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A LÍRICA CLÁSSICA

O termo “lírico” deriva do grego


“λύρα” (lyra) e foi cunhado por
filólogos alexandrinos para indicar um
tipo de poema cantado, acompanhado
por música.

Na época clássica, era usada a palavra


"mélica" (gr. μελική), que vem
de μέλος, "canto acompanhado de
música", de onde se formou o termo
“melodia”, em português.
Nos últimos anos, no contexto acadêmico,
o termo “lírico” vem sendo revisto, pois
reúne diferentes gêneros poéticos do
período arcaico: a elegia, o jambo e a
mélica.
Esses gêneros foram chamados líricos, ou
“lírica”, pela presença bem marcada da 1ª
pessoa do singular, em contraste com os
gêneros de poesia hexamétrica: a épica, a
hínica e outros gêneros menores.
Essa característica (1ª pessoa) foi
sobrevalorizada na leitura da poesia
grega, feita pelo Romantismo.
A poesia lírica grega surgiu no período
arcaico, entre os séculos VII e VI a.C..

Com o desenvolvimento do comércio, da


economia de concorrência e da
sociedade que tinha por centro a cidade,
o individualismo salientou-se em todos
os campos da vida cultural.

O surgimento da lírica liga-se


diretamente ao desenvolvimento social
da pólis e ao florescimento cultural que
acompanhou o processo de migração
grega para a Ásia Ocidental e para as
ilhas do Mar Egeu.
A poesia lírica grega caracteriza-se,
portanto, pela valorização da
individualidade, da expressão pessoal
e também por documentar a
decadência da antiga aristocracia
grega.

Os poetas líricos retomam velhos


temas (viagens de retorno, batalhas,
morte de heróis) mas de modo
diferente.

Essas inovações, trazidas pela poesia


lírica, terão continuidade e chegarão
aos nossos dias.
Um desses poetas foi Arquíloco
(Άρχίλοχος), da ilha de Paros, que
viveu na primeira metade do século VII
a.C., por volta de 650 a. C..

Seus versos se caracterizam pela


espontaneidade, pelo sentimento e por
uma certa rebeldia em relação aos
valores estabelecidos.

Esses poemas logo se tornaram muito


populares: faziam parte do repertório
dos rapsodos e eram cantados em
concursos públicos de poesia.
“Um saio apoderou-se do meu escudo,
uma arma excelente.
E para meu pesar, se ri de mim.
Na fuga, joguei-a em um matagal,
mas salvei a minha vida.
O que me interessa o escudo?
Que se vá! Em breve terei outro igual.”

Arquíloco de Paros - Fragmento 38W 


Não gosto do grande general,
nem do que anda a largo
passo, 
nem do que é vaidoso de
seus cachos, nem do bem
barbeado. 
Que seja pequeno, com
pernas tortas, mas plantado
firme sobre os pés, cheio de
coragem.

Arquíloco de Paros - Fragmento 114W


Pouco se sabe sobre a vida de Safo
(Σαπφώ) ou Psappha (no dialeto
eólico). Ela nasceu provavelmente por
volta de 620 a.C..

Pertencia a uma família aristocrática de


Eressos ou Mytilene, a principal cidade
da ilha de Lesbos, que foi um ativo
centro cultural no século VII a. C. .

Parece ter tido vários irmãos, se casado


e tido uma filha chamada Cleis.
Estudiosos propuseram detalhes
biográficos plausíveis, mas que
permanecem altamente especulativos,
como a sua deportação para a cidade de
Pirra, aos 19 anos, acusada de
conspiração política. Era temida por sua
inteligência e talento.

Muito respeitada na Antiguidade, a


poesia de Safo foi censurada pelos
monges, na Idade Média, devido ao teor
erótico.

.
A ilha de Lesbos e sua localização no Mar Egeu.
Safo cantou o amor e os sentimentos
femininos, sempre expressos com
simplicidade natural, às vezes com
ternura, outras vezes com ardor
apaixonado. Entre os temas de sua
poesia estão a solidão, o amor, o
erotismo.

