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Concerto Barroco –
de Alejo Carpentier
O primeiro capítulo da inicio a uma contextualização, situando a história nos períodos
que remetem às navegações, da América espanhola, das riquezas conquistadas da fartura de
prata, da questão indígena, da relação servo e senhor. Já no segundo capítulo nos é introduzido
a história de Filomeno, o bisneto de Salvador -que era um negro livre e heroico- homem negro,
honrado e talentoso, que virá a servir o Amo, como substituto de um falecido servo, tendo
cativado o viajante durante a contação da história de seu ancestral.
Aqui é interessante fazer nota sobre a construção do concerto em si, toda as questões
que envolvem a novela, trazendo desde o vocabulário, às descrições das cenas que são repletas
de sonoridade, de luz e cores, o imaginário riquíssimo que o narrador nos apresenta como o
mundo o qual está nos mostrando, de forma que a leitura não perde o sentido ao passarmos
por trechos de detalhamento, e sim nos dá a clareza e possibilidade de construir uma imagem
elaborada e mais completa possível do ambiente.
Partindo em sua jornada pela Europa, chegam a Madri, e se deparam com um mundo
muito menos vivo, por assim dizer, do que o Amo experienciara no México, segue-se uma série
de comparações e lamentações, da parte do Amo, ao sentir que nada ali era como esperava e
decide encurtar a estadia ali. Filomeno, no entanto, havia se divertido, como figura notável,
estando com mulheres brancas, precisou ser “convencido” pelo Amo a seguir viagem.
A ideia de sinestesia que o texto traz, se faz sempre presente e bem marcada, com todos
os elementos inseridos em cena muito bem detalhadas, com ideias do ambiente em cores, sons,
cheiros e ânimo, ainda mais contrapondo os sentimentos das personagens que se expressam no
capitulo 3 e 4, em relação as duas cidades da Europa, e como atendem ou não às suas
expectativas.
Ao quinto capítulo, após uma discussão sobre operas e música, onde o narrador nos
introduz ao cenário desse ciclo, elucidando episódios frequentes nos teatros e camarins, chegam
a um convento, que é também uma escola musical, encabeçada por frei Antônio, que em meio
a apresentação das musicistas que o chamam mestre, acaba por se revelar como sendo Antônio
Vivaldi, e seu amigo como Domenico Scarlatti.
Eis aqui uma reviravolta foi inesperada, apesar da indicação de que a leitura fosse
acompanhada a Opera Montezuma de Vivaldi, não havia indícios de que a história tornar-se-ia
uma ficção histórica, apresentando personagens tão renomados da história real, introduzindo-
os de forma tão sutil, como dois estranhos que se encontra em um bar, ou mesmo a passagem
em que é citada a pintora Rosalba Carriera.
É então, o momento mais importante, pois aqui ganham sentido toda as discussões
levantadas pelo texto: a ânsia por pontuar a busca em saciar os prazeres de vícios da carne; as
questões sociais da relação do senhor rico, que toma a história dos povos conquistado e as veste
como suas, relembrando que até esse momento não é clara a descendência do Amo passa a ser
chamado de Montezuma pelo narrador; do apreço pela arte e o vislumbre que outras culturas
representavam para os europeus, desde o momento que Filomeno “conquista” o Amo ao
momento em que ele passa a ser apreciado pelos musicistas; e por fim a afirmação ao início da
novela, na passagem: “Brancos e pardos confundidos em semelhante folia?” — pergunta o
viajante — “Impossível harmonia!”, onde o Amo, diz não acreditar na festa que se segue após,
e em comemoração, ao ato heroico de Salvador, bisavô de Filomeno, e que se repete nesse
momento.
Sem dúvida impressionante o modo como a cena é construída de forma sutil, como o
ritmo da leitura é guiado pelas falas atravessadas e jocosas dos personagens que apenas
imaginaríamos como cultos e cordiais, e a mente vai acelerando e rodopiando junto do passeio
dançante pelo convento, num festejar de tirar o folego, numa contradição cômica do ode à
serpente do Éden dentro de um convento, da referência à cultura africana de e como o ato
glorioso de fazer música faz exatamente o oposto do que afirma o Amo, e une os personagens
numa harmonia impossível.
