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onde a sra. Aubain passava o dia inteiro, sentada à janela nurna Em q,alquer estação, trazia às cosras un1 Ienço
cre chita
poltrona de palhinha. Rente ao lambri, pintado de branco, ali- preso por um alfi*ete, urna rouca
escondendo_lhe os cabelos,
nhavar:r-se oito cadeiras de mogno, Urn velho piano sustentava, r:reias cinze,tes, ulne saia vernrelha
e, por cima cla ca,:isa, rrnr
iogo abaixo de um barômetro, uma pilha piranüdal de caixas e avencal de babador, como as enfermeiras
de hospital.
cartões. Duas poltronas estofadas ladeavam a lareira ern utárntore O rosto era D.râgro e e voz,aguda.^Aos \rinte
e cinco anos,
anrarelo e estilo Luís xv. O reiógio de pênclulo, ao centro, repre- davam-lhe quarcrrra.A partir clos cinqiienta,
não aparentorr nrais
sentâvâ um cemplo e todo o cômodo cheirava urn
de Vesta - idade nenhulna; e sempre silenciosa, o
porte rijo e os gestos
pouco a rnofo, pois o pi9o era mais baixo que o jardim. conredidos, parecia uma rnul'er de
r.nacleira, funcio,anclo cle
No primeiro andar, vinha logo o quar[o da "Senhora", maneira automática.
inuito com papel em flores páüdas e abri-
espaçoso, revestido
gando urn retrato do "Senhor" em traje de almofadinha. Esse
quarto dava para um outro, menor, onde se viam duas caminhls
II
de criança, sem colchões. Depois havia um salão, sempre fechado
e repleto de móveis cobertos com lençóis. Em seguida, um corre- t Ela ciyera, como qualquer oura, sua
história de amor.
dor conduzie e um gabinete de estudos; livros e papéis ocupevâm i
O pai, pedreiro, morrera ao cair de un andairne. Depois a
as prateleiras de uma biblioteca que cercâva por três lados uma I
rnãe nrorreu, as iunãs se dispersaram,
o dono de unta granja reco_
grande escrivaninha ern madeira escura. Os dois painéis em te- lhetr*a e a ,randou, pequenirra ainda,
I cr.ridrr das vacas no pasto. Ela
levo desaparecianr sob desenhos em bico de pena, paisagens ern tiritava er11 seus farrapos, bebia de bruços a ágtra
dos brejos, era
guache e gravuras de Âudran, lembranças de um tempo melhor surrada sem razão e finalmente
foi expulsr por conta do furto de
e de um luxo esvaído, IJrna Iucarna no seguncto andar iluminava trinta centavos, que ela não cometere.
Errtr-ou para oucra grauja, I
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De início, viveu numa espêcie de tremor que lhe causavam ourro e soltava gracejos. Félicité empurrava-o
delicadamente
"a classe da casa" e a lembrança do "Senhor", pairando em Eoda para fora: "BasrA por hoje, senhor
de Gremanville! Aré a próxi_
parte! Paul e Virginie, um de sete ânos, â outre com nlenos d€ nul".Efechavaaporta.
quatro, pareciam-lhe formados de urna matéria preciosa; carrega- I
l EIa a abria conl prâzer para o sr. Bourais,
ancigo procurador.
va-os nas costas como um cavalo, e a sra. Aubain proibiu-a de I A gravata branca e a calvície, o peitilho
da canrjsa, a arnpla sobre_
beijá-1os o tempo todo, o que a mortiÍicou. No entanto, sentia- I
Gremanville, um de seus tios, arruinado pela bebedeira e que O pário é inclinado, a casa fica no meio;
eo u1ar, ao longe,
vivia em Falaise, no último torrão de suas terras. Aparecia sern- parece uma mancha cinzenia. :
pre à hora do almoço, com um cachorrinho abominâvel, cujas Félicité tirava fatias de carne fria dos
cestos, e ahnoçavam
patas sujavam todos os móveis.Apesar dos esforços pera se mos- num cômodo vizi,ho à leireria. Era só o que resteva
de uma casa
trar fidalgo, a ponto de levantar o chapéu sempre gue dizia "meu' de veraneio, agora desaparecida.
