moreno bobo era a pessoa que mais confiava, não tinha medo de se entregar.
Fabrício inclinou-se para beijá-lo, excitando-se ainda mais com aquilo. Quando voltou a
se ajoelhar, derramou lubrificante nos dedos e os levou à região já umedecida por seus
beijos e língua.

André ofegou, apertando os olhos e trincando os dentes, a cabeça caindo contra a


almofada quando sentiu a invasão cuidadosa do namorado, os dedos gelados de
lubrificante espalharam, contraditoriamente, uma onda de calor por toda a região.
Gemeu fraco quando ele moveu os dedos, massageando e procurando o ponto que lhe
daria mais prazer. Quando arriscou abrir os olhos, com a respiração pesada, encontrou o
olhar do moreno, cujos lábios entreabertos deixavam escapar uma respiração também
descompassada enquanto o mirava parecendo deslumbrado com suas expressões. André
mordeu os lábios, desejando esconder o rosto, mas apenas gemeu e segurou o braço do
moreno quando ele apertou um ponto que pareceu disparar um gatilho de prazer em seu
corpo.

“Ah, o que tu fez...?” Perguntou com dificuldade, rolando os olhos, sua mão apertando
com mais força o bíceps do namorado.

“É bom?” Fabrício perguntou um pouco inseguro; nunca tentara aquilo, então


pressionou mais a região, inclinando-se um pouco mais para frente e beijando o peito do
loiro, sentindo o leve sabor de suor e baunilha. André gemeu como um choramingo,
dobrando as pernas e subindo a mão até os cabelos negros do Fabrício, apertando-os
com força quando ele introduziu mais um dedo. “Está doendo...?” Perguntou o moreno,
num sussurro, erguendo um pouco o olhar.

“N-Não...” André negou com o rosto queimando, e arfou quando o namorado envolveu-
lhe o pênis com a mão, tocando-o de leve.

“É... Parece que não. Está bem duro...” Fabrício falou. Bobo.

“Cala a boca.” André demandou, mas aceitou facilmente os lábios do moreno quando
estes o procuraram, beijando-o com a sugestão de um sorriso. Moveu-se sob ele, com o
coração batendo forte. Era um pouco revoltante que sentisse tanto prazer com beijo
grego, explorações com dedos... Como seria quando...? Oh, era melhor não pensar
muito, não logo antes de acontecer.

E o moreno de fato logo se afastou, buscando por uma camisinha. André mordeu o
lábio, vendo-o ajoelhado com o corpo brilhando de leve com as luzes da lareira, que
deixavam o quarto tomado por um véu avermelhando a escuridão da noite. Ergue-se
também, colocando uma mão sobre o peitoral do namorado, que o olhou interrogativo,
um pouco confuso. Teria desistido?

“Ainda não...” André murmurou, e suavemente guiou o moreno para que tomasse seu
lugar, deitando-o contra a almofada confortável. Fabrício não objetou, seu olhar não
saía do loiro, sua curiosidade estava nas alturas.

Definitivamente não estava esperando pelo que estava por vir. Viu o namorado começar
a beijar lentamente seu peito, escorregar os lábios pelos músculos de seu abdômen,
contornar com a língua o umbigo e dedicar grande esmero em seu ventre e virilha,
alcançando o pênis teso. André o segurou, erguendo momentaneamente o olhar,
encontrando os olhos expectantes e impressionados do namorado. Fabrício tinha o
queixo um pouco caído, aquele simples olhar do loiro, ruborizado, antes que ele
fechasse vagarosamente os olhos e envolvesse com os lábios seu membro deixou-o
tonto com a perfeição da cena. O calor da boca do namorado... Gemeu extasiado.

“Meu Deus, André... Isso é incrível.” Falou entrecortado, seu rosto deixando
transparecer o prazer acalorado. Nem importava que ele não tivesse tanta perícia, era
fantástico, uma espécie de conquista que mexia com seu lado mais primitivo,
principalmente ao ver sua ereção praticamente sumir na boca do loiro. Gemeu
novamente jogando a cabeça para trás, e sua mão acariciou os cabelos do namorado.
Havia se esquecido do quanto aquilo era bom... Ou melhor, nunca fora tão bom.

Voltou a pôr-se nos cotovelos alguns minutos depois, para observar e apreciar a cena. O
loiro ergueu-lhe o olhar de novo, enquanto tocava com a língua a ponta da glande. Bem,
isso era demais. Puxou-o pelos ombros e o beijou, devorando-lhe os lábios macios. Não
queria terminar aquilo tão cedo, queria ir adiante...

“Não vou conseguir parar hoje.” Admitiu rente à boca do namorado, rouco, excitado.
Seus beijos desceram e beijaram despudoradamente o pescoço do André, com risco de
deixar chupões que durariam por uma semana, ou mais. André gemeu fraco, suas
ereções novamente roçavam provocativamente; não saberia dizer se havia murmurado o
nome do moreno, ou apenas pensara. Em realidade, sua mente parecia repetir o nome
Fabrício de maneira incansável, um chamado desesperado, erótico, ansioso...

“Não quero que pare.” Falou sem pensar, e segurou o rosto do moreno quando ele
abandonou seu pescoço, com um sorriso lindo. Beijou-o de leve, e novamente
empurrou-o suavemente contra a almofada. Alcançou a camisinha e, com habilidade,
vestiu-a no moreno, que o encarava um tanto abismado, mas novamente curioso.
Quando, após derramar o lubrificante, o loiro o montou, apoiando as mãos em seu peito,
para se deixar penetrar, Fabrício precisou se segurar para não ter um orgasmo naquele
exato segundo. Segurou a cintura do loiro, olhando-o sem conseguir respirar direito.
Aos poucos, começou a sentir a pressão ao redor do pênis, o calor do corpo do
namorado... A descida era vagarosa, a expressão de concentração e dor do loiro era
extremamente sensual, a gota de suor escorrendo pelo pescoço jamais poderia ser
captada com perfeição nem mesmo pelo melhor dos pintores. Nada daquilo poderia. Era
único, especial, um momento apenas dos dois. André descia lentamente e, oh, se o loiro
soubesse que doeria tanto no início... Não, mesmo que soubesse, não mudaria nada.
Gemeu arranhando o peito no namorado, sentindo que faltava apenas um pouco.
Maldito moreno bem dotado.

“Fabrício...” Deixou escapar, seus ombros tensos, os olhos fechados. Percebeu que ele
se erguera um pouco, tocando-lhe o rosto.

“Eu nunca vou esquecer esse momento...” Murmurou o Fabrício, seu tom apaixonado.
André pensou em como ele sempre era tão brega, porém a frase o fez relaxar, junto com
um sorriso, seus olhos ainda fechados. “Olha pra mim...” Ele pediu, e o loiro acabou por
obedecer. O carinho em seu rosto era extremamente relaxante. Achou que ele falaria
algo romântico novamente, mas o que ele disse foi: “Pode morder, se precisar.”

André riu, passando os braços pelos ombros do namorado, esquecendo-se da dor.


Encostou a testa à dele, logo vindo o beijo, intenso, apaixonado, que roubava o ar e
espalhava o desejo pelo corpo. André moveu o quadril, já sentindo o prazer começar a
despertar. O gemido do moreno era algo incrivelmente sexy – rouco, grave, instigante,
assim como a maneira que ele lhe segurava a cintura, ajudando-o a se mover.

“Eu achava que isso seria impossível há uns três meses atrás.” Fabrício admitiu
interrompendo brevemente o beijo. “Acho que eu nunca ia ser feliz na vida se não
tivesse te reencontrado.” Olharam-se.

André apenas gemeu, sentindo-se ainda mais quente com o romantismo. Às vezes tinha
vontade de mandar o Fabrício ficar quieto quando ele fazia esse tipo de declaração que
o deixava constrangido e sem respostas, mas ele sussurrava tudo de uma forma sensual
e sincera, os olhos negros brilhando de um jeito incrível, que lhe dava vontade de beijá-
lo.

Fabrício era tão intenso em tudo, liberava um calor sem fim através daqueles olhos.

“Exagerado.” Disse o abraçando, pois não queria que ele visse seu rosto. Aquilo tudo
começava a emocioná-lo, seu corpo se entregara de vez e, com mais um leve rebolado,
sentiu-se pulsar de prazer, toda a dor desaparecida. Mordeu o lábio, mas o gemido
encheu o quarto da mesma forma. “Mas... Tu mudou minha vida...”

“Pra melhor?” Fafá perguntou, mesmo que fosse óbvio.

“Não me faça ser mais brega que tu...” André exigiu baixinho, e o Fabrício riu,
segurando-lhe o rosto e o beijando. O loiro, só de ver o namorado feliz, sentia-se ainda
mais feliz. Era tão estúpido estar apaixonado. E tão bom... Oh, Deus, eu vou acabar
pior que o Fabrício. Abraçou-o com mais força.

“Por ser brega que consegui te conquistar e levar pra cama, então ‘tá valendo.” Fafá
concluiu, brincalhão.
Sorriram. André o chamou de idiota num sussurro. Foi quando o Fabrício o deitou,
cobrindo-o com o corpo. As pernas brancas do loiro envolveram o quadril do namorado,
e pôde senti-lo ir fundo contra seu corpo. Gemeu, esticando um braço atrás da cabeça,
como num espasmo, sem querer derrubando a taça de vinho servida mais cedo. Não
importava, não pararam. O ritmo apenas aumentava, contagiante.

Perderam-se um no outro, amaram-se livremente, completamente, como nunca


poderiam fora daquelas quatro paredes, no mundo cheio de preconceitos onde viviam.
Mas não era importante, não naquele momento.

Naquele momento, pertenciam um ao outro.

As peles roçavam, as sensações eram profundas. Os gemidos enchiam o ambiente,


tornando-o erótico, misturavam-se com as respirações rápidas, os murmúrios sem
sentido, o choque da pelve do moreno contra os glúteos do loiro. De repente, não
existiam mais inibições. Trocaram de posição sem combinações prévias. André se
ajoelhou, ficando de quatro, mas escondeu o rosto entre os braços. Mordeu seu
antebraço quando o moreno foi fundo, segurando-lhe com firmeza pela cintura,
inclinando-se sobre si para lhe beijar as costas e as omoplatas.

“Estou viciado em ti... Eu quero te beijar e fazer amor todos os dias.” Fabrício sussurrou
contra sua orelha, beijando-lhe o pescoço e nuca, enquanto o loiro mordia o lábio e
ondulava o quadril, arranhando o tapete. Seus joelhos doíam um pouco, mas mal
percebia. Havia prazeres maiores superando qualquer desconforto. Tentou olhar o
Fabrício por cima do ombro; começava a se sentir mais sensível, os mínimos
movimentos dele contra seu corpo pareciam enfraquecê-lo tão fortes eram as descargas
de prazer rasgando-lhe os músculos, inundando a mente, nublando a visão.

“Pare de falar... Estou aqui, tu pode fazer tudo que quiser...” Falou, a voz lúbrica como
o corpo. Fafá chegou a parar para encará-lo, mas frente à sobrancelha erguida em
desafio do loiro, seus lábios se encontraram de novo, e o moreno aumentou um pouco o
ritmo. Cobriu o namorado, colocando as mãos sobre as dele. Sentia que poderiam
chegar juntos a qualquer momento. Fabrício afastou-se antes disso, virando para si um
loiro confuso. Sorriu, beijando-o profundamente.

“Quero ver teus olhos quando gozarmos...” Murmurou, enquanto se deitavam


novamente. Apenas a penetração fez com que o loiro sentisse que não aguentaria muito,
um gemido mais alto deixou isso claro. Fabrício aumentou a força e vigor dos
movimentos nos minutos finais, e ambos foram tragados pelas sensações insuperáveis e
intensas.

Segurou o rosto do loiro, olhando para ele como prometera. Beijavam-se brevemente,
mas logo voltavam e olhar um para o outro. André o segurou forte, seus olhos se
abriram mais, revelando todo o azul de cada um deles, e um pequeno grito lhe escapou
quando enfim sentiu-se arrebatado pelo orgasmo. O Fabrício ainda se moveu mais
vezes, nas últimas investidas que pareciam quase desesperadas, e voltou a beijá-lo, um
beijo profundo, repleto de significado.

Uma entrega mútua.


Suas mãos se encontraram e entrelaçaram, e o Fabrício gemeu rente à boca do loiro, ao
também atingir o ápice.

André o abraçou quando ele caiu mole contra si, ofegante e suado, nada diferente de
como se sentia. Abraçou-o com toda a força que lhe restava, afogando-se naquela
sensação nova, de uma entrega e confiança que nunca antes havia experimentado. Quase
sentia vontade de chorar, o que era estúpido, mas seu peito estava apertado; porém de
uma maneira boa, uma maneira que lhe preenchia e aquecia.

Fabrício deitou-se ao seu lado; em silêncio, livrou-se de camisinha. Ficaram uns


minutos sem falar nada, escutando os sons calmos da lareira. O quarto parecia mais
quente do que antes; suas mãos se acariciavam de uma maneira reconfortante e gostosa,
ambos sorriam sozinhos em dados momentos, sem perceber.

Até que o moreno deitou-se de lado, apoiando um cotovelo no tapete.

“Eu ia perguntar se tu gostou... Mas deu pra saber direitinho o que achou.” Brincou
convencido e mirou satisfeito o pescoço do namorado. Adorava deixar aquelas marcas
arroxeadas, mesmo sabendo que iria apanhar quando André se olhasse no espelho.

Acabou apanhando da mesma forma.

“Vê se te enxerga.” André murmurou, desviando o olhar. Fabrício riu e o beijou no


ombro, depois nos cabelos, voltando então a encará-lo.

“Prefiro ficar te olhando. Todo corado.” Sorriu levado.

“Orgasmos te deixam insuportável, é isso?” André tentou acertá-lo, mas o Fabrício o


impediu, segurando-o, e os dois rolaram no tapete numa lutinha boba, rindo, e perdendo
o pouco fôlego que lhes havia restado.

André acabou sobre o moreno, prendendo os braços dele.

“Me diz como fui acabar assim contigo, hein? Tu passou tua loucura pra mim.” André
concluiu, mas afagou o rosto do moreno com suavidade. Depois se inclinou e o beijou
docemente nos lábios. Fabrício lhe acariciou as costas, sorrindo enlevado com aquilo
tudo.

“É bom ser louco.” Fafá assegurou. “Louco por ti.”

André soltou uma risada incrédula, sua testa encostada à do moreno.

“Como tu é bobo.” Murmurou, acomodando-se sobre ele, de uma forma um tanto felina
que fez com que Fabrício o comparasse novamente com a Cherry. Acariciou a região na
lombar do loiro e mordeu-lhe também o lábio arroxeado.

“Mas tu gosta.” Fabrício o abraçou. “Então vou ser sempre bobo...”

“Aonde foi que eu me meti...” André murmurou, o tom falsamente arrependido, mas
sorria também.
“Te amo.” Fabrício repetiu, não cansava de dizer.

Beijaram-se de novo, e de novo. Passaram ainda algum tempo namorando, ou falando


bobagens românticas ou não. Beberam vinho e comeram os aperitivos, sentindo a fome
bater forte após todo o gasto de energia. Mais tarde, acabaram repetindo a experiência,
porém na cama, espalhando edredons e lençóis pela cama e pelo chão. A segunda vez
parecia ainda melhor, conhecer o corpo um do outro era excitante, cada nova descoberta
era uma vitória mútua; risos e gemidos jamais haviam combinado tanto.

A noite foi deliciosamente longa.

XxxX

Os jardins do hotel eram extremamente bonitos, ainda mais quando tocados pelos
primeiros raios de sol. Fabrício acordou cedo, não sabia exatamente por que, talvez
porque a noite anterior fora intensa demais e agora sentia o corpo ainda repleto de
adrenalina; poderia repetir tudo agora pela manhã, mas, ao ver o loiro profundamente
adormecido, resolveu deixá-lo descansar, por mais difícil que fosse sair da cama sem
roubar uns beijos.

Vestira-se bem agasalhado e pegara o violão que havia trazido. Não viajava sem ele, seu
fiel amigo. Caminhou um pouco pelos jardins, apreciando a vista, sentindo o ar gelado
entrar pelas narinas, deixando-o alerta, bem acordado. Seu humor estava melhor do que
já era naturalmente, logo era possível afirmar que não havia pessoa mais feliz que ele no
mundo naquele momento, seu sorriso bobo comprovava o fato.

Infelizmente deparou-se com o mesmo garoto do dia anterior, o qual implicara com ele
e o loiro no parque de neve. O dito Carlo estava caminhando enquanto olhava para o
celular, provavelmente se dirigia ao restaurante, onde encontraria os amigos. Ele parou
ao vê-lo.

Encararam-se.

“Olha só se não é a b-“

Fabrício o socou antes que ele falasse qualquer coisa. O garoto caiu de bunda na grama
úmida pelo sereno da noite.

“Tu ‘tava merecendo isso, desde ontem.” Sorriu, bem-humorado, enquanto o Carlo
segurava o nariz, olhando-o embasbacado. Provavelmente não esperava por aquilo, não
da pessoa que justamente impedira uma possível briga. “O que foi? Quer mais?” Fafá
perguntou, e seu ar sorridente apenas assustou o rapaz.

Carlo se levantou aos tropeços e correu para longe. Fabrício balançou a cabeça, esse
tipo de pessoa realmente só sabia ladrar e, quando – literalmente – levava na cara, fugia.
Mas melhor assim, André provavelmente brigaria caso descobrisse que o havia deixado
de fora de uma briga. Aquele loiro era invocado. Riu com o pensamento, caminhando
aleatoriamente. Acabou em um banco próximo do bangalô em que estavam hospedados.
Sentou-se e acomodou o violão no colo, começando a dedilhá-lo, deixando a melhor
música surgir naturalmente.
Se alguém já te deu a mão
E não pediu mais nada em troca
Pense bem, pois é um dia especial
Eu sei que não é sempre que a gente encontra
Alguém que faça bem e nos leve desse temporal...

André estranhou quando acordou e não achou o moreno. Era cedo ainda. Levantou-se e
vestiu-se parcialmente – acabou colocando um longo roupão de mangas compridas
oferecido pelo hotel, que protegia parcialmente do frio. Abriu a porta do bangalô,
espiando o lado de fora após checar o banheiro e não encontrar ninguém ali. Acabou
ouvindo a voz do moreno e, apesar do frio, caminhou para fora. Passou por algumas
azaleias e pequenas árvores, e encontrou o namorado tocando e cantando sozinho.

O amor é maior que tudo


Do que todos, até a dor se vai
Quando o olhar é natural...

Sonhei que as pessoas eram boas


Em um mundo de amor
E acordei nesse mundo marginal...

Parou observando-o, e apoiou-se ao tronco de uma das árvores. Amava aquela voz.
Como poderia cantar tão bem? Não fosse pela medicina, o moreno bem que poderia
tentar a carreira musical.

Fafá o viu e sorriu, não parando com a cantoria.

Mas te vejo e sinto


O brilho desse olhar que me acalma
Me traz força pra encarar tudo
Mas te vejo e sinto
O brilho desse olhar que me acalma
Me traz força pra encarar tudo

André riu, abaixando o rosto. As músicas sempre encaixam, seria premeditado? Achava
que não, provavelmente era apenas natural. Fabrício se levantou, jogando o violão para
as costas, e caminhou até o loiro. André, que já estava sentindo o frio vencer as poucas
barreiras da roupa que colocara, aceitou o abraço quente e aconchegante do namorado.

“Não achei que acordaria tão cedo.” Ele falou.

“Tu não ‘tava lá... Dei uma espiada no lado de fora e aí ouvi tua voz...”

“Tu sabe como eu sou... Preciso extravasar o que ‘tô sentindo com alguma música.”
Explicou, sorrindo ao ver o nariz avermelhado do loiro, devido ao frio. “Vamos entrar,
antes que tu acabe resfriado...”

“Tudo bem.”

“Está conseguindo mesmo andar? Meu tio falou que quando ele e o Rique-“
“Sério, eu não quero falar sobre isso.” André o cortou. Sim, havia um desconforto ali
atrás, mas era bastante suportável. Não era feito de vidro, já aguentara dores piores.
“Também não quero saber como o Rique ficou após a primeira vez dele.”

“Ok...” Fafá concordou, rindo, e o beijou. “Vamos entrar, pedir o café da manhã. ‘Tô
morto de fome.”

“E quando tu não ‘tá morto de fome?” André perguntou retórico quando começaram a
caminhar de volta ao bangalô.

“Hei! Não é tanto assim! Já me falaram que quem me controla é minha barriga, não o
cérebro, mas...”

“E eu concordo plenamente com isso, principalmente quando tu começa a reclamar de


fome meia hora depois do almoço.”

“Bah mas isso é muito exagero!” Fafá discordou.

Entraram no bangalô ainda discutindo aquilo. O moreno até tentou comer menos no café
da manhã, para provar seu ponto, mas falhou miseravelmente. Comeu mais que a
barriga. André o olhou vitorioso. É, o loiro geralmente ganhava naquelas discussões
bobas – certo que muitas vezes era por ser extremamente teimoso. Mas não daquela vez.

Alimentados, descansaram mais um pouco, deitados na cama juntinhos, planejando


distraidamente o que fariam naquele dia. André não se esqueceu de xingar o namorado
pelos chupões que lhe deixara, teria de usar um cachecol por vários dias. Mas ainda
havia muito que visitar, e tinham poucas horas. Queriam aproveitar ao máximo, afinal...

Estavam definitivamente tendo o melhor final de semana de suas vidas.

Notas finais do capítulo


(Obs.: Não sei nada de francês, aquela frase foi feita pela It's Me, sei de nada kkk!).
FINALMENTE, gente, nunca uma lemon havia demorado tanto numa história minha!
Espero que tenham gostado, eu curti muito escrever esse capítulo. Fiquei com vontade
de visitar Gramado e Canelo da novo, mas é necessário grana gorda para curtir todas as
atrações. HAHA! Mas enfim, sim, eu novamente ainda não respondi os reviews do
capítulo passado, mas irei responder ao longo da semana, ok? Até o dia dos namorados
está tudo respondido (espero). ;) Beijos, gente querida! (Ps.: Este capítulo foi betado
bem mais ou menos, desculpem-me qualquer erro).

(Cap. 45) Tudo que eu quero


Notas do capítulo
Um grande obrigada à Feeli e ao Thomás que recomendaram a história. Nossa, me
fizeram MUITO feliz! Música do cap.:
https://www.youtube.com/watch?v=zlBOQqC7Ry4
O último mês de aula passou como previsto. Extremamente confuso e cheio de
complicações devido à greve. Mas acabara, felizmente não deixando nenhuma matéria
pendente, e todos puderam começar a aproveitar as merecidas férias, que seguiram por
um tempo indefinido.

E aproveitando que em Porto Alegre, em pleno inverno, depois de uma semana de um


frio de rachar, a próxima geralmente era quente, e quente a ponto de alguém desejar
tomar um banho de piscina, André decidiu comemorar seu aniversário de tal maneira.
Mudanças climáticas malucas não podiam ser desperdiçadas. Quatro estações numa só.
É uma das atrações do Rio Grande do Sul.

Churrasco, álcool, amigos e piscina. O que mais alguém poderia querer num
aniversário?

Heitor e Cíntia haviam decidido imitar Adriano e Flávia e foram viajar em uma segunda
lua de mel que duraria dez dias, o tempo de férias que ambos poderiam tirar. Heitor
esperava que Lázaro recolhesse informações em sua ausência, talvez o filho ficasse
mais descuidado sem a presença dos pais. E André, sem ter ideia de nada, acabou
convidando o primo para o encontro de amigos.

O loiro ficara sabendo que Lázaro saíra de casa e estava morando sozinho num pequeno
apartamento próximo da faculdade. A impressão que tinha era que o primo parecia
muito sozinho nos últimos tempos, acabara se penalizando. Agora enquanto arrumava
algumas coisas pelo salão, pensava nas vezes em que fora injusto e cruel com o garoto.
Seria bom se redimir, apesar de ele ter muitas vezes merecido tal tratamento.

Fabrício chegara mais cedo, afinal, era ele quem seria o responsável pelo churrasco.
Inclusive haviam ido juntos ao supermercado no dia anterior para comprar as carnes, os
salsichões, um pouco de coração, e já haviam comprado o pão pela manhã. Fabrício
ensinara o loiro a escolher a carne – André não tinha ideia de como ver se um pedaço de
carne era bom ou não. Antes achava que a carne tinha de ser bem magra, mas o moreno
explicou que uma capa de gordura ‘protegendo a carne’ era ótimo para o churrasco, e
mais uns detalhes que ele não prestara atenção, pois achava mais do que justo que o
moreno continuasse sempre encarregado dos futuros churrascos.

“Isso daqui vai dar uma trabalheira.” Fabrício comentou enquanto pegava as gamelas e
limpava os espetos. “Eu vou querer uma compensação depois.” Sorriu malicioso para o
loiro, que cruzou os braços mirando-o com uma sobrancelha arqueada e um ar irônico.

“Vai ter de fazer mais do que colocar umas carnezinhas na churrasqueira pra ter a
compensação que esse teu olhar pervertido ‘tá querendo e-” André foi logo dizendo,
mas então foi subitamente puxado pelo moreno, seu corpo batendo no corpo maior.

Fabrício sorriu e o envolveu pela cintura.

“Por que esperar até depois, não é? Vou pegar parte da minha compensação agora, e de
quebra te dar um ótimo presente de aniversário.” Decidiu por si próprio, mesmo que já
houvesse dado a ele no dia anterior um tênis para vôlei profissional – pois o André
estava querendo voltar a praticar com regularidade –, e beijou o loiro. Naqueles mais de
dois meses, André sentia que suas barreiras haviam virado pó e ido passear pelo Saara.
Estava cada vez mais difícil negar um beijo, ou toque, uma ousadia. Mesmo quando o
moreno merecia, como agora, por totalmente ignorar o que estava dizendo.

Foi prensado contra o balcão onde ele preparava as carnes, e suas costas inclinaram para
trás, as pernas ficaram meio bambas, por mais clichê que isso possa parecer. André
sentiu um fogo se alastrar, subindo pelas pernas, e culpou a abstinência. Aquele último
mês havia sido uma confusão completa com a faculdade, e mal haviam tido tempo de
apreciarem momentos a sós. Talvez precisassem de mais alguma viagem juntos, apenas
os dois.

“Às vezes eu tenho a leve, mas assim – bem leve – impressão de que tu tem ficado ainda
mais abusado com o passar dos dias.” André comentou, debochado. “Deve ser por isso
que estou te colocando pra trabalhar hoje.”

“Eu sofro nas tuas mãos.” O moreno lamentou, porém logo sorriu. “Mas hoje é teu dia,
então sou praticamente teu escravo.” E ainda lhe roubou um beijo rápido. “Quem tu
convidou pra hoje mesmo?” Perguntou, soltando o loiro e voltando a preparar a carne,
tirando com a faca as partes desnecessárias, como os sebos, e então as salgando.

“Eles devem estar chegando... Convidei a Gabi e a Daniela, mesmo não gostando dela,
fazer o que; ela e o Milo vieram aqui pra Porto Alegre...” Jamais se esqueceria da índia
dando em cima de seu namorado. Mesmo que na época não tivessem se acertado ainda.
“A Fran e o Rafa, o Leo e a Marília com quem ele anda de rolo e é amiga do Davi e do
Guilherme, o Davi e Guilherme claro, o Beto e o Milo, a Tati e o Bruno, que é um
carinha com quem ela tem caso desde os quinze anos; a Natália, o Lucas e o Lázaro.
Acho que é isso.” Deu de ombros.

“Que popular meu namorado é.” Fafá brincou, espetando uma carne. André não
entendia por que achava o moreno tão sexy quando preparava um churrasco. “E a Dani
é legal, não tem mais porque sentir ciúmes dela.”

“Não sinto ciúmes!” André se eriçou como um gato. E falando em gato, Sascha e
Cherry estavam pela casa brincando. Por mais incrível que fosse, Cherry parecia menos
mal-humorada e até perseguia pela casa o filhote, já maior ainda do que antes, não
deixando a brincadeira morrer. André aproveitara a oportunidade para ficar com Sascha
em casa por uns dias.

Fabrício riu.

“Não, claro que não.” Concordou, no tom de quem não acredita numa sílaba do que
ouvia. “Ela e a Gabi tão nesse rolo... Acho que pode até rolar namoro.”

“Namoros à distância são complicados. Só se a Daniela se mudasse pra cá.” André


optou por não falar que preferia que isso não acontecesse. “Acho que vou tentar
preparar o recheio do pão... Vou fazer do jeito fácil, colocar a maionese, o alho
descascado e os cubos de caldo no liquidificador.” Resolveu, prático. Não teria
paciência pra preparar algo mais elaborado, mesmo que fácil. Cozinhar não era sua
praia.
“Pode ser. O fogo já ‘tá bom.” Fafá disse ao espiar a churrasqueira rapidamente. “Sabe,
‘tava aqui lembrando que até agora não contamos diretamente pro Rafael que estamos
namorando. Ele é único que não sabe ainda, né?”

“É... Pior, nem me toquei disso. Mas ele não é burro, só é reservado. Óbvio que ele já
percebeu apesar de continuarmos apenas como amigos na faculdade. Senão ou ele é
muito lesado, ou nós estamos sabendo disfarçar bem em público.” André comentou
alegremente, sarcástico. “Saímos pouco nas últimas semanas por causa dessas provas,
né.”

“Mas no fim foi de boa, até podíamos ter saído.” Fafá garantiu, malandro. “Quando
fomos àqueles barzinhos com música ao vivo, senti falta de tocar também. ‘Tava
falando com uns colegas e eles andam pensando em formar uma banda, me chamaram.”

“Sério? Nem sabia que tu tinha uma banda antes.” André ligou o liquidificador e então
se virou para o moreno. “O que mais tu me escondeu do teu passado sem mim? Quero
detalhes.”

“Ciúmes?” Sugeriu, mas apenas conseguiu que o outro lhe oferecesse uma careta. “Eu
tive uma bandinha com uns amigos, durou três anos, aí vim pra Porto Alegre. Chegamos
a tocar nas cidadezinhas próximas, e éramos meio que a banda oficial de lá. Bah, ‘tô
com saudades daqueles loucos, agora semana que vem vou voltar, ver meus pais e os
amigos... Quer vir também?”

“Terei de ver tua ex também, ou ela arrumou o que fazer da vida?” André torceu os
lábios, e particularmente não lhe trazia animação no coração ir visitar os sogros.
Fabrício ainda não havia contado sobre os dois, apesar de falar que tinha planos de fazê-
lo em breve. Talvez até nessa visita, engoliu a pouca saliva da boca.

“Como é ciumento!” Fafá riu e, se não estivesse com as mãos sujas, teria ido agarrar o
loiro de novo. “Bem, eu soube que ela foi pra Santa Maria fazer faculdade lá. Não sei se
ela estará lá nas férias.” Deu de ombros. O que sabia da ex, eram os pais que lhes
contavam sem que pedisse.

“Vai... contar pros teus pais?” André perguntou, sentindo um arrepio com a ideia.

“Sim, eu não gosto de esconder nada deles. Eles aceitam plenamente o tio Diogo, sei
que será uma surpresa, mas eles vão aceitar, conheço os pais que tenho.” Fabrício
garantiu, apesar de, claro, sentir um pouco de receio com a reação inicial. “Eu gostaria
que tu fosse, eles ainda lembram de ti.”

“Não sei se quero estar por perto quando tu admitir que está namorando outro cara,
ainda que esse cara seja inteligente, bonitão e rico, basicamente o genro que tua mãe
pediu a Deus. Provavelmente pra tua irmã, mas isso é detalhe.” Desconsiderou dando de
ombros, enquanto o outro ria.

“Tu esqueceu de humilde.” Sorriu de lado, e o outro suspirou, estafado.

“Se eu fosse enumerar todas as minhas qualidades, passaríamos o resto da tarde aqui.
Não, mas agora sério, acho melhor eu ir numa próxima.” Falou e então desligou o
liquidificador. Levou a pasta de alho até o balcão e, após lavar novamente as mãos,
pegou os pães e começou a besuntá-los. “Não?”

“Não sei, tu que sabe. Mas vou sentir saudades...” Admitiu num tom mais baixo. André
franziu a testa surpreso, achando o jeito do outro fofo. Aproximou-se e o abraçou pelo
pescoço, conquistando-lhe a atenção.

“Me bateu aquela vontade idiota de te chamar por algum apelido besta desses que os
namorados chamam, sabe? Mas estou me sentindo muito ridículo só por ter essa
vontade.” André admitiu, sorrindo torto, divertido e irônico. Fafá roçou o nariz ao do
loiro. “Mas eu posso te dar um apelido que combine contigo, tipo praga, ou coisa
assim.”

“Que romântico. Olha que eu posso te chamar de Tchutchuco, e na frente de todo


mundo ainda.”

“E essas seriam suas últimas palavras.” André comentou brilhantemente, afastando-se.


“E sobre essa banda, fala com o Leo hoje, ele toca guitarra e anda louco atrás de gente
pra formar uma banda com ele.”

“Sério? Bah, que ótimo, porque o Dudu e o Lauro falaram que um guitarrista seria bom.
Eu vou ficar no vocal e violão mesmo.” Comentou, indo levar um espeto de salsichão à
churrasqueira.

“Leonardo vai querer te beijar quando tu falar isso com ele.” André olhou pro moreno,
sério. “Não deixe.”

Fafá revirou os olhos. Aquele ciúme era perigoso, mas gostava.

“Mas onde anda esse povo, hein? Daqui a pouco começam a sair os aperitivos!” Fafá
exclamou e, não bateu cinco segundos, a campainha soou. Sascha apareceu correndo no
salão, suas patas escorregando desesperadamente no chão liso, latia e a língua babada
sacudia para todos os lados.

André foi atender e juntos chegaram Daniela, Gabi, Milo, Beto, Fran e Rafael.

“O Fafá já ‘tava perguntando por vocês, bando de atrasados.” O loiro falou aceitando os
cumprimentos e felicitações. Não gostava muito disso de ficar recebendo ‘feliz
aniversário pra cá, feliz aniversário pra lá’, mas gostava de ser o centro das atenções.
Receber presentes também era legal.

“Ai, que casa enorme. No dia que eu morar numa dessas, meu corpo vai valer mais que
ouro.” Milo entrou analisando, impressionado. “Isso se eu não tiver de vender o corpo
pra isso.”

“Nem pense nisso.” Beto o cortou.

“’Tô com fome. O rango ‘tá pronto? Cheguei atrasada pra já ter comida na mesa.”
Gabriella brincou. Ou talvez não fosse uma completa brincadeira. André ainda se
lembrava da quantidade de carne e pão que ela havia comido no churrasco de
aniversário do Diogo, e a lembrança era um tanto assustadora.

“Gabi!” Dani a beliscou na cintura, e Gabi soltou um gritinho.

“Não aperta minhas gordurinhas, sei que tu curte elas.” Gabi a lembrou, maliciosa.

“Ai, eu acho que o Sascha tá quase se mijando, André.” Fran apontou para o cachorro
que andava choramingando de emoção pelo chão, praticamente se arrastando. André
suspirou, que cachorro idiota. Como começara a amá-lo mesmo?

“Sascha, vai pra dentro. E vamos entrando, pessoal, só descer ali pro salão.” André deu
as coordenadas, e o pessoal desceu para o espaço com sofá, televisão, mesa,
churrasqueira e balcão. Alguns assobiaram, impressionados. Era um espaço muito legal.

“E aí, galera!” Fafá cumprimentou. Já havia colocado alguns pães pra assar.
Considerando o número de pessoas, havia muitos pães, e o André se viu obrigado a ir
preparar mais alguns.

“Bah, mas esse loiro é casca hein? Já te colocou pra trabalhar, é isso?” Beto perguntou
se aproximando do balcão.

“Eu sofro nas mãos dele.” Fafá repetiu, resignado.

“Ai, Dré, que malvado!” Gabi exclamou se sentando ao balcão, do lado mais alto e sem
pia, contrário ao do moreno. Dani, Fran e Rafael se sentaram também, enquanto Milo ia
xeretar o pátio com a piscina.

“Ah é né? Quando eu falo de churrasco ele fica todo animadinho, se oferece pra ir
comprar as coisas comigo, chega aqui e já vai metendo a mão em tudo, e aí eu que sou o
carrasco? Estamos falando do Fabrício aqui.” André pontuou, já que eles pareciam ter-
se esquecido. Largou os presentes no sofá. “E eu estou ajudando com os pães.”

“Quer ajuda?” Fran se ofereceu, e foi lavar as mãos para começar a ajudar.

“Esqueci de comentar, mas sou vegetariano. O bom é que tem bastante pão.” Milo
retornou para o salão, com uma mão na cintura. “Não vão fazer maionese?”

“Eu até deixei as batatas prontas, mas aí fiquei com preguiça de fazer, acho que ia ficar
uma merda já que eu nunca fiz.” André admitiu. Adorava maionese, mas conhecia o
limite de suas capacidades.

“Mas que inútil, André!” Gabi implicou novamente.

“Gabi, hoje tu tá implicando com tudo.” Dani apontou, sorrindo do jeito impaciente da
morena.

“Fico assim quando ‘tô com fome.”

André deu de ombros e, com um ar de falsa humildade, comentou:


“Acho que sou mais o tipo intelectual do que aquele que faz trabalhos manuais,
entende?” Suspirou ao pegar mais um pão. “Isso eu deixo pro Fabrício. Eu penso, ele
trabalha.”

“Imagina no sexo, o Fafá age e o André lá, filosofando.” Gabi não perdeu a chance, e o
pessoal riu.

“Vai se foder.” André a xingou.

“Certo, ô Sr. Intelectual, então me mostra onde estão as batatas, os ovos, salsa, milho e
ervilha e o azeite, que eu preparo, porque viver só de pão não é pra mim.” Milo lavou as
mãos também e, logo, estava colocando a mão na massa, descascando e picando as
batatas com uma habilidade impressionante, picando rapidamente os ovos duros assim
que prontos, e então começando a preparar a maionese num batedor.

“Olha Beto, diferente de mim, quando tu e o Milo casarem, terá alguém em casa pra
cozinhar.” Fafá brincou, já que todos ficaram impressionados com a habilidade manual
do de cabelos encaracolados, menos a Daniela, já que dividiam apartamento e ambos se
ajudavam mutuamente na cozinha.

“Casar?!” Milo tomou um susto, quase se cortando ao picar o último ovo sobre a tigela
com quase tudo pronto. Tinha de admitir que a paixão entre ele e Beto viera rápida,
tórrida, morria de saudades quando estavam longe, mas sequer eram namorados, e a
ideia de namorar o assustava.

“Claro! Não te contei, amor? Estou pensando em propor agora durante as férias!” Beto
abraçou o loiro, rindo e beijando-o na nuca, enquanto este arregalava os olhos, até dar-
lhe uma cotovelada ao, frente a todas as risadas, entender que era uma brincadeira.

“Nunca mais brinque com meu coração dessa forma, seu puto.” Reclamou balançando a
faca, o que fez Beto se afastar com as mãos erguidas. Era o mais seguro, por via das
dúvidas.

“Sério, sou o único hétero aqui?” Rafael falou, e todos o olharam, afinal, ouvir-lhe a voz
era algo até mesmo considerado raro. Fabrício e André se entreolharam.

