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Henriqueta Lisboa

Henriqueta Lisboa foi uma poetisa


brasileira.

Nasceu a 01 Janeiro 1901 (Lambari, Minas


Gerais, Brasil)
Morreu em 09 Outubro 1985 (Belo Horizonte)

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Vem, Doce Morte

Vem, doce morte. Quando queiras.


Ao crepúsculo, no instante em que
as nuvens
des\lam pálidos casulos
e o suspiro das árvores - secreto -
não é senão prenúncio
de um delicado acontecimento.

Quanto queiras. Ao meio-dia,


súbito
espetáculo deslumbrante e inédito
de rubros panoramas abertos
ao sol, ao mar, aos montes, às
planícies
com celeiros refertos e intocados.

Quando queiras. Presentes as


estrelas
ou já esquivas, na madrugada
com pássaros despertos, à hora
em que os campos recolhem as
sementes
e os cristais endurecem de frio.

Tenho o corpo tão leve (quando


queiras)
que a teu primeiro sopro cederei
distraída
como um pensamento cortado
pela visão da lua
em que acaso - mais alto -
re`oresça.

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Infância

E volta sempre a infância


com suas íntimas, fundas
amarguras.
Oh! por que não esquecer
as amarguras
e somente lembrar o que foi
suave
ao nosso coração de seis anos?

A misteriosa infância
\cou naquele quarto em
desordem,
nos soluços de nossa mãe
junto ao leito onde arqueja uma
criança;

nos sobrecenhos de nosso pai


examinando o termomêtro: a
febre subiu;
e no beijo de despedida à
irmãzinha
à hora mais fria da madrugada.

A infância melancólica
\cou naqueles longos dias iguais,
a olhar o rio no quintal horas
inteiras,
a ouvir o gemido dos bambus
verde-negros
em luta sempre contra as
ventanias!

A infância inquieta
\cou no medo da noite
quando a lamparina vacilava
mortiça
e ao derredor tudo crescia escuro,
escuro...

A menininha ríspida
nunca disse a ninguém que tinha
medo,
porém Deus sabe como seu
coração batia no escuro,
Deus sabe como seu coração
\cou para sempre diante da vida
— batendo, batendo assombrado!

Publicado no livro Prisioneiro da


Noite (1941).

In: LISBOA, Henriqueta. Obras


completas I: poesia geral,
1929/1983. Pref. Fábio Lucas. São
Paulo: Duas Cidades, 1985

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Divertimento

O esperto esquilo
ganha um coco.
Tem olhos intranqüilos
de louco.
Os dentes \nos
mostra. E em pouco
os dentes \nca
na polpa.
Assim, com perfeito estilo,
sob estridentes
dentes,
o coco, em segundos, \ca
todo oco.

In: LISBOA, Henriqueta. O menino


poeta. Ed. esp. ampl. Introd. Alaíde
Lisboa de Oliveira. Il. Odila Fontes.
Belo Horizonte: Impr. O\cial, 1975

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Noturno

Meu pensamento em febre


é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.

Meus desejos irrequietos,


à hora em que não há socorro,

dançam livres como libélulas


em redor do fogo.

Publicado no livro Prisioneira da


Noite (1941).

In: LISBOA, Henriqueta. Obras


completas I: poesia geral,
1929/1983. Pref. Fábio Lucas. São
Paulo: Duas Cidades, 1985

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A Menina Selvagem

Para Ângela Maria

A menina selvagem veio da


aurora
acompanhada de pássaros,
estrelas-marinhas
e seixos.
Traz uma tinta de magnólia
escorrida
nas faces.
Seus cabelos, molhados de
orvalho e
tocados de musgo,
cascateiam brincando
com o vento.
A menina selvagem carrega
punhados
de renda,
sacode soltas espumas.
Alimenta peixes ariscos e
renitentes papagaios.
E há de relance, no seu riso,
gume de aço e polpa de amora.

Reis Magos, é tempo!


Oferecei bosques, várzeas e
campos
à menina selvagem:
ela veio atrás das libélulas.

Publicado no livro Lírica (1958).


Poema integrante da série O
Menino Poeta, 1939/1941.

In: LISBOA, Henriqueta. Obras


completas I: poesia geral,
1929/1983. Pref. Fábio Lucas. São
Paulo: Duas Cidades, 1985. p.96

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Ciranda de Mariposas

Vamos todos cirandar


ciranda de mariposas.
Mariposas na vidraça
são jóias, são brincos de ouro.

Ai! poeira de ouro translúcida


bailando em torno da lâmpada.
Ai! fulgurantes espelhos
re`etindo asas que dançam.

Estrelas são mariposas


(faz tanto frio na rua!)
batem asas de esperança
contra as vidraças da lua.

Publicado no livro O Menino Poeta


(1943).

In: LISBOA, Henriqueta. O menino


poeta. Ed. esp. ampl. Introd. Alaíde
Lisboa de Oliveira. Il. Odila Fontes.
Belo Horizonte: Impr. O\cial, 1975.
p.129

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Drama de Bárbara
Heliodora

"Bárbara bela
do norte estrela
que o meu destino
sabes guiar."

Quem é esse que assim canta


como quem está chorando?
Suas faces encovaram,
seus olhos se amorteceram,
sobre seus cabelos negros
cai uma chuva de cinza.
Ah! e havia tanta brasa
em torno de seus cabelos,
tanto sol na sua ilharga,
tanto ouro nas suas minas,
tanto potro galopando
nas suas terras sem \m.

Grão de poeira quando o vento


a madrugada castiga:
Já não é mais Alvarenga
quem foi Alvarenga um dia.