O papel das paredes, etn tiras,
deíunto pai", era arrastado pelo hábito, bebia um trago atrás do treruia com as correnres de ar.A sra.Aubairr
inclinava a cabeça,
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lhava ao sol, iiso col'!1o urr espelho, tão calmo que mal se ouvia
estavam carcomidas' as
um ar de antiguidade' As vigas do teto o seu nlurrnúrio; os pardais escondidos piavarn, e o arco imer:so
as vidraças' cinzentas de poeira'
paredes, enegrecidas pela fumaça'
clo céu recobria tudo.À sra.Aubain, sentada, trabalhava enl stlâ
todo cipo de utensílio: bilhas'
lJm aparador de carvalho guardava costura;Virginie, ao lado, trançava juncos; Félicité collria flores
para lobo' tosquiadores I
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cordeiros por amor ao Cordeiro, e as pombas por causa do biam sucessivarnente a hóstia e na mesma
ordem voltavam aos
Espírito Santo. gentrflexórios. Quando chegou a vez deVirginie,
Félicité se in_
Achava dificil irnaginar sua figura; pois ele não era sonlenle clinou para vê-la; e, com a imaginação que inspirarn
as vercla_
um pássaro, mas taabém um fogo e, outras vezes, um sopro, É tal- deiras ternuras, pareceu-lhe que ela meirna
era a ntenina; ganirava I
vez a slra luz que volteia à noite às margens dos pântanos, seu as feições dela, trajava seu vestido,
o coração deVirginie batia enr I
alento que impele as nuvens, sua voz que corna os sinos harmo- seu peito; no moltlento de abrir a boca,
cerrando as pálpebras,
niosos; e ela permanecia numa adoração, desfrutando da frescura Félicité por pollco não desraaiou. I
das paredes e da rranqüilidade da ig.ga. No dia seguinte, bem ceclo, apresenrou_se na sacristia, para l
Quanto aos dogmas, não compreendia nada, rlerr mesmo q,e o senhor padre lhe desse a comunhão. Recebeu-a I
devora-
tratoLl de compreender. O padre discorria, as crianças recitavam, lrente, mas não experimentou es meslras clelícias.
ela acabava adormecenclo; e acordava de repente, quando elas, ao A sra. Aubairr queria fazer da filha uma pessoa sofisticacla;
e,
sair, batiam com os temancos nas lajes, corno Guyot não podia ensinar_lhe nem inglês
nem música,
Foi dessa maneira, de tanto ouvir, que aprendeu o catecis- resolveu interná-la nas lJrsulinas de Honfer.rr.
mo, já que sua educação religiosa fora descuidada na juventude; A menina não se opôs. Féliciré suspirava, julgando a Se_
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e desde então imitou todas as práticas deVirginie,jejuando como rrhora inserrsível. Depois pensou que a petroa
talvez dvesse razão, I
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O paquete, pr.rxado por mulheres que cantavam, deixou o As boas freiras achavam-na aferuosa, mas delicada. Enerva-
porro. O madeirarne esta.lava, as ondas pesadas açoitavarn a Proa. va-se à menor enroção.Teve que abandonar o piano.
A vela se in-flara, não se viu mais ninguém - e| sobre o mar P(e- A rnãe exigia do convelrto Lrma correspondência regular-.
teado pela lua, ele formàva uma mancha negra que empalidecia, Certa uranhã em que o carteiro não passou, ela se impacienrou;
se enrbrenhou, sumiu. e andava pelo salão, da poltrona à janela. Era verdadeiran:.errre
Félicitê, passando perto do Calvário, quis recomendar a extraordináriol Quatro dias sem norícies!
Deus aquilo que IIre era mais caro; e rezou Por muito tempo, de Para que se consolasse corl1 seu exemplo, Fêlicité disse:
pé, o rosto banhado pelas lágrimas, os olhos voltados Parâ as nll- - E eu, senhora, que não recebo nada háseis mesesl
vens.À cidade dormia, os fiscais da alÍândega fazíam a ronda; e a - Mas de quem?