“Aqui ou se gosta de cu, ou se cola velcro. Escolha.” Milo brincou, e foi repreendido
por Fran e Gabi. Olhou-as sem entender nada. “O que foi, disse alguma mentira?” Fran
sussurrou algo pro garoto, que soltou um ooh! de compreensão e depois um ‘ops!’
culpado, junto com um risinho.

Rafael notou o desconforto e a dúvida.

“Vocês estão falando sério?” Ele perguntou, admirado. “Acharam mesmo que depois de
dois meses eu seria cego a ponto de não perceber que o Fabrício e o André estão ou
ficando, ou namorando? Vocês me tomam pelo quê? Por um alemão?!” Usou a palavra
como se fosse algo terrível, e a tensão imediatamente se dissipou, alguns riram.

“Como assim? E não falou nada?!” Gabi perguntou, igualmente impressionada.


Rafael encolheu rapidamente os ombros.

“É a vida particular deles, o que há pra falar? Nem achei que estavam escondendo de
mim. Pra mim não foi nada demais.” Falou com naturalidade. “Aliás, por que
esconderam de mim então?”

“Foi mal, cara.” Fabrício falou, limpando as mãos num pano. “Na real nem foi
planejado, apenas não encontramos uma oportunidade mesmo.” Foi checar os pães na
churrasqueira, logo já teriam alguns. “Mas a verdade é que estamos namorando,
gurizada medonha.” Fran e Gabi já sabiam, mas para o resto era novidade, mesmo que
fossem fechar dois meses de namoro dali sete dias.

“A verdade é que tu é um interiorano xucro e bruto, que viveu quase tua vida inteira na
roça, e não sabíamos tua opinião sobre o assunto.” André corrigiu o moreno, e em parte
era verdade, mas um pouco era exagero também. Não fora programado e, considerando
que Rafael não falara nada contra o rolo entre a Gabi e a Dani, provavelmente não tinha
mesmo preconceitos, como se confirmava agora.

“Eu xucro e bruto?! Fran, tu escutou isso?” Dirigiu-se à garota. “Tu concorda?”

“Xucro e bruto tem suas vantagens.” Milo cantarolou e empurrou a Fran, que preparava
os pães ao seu lado, com uma jogada de quadril.

Fran corou.

“Discordo. Meu namorado é querido e carinhoso.” Fran garantiu pomposa.

“NAMORADO?!” Gabriella exclamou de boca cheia. Havia roubado um pão ainda cru.
“PORRA, QUANDO ISSO ACONTECEU?!” Aquilo era novidade, todos sabiam
apenas que eles estavam ficando, não que o pedido de namoro tinha acontecido.

“Que surpresa toda é essa? Até parece que ‘tá com ciúmes...” Daniela comentou
contrafeita. Era possessiva, com amigos e ficantes, talvez porque tivesse medo de perdê-
los e acabar novamente sem nenhum. Gabi a olhou apalermada, por um momento sem
entender o ciúmes.

“Eles estão namorando e eu, a melhor amiga, estava sem saber de nada. Fiquei sabendo
ao MESMO tempo que a ralé. Sacou o drama?” Tentou explicar à índia. “Isso vai contra
as regras!”

“Ralé?!” André exclamou ofendido, e o Milo assentiu, concordando com aquela


indignação.

“Gabi... Eu pedi hoje mais cedo. Nós passamos a manhã no Jardim Botânico hoje e aí
eu pedi.” Rafael tentou explicar, enquanto a Fran balançava freneticamente a cabeça,
sabendo que entrara em apuros.

“ELA PODIA TER LIGADO! MANDADO MENSAGEM!” Gabi continuava


enraivecida. “E CADÊ ESSA COMIDA?”
Fabrício correu para tirar uns pãezinhos.

XxxX

Quando já saía uns salsichões, a campainha soou novamente, interrompendo por alguns
segundos a música que haviam colocado para tocar – seleções da Gabriella. André, que
já havia largado aqueles pães de mão, foi atender. O resto da tropa chegou junto
também: Leo e Marília, Nati, Tati, Lucas, Davi e Gui. Chegaram se cumprimentando
animadamente, comentando do cheirinho bom de churrasco que já enchia a casa,
enchendo o loiro de abraços, o chamando de velho, perguntando dos doces, falando
aquelas gracinhas de ‘só vim pra comer, presente pra quê?’ e coisas do gênero. Mas
entregaram os presentes ainda assim.

“Ué, e o Bruno?” André perguntou à Tatiana.

“Brigamos.” Tatiana afirmou seca, ao ouvir aquele nome.

“De novo?” André rolou os olhos, enquanto a negra assentia e entrava, não lhe dando
detalhes. “Não sei por que esses dois insistem em tentar se acabam brigando toda vez.”
Comentou com a Nati.

“Acho que é justamente disso que eles gostam.” Suspirou com o mesmo tédio do loiro.
Depois de quase cinco anos, cansava escutar os dramas da amiga sobre aquilo.

“Então tu é o famoso André! Posso saber por que não te conheci antes?!” Marília
perguntou dando uma boa analisada no loiro. “Mais um gay bonito no mundo, o que
está acontecendo?! Leonardo, é bom que não me invente de sair dando a bunda por aí.”
Falou num tom preocupado, mas debochado. Apenas brincava.

“Pode deixar, sou um dos poucos héteros convictos dessa bodega.” Leonardo garantiu.

André torceu os lábios para isso, como se debochasse.

“Por favor, não esqueçam de mim. Posso não pegar mulher, mas ainda aprecio.” Lucas
deu o ar da graça. “Mas agora deixa eu ir atrás dessa comida. Eu trouxe a sobremesa!”
Ergueu a torta que havia preparado. Não perdera a oportunidade quando perguntou ao
loiro e ele lhe disse que não ia comprar nenhuma torta. “Ela precisa ir na geladeira.”

“Eu amo esse bolo de chocolate do Lucas.” Tati suspirou.

“’Tá, vamos entrando.” André enxotou todos para dentro. Sascha de novo veio fazer
festa, mas agora parecia mais calmo. Também, depois de sapatear de um lado para o
outro no meio de tanta gente, ainda por cima conseguindo pedaços de pão e salsichão
graças a seu rostinho fofo e esfomeado, era o mínimo!

Quando os dois grupos se reuniram, a bagunça aumentou. Todos se cumprimentaram e,


quem não se conhecia, se apresentou. Guilherme se ofereceu para preparar umas
caipirinhas, havia trazido bebida. Todos comemoraram, estavam tão entretidos na
comida que nem haviam se lembrado do abençoado álcool. André distribuiu umas
cervejas para quem queria.
“É uma das vantagens de ter um namorado que já trabalhou em barzinho. Ele sabe fazer
tudo quanto é drinque.” Davi comentou para o Milo, quando este elogiou a caipirinha.
Os dois de repente pareciam melhores amigos, engatados numa conversa animada.

“Ai, que inveja! O Beto faz um caipira horrível.” Lamentou.

“Hei, não fique por aí me difamando! Eu sou melhor bebendo, só isso.” Beto deu de
ombros e, passando um braço pelo pescoço do Milo, entregou-lhe na boca um pedaço
de pão recheado com a maionese que ele havia feito. Milo aceitou. “É melhor ir
comendo ou vai acabar bêbado antes de todo mundo.”

“Ué, e quem disse que todo mundo vai ficar bêbado?” Davi perguntou, curioso.

Beto sorriu maldoso.

“Temos o dia inteiro.”

XxxX

Em dado momento Gabriella anunciou que iria cair na piscina. A maioria gostou da
ideia, e pouco depois ela, Dani, Davi, Milo e Tati caíam na água fresca, deliciando-se.

“É bizarro estar numa piscina em pleno inverno.” Dani comentou ao emergir e, mal se
firmara sobre os pés, Gabi a abraçou e circulou-lhe a cintura com as pernas. Dentro da
água, era extremamente leve.

“Tu fica ainda mais bonita molhada.” Gabi admitiu dando um beijo na bochecha da
índia e, ignorando o comentário do Milo sobre irem ficarem molhadinhas em outro
lugar, aproximou os lábios do ouvido dela. “Agora quando tu viu o Fabrício, tu sentiu
alguma coisa?”

“Gabi! Já te disse que o Fafá é uma paixão superada...!” Afirmou e acariciou as costas
da morena sob a água. “No Intermed eu caí na real, já te falei mil vezes. Teu beijo me
acordou pra verdade.”

“Isso não me impede de ficar insegura!” Exclamou baixinho, com um bico, mas a Dani
suspirou. De novo esse papo?

“Não quero que se sinta assim. Sou apenas tua.” Disse pacientemente. Deu um beijinho
suave nos lábios carnudos da morena. “Tenho algo pra te contar.”

“O quê?” Gabi perguntou enquanto a Dani caminhava, levando-a junto, para o canto
mais afastado da piscina.

Dani começou a sorrir antes de contar a novidade.

“Eu consegui mobilidade acadêmica. Foi fácil porque as vagas de índio da UFRGS não
foram ocupadas esse semestre e, mesmo que eu não tenha entrado por cotas na UFSM,
consegui aqui. A partir do semestre que vem, estarei na UFRGS.” Sorriu alegremente, e
a Gabi a encarou embasbacada. Demorou alguns segundos antes que a morena
realmente digerisse a notícia e soltasse um gritinho de contentamento.

“Não acredito! Ai, que bom, Dani!” A abraçou apertado e começou a distribuir beijos
pelo rosto da índia, que também sorria.

“Sua vadia! Tu contou antes! Nós tínhamos combinado de contar juntos, pro Beto e pra
Gabi!” Milo exclamou ao, mesmo de longe sem escutar o papo, entender o motivo de
toda aquela alegria. Beto descia o lance de escadas pro pátio bem naquele momento,
trazendo uns pães, salsichões e pedacinhos de carne num prato com farinha.

“Me contar o quê?” Ele quis saber, sentando-se na borda da piscina, atraindo a Tati e o
Davi, que farejaram a comida feito tubarões.

“Que eu consegui mobilidade também, pra UFRGS, já que fui o primeiro colocado na
UFSM e outros fatores...” Comentou por cima, como se não fosse nada. Quase perdeu a
expressão de absoluta surpresa e então satisfação do ficante. Não demorou cinco
segundos após ouvir o barulho de alguém pulando na água. Foi erguido e prensado
contra a parede da piscina.

E sumariamente beijado.

Beto ainda estava de camiseta.

“Eu não acredito, então tu vai se mudar aqui pra Porto Alegre?” Beto perguntou ao
afastar os lábios do seu anjo. Por causa da festa à fantasia em que haviam ficado pela
primeira vez, sempre chamava o loirinho de cabelos encaracolados de anjo, assim como
a Daniela.

“Não, vou vir todo dia de Santa Maria até Porto Alegre, e depois voltar.” Revirou os
olhos, e riu ao receber um beliscão. “Claro que sim! Eu e a Dani vamos procurar algum
apartamento pra dividirmos aqui.”

“Vou poder te ver todo dia.” Abriu um sorriso largo, galante.

“Todo dia não, por favor, não quero enjoar da tua cara, e nem que tu enjoe da minha.”
Milo dispensou, abanando a mão afastando o calor do rosto. A verdade era que estava
quase corando com aquela felicidade toda do outro.

Beto roçou o nariz por seu pescoço.

“Impossível enjoar da tua cara.” Assegurou, abraçando-o apertado. “Quero poder


comemorar isso contigo hoje, só nós dois.” Sussurrou contra a orelha do menor, e o
Milo se arrepiou sorrindo malicioso.

“Era exatamente o que eu estava pensando.” Murmurou de volta, roçando os dedos na


nuca do mais velho antes que voltassem a se beijar.
“Socorro, a putaria ‘tá rolando solta nessa piscina e eu ‘tô solteira!” Tati gritou, vendo
os dois casais cheios de mimos e beijos. “Vou comer, que eu ganho mais. Estou vendo,
vou acabar gorda e solteirona.”

“Deixa de ser boba. Aquele Bruno é muito babaca, não sei por que tu continua com ele.
Tanta coisa melhor.” Davi apoiou-se também à borda da piscina, ao lado do prato,
ambos mordiscando os aperitivos.

“Tu fala porque já achou teu príncipe encantado. Eu não... fui me envolver com aquele
sapo que não vira príncipe nunca.” Suspirou chateada, metendo um pedaço de carne na
boca. “E o pior é que não adianta ter rolos com outros guris, continuo gostando.”

“Então tu deveria, sei lá, ser menos intransigente também e admitir que é louca por ele.
Convenhamos que ele ficou dois anos correndo atrás de ti e, por mais que vocês
ficassem, tu sempre dava uns foras nele.” Davi a lembrou daquela época.

“Ai, sinto saudades disso.” Tati admitiu sonhadora, e o Davi rolou os olhos. Aqueles
dois eram o casal mais complicado que já conhecera, mas a Tatiana era ‘arretada’
demais, pra não dizer barraqueira que não levava desaforo pra casa, e era difícil lidar.
Davi adorava esse jeito forte e autêntico da amiga.

“Nunca te contei, Tati, mas quando tínhamos nossos oito ou nove anos, eu achava que
era apaixonado por ti.” Davi contou, rindo ao lembrar-se. Coisa de criança, mas desde
cedo tinha um carinho especial pela amiga.

“Ai, Davi!!! Que fofo!!!” Tati se lançou nos braços do pequeno. Uma sorte que ela não
era muito mais alta, mesmo que estivessem na piscina. “Só tu me ama, vou grudar em ti
e não soltar mais, vou te roubar do Gui.” Mordeu a bochecha dele. “Esse teu piercing no
umbigo e na bacia me seduz.”

Davi riu, apertando os olhos.

“Nem fala isso, tu vai se incomodar.” Davi a alertou. “Mas se for mesmo me roubar, eu
vou querer casa, comida, roupa lavada, internet e TV por assinatura.”

“Eu te dou meu amor e isso será mais que suficiente. Também te compro um pênis de
borracha pra te fazer feliz.” Tati falou safada, e foi atirada pra trás pelo Davi, que
começou a jogar-lhe água.

XxxX

Fabrício e Leonardo discutiam animadamente, próximos da churrasqueira, sobre música


e a banda que poderiam formar. Leo adorava tudo que escutava, seria ótimo voltar a
tocar.

“Bah, cara, isso é perfeito. Eu tinha uma banda antes, mas a vocalista viajou pra
Austrália, e o baixista largou depois de entrar na faculdade.” Leo comentou. “Ando
atrás de alguma parada há tempos!”
“A gente ‘tava há semanas atrás de alguém, aí o André me falou de ti. Se soubesse, já
tinha chamado antes.” Fafá deu um tapa parceria nas costas do Leonardo. “Mas e teus
horários tão tranquilos?”

“Mais tranquilos que os de um aluno de medicina, posso garantir. Sou um mero


estudante de veterinária.” Riu e jogou mais um pedaço de carne pro Sascha, que
xeretava aos pés dos dois. “Mas qual estilo que vai ser? Eu sou bem eclético pra dar a
real. Toco de tudo com prazer.”

“Acho que nesse início vai ser bem eclético mesmo, rock brasileiro, tudo quanto é tipo
de rock estrangeiro, alternativo, talvez New Wave, se duvidar até um pouco de
industrial, que um dos caras adora, mas aí ele que vai cantar porque essas paradas não
são minha praia.” Fafá comentou tirando mais carne e cortando pra distribuir pelo
pessoal. A maioria caíra na piscina, somente eles continuavam fora, e o André fora abrir
pro Lázaro que chegara mais tarde.

“’Tá louco, curto tudo. Quando é o próximo ensaio?” Perguntou, apoiando-se ao balcão.

“Agora nas férias as coisas complicam, pessoal viaja, até eu vou ir passar uns dias com
a família, mas cara, entro em contato contigo assim que marcarmos.” Fafá assegurou,
jogando um pedacinho de carne bem passada para dentro da boca.

“Como eu já tive banda, tenho uns contatos bons aqui por Porto Alegre.”

“Isso é perfeito, porque de nós três, só um tem contatos e não são dos melhores.” Riu o
moreno. Mas nem se importava, desde que conseguissem tocar vez ou outra já seria
ótimo, relaxar fazendo algo que adorava.

“Então relaxem que acabaram de contratar o cara mais bem relacionado dessa cidade.”
Gabou-se o Leonardo, exagerado.

André acompanhava o Lázaro para dentro.

“Não sei se deveria ter vindo. Conheço teus amigos mais antigos, mas não muito. Não
faço parte do teu grupo de amizades.” Lázaro dizia, numa humildade que soava estranha
aos ouvidos do loiro. Em outra ocasião, uns meses atrás, desconfiaria daquele jeito
manso do primo.

“Relaxa, bebe umas que já vai te enturmar fácil. O pessoal já bebeu tanta caipira e
mojitos que socializariam alegremente até com uma morsa.” Tentou tranquilizá-lo.
“Agora só tem carne, tu perdeu os aperitivos. Por que chegou tão tarde?”

“Minha mãe apareceu lá no meu apartamento, e brigamos.” Rolou os olhos, irritadiço


com aquilo. “Não suporto mais isso tudo.”

“Coitada da tua mãe.” André comentou, abrindo um sorrisinho torto. Lázaro o olhou
chocado. “Sabe, eu sei como é chato te aguentar numa discussão.”

“Vai pro inferno.” Lázaro mandou, e então chegaram ao balcão.


Leo ficou surpreso ao ver o primo do loiro, final, sabia que os dois não se aguentavam.
Mesmo assim o cumprimentou e ofereceu da bebida que dividia com o Fabrício. Já este
o cumprimentou entusiasticamente, como era de seu costume, e o Lázaro piscou
aturdido, perguntando-se por um momento se já se conheciam pro moreno parecer tão
feliz em vê-lo.

“Então, fiquei sabendo do que aconteceu. Sacanagem isso, espero que tudo se acerte.”
Fafá disse, complacente.

Lázaro coçou a orelha.

“Sim, também espero...” Comentou e acabou aceitando a comida que lhe ofereceram.
Serviu-se do que restara da maionese e pegou um pedaço de carne, sentando-se ao
balcão para comer. Estava morto de fome.

“Fabrício, vê se depois vai pra piscina também, não precisa ficar aí namorando essas
carnes o tempo todo.” André falou para o moreno, que apenas lhe piscou maroto.

“Já vou, meu lindo.” Falou abobado, deixando o loiro vermelho com o apelido
despretensioso. “Já te falei sobre os homens lindos?” perguntou ao Leonardo, que riu e
negou.

“Fabrício, fica quieto.” André alertou.

Piadinha infame.

XxxX

Enquanto alguns brincavam de jogar bola na piscina – e o André já havia comprado


uma nova de presente ao Fabrício, por aquela que havia deixado cair no vizinho e o
cachorro mordera –, outros conversavam e bebiam, Tati e Nati se bronzeavam
aproveitando que o sol já não era mais tão forte.

“’Tá brincando que vocês nunca escutaram?” Milo perguntou, estarrecido. “’Tô vendo
que não conhecem o Beto como eu.”

“Nem quero conhecer assim, como tu conhece.” André assegurou, deixando o duplo
sentido no ar e ganhando um punhado de água na cara do Milo, enquanto os outros
riam. “Porra, entrou pela minha boca.”

“Ninguém mandou ser boca aberta.” Milo rebateu. “Como eu estava dizendo, o Beto é o
rei do sofisma. Ele já me contou cada história de como enganou uns professores só
falando bobagens que não diziam coisa nenhuma...”

“É a arte de falar, falar, falar, e não dizer absolutamente nada.” Beto explicou, erguendo
um pouco seu copo de cerveja. “Cara, já me salvei de inúmeras enrascadas por causa
disso.”
“Mas como, gurizada? Me ensina isso que vou começar a usar também.” Fabrício pediu,
encostado à borda da piscina, um de seus braços circulando a cintura do André, que
bebia cerveja direto da latinha. Pura preguiça de buscar um copo.

“Ai, já ouvi dessas também. Preparem-se.” Daniela avisou, dessa vez ela estava
dependurada nas costas da Gabriella, abraçando-a pelo pescoço.

“Quero ouvir. Agora ‘tô alimentada e meu cérebro voltou a funcionar.” Gabi incentivou,
e teve de se desviar de uma bola que Lucas jogara, com intento de brincar com Leo,
Marília e Davi.

Guilherme fora preparar mais uns drinques.

Beto pigarreou, preparando-se de olhos fechados por alguns minutos, como se


vasculhasse dentro de seu cérebro por suas próximas palavras. Depois respirou fundo e
começou com um ar declamatório:

“Vou começar pelo básico. Básico este que rege seus alicerces a fim de salientar, aqui e
agora, como a compreensão da linguagem alheia muitas vezes pode ser precipitada e
tender à verdadeira inabilidade no processo cognitivo de tradução dos sinais implícitos
de um diálogo. De fato, o que eu tento expressar é sim, inegavelmente, contrário à
minha posição inefável de tender aos círculos do raciocínio. Talvez inspirado na frase
de nosso exímio professor Faulk de Métodos e Abordagens em Saúde Comunitária do
primeiro semestre, e que alguns de vocês reencontrarão no terceiro e sexto semestre,
não tento, mas sou, naturalmente, quase que intrínseco ao meu código genético, um
profissional em coisas vagas. Atingir o objetivo de forma reta e quadrada faz da vida
uma grande metrópole, cujas ruas se perdem em meio aos carros e cujas curvas são
todas esquinas retas e não realmente curvas. Entendam que, por trás de todas as
construções verbais e frasais amplamente prolixas e bem dotadas de um lirismo errôneo
e nada barroco, ainda que contraditório, reside um humor que há muito não expresso
nesse grupo, mas que nunca deixou de existir em mim e o qual nunca deixei de proteger
dentro de todas as curvas e sulcos e hematomas subdurais que meu cérebro conserva.”

Falava tudo como se declamasse um poema.

Gabi e Fafá arregalaram os olhos para aquele show de não dizer absolutamente nada e
ainda assim parecer tão inteligente, e todos gargalharam com a última frase, que fazia
leve menção à anatomia do primeiro semestre.

Beto continuou.

“Sinto, no entanto, que essa discussão jamais chegará ao fim, uma vez que
acompanhamos uma linha de raciocínio que não diverge completamente - muito pelo
contrário: muitas vezes temos opiniões um tanto similares e coadjuvantes no processo
de iluminação dos caminhos tortuosos da arte articulada. Não que esse seja, a princípio,
um dever nosso, mas é algo que, ao cogitar a influência do eu, tende à personificação do
texto de cada um conforme o estilo que segue seu ego, alter ego, superego e todos os
outros egos que temos permeando nossa mente e se debatendo, como um feto sofrendo
de asfixia, enrolado em seu cordão umbilical e lutando desesperadamente para romper o
útero da mãe, a tapas e chutes, para finalmente respirar o oxigênio pelo qual tanto quis
chorar, mas nunca pôde. E como um feto, essa ideia tende a se desenvolver,
psicodinâmica e psicanaliticamente segundo os limites e adequações de cada um, para
então infectar, da forma mais positiva possível, um número máximo e exponencial de
pessoas que sofrem dessa retração, e retêm suas palavras na garganta frente ao grupo
tanto quanto retêm gases no intestino em eventos sociais.”

O pessoal se engasgou de tanto rir com o fechamento do discurso absolutamente inútil,


mas ainda assim incrível.

“Guri, tu é um gênio, me ensina.” Gabi implorou. “Quero enrolar os professores com


isso também!”

“Isso foi genial, sério. Esse cara não existe!” Fafá concordou, balançando a cabeça em
reconhecimento e dando tapinhas no ombro do Beto, que ria. “Me lembrem de nunca
entrar numa discussão com ele!”

“Tu nunca entra numa discussão com ninguém, Fafá.” André apontou sabidamente.

“A única coisa que eu captei disso aí é que todo mundo segura um peido num evento
social. Tipo hoje, quantos será que já não seguraram?” Milo perguntou, retórico.

“Foi mal, eu não seguro.” Fafá admitiu, zombeteiro.

“Ai, que nojo, Fabrício! Viu, Dré? Tu te associou com um peidorrero.” Gabi foi logo
avisando ao loiro. “Te livra enquanto é tempo!”

André tinha uma careta no rosto.

“Ele me ama mesmo assim.” Fafá abraçou o André apertado, prensando-o contra seu
corpo e, mesmo sob protestos, roubou um beijo rápido dele.

Lázaro, que os observava de longe, teve a confirmação que queria. Já havia notado o
jeitinho próximo dos dois, mas um beijo era inegável. Usou o celular para tirar uma foto
do moreno beijando seu primo, mas, na hora de enviá-lo ao número do tio, parou,
hesitando. André vem sendo legal comigo, pensou com culpa. E ele sofrerá se o Heitor
descobrir.

Suspirou.

Mas se não enviasse, não continuaria ganhando apoio financeiro do tio idiota.

Observou com certa tristeza o pessoal decidir brincar de subir na garupa um dos outros
e tentarem se derrubar na água. Por mais que Davi fosse o menor, estava na garupa do
Guilherme, logo acabava derrubando todo mundo, afinal, Guilherme era como uma tora
pregada no fundo da piscina, não perdia o equilíbrio nunca.

O celular vibrou para confirmar o envio da mensagem.

XxxX
No final da tarde, Fabrício – usando os óculos-escuros branco que André lhe dera de
presente de dia dos namorados – sentou-se na borda da piscina, tomou um gole do
mojito que havia feito e acariciou a cabeça do Sascha, que viera farejá-lo com um
latido. Depois pegou o violão e começou a tocar, iniciando a música com alguns
assobios.

Sabe quando a gente beija devagar


E por alguns segundos sente o mundo parar?
Pois é, assim que eu me sinto
Quando beijo você.

Sabe quando a gente não consegue dormir


Pensando em alguém que nos faz muito feliz
Pois é, assim que eu fico
Quando penso em você.

A música era toda leve, ritmo que lembrava um dia gostoso na praia, e um ar
apaixonado. A letra não enganava ninguém, muito menos a maneira que, enquanto
cantava, o moreno olhava pro seu loiro, movimentando o corpo de forma despojada, de
um lado pro outro, acompanhando o ritmo que tirava do violão. André recebia
empurrões da Tati e Davi, implicando com ele principalmente por demonstrar-se
vermelho perante aquela cantoria. Claro, estava culpando o sol por isso.

Os casais se aninharam.

Dani se aninhou à Gabi, Rafael abraçou a Fran, Marília subiu na garupa do Leonardo,
Davi se escorou no peito do Guilherme e Beto abraçou Milo por trás.

Sabe quando a gente torce pro dia passar


E chega o fim de semana
Olhando no relógio de minuto em minuto
Pra ver se eu acelero as horas

Tudo que eu quero é viver em paz


E te beijar quando der na telha
No agito da balada
Na calma da fazenda
No banquinho da praça
Deitado na areia
Tudo que eu quero é você por perto
Não importa o lugar
A gente faz, faz, faz....

“O que vocês fazem, hein, André?” Leonardo perguntou implicante, arrancando risadas
dos outros e um olhar lúgubre do loiro, que lhe mostrou o dedo do meio.

Sabe quando a gente beija devagar


E por alguns segundos sente o mundo parar?
Pois é, assim que eu me sinto
Quando beijo você.
Marília deu um beijo no Leonardo para calar-lhe a boca.

“E aí? Sentiu o mundo parar?” A loira perguntou, empoleirada nas costas dele, a cabeça
inclinada por cima do ombro dele para olhá-lo.

“Ô! O mundo parou, mas minha cabeça ‘tá girando até agora.”

“Qual delas?” Marília quis saber, arrancando uma gargalhada do garoto que era sua
amizade colorida há meses agora, esse garoto de pele bronzeada, sorriso lindo e jeitinho
safado. Voltou a beijá-lo enquanto ele ria.

Sabe quando a gente não consegue dormir


Pensando em alguém que nos faz muito feliz
Pois é, assim que eu fico
Quando penso em você.

“Eu acho que mereceremos ser padrinhos do casamento daqueles dois.” Davi comentou
ao observar o momento ‘pombinhos’ do Leonardo e Marília. “Afinal, se nós não
tivéssemos começado a namorar, eles nunca teriam se conhecido.” Decidiu, olhando
para cima para poder ver o rosto do namorado. Suas mãos acariciavam os antebraços
que circulavam sua cintura magra.

“Aqueles dois casando? Só quando o apocalipse zumbi chegar, e os zumbis comerem


todas as outras pessoas e sobrarem só os dois.” Guilherme garantiu, apesar de até achar
que poderia rolar um namoro. Mas ambos eram muito libertinos para dar certo.

“Ah, mas eu gosto de acreditar que vai dar certo. Eles combinam tanto!” Davi suspirou,
aconchegando-se ao maior. “Nós estamos quase casados, né? Morando juntos e tudo...
Tu está gostando?”

Sabe quando a gente torce pro dia passar


E chega o fim de semana
Olhando no relógio de minuto em minuto
Pra ver se eu acelero as horas

“E o que há para não gostar?” Guilherme perguntou apertando-o nos braços e erguendo-
o um pouco, para beijá-lo na curva do pescoço. “Assim eu sei sempre onde tu ‘tá, o que
‘tá fazendo, qualquer um que te visitar eu vou saber, e-“

“Gui! Larga de ser tão ciumento, pelo amor de Deus! Antes era o Leo, aí agora é
qualquer um. Se todo mundo que tu achasse que dá em cima de mim, estivesse mesmo
me dando mole, eu teria homem até a próxima reencarnação.” Reclamou emburrando,
mas como, apesar de ciumento, Guilherme não criava briga nem exagerava – a pontos
irritantes – desde a briga séria que haviam tido no terceiro mês juntos, acabava gostando
do ciúmes do namorado. Claro, às vezes ainda brigavam, mas eram briguinhas bobas e
rápidas que terminavam em beijos.

“Tu que é inocente demais, não percebe.” Guilherme objetou, sério.


“Inocente? Gui, se as pessoas daqui soubessem da metade do que já fizemos entre
quatro paredes, eu seria marcado como o mais pervertido desse grupo.” O lembrou e,
bem, Guilherme não conseguia discordar totalmente daquilo.

Apenas deu um beijo na bochecha do pequeno, sorrindo malicioso.

“Eu te ensinei bem.”

“Safado...” Murmurou, arrepiado.

Tudo que eu quero é viver em paz


E te beijar quando der na telha
No agito da balada
Na calma da fazenda
No banquinho da praça
Deitado na areia
Tudo que eu quero é você por perto
Não importa o lugar
A gente faz, faz, faz....

“Por que, Fran? Não quer ir?” Rafael perguntou frente à negação da namorada.

“Rafa, hoje eu quero ir pra tua casa e ficar lá juntinho contigo, pode ser? Já passamos o
dia aqui, agora quero um pouco de sossego, não ir num barzinho ou festa, que eu sei que
tu não quer ir e só ‘tá convidando pra me agradar, ok? Mas tu não precisa fingir pra me
agradar, eu te conheço.”Fran replicou, batendo com o indicador na ponta do nariz do
garoto.

Rafael ficou impressionado. Ela realmente lhe conhecia muito bem, e nunca havia
reparado. Sentia-se tão idiota por não ter se tocado antes, era mesmo lento. Assim que
ficaram os primeiros dias, já não queria desgrudar da de cabelos cacheados. Ela era
complicadinha, mandona e esperta demais, mas também doce e carinhosa. Se apaixonar
e então pedi-la em namoro fora apenas natural.

“Tu conhece sim, chego a ficar assustado.” Admitiu, e ela o encarou com deboche.

“Isso é porque é a primeira vez que tu namora com alguém que gosta realmente de ti.”
Fran explicou e o abraçou, rindo e soltando um gritinho quando ele a ergueu e mordeu-
lhe o pescoço, a barba causando cócegas.

Olhando no olho a gente de mão dada


Mais de um minuto que a gente não fala nada
A pele se arrepia
O coração dispara...

“Ai Lucas, ai Nati, só nós três solteiros aqui. E o Lázaro, até onde sabemos.” Tati disse,
sofredora. Tati era o tipo que parecia que só seria feliz quando casada e com filhos.
Natália às vezes se cansava com isso, pois gostava de ser independente e não achava
que felicidade feminina estava ligada a casamento e filhos. “Aliás, Nati, tua tatuagem é
linda demais, essa nova.”
“Obrigada, Tati.” Sorriu, mesmo assim adorava aquela louca casamenteira.

“Eu gostei muito também.” Lucas comentou e por alguma razão colocou a mão na
cabeça da Natália e a afundou dentro da água. Amigos, sempre inconvenientes.

Tudo que eu quero é viver em paz


E te beijar quando der na telha
No agito da balada
Na calma da fazenda
No banquinho da praça
Deitado na areia
Tudo que eu quero é você por perto
Não importa o lugar
A gente faz, faz, faz....

Natália emergiu assim que a música terminava, e ouviu os coros de ‘beija, beija, beija!’,
que André recebia. O loiro ficou tão constrangido com aquela comoção toda (e com os
comentários maliciosos de alguns – Lucas e Leo), que tentou sair da piscina e correr
para o salão, mas o Fabrício se levantou rápido, largando o violão, e correu também,
interceptando-o antes que ele alcançasse os degraus. O abraçou por trás e, sob a salva de
palmas e assobios dos amigos sacanas, beijou o loiro até que ele estivesse bem
mansinho e corado em seus braços.

“Esse Fafá, hein!? Domou mesmo a fera! Não é pra qualquer um!” Leonardo exclamou,
implicante, e bateu mais palmas.

Quando André retornou à piscina, afogou o amigo por uns bons e torturantes minutos.

XxxX

Já era bem tarde quando a última leva de pessoas deixou a casa que, por acaso, estava
um nojo, pelo menos no salão. O chão sujo, melado, louça usada na pia, enfim, zoeira
de final de ‘festa’. Eles haviam mesmo dançado por ali, curtindo o som. André deu
graças a deus que no dia seguinte a empregada apareceria. Voltou pro salão e viu o
Fabrício no pátio, recolhendo as boias, as bolas, as cadeiras para guardar no depósito
pequeno que ficava justamente sob o salão, a entrada próxima do lance das escadas.

Lázaro estava sentado ao balcão bebendo um refrigerante. André quase havia se


esquecido dele.

“E aí? Conseguiu curtir? Ao menos sair um pouco...” Falou ao se aproximar dele, que
parecia chateado.

“Foi bom, bati um papo legal com os solteiros da festa, como eu.” Riu meio fraco.
Estava quase chorando. “Então tu ‘tá entre os comprometidos...”

“É...” André falou sem jeito, apoiando os braços sobre o balcão alto, o queixo entre eles.
“Por isso que eu disse que... mudei.”
“Tenho um amigo que diz que todo homofóbico é enrustido.” Ergueu o copo de
refrigerante, num brinde solitário.

“Não sei todo, mas uma quantidade razoável deve ser.” Deu de ombros. “Olha,” Se
endireitou e contornou o balcão, parando em frente ao primo. “Isso vai totalmente
contra minha natureza e minha vontade já estabelecida de te socar sempre que te vejo,
mas, se precisar de alguma ajuda, pode contar comigo, okay? Estamos juntos na mesma
situação...” Olhou para o menor. “E estou feliz que conseguiu sair de casa. Apartamento
de um amigo tu disse, né?”

Para completo choque do loiro, Lázaro começou a chorar. Não, chorar era eufemismo, o
mais correto seria ‘abriu a torneira do céu e iniciou um dilúvio’. Os olhos azul-claros do
André estavam arregalados, e ficaram ainda mais arregalados quando o primo o abraçou
forte, escondendo o rosto em seu peito já coberto por roupas secas, pois havia esfriado
com a chegada da noite.

“P-Por que tu ‘tá chorando?” O loiro perguntou, totalmente sem tato e sem devolver o
abraço. Sentia-se como uma estátua sendo abraçada por uma criança manhosa.

“Me desculpa. Me desculpa.” Lázaro balbuciou, e o choro aumentou.

“Desculpar pelo quê?!” André ficava a cada minuto mais confuso. Que primo louco fora
arranjar! “Lázaro?”

“P-Por estar chorando.” Disse, sem largar o primo.

Sentia-se tão sozinho; tinha seus amigos, mas a verdade é que achava que nenhuma de
suas amizades era tão verdadeira quanto as que o loiro tinha. Sempre comprara suas
companhias com dinheiro. Aquele loiro marrento, homofóbico e irritadiço tinha amigos
como os que nunca teria. Nunca fora bom para fazer amizades, devia ser mesmo chato,
como o primo afirmava. De seus supostos ‘amigos’, que não passavam de um bando de
interesseiros, nenhum demonstrou querer ajudá-lo quando as coisas se complicaram. E
ainda tinha de escutar uma oferta de ajuda de alguém com quem havia ferrado.

Sentia-se tão baixo, vil.

“Desculpa...” Pediu novamente, baixinho, e o choro recomeçou quando, sem jeito,


André deu-lhe tapinhas nas costas, tentando acalmá-lo.

“’Tá, ‘tá, não precisa ficar aí todo sentimental.” Disse meio seco, a voz arrastada e uma
vontade de sair correndo.

Lázaro o soltou e assentiu, envergonhado.

“Eu acho que vou embora.” Ele falou, baixo. “Pode abrir pra mim?” Notou a hesitação
do loiro, que não queria ter passado a impressão que era para ele se mandar. “Por favor,
eu preciso... Ficar sozinho um tempo.” Ou talvez fosse atrás do maldito sex buddy pra
eliminar um pouco do estresse.
“Ok.” André acabou concordando e foi abrir para o primo. Sentiu-se mal ao vê-lo sair
tão cabisbaixo, descendo a rua para chegar ao ponto de táxi.

Poderia ser ele naquela situação... Seu temor de que os pais descobrissem apenas
aumentou, mas guardou o medo soltando um suspiro cansado. Era melhor não ficar
temendo aquilo antes do tempo.

Quando retornou ao salão, Fabrício havia terminado de recolher tudo, e o esperava


escorado ao balcão – cotovelos apoiados sobre o granito polido, um sorriso bonito no
rosto e o corpo com o bronzeado realçado após um dia de sol.

“Enfim sós.” André falou, e foi abraçá-lo para um beijo.

XxxX

Heitor perdeu a noção do tempo enquanto olhava para a foto recebida. Cíntia já dormia
tranquilamente na cama, exausta após o dia repleto de passeios. Havia decidido deixar o
celular no hotel, por insistência da mulher, e só agora visualizá-la a mensagem, sentado
na ponta da cama, com uma mão sobre a testa, seu corpo sem reação. As palavras que
compartilhara com a esposa mais cedo, enquanto passeavam pela praia, lhe vieram à
mente:

“Sei que em muitos momentos não fui um bom pai. Chegava estressado do trabalho, e
acabava descontando em ti, e no André. Sou intransigente, exigente e sério, muitas
vezes não sei demonstrar carinho. Mas meu amor, quero que saiba que não existe no
mundo nada que eu ame mais do que você e nosso filho...”

“Você não imagina... O que alegra meu coração ouvir isso de você. Mesmo que eu já
saiba disso, desde o dia em que nosso filho nasceu.” Cíntia respondera, com um sorriso
doce que sempre o fazia lembrar de seus primeiros dias juntos, quando mais jovens e
inconsequentes.

Sua cabeça pendeu para baixo...