Com maior liberdade de composição,


inventou a poesia da interioridade, da
qual ainda não existia modelo e utilizou
grande variedade de metros.
Os dois grandes poetas da escola eólica
de poesia lírica foram Safo e Alceu.

Safo nasceu em Mitylene ou Eresos, em


Lesbos, no final do século VII a.C.. Seu pai,
de nome Scamandrônimo, morreu quando
a poeta tinha seis anos de idade.

Safo tinha três irmãos, Caraxus, Larichus e


Eurigius. Caraxus foi violentamente
repreendido por sua irmã em um poema,
porque ter se enamorado de uma cortesã
egípcia e pago um alto preço para resgatá-
la da escravidão.
Safo foi contemporânea de
grandes poetas (Alceu, Stesicorus
e Pittacus), com os quais tinha
relações amistosas.

A amizade entre Safo e Alceu


aparece em fragmentos da poesia
de ambos.

Ovídio (Her. XV 51) conta sobre


sua fuga de Mitylene para a Sicília
entre B.C. 604 e 592, mas não
especifica a causa do exílio.
Uma tradição mítica, tardia, conta de seu
suicídio, saltando de uma rocha (Leucadian),
por não ser correspondida em seu amor por
Phaon.

Porém o nome de Phaon não ocorre em um


dos fragmentos de Safo e não há evidência
de que ele tenha sido mencionado em seus
poemas.

Quanto ao salto da rocha de Leucadian,


trata-se de uma metáfora, retirada de um rito
expiatório ligado à adoração de Apolo, que
parece ter sido uma imagem poética
frequente.
Na narrativa de um mitógrafo do século
IV, Pseudo-Palefetos:

Phaon viveu trabalhando com seu bote


em um estreito do mar e os habitantes de
Lesbos o respeitavam. A deusa Afrodite,
admirava esse homem, de modo que
assumiu a aparência de uma velha e
pediu a Phaon para transportá-la.

Como ele a levou sem pedir nada em


troca, a deusa metamorfoseou o velho
barqueiro, dando-lhe beleza e juventude.
Foi esse Phaon que Safo cantou em sua
poesia lírica
Em Mitylene, Safo parece ter liderado
um grupo literário feminino, em que
a maioria dos membros eram suas
alunas em poesia, moda e boas
maneiras. A partir dessa associação,
escritores posteriores tentaram
caracterizá-la como homossexual.

É praticamente impossível ler os


fragmentos que restaram de sua
poesia e encontrar os valores que
seus admiradores dos séculos
seguintes lhe impuseram.
Não se põe em dúvida o gênio poético,
de Safo. Poetas de todos os tempos
expressaram sua admiração pela
paixão, sinceridade e graça de sua
poesia.

Um de seus poemas afetou Solon de


tal modo que ele expressou o desejo
de aprendê-lo antes de morrer.

Seus poemas líricos formavam nove


livros, dos quais chegaram até nós
apenas fragmentos.
Na antiguidade, Safo estava entre os maiores
poetas e, muitas vezes, foi chamada de "a
Poetisa", assim como Homero era chamado
"o Poeta".

Platão saudou-a como "a décima musa", e


ela foi honrada com sua esfígie em moedas e
em estátuas cívicas.

Não obstante, alguns a atacaram, tentando


ridicularizá-la por suas preferências sexuais.
Fatos de sua vida foram inventados ou
distorcidos para servir aos fins morais ou
psicológicos de seus leitores.
Há um fragmento anacreontico, da
geração seguinte a de Safo, escrito
para zombar de lésbicas.

Safo também foi satirizado pelos


escritores da Nova Comédia.

Ovídio relatou a história de Phaon,


que, de acordo com algumas
tradições, rejeitou o amor de Safo e
fez com que ela se matasse, saltando
de uma rocha.
Os moralistas cristão, na Idade Média,
raspavam os pergaminhos com seu
poemas.

