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Índice

Editorial ------------------------------------------------------------- p. 05
Isabel Marz --------------------------------------------------------- p. 10
Ana Elisa Granziera ---------------------------------------------- p. 12
Daniel Rodas ------------------------------------------------------- p. 19
Marina Grandolpho ---------------------------------------------- p. 24
Krishnamurti Góes dos Anjos ---------------------------------- p. 30
Lucas Carneiro ---------------------------------------------------- p. 35
Estefany Lima ------------------------------------------------------ p. 38
Gonzalo Dávila Bolliger ------------------------------------------ p. 40
Isabel Furini -------------------------------------------------------- p. 46
Fabiana Rodrigues Carrijo -------------------------------------- p. 49
Iara Sydenstricker ------------------------------------------------ p. 53
Ricardo Pecego ---------------------------------------------------- p. 57
Uelson Teixeira ---------------------------------------------------- p. 63
Felipe Pereira Batista --------------------------------------------- p. 65
Géssica Menino ---------------------------------------------------- p. 72
Marcos Antonio Leite Junior ----------------------------------- p. 74
Agradecimentos e Contatos ------------------------------------- p. 78
Editorial
Poema é barba de
Fogo
Poema assusta o
Frontão

Poema é risco de
Lobo
Patada no meio do
Chão

Poema é laço de
Pólvora
No pito que trisca
O nariz

Poema é dança de
Roda
Girando a bala num
Triz

Poema é chama de
Lacre
Aberto na briga do
Não

Poema é rastro de
Sangue
Queimando do mangue
Ao sertão

[IMPROVISO MORNO N°26]


O poema queima. O poema queima no chão. O poema chama. O fogo do céu ao sertão.
O poema invoca. A chama que queima o frontão. O poema enrosca. A linha do fogo ao
pilão.

O poeta atiça. A listra que queima e risca. O poeta trisca. O fogo na saia e se arrisca. O
poeta é tudo: fogo girando o monturo. O poeta é furo. Queimando por cima do muro.

O poema assusta. Uns olhos-poeta-cuca. O poema insulta. Os olhos da pedra-oca. O poeta


invoca. O fogo que queima a cuca. O poeta invoca. A chama que grita a chuva.

E nascendo vai. Poema de fogo e tocha. E crescendo vai. O fogo que logo atocha. O pavio
na chama: o fogo que logo clama. Com os pés na lama. Poema que queima e chama.

E chamando arrisca. O fogo que logo clama. E clamando atiça. O fogo que em si se
chama. A verdade nua: do fogo que queima a pua. A verdade crua: poema de sol e lua.

E assim se faz. Poema queimando a vida. E assim refaz. Poema renova a vida. E de volta
o nu. Do corpo que queima em dança. Se refaz no nu. Poema em si:

SUCURU!

[Paraíba: Abril do Ano da Pólvora de Dois Mil e Vinte e Três]