E algumas lágrimas molharam o visor do celular.

Não poderia permitir-se perder o filho, assim como perdera o irmão, há tantos anos...

Notas finais do capítulo


EU SEI QUE NÃO RESPONDI AOS REVIEWS do cap. passado! Mas irei responder,
é só que ando numa fase ruim (problemas pessoais, mas nada realmente "vida ou
morte", então não se preocupem), e irei respondendo tudo ao longo desse mês. Como
entrei no fim do semestre, ficarei umas semanas sem aparecer, perdão por isso. Mas não
irá demorar tanto! Beijos, adoro vocês, amores!

(Cap. 46) Realizando fantasias


Notas do capítulo
Muito obrigada à Bia Fujoshi Taichou pela recomendação!!!

“Enfim sós.”

Sequer foi programado, ou combinado, André simplesmente se sentiu atraído por aquele
moreno como se fosse um pequeno objeto de metal e ele um ímã poderoso. Caminhou
até ele e, assim que perto, foi puxado pela cintura. Os lábios se encontraram com ânsia,
necessidade. Gemeu baixo com a pressão na cintura e a forma como Fabrício o forçava
contra ele, aquela força bruta, diferente de tudo que experimentara, antes de aceitar que
era disso que gostava...

Das mãos, dos braços, do corpo, do jeito, de tudo que o moreno lhe proporcionava.

Fabrício escorregou as mãos por suas coxas, encaixando-as na curva dos glúteos, e o
ergueu, pegando-o no colo sem nenhuma dificuldade. Ele começou a caminhar para as
escadas, seus lábios ainda presos, nenhuma vontade de apartá-los. Porém André se
afastou quando o Fabrício começou a subir para o segundo andar.

“Eu posso usar minhas pernas.” O avisou com os lábios torcidos, afinal, o quarto ficava
no terceiro andar e aquilo deveria cansar.

Fabrício sorriu roubando-lhe mais um beijo que pareceu uma mordida nos lábios
carnudos do loiro.

“Tu é levinho.” Garantiu.

“Peso setenta quilos!” André exclamou. Isso não era nada leve, apesar de não ser gordo
também. Perguntou-se quantos quilos o moreno teria, já que era mais alto, um tanto
mais musculoso, ombros mais largos... Mas não teve tempo de pensar muito antes de
voltar a ser beijado.

Afundou as mãos nos cabelos duros de cloro do moreno, aprofundando o beijo. Ambos
fediam a cloro, e o André decidiu que queria livrar o corpo daquela sensação de ‘passei
o dia murchando na piscina’. Quando estavam finalmente no terceiro andar, Fabrício o
colocou no chão e, mantendo uma mão firme na nuca do loiro, beijou-o esfomeado e
guiou-o para dentro do quarto, suas mãos passeando firmes por todo corpo do loiro.

André o empurrou para o banheiro.

“Quero um banho.” Determinou e nem obteve resposta, Fabrício simplesmente arrancou


fora seu calção de banho. Descarado. Não teve opção que não se livrar propriamente do
dele.

“Passei o dia querendo lamber todo teu corpo.” Fafá falou com um sorriso
desavergonhado enquanto o puxava para dentro do box e ligava a água, que desceu
inicialmente gelada contra seus corpos quentes.

“Oh meu deus, cale a boca!” André corou com o comentário pervertido, mas o Fafá
apenas riu e afundou o rosto em seu pescoço. Dito e feito, lambendo-o da curva do
ombro até a orelha. André ofegou, olhos fechados devido à água que caía sobre seu
rosto, invadindo sua boca; boca esta que logo o Fabrício voltou a beijar, enquanto o
puxava pelos glúteos quase tirando seus pés do chão.

André percebeu que naquele dia em especial, o moreno estava mais empolgado do que
nunca. Ele estava sempre empolgado, mas havia algo diferente, até o André sentia. Era a
abstinência desde o dia dos namorados. O loiro até mesmo se preparara fazendo
novamente uso do kit que Davi comprara há semanas atrás e lhe dera de ‘presente’.
Fora, como da primeira vez, uma experiência terrível, então era bom fazer valer à pena.
Aliás, se esquecera de matar o Davi àquela tarde – a memória fotográfica falhava nos
momentos mais essenciais.

André se desestabilizou quando Fabrício largou sua boca e começou a atacar primeiro
seu pescoço, com chupões que definitivamente não eram bem-vindos. E as marcas
depois? Inaceitável.

“Não... Fabrício, vê se não me deixa cheio de-“ Se interrompeu quando teve o mamilo
abocanhado. Fabrício nem parecia ter se fartado em churrasco, porque a fome estava
grande e parecia querer arrancar pedaços daquele corpo branco. “Isso deveria ser um
banho.” Puxou o moreno pelos ombros e o empurrou contra a parede.

“Mas eu estou te banhando.” Fez-se de inocente, na maior cara de pau, sorrindo


enquanto o loiro o encarava ofegante.

“Como se tu fosse um gato agora!” André rebateu e colocou rapidamente o indicador


contra os lábios do outro, antes que ele falasse alguma outra idiotice. Olhou para baixo,
vendo a ereção de ambos, e sentiu um calor estranho com a visão. Não pensou muito,
simplesmente se ajoelhou na lajota fria e molhada e colocou aquele volume todo na
boca. Ou quase todo o volume.

Fabrício arfou e jogou a cabeça para trás e a bateu na lajota, mas sequer sentiu. As
sensações que vinham de baixo obscureciam todas as outras. Depois olhou para baixo
de novo, e achou que iria gozar somente com a visão do loiro ajoelhado, corado,
olhando-o de volta... Era muito sensual. Mais do que poderia suportar.

“Ah, como eu adoro a tua boca.” Falou entregue ao prazer. André queria pedir para que
ele não falasse nada, e também não gostou muito quando ele segurou-lhe os cabelos
molhados e o empurrou mais contra a ereção. Deu um tapa afastando aquela mão.
“Certo, sem mãos.” Fabrício rapidamente compreendeu.

André se afastou após alguns minutos. Havia se cansado, ainda precisava pegar a
prática. E queria pegar a prática. Quando decidia fazer algo, gostava de fazer da
maneira mais perfeita possível, mesmo num caso como esse. Mas foi apenas se afastar
para que o moreno o erguesse e o beijasse, ainda mais apaixonadamente do que antes.

André gemeu com aquele vigor que o namorado demonstrava.

Surpreendente foi eles terem, de alguma forma, ainda conseguido tomar um banho.
Meio matado, é verdade, cada um passando o sabonete no outro, em meio aos amassos e
beijos que não cessavam, como se suas bocas precisassem uma da outra como o corpo
necessitava de oxigênio. Ainda que às vezes os beijos os impedissem de respirar, e as
risadas lhe tomassem o fôlego.

“O sabonete caiu, quem vai juntar?” Fafá perguntou num tom safado quando o sabonete
escorregou da mão do loiro. André ergueu uma sobrancelha. “Acho que quem deixou
cair, junta.”

“Vai se foder, eu não vou juntar nada.” André tentou sair do box, mas quando já
colocava o pé para fora foi virado e voltaram a se beijaram.

Tropeçaram para fora do banheiro, e o André arregalou um pouco os olhos quando o


Fabrício o ergueu e literalmente atirou na cama. O colchão sacudiu, parecendo uma
mola sobre a qual se deitava. Umedeceu os lábios, sentindo-se novamente meio nervoso
ao ver o moreno aproximando-se da cama e então subindo, molhando o colchão com os
pingos de água que escorriam de seu corpo e cabelos negros. Ele sorria quase maligno,
André quase não gostou daquele novo sorriso dele.

Quase.

“Está molhando toda a minha cama.” André reclamou, antebraços apoiados no colchão
e os olhos vidrados no namorado, até sua voz lhe pareceu meio estranha, como se as
palavras na verdade significassem ‘suba logo nessa merda e me devore’. Mas claro,
jamais diria algo assim. Estava cansado de deixar sua dignidade cair no ralo, e ainda dar
a descarga.

“Tu também ‘tá todo molhado.” Fabrício avisou e, para comprovar, parou bem em
frente e se inclinou, lambendo-o do umbigo até o pescoço, recolhendo os pingos que
escorriam. André suspirou arrepiado, mas gritou quando sentiu uma dor horrível nas
costas. Pulou para frente, se virando para ver quem o atacara.

Cherry, que já não era mais nenhuma gatinha minúscula, mas uma gata adulta e esguia,
não estava nada satisfeita. Estivera tirando um cochilo naquela cama havia um bom
tempo, e acordara com pingos desagradáveis em sua cabeça. Vingou-se cravando os
dentes nas costas do loiro, até mesmo arrancara um pouco de sangue.

“A tua gata acaba de tentar me matar!” André apontou para a gata que miou e começou
a lamber a própria pata.

“Sério, minha gata ‘tá me vendo pelado, isso é tão estranho, como vai ficar nossa
relação agora?” Fafá perguntou preocupado, tapando o que tinha entre as pernas, que
por um acaso estava bem aceso.

André revirou os olhos.

“Não ‘tô acreditando nisso.” Pegou a gata, cuidando pra não levar outra mordida, e
praticamente a atirou para fora do quarto. Sua vontade era de atirá-la escada abaixo.
Cherry miou contrafeita, mas o André bateu a porta no focinho dela de qualquer
maneira.
Não teve tempo de se virar, Fabrício o prensou contra a porta, a respiração quente dele
batendo na nuca, arrepiando. André espalmou as mãos contra a madeira da porta.

“Acho que agora não teremos mais interrupções.” Fafá murmurou em sua orelha.

“Fabrício...?” Perguntou, mas logo entendeu o que ele pretendia quando se ajoelhou.
André bateu a testa na porta quando a língua do moreno resvalou por suas costas. Ele
apertou suas nádegas, naquela mania irritante de tratá-las como almofadas que poderiam
ser esmagadas a seu bel prazer, e as afastou, logo antes do loiro sentir aquela
provocação molhada.

Não deveria ser tão bom, aliás, quem inventara essa história de lambida no cu deveria
estar ardendo no inferno, por ser um viado com ideias estúpidas. Era o que pensava, por
mais que estivesse sofrendo com aquele prazer, engolindo cada gemido que queria
escapar enquanto arranhava as unhas na porta. Já Fabrício adorava fazer aquilo porque:
um – podia apertar aquela bunda gostosa e branquela do loiro o quanto quisesse, e dois
– André parecia sempre sentir mais prazer com isso do que com sexo oral, e era ótimo
ver o loiro tentar se segurar ao máximo. Sem grandes sucessos, felizmente.

“Espera!” André exclamou, correndo para longe do namorado. Fabrício se levantou sem
entender nada, achando que havia feito algo de errado. O loiro simplesmente pegou a
mochila sobre a poltrona do quarto, entrou novamente no banheiro e bateu a porta.

“Mas o quê..?” Fafá murmurou, e caminhou até a porta, batendo de leve. “André?”

“Deita na cama. E me espera.” Ouviu o loiro ordenar.

Coçando os cabelos, o moreno acatou a ordem. E quando não obedecia a alguma ordem
daquele loiro? Difícil. Deitou-se nos travesseiros, apesar de continuar um tanto
molhado, e colocou as mãos atrás da cabeça. Acabou olhando para o teto, perdendo-se
em pensamentos. Chegou a sentir um princípio de sono, o dia fora cansativo, e o que o
deixava aceso era o namorado.

Quando percebeu, uma música começou a tocar.

Baby take off your coat


Real slow
Don't take off your shoes
I'll take off your shoes
Baby, take off your dress
Yes, yes, yes

Fabrício olhou para a porta do banheiro, e seu queixo imediatamente despencou. André
estava com uma roupa de bombeiro, ou ao menos, parte de uma. Uma sunga vermelha, e
um colete igualmente vermelho aberto, deixando entrever o abdômen e o peito. Na
cabeça, uma boina vermelha com dourado que imitava um capacete. Fabrício acabou
rindo quando o loiro ajeitou a boina na cabeça e entrou no quarto, começando uma
espécie de dança sensual, que algum cara mais abusado poderia fazer pra divertir a
namorado. No caso, o namorado.
You can leave your hat on
You can leave your hat on
You can leave your hat on

“Não acredito que tu ‘tá fazendo isso.” Fafá comentou, abismado. Realmente, jamais
esperaria isso do loiro. E claro, estava adorando. Um sorriso largo se formara em seus
lábios, e nada do mundo o tiraria dali. André colocou um dedo sobre os lábios,
mandando-o ficar quieto.

O moreno obedeceu, pondo-se apenas a observar. Em alguns momentos soltava umas


risadas involuntárias com os rebolados do loiro, que dançava todo cheio de marra, às
vezes tirando a boina e a girando de maneira habilidosa para recolocá-la na cabeça,
outras segurando as bordas do colete e abrindo um pouco, exibindo mais o corpo.

Em outras, ficava de costas e arriscava uns rebolados, afinal, sabia que o moreno tarava
sua bunda.

Go over there, turn on the lights


All the lights
Come over here, stand on that chair
Yeah that's right
Raise your arms up in the air
And now shake 'em

Fabrício desejou poder gravar aquilo, porém sabia que apanharia caso o André
percebesse. Teria de manter gravado nas retinas o momento em que o namorado
colocou uma mão sobre a escrivaninha do quarto, enquanto segurava a boina com a
outra, escondendo parcialmente o rosto, e moveu o quadril de maneira erótica, imitando
movimentos sexuais. Certo, isso alastrou um arrepio e calor pelo corpo do moreno, que
mordeu o canto da boca. Há tempos brincava que queria ver o loiro numa fantasia
daquelas, só nunca imaginaria que ele realmente colocaria a ideia em prática.

And baby, put it my way


(You can leave your hat on)
And just leave your hat on now
They don't wanna
(You can leave your hat on)
Won't you do that for me, babe?
(You can leave your hat on)

Para seu alívio, pois do contrário dali a pouco iria buscar o loiro por si próprio, André
subiu na cama, colocando um joelho de cada lado de sua cintura. Fafá finalmente pôde
ver o rosto do loiro com mais liberdade, pois, a boina não tapava quem o olhava de
baixo. Como esperado, ele tinha as bochechas um tanto enrubescidas, enquanto retirava
o colete, no ritmo sexy da música, que já chegava ao fim.

Fabrício segurou-lhe as coxas, e se ergueu apenas o suficiente para levar os lábios à


ereção do loiro, protegida pela sunga vermelha. André puxou o ar, curvando-se um
pouco para frente, suas mãos pararam nos cabelos do namorado. Gemeu fraco com os
beijos que recebia, junto aos apertões nas coxas. O moreno o derrubou na cama pouco,
subindo por cima de seu corpo. Ele ainda sorria, bobo.

“É teu aniversário, e eu que ganho um presente desses?” Fafá perguntou, acariciando-


lhe o rosto, que estava bastante vermelho agora.

“Quem sabe agora para de me encher com essa história de bombeirinha sexy...”
Murmurou, tentando soar irritado, mas falhando pateticamente.

“Hm... Talvez!” Sorriu largamente. “Mas primeiro vou te recompensar...” Sussurrou


sugestivo, e começou a encher o corpo do namorado de beijos. O pescoço, o peito, o
abdômen, nada foi poupado, até que chegasse novamente à sunga, mas dessa vez a
tirasse para expor todo o corpo do loiro.

André mordeu o lábio e fechou os olhos quando sentiu o calor da boca do namorado,
que empurrou suas coxas contra seu peito para ter maior liberdade nas carícias. Fabrício
massageou intensamente a raiz do pênis, deslizando a língua pelo períneo e deliciando-
se com os gemidos contidos do loiro, que já mordia uma mão, fechada em punho, e
tinha os ombros encolhidos, os olhos ainda cerrados. André perdia completamente o
chão quando estava sentindo prazer, se entregava e esquecia. Estranhamente, Fabrício
achava mais fácil lidar com o loiro na cama, do que no resto. Quando se afogava no
prazer, André era mais sincero às reações do corpo.

Fabrício se afastou apenas quando não conseguia mais tolerar sua própria tesão. André
abriu os olhos, tonto com o que experimentara. Fabrício decididamente estava mais
intenso naquele dia. E não querendo ficar para trás, André o abraçou e voltou a beijá-lo
assim que ele se aproximou. Suas mãos percorreram as costas largas e firmes do
moreno, sentindo-as quente, talvez além do bronze ele também as tivesse queimado um
pouco no sol.

“Acho que tô mais safado que o normal hoje.” Fafá admitiu, enquanto o beijava
despudorado no pescoço. Novos chupões, que maravilha, André pensou irônico, mas as
carícias estavam tão gostosas que não queria interromper nada. Apenas deixou o
moreno morde-lhe o lóbulo da orelha e sussurrar em seu ouvido: “Desde o dia dos
namorados eu não consigo te olhar e pensar em outra coisa que não sexo.”

“Às vezes tu é sincero demais. Não, na real tu é sincero demais o tempo todo. E
safado.” André reclamou, corado por vários motivos – pelas palavras, pelo tom, por
suas ereções roçando, por também ter olhado pro moreno nos últimos tempos e só ter
pensado nisso. Apenas as provas finais amontoadas da faculdade atrapalharam que
tivessem momentos livres para dar vida ao desejo fervoroso de ambos. “Mas eu também
‘tô morrendo de vontade... Então vai logo com isso.” André demandou, virando o rosto
meio irritado por admitir.

Fabrício sorriu largamente, ouvindo o que mais queria. Foi levantar para pegar o
lubrificante e a camisinha na mochila que deixara em cima da poltrona do quarto, mas
André o impediu.
“Eu tenho aqui.” O loiro murmurou e se virou de bruços, para alcançar a cômoda. Tirou
dali tudo que era necessário, e se girou de costas de novo, olhando para o moreno que
sorria malicioso.

“Tu não ‘tava mentindo, deixou tudo preparado já. Até fantasia comprou pra dançar pra
mim...”

“Cala a boca, tu também comprou!” André reclamou e tocou as camisinhas na cara do


namorado, que riu divertido com a raiva do outro. Fafá pegou um lacre de camisinha e o
abriu com os dentes, e André o xingou mentalmente de ‘moreno sexy’ – não que isso
fosse de fato um xingamento. Complementou com um ‘idiota’ só pra não perder o
costume.

Fabrício colocou a camisinha e então segurou as coxas do loiro, apertando-as com força
calculada para afastá-las e puxar o loiro para mais perto. Estava ajoelhado na cama, suas
coxas também meio abertas, e as de André estavam sobre as suas. O loiro sentiu-se mais
exposto do que nunca com aquela posição, e até suas orelhas arderam quando Fabrício
pegou o lubrificante e derramou parte do conteúdo na mão.

“É melhor tu ir com calma, não pense que só porque já fizemos uma vez tá liberado pra
farra. Isso se não quiser se tornar um eunuco.” André avisou, e mordeu o lábio abafando
o gemido que estalou na garganta quando os dedos gelados pelo lubrificante lhe
acariciaram entre as nádegas.

Fabrício o penetrou com dois dedos, numa espécie de ‘cala a boca’ muito mais eficiente
do que um beijo.

André deixou a cabeça cair contra o colchão e ofegou, olhando para o teto branco.
Graças a Deus não havia um espelho ali em cima. Porém até gostaria de ver Fabrício se
inclinar para abocanhar-lhe o membro, mesmo que com isso tenha recebido mais um
dedo e tapado a boca com uma mão. Gemeu numa sequência que esfaqueava e
transformaria em pedaços irrelevantes o mais resiliente dos orgulhos, e se contorceu na
cama, seus olhos chegaram a lacrimejar. Maldita próstata.

Fabrício o cobriu com o corpo, segurando uma de suas coxas por trás a levando junto ao
se deitar, até que o joelho do loiro se encostasse a seu peito. André agradeceu por ter
uma boa elasticidade, costumava se alongar bastante antes dos treinos. Os dois se
beijaram profundamente, e o loiro sentiu falta – mas obviamente não falaria nada em
voz alta – quando o moreno retirou os dedos cessando aquela carícia quente.

Fabrício foi beijar-lhe o pescoço.

“Pode deixar que vou ir bem devagarzinho...” Fafá sussurrou com os lábios colados na
orelha do loiro, e o André o abraçou, o coração estourando as batidas em seu pescoço e
ouvidos, ao fechar os olhos. Ofegou apenas em sentir a glande do namorado, e gemeu
com dor quando ele venceu a resistência inicial.

Fabrício o segurou com mais força, e empurrou-se mais uns centímetros, o beijando por
todo pescoço. André gemeu desgostoso. Caralho, isso ainda dói pra cacete, e percebeu
que nunca essa expressão possuíra um sentido tão literal.
Felizmente a dor amenizou após alguns momentos sofridos, e o loiro soltou um suspiro
de alívio e prazer.

“Oh, é bom...”

André só percebeu quando havia falado em voz alta quando Fabrício ergueu o rosto, e
seus olhos se encontraram. O sorriso dele era tão genuíno e bobo que dava vontade de
lhe dar uns tapas, só pra ver se ele deixava de ser tão... Tão... Tão Fabrício! Mas bem,
talvez aí não gostasse tanto dele como gostava. Acabou puxando-o para outro beijo, ou
acabaria retribuindo com um sorriso ainda mais bobo.

Fabrício o beijou nos lábios, e lhe soltou a coxa, abraçando-o. André o envolveu com as
pernas, tentando encontrar uma posição mais confortável.

“Quero que seja ainda melhor hoje!” Assegurou o moreno, empolgado.

André, sem saber muito bem o que responder àquilo, com as pernas puxou o Fabrício
para si, sentindo-o afundar mais em seu interior. Gemeu apertando-lhe as costas,
ouvindo o moreno gemer também em seu ouvido. Finalmente tudo entrara, ainda havia
certo desconforto. Tentou relaxar e roçou os caninos no ombro do namorado.

“Lembra que pode morder?” Fafá o relembrou, e o André riu, quase maligno, e desta
vez o mordeu a valer. Fabrício gemeu de dor, sentindo-a misturada com o prazer, e o
loiro de fato relaxou completamente, sentindo-se bem melhor. O fato de relaxar acabou
de vez com o desconforto e até se sentiu entediado com a falta de movimentação, então
moveu o quadril por si próprio, mesmo que isso o constrangesse um tanto.

Mas que se dane, agora já dei a bunda mesmo.

Fabrício entendeu rapidamente o recado e começou a se mover. Voltou a procurar pelos


olhos do loiro, que o encarou rubro e ofegante, segurando-o pelos ombros. Já era noite,
mas as luzes estavam ligadas, algo que o Fabrício agradeceu, pois era muito do visual e
achava ótimo olhar para o loiro, sem nenhuma dificuldade. Animado, num movimento
rápido se colocou novamente de joelhos, levando o loiro junto. Pôde senti-lo descer
mais fundo em seu pênis por sentar em seu colo e abraçá-lo com as pernas. André
gemera surpreso com a mudança inesperada, as mãos fortes em sua cintura.

Olhou irritado para o Fafá.

“Vê se avisa antes de fazer essas coisas bruscas!” Tremera de cima abaixo com o prazer,
mas não sabia se queria essa posição que dependia de seus movimentos, porém o desejo
urgia por mais, e acabou rebolando timidamente no colo do moreno.

Fabrício riu em seu ouvido, gerando um arrepio.

“Quer mesmo que eu narre tudo? Como no momento ‘tá rebolando da forma mais sexy
possív-“ Levou um soco no ombro antes de terminar e gemeu de dor.

“Esquece.” André resmungou ofegante e, também sem avisar, empurrou o moreno


contra a cama, deixando suas mãos caírem de cada lado do rosto dele, sustentando-o.
Sorriu enviesado por estar agora por cima. “Estou começando a suspeitar que me
conquistou só pra levar pra cama.”

“Conquistei?” Fafá perguntou divertido, e viu o loiro corar. Sorriu. “Estava nos planos.”
Admitiu e agarrou os glúteos do loiro, puxando-o e empurrando contra seu membro.
André abaixou a cabeça e gemeu, afundando os dedos no colchão. Fabrício moveu o
quadril também, estocando numa sequência rápida e veloz que lhe arrancou um grito
abafado do namorado, enquanto gemia também, contido, o rosto vincado pelo prazer.

André não teve tempo de se recuperar, Fabrício girou e o prendeu contra o colchão.
Beijaram-se de novo, enquanto o ritmo aumentava. Fafá achou que o loiro já tivera
tempo suficiente para se acostumar, e dessa vez não poupou. André chegou a se
assustar, mas a intensidade que beirava uma agressividade provocante era boa, o
contagiou. Agarrou os cabelos do moreno, que por algum motivo adorava – macios,
rebeldes –, e os puxou, sem nenhum compaixão. Arqueou as costas, gemendo
entrecortado. Fafá estava se apaixonado por aqueles gemidos, pareciam implorar-lhe
para que continuasse, pareciam dizer que o André era apenas seu, explicitavam o prazer
do loiro e isso o deixava extasiado, tornando seus movimentos mais impetuosos.

“Eu acho que ‘tô apaixonado pela tua bunda.” Fafá admitiu brincalhão, enterrando-se
mais, sua pelve batendo sonoramente contra os glúteos do loiro, num dos quais deu um
tapa. André quase lhe deu um tapa na cara, mas no lugar disso agarrou e apertou com
força a bunda do moreno também, sabendo que a deixaria vermelha.

“Apenas cala a boca e me come.” André mandou. Nem ele acreditou no que pedia.
Sentia como se alienígenas houvessem lhe raptado sem que soubesse e alterado sinapses
em seu cérebro. A ideia da fantasia e da dança já comprovavam isso. O Fabrício chegou
a parar por um momento, riu, e então continuou, frente ao olhar irritado e corado do
loiro.

“Me diz como não te amar?” Fafá perguntou, bobo.

André revirou os olhos, mas suas orelhas pinicaram, quentes.

A respiração do moreno batia alterada contra o pescoço do André; este respirava


pesado, até gritar quando Fafá lhe ergueu mais o quadril e a posição finalmente
propiciou o contato com o ponto mas erógeno. André arregalou os olhos com aquilo,
gemeu assustado com mais uma estocada, o corpo estremecendo, aquele prazer brutal
queimando em seus músculos, que se contraíram em espasmos frequentes.

Gritou um xingamento que nem se lembraria mais tarde. Fafá riu com aquilo, e apenas
acelerou, como se aquele gritou houvesse liberado uma descarga de adrenalina em suas
veias, deixando o ritmo ainda mais impaciente. Capturou os lábios do loiro e o beijou
voraz, mordendo aquela boca carnuda até senti-la inchada, marcada. André não
acreditava naquelas sensações. O prazer antes fora incrível, mas agora...! Se empurrou
contra ele, sem ar, quase como se tentasse se libertar. Fabrício soltou-lhe os pulsos e o
puxou de novo. O moreno apoiou-se ao encosto da cama, seus olhos ficando na altura
do peito do André, que o olhou de cima, segurando-lhe o rosto.
O corpo esguio e sensualmente definido do loiro parecia ainda mais delicioso naquela
posição, sentado sobre o moreno, as costas arqueadas, o bumbum arrebitado, e as coxas
bem ao alcance de suas mãos. Fabrício o olhou deslumbrado, e começou a beijá-lo no
peito, lamber, chupar-lhe os mamilos. André suspirou enquanto rebolava com incentivo
do moreno, que apertava ora suas coxas, ora sua bunda, ajudando-o a subir e descer.

André o abraçou, pressionando seu rosto contra o peito dele, gemendo de uma maneira
mais rendida, nova para o Fabrício. E isso atiçou ainda mais o moreno, que o apertou
como se quisesse arrancar-lhe um pedaço.

Iria enlouquecer até o final daquilo.

“Ah Deus... Eu não quero que termine.” Fabrício falou, a voz alterada pelo prazer.
Apoiou bem os pés contra o colchão e empurrou-se forte contra o loiro; puxou-o pela
nuca para baixo, para que se beijassem. André novamente gemeu daquela maneira, um
gemido meio chorado que era de deixar qualquer um maluco.

Fabrício de novo mudou as posições, dessa vez virou e prensou o namorado contra o
apoio da cama, segurando-o pelas coxas e investindo na mesma intensidade contra ele.
André precisou apoiar um braço sobre o encosto, e outro passou pelos ombros do
moreno. Não estava confortável, mas isso apenas parecia deixar aquilo melhor ainda.
Até porque continuava a atingir-lhe próstata e causar aquele prazer insano que achara
que era um exagero, uma mentira para que os homens fossem passivos. Se enganara
redondamente.

Acabou por não conseguir se segurar mais. Gozou no abdômen do moreno, engolindo
um grito enquanto batia a cabeça contra a parede, sem nem perceber a dor do baque.
Fabrício abraçou seu corpo sem forças e o deitou na cama de novo. Também havia
alcançado o mesmo prazer, segundos após o loiro. Ficaram abraçados um tempo,
trocando carinhos enquanto se recuperavam.

“Não vai falar que me ama de novo?” Fafá perguntou.

“Q-Quê?.” André se remexeu e o empurrou. Fabrício tinha cada ideia. Tentou sentar,
mas sua bunda doeu. Gemeu contrafeito. “’Tu me destruiu e quer que eu te ame.” Virou
o rosto para que ele não visse seu rosto corado. Que ótimo, corar depois de dar a bunda
e gemer enlouquecido.

Será que ao menos disso não poderia se livrar?

Fabrício tirou a camisinha, amarrou-a e a jogou no chão. Depois daria um jeito nisso. Só
esperava não esquecê-la e depois encontrá-la na boca de um Sascha correndo pela casa.
Afastou o pensamento com uma careta, e se sentou, abraçando o loiro e o beijando no
ombro.

“Eu não queria te destruir. Eu destruí? Só sou carente depois do sexo...” Murmurou,
roçando o nariz na omoplata do loiro.

“Se faz de bobo, mas na cama...” André provocou irônico, mas ofegou baixo quando o
moreno lhe agarrou de maneira mais firme.
“Nunca fui assim, sempre fui mais romântico, mas acho que hoje perdi o controle.”
Fabrício admitiu, enrubescendo de leve, e o André o olhou impressionado. Deixou o
corpo cair ao lado dele, e o Fafá também se virou de lado, mantendo a mão em sua
cintura.

André o achava fofo quando ele corava, era meio raro, ainda mais com aquela pele
bronzeada.

“É que sou muito sexy.” André disse, convencido. Isso talvez nunca viesse a mudar.

“É mesmo.” Fafá concordou sem pestanejar, indo cheirar o pescoço dele, abraçando-o,
parecendo um cachorro farejador. “Muito, muito sexy.”

André não estava exatamente acostumado a que as pessoas concordassem tão


ferrenhamente com seus momentos exibicionistas, então acabou meio aturdido, sem
saber o que responder. Arrepiou-se com os beijos no pescoço e no peito e gemeu
quando o Fabrício mordeu e em seguida lambeu seu mamilo.

“Fabrício...” André chamou num tom de aviso, remexendo-se um pouco. Sua bunda
ainda doía, e seu corpo latejava em alguns pontos em que o moreno havia lhe apertado
com força desmedida.

“’Tô comportado.” Fafá murmurou e deitou a cabeça no peito do loiro, abraçado a ele.
“Por enquanto.”

André riu, revirando os olhos, e acariciou os cabelos negros.

“Mas e tu...” André perguntou, de repente inseguro. “Tu... Gostou?”

Fafá ergueu a cabeça, perplexo com a pergunta descabida.

“Endoidou?” Perguntou, mas sorriu ao notar a insegurança do loiro. “Foi a melhor que
já tive!”

“Hum...” André olhou pro teto.

“Está duvidando?” Fabrício perguntou, aproximando o rosto do loiro. “Vou ter de


provar?” Perguntou adquirindo um brilho malicioso nos orbes ônix; sua mão escorregou
acariciando a coxa do outro.

“N-Não!” André se ergueu nos cotovelos, mas mordeu os lábios. Recém tivera um
orgasmo, mas seu corpo estremeceu, dando indícios que uma segunda rodada não seria
problema. E no máximo uns 10 minutos haviam se passado! Ah, como era louco ser
jovem. “Digo... Talvez eu queira alguma prova. Algo como – Hei!” André soltou ao ser
erguido da cama.

Fabrício o tocou sobre um dos ombros assim que em pé, e o André o achou maluco. Ele
correu para fora do quarto. Estavam ambos nus! André gritou quando ele desceu as
escadas, estava quase escorrendo naquele ombro, era grande demais para caber ali, mas
o Fabrício o segurava com força, e o loiro se agarrou a ele para não cair de cabeça no
chão.

André mal acreditou quando Fafá saiu no pátio – uma benção que era um pátio alto,
com muros nas laterais que não deixavam os vizinhos mais próximos vê-los.

“Fabrício, tu enlouqueceu!?” André quase gritou, mas foi jogado na piscina mesmo
assim. Quando emergiu, viu o moreno peladão na borda da piscina, rindo. “É assim que
tu me prova alguma coisa!?” Vociferou.

Fafá mergulhou e abraçou o loiro por baixo d’água, tirando-lhe os pés do chão ao
emergir. Sorriu para o André, como sempre ignorando a irritação dos olhos azuis.

“Foi nessa piscina que senti pela primeira vez vontade de te beijar.” Fabrício lembrou,
avançando com o namorado mais para o centro dela. “Agora somos namorados, e eu
sinto vontade de te beijar o tempo todo.”

“Ora-“ André foi calado com um beijo. Estremeceu. O dia poderia ter sido quente, mas
era o sol sumir que o frio retornava. Abraçou-se ao moreno, em busca do calor dele. Já
sentia o corpo arrepiado, tremendo.

“Enlouqueci por ti, bombeirinho.” O moreno gracejou, sorrindo de olhos fechados e,


muito romântico, mergulhou com o loiro e brincou de afogá-lo.

André se debateu, xingando-o.

Iniciarem uma lutinha de água foi inevitável. Depois acabarem em beijos e mais
amassos foi novamente impossível de impedir. Ficaram minutos e minutos ali,
brincando e namorando, até não aguentarem o frio, seus lábios roxos. Sascha acordou
com a bagunça e latiu, querendo brincar, e os dois correram de volta ao quarto, fugindo
do cãozinho traquinas.

Acabaram em um novo banho juntos, dessa vez mais comportado, e caíram novamente
na cama, após trocarem os lençóis. Porém estavam tão cansados – depois de um dia sem
parar um minuto, do sexo, da guerrinha na piscina –, que capotaram sem forças para
mais nada, abraçados sob uma colcha que o André pegou.

“Tu acabou com as minhas energias, loiro.” Fafá murmurou sonolento, abraçado ao
André, a clássica conchinha. André preferia dormir sem aquele encosto, mas apreciava
o calor, e de qualquer maneira o Fafá era grudento. Mesmo que pedisse, ele acabaria o
abraçando depois de dormir.

“Cala boca que não é tu que não vai conseguir caminhar direito amanhã.” André
resmungou, naquele seu tom arrastado e mal-humorado, mas acabou sorrindo quando o
Fabrício riu. Aconchegou-se mais ao moreno, bocejando.

“Mas eu não te machuquei, né?” Fabrício parou como se pensasse nessa possibilidade
apenas agora. Seu rosto se encheu de preocupação enquanto abraçava protetoramente o
loiro. “’Tá doendo agora?”
“Larga minha bunda!” André afastou a mão que foi tentar acariciar a região, enquanto o
outro soltava uma risada. “Não machucou não... Agora deixa eu dormir.” Disso e se
acomodou de vez, fechando os olhos.

Arrepiou-se com o beijo no ombro que recebeu, e mais alguns carinhos que ele
continuou fazendo, lentos.

“Feliz aniversário.” Fabrício sussurrou em sua orelha, e o André encolheu o ombro, sem
jeito com o tom, mas ainda abriu os olhos e mirou o namorado, dando o último selinho
da noite nele.

Não importava o que viesse dali para frente.

Henrique estava certo, ele amava aquele moreno babaca e por ele enfrentaria qualquer
provação.

Notas finais do capítulo


Música do cap.: https://www.youtube.com/watch?v=jOotsq4soug A fantasia de
bombeiro eu imagino mais ou menos assim:
http://cdn.nuvemshop.com.br/stores/022/847/products/BOMBEIRO%20II-480-0.jpg
Estava eu aqui sem vontade de estudar, e resolvi ajeitar o capítulo, responder alguns
reviews. E postar. Sim, ainda estou com reviews atrasados, mas final de semana que
vem conseguirei responder todos. Peço perdão principalmente à Diana Barros - querida,
ainda irei responder todos teus reviews! Enfim, semana que vem tem mais! :3
Beijooooooos!

(Cap. 47) Espera que o sol já vem


Notas do capítulo
Muito obrigada ao Marcelo Nery pela recomendação!

André voltou para a casa após largar Sascha na casa dos tios do Fabrício. Havia sido tão
bom passar alguns dias com o cãozinho! Sascha já estava grandinho, afinal, já tinha
cinco meses. O tempo parecia estar voando, e Sascha se tornava se possível ainda mais
bagunceiro. Mordia tênis, roubava roupas, corria de um lado para o outro, enfim, não
parava quieto. André até se sentia meio culpado de deixá-lo na casa dos outros, fazendo
bagunça.

Ao menos Diogo e Rique haviam se afeiçoado bastante ao labrador.

Chegou à garagem e desceu da moto, retirando o capacete. Só queria pegar algumas


coisas que esquecera, pois planejava dormir com o namorado na casa dos tios dele,
naquela noite. Ouviu barulhos no salão e ficou um pouco surpreso por os pais já terem
voltado, afinal, eles haviam dito que retornariam apenas na sexta-feira, e era recém
domingo. Acho que vou ter de desmarcar aquele cineminha que combinei com o
Fabrício, pensou chateado.
Desceu para o salão pronto para cumprimentá-los, mas parou no fim do lance de
escadas ao notar o clima tenebroso dali. Cíntia recebeu-o com um olhar aflito, e o pai
parecia uma geleira humana, parado rígido, seu olhar pesado como nunca antes vira.
Pais e filho se encararam por alguns segundos, em silêncio, e o coração do mais novo
palpitou em compreensão antes mesmo que eles falassem qualquer coisa. Ele sabe,
concluiu.

Chegou a olhar para a escada, pensando se valeria à pena fugir.

“André,” Heitor chamou, e um arrepio atingiu o loiro. Aquele tom baixo e falsamente
controlado do pai nunca significava boas coisas. “Sente-se aqui. Nós precisamos
conversar.”

Seu coração batia desesperadamente quando fez o que lhe era exigido.

“Não tem nada para nos contar, filho?” Cíntia perguntou, seu tom mais suave. André a
olhou por um momento, e sentiu o peito rasgar com a decepção que via nos olhos claros
dela, tão azuis quanto os seus.

“Nada que vocês já não saibam.” Desviou o olhar. Não adiantava mentir, sabia disso.
“Não sei como descobriram, mas não é nenhuma mentira.”

André tremeu com o barulho do punho do pai batendo no balcão.

“Você não é gay, André.” Ele determinou, como se fosse apenas mais uma rebeldia do
filho. “Está apenas confuso. Associou-se com aquele rapaz de novo, e ele novamente
tentou te levar para o mau caminho, desde crianças ele já tentava te perverter. Eu
deveria ter impedido, fui relapso, mas não deixarei que isso continue acontecendo. Pelo
seu bem-“

“Pelo meu bem?!” André exclamou, levantando-se abruptamente do banco, quase o


derrubando. Olhou com raiva para o pai, seus olhos já lacrimejavam. “Eu não estou
confuso, pelo contrário, estou mais lúcido do que nunca! Eu sou gay, e não tem nada
que vocês possam dizer ou fazer que irá mudar isso.”