ágtra escorria sem pârar pelos buracos da eclusa, com um baru- Â criada respondeu suavernente:
lho de riacho. Soaram as duas horas. - Ora, ,. do merr sobrinhol
O parlatório não se abriria antes do raiar do dia. Um atraso -Al:, seu sobrinho! - e, dando de ombros, a senhoraÂubain
certamente deixaria a Senhora conrrariada; e, ePesar do desejo de retomou o vaivêm, conro quem cliz:,'Nem rne lembrei disso..,
abraçar il outra criança, voltott Para cÍlsa. As rnoças do albergue De qualquer modo, pouco importa! (Jm grumete, ur:r qnaJquer,
começavam a despertar quando ela entrou em Pont-l'Évêque' grarrde coisa! Mas nrinha Íilha... Vejam só|",
Então o pobre menino viajarir Por meses sobre as ondasl Félicité, apesar de crescida na rudeza, indignotr-se corn a
Bretanha todo mundo voltava; mas a Amêrica, as Colônias, as Parecia-lhe ficil perder
a cabeça por conta da pequena,
IJhas, tudo isso se perdia numa região incerta, no outro lado do Âs duas criatrças tjnham inrportância igual; um elo cle ser.r
temia os relâmpagos por ele. Escutando o vento que resmunga- Por cansa dos charutos, ela imaginava Havarra conro nnr Iugar
va na chaminé e levava as telhas, ela o via golpeado pela mesma oncle não se faz outra coisa alêm de firrnar,
evictor circulava enrre
tempestade, no alto de um masrro estraçalhâdo, eodo o corpo os negros nuú:a nuvern de furnaça. Era possírrel,,,en1 câso de ne_
vergado sob um lençol de espttma; ou então - lenrbrança das cessidade", voltar de lá por terra? Â que distâ,cia ficava de ponr-
gravuras do adas - ele era comido por selvagens, aprisionado na l'Évêque? Para saber essas coisas, ela interrogou o sr. Bourais.
floresta por macacos, deixado à morte numa praia deserta, E ja- Ele foi pegar o atlas, colueçou a explicar as longitudes; e
mais falava de suas inquietações. tinha um belo sorriso pedance com o esrupor de Fóliciré. por
A senhoraAubain rinha as suas quanto à Íilha. fim; com a lapiseira, indicou nas bordas de un:a mancha oval ur:r
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onde se vê o Sena.Virgirri. prrrirm apoiada em seu braço, sobre A rneio caminho, ouviu sons estranhos, um foque de Írnados,
as folhas. de pâmpano caídas. Por vezes o sôI, atravessando as "Deve ser para outra pessoa", pensou; e Félicité bateu violenta-
nuvens, íorçava-a a piscar os olhos, enquanto observava ao longe mente coln a aldrava.
as velas dos barcos e todo o horizonte, do castelo de Tancarville Ao cabo de vários minutos, um par de tamancos veio se
aos faróis de Le Hawe. Em seguida, repousavem sob o carâman- arrastando,.a porla se entreabriu e uma religiosa âparecerl.
châo.A mãe conseguira uma pequena barrica de excelente vinho  boa irmã disse com ar contrito que ela "acabara de partir".
de Málaga; e, rindo à idéia de se embriagaaVirginie bebia dois Ao rnesrno tempo, os sinos de Sainr-Léonard tornavam a dobrar.
dedos, nenhum a mais. Félicité subiu ao segundo andar.
Suas forças ressurgiram, O outono transcorreu suavemente. Da porra do querto, viuVirginie estendida de costas, as mâos
Fêlicité tranqüilizava a sra. Àubain. Mas, numa tarde em gue fora juntas, a boca aberta e a cabeça caída para trás, sob uma cnlz
fazer compras na vizinhança, deu com o cabriolé do sr. Poupart negra inclinada, entre cortinâs imóveis, menos pálidas que serl
diante da porta; ele estava no vestíbulo. A sra. Âubain dava um rosto.Á sra.Aubain, ao pé do leito que ela apertava entre os bra-
laço no chapéu. ços, soluçava de agonia,A madre superiora estlva em pê, à direita.
*Vá pegar meu aquecedor, minha bolsa, miúas luvas; rápi- Tiês candelabros sobre a cômoda formavam manchas rubras, e o
do, vamos! rrevoeiro embranquecia as janelas. As religiosas levararn a sra.