Do galho tomba uma fruta


verde sobre o lago fundo.
A árvore guardava a seiva
toda nessa fruta verde.
A mão trêmula do poeta
mal sabe aquilo que escreve:

"Tu entre os braços


ternos abraços
da \lha amada
podes gozar."

A essas horas, na distância,


vai pela tarde dorida
sob a chuva, entre salpicos
de lama, um caixão mortuário
sem enfeites nem bordados,
senão os que a lama asperge
no pano que cobre as tábuas.

Quando a alvura da açucena


se refugiava nas moitas,
Maria I\gênia encontra
sua gruta para sempre.

É deveras a Princesa
do Brasil, essa menina
de madeixas escorridas,
de lábios esmaecidos,
de túnica mal vestida?

Essa, a mesma por quem vinham


da Corte os melhores mestres
de dança e língua estrangeira?
A de damascos e auréolas
a quem brotavam nos dedos
tíbios ramos de coral?

Linda, lendária Princesa,


por quem chora já sem lágrimas
pobre mulher desvairada
de olhos que olham mas não
vêem.

Chora Bárbara Heliodora


Guilhermina da Silveira.
E em suas artérias corre
o sangue de Amador Bueno!
Chora, porém já sem lágrimas.

É de mármore seu rosto.


Seu busto cai sobre os joelhos:
`ores que de trepadeiras
pendem murchas para o solo.

Talvez já nem saiba como


– para donaire da estirpe –
na ponta dos pés erguida
em hora periclitante
ousou admoestar o esposo:
"Antes a miséria, a fome,
a morte, do que a traição!"

Valem muralhas de pedra


para represa dos rios,
certas palavras eternas
que decidem do destino.

Publicado no livro Madrinha Lua


(1952)
LISBOA, Henriqueta. Obras
completas: poesia geral: 1929-1983.
São Paulo: Duas Cidades, 1985. p.
21.

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Modelagem - Mulher

Assim foi modelado o objeto:


para subserviência.
Tem olhos de ver e apenas
entrevê. Não vai longe
seu pensamento cortado
ao meio pela ferrugem
das tesouras. É um mito
sem asas, condicionado
às fainas da lareira
Seria uma cântaro de barro afeito
a movimentos incipientes
sob tutela.
Ergue a cabeça por instantes
e logo esmorece por força
de séculos pendentes.
Ao remover entulhos
leva espinhos na carne.
Será talvez escasso um milênio
para que de justiça
tenha vida integral.
Pois o modelo deve ser
indefectível segundo
as leis da própria modelagem.

Publicado no livro Pousada do Ser


(1982).

In: LISBOA, Henriqueta. Obras


completas I: poesia geral,
1929/1983. Pref. Fábio Lucas. São
Paulo: Duas Cidades, 198

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Confronto

Em relâmpago os bárbaros
no espaço.
Passo a passo os tímidos
no tempo.

Sob os pés dos vândalos


as pedras arrasam-se.
Do chão limpo os pací\cos
erguem torres bíblicas.

Os rebeldes, de árbitros,
destroem os ídolos.
Os dóceis, na dúvida,
valorizam as órbitas.

A \bra dos bárbaros,


a astúcia dos tímidos.

de Miradouro e outros poemas


(1976)

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Assim é o medo

Assim é o medo:
cinza
verde.
Olhos de lince.
Voz sem timbre
Torvo e morno
Melindre.

Da sombra espreita
à espera de algo
que o alente.
Não age: tenta
porém recua
a qualquer bulha.

No campo assiste
junto ao títere
à cruz que esparze
vivo gazeio
de nervosismo
com vidro moído
grácil granizo
de pássaros.

E que rascante
violino brusco
não arrepia
ao longo o azul
dos meus veludos
se, a noite em meio
cá no fundo
quarto escuro,
a lua arrisca
numa oblíqua
o olhar morteiro.

Dentro da jaula
(mundo inapto)
do domador
em fúria à fera
subsinuosa-
mente resvala.

Aos frios reptos


do ziguezague
em choque, súbito
relampagueio,
as duas forças
se opõem dúbias
se atraem foscas
para a luta
pelo avesso:
despiste e fuga
ouro e vermelho
desde a entranha.

As duas forças
antagônicas:
qual delas ganha
acaso
ou perde
o medo
frente a
frente ao
medo?

de Além da imagem (1963)

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É Estranho

É estranho que, após o pranto


vertido em rios sobre os mares,
venha pousar-te no ombro
o pássaro das ilhas, ó náufrago.

É estranho que, depois das trevas


semeadas por sobre as valas,
teus sentidos se adelgacem
diante das clareiras, ó cego.

É estranho que, depois de morto,


rompidos os esteios da alma
e descaminhado o corpo,
homem, tenhas reino mais alto.
(da obra Flor da Morte)

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Canção do berço vazio

Canção do berço vazio


nunca a ninguém acalenta,
nenhuma voz a cantou.

Canção de lábios cerrados


que estremeceu no silëncio
muito antes de ter princípio.

Canção de peito oprimido


que não encontra palavras
porque nem o berço existe.

Ah! quem sonhara acalantos,


fontes escorrendo leite
para inconcebidos anjos?

Num país irmão da noite


canção da loucura mansa
para ouvidos que não ouvem...

Canção do berço vazio


entrecortada de pratos
e de risos escondidos...

Lá do outro lado do mundo


canção sem nenhum sentido
pobre louca está cantando.

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Um poeta esteve na guerra

Um poeta esteve na guerra


dia a dia longos anos.
Participou do caos,
da astúcia, da fome.

Um poeta esteve na guerra.


Por entre a neve e a metralha
conheceu mundos e homens.
Homens que matavam e homens
que somente morriam.

Um poeta esteve na guerra


como qualquer, matando.
Para falar da guerra
tem apenas o pranto.

$1020 !0 "0 %0

Comunhão

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