“Mas meu filho, tu tem certeza-“ Cíntia começou, seus olhos também sofridos, suas
palavras doídas, mas Heitor ergueu a mão para que ela parasse. Sabia que a esposa
padecia, também.

“Nós conversamos ontem à noite e chegamos à conclusão que lhe fará bem se afastar
daqui. Temos meios, você tem nacionalidade inglesa, assim como nós. Era uma ideia
antiga minha e de sua mãe que nos mudássemos para a Inglaterra, mas sempre
adiávamos, por questões de trabalho e família. Mas agora-“

“Não irei para Inglaterra!” André exclamou. “E mesmo se eu fosse, eu não seria menos
gay. O Fabrício-“

“Esse garoto é o problema!” Heitor se exaltou um pouco, enfim perdendo a postura


controlada de um homem de negócios. “Eu não sei o que ele tem, mas com ele você não
é o mesmo, perde o rumo, se deixa levar. Começa a ter essas ideias estranhas! Você
sabe o quanto isso é errado, André! Você beijando outro homem... Sabe o quanto nos
decepciona saber disso? Depois de tudo que fizemos por ti, é assim que nos retribui.”
Disse com pesar e desgosto, palavras duras, e uma lágrima desceu pelo canto do olho do
mais novo.

André olhou para a mãe, que lhe estendeu a mão, tocando-lhe o rosto. Também chorava.

“Filho, podemos recomeçar juntos em outro lugar. A Inglaterra é um país maravilhoso,


tu sempre gostou de lá, não é mesmo? Teremos tempo, juntos, para conversar e pensar
sobre tudo isso.” Ela tentou convencê-lo, com um sorriso fraco. “Por favor, André, nós
só queremos o seu bem, sua felicidade.”

André se afastou dela também.

“Não. Vocês querem a felicidade de vocês. Porque vocês não aceitam isso, logo não
querem nem tentar me aceitar. Eu sou a mesma pessoa, não uma decepção. Eu sempre
fui assim, apenas me reprimia antes! Por que é tão difícil de entender?!” Balançou a
cabeça de um lado para o outro, frustrado. “Eu amo o Fabrício.”

Arregalou os olhos quando o pai o agarrou pelo colarinho da jaqueta que usava.

“Não, tu não ama.” Ele disse, perdendo de vez a compostura, a irritação aflorando, junto
ao medo de perder o filho para aquilo que via como uma doença. Toda a raiva e
indignação expuseram-se à superfície. “Quando recobrar o juízo, vai perceber a
bobagem que está dizendo! Vai olhar para trás, e sentir nojo do que fez. Então irá nos
agradecer por isso!”

“Não irei! Até porque não vou me mudar porra nenhuma! Cansei disso, cansei dessa
homofobia de merda de vocês, da sociedade! Aceitem que tem um filho viado, que
gosta mesmo é de dar a bunda, ou vão sozinhos pra porra da Inglaterra e me deixem em
paz!” Perdeu a paciência. Tal como o pai, nunca fora dos mais pacientes, apesar de
explodir em raiva com mais frequência do que ele.

Caiu no chão com o tapa que recebeu.

“HEITOR!” Cíntia gritou, desesperada ao ver o filho apanhar. André se arrastou para
trás quando o pai tentou se aproximar, porém impedido pela esposa. “Tu me disse que
não iria bater nele... vamos conversar.”

“Conversar?! Não tem mais nada para conversar! Não ouviu o que ele disse?!”
Conseguiu livrar-se da esposa e ergueu o filho do chão, segurando-o pela jaqueta, mal o
deixando pisar no chão.

André segurou-o pelos antebraços.

“Tu vai obedecer aos teus pais! Acha que porque é maior de idade, iremos deixar tu
acabar com a tua vida dessa maneira? Virar um promíscuo, um puto que dá a bunda e
ainda se orgulha disso? Somos teus pais! Nós decidimos o que é certo para ti, e esse
garoto pobre de índole duvidosa não é! Está me ouvindo? Está me ouvindo?! Irá para
Inglaterra com a gente, queira ou não!”
André não respondeu. O pai o sacudiu, exigindo uma resposta.

“ESTÁ OUVINDO, ANDRÉ!?” Heitor gritou, e o André se encheu de raiva.

“Faz alguma diferença? Tem um filho viado de qualquer forma.” Rebateu, torcendo os
lábios. “Mas como é que é mesmo, não foi pra isso que me criou? Fique sabendo que eu
‘tô cagando pra o que tu me criou, homofóbico de merda!”

Isso lhe garantiu outro tapa.

Cíntia gritou, e de repente o pai também gritava, milhares de coisa – xingamentos, em


sua maioria. Tentou se defender, mas já nem entendia direito o que acontecia. Gritava
de volta com o pai, mil coisas entaladas na garganta. Voltava a apanhar, ouvindo os
gritos da mãe. Sua visão estava estranha, um tanto turva, talvez porque chorasse, e o
conhecido gosto férrico de sangue enchesse sua saliva.

“Tu foi uma porcaria de um pai! Ausente, autoritário, preconceituoso! Tu poderia ser a
reencarnação de Hitler, eu não iria duvidar!” Gritou, numa explosão de adrenalina.

“Eu te dei tudo que tu tem agora! Trabalhei dia e noite. Se me abstive, foi para dar para
vocês aquilo que eu não tive. Foi para dar-lhes o melhor. É assim que tu vê?! Eu deveria
ter batido em ti mais cedo, talvez houvesse evitado essa pouca vergonha!”

André nunca vira o pai tão enfurecido, fora de si, os olhos azuis queimando sem derreter
a geleira que eram. Nem sempre o pai era ruim e, por mais que o odiasse naquele
momento, sentia-se igualmente mal com o que falava.

“Eu nunca pedi pra trabalhar que nem louco! Eu nunca pedi pelo melhor! Eu nunca pedi
pra ser gay! Então não jogue nada disso na minha cara!” Lágrimas grossas desciam de
seus olhos, era impossível segurar. “PORRA, eu nasci assim! Qual o grande problema,
afinal!?”

Heitor o segurou e empurrou contra a parede. André sentiu os pés perderem o apoio do
chão novamente, apenas a ponta de seus dedos lhe dando um sustento parcial. A forma
com que o pai segurava quase o sufocava, não o deixando respirar direito.

“Ingrato! Te dei tudo que tu tem, paguei tuas contas, fiz tuas vontades, te alimentei, te
dei educação, e tu me retribui desprezando tudo isso e indo dar a bunda para aquele
viado!? Tu me retribui virando uma bichinha, uma vergonha! Já não basta teu primo,
quis seguir a moda!? Sempre comeu mulher e quer me convencer que nasceu assim?
Isso é uma perversão, uma rebeldia!” Gritou.

“Vai se foder!” Gritou de volta. Apanhou de novo.

André engoliu a saliva com sangue com dificuldade, o rosto inteiro parecia latejar.
Sentia-se nauseado e queria vomitar. E quando Cíntia tentou de novo afastar o marido
do filho e Heitor empurrou-a, mandando-a não se meter, André soube que o pai perdera
todo o controle, toda a sanidade. Algo dentro dele quebrara, e ele já não mais pensava
no que estava fazendo. Se alguém não parasse, aquilo poderia acabar de uma forma
ainda pior.
A mãe caiu ao chão pela força desmedida do empurrão, e seu lábio sangrou ao bater
contra o dente.

Aquilo era realmente demais. Jamais assistiria à mãe sangrar. Decidiu não apenas tentar
se defender. Socou o pai, fazendo-o cambalear para trás. Olhou então para a figura que
o assustara por tanto tempo; uma raiva vibrante brilhava em seus olhos, não apenas um
cansaço por saber que seria inútil ir contra ele.

Sempre fora.

Heitor o encarou surpreso, mas logo isso desvaneceu do rosto autoritário.

“Não se atreva... A bater nela.” André disse trêmulo, a voz pausada e falha.

“Querendo pagar uma de macho, filho?” Levantou-se graciosamente. “Desde que virou
mulherzinha de outro, não tem mais esse direito.” Disse, a voz também vibrando de
raiva, os olhos estranhos.

Cíntia, caída no chão, chorou, perdida, confusa. Nunca vira o marido de tal maneira, não
imaginara que chegaria a tanto. Tinha medo do como aquilo poderia acabar. André tinha
noção que ele e o pai tinham forças semelhantes, mas já havia apanhado e se sentia
fraco. Heitor, quando mais novo, fora lutador amador de boxe, praticava para retirar o
estresse do corpo. André sabia disso também, mas mesmo assim tentou acertar o pai. O
que conseguiu foi um soco, que o derrubou.

Sentiu-se zonzo quando a cabeça bateu contra o chão, e sequer conseguiu mais pensar
em se defender. Tinha vontade de rir, em realidade. Era esse o pai que tinha? Um pai
que o espancava por ser gay? Nem tio Adriano, nem o pai do Davi bateram nos filhos
ao descobrirem sobre a orientação deles, apesar de brigarem e repudiarem. Edgar até
mesmo passara a aceitar o filho.

Se era para ter um pai assim, preferia não ter.

“Sou gay.” Murmurou,de bruços olhando para o chão. “Sou gay. Sou gay! Sou gay!”
Sua voz aumentava a cada vez que repetia a frase, até estar gritando. “Sou gay!”

Heitor se ajoelhou, virando-o, e sentou-se em sua cintura, voltando a erguê-lo pelo


colarinho.

“Isso é só uma fase, filho.” Disse confiante, e o André achou-o louco. Ele chorava, mas
então deu-lhe um tapa e, a cada nova frase que dizia, lhe dava um novo tapa. Um tapa
forte, que latejava e virava-lhe a cabeça. “Tu vai voltar a sentir nojo de homem, como
sempre sentiu, vai ver, vai apagar essa parte da vida da tua cabeça. Eu só preciso tirar
isso de ti, só preciso te curar. Preciso te curar, Eduardo.“ Heitor falava, olhando-o de
maneira um tanto ausente, quebrado. Aos ouvidos do loiro, o tom de voz do pai parecia
quase carinhoso enquanto atropelava as palavras, como se tudo que ele tivesse feito,
houvesse sido para seu bem. Mas... Eduardo?

Meu pai enlouqueceu. André pensou, confuso. Sentia que poderia desmaiar a qualquer
momento.
“Eu não fiz isso por ti, e te perdemos para sempre.” André não entendia, não sabia quem
era Eduardo. “Eu deixei que ele seguisse essa loucura, mesmo sabendo o quanto errado
era! E no que terminou?! No que terminou?!! Ele morreu. Você morreu...”

Heitor levou uma panelada na cabeça e caiu desmaiado para o lado.

André, de olhos arregalados, olhou para a mãe, assustada, chorando também, segurando
a panela com ambas as mãos, antes de deixá-la cair gerando o barulho metálico
característico, estridente. Cíntia bateu os joelhos no piso, ao seu lado, e segurou-lhe a
cabeça, tentando abraçá-lo. André tossiu tentando falar, mas sua visão estava escurecida
e a língua parecia ter o dobro do tamanho – cogitou a hipótese de tê-la mordido em
meio à briga.

“Filho...” Ela chamou, mas o choro não a permitiu continuar.

Mesmo assim, mesmo que chorasse e o carinho fosse bom, após um momento se
levantou, empurrando de leve a mãe, e a ignorou quando correu para a garagem. Cíntia
estava num estado de choque tão grande que sequer conseguiu encontrar forças para se
erguer e ir atrás do filho, impedi-lo. Continuou no chão chorando, tapando a boca com a
mão e olhando de olhos arregalados para o marido desmaiado.

“André!” Ela gritou, mas este já ligava a moto, mesmo que mal tivesse tido forças para
subir nela, abriu a garagem e acelerou para a rua. Simplesmente precisava fugir para
longe daquela casa.

Fugir não.

Precisava de liberdade.

XxxX

Fabrício riu de uma piada do tio. Pretendia dali ir direto para o cinema após um banho
rápido, mas ainda era cedo. Diogo e Rique também estavam a fim de sair, pegar um
cinema com eles, ou ir a uma apresentação de teatro que seria apresentada aquela noite.
Rique adorava teatro, e Diogo era doido por comédia, a combinação perfeita.

“Talvez na próxima saímos juntos então.” Diogo avisou, sentado no sofá com um braço
estendido sobre o encosto. “Vá avisando o André.”

“Pode deixar.” Fafá garantiu. “Mas tio... Me diz, tu acha que meus pais vão aceitar de
boa quando eu contar?” Fabrício perguntou. Agora que o dia estava próximo, sentia-se
inevitavelmente um pouco nervoso. Próximo final de semana iria ver os pais e contar
tudo. “Vão, né? Ou não?”

“Guri... Nenhum pai ‘tá plenamente preparado para escutar que o filho é diferente do
que eles sonharam.” Diogo explicou sincero, olhando com carinho para o sobrinho.
“Mas a Isa e o Lucas são dois maravilhosos. Tua mãe me aceitou sem pestanejar, assim
como teu pai, e eu nunca, na vida, os vi desprezarem alguém por orientação sexual, cor,
religião, o que for. Se eles vão ficar surpresos? Talvez. Talvez de primeira não saibam
como agir, mas serão sensatos e jamais se privariam da tua companhia, do filho
admirável que tu é. Para eles isso não fará diferença.” Piscou para o mais novo.

Fabrício sorriu, sentindo um alívio confortador.

“Fique feliz, tu nasceu numa família diferenciada. Ainda me lembro da minha alegria ao
conhecer a família do Diogo, foi como voltar a respirar depois de todo preconceito que
sofri com a minha.” Henrique garantiu, entrelaçando a mão ao do namorado. “Depois
que tu e teus pais conversarem, será bom levar o André para vê-los. Vão poder visitar os
lugares da infância de vocês até.” Sugeriu.

“Teus pais vão querer revê-lo, sem dúvidas.” Disse Diogo, olhando de soslaio para o
Sascha, que caminhava alegremente com o resto do chinelo que havia destroçado mais
cedo na boca. Cachorro safado, Diogo pensou.

“Eu convidei! Quero levá-lo depois, quem sabe num próximo final de semana antes das
aulas retornarem, não sei. Veremos o que sai. A real é que parece que as aulas vão
demorar um tanto pra voltar.” Fabrício comentou.

“É verdade... Fui contra a greve, mas a maioria votou a favor, então...” Henrique
contou, e começaram a conversar sobre esse assunto de greve, até que Fabrício
recebesse uma mensagem no celular. Pegou o aparelhou e franziu a testa ao lê-la.

André pedia para que o encontrasse na frente da casa.

“André ‘tá aí na frente.” Fafá se levantou do sofá, estranhando. Iriam se encontrar no


cinema, já que André preferira ir para casa para tomar um banho e tirar um cochilo
antes, pois estava morto de sono. Não o convidara, pois nunca se sabia se os pais
poderiam chegar mais cedo de viagem. Havia aprendido a lição com Lázaro.

“Vai lá, eu vou preparar algo para comermos.” Diogo se levantou também, e o Henrique
decidiu ir ajudá-lo.

Fabrício assentiu e seguiu para frente da casa.

Assim que saiu para a rua, viu através das grades o loiro ainda sobre a moto, de
capacete, na calçada bem em frente ao portão. Saiu para a rua ao chamar por ele e não
obter respostas. Um arrepio de preocupação o tomou conforme se aproximava, vendo o
André de cabeça baixa, apertando o celular numa das mãos a tal ponto que os nós dos
dedos estavam esbranquiçados.

“André?” Chamou de novo, e tomou um susto quando o loiro guardou o celular no


bolso e retirou o capacete. O rosto estava inchado, vermelho num dos olhos. O lábio
cortado, deixando escorrer um filete de sangue, as bochechas avermelhadas deixando
claro que recebera vários tapas. Ele chorava, e o olhou com o brilho mais triste que
Fabrício já vira na vida.

“André!”
O abraçou assim que o alcançou, e o André desabou num choro pesado ao retribuir o
abraço, de uma forma que quase sufocou o moreno. A moto quase caiu, mas Fabrício
deu um jeito de tirar o loiro de cima dela. Uma pedra parecia ter entalado em sua
garganta, tirando-o o ar, queimando o peito. Escorregou com o loiro até o chão, ainda o
abraçando. André não parecia ter mais forças nas pernas, parecia ter forças apenas para
chorar e soluçar, enquanto o puxava como se fosse sua única salvação de cair em um
abismo frio e negro.

“O que aconteceu?! André, me conta o que aconteceu? Quem te fez isso?” Fabrício
perguntou desesperado, acariciando as costas, os cabelos do loiro, que apenas escondia
o rosto em seu pescoço e chorava. Um choro alto, sofrido, que ele não fazia questão
nenhuma de tentar abafar. “Amor... Loiro... Por favor, me diz alguma coisa.” Fabrício
sentiu seus olhos lacrimejarem também. Pensou no que havia acontecido com o
Guilherme e o Davi, e a raiva e angústia que sentiu esmagaram-lhe o peito.

“M-Meu pai...” André conseguiu soluçar. Era difícil pensar, mas no momento sentia-se
arrependido de ter saído e deixado a mãe sozinha com aquele louco. Queria voltar, mas
já nem sabia se conseguia; estava tão cansado... “E-Ele descobriu.” Abraçou-se mais ao
moreno, em busca de proteção, consolo. Só queria abraçá-lo.

Fabrício arregalou os olhos, sentindo-se enjoado só de imaginar um pai batendo no filho


a ponto de deixá-lo naquele estado. O abraçou mais forte, experimentando uma raiva
como há muito não sentia, se é que já havia sentido algo tão poderoso assim. Um ódio
pulsante. O pior era saber que isso deveria acontecer aos montes mundo afora, em tantas
famílias preconceituosas.

“Eu não acredito que ele foi capaz de fazer isso contigo.” Falou com uma amargura
genuína, e percebeu que as lágrimas já molhavam seu rosto também, enquanto trincava
os dentes. Era terrível ver a pessoa que amava machucada, magoada e triste em seus
braços, e se sentir tão impotente. Crescera numa família tão diferente que era difícil e
dolorido acreditar e vivenciar uma experiência dessas, mesmo que não diretamente
contra si.

Porém preferia estar no lugar do loiro.

“Eu sinto muito. É minha culpa, eu fui desleixado, tentei te beijar aquele dia-“

“Não.” André disse, engolindo o choro de uma forma surpreendente e, com as mãos em
seus ombros, empurrando um pouco o moreno para encará-lo. “Isso não é tua culpa.
Isso é culpa exclusivamente do meu pai.” Garantiu e tocou-lhe o rosto, afastando uma
lágrima que, como as outras, escorreria e se esconderia na barba por fazer do namorado.
Fabrício sentiu-se estúpido, era ele quem deveria estar consolando o loiro, mas estava
ali, chorando e se afogando numa tristeza rasgante. André riu, mas a risada saiu fraca e
ele sorriu igualmente fraco, deixando o Fabrício admirado. “Não importa.” André
declarou e riu mais, balançando a cabeça.

Lágrimas ainda escorriam do rosto do loiro, mas se misturavam ao riso em seus lábios.

“André...?” Fafá não entendeu aquilo e ergueu-lhe o rosto, segurando-o com ambas as
mãos. Suas testas se encontraram, e seus olhos só deram atenção um ao outro, isolando-
os do resto do mundo. André suspirou e segurou também o rosto do moreno, fechando
os olhos numa piscada mais demorada. Como era bom poder estar com o moreno.

“Não importa. Tenho você.” O loiro abriu os olhos o mirou intensamente. A realização
caía como um raio fritando seus neurônios, mas justamente os neurônios que o
deixavam triste, e uma felicidade estranha cresceu em seu peito fazendo-o sorrir, mesmo
que a mandíbula doesse ainda mais quando tentava. Aquela pessoa tão maravilhosa à
sua frente o amava. Fabrício o amava. Lembrou-se das palavras do Henrique: Fui muito
mais feliz depois de me assumir, do que quando era enrustido. Uma vida de mentiras, e
longe de quem se ama, é muito mais dolorosa do que uma verdadeira, mesmo que esta
tenha seus altos e baixos.Voltou a chorar, mas era um choro diferente. “Tenho você,
não vê? Não me importo com surras, com o preconceito dos outros. Eu mudei por tua
causa, tu me fez uma pessoa melhor. Só tu me interessa... Só tu, nada mais. Posso levar
mil surras, isso não vai mudar. Tenho você.” Repetiu, baixo.

Fabrício se sentiu ainda mais idiota por começar a chorar ainda mais, abraçando-se ao
loiro. Era mesmo o idiota que André sempre afirmava. Amava tanto aquele loiro. Tanto.
Tanto. Aqueles sentimentos não cabiam no peito, pareciam extravasar para outras partes
do corpo, alcançavam até mesmo a ponta dos dedos, formigavam na pele.

Então continuaram abraçados, suas mãos tocando um ao outro como se tentassem


afirmar que estavam ali, um para o outro. Seus lábios se encontraram, salgados. Não
importava que estivessem na rua, sentados no chão, abraçados e chorando. Não
importava.

Tinham um ao outro.

XxxX

André aceitou o cappuccino quente que Diogo preparara. Henrique e Diogo ficaram
perplexos quando Fabrício levou André para dentro e o viram machucado daquela
forma, rosto marcado pelo choro abundante. Haviam entrado só quando conseguiram
parar de chorar, um pouco mais calmos, André principalmente.

Henrique insistira em levar o loiro ao hospital, mas o André recusou teimosamente.


Diogo ficara furioso, chegara a quebrar uma cadeira e discutir com Henrique, quando
este o impedira de ir até a casa do loiro, para tirar satisfação com Heitor. Henrique sabia
muito bem que tipo de satisfação ele tiraria, e surrar o homem não levaria a lugar algum.

Fabrício então cuidou dos machucados do loiro, Henrique – mesmo atuando apenas
como psiquiatra há anos – analisou se não havia quebrado o nariz. Felizmente parecia
inteiro, apenas inchado. Depois Henrique ligou para Cíntia, tendo uma longa conversa
com ela. Ele afirmou que ela estava bem, na casa uma amiga muito próxima, se
recuperando. André recusou-se a conversar com a mãe, não queria pensar nos pais
agora. Bastava saber que ela estava bem e segura.

Agora estava sentado no sofá junto com o moreno, Sascha ocupando todo seu colo e
lambendo seus dedos, manhoso, como se entendesse que havia algo de errado com o
dono.
Contava de maneira rasa o que havia acontecido.

“Eu sabia que seria assim quando ele descobrisse. Meu pai tem uma raiva anormal de
homossexuais, ultrapassa um mero preconceito.” Contou num tom fraco, brincando com
a orelha do labrador, que tentava lambê-lo em retorno. Seu corpo implorava por
descanso. “Acho que por isso eu sentia tanto medo, achava que ele iria me matar...”

“Aquele filho da puta.” Diogo murmurou, espumando. Sua vontade de ir à casa do outro
e espancar o pai do garoto não havia diminuído. Não aguentava esse tipo de covardia.
Aliás, não aturava nenhuma covardia. Henrique apertou-lhe a mão, pedindo para que se
acalmasse. Ficar xingando o pai do garoto na frente dele também não ajudaria em nada.

Diogo, furioso, levantou-se e foi para o pátio, tomar um ar antes que estourasse de vez.
Fabrício sentia-se da mesma forma. Poderia muito bem ir com ele enfrentar o pai do
loiro, mas como não era tão explosivo quanto o tio, conseguia se controlar e perceber
que aquilo apenas aumentaria a ferida. André, apesar de tudo, amava os pais.

Henrique se lembrou do tapa que recebera da mãe, mas fora apenas isso, apenas um
tapa. Lembrava até hoje de como doera, pelo que significava, mas uma surra daquelas...
Não, não chegara nem perto daquilo. O pai fora mais brando que sua mãe, por mais
incomum que isso fosse. Lágrimas de uma dor adormecida e compaixão quiseram
fraquejá-lo, mas já aprendera a lidar com isso.

“Não escolhemos nossa família. Mas escolhemos nossos amigos e amores, e eu posso
garantir, André. Tu escolheu muito bem.” Henrique falou confortador para o mais novo.
Sua voz, de alguma forma, tinha um poder calmante, e talvez esse fosse um dos motivos
para ser um psiquiatra tão bom. Acariciou docemente os cabelos dourados do mais
novo, confortando-o. “E tu se tornou um rapaz maravilhoso.”

André sorriu fraco, abaixando a xícara não percebendo as lambidas que Sascha deu no
líquido, aproveitando-se de sua distração.

“Eu sei. Escolhi muito bem...” Murmurou, olhando de esguelha para o Fabrício. Este
colocou uma mão na cabeça do loiro, puxando-o de leve e encostando a testa nos fios
loiros dele, com um senso protetor forte.

Nunca mais deixaria alguém machucá-lo daquela forma.

Simplesmente... Não permitiria.

XxxX

André, deitado de barriga para cima na cama do Fabrício, tocou com a ponta dos dedos
o rosto do moreno, sentindo a barba roçar neles. Gostava da barba do namorado, mas
também gostava quando ele tirava, pois não irritava tanto seus lábios quando se
beijavam. Mas já estava acostumado. O adoraria de qualquer maneira.

Sorriu com o pensamento bobo.

Já o Fabrício o olhava, sério. Era tão raro vê-lo sério...


André deixou seus dedos suavizarem a expressão dele, tocando-o como se tentasse ler-
lhe os pensamentos através do gesto. Fabrício acariciou seu rosto também, e o beijou os
lábios rapidamente, com cuidado para não machucá-lo mais. André já tomara remédio
para dores e um anti-inflamatório. Felizmente não tinha nenhum osso quebrado, apenas
algumas dores insistentes e latejantes. Mas não era como se nunca houvesse apanhado
na vida e não soubesse como lidar com aquilo.

A dor emocional era o verdadeiro problema.

“Por que não toca uma música pra mim?” André perguntou sabendo que, mais do que
relaxar a si próprio, tocar iria melhorar o humor do namorado. Fabrício o olhou meio
surpreso, não achava que o loiro pediria, ainda mais quando via que ele estava quase
caindo no sono, dando piscadas mais demoradas, os carinhos se tornando mais lentos.

Mas não negaria. Não negaria nada a ele naquele momento.

Levantou-se da cama e foi atrás do violão do tio, já que o seu estava no apartamento.
Quando voltou, André sorriu-lhe sem mostrar os dentes. Sua vontade foi voltar a chorar.
O loiro estava sendo tão forte... Mas isso apenas fazia com que quisesse abraçá-lo e não
soltar nunca mais. Dizer-lhe que não precisava se esforçar tanto, porque o protegeria e
serviria de ponto de apoio.

Respirou fundo, controlando-se, e se sentou na cama, colocando o violão no colo.


Procurou em seu repertório mental alguma música que animasse o loiro – faria de tudo
para deixá-lo feliz naquele momento. Mas a escolha veio inconsciente, talvez não fosse
a música mais animada, mas sempre aprendera a tocar com o coração, não conseguia ir
contra isso. Sua versão era acústica, mais lenta e sussurrada que a original. Sempre
preferia as versões acústicas. Legião Urbana. O que poderia dizer? Era sua banda
brasileira preferida, ainda que muito antiga.

Começou a dedilhar de leve. Sua voz saiu baixa e tranquila, como uma canção de ninar
que não tinha pressa alguma e poderia embalar sonhos aconchegantes.

Tocar relaxava seus músculos tensos.

Mas é claro que o sol


Vai voltar amanhã
Mais uma vez, eu sei
Escuridão já vi pior
De endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem

Tem gente que está


Do mesmo lado que você
Mas deveria estar do lado de lá
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar

Tem gente enganando a gente


Veja nossa vida como está
Mas eu sei que um dia
A gente aprende

Se você quiser alguém


Em quem confiar
Confie em si mesmo

Quem acredita
Sempre alcança...

Parou de tocar antes do final da música e olhou para o loiro, vendo que ele havia
adormecido. Seu peito continuava apertado, havia areia em seus olhos, mas ao menos
conseguira fazer o loiro dormir, e seu corpo também perdera a adrenalina sufocante que
o deixara tenso desde que vira o namorado machucado. Largou o violão e foi deitar-se
com ele, abraçando-o gentilmente, cuidando para não acordá-lo ou machucá-lo.
Acariciou os fios macios dos cabelos dele, trincando os dentes ao observar o rosto
marcado.

Sentiu raiva novamente, mas ela arrefeceu quando o loiro se aconchegou inconsciente a
si.

Beijou-lhe a testa.

“Vou cuidar de ti, loiro.” Garantiu baixinho, com lágrimas escorrendo por suas
bochechas.

Era uma promessa.

Fechou os olhos e tentou dormir.

Notas finais do capítulo


Música do cap.: http://letras.mus.br/legiao-urbana/1835507/ Foi muito difícil pra mim,
escrever a primeira cena desse capítulo. Obrigada a todos que ainda estão
acompanhando! Realmente, entramos na reta final de história. Beijos, até o próximo
capítulo!

(Cap. 48) Estar ao seu lado


Notas do capítulo
MUITO obrigada a Jaque Nicolete (que fez sim um amor de recomendação), e à Swoon
(ai, sua linda) pelas recomendações! SURTANDO que passou das 50, como assim?
Obrigada mesmo gente, por todo esse carinho

Gabi tapou a boca quando ouviu sobre aquilo, no celular. Ao desligar, Dani, que estava
dormindo os últimos dias em sua casa, a olhou preocupada – Gabi morava com a mãe e
o irmão, e nenhum deles era preconceituoso, aceitando com normalidade seu
relacionamento com uma garota. Era de manhã bem cedo, numa segunda-feira de férias,
e a índia ainda sentia os olhos pesados.

“O que foi, Gabi? Quem era?” Perguntou sonolenta, e tentou puxar a morena de volta
para se deitar na cama. Gabi deixou-se cair no colchão, a cabeça afundando no
travesseiro. Estava apavorada com a notícia. Colocou-se no lugar do loiro e sentiu-se
terrível. Tinha sorte de ter uma mãe como a sua.

“O Fafá... Ele disse que vai atrasar a viagem dele, então não vai poder te dar uma carona
até Pelotas.” Informou a morena.

“Ué, por quê?” Dani perguntou ainda num estado meio acordado, meio dormindo.

“O pai do Dré... Ele descobriu que ele e o Fafá ‘tão namorando e... Espancou ele. O Dré
‘tá na casa dos tios do Fafá agora.” Gabi murmurou, apertando o celular. “Isso é... Meu
Deus, que raiva!” Exclamou, e só não atirou o próprio celular longe porque a Dani se
sentou e a impediu.

“Gabi, calma.” Pediu. Não estava impressionada, talvez porque houvesse se acostumado
com a intolerância e preconceito do mundo. Claro que ainda se sentia chateada, mas às
vezes se sentia meio fria, indiferente àquilo tudo. Cicatrizes duras do que sofrera e vira
os outros sofrerem, talvez.

“Como posso ficar calma?! Meu amigo ‘tá todo machucado porque o ridículo, nojento,
babaca do pai dele o espancou! E por quê?! Porque ele se apaixonou por outro guri, e
meu Deus, qual a porra do problema nisso!?” Sua voz aumentava um decibel a cada
sílaba. Dali a pouco acordaria o irmão no quarto ao lado – porque a mãe certamente já
estava acordada, madrugadora como era.

“Gabi!” Dani segurou-lhe o rosto, fazendo com que ela a olhasse. “É terrível, sim, mas
se alterar aqui e agora não vai adiantar de nada. Calma, lindinha.” Pediu e deu um
selinho nela. “O melhor que podemos fazer é ir dar algum apoio ao André assim que
possível.” Acariciou os cabelos compridos e ondulados da morena.

“Eu sei... Mas...! Isso me irrita tanto! Por que as pessoas são assim, Dani?”
Choramingou, voltando a se deitar e se abraçando à índia, sentindo-se carente. Dani
suspirou, retribuindo ao abraço. Perguntava-se a mesma coisa, mas desde que o mundo
é mundo, os seres humanos geravam guerra, discórdia, briga, intolerância. Dani era o
tipo de gente que já perdera a fé na humanidade, enquanto Gabi ainda tinha a esperança
de melhorar o mundo.

Dani gostava dessa ingenuidade da sua garota.

“Não sei, florzinha.” Dani murmurou. Gostava de chamar a outra por apelidos fofos,
principalmente quando Gabi se estressava daquela forma. Puxou o queixo dela e a
beijou de leve. “Mas se tu acredita, eu também acredito que ainda podemos evoluir, um
dia, quem sabe, daqui quinhentos anos, não teremos um mundo melhor?”

“Eu acredito nisso... Só queria que mudasse agora. Queria enfiar algum juízo na cabeça
de algumas pessoas.” Gabi reclamou, emburrada, afundando o rosto nos peitos na índia
– que não era nada pequenos. “Ainda bem que tu ‘tá aqui comigo, ou eu acabaria
quebrando todo meu quarto de raiva.”

“Eu sei, quando tu perde o controle, fico com medo.” Dani admitiu, riu leve e lhe beijou
a testa. “Olha, o importante é que o André ‘tá bem, com o Fabrício, ai sobreviver e tem
o namorado e os amigos pra cuidar dele. Já o pai dele... O pai dele escolheu por perder o
único filho, e o quão triste isso é? Aquele homem deve ser muito infeliz.”

“Sim... Tem razão. Tu quase sempre tem razão.” Gabi ergueu o olhar, sorrindo mais
leve.

“Quase sempre?” Dani ergueu as sobrancelhas, insatisfeita, mas Gabi apenas assentiu
antes de voltar a descansar a cabeça no colo da índia.

“Tu ‘tava errada em se apaixonar primeiro pelo Fafá, e depois por mim.” Gabi a
lembrou.

“Oh, meu Deus, mas tu não esquece isso! E preciso te lembrar que tu e o Fafá ficaram
naquele ano? Que foi tu que foi pra cama com ele, não eu?” Dani ressaltou puxando os
cabelos da morena pela nuca, arrancando dela um gritinho. “Esquece isso, passado fica
no passado. Aprendemos com ele, mas não nos prendemos a ele, entendeu?”

Gabi fez um beicinho.

“Por que tu tem de estar quase sempre certa?” Repetiu.

“Sempre certa.” Dani corrigiu e a beijou.

XxxX

Era segunda-feira. Sascha poderia ser confundido com um funil, comendo todos os
pedacinhos de comida que André lhe tocava por baixo da mesa. Até o loiro largar os
garfos e, recolhendo um pouco da cara de pau do Fabrício, perguntar:

“Posso ficar aqui por uns dias?” Dirigiu-se ao Diogo e Henrique, este trabalharia apenas
à tarde naquele dia. “Eu vou ver se consigo um emprego, sei que não receberei mais
dinheiro dos meus pais. Eu vou dar um jeito de ajudar com as despesas e-“

“Hei, guri! Calma! Mal acordou e já pensando em trabalhar?” Diogo tentou acalmá-lo.
André sentiu-se envergonhado de acordar tão tarde numa casa que não era a sua, mas
praticamente apagara na noite anterior, em meio à música que o Fabrício tocara. “Não
precisa se preocupar com nada. Tome teu tempo, pode ficar por aqui o tempo que quiser
e daremos um jeito.” O tatuado piscou. André ainda iria descobrir como o Diogo
conseguia ser tão legal, mesmo sendo tão implicante e inconveniente a maior parte do
tempo. Oh, certo, ele era o tio de seu namorado, que também não fugia muito disso. Já
deveria ter-se acostumado.

Agradeceu e pegou novamente os talheres,voltando a comer.


“Como está, André? Se sente melhor? Ainda acho que poderíamos ir ver um médico...”
Henrique sugeriu, olhando-o preocupado.

“Tu é médico, está me vendo, e eu estou inteiro. Meu rosto ‘tá horrível, e meu corpo dói
em alguns lugares, mas é só isso.”André informou, prático. Não queria preocupar os tios
do namorado, que estavam sendo tão legais, e de qualquer forma não gostava de
hospitais ou de ir ao médico – por mais irônico que isso fosse, considerando que seria
um médico no futuro.

Henrique balançou a cabeça para sua teimosia, mas se conformou. Recomendou uma
pomada especial para diminuir o inchaço ao redor de seu olho e em sua mandíbula.
Pouco depois ele teve de sair para trabalhar, só tivera a manhã de folga, e os três
permaneceram em casa. André tomou um remédio para dores, e foi para o pátio com
vontade de se deitar na grama. Sascha o seguiu serelepe e se deitou ao seu lado, curtindo
o carinho que lhe fazia.

Fabrício apareceu pouco tempo depois.

“Não quero que tu deixe de ir ver tua família por minha causa.” André murmurou assim
que ele se sentou ao seu lado.

“Como quer que eu te deixe num momento desses?” Fafá perguntou, mas isso fez o
loiro rir, apertando os olhos pois era um dia ensolarado – apesar do friozinho que os
obrigava a usar casacos e calças compridas.

“Não seja dramático. O canceriano dramático aqui sou eu. Tu vai só por uns dias, não é
como se nunca mais fôssemos nos ver.” Revirou os olhos. Seu humor era meio apático,
mas não se sentia realmente triste. De uma forma meio bizarra, sentia-se tranquilo, livre.
De uma coisa sabia, não iria mais esconder sua sexualidade de ninguém.

Também não gritaria ao mundo que era gay, não era seu estilo. Mas se lembrava da
invejinha que sentira do Davi e do Guilherme, trocando carinhos na Redenção sem se
importar com a opinião alheia. Pois bem, era assim que queria. Já havia apanhado do
pai, a pessoa de quem mais sentira medo a vida toda, o que importava o resto? Só
cuidaria para estar com o moreno sempre em locais públicos, com bastante gente, para
não sofrer o mesmo que o Davi e o Guilherme haviam sofrido. Maldito mundo estúpido,
xingou mentalmente, com um suspiro; porém pensou nos amigos, no namorado e tantas
outras pessoas que faziam tudo valer à pena.

“Mas... Ao menos quero ficar esses próximos dias contigo.” Fabrício insistiu, e o André
achou que seria difícil fazê-lo mudar de opinião. Em realidade nem queria que ele fosse,
poderia ficar as férias inteiras junto ao moreno, não se importaria. Sentindo-se um
tantinho egoísta, não tentou dissuadi-lo da ideia.

Fabrício se deitou junto ao namorado.

“Vai comigo depois.” Pediu, e o André arregalou os olhos, virando o rosto para ele.

“Enlouqueceu? Já apanhei do meu pai, agora quer que eu apanhe do teu?”


“Claro que não! Isso não vai acontecer!” Fabrício exclamou, erguendo-se um pouco
apoiado a um cotovelo. Suspirou e acariciou o rosto inchado do namorado. Doía ver o
loiro machucado. “Meus pais são diferentes... Eles sempre aceitaram meu tio.”

“Eu sei...” André suspirou. “Mas ainda assim acho que tu tem de ir e conversar com eles
primeiro, sozinho. Eu posso ir depois.” Encolheu um pouco os ombros. Também não
sentia muita vontade de sair de casa todo ferrado que nem estava.

Fabrício abriu um sorrisão.

“Então tu vai?!”

“O quê?”