Equipe Sucuru
*

* *
Arpoador

Debaixo de uma chuva de fumaça de cigarro e cinzas, pisando saudosamente em


um asfalto frio e úmido, sinto uma vontade esquisita que aperta a têmpora numa dor
latente e pegajosa. Molhando a cabeça por dentro, como se inundasse os caminhos do
cérebro. Eu quase consigo escutar, com toda a certeza de quem não vê, uma inundação
de imagens, medos, toques, palavras, cheiros. Lembrança, talvez seja o nome. Uma
lembrança imaginária ou uma imaginação que se utiliza de lembranças para sentir
saudade, pra se encher e esvaziar. Eu vou pisando nas pedrinhas da rua com saudade de
um chão menos duro, menos áspero, com menos história. A saudade de um chão que foi
meu por pouco tempo, mas que me deixou ficar por inteira, com aquela sensação de
pertencimento que aquece uma ilusão monstruosa de não estar só. Era o presente de vozes
bêbadas que me sopravam mentiras tão deliciosas e destiladas que derretiam na boca, se
desfaziam em confetes de torpor na paisagem de uma praia fria de madrugada. Eu seria a
primeira a envelhecer no meio daquela gente bêbada, drogada e feliz. Arrancando risadas
histéricas às três da manhã pra fugir da própria desgraça. Da desgraça de ser jovem e ter
tudo. De andar no meio da noite por ruas iluminadas e seguras com cheiro de maresia
enquanto derramava goela abaixo, sêmen e bebidas caras compradas em um
supermercado 24 horas. Eu sentei e ponderei o tamanho do desespero de estar no meio
disso. Aguada e quieta, diluída num silêncio de quem quer queimar no fogo do circo. Eu
soltava pequenas peças tentando encaixar naquela cena esdrúxula que tanto me repelia e
atraía. Fiquei pequena e cheia de buracos. De manhã, na ressaca, enchia a barriga de água,
e sentava no chão do box. Ria, sentindo que aquilo era muito perfeito e natural. Perfeito
de tão artificial. Arquitetei pequenos paraísos para que durassem alguns meses. Bastaria.
E depois eu poderia me atirar das pedras do arpoador e virar espuma. Seria o bastante,
por ora. Nunca mais precisaria pensar a longo prazo, ou me demorar nas angústias de
quem espera o futuro. Aquela gente não espera.

Isabel Marz tem 29 anos, nasceu em Belford Roxo, baixada fluminense do Rio de
Janeiro, e é formada em literatura pela UFRRJ.
O SONO
Um banho relaxante,
Uma xícara de chá.
Cheiro de hidratante nos antebraços.
As páginas do livro se dissolvem na meia-luz.

O clique do abajur.
O escuro esfria o corpo por debaixo do lençol.
Cobertas que abraçam.
Um suspiro longo que abre a boca num bocejo.
Costas pesadas no colchão.
Travesseiro de lavanda.
Rosto suave, sem expressão.
Uma imagem de sonho por trás das pálpebras.
Não lembro se paguei a conta de luz.
Ela não respondeu meu Whats.
Acho que preenchi o formulário errado.
Deixei roupa no varal e vai chover.

Puta que pariu.


Não consigo dormir.
A SANTA
CLING!, fez a louça da pia, no meio daquele CHUÁAA de lavar talheres, e Lúcia despertou de um
sonho para a busca do ruído misterioso, passando os olhos pelas manchas de detergente azul e
bolonhesa, até encontrar o perpetrador do ruído, que era aquela santinha de ouro, fininha feito
uma hóstia, que carregara na corrente do pescoço desde o dia em que nasceu, presente da mãe
e da vó e da bisa, corrente de santa que santificava sua história, constante santidade feminina
que pesava na família e que agora pulava na piscina de carne e sabão sem saber se lava ou se
suja, nadando, arrastada pela corrente, a corrente quebrada no pescoço de Lúcia, que, cansada
de ser a santa que lava a louça, queria ser a louca que dança, e pensou, assim, por que é que
não fazia nada, e nadava a santa, e segurava a faca e a esponja suja, e sujava a santa de molho
de carne, e molhava os olhos naquela figura que nadava, que afogava, feito bruxa que não boia,
menos sabão mais carne, descendo num molho vermelho, um sangue que escorre, cling cling
cling se debate no ralo, gira, gira, gira, gira a santa, canta a santa, grita a bruxa, chupa a água e
o som do alívio é PLUP!
AH, NÃO!
Perdi o adaptador.

A chave quebrou na fechadura.

Joguei fora o recibo.

Esqueci a senha .

A mala extraviou.

Choveu o feriado todo.

Esqueci de fechar a janela.

O bolo solou.

Arrancaram a última página.

A alça da Havaiana estourou

Coloquei sal em vez de açúcar.

Não tem Wi-Fi.

Não lembro pra quem emprestei.

O livro caiu na banheira.

Acabou o papel.

Cliquei “responder a todos”.