Virginie civera uma fluxão; ta-lvez não houvesse mais espe- Àubain embora.
rânÇa, e
Por duas noites, Féücitê não aband.onou a morta. Repetia as
- Âinda não - d"isse o médico; e os dois subiram na carrua- meslnas preces, jogava.água-benta sobre os lençóis, voltava a se
gem, sob os flocos de neve que voheavam em turbilhão.A noite senter e a conremplava. Ao Íim da primeira vigília, notou que o
estâva para cur.Fazia muito frio. rosto ficara mais amarelo, os lábios, mais azuis, o nariz se afinava,
Félicitê precipitou-se para a igreja, para acender uin círio. os olhos se afundavam. Beijou-os várias vezes, e não teria ficado
Depois correu atrás do cabriolé, gue alcançou uma hora mais irnensamente espantada seVirginie os abrisse de novo;para almts
tarde, saltando com leveza pera a traseira, onde se segurava na assim, o sobrenatural é bem simples. layou-a, envolveu-a no
beirada, quando um pensamento the ocorreu: "o pátio não estava sudário, deitou-a no caixão, ajeicou-lhe a coroa, arrumou seus
trancado, e se algum ladrão entrasse?". E desceu da carruagem. cabelos. Eram loiros e extraordinariamente longos para a idade.
No dia seguince, logo de madrugada, fii atê a casa do médi- Félicité cortou uma boa mecha, da qual escondeu metade uo i
co. Ele voltara e saíra de novo para o cempo. Ela esperou no peito, decidida a jamais se desfazer deles.
albergue, imaginando que.algum desconhecido traria uma carta. O corpo foi rrazido de volra a Ponc-l'Évêque, segundo a l
Por fim, mal raiou o so1, lomou a diligência de.Lisieux. vontade da.sra. Aubain, que seguia o correjo fúnebre eln unta
O convento encontrava-se ao final de uma rua escarpada. carruagem fechada. i
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Todas as suas coisinhâs ocupavam um armário no quarto Depois dos poloneses, foi a vez do pai Cohniche, nrr
coln âs duas camas. sra.Aubain examinava-as o menos pôssível. velho que diziarn ter feito horrores ern 93.Vivia à beira do rio,
Certo dia de verão, rêsignou-se a tanto; e ilgumas borboletas saí- nos escornbros de um chiqueiro, Os moleques espiavam-no
ram voando de dentro. pelas frestas da parede ejogavam pedregulhos no câtre em que
Seus íestidos estâvem alinhados sob uma prateleira em que ele jazia, continuamente sacudido por um catarro, os cabelos
haüa três bonecas, aros de madeira, móveis de brinquedo, a bacia muito compridos, as pálpebras inflamadas e, no braço, ulrl
que ela usava. As duas mulheres retiraram tarnbém as saias, as tumor maior qrre sua cabeça. Félicité conseguiu algurnas rou-
meias, os lenços, e os estenderam sobre as duas carnas, antes de pas, trarou de limpar a pocilga, tinha vonracle de acomodá-lo
tornar a dobrâ-los. O sol iluminava aqueles pobres objetos, reve- junto ao forno, sem incomodar a sra.Âubain. Quando o câncer
lando as manchas e J, rin.o, formados pelos movimentos do vazou, fez curativos todos os dias, às vezes lhe trazia bolo, Ieva-
corpo. O dia estava azul e quente, um melro gorjeava, tudo pare- va-o parâ tornar sol, sentado num feixe de palha; e o pobre
cia viver numa doçura profunda. Âcharam um chapeuzinho de velho, babando e trernendo, agradecia conr a voz sumida, tinha
pelúcia, de {ios compridos e cor marrom: mas estava todo carco- meclo de perder Fêlicité, esticava os braços assim que a via se
mido pelas traças. Féiicitó quis ficar com ele. Os olhos das dror'\' afastar. Ele morreu; e ela mando,.l rarm r.rma missa pelo descanso
se fixaram, uma na outra, encheram-se de lágrimas; por fim a.i de sua ahna.
patroâ abriu os braços, a criada se lançou; e as duas se abraçaram,) Nesse dia, teve uma grande alegria: nâ hora <1o jantar, o
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saciando sua dor em.urn beijo que as igualava. negro da sra. de Larsonniêre apareceu, trazendo o papagaio na
Era a primeira vez na vida, a sra.Aubain não sendo de nature- gaiola, rnais o poleiro, a corrente e o cadeado. Urn bilhete cla
za expansiva. Félicité sentiu-se grâtâ, corno pôr uma dádiva, e des- baronesa anunciava à sra.Aubain que, tendo o marido sido pro-
de então cuidou dela com devoção bestial e veneração religiosa. movido a urna preíeitura, partirianr naquela noile; e rogava que
A bondade d"e seu coração se expandiu aceiresse aquele pássaro como lenrbrânçe e como perrhor de seu I
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Em conseqüênc?a de um resfriado, desenvolveu uma angi- tarrdo para secer as plumas, mostrava ora a cauda, ora o bico.