“Depois! Eu vou primeiro, estou pensando em ir essa sexta. E tu pode ir na segunda.


Terei tido todo o final de semana para conversar com eles!” Exclamou empolgado,
como uma criança que recebera um doce antes do almoço. André quis negar, mas ao ver
o moreno tão vivaz, não conseguiu. E também... Talvez fosse bom visitar a antiga
cidade. Tinha boas memórias de lá.

“Tudo bem, mas se eles surtarem, me avise antes de eu ir, sim?” Deixou claro. Não
queria se meter em alguma briga ou desconforto familiar. Pelo resto das férias, queria
apenas sossego, paz.

Fabrício concordou sorrindo e se inclinou para beijá-lo.

Sascha latiu e começou a tentar lambê-los, metendo a língua entre os lábios dele.
Ambos soltaram exclamações de nojo e empurraram o cãozinho, rindo em seguida
enquanto limpavam o rosto.

“Sascha, vai lá procurar a Cherry e beijar ela, okay?” André pediu.

XxxX

Aquela semana voou.

André ficou na casa do Fabrício, foi em casa buscar algumas coisas quando sabia que a
mãe, nem o pai estariam, e aproveitou um barzinho com a maior parte dos amigos na
quinta-feira. Gabi, Dani, Guilherme e Davi eram os únicos que sabiam sobre o que
havia acontecido – Natália também, mas ela não pudera ir –, o resto acreditou no papo
que havia caído na briga com o primo há uns dias.

Incrível como acreditavam fácil na sua vontade de socar alguém.

Davi o abraçou e chorou como o tampinha sentimental que era quando se despediram, e
disse que as coisas iam melhorar, pois sempre melhoravam. André bagunçou os cabelos
dele, meio emocionado, mas fingindo que aquilo não era nada. Evitava pensar ou
relembrar o ocorrido. Não queria chorar de novo, pois, como havia afirmado ao Fafá,
não importava.
Foi a semana mais melosa de seu namoro. Fabrício ficou mais grude que o normal, o
enchia de mimos e não lhe deixava fazer nada. Chegava a ser irritante, de repente André
era uma boneca de porcelana que custava um milhão de dólares. Não que o loiro não se
desse um preço alto, mas aquele cuidado era demais. Ao menos, ao final da semana, seu
rosto já não estava inchado e o roxo no olho estava suavizado. Odiava andar na rua com
aquele rosto ‘desfigurado’.

Claro, desfigurado era exagero, mas o loiro sempre fora exagerado.

Na sexta-feira pela manhã, acordando tarde como todos os dias, abriu os olhos pela
claridade chata e encontrou o Fabrício deitado ao seu lado, acariciando-lhe de leve os
cabelos, enquanto o observava dormir.

Ele sorriu quando o viu acordado.

“Bom dia, Bela Adormecida.”

André resmungou, espreguiçando-se. Que mania irritante de sempre observá-lo dormir!


Tentou disfarçar o fato que sempre se acanhava com isso, e com aquele olhar
apaixonado bobo. Causava-lhe um arrepio inevitável na nuca.

“Bom dia o caralho, não me chama de Bela Adormecida, porra.” Disse irritado.

Fabrício já estava acostumado com seu mau-humor, que era dez vezes pior pela manhã.
Ainda mais quando ficava envergonhado. O moreno apenas revirou os olhos.

“Tu tem de aprender a ser mais agradável pela manhã, sabia?” Perguntou beijando-lhe a
bochecha. Estavam ambos só de cueca e, André imaginava, Fabrício já havia se
levantado e feito a higiene matinal antes de voltar a se deitar e ficar olhando-o.

“Não fica me olhando dormir, isso é estranho...” André murmurou emburrado, dando as
costas ao namorado. Ainda estava com sono, mesmo já sendo mais de dez horas.
Haviam ido dormir tarde, ficaram no barzinho até umas três da manhã.

Fabrício o abraçou, colando seus corpos e dando-lhe uma fungada no cangote. André se
arrepiou, remexendo-se. Notou o volume na própria cueca. Ótimo, estava com uma
pseudo ereção matinal. Mais um pouco de estímulo e acabaria completamente duro. E,
dito e feito, Fabrício o beijou no pescoço e deslizou a mão por seu abdômen, alcançando
seu ventre. Gemeu e segurou o braço do moreno quando ele começou a tocá-lo. Isso o
fez lembrar-se de que não transavam há seis dias. Obviamente porque antes se sentia
dolorido e sem humor para isso.

“Eu vou ficar com saudades.” Fabrício admitiu carente, sussurrando em sua orelha, e o
loiro teria revirado os olhos – eram menos de três dias! –, mas estava ocupado demais
gemendo ao ter a cueca invadida pela mão do namorado.

“Fabrício, eu nem escov-“ Tentou dizer, mas o moreno não estava se importando. Virou
o rosto do loiro e o beijou. André retribuiu com dificuldade, sua respiração começava a
acelerar. De fato, Fafá estava com o hálito fresco, e ele com aquela boca de quem
acordou de um sarcófago. Perfeito. O empurrou. “Porra, Fabrício, já falei que não gosto
disso!” Exclamou e foi para o banheiro, onde realizou tudo que precisava, ignorando os
chamados e tentativas de desculpas do namorado.

Quando retornou, Fabrício estava deitado de barriga para cima, olhando para o teto.
Parecia meio arrependido, como o Sascha quando fazia algo de errado, e o André se
achou sorrindo torto para aquilo. Voltou para a cama e deitou de bruços entre as pernas
do moreno. Seus lábios recaíram sobre o abdômen dele, e desceram até a cueca, onde o
membro rígido se desenhou rapidamente sobre o tecido. Fabrício levou um susto e se
ergueu nos cotovelos, olhando já ofegante para o loiro.

“Será que tu não consegue nunca esperar que eu ao menos acorde direito?” André
perguntou. Ficar a semana toda dormindo com o Fabrício, sem nenhum toque mais
ousado, o deixara louco.

Queria tanto sentir o moreno novamente...

“Tu às vezes me surpreende.” Fafá admitiu, a respirando pesando enquanto o André


acariciava-lhe a ereção.

“Só às vezes?” André tombou a cabeça para o lado, antes de afastar a cueca alheia e
colocá-lo na boca. Fabrício gemeu deliciado e acariciou os cabelos do namorado. A
respiração se tornou entrecortada enquanto o loiro se dedicava a dar-lhe prazer,
apertando suas coxas ou nádegas com vontade em alguns momentos. Fabrício sempre se
sentia meio abobado com isso, demorara um bom tempo até o loiro ganhar mais
confiança na cama, mas agora...

Após um tempo puxou o namorado para si, abaixando a cueca dele.

“Quero te sentir inteiro, loiro.” Sussurrou no ouvido do namorado, que estremeceu e


não ofereceu resistência quando inverteu as posições.

André gemeu quando o moreno começou a masturbá-los juntos, movendo-se sobre ele.
André mordeu os lábios, não conseguindo evitar pensar que ter um moreno daqueles
sobre si, movendo-se como se já o penetrasse, contraindo a musculatura delineada do
peito e costas, era exorbitantemente excitante. O beijou no pescoço, com um chupão
leve – diferente do outro, sabia se controlar para não deixar marcas. Fabrício gemeu
satisfeito e o trouxe para perto – inevitavelmente apertando-lhe a bunda. Que tara!

Suas ereções roçaram juntas, seus lábios não desgrudavam, sedentos um do outro.

André tinha de admitir, também sentiria saudades, mesmo sendo apenas três dias. Oras,
estava acostumado a ver o moreno todos os dias, ou quase todos os dias. E o que
acontecera no domingo o deixara carente. Queria o namorado por perto, queria poder
olhar para ele e se acalmar toda a vez que as imagens da briga assaltavam-lhe a mente.
Claro que não sairia falando nada disso para ele. Era vergonhoso demais.

Começou a mover o quadril contra o moreno, sua mão nas costas dele o puxando e
espalhando aquela energia erótica sensual pelo quarto. Fabrício se afastou para olhá-lo
no exato momento em que suspirou alto com desejo. Fabrício se enlevava com aqueles
suspiros e gemidos, era uma delícia escutá-los.
“Se abre pra mim, loiro...” Sussurrou no ouvido dele, e André gemeu de novo,
arqueando as costas.

O loiro abriu os olhos, deparando-se com aquela profundidade negra que eram os orbes
do moreno. Suas pernas envolviam frouxamente o quadril dele, mas o Fabrício segurou
suas coxas e as afastou. Tal posição ainda o deixava um pouquinho constrangido, se
sentia tão exposto! Era apenas a terceira vez deles. Corou e tentou fechar as pernas por
reflexo, mas o Fabrício segurou-lhe firme e abaixou o rosto, capturando-lhe novamente
os lábios. O que era bom, não gostava de ser tão observado; Fabrício parecia viciado em
olhar-lhe o rosto – enquanto dormia, enquanto transavam...

Primeiro sua bunda, agora isso.

“Fabrício...” Gemeu.

Fabrício se afastou de maneira súbita, deixando o loiro completamente perdido e


insatisfeito. Mas não teve muito tempo para reclamar, já que o moreno colocou os pés
no chão e puxou o André pelos tornozelos, arrastando-o até que sua bunda estivesse um
pouco fora do colchão.

Sorria malandro.

“O que tu...?! Fabrício, não!” Tentou novamente fechar as pernas, de repente atingindo
por um estranho constrangimento. Sempre era relutante com posições novas que o
expunham demais, Fabrício já previa isso.

“Isso não é nada que eu já não tenha feito em outras posições.” Fabrício empurrou-lhe
as coxas contra seu peito, expondo-o mais, e afundou a língua entre os glúteos do loiro,
que se contorceu pelo baque úmido de prazer. Podia ouvir a língua do moreno roçando
em sua pele sensível, espalhando um prazer latente que parecia acariciá-lo por dentro.
Fabrício realmente adorava as expressões do loiro nesses momentos, tão entregues...

André levou a mão ao próprio membro e começou a se tocar, redobrando seu prazer,
enquanto recebia as lambidas, e eventuais mordidas na bunda. Quando Fabrício se
afastou, André se sentia acabado, respirando profunda e rapidamente. Ainda queria seu
alívio matinal, mas moveu o quadril numa espécie de rebolado por causa dos arrepios da
barba do moreno roçando em sua virilha e depois abdômen. Gemeu agarrando seus
cabelos, achando que acabaria tendo uma crise vasovagal e desmaiando. Seu coração
corria uma disputa de vida ou morte, ou assim parecia.

Fabrício alcançou seu mamilo e o sugou, forte, gerando um leve espasmo.

“Não sei como tu faz isso...” André murmurou com a voz rasa. Prazer por uma chupada
no mamilo? Fala sério!

“O quê?” Fafá não entendeu, seu rosto era até inocente. Nem parecia que estava
chupando e lambendo o loiro despudoradamente até segundos atrás.

“Nada...” André resmungou, o melhor era não falar nada. Mas como não falou nada,
Fabrício logo esqueceu o comentário e o virou num giro rápido. Ele ainda tinha os pés
no chão. André teve de dobrar uma perna para que ela ficasse sobre o colchão. A outra
estava esticada e o pé tocava no piso gelado. Fabrício ainda se inclinou e o beijou na
nuca, nas costas, voltou a provocar sua cavidade, antes de se afastar para buscar a
camisinha.

“Fique assim.” Ele pediu, e o André ficou,talvez por inércia. Observou-o pegar uma
camisinha e colocar, mordendo o lábio.

Suprimiu um gemido de antecipação.

Um Fabrício pelado, andando excitado pelo quarto já com a camisinha posta era uma
visão que causava uma queimação nas entranhas. André olhou por cima do ombro, com
os lábios entreabertos, quando o moreno se posicionou atrás de si, segurando-lhe o
quadril e guiando a ereção para seus glúteos. Soltou uma lamúria sofrida, que misturava
dor e prazer, ao ser penetrado. Fabrício quase perdia a razão com aquela bunda
empinada.

“Tu é tão sexy.” Fabrício anunciou se inclinando e apoiando uma mão no colchão. Com
uma só investida, afundou-se por inteiro, a pelve batendo contra as nádegas do loiro.
André gemeu alto e deixou a testa bater no colchão, com um tremor involuntário e a
sensação estonteante de preenchimento repentino. Arranhou os lençóis como faria um
gato e chegou a se arrastar um pouco para frente, quase como se tentasse fugir. Isso só
proporcionou que o moreno se movesse de novo, o som seco dos corpos se chocando
estalando no ouvido do loiro, que voltou a gemer, sem fala. “Quer que eu pare?”
Fabrício perguntou, sua mão causando pressão na região lombar do namorado.

“N-Não!” André falou rápido demais, e corou mordendo o lábio. Empinou mais o
quadril, afastando a própria pelve no colchão e se tocou, o rosto vincado de prazer
quando o moreno começou a estocar primeiro lento e carinhoso, beijando-o vez ou
outra.

Somente aumentou quando o loiro pediu por mais, até chegar num ritmo que deixaria
suas nádegas vermelhas pelo quanto batia nelas com o baixo ventre. André precisou se
apoiar com ambas as mãos, e olhou por cima do ombro quando o Fabrício se inclinou
mais sobre si, colocando um pé sobre o colchão para ir mais fundo, acariciando-lhe o
abdômen liso ao envolver sua cintura com um braço. Beijaram-se sem que o moreno
parasse, um beijo difícil pelo sacolejo dos corpos. André sequer se importava com
algumas pontadas de dor que sentia com aqueles movimentos bruscos, o prazer era o
dominante, amortecendo e curando tudo.

Quando parou de se segurar, almejando por um alívio matinal rápido, Fabrício


novamente se afastou e o virou, inclinando-se sobre o loiro, antebraços apoiados nas
laterais de seu corpo, e o beijou, penetrando-o com um golpe único, agora na nova
posição. André o abraçou com as pernas e abafou uma exclamação desajustada.

“Gosto de te olhar.” Fabrício explicou o que o André já sabia e não deu brecha ao loiro,
passou a investir forte, com tudo que conseguia, para que o loiro chegasse ao clímax.
André gritou com aquilo, o orgasmo vinha em facadas de prazer cru, ardente. Arranhou
as costas do moreno com certo sadismo, quando se derramou no próprio abdômen.
Fabrício fez uma leve careta de dor, e não se segurou também, deixou aquele prazer
inundá-lo.

Beijavam-se durante o ato, e continuaram por algum tempo, mesmo após o término.
Fabrício subiu na cama e os dois se arrastaram mais para cima do colchão. André
limpou o abdômen e o moreno livrou-se da camisinha, e então caíram abraçados e
cansados contra os travesseiros. O loiro descansou sobre o peito do namorado, mal
acreditando naquela transa. Não fora a primeira, mas mesmo assim tudo parecia uma
grande e gostosa novidade. E esperava que isso nunca mudasse.

Suspirou cansado, fechando os olhos enquanto sentia os carinhos em suas costas.

“Tudo bem?” Fafá perguntou; se preocupava com a integridade física do loiro.

André voltou a se sentir uma bonequinha de porcelana.

“Não. Voltou a doer tudo.” Mentiu, apenas para ver o desespero do moreno.

Fafá quase o machucou ao se erguer rápido.

“Sério!?!” Perguntou já com a expressão completamente frustrada. “Ah droga, desculpa,


desculpa, é que eu fiquei pensando o que não devia enquanto te olhava dormir e-“

André soltou uma risadinha nasalada que denunciava a mentira.

“Como tu é fácil de enganar.” Debochou.

Fabrício o olhou boquiaberto.

“Aaaaaaah é assim!” Ele falou arrastado, e o André percebeu que não fora uma boa
ideia, pois num piscar de olhos isso lhe rendeu uma sessão de cócegas que quase o
matou. Sim, estava exagerando, mas era muito sensível a cócegas e as odiava do fundo
do ventrículo esquerdo de seu coração – aulas de anatomia começavam a afetar o
cérebro de loiro.

“Para, Fabrício! ARGH, vou te bater até tu ficar mais inchado do que eu!” Ameaçou.
Deu um soco tão forte no moreno que ele caiu na cama choramingando.

André no fim teve de fazer-lhe uns mimos para que ele parasse de choramingar. É o
cúmulo, o loiro pensava, mas não impediu o namorado de se abraçar à sua cintura e
descansar a cabeça em sua barriga, enquanto se via obrigado a fazer-lhe afagos nos
cabelos.

XxxX

Gabi e Dani apareceram no início da tarde, junto com Milo. Dani resolveu ficar mais
uns dias com a morena, antes de voltar com Milo para Pelotas. Ambos tinham de
resolver algumas coisas, mas voltariam depois. Com a questão das greves, as coisas
estavam meio obscuras. Fabrício colocava as malas no carro do tio, emprestado para a
viagem.
“Vê se dirige com cuidado, moleque.” Diogo colocou a mão no ombro do sobrinho.
“Mal tirou a carteira e já vai dirigir em estrada.”

“Já dirigi em estrada antes mesmo de tirar carteira.” Fafá tranquilizou o tio – ou talvez
apenas o deixou mais preocupado. Lucas era liberal demais com o garoto.

“Dré, tu ‘tá melhor?” Gabi perguntou ao loiro. “Teu rosto melhorou muito, só tem esse
roxo ao redor do olho agora, mas já mais fraco.” Ela tocou o rosto do loiro, preocupada.
Ficara bastante sensibilizada com aquela história, compadecida do amigo. Imaginava
como se sentiria se a mãe a houvesse hostilizado quando apresentou-lhe a Daniela.

“’Tô bem. Vou viver, eu acho.”

Dani pigarreou, e Gabi afastou a mão do loiro.

“Ah, para, né, Dani! É o André!” Gabi falou entediada, como se o loiro não fosse digno
de causar ciúmes em alguém. André não gostou daquele tom.

“Como assim ‘é o André’?” Quis saber, contrafeito, mas Gabi o ignorou e foi abraçar e
beijar a Daniela, despedindo-se com carência.

“Vê se volta logo, nega.” Pediu. Havia pegado a mania de chamar a índia de nega, o
tom carinhoso. “E não vai inventar de dar em cima do Fafá durante a viagem.” André
concordou silenciosamente com o pedido, ou iria até Pelotas cometer um assassinato.

Convivendo com a Daniela, até passara a aturá-la, mas ainda desconfiava.

“Gabi, quantas vezes vou ter de falar-“ Gabi deu-lhe um selinho para que não
iniciassem uma discussão.

“Só fico tranquila porque sei que o único rabo de saia que interessa ao Fafá no momento
atende pelo nome de André Santayana.”

André se engasgou com a saliva.

“Quem é rabo de saia!?” Exclamou irritado.

“Sabe o que isso me lembra?! Que eu já fiz o André se vestir de bomberinha sexy de
novo!” Fafá riu.

André o olhou de uma forma que deixava claro que poderia matá-lo naquele exato
instante.

“Foi bombeiro! E diz a pessoa que se vestiu e dançou Lady Gaga.” André o lembrou
mordaz. Sascha latiu como se lembrasse, mesmo ainda não tendo sido adotado na
época. Mas é bom que ele concorde com o dono dele, André acariciou a cabeça do
labrador.

Gabi ria feito doida, e perguntava que história de bombeiro era essa.
“Voltei!” Milo, que estava atrasando a partida, surgiu, salvando o loiro de novas
perguntas. Ele havia entrado na casa para fazer xixi. Já havia se despedido de Beto,
aliás, estivera na casa dele, e de lá viera para pegar carona. Beto, como estava em
semestres mais avançados, tinha alguns compromissos no hospital, que não se envolvera
com a greve da universidade. “Então vamos que quanto mais cedo chegarmos, mais
cedo poderemos voltar!”

“Isso tudo já é saudades do Betinho? Depois diz que é só sexo. Sei, até mudar de cidade
por ele, ‘tá mudando.” Dani implicou com o amigo, sorrindo zombeteira. Milo a olhou
ofendido, enquanto Diogo comentava algo sobre o fogo no rabo dos jovens ou coisa
parecida.

“Odeio ficar vendo coisas onde não existem, estou apenas deixando rolar.” Milo se
defendeu. “Já tomei toco demais na vida pra sair fantasiando, índia.”

“Tua mãe não te ligou?” Fafá perguntou ao namorado, puxando-o um pouco para longe
dos outros, que discutiam coisas como relacionamentos, namoro, ciúmes. Milo
implicava com Gabi e Dani sobre elas ainda não admirem estar num relacionamento
sério. Seria algo novo para ambas, e as duas tinham certo receio de dar aquele passo
cedo demais.

“Não... Sei que ela ‘tá bem pelos meus tios, que parece que não sabem de nada sobre eu
ser gay, ou nem conversariam comigo. Parece que ela e meu pai se separaram de novo.
Ela tá morando com a amiga Val, e meu pai, eu nem sei. ‘Tô com medo é de ele vir
atrás de mim, mas-“

“Se ele fizer isso...” Fabrício apertou os punhos.

“Relaxa, meu pai não é louco, ou não tanto. Agora que a raiva inicial passou, ele deve
se manter quieto, mas sem querer olhar nunca mais na minha cara, provavelmente. O
que é bom, não quero olhar pra cara dele de novo também.” Falou entediado, como se
aquilo não passasse de um incômodo sem importância.

“Isso é sério, André. Não precisa agir como se fosse nada, tu tem eu e os outros do teu
lado. Apenas te cuida, e segunda-feira pega o primeiro ônibus, okay? Não quero ficar
longe de ti por muito tempo.” Fabrício repetiu aquilo e o abraçou, beijando-o na
bochecha.

André ficou meio tenso, mas logo o abraçou apertado. Fafá tinha razão, estava fingindo
que aquilo não lhe afetava, mas ainda era recente e a mágoa estava ali, deixando-o
deprimido em alguns momentos. Porém falava a verdade quando dizia que nunca mais
queria olhar para a cara do pai. E foda-se que nunca é tempo demais, pensou,
recordando quando as pessoas diziam coisas sobre ‘nunca diga nunca’ e essas idiotices
todas.

Pouco depois, após todas as despedidas e toda a choradeira do Sascha, Fafá, Dani e
Milo embarcavam e o carro saía da garagem, em pouco tempo sumindo pela rua. Gabi
fez um beicinho já com saudades, e André colocou as mãos no bolso do casaco após
ajeitar o cachecol no pescoço. O tempo tivera uma mudança brusca e ficara bastante frio
de um dia para o outro.
“E aí, quem está a fim de um brigadeiro de panela, de uma sinuquinha e um filminho
bem sessão da tarde nesse final de tarde congelante?” Diogo ofereceu para animá-los, e
Gabi soltou um urro de concordância. Era louca por doces.

Sascha correu pra dentro da casa, pelo caminho encontrou Cherry e se jogou em cima
dela, começando a brincar contra a vontade da gata. Cherry já tinha o tamanho adulto,
mas Sascha estava umas quatro vezes o tamanho dela. André nem se prestava mais a
afastar aqueles dois, mas Diogo reclamava da bagunça que faziam – apesar de ele fazer
piores. Cherry vinha desenvolvendo uma relação pacífica com Diogo e Henrique; desde
que eles lhe alimentassem na hora combinada.

Gabi começou a jogar sinuca com o Diogo, e o André se perguntou por que diabos
acabara na frente do fogão cuidando do brigadeiro de panela.

Aquilo iria acabar queimando.

Notas finais do capítulo


Eu tinha pensado em tirar o lemon desse capítulo, pra não ficar tão seguido... Mas bem,
aí depois eu não teria onde encaixá-lo, e é o último lemon da história mesmo... Enfim,
espero que não tenha ficado cansativo. Foi um cap. mais de transição. A história só tem
mais 2 caps. + 1 extra + epílogo. Beijos! (responderei os reviews hoje à noite)

(Cap. 49) 93 milhões de milhas


Notas do capítulo
Eu não ia postar hoje, porém estou postando para dedicar este capítulo à Jeeh, que está
de aniversário hoje. Flor, saibas que tu és muito especial, e que o André e o Fafá
também estão mandando beijos e felicidades!

Just know

that wherever you go

No, you're never alone

You will always get back home

Fabrício estacionou o carro em frente à confeitaria e padaria dos pais, chamada Trufa
Branca. Ela havia sido reformada e estava melhor, inclusive fazia entregas para cidades
vizinhas, pela fama e reconhecimento que recebeu. Fafá se orgulhava do trabalho duro
dos pais, era graças a eles que pudera ir fazer cursinho na capital e continuar morando lá
até completar seus estudos. Claro, tio Diogo ajudara desde o início.

Olhando para a fachada simpática do estabelecimento, com as cortininhas e as roseiras


nas janelas de vidro, Fafá chegou a sentir saudades de trabalhar ali ajudando os pais. O
cheiro de pães recém-tirados do forno, doces, tortas, bolos caseiros, entre tantos outros
quitutes que a mãe preparava com ajuda dos funcionários, era algo que aprendera a
amar.

Mas o mais importante de tudo: estava morto de saudades dos pais – os visitara apenas
uma vez ao longo do semestre. Isadora ficaria louca ao vê-lo. Fabrício estampou o rosto
com um sorriso e caminhou os poucos passos que faltavam até a entrada; porém ouviu
alguém chamando seu nome antes que entrasse de fato.

Reconheceu aquela voz.

“Daniel!” Fabrício sorriu ainda mais largamente. Aquele louco era um de seus amigos
de infância, do seu grupo de amigos dali que o acompanhara durante toda a
adolescência.

“Aaaaaaahhhhhh é que tu ‘tá aqui?! Malandro, falou que ia ‘tá fora esse final de
semana!” Exclamou. Foi até o amigo, que também se aproximava sorrindo, e deram
aquele abraço típico de duas pessoas que se conhecem há muitos anos e tem muitas
histórias na bagagem.

“Porra, Fabrício, como senti tua falta, maluco! Nem aparece mais!” Daniel reclamou.
Era pouquíssimo mais baixo que o Fabrício, um ano mais velho. Seu rosto era anguloso,
e o nariz seguia essa tendência sendo fino e comprido, mas nem por isso grande demais.
Mantinha os cabelos castanhos curtos, assim como a barba. Sorriu assim que se
afastaram, mantendo uma mão sobre o ombro do amigo. “Descobri que a Letícia me
traiu e então nem viajei pra São Paulo, obviamente.”

Fabrício quase se engasgou.

Daniel e Letícia namoravam desde a adolescência, mas ela também havia deixado a
cidade para cursar a faculdade, em São Paulo. Daniel continuou ali, trabalhava na
oficina mecânica do pai desde garoto, era comum vê-lo com as roupas meio sujas de
graxa, e ele não tinha intenção de se mudar. Queria envelhecer na cidade, era um rapaz
de ambições baixas que só queria curtir a vida na paz e dar aos futuros filhos uma
infância tranquila e feliz na cidade interiorana.

“Cara... Nem sei o que te falar. Que merda! Mas ‘tá bem?” Fabrício perguntou, também
com a mão no ombro dele. Nem conseguia sentir raiva da Letícia, já que a conhecia de
anos, mas não entendia aquela atitude da garota. Relacionamentos à distância eram
perigosos.

Daniel encolheu os ombros.

“Sobrevivi, fazer o quê. Só me resta aguentar os chifres, já que não irei viajar pra São
Paulo só pra dar uma surra no desgraçado.” Disse suspirando, mas mantendo o humor
nas palavras. Daniel era assim, da paz, raramente perdia a cabeça, e talvez por isso ele e
o Fabrício se dessem tão bem. “Mas e aí? Veio pra ficar quanto tempo?”

“Acho que uma semana, talvez mais.” Fafá contou. “Quem mais ‘tá aí?”
“Pois tu deu sorte, parece que o Danilo e o Fábio também vão vir visitar por esses dias!
O grupo todo reunido de novo, cheio de novidades! Só eu que continuo aqui, ‘tá louco,
fiquei pra trás trabalhando, e as dondocas tudo virando gente estudiosa.” Daniel
brincou, debochado.

“Bah, que ótimo! E tu sempre foi o mais vagabundo né, nunca estudou, só te interessava
por carros.” Fabrício o lembrou, sorrindo maroto. Não falava nenhuma mentira.

“Falou o nerd.” Daniel rebateu, irônico. Fafá percebia que, por mais que disfarçasse, ele
estava com um humor meio melancólico, o conhecia há muito tempo para não perceber.
Teria de conversar com ele sobre aquele término depois, porém agora, sua mãe aparecia
na porta da confeitaria com uma expressão nada feliz.

“Filho desnaturado! Chega e fica na porta conversando, em vez de entrar e abraçar a tua
mãe!? É assim? E eu que fique morrendo de saudades e ansiedade para que tu apareça!
Não basta ter me feito esperar mais cinco dias?!” Isadora perguntou cruzando os braços
e batendo o pé. “Ah, olá, Dani! Tem bolinho novo, se quiser entrar e tomar um
cafézinho.” Mudou completamente o tom.

“Que mãe braba!” Fabrício exclamou e imediatamente a abraçou, erguendo-a do chão e


a enchendo de beijos. Isadora riu abraçando o filho em retorno, contente como qualquer
mãe saudosa que recebe mimos do ‘seu bebê’. “’Tava morto de saudades, mãezinha!
Chorei todas as noites lá em Porto Alegre.” Garantiu, mentiroso.

“Ah, ‘tá bom. E mais essa pra eu fingir que acredito.” Isadora revirou os olhos, segurou
o rosto do filho e o beijou na testa assim que o moreno a colocou no chão. “Entrem
vocês dois. Teu pai foi fazer uma entrega, porque o motoboy ‘tá doente, mas já deve
estar voltando.”

Os dois garotos entraram, rindo. Isadora era daquelas mães joviais e energéticas, e era
mesmo nova. Engravidara cedo, com vinte anos, então nem passara dos quarenta. Tinha
os olhos e cabelos negros como os do filho, compridos mas geralmente mantidos
amarrados. Era alta para uma mulher, ainda que mais de dez centímetros mais baixa que
o filho. Tinha pouquíssimas rugas, e quem não a conhecia lhe dava uns trinta e poucos
anos de idade.

“E a Luísa, mãe?” Perguntou, referindo-se à irmãzinha. Era outra que morria de


saudades, adorava aquela pequena briguenta. Luísa era nova, quase dez anos, mas
poderia causar grandes estragos.

“Tua irmã ‘tá na casa de uma amiguinha.” Isadora informou, indo para trás do balcão
enquanto os meninos se sentavam. Havia outras pessoas tomando café, lanchando na
confeitaria. Fabrício as cumprimentou por cima, cidade pequena é assim, mas Isadora
disse que agora o filho era somente dela pelas próximas horas.

E então todo aquele papo de mãe iniciou: como foi a viagem? Como estão os estudos? E
as novidades? E os romances? E isso? E aquilo? Fabrício respondia tudo, empolgando-
se em alguns momentos. Evitou falar sobre sua vida amorosa, por hora, e também
encheu a mãe de perguntas. Daniel se intrometia em alguns momentos, mantendo-se na
conversa.
Era de casa, afinal.

XxxX

“O meu filhão apareceu!” Lucas exclamou assim que entrou na confeitaria, com Luísa
empoleirada num dos ombros do pai. Ela soltou um gritinho e sacudiu as pernas,
querendo descer. Lucas a colocou no chão e a menina correu para abraçar o irmão.

Fabrício riu se levantando do banco e capturou a menina em meio à corrida. Ergueu no


ar e a jogou por um de seus ombros, dando a impressão que a deixaria cair de cabeça
para baixo pelas costas. Luísa gritou reclamando e socou algumas vezes as costas do
irmão mais velho, até que ele a soltasse, enquanto ela brigava que ele demorara demais
a aparecer.

Lucas se aproximou e abraçou ao filho. Eram praticamente uma cópia um do outro, a


exceção de que Lucas tinha os olhos mais claros e os cabelos não tão negros, também
era alguns poucos centímetros mais baixo. Tinha quarenta e três anos e também se
mantinha jovial, quase sempre sorrindo.

Aquela família parecia estar sempre de bom humor.

“Como vai, filhão? Quase mata tua mãe de saudades demorando tanto tempo para
aparecer!” Reclamou. Obviamente também se referia a si próprio quanto a saudades.
“Daniel também vive perguntando de ti, depois do pé na bunda, anda todo carente.”

“Só não mando se ferrar porque já é um senhor de idade.” Daniel murmurou e recebeu
um tapa na parte de trás da cabeça do ‘tio Lucas’. “Ai!”

Fabrício riu, sentira saudades daquilo.

“Eu ‘tô bem, pai. Como eu ‘tava dizendo pra mãe, acabei ocupado com a faculdade e
nem vi o tempo passar. As horas parecem voar na capital!” Disse, soando como um
verdadeiro interiorano. “E tu, nanica, incomodando muito o pai e a mãe?” Perguntou à
Luísa. Era uma coisinha pequena, magrela e adorável – pele amorenada, nariz
arrebitado e cabelos iguais aos da mãe, negros e compridos.

“Eu nunca incomodo!” Ela reclamou cruzando os braços magros. “Mas depois que tu se
mudou, as coisas ficaram chatas!” Fez um beicinho.

Fabrício sorriu e fez carinho no topo da cabeça dela.

“Então temos de aproveitar esse tempo que tenho aqui, hãh?! Ou não?” Perguntou, e
Daniel gargalhou.

“Eu ‘tava com saudades dessa tua mania de falar ‘ou não?’ depois de 95% das tuas
frases.” Contou, apoiando-se ao balcão com um sorriso debochado, ainda que genuíno.
“É o mesmo pateta de sempre.”

“Nem é tanto assim.”


“Ou não?!” Os outros perguntaram em uníssono, e riram juntos. Voltaram a conversar,
alternando aqui e ali em atender aos clientes. Logo a confeitaria fecharia, já havia
anoitecido. Fabrício resolveu deixar a conversa mais séria para o dia seguinte.

No momento, queria apenas matar a saudades dos pais, da mana, e do amigo de longa
data.

XxxX

Fabrício sentou no sofá e, de imediato, Luísa subiu e sentou em seu colo. Haviam
terminado de jantar, e agora Lucas lavava a louça e Isadora a secava. Enxotaram
Fabrício da cozinha quando ele se ofereceu para ajudar, afirmando que ele deveria ter
ficado cansado da viagem de quatro horas até ali.

“Mano, tu vai me levar pra passear de carro?!” Luísa adorara a ideia de um irmão
motorizado, apesar de o carro ser do tio. Fabrício a chamara de Maria Gasolina e
recebeu uns tapas por isso.

“Claro que levo, Lu!” Fafá garantiu. “Até te ensino a dirigir.”

“Tu ‘tá louco, guri? Tua irmã tem só nove anos!” Lucas se aproximou secando as mãos
em um pano. “Tem que esperar os dez anos, ao menos já vai poder sentar no banco da
frente.”

“Mas eu só faço dez em outubro!” Luísa exclamou infeliz, mas o pai foi irredutível.
Irritada, Luísa deu de ombros. “Eu quero ser motoqueira mesmo.” Resmungou
emburrada.

Os outros riram.

“Mas e aí, filho. Última vez que veio aqui, tu nos contou que havia reencontrado aquele
amiguinho de infância, o André. E hoje nem tocou no nome dele.” Isadora perguntou ao
terminar de arrumar a cozinha e também se juntar aos três. Fabrício não sabia se estava
paranoico, ou o que, mas achou o olhar da mãe um tanto afiado e perspicaz demais,
como se ela conseguisse ler seus pensamentos.

“Ah é... Não, é que... ‘Tamos de boas, passamos bastante tempo juntos.” Sorriu sem
graça, meio nervoso. “Nos entendemos ainda melhor do que antes.”

“Mãe, o Fafá ‘tá com febre, o rosto dele ficou vermelho e ‘tá mais quente.” Luísa falou
colocando a mão nas bochechas do irmão, olhando preocupada para a mãe. Lucas foi
para a janela e tirou um cigarro do bolso, olhando para a rua tranquila em frente à
padaria. Moravam no segundo andar.

“Pai, tu tinha dito que havia parado!” Fabrício reclamou, era totalmente contra cigarros,
já havia várias vezes tentado convencer o pai a parar. Conseguira que ele diminuísse a
quantidade, e ele lhe afirmara que não fumava há meses, mas ali estava ele, tragando na
janela. Velho sacana, pensou soltando o ar pelo nariz.
“Oh, desculpe, desculpe. Só me senti querendo um cigarro de repente.” O apagou,
sorrindo culpado. “E teu tio e o Henrique, como vão?”

“Ah, esses dois são outros que não visitam! Irmão desnaturado.” Isadora reclamou
bufando. “Será que eu terei de me deslocar até Porto Alegre pra conseguir ver vocês?”

“Eles estão bem! Estão até pensando em adotar uma criança!” Contou.

“Eles podem me adotar! E aí eu vou pra Porto Alegre também!” Luísa sugeriu sem
pensar que assim ficaria longe dos pais. “Hein, mãe?! Posso!?”

“Outra filha desnaturada. Quer ficar longe da mãe?”

“Mas tu vem junto!”

“Até que já estava na hora, apesar de eu temer por essa criança, com um pai como o
Diogo.” Lucas comentou pensativo, alisando sua barba bem feita que já tinha alguns
fios brancos, como havia nos cabelos. Mas tudo muito discreto. “E tem conversado
bastante com teus tios? Eles têm te aconselhado, ajudado lá em Porto Alegre?”

Fabrício estranhou a pergunta, mas assentiu.

“Tirando as ideias loucas do Diogo...” Deu de ombros. “Mas sim, me ajudam sempre,
com tudo.”

“Isso é bom, isso é bom. São boas influências. Nessa época da vida, faculdade, novos
amigos, novos compromissos. Sim, sim, muito bom.” Lucas afirmou, andando de um
lado para o outro com o olhar baixo, parecendo como um doido que conversa consigo
mesmo. Luísa e Fafá se entreolharam, concordando que tinham um pai que já não batia
muito bem das ideias. Talvez fosse a idade. “E o André?”

Fafá olhou-o perdido.

“O que tem o André?”

“Não, não, esqueça, esqueça. Estou apenas aqui pensando comigo mesmo.” Lucas
dispensou, enquanto a Isadora revirava os olhos.

“Não dê atenção ao teu pai, ele anda cansado e... Preocupado. Quando os filhos estão
afastados da gente vivendo coisas novas longe das nossas vistas, acabamos preocupados
e de cabeça cheia.” Isadora sorriu amável para o filho. “Não quero nem imaginar como
será quando a Luísa resolver bater as asas.”

“Asas? Mas não tenho asas.” Luísa não entendeu a expressão.

“Anjinhos sempre têm asas.” Fafá garantiu e começou a fazer cócegas na irmã, que se
contorceu, soltando gritinhos agudos e rindo abertamente, tentando atingi-lo com tapas
e chutes, que não surtiam efeito.
Demorou um pouco até que ela fosse convencida a ir dormir, mesmo que já bocejasse.
Quando ficaram apenas pais e filho na sala, Fafá já estava um tanto sonolento também,
mas seus pais estranhamente pareciam bastante alertas, olhando-o em expectativa. Fafá
os observou com estranheza, e a Isadora pigarreou, aprumando-se no outro sofá, com o
marido sentado ao seu lado.

“Então, alguma novidade para nós?” Ela quis saber, ansiosa. Torcia o tecido da roupa
com uma mão e a outra segurava a do marido. Lucas assentiu como se o incentivasse, e
o Fabrício já quase discava para o hospício. O que dera em seus pais?