O nude vazou.
O JANTAR
Ana Elisa Granziera é escritora, ilustradora e aquarelista paulistana, nascida em 1979,
e residente no Canadá desde 2017. É autora do livro Brutta figura (Chiado Books - 2020),
do blog La Cucinetta desde 2006, e da newsletter Boletos & Borboletas desde 2021.
Ilustrou livros infantis e didáticos no Brasil, expôs suas aquarelas em Toronto, e hoje é
professora de arte em Ottawa, onde mora com o marido e dois filhos, personagens de suas
crônicas e cartuns. Corre maratonas no meio do mato, e escreve poemas quando tem
insônia. Recentemente, lançou a obra “Manual das Decepções de uma Vida Comum”,
pela Mocho Edições.
AQUELE SOL

Tinha o dom de semear


Desertos.

NEFELIBATA

Lá fora a manhã
O risco aberto da patrulha
Dos arcos

O guidão da névoa
Em recortado escombro

Metade âncora numa


Nuvem de sombras.

PLANO SONORO

À noite
Os móveis estalam
Imóveis na copa

Um cheiro de corpo
Atrelado às escadas

As sombras cinzentas
Detrás da janela

O eco do oco
Estalando no eco

Madeirado sem cores.


*

VAN GOGH

Dor de
Olvido

Amarelo
Manga

Oceano
Trigo

ANCIÃO

À margem do
Hoje

O Ontem deitado

Sob um céu de
Pétalas.

BODOCONGÓ

As araras riscam farpas


No açude

Vermelho-bico
O céu laríngeo das araras
Junto ao mar de tédio
De aço

De sombras e fumaças no
Acaso.

ARTE DE VOAR

Uma pedra voou


Mas não foi
Estilhaço

No bico de um
Pásso
A pedra voou

(No bico de um
Passo
A pedra soou.)

RELÓGIO

1h

[As horas são incêndios


Nos quais o tempo se
Consome]

2h
Daniel Rodas é escritor, poeta e dramaturgo. Graduado em Letras e Mestrando em
Literatura e Interculturalidade (UEPB). Editor da Revista Sucuru. Autor da plaquete Eros
e Saturno (Editora Primata, 2021) e do livro Umbuama (Editora Urutau, 2021). Integrou
as antologias Poesia fora do eixo (Toma Aí Um Poema, 2022) e Engenho Arretado:
poesia paraibana do século XXI (Patuá, 2023). Fez parte do grupo de teatro ExperIeus da
cidade de Monteiro-PB, onde colaborou como ator. Natural de Teixeira-PB, atualmente
reside em Campina Grande-PB. Pensa na poesia como um fluxo, como o fluir
incontrolável da vida.
De maquinário feminino e outras conversas

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RAPAZ SEM GRAÇA

não vejo graça no teu riso

ora frouxo, ora forçado

tampouco vejo graça

na tua conversa fiada

presunçosa e ofensiva

não vejo

a me-nor

gra-ça

o teu modo condescendente

de dizer que sente muito

vai de encontro ao meu modo

de sentir o mundo

e esbarra na minha solidez

escolha de quem já não vê graça

no sujeito que insiste em dizer,

brincando,

que até gosta do meu jeito

não só dispenso a tua preferência


como dou soco no vazio

onde caminha a tua confusão

meu coração não é lugar

para stand-up medíocre

muito menos pista de dança

para quem não sabe sambar

prefiro bailar solitária

com meus sonhos tropeçando

no saguão dos desejos

que se transformam

todas as vezes que me toco

DESPETALADA

ontem me contaram a história

de uma mulher despedaçada

por um homem

que a partiu

por um filho

que pariu

por um deus

que se omitiu

ninguém sequer ouviu


as suas preces

recolheu os seus cacos

resolveu o seu caso

revolveu o seu caos

resignada,

desfez-se no chão

pétala

por

pétala

e enfeitou

o choro

incontido

que agora

rolava

pela

face

VASO QUEBRADO

o dia que você esbarrou

no vaso da minha sala de estar

nem sequer olhou a porcelana

estilhaçada no chão
a peça colidiu com o

assoalho e se espatifou

você ficou ali parado,

olhando como se a cena

não lhe coubesse

resignada, juntei

caco

por

caco

e me mantive calada,

apenas fitando

os seus olhos

não soube o que dizer

daquela vez

mas agora sei:

gosto de quem limpa os cacos

daquilo que quebra,

cortando os dedos

nos pedaços pontiagudos

— se for o caso.
Marina Grandolpho nasceu em Catanduva, SP, e atualmente vive em Campinas,
também SP. Formada em Letras pela UFSCar e doutora em Estudos Literários pela
Unesp, é professora e escritora, além de mãe e feminista. Possui textos publicados em
revistas/portais literários e em sua newsletter. Em 2022, publicou a zine independente Por
debaixo da carne sou palavra e, recentemente, publicou maquinário feminino e outras
conversas (Ed. Patuá), seu livro de estreia.
Fotografia de um minério

Por Krishnamurti Góes dos Anjos (*)

O segundo livro publicado do senhor Luciano Lanzillotti, “Fotografia de um


minério” - poesias, revela e amplia aquela primeira impressão que tivemos quando do
lançamento de “Geometria do Acaso”, seu livro de estreia. Positivamente o autor faz parte
daquele diminuto time de autores, que tiveram uma formação acadêmica em Letras e,
sobrepondo-se a isto, conseguem combinar conhecimento e sensibilidade acima da média.
O escritor Ruy Espinheira Filho que assina o prefácio, a certa altura afirma que na
obra, Lanzillotti, escreveu páginas que “transitam, sobretudo, como ocorre na melhor
poesia, pela condição humana em situações essenciais: o enigma do ser, a brevidade no
mundo, a necessidade de ir em frente, sempre e sempre. Tudo com a presença dos
sentimentos, das carências, do amor, como sempre, repito, na melhor poesia.”. E é uma
verdade à qual se pode acrescentar outra que cada leitor pode usufruir de acordo claro,
com o grau de sensibilidade e empatia que o autor consegue despertar. A nosso ver, e já
escrevi isto sobre o autor, há nele uma fina capacidade de transmitir uma poesia social
como elemento reflexivo de seu espírito indignado e combativo. E advirta-se logo que
não se trata propriamente de um labor que se poderia caracterizar de poética de
engajamento, ou de luta social, que tanta porcaria e equívocos tem causado em nome de
pseudo bandeiras. Referimo-nos a algo mais profundo porque o autor alcança e em muito
boa medida, realizar uma literatura construtiva, mais politizada com uma postura do
indivíduo questionando a si mesmo (aprofundamento do eu com o mundo). É como se
ouvíssemos ecos de um Carlos Drummond de Andrade, aquele Drummond de “Tenho
apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. A linguagem flexível e rica de dimensões
humanas que colhemos sobretudo na segunda parte da obra “Opala”, é bastante
significativa nesse sentido. Ali lembramos do dito de Sartre de que “o poeta e o filósofo
são os mais bem equipados para entenderem o sentido das coisas. Eles podem entender o
sentido da pólis de seu tempo de uma maneira re(velante). Um discurso que se torna
possível através do verbo poético.
Ressaltamos ainda que a importância de uma poética assim vai além da construção
de objetos materiais, porque usa a palavra para chegar ao outro. Mesmo que esteja no
centro, o poeta usa a palavra não para se exaltar, mas para se interrogar sobre o mundo,
as coisas. Faz versos e vê o re(verso) e assim, chega até os leitores.
Luciano maneja uma lírica que se mantêm lúcida perante a realidade, perante a
sociedade, seja qual for o preço da lucidez. Aquela que está presa à vida e denuncia as
suas iniquidades, as suas desigualdades, do ponto de vista político, social e humano, em
sentido profundo, sem deixar de ser poesia, sem deixar de ser lírica. Não seria este um
dos ofícios mais nobres da Literatura? Causar bem aos outros, não apenas politicamente,
socialmente, mas por transmitir emoção ao próximo. Há de se ter o compromisso social
com o humano. E finalmente, deixando a verbosidade de lado, brindemos o leitor com
poemas que ilustram o que até aqui dissemos, e outro que encanta os que estão
apaixonados, que falem por si:

Lições da contracorrente p. 53.