na; pouco tempo depois, um doença de ouvido.Três anos mais Certa manhã do terrível inverno de r837, em que o levara
tarde, estava surda e faiáva muito aito, mesmo na igreja. Por mais para a frente da lareira, por causa do frio, ela o encontrou morro,
que seus pecados pudessenr, sem desonra para ela nem incon- no meio da gaiola, a cabeça para baixo e es garras apertadas aos
veniente perâ o mundo, espalhar-se pelos quatro cântos da dio- arames. urla congestão o marara, queul sabe? Ela pelrsou em en-
cese, o senhor padre julgou conveniente receber sua confissão venerlarne nto por salsa; e, apesâr da ausência de qualquer prova,
IJns zumbidos ilusórios acabaram de aturdi-la. Muitas vezes EIa chorou de ral maneira que e pâtroa lhe disse: "Pois,
a patroa lhe dizia: "Meu Deusl Como você é burra!";.ela repli- então, ru.ande empalhar!".
cava: "Sim, senhora", procurando alguma coisa ao redor. Pediu conselho ao farmacêutíco, que sempre fora bondoso
O pequeno círculo de suas idéias estreitou-se ainda mais, e para com o papagaio.
o carriihão dos sinos, o mugido dos bois não existiam mais. Ele escreveu para Le Havre. um certo Feilacher encarregou-
ficdos os seres ftincionavam com o silêncio dos fantasmas. IJm se da tarefa. Mas como a.diligência porvezes irocavâ os pecotes,
único ruído chegava agoffr a seus ouvidos,avoz do papagaio. Féiicité resolveu leváJo, ela mesma, até Honfleur,
Como para distrâíla, ele reproduzia o tique-taque da mani- As macieiras desfolhadas sucediam-se nos dois lados da
vela do espeto, o chamado agudo de um peixeiro, a serra do cobrindo os fossos. Os cachorros lariam junto
estrada. Havia gelo
carpinteiro que trabalhava na cesa em frente; e, aos toques da às granjas; e, as mãos sob o manto curto, com os lamancos negros
campainha, imitava a sra.Aubain:"Félicité, a porta, a porta!". e o cesto, ela marchava ligeira pelo rneio do caminho.
Os dois conversavam, ele, recitando à saciedade as três frases Ârravessou a floresta, ultrapassou Haut-Chêne, chegou a
cle seu repertório, e ela, respondendo com palavras sem nexo, Saint-Gacien. i
em que expandia o coração. Em seu isolamento, Lulu era quase Atrás dele, em uma nuvem de poeira e embalada pela des-
um fi-lho, um namorado. Esca.lava os dedos dela, mordiscâvâ seus cida, uma mala-posta em galope solto piecipitou-se como rlma
lábios, âgarrava-se a seu fichu; e, guanclo ela inclinava o roste, trornba d'água.Vendo aquela nrulher qúe não se perturbave, o
balançando a cabeça à maneira das babás, as abas compridas da conducor ergueu-se na capota, e o posEilhão guirava também, en-
touca e as asas do papagaio tremiarn juntas. quanlo os quâtro cavaios, que não havia como frear, aceleravam o
Quando as nuvens se âmontoavanr e o trovão rugia, ele sol- passo; os dois primeiros esbarrararn nela; coru um repelão nas
tava gricos, talvez recordando os aguaceiros de suas florestas natais. rédeas, o condutorjogou-os parâ o lado da estrada, mas, furioso,
O correr da água excitava seu delírio; esvoaçavâ espavorido, subia Ievantou o braço e, com o longo chicote; clesferiu-lhe do ventre
até o teto, derrubava tudo e saía pela janela para chapinhar no ao coque um golpe tão forte que ela caiu de costas.