“AAaahnn... Já contei as novidades.” Coçou os cabelos. “O que deu em vocês?”

“Fabrício, meu filho, acho que sempre lhe demos toda a liberdade e confiança para que
conversasse conosco sobre tudo, não é? Eu e teu pai... O que mais nos importa é a tua
felicidade, e que sejamos o suporte para ela, sempre que tu precisar de nós.” Isadora o
lembrou, parecendo até um tanto irritada com as evasivas do filho. Ela era a mais
impaciente daquela casa, característica herdada pela filha.

Fabrício se sentiu tocado com tais palavras.

“Eu sei, mãe. Vocês são demais.” Concordou.

“Sim, nós somos. Então, o que tem pra nos dizer?” Ela incentivou novamente, mas
novamente o moreno ficou confuso. “Não precisa ter medo, filho, jamais te
julgaríamos.”

“Sim, sim, estamos todos ouvidos.” Lucas falou, naquele ar de pai incentivador, mas o
Fabrício realmente não entendia o que estava acontecendo ali.

Os olhos de seus pais brilhavam atenciosos em sua direção, como se esperassem um


doce. Na verdade, uma notícia importante. Estava se esquecendo de contar alguma
coisa? Prometera algum presente a eles? Alguma promessa que tinha de cumprir que
havia feito antes de entrar na faculdade, ou antes de ir para Porto Alegre? Vasculhou a
mente atrás de alguma coisa, mas não se lembrou de nada. Que coisa estranha!

Sentindo-se um péssimo filho, perguntou:

“Não tenho ideia do que vocês estão esperando de mim.” Admitiu piscando em
confusão. Seus pais também piscaram, aturdidos e nervosos, antes de virarem a cabeça
um para o outro e, baixinho, começarem a sussurrar entre si, excluindo o filho do
diálogo. Porém o mais novo conseguiu captar as palavras ‘Diogo’, ‘nos enganamos?’,
‘André’ e ‘namorados’.

Fabrício se ergueu do sofá num rompante.

“Ele contou pra vocês?” Praticamente gritou. De repente não gostava mais tanto do tio,
queria jogar a Cherry em cima dele e deixar que sua gata se vingasse em seu lugar. Os
pais o olharam constrangidos e um tanto confusos. “O que vocês sabem?” Exigiu saber.
“Filho,” Lucas respirou fundo. “Da última vez que tu veio aqui, tu falou sobre o André.
Até pode existir pai que é cego, mas eu não sou um. Lembro-me de como vocês eram na
infância, e me preparei para no futuro, bem... Confirmar que meu filho era gay. Perdão
se esse não é o caso, apesar de eu achar que isso não é motivo para pedir perdão, já que
não se trata de nenhum xingamento. Mas quando tu disse que se reencontram, com toda
aquela alegria e empolgação, eu fiquei com a pulga atrás da orelha e liguei pro teu tio.”
Lucas torceu as mãos, parecia envergonhado de ter-se metido na vida pessoal do filho
daquela forma. “Teu tio não contou nada, mas tu sabe como ele é indiscreto e acaba
entregando uma coisinha ou duas só pela forma de falar.”

“Querido, nos preparamos por quase três meses para a notícia, então, se é o caso, apenas
nos conte. Não queremos mentiras entre nós.” Isadora falou, calma.

Fabrício ficou surpreso por um momento, mas então se lembrou de como nunca houvera
segredos entre ele e os pais, e de como conheciam um ao outro bem, pois a relação era
aberta e repleta de confiança. Se seu tio, em poucas visitas, havia percebido algo
diferente em sua relação infantil com o André, como que os pais não perceberiam? E
como a mãe não notaria sua empolgação ao falar no telefone com ela sobre o loiro? Ou
mesmo não notariam quando os visitou? E, claro, com o empurrãozinho inconsciente do
Diogo...

Acabou rindo, quase gargalhando. Sentia-se aliviado, compreendido, e meio pateta. Ok,
muito pateta, mas isso já aceitara que era há muito tempo. Até gostava, fazer o quê. Foi
até os pais e os abraçou, ambos, apertado, e foi retribuído com o mesmo carinho.

“Eu amo vocês, sabiam?” Falou com contentamento.

“Nós também te amamos, filho. Agora, nos conte logo de uma vez, isso já está me
matando, odeio ser a última a saber sobre meu próprio filho!” Isadora falou, irritada.

Fabrício se afastou e respirou fundo.

“Eu e o André estamos namorado... Há dois meses. Eu amo ele.” Simplesmente admitiu,
coçando a parte de trás da cabeça, mas depois sorriu.

“Isso é ótimo, filho. Eu fico feliz que vocês se reencontraram.” Lucas colocou a mão
sobre o ombro do filho. Não fora uma aceitação de uma hora para outra. Percebera
quando o filho era mais novo e voltara a pensar sobre isso quando soube do reencontro.
Teve mais três meses para conversar com a esposa sobre o assunto. Não seriam
hipócritas, é claro que achariam mais fácil para o filho se ele fosse heterossexual, mas
ele era o que era, então lhes bastava aceitar e tentar protegê-lo do preconceito do
mundo. Ali, naquela casa, ele sempre teria apoio, carinho e aceitação.

“E quando vai trazer o namorado?” Isa quis saber, brincalhona.

“Na verdade, ele vai vir visitar segunda-feira.” Fabrício abriu um sorrisão de moleque
arteiro. Os pais ficaram um tanto surpresos, mas então ficaram felizes com a notícia.

“Me sinto estranho, terei de falar para ele não te magoar ou quebro a cara dele? Sempre
que um cara namora uma filha falamos isso, não?” Lucas afagou a barba, ponderando.
“Mas e os pais dele, Fafá? Eu lembro de como eram... Complicados.” Isadora perguntou
preocupada, e então o Fabrício se sentou e começou a contar algumas coisas, do
princípio. Os pais compartilharam outras, e se revoltaram com o que escutaram sobre a
atitude do Heitor. Isadora tapou a boca, e precisou segurar as lágrimas. Era muito
sensível para ouvir tal relato sem se sentir abalada.

“Ele será mais do que bem aceito aqui. Vou preparar meus melhores doces!” Isadora
garantiu, seu tom misto de tristeza e carinho, já preocupada com o namorado do filho
como se ele fosse parte da família há anos. E, bem, ela podia dizer que conhecia o
menino desde que ele era uma criança pequena. Lucas concordou com a esposa.

E Fabrício nunca agradeceu tanto por ter pais como aqueles.

XxxX

Quando André desceu na estação na cidade vizinha, não demorou muito a encontrar o
moreno lhe esperando. Este o levaria de carro até o destino final. Não viera de moto,
pois viajar tantas horas de moto numa estrada poderia ser perigoso. Fabrício estava
apoiado ao carro estacionado em frente à estação, usando o óculos-escuro branco e
atraindo os olhares das moças que saíam ou entravam no lugar. André quase sentiu
vontade de mandá-lo parar de se exibir – por mais que ele não estivesse fazendo nada.

Fafá abriu um sorriso ao ver o loiro e se desencostou do carro.

“Esperando há muito tempo?” André perguntou e, na maior naturalidade, parou em


frente ao namorado e lhe deu um beijo rápido. Fabrício chegou a se perguntar se aquele
era o loiro certo.

“N-Não, menos de dez minutos.” Informou e pegou as malas do namorado para guardar
no porta-malas. Depois o puxou e deu-lhe mais um beijo, um pouco mais demorado,
satisfazendo-se ao vê-lo corado quando o soltou. Não queria perder o ‘poder’ de fazer o
loiro avermelhar.

“Não seja tão óbvio em público, também não gosto de chamar atenção.” André
reclamou e foi entrar no carro.

“Tu quem começou!” Fabrício o acusou. Ah, quando estivesse sozinho com aquele
loiro... Só um final de semana, e já estava morrendo de saudades. Que vício era esse? E
isso que haviam se falado por celular.

“Tem certeza que teus pais estão ok em eu aparecer lá? Quero dizer, tu recém se
assumiu e eu chego lá pra filar boia e dormir no teu quarto...” Falou inseguro quando o
carro já estava em movimento. “E tem certeza que eles aceitaram de boa mesmo? Tipo,
vai que falaram só pra não te chatear, mas-“

“André-“ Fabrício o interrompeu antes que o loiro tivesse um colapso dos nervos e lhe
segurou uma das mãos em um aperto confortador, enquanto mantinha o olhar na rua.
Achava fofo o nervosismo do namorado. “Vai dar tudo certo.” Afirmou.

André acreditou.
XxxX

Entrar na confeitaria gerou uma nostalgia no peito do loiro. Mesmo que o lugar
houvesse passado por uma reforma, ainda retinha aquele mesmo ar de acolhida
aconchegante de antes – talvez por isso se sentisse tão melhor ali, do que em casa,
quando mais novo.

Olhou ao redor com os olhos abismados, relembrando até mesmo momentos dos quais
havia se esquecido por completo. Como a vez que Fabrício quase o beijara depois de
cantar a música do Tribalistas. Torceu o nariz ao lembrar que o pai os havia impedido e,
surpreso, recordou também os tapas que levara em casa. Reprimira aquilo? E sempre se
gabara tanto da própria memória... Porém, não era momento para memórias ruins.

“André?” Alguém o chamou, e notou que deveria ser a mãe do Fabrício. Ela
envelhecera muito pouco, o que era surpreendente. Continuava uma mulher bonita e
vibrante, ligada na tomada. Ela se aproximou sorrindo e lhe deu um abraço apertado,
que o surpreendeu por transmitir tanto carinho. Quando ela se afastou, segurou-lhe o
rosto. Isadora ficou consternada ao ver o rosto ainda arroxeado do garoto; Fabrício lhes
contara sobre aquilo, mas pedira para não tocarem no assunto. “Como tu cresceu! Olhe
para isso, ficou ainda mais bonito do que era! Oh, meu filho tem tanta sorte.”

“O-Obrigado. A senhora continua muito bonita.” André inevitavelmente sentiu-se


constrangido e nervoso, mas gracejou educado, retribuindo ao cumprimento enquanto o
Fabrício ria ao seu lado.

“Oh, que isso, mudaria de ideia se me visse quando eu acordo! Mas muito obrigada.
Venham, venham, sentem-se aqui à mesa. O movimento está parado agora e a Laís
cuida de atender os clientes por enquanto, não é Laís?!” Gritou para a garota que
apareceu correndo ao balcão e assentiu nervosamente. Ela tinha o rosto corado, e a
Isadora concluiu com um suspiro que ela deveria estar de amassos com o Pedro, um de
seus confeiteiros mais novos, de novo. Tão jovens e arteiros!

“Mãe, melhor ir largar as malas lá em cima primeiro, aí já descemos.” Fabrício deu um


beijo na bochecha da mãe e indicou ao loiro que o seguisse. André sorriu sem jeito para
a Isadora e seguiu o moreno.

“Mas estão com fome? Já posso ir separando alguma coisa.” Disse apesar de estar perto
do horário de almoço.

Fabrício olhou para o loiro numa pergunta muda.

“Eu não estou com fome, obrigado. Só se o Fafá estiver.” André falou, encolhendo os
ombros. Não gostava de comer aperitivos logo antes de almoçar, depois acabava não
comendo nada.

“Eu não ‘tô, mãe, valeu.” Fafá informou.

“Mas não querem um salgadinho?” Isa ainda tentou, porém de novo os garotos
negaram.
“Já comi mais cedo.” Fafá falou.

“Umas bolachinhas?”

“Não, mãe, depois almoçamos.”

“E a minha torta especial?”

“Mais tarde comemos.”

“Está bem, vão subindo que eu vou fazer uns bolinhos para vocês.” Isadora concordou e
foi para a cozinha. Fabrício revirou os olhos e, quando o loiro o olhou abismado, ambos
riram de leve.

“Como tu conseguiu continuar magro com uma mãe dessas?” André perguntou
enquanto subiam as escadas aos fundos.

“Ah, ela enlouquece quando vem alguém visitar, no resto do tempo ela é normal.” Fafá
torceu o nariz. “Ou quase normal.”

“Tu não pode falar muito.” Disse o loiro e, quando chegaram ao segundo andar, olhou
novamente ao redor, impressionado. “Uau, isso não mudou nada!” Havia um brilho em
seus orbes azul-claros. Era estranho estar ali de novo; até um tempo atrás, jamais
imaginaria que teria tal oportunidade.

O segundo andar era composto por uma sala ampla, que até mesmo possuía uma
pequena lareira, e também tinha o espaço para a mesa de refeições. Uma porta levava à
cozinha com lavanderia, e um corredor para os quartos que ficavam na parte da frente,
para a rua.

“Minha mãe mudou uns quadros e plantas de lugar, trocou alguns móveis, mas de
resto... Bem, não é nenhuma mansão, mas sempre gostei daqui.” Fabrício falou e
indicou com a cabeça para que o loiro o seguisse.

“Eu também. Era tipo um refúgio.” Murmurou, e o outro sorriu. Largaram as malas no
quarto do moreno. André o analisou de novo, esse sim havia mudado do que se
lembrava. Mas qual quarto não sofria mudanças quando seu dono entrava na
adolescência? Porém era um quarto bastante simples ainda.

Havia a cama de solteiro, uma TV velha com um videogame igualmente velho, e uma
escrivaninha com livros e um computador também mais antigo. Havia muitos CDs
numa estante, onde também encontrava-se um pequeno rádio, e uma coleção de
carrinhos de vários tamanhos. Um outro skate, mais novo, estava pendurado a um canto,
junto ao antigo que André devolvera, e o violão estava ali junto. O armário de roupas
era de madeira comum, apenas duas portas. Nas paredes, havia alguns quadros
esportivos e decorações musicais.

“Tu parece que fez o estilo ‘adolescente pouco rebelde’, né? É bem a tua cara.” André
sentou a cama, testando o colchão. E não por motivos maliciosos, que fique bem claro.
Fabrício o olhou com certo divertimento e se sentou ao seu lado.
“Nunca fui de dar muitos problemas aos meus pais, se é isso que quer dizer. Por quê?
Tu fez o estilo rebelde inconsequente?” Perguntou aproximando-se. Agora que estavam
em seu quarto, queria matar um pouco das saudades do loiro. Tocou os fios loiros
enquanto o olhava.

“Mais ou menos. Tive minha fase.” Deu de ombros. “Sou pavio curto, tu sabe, e aí
arrumava umas encrencas, no colégio peguei muitas detenções.” Deu de ombros, e se
arrepiou com aquela aproximação. Virou o rosto para o moreno, sentindo-se meio
estranho com a ideia de beijá-lo ali, sendo que recém chegara, e a porta estava aberta,
qualquer um poderia aparecer. “Teve uma vez que-“

“Aham... Me conta depois.” Fabrício murmurou antes de segurar-lhe a nuca e beijá-lo.


André ficou ofendido por ter sido interrompido sem a mínima consideração, porém
assim que o moreno afundou a língua em sua boca, despertando as borboletas em seu
estômago, não conseguiu reclamar.

Fechou os olhos aceitando o beijo e não ofereceu resistência quando ele o empurrou
para o colchão, querendo dar uns amassos. Claro, alegria de visita dura pouco, então
alguém apareceu à porta. Alguém com metade do tamanho de um adulto, e com um
olhar bastante curioso e insatisfeito sobre os dois.

“Esse é o teu namorado, mano?” Luísa perguntou, e os dois quase saltaram na cama e
bateram as cabeças no teto. Os pais da menina já haviam conversado com ela mais cedo
sobre o assunto. Luísa apenas dera de ombros e comentou que o mano era como o tio
Diogo. Não havia nenhum preconceito nela, apenas uma aceitação inocente e natural
dos fatos. “Vocês vão morar juntos como o tio Diogo e o tio Henrique?” Seu tom era
ciumento.

Fabrício coçou os cabelos e se levantou da cama, indo pegar a irmã no colo.

“Ainda não moramos juntos, mas ele é meu namorado sim. Bonitão, hãh?” Perguntou, e
a menina olhou bem pro André, analisando-o como faria uma crítica de arte ao encarar
um quadro duvidoso. André não sabia onde meter a cara, mas depois de uns segundos
Luísa torceu o nariz, concordando relutante.

“Ele é bonito, porém isso não é suficiente para eu aprovar. Ele vai ter que se esforçar,
viu?!”

“Que cancha essa guriazinha!” Fabrício exclamou largando-a enquanto André se


levantava. “E se tu não aprovar, o que acontece?”

“Ah, isso é segredo!” Luísa informou. “Mas eu dou um jeito de me livrar dele!”
Exclamou com uma risada de peste e saiu correndo.

Fabrício balançou a cabeça.

“Viu só? É melhor me tratar bem nesses dias, ou vai arranjar uma inimiga.”
“Acho que gostei mais da tua irmã. Ela não parece tão pateta e boba que nem tu. Pelo
contrário, é esperta.” Ponderou. Gostava de pessoas assim. “E admito que ela me deu
um pouco de medo.”

“Não sei se fico feliz por elogiar minha irmã, ou ofendido por me chamar de pateta e
bobo.”

“Tu já ‘tá acostumado.” Deu de ombros. “Até tua irmã sabe o irmão que tem, e fica de
olho.”

“Ela te achou bonitão. Devo ficar preocupado?” Apenas brincou.

“Ah, claro. Irei ficar contigo por enquanto, e quando ela crescer, te chuto e namoro com
ela. Meu futuro ‘tá garantido.” Ironizou, revirando os olhos.

“Até ela crescer, vou te deixar tão louco de amor por mim, que não vai conseguir nem
pensar em outra pessoa. Teu único pensamento o tempo todo vai ser: Fabrício, Fabrício,
Fabrício...” Repetiu o nome de forma meio maníaca e riu quando recebeu um soco no
braço. Abraçou o loiro por trás, beijando-o na nuca. “Vamos descer que minha mãe
queria nos empurrar um bolo...”

“Oh, Deus...” André suspirou ao se lembrar disso. “Se eu recusar, vai ficar muito chato,
né?”

“Vai.”

“Certo.” Deu-se por vencido.

XxxX

Quando André já estava entupido de bolinhos e sentindo o estômago revirar, Lucas


apareceu na confeitaria carregando algumas caixas. Ficou feliz ao ver o loiro e o
cumprimentou depois de largar o carregamento sobre o balcão. Algumas pessoas
almoçavam na confeitaria – que em realidade sempre fora uma mistura de café,
lanchonete, padaria e confeitaria –, e a Laís e Isadora ajudavam servindo-os. Fabrício
até precisou atender a alguns clientes.

“André, como cresceu, rapaz.” Lucas apertou-lhe a mão. “Eu jamais imaginaria que
ficaria dessa altura, quando criança era tão mirrado.”

André não se sentiu particularmente contente em saber que fora uma criança mirrada,
mas agradeceu mesmo assim. Lucas lhe lembrou do Fabrício de uma maneira absurda,
eram definitivamente pai e filho, e ficou satisfeito, ao menos podia ver que o Fabrício
continuaria bonitão com o passar dos anos. Não acredito que estou pensando isso, se
repreendeu constrangido.

“É um prazer revê-lo, senhor.” Falou repleto de pompa. “Ficou ótimo o que o senhor fez
nesse estabelecimento.”
Lucas adorou o que ouviu. André, no primeiro comentário, ganhou o sogrão. Lucas
começou a contar sobre as mudanças, as reformas, sobre os planos para o futuro, e o
André ouvia tudo com uma atenção polida, mas também interessada. Lucas falava como
o filho, empolgado e descontraído, e tornava qualquer assunto interessante. De repente
os dois já haviam engatado em um assunto sobre futebol, com o Fabrício se metendo em
alguns momentos de folga, contente de ver o namorado causando uma boa impressão.

“Ai, que papo mais interminável! Lucas, pare de alugar teu genro dessa forma!” Isadora
exclamou baixinho, para que o resto do estabelecimento não os escutasse. Do contrário,
André poderia ser encarado como um pedófilo por acharem que ele estava namorando a
Luísa, em vez do Fabrício.

“Tudo bem, tudo bem! Me calarei!” Ergueu as mãos para cima, mas logo voltou a
atenção ao loiro. “André, sei que é cedo, mas já tem alguma ideia de que especialização
vai seguir? O Fabrício sempre fala em cirurgia.”

“Ah... Eu ainda não sei também, mas eu acho que vou pegar algo que não tenha tanto
contato com pacientes, tipo anestesiologia.” Disse com certa dúvida.

Isadora o encarou surpresa.

“Mas por quê? Não que eu tenha algo contra anestesiologia, mas eu me lembro de como
tu era uma criança adorável que sabia cativar qualquer pessoa, apesar de bastante
mimado.” Sorriu sabida, e o André corou.

As coisas haviam mesmo mudado.

“Acho que a adolescência me modificou.” Sorriu sem jeito, e ignorou o outro bolinho
que a Isadora empurrou sobre o balcão em sua direção. Eram deliciosos, mas sentia que
o estômago explodiria a qualquer momento. “Eu sou meio ruim lidando com outras
pessoas, acho que não conseguiria ser um médico muito carismático.”

“A verdade é que ele quer ficar sempre pertinho de mim, então vai trabalhar de
anestesiologista nas minhas operações.” Fabrício concluiu por ele próprio, abrindo um
sorriso malandro para o olhar de ‘tu é mesmo idiota’ que recebeu do loiro. “Quê? Vai
dizer que não?”

“Se eu tiver o mínimo de bom-senso, ficarei bem longe de ti com um bisturi.” André
falou sarcástico, e a Isadora riu com o marido.

“Oh, esses meninos.” Se divertiu.

Na hora do almoço, mais gente apareceu na confeitaria. Entre eles, Daniel. Junto,
vinham outros três amigos do Fabrício: Juliana, sua prima mais nova, Fábio e Danilo.
André reconheceu todos – sua memória era mesmo fabulosa –, já havia brincado de
queimado, pega-pega, esconde-esconde, polícia e ladrão com eles todos. A nostalgia
aumentou, era surpreendente vê-los todos ali. Sentiu-se voltando ao passado.

Fabrício ficou empolgado ao vê-los.


“Pooooorra! Que merda de primo que vem visitar e não avisa. A gente tem de ir atrás
pra ficar sabendo das coisas, ô puto!” Juju exclamou. Com o tempo, havia se tornado
uma desbocada de marca maior. Os pais viviam reclamando disso, mas ela não se
importava. Era baixinha, acima do peso e de pele morena, cabelos negros e, pela
personalidade, lembrou ao André da Tatiana, apesar da Tati não falar muitos palavrões.
“Odeio essa gente que vai pra capital e perde a humildade. Ah, oi, tia Isa, oi tio Lucas!”
Ela cumprimentou alegremente.

“Juju! Eu ia te procurar hoj-“

“A porra que ia. Passou o final de semana aqui e nem me avisou, vadio! E daí que
sábado e domingo eu ‘tava lá na casa da dinda? Nem venha com desculpas, seu merda.”
Ela o cortou e abraçou forte, estalando-lhe as costas e lhe tirando o fôlego.

Fábio e Danilo seguiram nos cumprimentos.

“Que loucura, gurizada! Todo mundo reunido de novo.” Fafá exclamou dando tapinhas
nas costas do Fábio. Era um rapaz alto – 1,90m –, magrão e branquelo, sem ser
desengonçado. Todos os traços do rosto eram afilados e as maçãs do rosto pareciam
sempre avermelhadas. Era bem apessoado e se mudara pra Santa Maria para estudar
Direito.

“É bom te ver, cara.”

“Mas tu fica mais feio cada vez que te vejo, ô Fabrício!” Danilo exclamou, o abraçando
efusivo. Ele fechava o grupo. Alto, boa pinta, ela mulato com um rosto ainda mais
escurecido pela barba. Mais velho de todos, tinha 22 anos e também se mudara para
Santa Maria, mas estudava História.

“E esse loiro, quem é?” Juliana perguntou curiosa, mas com uma olhada mais atenta,
seu queixo caiu. “Espera... Tu é aquele menino loiro rico que morava na mansão e
brincava com a gente! André!? É André não é? Puta que pariu, o que tu ‘tá fazendo
aqui?”

“André?” Daniel perguntou. “Cara, o loirinho chorão! ‘Tô ligado!” Riu-se com isso.
“Tu e o Fafá não largavam um do outro, eu até ficava com ciúmes.”

“Ele veio rever a cidade. Acreditam que nos encontramos na UFRGS? Ele também ‘tá
fazendo medicina.” Fabrício contou passando um braço pelos ombros do loiro.

“Sério que eu sou lembrado como o ‘loiro chorão’?” André perguntou insatisfeito.

“Meninos, por que não vão dar um passeio? Pode deixar que eu me viro aqui com a
confeitaria, filho. Vai curtir teu tempo com os amigos.” Isadora o incentivou, piscando.
“Eu ligo quando o almoço estiver pronto.”

E foram, acabando no parque da cidadezinha onde já haviam brincado milhares de vezes


na infância.
“André chorava por qualquer coisa e o Fabrício que tinha de consolar.” Danilo
implicou, enquanto passeavam.

“Ele e a Juliana, mas hoje a Juliana é mais macho que todos nós juntos.” Daniel
concordou.

André aturou os comentários sobre suas choradeiras de criança, acabou meio mal-
humorado, mas logo sorriu maldoso e resolveu recordá-los de coisas bastante
constrangedoras que eles haviam feito.

“Só lembrando que o Daniel se mijou nas calças naquele Halloween que fomos nos
aventurar na mata e sofremos um susto dos adolescentes.” André falou, e todos pararam
por um segundo, boquiabertos, até explodirem em gargalhadas, a exceção do Daniel.

“Caralho, eu tinha me esquecido disso! Nem eu que era mais nova me mijei!” Juliana
quase se engasgou de tanto rir.

“Depois ele ficou dizendo que tinha tropeçado numa poça d’água!” Danilo se curvou
apertando o abdômen que passou a doer pelas contrações dos risos.

“Ele tentou nos ameaçar depois pra que não contássemos a ninguém. No dia seguinte,
toda a cidade sabia.” Fabrício riu junto, e o Daniel, ultrajado, pegou o André e deu-lhe
uma chave de braço.

“Tu fez todos se lembrarem disso de novo!” Daniel reclamou e lhe apertou uma
bochecha, conseguindo uma exclamação indignada do loiro. “Agora conta uma de outra
pessoa, todos te chamaram de chorão!”

André se aprumou passando as mãos pelos cabelos quando foi solto, e empurrou o
Daniel pelo ombro.

“Teve uma vez que o Danilo tirou as calças e correu pelado pelo parque quando o
Fabrício falou que ele ia perder o ‘pinto’ por sentar sobre um formigueiro.” Os lembrou
sorrindo torto. “Aí ele se jogou no lago e ficou lá chorando até que os pais aparecessem.
Por dias ele abaixava as calças para ver se o pau ainda estava ali.”

“Mentira!!!” Danilo exclamou, mas os outros acabaram lembrando também e a gozação


foi generalizada enquanto andavam pelo parque, até pararem num pequeno quiosque
onde se sentaram e continuaram a relembrar ‘os velhos tempos’.

André também ouviu bastantes histórias sobre a adolescência deles, da qual não
participara, e se viu sorrindo leve ao escutar as bobagens e maluquices. O loiro
internamente não gostou ao perceber, pelas histórias e até mesmo agora, como Daniel e
Fabrício eram próximos e, em dado momento, chegou a resmungar isso para o
namorado quando voltavam a caminhar e os dois ficaram estrategicamente para trás.

Fabrício gargalhou daquele ciúme sem sentido, e o André cruzou os braços emburrado.
Passou um braço pelos ombros do loiro, aproximando o rosto dele.
“É só amizade, Santa. Ou será que eu deveria sentir ciúmes da tua amizade com o Davi?
Olha que tem maior probabilidade até, já que o Davi é gay também.” Fabrício sugeriu, e
o loiro fez uma careta. Nem em mil anos conseguiria se imaginar beijando o amigo.

“Era com eles que tu tinha uma banda?” Mudou de assunto, e o Fafá assentiu.

“Sim. Fábio no baixo, Danilo na bateria, e Daniel na guitarra. A Juju às vezes


participava, ela toca violino, aprendeu com a mãe dela.” Contou. “Acabou quando eu
me mudei para fazer cursinho em Porto Alegre. Danilo tomou vergonha na cara e
decidiu ir estudar também, assim como o Fábio. Só o Daniel e a Juju continuam por
aqui, ele na mecânica do pai, e ela no salão de beleza da tia-avó.” Narrou por cima.
Havia muita história pelo meio, mas isso poderia ser contado outra hora.

Tinham muito tempo.

“É engraçado interagir com eles de novo...” André admitiu e ergueu mais a gola do
casaco que usava. Estava um vento frio naquela tarde de julho. “Estou até com aquela
sensação estranha no peito... É difícil descrever.”

“Eu também estou, ‘tava com saudades desses malucos.”

“Hei!? Vocês não vem?! Vamos, temos uma ideia para vocês.” Juliana gritou fazendo
gesto com o braço para que os seguissem.

XxxX

André olhou para a lomba, achando-a maior e mais íngreme do que nunca. Havia algo
de errado aí. Ele crescera, deveria estar achando aquilo menor. Da onde tirara a coragem
quando mais novo para descer aquilo? Realmente havia mudado, a cidade grande o
transformara numa pessoa pouco dada a aventuras.

Fabrício riu e se negou também.

“Vocês endoidaram? Eu não caibo mais deitado num skate, e aquela água deve estar
gelada pra caramba.” Fabrício dispensou, mas se calou e surpreendeu ao ver o loiro
subindo na bicicleta de um dos rapazes.

“Não precisamos cair na água, e tu pode ir em pé.” Disse enquanto o vento batia em
seus cabelos e abria um sorriso largo, que quase deixou o moreno boquiaberto. Era um
sorriso tão infantil, diferente de todos os outros, um sorriso que Fabrício não via há
muitos anos.

Acabou aceitando o skate do Daniel e o largou na beirada da ladeira, um pé sobre ele.


Só esperava não cair e dar de bunda no chão.

“Certo, se eu morrer, por favor, não se esqueçam de deixar flores sobre o meu túmulo.”
Fabrício pediu, e o André desconsiderou, apenas foi, e o Fabrício se apressou para
segui-lo, empurrando-se para frente e então colocando os dois pés sobre o skate assim
que iniciava a descida abrupta em alta velocidade.
O vento atingiu o rosto dos garotos com força, bagunçado os fios e enchendo os olhos
de lágrimas. Um frio intenso causava uma fisgada nas entranhas conforme ganhavam
velocidade. Eles gritavam um para o outro e voltavam a rir, aproveitando aquela
sensação de liberdade e voo.

Era, definitivamente, como voltar ao tempo, voltar a ser criança, a não ter problemas,
nem preocupações, nem nada. Suas únicas preocupações eram buscar formas de manter
os sorrisos no rosto.

Dessa vez, antes do fim e de caírem na água, André freou e colocou a bicicleta de lado,
assim como o Fabrício tentava fazer o mesmo com skate. Detalhe que o moreno perdeu
o equilíbrio e caiu de bunda no chão. Seus amigos riram lá de cima, Juliana gravara tudo
com o celular. André desceu da bicicleta e foi acudi-lo, ajudando-o a se levantar,
também rindo com as bochechas coradas.

“Mas é muito mané esse Fabrício!” Ouviram o Danilo gritando lá de cima.

Não demorou muito, e a Isadora ligava para o filho ordenando-o – porque ela adorava
dar ordens, ou fingir que as dava – voltar para o jantar.

XxxX

Após a janta e um tempo batendo papo, André e Fabrício foram para o quarto, enfim ter
um momento apenas para os dois. Ficaram deitados na cama um tempo, cansados,
conversando amenamente, o moreno contando mais histórias sobre os amigos. Até que
o loiro recebeu uma ligação e, com um olhar incrédulo para o visor do celular, dirigiu-se
à pequena sacada do quarto sem dizer nada. Fafá inclinou a cabeça para o lado, como
Sascha faria num momento de curiosidade como aquele, mas resolveu matar o tempo
tocando violão, enquanto o loiro falava ao celular.

Sorriu distraidamente, lembrando as vezes em que André aparecia sob a sacada e o


chamava. Corria para vê-lo, e então descia correndo até o primeiro andar, já com o skate
embaixo do braço. Tinham um ponto de encontro, mas não era sempre que conseguiam
determinar os dias. No fim, o loiro acabava passando por ali quando conseguia dar uma
escapulida de casa.

Alguém bateu à porta.

“Entra!” Fafá exclamou, e a Isadora colocou a cabeça para dentro do quarto.

“Tudo certo, meninos? Estão precisando de alguma coisa?” Ela perguntou, e olhou ao
redor. “Onde está o André?”

“Na sacada ao celular. E ‘tamo bem, mãe. Tudo tranquilo.” Piscou-lhe, mas nesse
momento um furacão em miniatura entrou no quarto e se jogou na cama. Luísa ainda
sentia saudades do irmão.

Isa resolveu voltar à sala deixando a porta entreaberta.


“Mano! Amanhã me ensina a andar de skate?!” Ela pediu espevitada, abraçando o mais
velho pelo pescoço. “Tu prometeu!”

Fafá não se lembrava de ter prometido nada, mas riu e bagunçou os cabelos dela.

“Quem a senhorita está tentando impressionar, hah? Skate é perigoso.” Falou sério.

“Mas-!” Luísa já queria contrapor.

“E por isso vou te ensinar direitinho pra tu não te machucar!” Completou malandro, e a
Luísa soltou um gritinho de empolgação e se abraçou mais ainda a ele. Fabrício largou o
violão e começou a fazer cosquinhas na pequena, que esperneou e reclamou, mas estava
adorando. Adorava receber atenção do irmão.

Ela ficou ofegante e, aproveitando o momento de fraqueza, Fabrício começou a


perguntar-lhe da escola, dos amiguinhos, do que andara aprontando, até conseguir a
confissão de que um tal de Julian a pedira em namoro. Fabrício quase infartou. Eles
tinham só nove anos! Onde essa juventude iria parar?!

“Mas eu falei para ele que éramos só amigos.” Luísa explicou rápido ao ver o irmão
estático, com a mão sobre o peito. Fabrício não era do tipo ciumento, achava que não
seria um irmão ciumento, mas já estava imaginando maneiras de ir ter uma conversa
séria com esse gurizinho precoce.

Suspirou aliviado com o que a irmã disse e acariciou-lhe o topo da cabeça.

“E que continue assim. Deixe-o na friendzone por no mínimo mais uns cinco anos. De
preferência, para sempre.” Fafá proclamou, solene, mas a Luísa olhou-o cheia de
incompreensão.

“O que é friendzone?” Ela perguntou, a palavra saindo de forma um pouco atrapalhada


de seus lábios. Fafá coçou os cabelos, se perguntando como explicaria isso para a irmã,
e se deveria explicar.

“Erm...”

“Mano.” Luísa o interrompeu. “’Tô ouvindo alguém chorar. É o teu namorado?” Ela
perguntou preocupada, colocando o dedo indicador sobre os lábios do irmão. Os dois
ficaram em silêncio por alguns segundos e conseguiram ouvir um choro abafado.

Vinha da sacada.

Fabrício se levantou e foi imediatamente para lá. Luísa ficou atrás de suas pernas, e
espiou o que acontecia. André estava sentado no canto da sacada, costas contra a
parede, joelhos dobrados e braços estendidos sobre os joelhos. A cabeça baixa,
enquanto segurava o celular com força. Fafá arregalou os olhos, cheio de preocupação, e
a Luísa contornou o irmão e correu até o loiro.
“Onde ‘tá doendo?” Ela perguntou ajoelhando-se. André os olhou, só então notando a
presença deles. Limpou as lágrimas enquanto a menina o encarava em busca de
machucados; ao não encontrar, Luísa tocou-lhe o peito. “É aqui?”

André soltou uma risada fraca, entrecortada.

“É... É aí mesmo, mas... É uma dor que também tem felicidade no meio.” Explicou, mas
a Luísa novamente ficou sem entender. Por que os mais velhos sempre falavam coisas
que não compreendia?

“Como pode doer se ‘tá feliz?” Quis saber, aproximando-se mais do loiro. Fafá também
se aproximou e se ajoelhou próximo aos dois. André manteve o sorriso leve. Era sua
segunda noite ali, mas havia se afeiçoado à irmãzinha do namorado. E isso que sequer
gostava de crianças, mas ela era muito esperta, diferente do irmão.

“É difícil dizer... Mas prometo que algum dia eu tento explicar.” Garantiu.

“Tudo bem. Mas pra te fazer parar de chorar, eu digo que tu também é legal, então pode
namorar meu irmão. Pessoas que choram sem medo de demonstrar o que sentem, são
boas pessoas! Papai me disse isso!”

André riu de novo.

“Obrigado. Significa muito pra mim.”

Luísa o abraçou, e o loiro sorriu para o namorado, que retribuiu levemente o gesto,
apesar da preocupação pelo choro.

“Eu já sei!” Luísa exclamou então. “Eu vou morar com vocês em Porto Alegre quando
eu for mais velha!” Ela decidiu por si mesma, levantando-se com um pulo como se a
altura lhe desse alguma autoridade.

“Acredite, quando tu for mais velha, vai querer ficar bem longe do teu irmãozão aqui.
Agora se manda, espoleta, que eu quero conversar com esse loiro.” Fafá falou puxando-
a pelo braço e dando-lhe um tapa na bunda para que seguisse para fora da sacada.

Luísa gritou ultrajada.

“Chato!” Exclamou, mas corou e correu para dentro ao ver que o loiro a olhava sorrindo
de leve.

“Então...” Fabrício se sentou ao lado do namorado, porém com as costas voltadas para a
rua. “O que aconteceu, loiro?”

“Minha mãe me ligou.” Contou após uns segundos de silêncio. “Ela... Ela disse que
estará aqui amanhã. Com meu avô.” Engoliu o choro que quis brotar novamente. “Disse
que é hora de conversarmos. Eu nem acredito que meu avô veio da Inglaterra até aqui. E
estou feliz que ela ligou, mas com um pouco de medo...”

Fabrício se aproximou mais e o abraçou.


“Não fique. Eu sinto que será uma conversa especial.” Garantiu com uma satisfação
sem igual pela possibilidade de mãe e filho fazerem as pazes, maior até do que a que
sentira com seus pais. Sabia como o loiro estava sofrendo por isso naqueles dias, por
mais que ele se fizesse de forte e fingisse que não. Por mais que estivesse ao lado dele.
“Fica tranquilo.”

Esperava que desse tudo certo.

“Eu sei... Tu tem razão. Sei que ela ainda vai demorar um tempo para se acostumar
totalmente, mas... O simples fato de ela querer vir até aqui e conversar é um começo,
não é?” Ergueu o rosto e sorriu para o namorado, acariciando-lhe a mão. “Obrigado por
estar comigo, sempre. Eu-“

“Não agradeça.” Fafá sorriu também. “Eu abri teus olhos, né? Seria sacanagem fazer
isso e me mandar. Eu quero ‘tá ao teu lado pra tudo.”

“Já te chamaram de romântico antes?”

“Já. Bastante.” Sorriu ameno.

“E de exagerado?”

“Tenho quase certeza de que tu já me chamou disso.” Afirmou pensativo.

André concordou.

