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SELEÇÃO DE POEMAS In: Obras reunidas. Natal: Una, 2011. p. 673-677.

MODERNISMO RN: 1925-1930 2. JORGE FERNANDES (1887-1953)

1. OTHONIEL MENEZES (1895-1969) “Rede...”

“Atavismo” (1925) Embaladora do sono...


Balanço dos alpendres e dos ranchos...
Parte I Vai e vem nas modinhas langorosas...
Vai e vem de embalos e canções...
Tic-tac! Tac-tac! Professora de violões...
– Rrac... crac... Tipoia dos amores nordestinos...
Olá, amigo vento, velha alma familiar e Grande... larga e forte... pra casais...
[ chorosa de Casimiro! Berço de grande raça
velha gargalhada noctâmbula do salafrário Bocage!
Avejão!... (rrac!) S ...
vulto branco!... (crac!) U A
Tic-tac... S S
Ferve, a cem léguas, o mar… uma zelação P N
que desabou no mar! E

Parte II Guardadora de sonhos...


Pra madorna ao meio-dia...
Crac!... Crac! Grande... côncava...
abriram a minha porta! Lá no fundo dorme um bichinho...
Quando chega a hora aziaga — ô...ô...ô...ôô...ôôôôôôôôô...
e o horror no coração primitivo — Balança o punho da rede pro menino durmir...
do primeiro pastor que viu a primeira estrela
[ no céu, enorme, In: Livro de poemas de Jorge Fernandes. Natal:
tic... tic... o coração é um relógio – tic... tic... EDUFRN, 2007. p.52.
tic...!
“Aviões”
hora sem nenhum pavor dos corujões rasgando
[ a mortalha das horas Novecentos e cinquenta cavalos suspensos nos ares...
sobre o sono dos pequeninos, — Besouro roncando: zum... zum... umumum...
centos de filisteus com plumagens índias, Aonde irá aquele Rola-Titica parar?
carregando uma urna de esmeralda,
enflorada de corais e algas, E os olhos dos cabocos querem ver os Marinheiros
a cabeça luminosa e gotejante de Gonçalves Dias, Os peitados vermelhos das Oropas...
berram, mudos, epopeias americanas... E a marmota vai: ron... ron... – cevando o vento –
Ferve, a duzentas léguas para o Ocidente: o mar! Por cima dos coqueiros, varando as nuvens...
e foi quando os espectros de todas as poesias
abriram a minha porta! Depois desce no Rio Grande numa pirueta danisca
[...] Desimbestado, espalhando a água...
E fica batendo o papo, cansado de voar...
Parte IX
In: Livro de poemas de Jorge Fernandes. Natal:
E eu, dentro da cidade que dorme, EDUFRN, 2007. p.44.
vigiada pela vigília inexorável das
[ horas assombradas, 3. PALMYRA WANDERLEY (1894-1978)
e pelo cão danado do vento sul,
que é um bandido e devasta o peito dos meus “Alecrim”
irmãos varredores das ruas, [...]
eu estou vivo! É o bairro do samba, da folia,
e vejo o FANTASMA! Das adivinhações e da magia,
tic... tac!... Das promessas de fitas,
o fantasma!... Dos fandangos, dos leilões...
crac! crac!... [...]
o fantasma! Alecrim é o bairro operário,
dos meus próprios pensamentos. A tecer noite e dia.
É a aranha operosa
que faz a teia e fia. Mastiga fumo cortado a remoer,
[…] Cravo, pimenta;
É o bairro da lida, da função, E deixa a baba fedorenta
É o bairro da feira domingueira, Pela boca, sem dentes, escorrer.
Numa algazarra louca!
Vestida de algodão, numa sujeira, É bem ali, no fim da ladeira, esquecido,
Arrastando tamanco entre as barracas, Pobre enjeitado!
Dando empurrão, Não é bairro, não é nada, é um refugo.
A tocar berimbau e realejo de boca, Ainda é tempo de mudar de vida,
Mascando alho, dizendo palavrão. Pecador de tanto pecado.
[…] [...]
Embalado no ninho,
Como o filho da humilde cigarreira, In: Roseira brava. Natal: FJA, 1965. p.41-42.
Dorme, embalado no seio
Da pobre mãe, tão consumida e pobre! 4. CÂMARA CASCUDO (1898-1986)
A voz vai se sumindo, ali, na casaria,
Quase rente com o chão... “Não gosto de sertão verde” (1926)
[…]
E ela, a pobrezinha, já tão penada, Não gosto de sertão verde
Com a voz perra de sono, Sertão de violeiro e de açude cheio
Já tão cansada de trabalhar, vai repetindo muito Sertão de rio descendo
devagar, l
A arrastar, a arrastar, e
A cantiga do povo n
[...] t
o
In: Roseira brava. Natal: FJA, 1965. p. 36-38. largo, limpo.
Sertão de sambas na latada,
“Passo da Pátria” harmônio, bailes e algodão
Sertão de canjica e de fogueira
É um antro de miséria, Capelinha de melão é de São João
É um passo de dor! Sertão do poço da ingazeira
Parece que os apaches de outras terras onde a piranha rosna feito cachorro
Nascem dali. Que horror! e a tainha sombreia de negro n’água quieta
Quando medo me mete! onde as moças se despem
É, com certeza, daquele lodo d
Que se gera o amor da apachinete, e
Bebendo com a desgraça v
O próprio amor. a
Mata com um beijo, crava o punhal, g
Disputa a sorte no jogo de trinta e um, a
Dança a dança da morte r
No lamaçal, Prefiro o sertão vermelho, bruto, bravo
Dá estalos com a língua com o couro da terra furado pelos serrotes
Amarga, pecaminosa, hirtos, altos, secos, híspidos
Sentindo o travo do mal. e a terra é cinza poalhando um sol de cobre
e uma luz oleosa e mole
Passo da Pátria é a tasca do vício, e
Do pecador impenitente. s
Tem um cheiro ruim de maresia c
E uma bafo, muito forte, de aguardente. o
r
Mendigo maltrapilho e esfaimado, r
Quase a morrer de fome e abandono, e
Aproveita migalhas, como sobejo, como o óleo amarelo de lâmpada de igreja.
Veste trapos, roupas velhas,
Teima no vício, In: Cartas de Câmara Cascudo a Mário de Andrade.
Fuma ponta de cigarro, já fumado, São Paulo: Global, 2010. p. 107.
De arrependimento, não há indício.

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