Muitos editores modernos eliminam ou


alteram palavras ou linhas em poemas
que eles acreditam que possam ser mal
interpretados pelos leitores.

A história da recepção da obra de Safo


é, em si mesma, uma das partes mais
significativas da poeta.
Talvez o texto que melhor representa a
influência mais puramente poética de
Safo seja o que cataloga os sintomas
físicos do amor que afligem o eu-lírico
ao observar sua amada conversando
com um homem.

Este poema é preservado em No


Sublime (por volta do século I aC), de
Longino, que o cita como um exemplo
da obtenção de grande sublimidade por
um arranjo habilidoso de conteúdo.
Longino observa a grande paixão, a
precisão da observação e a feliz
combinação de detalhes do poema.
Parece-me ser igual aos deuses aquele homem que, à
tua frente sentado, tua voz deliciosa, de perto, escuta,
inclinando o rosto,

E teu riso luminoso que acorda desejos – ah! eu juro,


o coração no peito estremece de pavor, no instante
em que te vejo: dizer não posso mais uma só palavra;

A língua se dilacera; escorre-me sob a pele uma


chama furtiva; os olhos não veem, os ouvidos
zumbem;

Um frio suor me recobre, um frêmito do corpo se


apodera, mais verde do que as ervas eu fico;
e parece que estou a um passo da morte ...
ο]ἰ μὲν ἰππήων στρότον οἰ δὲ
πέσδων οἰ δὲ νάων φαῑσ’ ὲπ[ὶ]
γᾱν μέλαι[ν]αν ἔ]μμεναι
κάλλιστον, ἔγω δὲ κῆν’ ὄτ- τω τις
ἔραται.

É um batalhão de infantes ou de
cavaleiros.
Dizem outros que é uma frota de
negras naus a mais linda coisa
sobre a terra.
Mas para mim, é quem tu amas.
Para Longino, Safo ilustra "a expressão
mais extrema e intensa da emoção.

Por toda a sua complexidade e inovação


métricas (um dos metros em que compôs
os seus poemas mais tarde ficou
conhecido como o metro "Sáfico”.
Apesar da rica melodia de seu verso, é o
conteúdo que mais fascina os seus
leitores.

Seus poemas são espontâneos, simples,


diretos e sinceros.
Cai a lua, caem as plêiades e 
é meia-noite, o tempo passa e 
eu aqui deitada, sozinha.

“Dizem que há nove musas,


que falta de memória!
Esqueceram a décima, Safo de
Lesbos” (Platão)

“A beleza servi e não conheço


nada maior”
Safo
Eu tenho uma linda menina;
com douradas flores ela se
parece:
minha Kleís, meu bem-querer.
Nem pelo reino da Lídia inteiro,
nem pela adorada Lesbos eu a
trocaria.
Ó Afrodite sem-morte, do manto florido
ofuscante,
ODE A AFRODITE
filha de Zeus, tecelã de ardis,
suplico-te, ó dominadora,
não me abatas de angustias e dores

mas vem a mim. Como da outra vez


em que de longe minha voz
escutastes, e do pai deixada a casa,
no áureo coche viestes.

Soberbos velozes pássaros


sobre a negra terra te trouxeram,
rápidas asas movendo
pelo ar celeste.
E eis que chegaram. E tu, Bendita,
sorridente do rosto imortal
indagas do que novamente sofro
e a que te invoco outra vez,

e o que mais desejo


que na alma inquieta se cumpra.
“A quem queres que dobre a teu amor,
ó Safo? Quem te ofende?
Aquela que ora foge, logo te seguirá,
a que favores recusa, os oferecerá,
e se não ama, em breve,
contravontade amará.”