“Vem.” Fafá o puxou para o quarto, pois estava frio ali fora e os lábios do loiro já
começavam a ficar arroxeados. André o seguiu para dentro e se deitou na cama.
Poderiam colocar um colchão no chão, mas era uma cama de solteiro que, com jeitinho,
permitia que dormissem juntos.

Fafá chaveou a porta e foi se deitar também, ficando de lado com a cabeça apoiada na
mão e o cotovelo no colchão. Sua outra mão fazia carinhos nos cabelos do namorado,
enquanto o olhava. André se acomodara de lado também, olhos fechados apreciando as
carícias. Quando os abriu, olhou para o moreno um tempo, antes de erguer o rosto e
beijá-lo.

Os momentos seguintes rolaram com naturalidade, sem pressa. Apenas seus lábios se
tocando, suas mãos buscando um ao outro. Foram silenciosos para que ninguém os
escutasse, mas isso não fazia com que a intensidade de seus corpos unidos fosse menor.

Pelo contrário, a cumplicidade e carinho apenas cresciam a cada nova experiência.

93 million miles from the sun

People get ready, get ready

Cause here it comes, it's a light

A beautiful light, over the horizon


Into our eyes...

Notas finais do capítulo


Próximo cap. é o extra do Diogo e Henrique! Obrigada a todos que continuam aqui
comigo, nesses últimos capítulos! Beijos!!!

(Cap. 50) Extra Diogo e Henrique


Notas do capítulo
Não betei o capítulo, perdão os erros. Extra dedicado à Jeeh (vai ficar mal-acostumada
essa menina), porque foi uma das que mais pediu por ele, e eu provavelmente não teria
escrito não fosse a insistência dela. KKK Como os outros extras, não altera o
entendimento da história ler este extra, logo, quem quiser ignorar, fique à vontade. :]

Henrique voltou do trabalho exausto. Sua cabeça sempre se enchia das histórias que
escutava no hospital e em seu consultório, e ficava horas ruminando como ajudar aos
seus pacientes, qual seria o melhor tratamento, os melhores conselhos e as melhores
formas de conduzir as entrevistas na próxima vez. Esse era um de seus defeitos – levava
trabalho para casa. Muitos. Mesmo quando não ficava analisando os casos, não
conseguia desligar a mente. Ou raramente conseguia.

Diogo ficava maluco com isso. Ele lhe dava seu espaço, mas se isso se repetia por
muitos dias seguidos, acabavam brigando. Diogo poderia ser chamado de vagabundo,
por não ter um trabalho fixo, mas ele nunca estava parado – fazia e já fizera vários
cursos, administrava a casa, as finanças, cuidava de todos os problemas, malhava,
corria, às vezes saía para tirar fotos para alguma exposição, outras vezes participava da
realização de curtas-metragens, pois tinha muitos amigos na área. Até já atuara em um
ou dois. Diogo era energético, inquieto e exigente.

E doido por sexo.

Henrique também gostava; porém se esgotava demais mentalmente – e também


fisicamente – durante a semana, era difícil manter o ritmo do tatuado. Sempre fora mais
tranquilo que o Diogo. Por sorte, e lhe envergonhava pensar isso, Diogo não estava em
casa quando chegou naquele início de noite, e pôde comer um lanche e sentar no sofá
para descansar e assistir a um pouco de TV.

Só depois de tudo isso ligou para o namorado. Não lhe agradava chamá-lo de marido,
afinal, não haviam casado, e ambos nem queriam isso. Diogo atendeu na terceira
chamada.

“Oi, Dido, onde tu ‘tá? Vai chegar que horas?” Perguntou, esticado no sofá. Estendeu o
braço para alcançar um dos aperitivos que havia cortado – queijo, ovo de codorna,
mortadela em cubos, azeitonas e pepino. Agora queria o namorado ali junto.
“Oi, amor. Eu devo chegar em menos de uma hora. ‘Tava jogando basquete com uns
amigos. Lembra que falei segunda? O jogo tem mais uns quinze ou trinta minutos e aí já
vou pra casa.” Seu tom era mesmo ofegante.

“Tinha esquecido. Ok, até daqui a pouco.” Falou, despedindo-se e então desligando.
Depois se espreguiçou, já com um pouco de sono. Era segunda-feira, até no final de
semana trabalhara, mas agora finalmente tiraria uma semana de folga. Sua cabeça
andava cheia com tantas coisas...! Primeiro, toda a história com o André. Preocupava-se
com o garoto, ele lhe lembrava a si mesmo quando mais novo, mesmo que suas
personalidades fossem diferentes em muitos aspectos. Esperava que tudo estivesse bem
com o loiro, que partira para encontrar o Fabrício mais cedo naquele dia.

Também havia toda a questão da adoção que ele e o Diogo vinham preparando. Já
haviam entrado em contato com várias crianças entre um e três anos, algumas mais.
Henrique se afeiçoou muito por uma menina chamada Cecília. Já Diogo fizera uma
amizade com um garoto extremamente introvertido chamado Vinicius. O tatuado, no
entanto, conseguira o grande feito de arrancar-lhe sorrisos e risadas. Depois de muita
dúvida, decidiram, corajosos, adotar a ambos.

Estava com a cabeça tão cheia de toda a burocracia pela qual haviam passado, e pela
qual ainda passariam, que acabou adormecendo no sofá.

XxxX

Depois de sair do jogo, Diogo decidiu preparar um jantar especial para o namorado.

Decidiu-se por uma que havia aprendido no curso de culinária que havia feito há algum
tempo: lavagante escaldante. A professora cozinheira do curso havia dito que era uma
escolha excelente para uma noite ‘sedutoramente elegante’. Diogo se divertira com
essas aulas, apesar da quantidade de mulheres que davam em cima dele, deixando-o sem
saber muito bem como as dispensar, no fim acabara amigo de todas.

Algumas inclusive haviam aparecido em seu aniversário.

Passou no supermercado, comprou os ingredientes, e então foi para casa. Quando


chegou, sorriu ao ver o psiquiatra apagado no sofá. Ele nem sequer havia desligado a
luz e a televisão! Fez isso por ele, não sem antes dar-lhe um beijo na testa, cuidando
para não acordá-lo. Seguiu então para a cozinha, largou as coisas e depois foi tomar um
banho. Apenas após isso retornou à cozinha e ligou, baixinho, o som e deixou tocar
umas músicas do Aerosmith enquanto começava a preparar o jantar. Não era um dos
maiores fãs de crustáceos e frutos do mar, mas Henrique era apaixonado por todas essas
coisas, então sabia que ele iria gostar.

Henrique acordou por si só, espreguiçando-se e notando que ainda estava no sofá e que
a luz fora apagada. Primeiro pensou em xingar o tatuado por tê-lo deixado dormindo ali,
em vez de acordá-lo para que pudesse tomar um banho e ir para a cama. Depois
percebeu a luz das velas à mesa, que estava arrumada para dois, de maneira elegante –
guardanapos pomposos, taças de champagne e rosas. Acabou rindo pela surpresa, e o
cheiro maravilhoso que vinha da cozinha lhe encheu as narinas.
Diogo apareceu segundos depois, como se houvesse pressentido seu acordar.

“Fome?” Ele perguntou, sorrindo sugestivo ao apoiar-se de braços cruzados à batente da


porta.

Henrique sempre o achava sexy de avental.

“Por que tudo isso?” Perguntou confuso, mas não estava reclamando. Ergueu-se e
caminhou até o tatuado, com um sorriso leve. Diogo estava cheiroso, com roupas
frescas, já ele ainda estava com as roupas sociais do trabalho, agora amassadas, e com
rosto de sono. “Não é nosso aniversário de namoro, nem nenhuma data especial...”

“E só posso cozinhar pro meu namorado em datas especiais?” Diogo perguntou;


segurou-lhe o queixo e o beijou ternamente. “Entenda isso como uma comemoração por
nós dois, e por nossos futuros filhos.”

“Tem razão...! Nem acredito que adotaremos ambos. Mas não havia como não se
afeiçoar pelos dois, havia?”

“É claro que não.” Diogo sentiu um calor gostoso no peito ao ver a felicidade estampada
no rosto do companheiro. Henrique há anos queria ser pai, adorava crianças talvez até
mais do que o Diogo. “Estamos bem de vida, ganhamos com teu salário e as minhas
rendas mais de vinte mil por mês, por que não? E assim eles terão a companhia um do
outro.” Abriu um grande sorriso, tão confiante, tão paizão, que Henrique viu-se sorrindo
também.

“Os papéis estão quase prontos. Amanhã eles liberarão as crianças para irem conosco
visitar tua irmã?”

“Mas é claro! Está tudo arranjado. O que seria dessa família sem mim, certo?” Falou
prepotente, peito estufado.

“Definitivamente uma família mais organizada.” Henrique garantiu, arrancando um


beiço do grandão. Henrique riu e ficou na ponta dos pés para dar um selinho nele. “Mas
certamente uma família menos engraçada. Diogo... Eu vou tomar um banho, depois
jantamos. Me espera por mais uns dez minutos?” Perguntou, com a mão sobre a
bochecha do tatuado.

“Te esperaria por uma vida.” Diogo replicou, galante.

“Não estou pedindo por tanto.” Henrique revirou os olhos, sorrindo, e foi tomar um
banho.

Diogo tamborilou os dedos impacientes sobre a mesa, enquanto esperava. Disse que
esperaria uma vida, mas depois de vinte minutos não aguentava mais. Felizmente
Henrique apareceu pouco depois disso. Diogo sabia desde o início que ele demoraria
mais de dez minutos. Sorriu para o namorado. Achava-o tão lindo – aqueles cabelos
compridos, negros e lustrosos. O nariz fino e comprido, mas delicado. Os lábios
carnudos que chegavam a formar um beiço pequeno, perfeito para morder.
Henrique tinha uma beleza delicada e aristocrática, enquanto Diogo tinha uma beleza
feroz, mais bruta. Henrique era esguio, mas não era baixo. Diogo era um tanto mais alto,
porém musculoso, todo trabalhado. Henrique era calmo e cuidadoso com as palavras;
Diogo, explosivo e impulsivo, falava o que lhe vinha à mente, geralmente
extravagâncias. Eram opostos em tantas coisas, mas funcionavam melhor do que muitos
casais, talvez porque ambos houvessem aprendido a ceder no momento certo.

“Prepare-se para provar do resultado de minhas aulas de culinária.” Diogo provocou e


buscou o lavagante, que ficara de fato muito bonito e cheiroso. “Já andei pesquisando
umas receitas pra criançada.”

“Tu já cozinhava muito bem, nem precisava ter feito de curso algum.” Henrique falou, e
sua boca salivou com a visão do jantar. “E não vá inventar de ficar preparando porcarias
para as crianças, temos de educá-las desde pequenas a se alimentar adequadament-“

“Ah, não comece esse papo sério tão cedo. Eu sei disso, vamos mantê-las longe de
refrigerantes.”

Diogo serviu o champagne, e os dois brindaram.

“Por uma vida juntos.” Disse romântico, inclinado para perto do namorado. Estava
sentado na ponta da mesa, Henrique no assento mais próximo. “Sem que tu invente de ir
estudar no exterior novamente. Ainda mais depois da adoção.”

“Não pretendo.” Henrique riu, corado. Há tempos não corava, mas todo aquele clima de
jantar romântico e o Diogo o olhando daquela maneira sedutora causavam-lhe uma
impressão. “A não ser que apareça algum curso interessante. Mas dessa vez eu levaria
vocês comigo.“

“Rezemos para que nada apareça.” Diogo pediu e sorriu ao som dos risos do outro. “E
como acha que vai ser? Só temos um quarto sobrando, e deixar duas crianças no mesmo
quarto é jogar faíscas no palheiro... Talvez devêssemos nos mudar. Esse bairro anda
mesmo ficando mais perigoso.”

“Lembra que havíamos pensado em nos mudar para um bairro e casa melhor quando eu
retornei dos Estados Unidos?” Henrique o recordou.

“Então está decidido. Assim que tudo estiver certo, começaremos a procurar uma casa
junto com as crianças.” Diogo segurou a mão do psiquiatra, que concordo retribuindo o
gesto com um aperto emocionado.

Começaram a jantar, conversando sobre o futuro. Henrique ria das bobagens do


namorado em alguns momentos. Beberam quase todo champagne e não sobrou nada do
lavagante. Henrique estava leve após terminar, era ótimo terem resolvido aquela questão
da adoção, que parecia prestes a se concretizar, já que haviam conseguido liberação da
justiça para tal; sem contar que poder conversar de maneira leve e descontraída com o
tatuado era sempre o suficiente para erguer-lhe o humor cansado do trabalho.

“O que quer fazer agora?” Diogo perguntou quando terminaram, seu tom tornando-se
naturalmente lascivo; parecia estar se segurando até agora.
Henrique se levantou, querendo recolher a mesa.

“Melhor ajeitar isso-“ Disse, mas Diogo se levantou também e afastou suas mãos na
mesa. Mal teve tempo de olhá-lo antes de ser beijado de maneira intensa. Ofegou e foi
abraçado, erguido pelos braços do namorado.

Ele o levou para o quarto enquanto se beijavam.

Assim que o largou na cama, abriu-lhe a camiseta, praticamente a rasgando. Ficara


tempo demais sem se banquetear naquele corpo – dias! –, seus instintos estavam
fulminando seus sentidos, principalmente o tato, e o sangue corria veloz, já querendo se
concentrar em um lugar em especial. Henrique segurou-lhe a nuca, beijando-o quando
Diogo começou a deitar-se sobre si.

Diogo se afastou apenas para se livrar das roupas de cima, arrancando-as com
impaciência. Depois puxou o menor pelas coxas, arrastando-o alguns centímetros pela
cama. Sorriu predatório ao ver o outro naquela posição vulnerável, os cabelos negros
espalhados pelo colchão, e lhe acariciou o abdômen, descendo até a calça, tocando-o até
senti-lo duro. Henrique gemeu leve, inspirando pela boca.

Mas não deu tempo ao tatuado.

Inverteu as posições e fez o mesmo caminho que Diogo havia feito, beijando cada um
dos músculos bem proporcionados do maior. Diogo tapou os olhos com o braço tatuado,
puxando o ar quando Henrique puxou-lhe a ereção para fora das calças, abocanhando-o
tão logo deu-lhe liberdade. Minutos de puro prazer. Diogo sentira falta daquela boca,
sempre sentia. Henrique fora a um congresso de psiquiatria nos Estados Unidos durante
três dias, e voltara cansado na quarta-feira à noite. Somente agora parecia disposto.
Aprender a cozinhar realmente tinha seus benefícios.

Diogo sentiu um peso sobre seu quadril e unhas curtas arranhando seu tórax. Tirou a
mão dos olhos, abrindo-os e vendo Henrique sentado sobre si, cabelos soltos, camisa
aberta e um olhar diferente do de antes, que brilhava no escuro. Ele se inclinou e o
beijou sensualmente, ainda o arranhando, agora mais forte.

“Ainda não agradeci pelo jantar.” Sussurrou, descendo os lábios para o pescoço do
tatuado, agora apertando-lhe os braços musculosos e afundando as unhas na tatuagem
tribal. Diogo sorriu safado – bendito dia em que olhara um anúncio sobre curso de
culinária! – e subiu as mãos pelas coxas do namorado, conseguindo um suspiro suave.
Tão sexy... Irritou-se com aquela calça em seu caminho.

Girou o corpo, aprisionando o corpo menor sobre o seu e aprofundando o beijo que
recebera. Com um som que mais pareceu um rosnado, puxou as calças dele para baixo,
e depois se ajoelhou, puxando-as até livrar aquelas pernas por completo. Nem esperou,
afundou o rosto entre as coxas do namorado, beijando-o sobre a cueca, mordendo-o na
virilha, apertando-lhe a cintura magra com força antes de puxar também a cueca.

Henrique gemeu baixinho, dobrando as pernas e puxando os cabelos do namorado.


Quando Diogo acomodou seu pênis no fundo da garganta, jogou a cabeça para trás,
ofegante, e enlaçou com as pernas o pescoço do tatuado, mordendo os lábios,
fraquejando frente àquele prazer quente. Diogo o segurou e se ajoelhou, sem soltá-lo,
erguendo-lhe o quadril até que apenas a região cervical das costas do menor encostasse-
se à cama, e continuou chupando-o, enquanto seu polegar começava a explorar a região
sensível entre as nádegas pequenas, mas firmes do psiquiatra.

Henrique puxou os próprios cabelos, respirando mal, não somente pela posição, os
suspiros também atrapalhavam o caminho do ar, ainda mais quando Diogo segurou-lhe
a base das coxas e as afastou, descendo a língua pelo períneo e a insinuando pela fenda
sensível. Diogo deixou uma coxa sobre o ombro e o penetrou também com um dedo,
pressionando a próstata de primeira – anos com o mesmo parceiro garantiram que
soubesse todos os pontos fracos, e tudo que precisava fazer para dar a ele o máximo de
prazer.

Henrique abafou o grito, e gemeu o nome do namorado.

Diogo só parou quando Henrique gozou, por mais que este houvesse avisado que iria
acontecer, não se importou, pressionou mais a próstata e o chupou até ouvir o gemido
mais longo do outro. Depois o virou de bruços na cama, cobrindo-o com o corpo, sua
mão puxando os cabelos longos do menor, para morder-lhe o pescoço. Henrique ofegou
baixo, lábios entreabertos e olhos fechados. Sentiu a barba do maior roçando em suas
costas, arrepiando-o de cima abaixo, principalmente ao roçar em sua nuca e ombros.

“Sentiu falta disso...? Sentiu falta de te entregar a mim desse jeito?” Murmurou
mordendo a orelha do psiquiatra e alcançando o lubrificante na cômoda.

“Acho que sabemos quem mais sentiu falta aqui...” Henrique replicou, mas olhou
confuso para o outro ao ser erguido da cama. No instante seguinte, suas costas batiam
com força contra a parede do quarto, e suas pernas circundavam a cintura do namorado.
Forte como era, Diogo conseguia segurá-lo com apenas uma mão em sua bunda. Seus
pulsos acabaram também pressionados contra a parede, acima de sua cabeça.

Abriu os lábios em um gemido que pegou carona com o ar que escapou de seus pulmões
ao ser penetrado com um único golpe, todo aquele corpo poderoso do tatuado o
dominando com facilidade e o tomando com vigor. Diogo sorriu como a fera que
captura sua presa e o beijou, estocando forte. Henrique gritou abafado, seus dedos
inquietos querendo tocar o parceiro, mas impossibilitados. Empurrou o quadril para
frente, pra receber o namorado mais profundamente, e pôde escutá-lo soltar mais um
daqueles gemidos graves que mais se pareciam com rosnados de um animal.

Os sons dos gemidos e do baque entre os corpos reverberavam pelo quarto, as


respirações eram audíveis e jogavam-se naquela mistura. Henrique escorreu as mãos
pelas costas do tatuado, sentindo o suor quente brotando da pele amorenada. Diogo
pareceu entrar ainda mais fundo no meio de seus quadris, mergulhando a língua em sua
boca e o deixando sem ar. Contorceu-se querendo soltar os pulsos, e sentiu o outro
afastar os lábios. Quando abriu as pálpebras, os olhos do tatuado pareciam dois poços
negros observando-o.

“Eu poderia fazer isso a noite toda.” Diogo sussurrou rouco, excitado, e Henrique não
duvidava. Diogo finalmente soltou-lhe os pulsos e espalmou a mão na parede,
movendo-se ainda mais forte, saindo quase por completo, e voltando a afundar tudo no
corpo menor, que era comprimido contra parede a cada estocada. Henrique agarrou os
cabelos do tatuado próximos da nuca, deixando sua testa encostar-se à dele, ofegante,
concentrando-se na arrebatadora sensação que aquela dominação proporcionava.

Diogo o tirou da parede e voltou para a cama, jogando-o ali e, mantendo os pés no chão.
Ele dobrou o corpo e apoiou as mãos sobre o colchão, seu rosto na altura do de
Henrique, e o tomou de novo, dessa vez deixando que o psiquiatra o abraçasse com as
pernas. Henrique abraçou a cabeça do namorado quando a boca faminta dele saboreou-
lhe a pele, sugando-lhe o mamilo. Seu corpo arqueava a cada beijo e mordida. Gostava
de ser tomado com aquela fúria, sentir-se desejado, perder-se na lasciva do tatuado.

Diogo subiu mais na cama, levando-o junto. Seu quadril batia nas nádegas do outro, e
ofegos roucos deixavam os lábios de ambos, entre os beijos. Diogo, impaciente,
cansava-se rápido de cada posição, ansiava por todas. Novamente se afastou e, um tanto
bruto, virou o psiquiatra, o colocando de quatro. Apenas admirou o bumbum arrebitado
e a fenda alargada por um breve momento, apertando-o com vontade na cintura.

Henrique abaixou a cabeça, gemendo baixo, seus cabelos lhe tapavam a visão, mas
olhou por cima do ombro, arfante, buscando pelo namorado.

“Mais, Diogo... Coloca tudo dentro de mim.” Balbuciou empinando mais o quadril. É,
Henrique aprendera que falar durante o sexo excitava e muito o tatuado, com o tempo,
perdera as inibições. Às vezes, até mesmo falava algumas perversões safadas. Diogo
incendiou e endureceu ainda mais com o pedido sensual, seu falo latejando. Afastou
mais as coxas do psiquiatra, passando a língua nos lábios. Puxou Henrique pelos
cabelos, quase o colocando apenas de joelhos, e mordeu o pescoço alvo, voltando a
penetrá-lo com uma estocada forte e profunda, que atingia em cheio a próstata do de
cabelos longos.

Henrique gritou, sequer percebia a dor que vinha do puxão forte nos cabelos, apenas
ergueu o braço e enlaçou o pescoço do Diogo, enquanto a outra mão ia para a cintura
dele e o puxava, atraindo-o para mais fundo dentro de si. Diogo perdia-se no prazer,
mergulhava-se nas sensações devastadoras, abraçava e ofegava abrasivo, não deixava
nada atrapalhar o momento. Entregava-se inteiramente – uma característica de sua
personalidade intensa.

Aqueles sentimentos que os conectavam às vezes pareciam mais do que poderiam


aguentar, afogava-os, matava-os com o prazer. Seus corpos unidos, as peles resvalando
com o suor, o quarto enchendo-se com os sons mais carnais, a maneira como Diogo
segurava Henrique, como se apenas aquilo lhe bastasse... De olhos fechados, para
ambos, aquele momento sempre poderia ser descrito como único, mesmo que se
repetisse, das mais variadas formas, no rolar das semanas, dos meses e dos anos que
partilharam e pretendiam continuar partilhando, juntos.

Henrique virou o rosto e beijou o namorado, os espasmos do prazer o alcançando num


frenesi violento, junto com uma contratura intensa, porém gostosa dos músculos.
Quebrou bruscamente o beijo ao gritar com o prazer, sentindo a mão do maior o
estimulando também pela frente para lhe enlouquecer de vez. O clímax veio intenso,
deixando-o tonto, e não muito depois Diogo derramou-se também, abraçando-o com
mais força, quase o sufocando com aqueles braços fortes ao redor de sua cintura, o rosto
afundado entre os cabelos de sua nuca.

Diogo foi dominado por aquele prazer forte, diferente dos que havia experimentado
antes de conhecer o Henrique. Continuou o abraçando por alguns segundos, não
desejando nada além disso, enquanto recuperava o fôlego. O beijou entre os cabelos
bagunçados, acariciando o corpo esbelto que tanto lhe atraía naquela cumplicidade da
qual, acreditava, nunca cansaria, pois continuava tão apaixonado quanto no início da
relação, talvez até mais.

Henrique afagava seus antebraços, a cabeça apoiada a seu peito.

Deitaram na cama depois, acariciando um ao outro. Diogo sorria satisfeito, mostrando


os dentes de caninos afiados, e Henrique retribuía com um sorriso leve ao roçar os
dedos na barba dele, enquanto o coração aos poucos suavizava o ritmo alucinado.
Aproximaram-se um do outro, buscando maior conforto, e Henrique beijou a testa do
tatuado, que sempre ficava bastante carente e dengoso depois do sexo.

“Hoje tu pareceu mais descontrolado que o normal.” Henrique comentou com um


bocejo quando foi abraçado, e o Diogo descansou a cabeça sobre seu peito. “Lembro
que era geralmente assim quando ia para os Estados Unidos me visitar.”

“Está dizendo que eu andava mais molenga nos últimos meses?” Diogo perguntou
insatisfeito, e o psiquiatra riu, afagando-lhe a nuca.

“Não! É apenas essa sensação... Como se tivesse de aproveitar ao máximo, porque não
terá depois, por um tempo.” Tentou explicar, apesar de não encontrar as palavras exatas,
até porque estava com sono e era difícil pensar assim. “É mais selvagem.”

Diogo riu nasalado.

“Vou me decidir se tomo isso como um elogio ao não. Daqui uns quinze minutos,
quando repetirmos a dose.” Murmurou.

“Repetir? Dido, estou exausto... Trabalhei o dia inteiro e... Foi bem intenso agora.”
Falou com cuidado, e bocejou meio entorpecido pelo orgasmo. “Me conte amanhã...”

“Henrique...? Môzi?” Diogo chamou erguendo a cabeça, mas viu que o namorado caíra
em sono profundo tão logo terminara de falar. Talvez uns anos atrás o acordasse, mas
sabia que ele ainda deveria estar exausto da semana pesada. Acomodou-se melhor na
cama, mantendo-o junto a si, e ficou acariciando os cabelos negros e sedosos dele até
cair no sono também, jurando que tentaria ao máximo não sobrecarregá-lo quando
adotassem as crianças.

Maldita profissão, deveria tê-lo convencido a largar o curso comigo todos aqueles anos
atrás. Ainda mais agora que teremos dois pestinhas para nos sugar as energias. Foi seu
último pensamento da noite.

Terça-feira pela manhã, pegaram as crianças no orfanato e rumaram para se juntar à


família. Diogo sabia que apanharia de Isadora quando chegasse, por demorar tanto
tempo para aparecer, mas definitivamente os lindos rostinhos de Vinicius e Cecília, seus
filhos, amoleceriam o coração da irmã.

Notas finais do capítulo


Sim, é basicamente um lemon, afinal, era o que mais me pediram pra escrever dos dois.
IAJAOIUAHAIO obrigada a quem leu. Até o próximo. Obs.: Não pesquisei nada sobre
adoção de crianças por casais homossexuais por pura preguiça. Se algo não estiver de
acordo com a realidade, relaxem, e tomem como ficção. ;* Obs2: Responderei todas as
reviews antes de postar o próximo capítulo!

(Cap. 51) A cumplicidade das estrelas


Notas do capítulo
Música do capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=1iYUQW6RovY

Diogo se espreguiçou assim que saiu do carro. Dirigir por todas aquelas horas sempre o
deixava todo rígido. Estou ficando velho, pensou consternado no auge de seus 35 anos.
Vivera naquela mesma cidade até ir para Porto Alegre, tentar entrar na faculdade.
Parecia que fora há pouco tempo que isso acontecera, as memórias eram vívidas.
Lembrava-se dos amigos de infância, das brincadeiras, das implicâncias mútuas com a
irmã, principalmente quando ela e Lucas começaram a se engraçar, no início da
adolescência, e ele, cinco anos mais novo, não poderia perder a chance de deixá-la
constrangida e irritada.

Ótimas memórias. Sim, eram essas que queira cultivar, junto com as novas, para
carregar ao longo da vida. Com um sorriso, ergueu os óculos escuros enquanto Sascha
saltava do carro correndo para próximo de seus pés, abanando o rabo e o olhando como
se lhe perguntasse o que fariam em seguir, naquele lugar novo, e Henrique abria a porta
de trás para pegar a menina Cecília. Haviam conseguido convencer o orfanato a deixá-
los vir junto, para um passeio. Conheceriam, assim, sua família. Os papéis da adoção já
estavam em andamento há algum tempo, já era certeza de que aqueles dois eram seus
filhos.

Cecília tinha apenas dois aninhos. Já Vinícius tinha seis, mas era tímido e desceu
cuidadosamente do carro, com Cherry em seus braços, espiando ao redor antes de mirar
o tatuado com olhos inocentes e inseguros. Incrivelmente, Cherry havia permitido a
aproximação do garotinho sem qualquer resistência. Diogo prontamente o pegou no
colo, a gata indo junto. Ou melhor, o jogou no ombro. De delicado, o grandão não tinha
nada, e Cherry chiou pulando para o chão, como se o xingasse.

“Pronto para conhecer teus tios e primos, gurizinho?”

“N-Não...” Ele murmurou sobre o ombro do maior, parecendo-se com uma maria-mole,
já que sequer se moveu para protestar aquela posição em que fora tiranamente colocado.
“Não tenha medo. Eles vão gostar de ti, assim como eu e o Henrique gostamos!” Diogo
assegurou em seu natural tom forte e afável que transmitia confiança.

Vinícius estremeceu, mas não falou mais nada. Não sabia como eles poderiam ter
gostado de si. Era quietinho, tímido e assustado. Todas as outras crianças sempre
chamavam mais atenção, sorriam e brincavam, falavam fofuras e encantavam os
adultos. Vinícius tinha medo dos adultos, mas quando o Henrique se aproximou para
conversar, no orfanato, sentira uma estranha calma, uma sensação de pegar sol em um
gramado florido e cheiroso num dia fresco; apesar de olhar para baixo e torcer as mãos
durante toda a conversa, elas não tremiam como geralmente acontecia. Com Diogo era
ainda mais estranho, pois ele estava sempre sorrindo e falando alto, brincava, falava
coisas engraçadas. Chegara até mesmo a rir de algumas brincadeiras!

Henrique se aproximou com uma Cecília adormecida no colo. A menina não parara
quieta um segundo durante quase toda a viagem, apesar de ter ficado sentada em um
banco especial para crianças. Falava e falava, e falava mais um pouco, às vezes, parecia
falar consigo mesma, e se distraía com a boneca de pano que era sua amiga inseparável,
presente de uma das funcionárias do orfanato. Mas o cansaço finalmente a atingira.

Quem os viu do lado de dentro e apareceu primeiro para cumprimentar, foi o Fabrício.
Estavam tomando café da manhã, apesar de já serem dez horas passadas. Ele os
cumprimentou com um largo sorriso. Sua saída da confeitaria atraiu os que estavam do
lado de dentro.

“E quem são os moleques?!” Perguntou, e com isso Vinícius se abraçou ao pescoço do


tatuado, escondendo o rosto ali, extremamente tímido. Diogo deu-lhe um tapinha nas
costas.

“Hei, não fique assim, pequeno. Cumprimente teu primo!” O incentivou. Vinícius,
relutante, espiou o moreno. Seus olhos verde-água piscaram, antes que ele voltasse a se
esconder. Diogo riu, com um carinho na nuca do filho. “Ele está tímido.” Explicou.

“Vinícius tinha dificuldade de relacionamento no orfanato. Ele não costuma falar muito,
mas é um bom menino, comportado e educado.” Henrique falou. Era sempre bom
elogiar e incentivar o lado positivo das crianças, pois isto as deixava mais confiantes.

“Ah é? Mas ele irá se soltar. Tenho certeza que a Luísa ajudará com isso.” Fafá
comentou, já que a irmã não costumava dar moleza pra moleque nenhum. “Mas e esse
carrão, huh? Compraram carro novo agora que a família cresceu?”

“Na verdade, compramos carro novo para nosso sobrinho favorito.” Diogo colocou uma
mão sobre o ombro do mais novo. “É seu! Achamos que já estava na hora do marmanjo
ter o próprio carro.”

“Quando tu passou em medicina, não lhe demos nada em especial. Considere isso um
presente atrasado, pelo teu esforço.” Henrique parou ao lado do namorado, sorrindo
leve.

Fabrício ficou boquiaberto, era um carro novo e deveria ter custado uma fortuna. André
saíra da confeitaria a tempo de presenciar a cena. Teve de se aproximar do namorado e
dar-lhe um tapão nas costas para que ele tivesse alguma reação. Fabrício soltou ar,
voltando a respirar. Mal acreditava naquilo. Como nunca fora de se dar por rogado e
adorava presentes, não iniciou nenhum papo como ‘ah, vocês não deveriam!’ ou ‘não
posso aceitar!’.

“Eu nem sei como agradecer!” Exclamou no lugar, e os abraçou ao mesmo tempo,
mesmo que ambos estivessem com as crianças no colo. Vinícius se encolheu ainda
mais, mas não disse nada. Fabrício quase tirou os dois do chão.

Cecília acordou, e o moreno deu um beijo na menina.

“Que guriazinha mais linda!” Exclamou, contagiado pelo bom humor. A menina riu,
nada envergonhada. Pelo contrário, acordada, pareceu extremamente interessada
naquele monte de pessoas novas.

Isadora e Lucas apareciam também naquele momento.

“Que história é essa de mimar meu filho sem minha permissão?!” Isa quis saber,
enquanto Luísa disparava para fora da padaria com metade de um bolinho para fora da
boca.

“Titios!” Ela exclamou de boca cheia, e abraçou as pernas deles. Olhou para cima. “É
verdade que terei priminhos agora? São eles?”

Vinícius continuava escondendo o rosto, e Cecília olhou com curiosidade para a, agora,
prima, esfregando os olhos ainda com resquícios de sonolência. Não queria perder
nenhum detalhe.

“Sim, é sim.” Henrique se ajoelhou parcialmente. “Está e a Cecília. Cecília, esta é a


Luísa, sua prima.”

Luísa olhou para a menina de dois anos. Ela tinha cachinhos negros e olhos azuis muito
escuros, a pele branquinha. Arregalou os olhos, surpresa, e olhou para o Fabrício.

“Mano, acho que ela também vai ter asas e voar algum dia!” Falou com aquela
inocência interiorana que carregava. Fabrício gargalhou, depois pegou a irmã no colo,
levando-a para mostrar o carro novo, chamando-a novamente de Maria Gasolina.

Os outros se cumprimentaram, com abraços demorados. Isadora pegou Vinícius no colo


apesar da timidez do menino. Ele, no entanto, aceitou quando ela lhe ofereceu alguns
doces, já do lado de dentro da confeitaria. Comeu um pequeno bolo de chocolate de
uma forma muito calma e compenetrada.

André olhou para cada uma das cenas, sentindo algo inexplicável, e soltou uma espécie
de risada pelo nariz, enquanto se ajoelhava para acariciar a cabeçorra de Sascha, que lhe
exigia carinhos desde que o vira.

Sentia-se simplesmente sortudo por estar naquela família. Mesmo quando Cherry se
aproximou e lhe arranhou um braço, como se estivesse, surpreendentemente, com certo
ciúmes do labrador.
XxxX

Sentados em roda no Parque do Vale, próximos do lago onde Fafá e André costumavam
se atirar quando menores, os adultos conversavam compartilhando duas cuias para o
chimarrão enquanto as crianças brincavam próximas, na grama, junto com os bichinhos
de estimação.

Vez ou outra Cecília ou Luísa corriam para perto deles para contar alguma coisa que
haviam feito, ou perguntar dúvidas existenciais infantis. Vinícius estava sentado na
caixa de areia da pracinha, tentando montar castelos de areia, ainda que Sascha às vezes
se aproximasse e os derrubasse com o focinho, pulando ao redor do menino quando o
atrapalhava; talvez achasse que essa era a brincadeira - Vinícius construía para ele
destruir.

Fabrício, sentado ao lado do namorado, acariciou a cabeça de Cherry quando ela se


aproximou e deliberadamente pulou para seu colo. Ela olhou feio para o André, como se
dissesse que era o seu momento do dia de ter o moreno dando atenção apenas para ela.
André achou mais seguro soltar a mão do namorado, enquanto tentava não se
constranger demais pelo fato de a conversa ser sobre ele e o Fabrício.

“Aí o meu querido filho, tapadinho como sempre, não percebeu que já sabíamos sobre
esse namoro, e apenas queríamos uma confirmação.” Isadora contou ao irmão e
cunhado. “Tivemos que praticamente arrancar a informação dele.”

Diogo gargalhou.

“E ele todo preocupado antes de vir para cá...”

Fabrício sorria pelo canto da boca, aceitando os deboches.

“Não é minha culpa se tu é um boca grande que contou antes que eu tivesse a chance.
Eu deveria jogar a Cherry em cima de ti, vamos ver como tu lidaria com isso.”
Defendeu-se mesmo assim, passando o braço pelos ombros do namorado.

“Eu provavelmente não sobreviveria, ou perderia meus olhos. E, que fique bem claro,
eu não contei absolutamente nada. Não me culpe por vocês dois serem extremamente
óbvios. Fabrício só falta sorrir mais que a cara ao falar do André, e o André não
consegue ficar cinco minutos sem corar perto do Fabrício.” Diogo deixou bem claro.

André, embaraçado, ruborizou suavemente.

“Isso não é verdade! Eu sempre disfarcei muito bem.” Afirmou, colocando um braço
sobre o encosto do banco em que sentava com o moreno.

“Tão bem que até o papa perceberia.” Diogo implicou.

“Ora, quando se está apaixonado, é impossível disfarçar.” Isadora explicou


didaticamente, apenas conseguindo constranger mais o genro. Ela, no entanto, sequer
percebeu. “Eu estou muito feliz por meu filho, eu, aliás, nunca gostei muito daquela
Thaís.”
“Mãe.” Fafá revirou os olhos. “Até hoje com implicância com a menina?”

De uma forma um tanto ciumenta, André adorou saber que a Isadora não gostava da ex-
namorada do filho. Acabou abrindo um sorriso torto bastante satisfeito, sem conseguir
se controlar.

“Ela era uma chata! Vivia reclamando dos teus amigos e até da Luísa.” Isadora fungou.
Não estava mentindo, no entanto, era a Luísa que era, na época, um monstrinho
ciumento que implicava com a outra mulher que ‘invadira’ sua casa e tomara seu posto
nas atenções do irmão.

“Eu gostava da menina.” Henrique comentou. “Mas isso não interessa, pois todos
gostamos do André, e sabemos que é ele quem faz nosso querido Fabrício feliz.”

“É ele quem deixa meu sobrinho mais doido do que já é.” Diogo complementou. “E é
melhor nem perguntarmos os métodos!”

André poderia morrer com aquela conversa. Era constrangedor demais.

“Obrigado.” Coçou a parte de trás da cabeça, empurrando a cabeça do namorado


quando este fez biquinho de peixe e tentou lhe dar uns beijinhos, pura implicância. E o
mandando calar a boca quanto ele tentou comentar sobre certa fantasia de bombeiro... O
moreno riu, apenas ameaçara para ver o loiro desesperado, jamais contaria aquilo para
os pais e tios.

“Vocês estão constrangendo o garoto.” Lucas apontou. Era mais perceptivo que o
próprio filho. “Desse jeito, ele nunca mais vai querer voltar aqui.”

“Mas é nosso passatempo favorito!” Diogo reclamou, pegando a cuia do chimarrão da


mão da irmã. “Com o tempo ele se acostuma. Nós estamos pegando leve no início, mas
vamos aumentando o nível com o tempo.”

“Vocês pegaram leve até agora?!” André exclamou, e deu um pulo quando Cherry chiou
e tentou arranhá-lo, pelo susto que levou com o tom de voz elevado do loiro.