Caminho ao lado / de pessoas com fome / sem casa ou título.
Lutam / pelo pão de cada dia / pelo remédio caro da farmácia / por um lugar no chão.
Nada sabem sobre ti, Walt Whitman. / Nem de tuas armas e escravos, Arthur Rimbaud.
E atravessam a rua como se houvesse / algum tesouro /ali na esquina.

Limpar vidros p. 54.


I
Descalço e sem qualquer habilidade / o menino / se aproveita do sinal fechado / para limpar /
vidros.
Exausto / do sol / e da falta / de gorjetas
já não estende as mãos.
II
Mecanicamente / vai e volta / entre filas / de máquinas
cronometrando / o tempo / de cada solidão / fechada / entre vidros.
III
Que conteúdo / preenche / sua mente
que futuro / lhe espera / ao fim / desse breve / dia?

Quando foi? p. 60.

Enquanto o ônibus se movimenta / sinto-me como passageiro / de futuro inerte / desamparado /


tímido.

Passo e vou lendo Alberto Caeiro / que transita entre outeiros / fora das cidades.

Sexta-feira e há / porcos e cães ao lado das lixeiras / mototaxistas / radinhos / bares com idosos
/ jovens e crianças / brincando sobre areia-lavada.

Todos carregam olhar vago / grito sem gemido / são gaiolas para / pássaros que não cantam ou
voam.
O que se assemelha à visão do inferno de Dante / é apenas mais um dia / no Rio de Janeiro / e
ao desembarcar / carrego insistente pergunta:

quando foi / que nos tornaram isso?

Corações e mentes p. 69.


A bomba / não é mais de hidrogênio.
A bomba / não e nuclear.
A bomba / não é química.
A bomba / agora / instalou-se / nos corações e mentes:
e quem não tiver a bomba / deverá ser bombardeado.

Para além de tudo isso p. 89.


Não falarei sobre o amor / ou o que há para além de seu domínio.
Sobre rouxinóis / maços de rosas vermelhas / viagens / despedidas.
A solução / o ritmo / o remédio / o mistério / que ronda o mundo.
Falarei sobre / duas pessoas que / neste momento / em algum lugar / produzem encontro / para
além / de tudo isso.

Livro: “Fotografia de um minério”, Poesia de Luciano Lanzillotti – Editora Folheando – Belém – PA –


2023, 124 p.

ISBN: 978-65-5404-115-7
Link para compra e pronto envio:
https://www.editorafolheando.com.br/pd-92b280 ou
https://www.facebook.com/luciano.lanzillotti
https://lanzillotti.wordpress.com/blog/

(*) Krishnamurti Góes dos Anjos tem publicados os livros: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato
de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos, Embriagado Intelecto e outros contos, Doze Contos & meio Poema
e À flor da pele – Contos. Participou de 28 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Há
textos seus publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último
romance publicado pela editora portuguesa Chiado – O Touro do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro lugar
no Concurso Internacional - Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria
Romance. Colabora regularmente com resenhas, contos e ensaios em diversos sites e publicações. Atuando com a
crítica literária, resenhou mais de 300 obras de literatura brasileira contemporânea veiculadas em diversos jornais,
revistas e sites literários.
Tempo, luto, morte, memória e vida: uma visão do romance Rosário Desgastado
(2023), de Luiz Eudes