Vem pois a mim, e agora,


dissolve o duro tormento,
ocorra o que anseia minh’alma,
alia-te a mim, Afrodite!
… Porque o pranto na casa de um
poeta
Não é permitido, nem isso nos
convém.
Safo, frg. 41

Quem é belo é belo aos olhos — e


basta.
Mas quem é bom é subitamente
belo.
Safo, frg. 24
Lesbos
Charles Baudelaire

Lesbos: lá as noites
Têm quentura e têm langor,
Deixa o velho Platão franzir a testa austera;
Tu obténs teu perdão por excesso de beijos,
Rainha cortesã em benévola era,
De sofisticação e requinte
sobejos.

Deixa o velho Platão franzir a testa austera.


Tu adquires teu perdão do perpétuo
martírio,
Que sem interrupção se inflige aos mais
ousados,
Que atrai longe de nós o riso rico e frio,
Entrevisto, pueril, à beira de outros mundos

Tu adquires teu perdão do perpétuo


martírio!
Pois qual Deus ousará, Lesbos, ser teu
algoz
O poeta Anacreonte (Άνακρέων),
nascido em Téos (563-478),  pode
ser considerado o sucessor dos
poetas do Período Arcaico.

A lírica amorosa de Anacreonte é


sensual e mundana.
O amor dos cabelos de ouro
lança-me a bola vermelha
e quer que eu jogue com a moça
das sandálias coloridas.

Mas a jovem — que é de Lesbos,


a bem construída — faz pouco
de meus cabelos já brancos
e olha ardente para um outro.

Anacreonte Fr. 358


Tradução: Péricles Eugênio da Silva Ramos

Com um grande machado, tal um ferreiro, de novo,


Eros me bate e mergulha-me numa torrente invernal. 

Anacreonte Fr. 68
Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira
A primeira antologia grega foi
compilada por Meleagro de
Gadara. A palavra “antologia” é
formada pelos termos gregos:
αντος “flor” e λεγω
“selecionar”, com o sentido de
fazer um ramalhete.

Meleagro legou à posteridade o


termo “antologia” como
sinônimo de um a seleção de
textos literários. O equivalente
latino é florilégio.
Gradualmente, a arte helenística foi
dando lugar ao predomínio da arte
romana e assim a civilização romana
tornou-se herdeira cultural da Grécia.

Entre os romanos a lírica floresceu


durante o governo do Imperador
Augusto, no século I a.C., com Virgílio,
Ovídio e Horácio.

Horácio adaptou alguns poemas de


Safo para a língua latina.
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;


é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor


nos corações humanos amizade, Luis de Camões
se tão contrário a si é o mesmo Amor
AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração. Fernando Pessoa
Lembrança do Amor

Federico García Lorca

Não partas com teu reflexo


Deixa-o espelhado em meu peito,
branca cereja tremendo
em martírio de janeiro.
Entre mim e os mortos tenho
um muro de pesadelos.
Dói a dor do lírio fresco
para um coração de gesso.
A poesia de amor não é um espelho fiel
da realidade.

Não é a expressão de sentimentos


sinceros, de confissões ditadas pelo
coração, e não oferece dados
biográficos confiáveis.

É necessário distinguir a persona


histórica do poeta da persona lírica, ou
seja, da personagem literária que fala e
age em seu nome (sujeito lírico / eu
lírico).
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
DO ESTILO LÍRICO

Sujeito lírico
Há uma voz que fala no poema,
expressando suas emoções, que não
mantém, necessariamente, qualquer
ligação com o poeta. .

Subjetividade
O poema revela as impressões do “eu
lírico” que extravasa seus sentimentos.
BIBLIOGRAFIA

CORREA, Paula da Cunha Armas e Varões. A Guerra na Lírica de Arquíloco. São


Paulo: Unesp, 1998. 

Poesia Grega e Latina. Seleção, Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo:
Cultrix, 1964. 

SAFO DE LESBOS. Poemas e fragmentos. Trad. Joaquim Brasil Fontes. São Paulo:
Iluminuras, 2003.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

Faculdade de Letras-LIBRAS

Profa. Dra. Sueli Maria de Oliveira Regino

Goiânia

2022

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