Aquilo arrancou risadas de todos. E a tarde seguiu tranquila. Fafá e André saíram para
caminhar e brincar com as crianças. Fabrício as pegava no colo, girava no ar, e
brincavam de pega-pega, esconde-esconde e bobinho. Vinícius sumiu numa dessas, e
demoraram meia hora para o encontrar escondido no alto de uma árvore, brincando com
um bonequinho de super-herói.

Ninguém sabia como ele havia conseguido subir até ali sozinho, mas o Diogo se encheu
de orgulho das habilidades do filho, enquanto Henrique se desesperava com a
possibilidade de ele ter caído lá de cima.

Mais tarde, o casal de namorados encontrou-se com os amigos. Fabrício e eles


decidiram relembrar a época em que eram uma banda e combinaram de tocar juntos
naquela noite.
Apesar de a cidade ser pequena, ela possuía um barzinho que os jovens costumavam
frequentar. Fora ali que Fabrício e os outros começaram a tocar pela primeira vez. O
lugar, de uma maneira muito criativa, era chamado de O Pub. André não se lembrava do
recinto, talvez porque quando pequeno nunca, obviamente, o houvesse frequentado.
Ficara acompanhado da Juliana, três amigas da garota, e conhecidos dos rapazes que,
agora, tocavam no pequeno palco – Fabrício no vocal.

André revirava os olhos para os murmúrios excitados e débeis das meninas, com
algumas fisgadas de ciúmes na boca do estômago quando elas se referiam ao seu
namorado. Ai, como é lindo. Ai, ele canta tão bem. Ai, é tão sexy! Ai, aqueles braços...
Fato que o loiro não discordava dos elogios, mas batia o pé no chão, tentando manter a
parcimônia quando eles eram dirigidos para seu namorado – já que a calma já se
despedira daquele corpo há muito tempo.

O jeito era prestar atenção no moreno, que cantara músicas brasileiras clássicas, como
Eduardo e Mônica, faroeste caboclo, eu nascia há dez mil anos atrás, era um garoto, às
internacionais modinhas do momento, ou mesmo algumas clássicas do rock. Era uma
grande diversidade e, na maioria das vezes, era alguém da plateia que pedia por alguma,
para matar a saudades das apresentações dos garotos, já que, até dois anos atrás, eles
tocavam com frequência ali.

“Então, André...” Juliana lhe chamou a atenção. Nem ela parecia aturar as crises de
tietes das amigas e meninas próximas. “O Fabrício me contou sobre vocês dois.”

O loiro se engasgou, tossindo três vezes antes de conseguir olhá-la meio boquiaberto.
Não sabia o que dizer, ou esperar. Entrou na defensiva, apenas aguardando. Juliana
suspirou, impaciente.

“Não me olhe assim todo antipático. Eu nunca julgaria alguém por algo assim. Posso ter
uma boca podre e sempre ter um palavrão na ponta da língua, mas jamais usaria meu
rico repertório para as pessoas que eu amo. Ok, usaria, mas não por causa disso. Eu só
quero dizer que estou torcendo por vocês... O Fafá ‘tá sempre com aquele humor lindo
dele, mas ele parece ainda mais feliz do que já é, aquele pateta, e isso é mais que o
suficiente para mim.” Falou, olhando com carinho para o primo no palco.

André inconscientemente relaxou, mal percebera que havia ficado tão tenso. Acabou
olhando para o namorado também. Ele começara a cantar uma canção pedida por uma
menina da plateia, que estava acompanhada do namorado – All of me, John Legend. A
voz do moreno era tão envolvente, que praticamente todos no lugar começaram a se
embalar, e os namorados se achegaram, alguns trocaram beijos.

Fabrício retribuiu ao olhar do namorado no momento do refrão, abrindo um sorriso leve,


gostoso, contagiante.

‘Cause all of me
Loves all of you
Love your curves and all your edges
All your perfect imperfections
Give your all to me
I’ll give my all to you
You’re my end and my beginning
Even when I lose I’m winning
‘Cause I give you all, all of me
And you give me all, all of you

André sentiu o coração acelerar.

“É o suficiente para mim também...” O loiro murmurou, sem saber se a Juliana o havia
escutado. Não conseguia desviar o olhar do namorado, seu peito parecia
transbordar,carregando sentimentos mais fortes do que o que conseguia tolerar. De
repente, sentiu vontade de verter algumas lágrimas.

Sensível.

Era como se encontrava, já há alguns dias, por mais que tentasse mostrar-se forte. Sua
mãe lhe ligara no dia anterior, mas não aparecera até agora, e já era tarde. Passar o dia
com Diogo e Rique, ouvindo as histórias e bobagens deles, vendo as crianças brincando,
e depois curtindo o namorado e os amigos, foi ótimo, mas a espera pela chegada de
Cíntia e o avô não lhe saía completamente da cabeça.

How many times do I have to tell you


Even when you’re crying you’re beautiful too
The world is beating you down, I’m around through every move
You’re my downfall, you’re my muse
My worst distraction, my rhythm and blues
I can’t stop singing, it’s ringing, in my head for you

Fabrício ficou levemente mais sério enquanto cantava, talvez percebendo a discreta
mudança de humor do loiro, seus olhos azuis brilhantes, a forma como respirou fundo
para segurar as emoções. Ele repetiu o refrão, chegando ao final da música e colocando
mais ênfase em cada palavra, levando às garotas de antes a suspirarem apaixonadas.

Os lábios do loiro tremeram de leve, e ele tentou se acalmar, antes que acabasse mesmo
derrubando algumas lágrimas e tivesse de dar explicações quanto a isso. Nesse
momento, sentiu uma mão pousar em seu ombro, com um aperto suave.

“He’s a pretty good singer.” [Ele é um ótimo cantor] Ele identificou o timbre rouco,
mas agradável de seu avô, apesar dos sons do lugar. “There’s no doubt he loves you, I
can tell just by the way he looks at you.” [Não há dúvidas de que ele te ama, eu posso
dizer apenas pela maneira com que ele te olha]

André se virou rápido, deparando-se com Isaac Ellen. Era um homem de 68 anos, de
cabelos brancos com profundas entradas, rugas pontuais e um olhar azul claríssimo,
mais do que os do neto, e que colocaria inveja em qualquer pedra preciosa. Seu sorriso
leve era tão aconchegante quanto uma coberta e um chocolate quente em um dia de frio.
Havia algo sobre ele que transmitia carinho, conforto e sabedoria, e André sentiu uma
enorme calma atingi-lo – junto a uma nova espécie de emoção, ainda mais forte do que
a anterior – ao ver o avô.
As estúpidas lágrimas caíram de vez, antes que pudesse piscar, e no instante seguinte já
abraçava o mais velho, que lhe retribuiu com um carinho nos cabelos. Era levemente
mais alto que o avô, mas acabou por sentir-se ainda assim como uma criança que havia
se perdido, mas agora reencontrava alguém familiar.

“I thought you wouldn’t come.” [Achei que não viria] Murmurou, abaixando a cabeça.
“I’m sorry for every stupid thing I said last time we saw each other, I used to be such an
idiot.” [Me desculpa por tudo que eu disse da última vez que nos vimos, eu costumava
ser tão idiota]

“It’s alright. I would never stop loving my grandson, no matter what.” [Tudo bem. Eu
nunca deixaria de amar o meu neto, não importa o motivo] Isaac garantiu, com um
grande significado por trás daquelas palavras.

André sorriu, com um calor bom e relaxante nascendo no peito, e se afastou fungando e
limpando as lágrimas.

“Despite my desire to stay here and hear your boyfriend sing some other songs, there’s
someone outside that really want to see you, but is afraid you may hate her right now e
don’t want to see her.” [Apesar da minha vontade de ficar aqui e ouvir seu namorado
cantar mais algumas músicas, há alguém lá fora que realmente quer ver você, mas está
com medo de que você possa odiá-la agora e não queira vê-la] Isaac falou com um
sorriso complacente nos lábios finos, mostrando que achava aquele temor muito bobo.
“But I’m almost sure you also want to see her.” [Mas tenho quase certeza de que você
também quer vê-la] Piscou-lhe.

André não precisava ser um gênio para entender que ele falava de sua mãe, e rumou
com o avô para a rua, esquecendo-se de todo o resto. As batidas no peito eram audíveis
em seus ouvidos. Cíntia estava esperando do lado de fora, apertando os dedos. Ela pôs-
se a chorar assim que viu o filho, e abriu os braços para ele. André a alcançou com
passos longos, e a abraçou ainda mais apertado.

Não existe, no mundo, substituto igualável ao carinho e amor de uma mãe. André
apoiou o queixo no topo da cabeça dela, dessa vez ela chorava, e era ele quem lhe
acariciava os cabelos loiros e macios.

“André, meu filho... Meu filho. Me perdoa, meu amor. Eu nunca quis que aquilo
acontecesse, nunca... Eu jamais imaginei que o teu pai chegaria àquele ponto. Eu-“

“Mãe.” André a chamou, calando-a. Ela ergueu o rosto para o filho, quando este lhe
segurou o rosto. “Tu estar aqui agora... Isso que importa pra mim. Eu tive medo que
nunca conseguisse aceitar.”

Cíntia fechou os olhos, soluçando. Não era capaz de segurar o choro, e voltou a abraçar
o filho.

“Eu sou uma estúpida.” Ela murmurou, vendo Isaac se aproximar dos dois, com seu
olhar cheio de um calor ameno e compreensivo. “Como pude, por um único momento
sequer, acreditar que havia algo de errado contigo?”
Mais lágrimas escaparam pelo canto dos olhos do loiro.

“She was always a little silly.” [Ela sempre foi uma pequena boba] Isaac disse, doce.
“Come, let’s sit and appreciate this lovely city. I believe us three have a lot to talk.”
[Venham, vamos nos sentar e apreciar esta amável cidade. Eu acredito que nós três
temos muito que conversar]

Os dois assentiram com a cabeça, como duas crianças frente ao adulto mais sábio, e
foram sentar num dos bancos da praça que havia bem próxima dali, repleta de verde e
tranquilidade. E, sob a cumplicidade das estrelas, Cíntia desculpou-se novamente,
relatando, também, que havia novamente se separado do Heitor.

“Filho,” Ela disse, ao notar o desconforto do loiro. Entendia aquele menino mais do que
qualquer um, aprendera, naqueles anos todos, a ler cada uma de suas expressões. “Não
se sinta culpado, pois a culpa não é sua. Mas minha e dele, e principalmente dele. Acha
que eu poderia continuar junto a alguém que machucou meu bem mais precioso? Eu e
ele tentamos nos dar uma segunda chance, mas foi um erro. Eu fui tola, cega,
apaixonada... Eu achei, lá atrás, que eu poderia mudá-lo e, no fim, quem me mudou foi
ele, e não exatamente para melhor. Eu quero seguir em frente, mas quero seguir em
frente com meu filho próximo de mim. Eu te amo, está bem?”

André sorriu, abraçando novamente a mãe.

“Mas...” Começou, ao se afastar. “Mãe, eu não estou esperando que tu já comece, tão
rápido, a aceitar homossexuais. Eu sei que... que não deve ser fácil, porque também não
foi fácil pra mim começar a me aceitar.”

Cíntia balançou a cabeça e segurou a mão do avô do loiro, seu amado pai.

“Seu avô me ajudou muito com isso. Nesse tempo, eu e ele tivemos longas conversas, e
ele me fez ver o quanto minhas ideias não faziam sentido, o quanto era mesquinha e
cega minha forma de enxergar o mundo. Às vezes, tudo que precisamos é de alguém
mais vivido e maduro para nos mostrar o caminho. Seu avô não era assim quando mais
novo. Eu tive uma educação homofóbica, do mesmo homem que agora me ensinou a
respeitar e aceitar as diversidades. Curioso, não? O mundo dá voltas...”

“Really, grandpa?” André perguntou, com um sorriso. É, aquele sorriso não sairia tão
rápido de seu rosto.

Nisso Isaac começou a contar toda a história – sobre como descobriu que seu jardineiro,
Frederic, um jovem rapaz de 20 anos na época, sempre atencioso, alegre e esforçado,
era homossexual. Isso há cinco anos. Passou somente a observá-lo, não encontrando
motivos para odiá-lo. Pelo contrário, divertiu-se em vê-lo se encontrar às escondidas
com o rapaz com quem namorava, nos seus jardins. Percebeu que o amor existia ali.
Percebeu que Frederic era apenas uma pessoa normal, como qualquer outra. Não sabia
bem dizer por que a realização aconteceu tão tarde, talvez pela velhice, ou por viver
sozinho após a morte da esposa, e passar a ver várias coisas da vida de maneira
diferente. O fato é que abriu caminho para que Frederic abrisse-lhe o coração, e uma
grande amizade começou, a despeito da diferença de idades.
“Frederic taught me a lot, and I’m glad I could taught these same things to my daughter,
when she needed the most.” [Frederic me ensinou muitas coisas, e eu estou feliz que
pude ensinar essas mesmas coisas para minha filha, quando ela mais precisou]

André estava feliz também. É, ele não tinha uma família unida e maluca como a do
Fabrício – e ele estava mais do que satisfeito por fazer parte dela também – mas ele não
trocaria aqueles dois por nada.

Conversaram mais, perdendo-se nos minutos. André admitiu para a mãe que amava o
namorado, e ela assentiu, ciente de que, se o filho dizia algo assim, justo ele, tão difícil
de expressar sentimentos, era porque era sério e forte.

Mais tarde, Fabrício saiu para rua. Ao perceber a demora do loiro, não aguentara
interromper momentaneamente a apresentação e ir atrás do namorado. Observou de
longe dos três conversarem, imersos em cumplicidade e alegria por estarem juntos, e
bem.

“Filho... Há algo que quero lhe contar.” Cíntia disse em determinado momento. “Eu não
quero que pense que estou tentando lhe induzir a alguma coisa... Mas precisamos
conversar sobre o teu pai.”

“Mãe-“ André falou baixo, não querendo entrar em tal assunto. Não queria recordar
aquelas coisas; porém Cíntia colocou-lhe um dedo sobre os lábios, balançando a cabeça.
Conversar sobre aquilo também era dolorido para ela, e o loiro, entendendo isso, se
calou, deixando a mãe organizar os pensamentos para desabafar tudo que precisasse.

“Eu não sei se algum dia tu conseguirá perdoar o teu pai... Isso dependerá apenas de ti,
mas eu acho que, se esse momento algum dia chegar, o momento em que tu irá se
perguntar se deve perdoá-lo ou não, tu tem o direito de saber de algumas coisas.” Ela
suspirou, abrindo os olhos para mirar o filho. “André, teu pai, assim como todos nós
aqui, teve uma educação homofóbica. Seus avós paternos eram muito rígidos e
conservadores. Você não se lembra pois era muito novo quando eles morreram... Mas
isso não é tudo. Seu pai tinha um irmão, chamado Eduardo.”

André franziu a testa. Heitor havia falado esse nome durante a surra, não?

“Ele disse... que precisava curar o Eduardo.” André lembrou, e a Cíntia assentiu,
colocando uma mecha de cabelos atrás da orelha junto a um olhar triste.

“Eduardo era gay, André. Era a vergonha da família, seus avós fingiam que não tinham
e nunca teriam um filho gay. O reprimiam, não permitiam que ele expusesse isso para o
resto do mundo. Mesmo assim, teu pai ficou ao lado do irmão. Ele o acobertou, André,
porque desde crianças eram melhores amigos, unha e carne, a própria Flávia costumava
sentir ciúmes dos dois pois, por ser mais nova, acabava sendo deixada de lado. Heitor
protegeu o Eduardo dos pais, apesar de não aceitá-lo completamente... Mas ele se
arrependeu amargamente. O Eduardo contraiu o HIV... Naquela época, mais de 25 anos
atrás, o tratamento não era como é hoje, e a doença ainda tinha suas obscuridades.”

André arregalara os olhos. Jamais imaginaria nada daquilo. Era realmente um tabu,
visto que ninguém comentava sobre essa história na família.
“Heitor assistiu ao irmão adoecer lentamente. Não demorou cinco ou nove anos. Teu tio
era um progressor rápido, e evoluiu para a AIDS em apenas dois anos. Teu pai se
culpava por isso. Ele surrou e quase matou o ex-namorado do Eduardo, que o largou
após descobrir que era aidético também. Quando o Eduardo morreu, teus avós o
enterraram completamente, passaram a borracha, como se ele nunca houvesse existido,
e voltaram a encher a cabeça do teu pai com esses preconceitos... Eu não sei bem, mas
isso afetou o Heitor, ele desenvolveu ódio dos homossexuais, eu acredito que os culpa
pela perda do irmão. E ódios irracionais, com o tempo, tendem apenas a piorar...”

André abaixou a cabeça. Era muita informação para pouco tempo, sua mente se enchia
de teorias sobre a história, como se ela fosse um quebra-cabeça onde algumas peças
ainda precisavam ser encaixadas.

“Filho... Quando fui encontrar teu pai para pedir o divórcio definitivo, o encontrei no
apartamento onde ele estava morando antes. O lugar estava uma zona, sujo, alguns
móveis destruídos. Seu pai tinha profundas olheiras, e parecia emagrecido, apesar de
essa impressão ser simplesmente pelo seu estado lastimável. Era evidente que não vinha
se alimentando, e estava faltando ao trabalho. Eu sei que ele se arrepende, André,
porque ele te ama, apesar daquele horror que cometeu, algo que eu considero
imperdoável. Mas isso sou eu... Eu só achava que tu tinha o direito de saber sobre tudo
isso.”

André, de cabeça baixa, apenas assentiu. Sua garganta havia travado, e ele não sabia o
que dizer, o que pensar, o que fazer. Não, não estava preparado para perdoar, mas fora
bom tomar conhecimento daquilo tudo. Isaac, que ouvira tudo em silêncio, pegou a mão
do neto, apertando-a de leve para transmitir conforto. Ficaram em silêncio então,
ouvindo os barulhos discretos da noite, até o loiro erguer-se ao perceber alguém se
aproximar.

“Fabrício!” Chamou.

O moreno, com um sorriso, aproximou-se, sem nenhuma inibição.

Abraçou-o, e depois abraçou, cara de pau como sempre, a mãe e o avô do loiro, um
seguido do outro. Abraços apertados que quase os tiraram do chão.

“Obrigado por virem.” Ele falou, simples e sincero.

Cíntia voltou a chorar fracamente, lágrimas silenciosas quando pegou na mão do garoto.
Conhecia-o de criança, sabia que era um bom garoto, sabia que ele era especial para seu
filho, e sabia que estava deixando seu amado filho em boas mãos. Não contara ao loiro,
mas planejava mudar-se para a Inglaterra, para viver com o pai, ao menos por um
tempo. Sentia saudades do pai e do país de origem. Talvez lá conseguisse recomeçar, do
zero.

Claro, queria que o filho a visitasse com grande frequência.

“Obrigada você, por cuidar do meu bebê.”


“Mãe!” André reclamou do termo, mas, como um, terminou de derramar todas as
lágrimas que lhe restavam, dessa vez podendo estar nos braços do namorado enquanto
ainda absorvia tudo que acontecera e ouvira naquela última hora.

XxxX

Mais tarde, naquela mesma noite, André despediu-se momentaneamente da mãe e do


avô, que se recolheram para a pousada onde alugaram um quarto. Ficariam na cidade
um pouco mais, pois depois dali, a viagem era para a Inglaterra. Cíntia queria preparar o
filho, achava que ele ficaria bem morando com o namorado, ou até mesmo sozinho, se
assim desejasse. O mimara sim, mas criara um filho independente e maduro o suficiente
para saber se virar.

Quando André foi de encontro ao Fabrício, este lhe sorriu e lhe segurou a mão, na frente
dos amigos. Havia contado para eles, antes da apresentação no barzinho. É claro que
ficaram surpresos, e é claro que ouviu piadinhas debochadas e maliciosas, mas eles
aceitaram porque, afinal, nenhum deles era preconceituoso, e a amizade estava muito
além de meros detalhes como esse.

“Hein, seus putos, o que acham de subirmos o morro para olhar as estrelas de lá?”
Juliana perguntou, com seu ‘pronome de tratamento’ carinhoso.

Quando mais novos, costumavam acampar por lá, em noites agradáveis e bonitas como
aquela. Não ventava no momento, logo, o frio era suportável.

“Partiu!” Fabrício exclamou, sem nem pensar duas vezes. “Vamos todos no meu carro
novo!”

“Exibido.” André murmurou, torcendo sarcástico os lábios, e recebeu um beliscão do


moreno.

“Não vai caber. A Juliana vai esmagar um de nós se sentar no colo de alguém.” Danilo
encolheu os ombros, debochando. Recebeu um soco forte da guria, mas apenas se
afastou rápido para não apanhar mais, rindo dos xingamentos dela. “Não fica assim,
Juju! Tu sabe que eu adoro uma gordinha!”

“Vai se foder, Danilo! Ridículo! Canalha!”

“Também te amo, minha linda!” Gritou de longe, indo buscar seu carro. Juliana
mostrava-lhe o dedo do meio.

“Eu vou ir com o Danilo. Nos vemos lá em cima!” Fabio abanou, dando uma corridinha
atrás do outro para alcançá-lo.

“Acho que ele é a fim de ti.” André ponderou para a Juliana, referindo-se ao Danilo. Ela
o socou também, assustando o loiro.

“Se não quer morrer, nunca mais fale uma tragédia dessas.”
“Vamos, pombinhos, ou ficaremos para trás!” Daniel incentivou. “Quero ver o carro
novo do Fabrício em ação. Aquele lá promete! Ah, quem me dera ter dois tios ricaços!”

“Bah, ‘tá louco, tchê! Aquele carro voa!” Fabrício se empolgou e, naquele clima de
brincadeiras e risadas, eles todos rumaram em busca de ver estrelas.

Afinal, o bom da vida mora nos detalhes.

[...]

André parou de correr assim que se achou suficientemente a salvo, a alguns poucos
metros do fim da floresta. Estava com a adrenalina tão elevada que não sabia o que era
mais alto, se as batidas de seu coração, ou a respiração ruidosa. Havia ficado para trás,
porque não conseguia correr tanto por ter machucado o pé numa brincadeira mais cedo.
Apoiado a uma das árvores, o loiro soltou um pequeno berro quando escutou um
barulho muito próximo e então alguém parava justamente à sua frente.

“Fafá!” Gritou exaltado, colocando uma mão sobre o coração, como se assim pudesse
diminuir o ritmo do coração, que palpitava dolorosamente. “Tu me assustou...”
Choramingou.

“Tu nem vai acreditar!” Fabrício exclamou ofegante, abrindo um sorriso que só poderia
ser definido como traquinas. “O Daniel se mijou nas calças por causa do susto!” E
gargalhou alto, na opinião do André, atraindo o perigo para eles.

Deu um passo para frente e tapou a boca do moreno com a mão pequena.

“Shiu! Eles vão nos escutar!” André sussurrou, mas teve de afastar a mão rapidamente
assim que o moreninho lambeu-lhe a palma. “Eca!” Reclamou, protegendo a mão contra
o peito.

“São só os garotos mais velhos. E aposto que meu tio e o namorado dele têm algo a ver
com isso!” Fafá deu de ombros e, dito e feito, escutaram vozes se aproximando. Os dois
rapidamente se esconderam por trás da árvore, espiando quem vinha pela trilha.

As risadas aumentaram, e eles viram quando um grupinho de adolescente passou rindo,


comentando sobre as reações das crianças com o susto. Fabrício precisou segurar o
loirinho para que ele não fosse bater boca com os maiores. Naquela época, André já
começava a ficar invocadinho.

O moreno ria quando voltaram a ficar sozinhos na floresta.

“Não acredito. Eles nem pareciam assustadores de verdade!” André reclamou, com um
beicinho.

“É, mas alguém gritou mais alto que todo mundo.” Fafá implicou, conseguindo uma
expressão de perplexidade do outro.

“Eu não-“
“Hei, mas pelo menos suas calças estão sequinhas!” Fafá piscou-lhe. “Ou será que
não?” Sugeriu inclinando-se para frente, tentando tocar as roupas do loiro para verificar.
André se eriçou inteiro, dando pulinhos para escapar do check-up do amigo, afastando-o
com alguns tapas.

“Sai, sai!” Reclamou e, em meio a isso, escutaram barulhos suspeitos vindos da floresta.
Pararam imediatamente, ficando alertas ao olhar para dentro da mata escurecida, suas
orelhas parecendo subir como as de um cachorro.

GRRRRRRRRRRRRAAAAAAAAAAAAAAAAAUUUUUUU! Um monstro surgiu da


mata, sacudindo os braços e correndo na direção deles. Era peludo e grande, parecia
mortalmente perigoso.

“AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH!” Os dois gritaram


antes de dispararem na direção oposta, para bem longe da floresta. Fabrício segurara a
mão do loiro, puxando-o junto o mais rápido que conseguia.

Assim que distantes, Diogo parou gargalhando e tirando a parte de cima da fantasia de
lobisomem que usava. Henrique apareceu logo atrás, com uma mão sobre os lábios
segurando os risos.

“Isso foi de uma maldade extrema.” Comentou, com um sorrisinho repreensivo.

“Que nada! Crianças adoram esse tipo de coisa.” Diogo falou enlaçando-o pela cintura e
tascando-lhe um beijo aprofundado antes que ele pudesse reclamar.

Já na cidade, Fabrício e André paravam numa das praças, mais ofegantes e exaustos do
que antes.

“Tu viu aquilo?”

“Era enorme!”

“Estou com medo...” André murmurou, olhando para trás. E se os tivesse seguido?
“Nunca mais volto lá.” Abraçou-se sentindo frio, seu coração continuava batendo
agitado.

Quando percebeu, um calor o envolveu e, ao erguer o olhar, deparou-se com o rosto do


moreninho bem próximo; ele lhe abraçava protetoramente. Fafá corou de leve quando
seus olhares se encontraram.

“Tu ‘tá tremendo.” Fafá justificou, sorrindo bobo. “Amanhã vou lá caçar aquele bicho!”

“Não!” André exclamou e o abraçou nervosamente. “Não vai... Não quero... N-Não
quero te perder.” Mordeu o lábio apoiando a testa no peito do amigo, perdendo assim o
rubor ainda maior que tomou a face do moreno.

“N-Não vai me perder. Nunca.” Falou convicto, abraçando-o mais forte. De repente seu
coração batia mais rápido. Abriu um grande sorriso. “Porque ficaremos sempre juntos,
certo?”
“Certo!” André exclamou ao se afastar, também sorrindo. “Então não vá atrás daquele
bicho, ok?”As sobrancelhas loiras quase se uniram quando franziu a testa para
transmitir mais autoridade.

“Ok.” Fafá concordou pomposo, erguendo uma mão para cima. “Eu prometo.”

André, com um sorriso contente, deu-lhe um beijo rápido na bochecha e voltou a correr
em direção à praça central onde uma festa de Halloween reunindo quase toda a cidade
acontecia. Talvez envergonhado de sua própria ousadia, corria mais rápido do que
quando fugia do monstro da floresta.

Fafá ficou uns bons segundos segurando a bochecha beijada, antes de correr atrás do
loiro.

Notas finais do capítulo


Comentários finais no epílogo. ;)

(Cap. 52) Epílogo


Notas do capítulo
Música do capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=CnQ8N1KacJc

As estrelas pareciam mais bonitas do que nunca, ou André apenas se acostumara a olhá-
las através do véu de poluição da cidade. Agora, deitado sobre o capô do carro junto
com o Fabrício, elas pareciam de fato carregar um significado especial por trás de seus
desenhos abstratos. Fábio, Danilo e Juliana estavam numa rodinha próxima, ao redor de
um fogo que haviam feito, bebendo cerveja e batendo papo. Daniel disse que iria checar
um barulho no mato, mas todos sabiam que ele fora fazer xixi, depois de todas as
cervejas que havia tomado.

O alto do pequeno morro que havia próximo da cidadezinha dava mesmo uma bela
visão dos arredores. Muitas festas adolescentes já haviam acontecido por ali, e Fabrício
contava ao loiro sobre algumas delas, enquanto suas mãos estavam entrelaçadas entre
eles. André apertou mais forte a mão do namorado, e o Fabrício se virou de lado,
tocando-lhe o rosto.

“Tu parece mais feliz agora... Será por causa da minha companhia maravilhosa?”
Sugeriu brincalhão, roçando o nariz na bochecha do loiro.

“Idiota.” André revirou os olhos, mas sorria. Parou pensativo por uns segundos,
sentindo certos arrepios pela barba do moreno roçando em seu rosto. Tinha momentos
em que o namorado parecia um cachorro fungando em seu pescoço. Sim, estava feliz.
Feliz por onde estava, pelo que estava vivendo no momento. Feliz por no ia seguinte
poder ter mais momentos com a mãe e o avô. E aproveitar da companhia engraçada do
Diogo, Lucas e da Isadora. Ter conversar mais adultas com o Henrique, e divertir-se
com as crianças brincando com seu labrador maluco, e a gata antipática.
“Sabe... Eu sempre te chamo de idiota, mas tu nunca reclamou.” Comentou, aleatório,
porque não era momento para assuntos mais sérios.

“Tu só me chama de idiota quando está ou constrangido, ou corado, ou gemendo. Não


tem como achar muito ofensivo.” Fabrício explicou debochado.

“Idiota!” Exclamou esticando o ‘o’ da palavra. Corou e, notando que Fabrício estava
mais do que certo, deu-lhe as costas. Fabrício riu e o abraçou.

“Hei! Não vai ficar irritadinho, né? Tu sabe que eu amo quando tu ‘tá constrangido,
corado e gemendo meu nome...” Implicou ainda mais, desconsiderando o perigo. As
orelhas do loiro arderam. “Gosto tanto que tu pode me chamar de idiota o quanto quiser
e-“

Fafá ofegou com a cotovelada que recebeu na boca do estômago. Seu namorado era tão
agressivo... Talvez fosse meio masoquista por gostar disso.

“E me bater o quanto quiser também...” Soltou num fio de voz.

André se virou novamente, um pouco arrependido, mas não o suficiente para pedir
desculpas. Inclinou-se sobre o moreno, apoiando um antebraço no lado oposto do corpo
dele.

“Me irrita a forma como tu me deixa constrangido.” Falou baixinho, e sussurrou na


orelha do moreno. “Mas gosto da maneira como tu me faz gemer...”

O queixo do moreno caiu. Puxou pela memória, e percebeu que era a primeira vez que o
loiro o provocava, com palavras, dessa forma safada. André se afastou com um
sorrisinho torto vitorioso ao ver o namorado sem reação. Ora, ‘tava na hora de devolver
na mesma moeda. Não era somente o moreno que poderia ser o confiante da relação
para sempre.

“Não acredito que tu acaba de me provocar dessa forma quando tem outras pessoas aqui
perto.” Fabrício disse, e o puxou. Seu corpo ficara todo eriçado. A vontade era arrastar o
loiro consigo para o mato. Tentou beijá-lo, mas o loiro riu e se afastou, desconsiderando
toda a excitação do moreno.

“Deixa de ser descontrolado.” Riu-se empurrando-lhe o rosto, enquanto um bico de


insatisfação surgia nos lábios do namorado. André se deitou voltando a olhar para as
estrelas. Era uma sensação tão gostosa, sentia-se tão leve. “Eu ‘tava aqui pensando que
nas próximas férias temos de fazer aquele mochilão pela Europa... Era uma promessa.”

“Que viajaríamos juntos pelo mundo.”

“É, mas prefiro só pela Europa, tem lugares que quero rever, e outros que não vi.
Contigo seria ainda melhor.” Seus olhos brilharam, refletindo as estrelas lá de cima.
“Vai ir comigo?”

“Huuum... vou pensar.” Fabrício se fez de louco. Talvez uma reprimenda pelo beijo
negado.
“Como assim vai pensar?” André se ergueu um pouco e o beliscou no abdômen. “Tu vai
e acabou.”

Fabrício gemeu de dor pelo beliscão, a área estava sensibilizada pela cotovelada prévia.

“OLHA OS GEMIDOS!” Juliana berrou.

“Arranjem um quarto!” Fabio sugeriu.

“Vão pro mato.” Daniel que voltara havia uns minutos exclamou.

“Só cuidado que o Daniel mijou lá!” Juju os lembrou.

“Eu ‘tava pensando em receber uns beijos como forma de convencimento, mas o que
recebo é um beliscão. Cotovelada, soco, beliscão... Será que é só isso que eu mereço?”
Fabrício murmurou doído, ignorando os comentários dos amigos. André se
compadeceu, apenas porque estava de bom humor, e lhe deu um beijinho nos lábios.

“Te coloco nas minhas malas e te levo na marra.” Sussurrou para o moreno, seus lábios
bem próximos ainda, os narizes roçando.

“Eu vou de bom grado.” Fabrício puxou o loiro para um beijo mais digno. Se virou e
deitou o loiro no capô, mantendo o beijo, as línguas se enroscando com carinho e
desejo. Sentiu vontade de estar sozinho com ele, seria bom poder agarrar o loiro de
maneira mais intensa ali, sob as estrelas. Mas se contentou em apenas beijar aquela boca
deliciosa e acariciar-lhe o abdômen.

Talvez fosse efeito das cervejas que já haviam tomado, mas André sequer se importou
de os amigos do moreno estarem ali próximos. Não, estava mentindo. Mesmo sóbrio,
não se importaria. Havia percebido que não valia à pena se importar, que o importante
era ser feliz consigo próprio, e curtir com a pessoa por quem se apaixonara, que já
amava desde novo.

Os dois se afastaram quando Daniel, um tanto mala, jogou cerveja em cima deles.

“Venham pra roda. Não nos deixem de vela!” Ele reclamou, querendo atenção.
“Fabrício, vem tocar umas com a gente!”

“Cara, pra que a cerveja?!” André reclamou sacudindo as mãos sujas. Tudo bem que
estava com uma jaqueta impermeável, mas ficaria fedendo à cerveja.

“Tinha que separar vocês de alguma forma.”

“Ah é assim, malandro?” Fabrício pegou a latinha e atirou cerveja nele, mas o Daniel
saiu corrido dali.

Fabrício de uma forma muito besta lambeu a cerveja do rosto do loiro.

“Ai, que nojo! Sai!” André reclamou rindo junto com o moreno.
Juju se aproximou deles, se apoiando ao capô do carro. Se apoiando para não cair, na
verdade, porque já estava entortando pelo álcool.

“Seguinte, tem algo que quero falar. E falar pro André, antes que eu esqueça, ou fique
bêbada demais.” Ela bebeu mais um gole de cerveja. “Assim, André, eu sei que o
Fabrício é desses idiotas que te olham com cara de idiota e de uma forma muito idiota
parecem ter escrito na testa algo como ‘oi, eu sou o cara mais legal do mundo e tu vai se
apaixonar por mim como um patinho’, mas porra, o Fabrício é isso mesmo. Digo, ele é
especial, então, eu nunca pensei que diria isso pra um guri, mas se tu magoar ele, vai se
ver comigo. Sei que falei que estou feliz por vocês, mas se tu ferrar tudo, pulo em cima
de ti e te esmago com meus 90kg.” Juju falou tudo ininterruptamente, olhando
diretamente para o loiro, que arregalara os olhos. André quase se sentiu nocauteado,
mas acabou rindo daquilo. Lembrou-se do por que gostava dela no passado – ela
costumava xingar o Fafá de idiota também, e com bastante frequência.

“Certo. Entendi, não precisa te preocupar. Eu não quero nem vou magoá-lo...” André
afirmou com certo rubor, e a Juliana sorriu satisfeita. “Só vou bater nele de vez em
quando... Mas porque ele merece.”

“Merece mesmo.” Juju concordou.

“Mas como assim eu sou um idiota com cara de idiota?” Fafá perguntou estupefato. “E
como assim eu mereço apanhar?”

“Vamos lá com o pessoal.” Ela motivou, ignorando o moreno.

André pulou do capô. Fafá não teve alternativa que não segui-lo, e os dois retornaram à
roda. Fabrício pegou seu violão que havia trazido e sentou-se ao lado do loiro, olhou
para ele e piscou, para então puxá-lo e dar-lhe um beijo na bochecha que estalou como o
fogo da fogueira, e deixou o André vermelho como as chamas baixas.

“Essa vai pra definir meu sentimento nesse momento. Uma sensação de que tudo valeu
à pena, e vai continuar valendo, enquanto eu estiver junto da pessoa que amo.” Explicou
pros amigos, que concordaram, erguendo as latinhas de cerveja num brinde. Daniel
pegou o próprio violão, para acompanhar o amigo.

“Essa gente que fica sentimental e boba quando apaixonada...” Daniel reclamou.

“Cala a boca, ‘tá azedo só porque levou um chute.” Juliana o empurrou.

Fabrício pigarreou, querendo silêncio, e começou a dedilhar. Sempre preferia música


brasileira, mas aquela estrangeira em especial era uma de suas preferidas e, há uns dias,
descobriu que também era a do loiro. Os dois então decidiram que ‘Por Você’ do Barão
Vermelho era a música do moreno para o loiro, mas que essa, Good Riddance do Green
Day, era a ‘música deles’.

Certo, vocês devem estar imaginando que Fafá decidiu isso sozinho, já que o loiro
achou a ideia muito brega.

O então o Fabrício cantou:


Another turning point
A fork stuck in the road
Time grabs you by the wrist
Directs you where to go

So make the best of this test


And don't ask why
It's not a question
But a lesson learned in time

It's something unpredictable


But in the end is right
I hope you had the time of your life

Ao final, quase todos estavam cantando juntos.

So take the photographs


And still frames in your mind
Hang it on a shelf
Of good health and good time

Tattoos of memories
And dead skin on trial
For what it's worth
It was worth all the while

Até mesmo o André.

Porque, sem dúvidas, ele se sentia da mesma forma.

It's something unpredictable


But in the end is right
I hope you had the time of your life…

Notas finais do capítulo


É, acabou. Eu mal consigo acreditar. Depois de um ano e meio... Eu finalmente
consegui finalizar essa história. E ela cresceu... Como cresceu! Eu nunca imaginei que
ela ultrapassaria os 50 capítulos! Eu nunca imaginei que ela acolheria TANTOS
leitores, que receberia tantos favoritos, que ganharia tantos comentários e tantas
recomendações, e certamente foi por isso que ela cresceu tanto, certamente foi por
vocês. Porque eu me emocionei muito com cada leitor, cada elogio, cada pergunta no
ask sobre a fic ou para os personagens, eu me emocionei em tê-los comigo, fazendo
parte disso tudo, seja acompanhando desde o primeiro capítulo, chegando pelo caminho,
ou mesmo perto do fim - todos vocês. E eu novamente agradeço muito a todos que
contribuíram para que eu conseguisse chegar até o final, até o epílogo. Essa história tem
grande valor sentimental para mim por ter tantos aspectos da minha vida nela
(faculdade, lugares, amigos que serviram de inspiração etc), o que tornou ainda mais
especial escrevê-la. Vocês foram demais, maravilhosos, e eu sempre vou torcer para vê-
los em outras histórias minhas. ;) Obrigada por tudo. Espero que esse final tenha sido do
agrado de vocês, assim como a história como um todo, porque, para mim, certamente
foi uma Good Riddance. Com amor, Mila.

Todas as histórias são de responsabilidade de seus respectivos autores. Não nos


responsabilizamos pelo material postado.
História arquivada em http://fanfiction.com.br/historia/335839/Good_Riddance/

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