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dia ter esc.olhido uma pomba,'uma vez que esses animais não têm afastava as pessoas.
voz, mas sim, um dos ancestrais de Lulu. E Fêlicité tezev^, fitando Félicité a chorou como não se choram os patrôes. Que a Se-
a imagem, mas de tento em canto se úrava de leve para o pássaro. nhora morresse ântes dela era algo clue percurb4va suas idéias, pare-
dos cêus, descobrira seu caminho: o cartório de registrosl E dava drados arnarelos no rneio dos tabiques..Tinham levaclo as drras
rrrostras de tantas faculdades gue um fiscal lhe oferecera a filha, I carninltas corn os colchões, e no arrnário ]nao se via mais nada dos
Pau[, agora homem sério, levou-a atê sua mãe' No dia seguinte, havia um carraz nf porta; o boticário gri-
À moça denegriu os costtrmes de Pont-l'Évêque, fez-se de
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tou-lhe ao ouvido que a casa estava à venda.
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princesa, magoou Félicité. Quando partiu, a sra' Âubain sentiu Ela cambaleou e foi obrigada a se sentâr.
um alívio. O que mais a desolava era abandonar seu quarto, tão confor-
Na semana seguinte, souberam da morte do sr. Bourais, na tável para o pobre Lulu. Envolvendo-o com um olhar de angúrs-
Baíxa Bretanha, num albergue. O rumor de suicídio se cotr(ir- tia, implorava ao Espírito Santo, e contraiu o costume idólatra de
mou; surgiram dúvidas guanto a sua probidade. A sra. Aubain fazer as orações ajoelhada diante do papagaio. Por vezes, o sol que
examinou suas contas e não tardou a dar com uma fieira de per- entrava pela lucarna batia em seu olho de vidro e feziajorrar unr
ficlias: desvio de pagamentos, vendas de madeira às escondidas, grande raio lunrinoso, que â levava ao êxtase,
recibos falsos etc.Alêm disso, tinha um filho natural e "relações Tinha uma renda de trezentos e oitenta francos que a petroa
com uma certa pessoa de Dozulê"' lhe legara. O jardim fornecia legumes. Quanto às roupas, tinha
Essas bajxezas afligiram-na muitíssimo. No mês de março com que se vestir até o Íim de seus dias, e ponpava. aluz, deitan-
de 1853, foi tomada Por uma dor no peito; sua língua parecia do-se logo ao crepúsculo.
coberta de fumaça, as sanguessugas não acalmaram a opressão; e Não saía nunca, a fim de evitar a loja do antiquário, orrde
na nona noite e1a expirou, exatamente aos setenta e dois anos. alguns dos antigos móveis estâvam enr exposição. Desde quando
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vigiando os meninos, a religiosa, inquieta outro, candelabros de prata e vasos de porcelana, dos quais se
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como aqios'joga- projetavarn girassóis, lírios, peônias, dedaleiras e buquês de hor-
por meninas; três das mais bonitas' frisadas
suas
de braços abertos' tênsias.Esse amontoado de cores brilhances descia obliquamenre,
vam pétalas de rosa Pare o ar; o diácono'
voltavam-§e a cada passo do primeiro andar até o tapete que se prolongava sobre o pavi-
moderava a música; e dois turibulários
pelo senhor padre enr sua mento; e objetos raros atraíam os olhos.i(Jrn açucareiro cle prata
pâra o Santíssimo Sacramen[o, Ievado
encarnado que quatro clonrada tinha unra coroa de violetas,ipingentes de pedra de
bela casula, sob um dossel de veludo
gente se apertava mais Àlençon brilhavarn sobre o nlusgo, dois biombos chineses exi-
íabriqueiros carregâvam' lJm mar de
cobriam a parede das casas; e biarn suas paisagens. De Lulu, escondiáo sob rosas, não se via
atrás, entre as toalhas brancas que
mais que a cabeça azul, parecida a uma placa de lápis-lazúli.
chegaram ao Pê da encosta'
Simonne Os fabriqueiros, os chantres, as crianças alinl'raram-se pelos
IJm suor frio molhave âs têmporas de FêIicitê'À
consigo que um dia tambêm três cantos do pátio. O padre subiu lentamente os degraus e depôs
enxugava-a com um pano, üzendo
sobre a rende o grande oscensôrio dou.rado, que resplandecia.
teria que Passar Por aquiJo'
muito forre por Tôdos se ajoelharam, Fez-se um grande silêncio. E os incensó-
O murmúrio da multidão aumentou' ficou
rios, a todo ímpeto, deslizavarn nas correntes. 1
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