Nesse momento acabou por ocorrer uma lembrança sobre cemitérios de Salvador-
Bahia, que são grande atrativo cultural, com túmulos barrocos, góticos e renascentistas, mas
acabou sendo apenas um devaneio sem muita correlação.
Apenas interessa a questão aprofundada pela discussão que se sucede sobre o tumulo
de Igor Stravinsky, e sobre como “um cemitério ao crepúsculo é sempre algo melancólico que
induz a meditações pouco prazerosas sobre o destino das pessoas” pensando também que é
muitas vezes imprescindível e importante para o barroco tratar de temas como a morte e o
tempo, como é sinalizado no próximo capitulo.
No capitulo sétimo, temos a figura dos mori ou mouros, chamados assim pelos
venezianos por sua cor bronze “marrom”, dai se dá a relação mais direta do porque Filomeno
os chama de “meus irmãos”, mas que talvez pudesse significar algo mais profundo como a
relação de servidão, seja ao tempo/ao seu oficio de marcar o tempo e o oficio de Filomeno, que
em sequência, aparece em uma cena que representa bem a sua posição como servo, barbeando
e preparando o Amo para ir ao ensaio da opera Montezuma que foi afinal, produzida por Vivaldi.
O capitulo termina com a menção dos mori novamente, o que nos leva a retomar a
referência ao tempo, como uma representação do “avanço” da civilização, do oficio assumido
pelo europeu em reescrever a história das culturas alheias adaptando à sua própria visão, ou
mesmo mantendo o que lhes é interessante.
Com o final marcado pelo trabalho dos martelos dos mori -símbolo do tempo
veneziano/europeu - dado o lugar em que estão localizados, a praça de San Marco - como se
insinuassem: apesar do seu estarrecimento nosso ponto de vista é sob o qual a história será
contada, a vida continua, esse é o nosso tempo.
De certa forma essa mensagem também se aplica ao último capítulo da obra, onde ainda
impactado pelo efeito da opera de Vivaldi, vemos finalmente o viajante assumir seu papel como
indígena, revelando os anseios que teve durante a apresentação: o desejo de que os mexicanos
triunfassem, que o Montezuma vencesse, apesar de conhecer a história e saber seu final, ele
finalmente enxerga-se como alguém que esteve há muito “do lado errado”.
Filomeno diz então: “— E o que se procura com a ilusão cênica, a não ser tirar-nos de
onde estamos para levar-nos aonde não poderíamos chegar por nossa própria vontade? (...)
“Graças ao teatro podemos recuar no tempo e viver, coisa impossível para nossa carne atual,
em épocas para sempre findas. —” seguido da fala do indígena: “Às vezes é necessário afastar-
se das coisas, pôr um mar no meio, para ver as coisas de perto.”
E ao que se pode dizer em síntese, isso se refere à própria obra, aos personagens, à
história, e a pluralidade/polifonia, mas principalmente ao papel da arte, especialmente a arte
barroca, como representadora e transformadoras de mundos: quando Filomeno é “escolhido”
como servo por suas qualidades e talentos; quando Vivaldi interpreta a história a seu modo na
opera, sem pensar que isso tomará proporções gigantescas, ou mesmo todos os arquétipos
reproduzidos em literaturas, que limitam nosso olhar a partir de uma perspectiva mais
difundida; quando o Amo-viajante-Montezuma-índio encontra sua posição finalmente, ao
questionar-se através da opera; e quando Filomeno, decidido a ficar em Veneza mais uma noite,
vai ao concerto barroco de Louis Armstrong: musicista e cantor “a personificação do jazz”,
tocador de trompete como anseia ser Filomeno. Mas tudo isso só é possível, porque o contexto
em si é o da harmonia controversa barroca.
Pois enquanto não assumirmos nossos papéis, ou fazer como fizeram grandes artistas
como Aleijadinho, ao colocar a mão na massa e mostrar a que viemos e como devolveremos
nossos sentimentos e vivências ao mundo, perderemos a chance de fazer valer nossa cultura,
porque mesmo que em novas linguagens, o que devemos aos nossos antepassados e a nossa
história é o respeito de nunca aceitar ser o homem cordial, sem essência, para enfim deixar de
viver para sempre uma reinterpretação barroca europeia de nossa própria história, e passar a
ser mais como nós mesmos, vivendo não a história que nos foi conferida, mas uma história real
que tem a possibilidade de um futuro fabuloso.