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Proalfa em Casa 2022 – Encontro I: Um recomeço Prof: Oscar de Paula Neto

"O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus.
Depois todos morrem” (Oswald de Andrade. In: Serafim Ponte Grande - 1933)

Os sapos – Manuel Bandeira (In: Carnaval, 1919)


Enfunando os papos,
Saem da penumbra, Urra o sapo-boi:
Aos pulos, os sapos. - "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
A luz os deslumbra. - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Em ronco que aterra, Brada em um assomo


Berra o sapo-boi: O sapo-tanoeiro:
- "Meu pai foi à guerra!" - A grande arte é como
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". Lavor de joalheiro.

O sapo-tanoeiro, Ou bem de estatuário.


Parnasiano aguado, Tudo quanto é belo,
Diz: - "Meu cancioneiro Tudo quanto é vário,
É bem martelado. Canta no martelo".

Vede como primo Outros, sapos-pipas


Em comer os hiatos! (Um mal em si cabe),
Que arte! E nunca rimo Falam pelas tripas,
Os termos cognatos. - "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

O meu verso é bom Longe dessa grita,


Frumento sem joio. Lá onde mais densa
Faço rimas com A noite infinita
Consoantes de apoio. Veste a sombra imensa;

Vai por cinquenta anos Lá, fugido ao mundo,


Que lhes dei a norma: Sem glória, sem fé,
Reduzi sem danos No perau profundo
A fôrmas a forma. E solitário, é

Clame a saparia Que soluças tu,


Em críticas céticas: Transido de frio,
Não há mais poesia, Sapo-cururu
Mas há artes poéticas..." Da beira do rio...

Máquina de escrever – Mário de Andrade (In: Losango Cáqui - 1924)


B D G Z, Reminton.
Prá todas as cartas da gente.
Eco mecânico
De sentimentos rápidos batidos.
Pressa, muita pressa.
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Duma feita surripiaram a máquina-de-escrever de meu mano.


Isso também entra na poesia
Por que ele não tinha dinheiro prá comprar outra.

Igualdade maquinal,
Amor ódio tristeza...
E os sorrisos da ironia
Prá todas as cartas da gente...
Os malévolos e os presidentes da Republica
Escrevendo com a mesma letra...
Igualdade
Liberdade
Fraternité, point.
Unificação de todas as mãos...

Todos os amores
Começando por uns AA que se parecem...
O marido que engana a mulher,
A mulher que engana o marido,
Os amantes os filhos os namorados...
“Pêsames”.

“Situação difícil.
Querido amigo... (E os 50 mil-réis.)
Subscrevo-me
Adm”.
obg.”

E a assinatura manuscrita.

Trique... Estrago!
Ê na letra O.
Privação de espantos
Prás almas especulas diante da vida!
Todas as ânsias perturbadas!
Não poder contar meu êxtase
Diante dos teus cabelos fogaréu!

A interjeição saiu com o ponto fora de lugar!


Minha comoção
Se esqueceu de bater o retrocesso.
Ficou um fio
Tal e qual uma lágrima que cai
E o ponto final depois da lágrima.

Porém não tive lágrimas, fiz “Oh!”


Diante dos teus cabelos fogaréu.

A máquina mentiu!
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Sabes que sou muito alegre


E gosto de beijar teus olhos matinais.
Até quarta, heim,ll.

Bato dois LL minúsculos.


E a assinatura manuscrita.

Erro de Português – Oswald de Andrade (In: Primeiro caderno de poesia do aluno


Oswald de Andrade – 1927)
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Pronominais – Oswald de Andrade (In: Pau-Brasil, 1925)


Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Poemas da Colonização – Oswald de Andrade (Pau-Brasil, 1925)


fazenda antiga
O Narciso marceneiro o capoeira
Que sabia fazer moinhos e mesas — Qué apanhá sordado?
E mais o Casimiro da cozinha — O quê?
Que aprendera no Rio — Qué apanhá?
E o Ambrósio que atacou Seu Jura de faca Pernas e cabeças na calçada
E suicidou-se
As dezenove pretinhas grávidas medo da senhora
A escrava pegou a filhinha nascida
negro fugido Nas costas
O Jerônimo estava numa outra fazenda E se atirou no Paraíba
Socando pilão na cozinha Para que a criança não fosse judiada
Entraram
Grudaram nele
O pilão tombou
Ele tropeçou
E caiu
Montaram nele
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A vida é loka – Sérgio Vaz (Flores de Alvenaria, 2016)


Esses dias tinha um moleque na quebrada
com uma arma de quase 400 páginas na mão.
Umas minas cheirando prosa, uns acendendo poesia.
Um cara sem Nike no pé indo para o trampo com o zóio vermelho de tanto ler no ônibus.
Uns tiozinhos e umas tiazinhas no sarau enchendo a cara de poemas.

Depois saíram vomitando versos na calçada.


O tráfico de informação não para,

uns estão saindo algemados aos diplomas

depois de experimentarem umas pílulas de sabedoria.

As famílias, coniventes, estão em êxtase.

Esses vidas mansas estão esvaziando as cadeias e desempregando os Datenas.

A Vida não é mesmo loka?

Os pretinhos – Cidinha da Silva (2020)


Vede todos esses pretinhos –
tão parecidos com as crias
que, trazidas pelos tumbeiros,
por acaso sobreviviam.

Vede todos esses pretinhos


espalhados pela cidade:
uns roubando pelas ruas,
outros entregues ao crack.

Uns pretinhos vão à escola,


ainda que não botem fé –
assistem às aulas, fazem provas,
sem saber para que servem.

A quem importam os pretinhos?


Desde sempre, indesejados –
filhos da raça maldita,
deixados na vida ao acaso.

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