Lucas Carneiro

Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc, et in hora mortis
nostræ. Amen. Os versos que arrebatam essa introdução remontam a famosa liturgia de
Santo Rosário, devoção bastante peculiar na tradição católica. Avindo do latim, o termo
Rosarium compreende etimologicamente um campo repleto de rosas; flor que no
imaginário cristão simboliza a Santíssima Virgem Maria. Para além dessa definição, o
substantivo também pode ser empregado para se referir a um artefato estruturado em
pequenos intervalos circulares, cuja função central reside na marcação das orações.
Essa prática que teve origem nos grandes conventos e mosteiros do século XVI,
foi constituída por monges e sacerdotes que faziam uso de pequenas pedras e grãos como
forma de conduzir, entre os fiéis iletrados, a contagem das rezas – composta por 150 Ave
Marias. Assim, cada prece feita em devoção à virgem compreende uma rosa, e cada
rosário rezado em sua totalidade equivale a uma coroa de flores – vista como sinônimo
de celebração do espírito, vida, triunfo, gozo e harmonia.
Diante da potencialidade simbólica materializada em uma única expressão, e
levando em consideração a força do catolicismo nas regiões sertanejas do Nordeste, não
poderíamos cogitar um título mais apropriado para o novo romance do escritor baiano
Luiz Eudes senão Rosário Desgastado. Lançada em março de 2023 pela editora
Pragmatha, a obra conta um prefácio anotado pelo poeta, jornalista e crítico literário
Tanussi Cardoso, e capa de Géssica Ronise.
Subdividida em duas partes não nomeadas – ambas estruturadas respectivamente
pela presença de 15 e 14 capítulos – Rosário Desgastado está situada no ponto chave da
memória, que caminha de mãos dadas com temáticas que flertam com a religiosidade,
misticismo, luto, vida e morte. Tendo como ambientação central o território do Junco –
interior baiano – a obra segue um fluxo cronológico marcado por certas alternâncias entre
passado e presente – conduzidas pela força onírica dos personagens.
No núcleo inicial da narrativa, o leitor se defronta com os personagens Abelardo
(protagonista) e Santinha, acompanhando de perto o lento e progressivo crescimento do
casal, bem como os duros percalços enfrentados durante esse processo – como por
exemplo as duras secas, dores, sofrimento, sol escaldante e trabalho árduo em latossolo.
Na segunda seção, quem conduz a narrativa até o seu final é João; filho do casal sertanejo
que em seu plano mais íntimo revive uma mescla de sentimentos que perpassa por sonhos,
memórias, luto, saudades, medo e lembranças da vida.
Contudo, para além de Abelardo, Santinha e João, outra personagem que marca
presença nos dois núcleos constituintes da obra, e que de certo modo merece uma
observação, diz respeito ao espectro; a mãe do belo que em seu espírito insone repousa
silenciosamente à espera de nós – tal como conjugada por Wallace Stevens nos versos de
Sunday Morning –, ou seja, a morte. Na estória, o desenlace natural da vida que em muito
invade o subconsciente das personagens caminha de forma paralela com a vida, sempre
tocada pelo tempo e circunscrevendo-se na realidade na qual ambos se encontram
Quanto à estrutura da linguagem, Luiz Eudes se vale de uma dicção vocabular
objetiva e poética, marcada por um lirismo movido por expressões e ditados populares
provenientes do nosso grande Sertão Baiano. Um estilo que possibilita realizarmos
algumas aproximações para com João Guimarães Rosa, que em sua prosa poética também
nos brinda com a riqueza de elementos que se fundem na cultura regional e se apresentam
também interligados a temáticas universais.
Temos aqui então uma obra que por meio da sua narrativa envolvente conduz o
leitor diretamente ao Junco; ao solo baiano e suas belezas, suas paisagens, seu brilho, seus
cidadãos, riquezas, costumes e nuances que nos permitem adentrar no universo de
Abelardo, Santinha, João, Rita e Chico do Mato, e compreender seus mistérios e anseios.

Lucas Carneiro é nascido em Salvador - BA, possui 21 anos e reside na cidade de


Alagoinhas - BA. É graduado do curso de letras, língua inglesa e literaturas pela
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Desenvolve pesquisas sobre poesia moderna
em expressão anglófona, com foco no processo de antropomorfização através da força da
palavra poética.
O Bonde

Por vezes tenho uma necessidade estranha de pegar um bonde. Estranha porque cá neste
lugar não há bondes, sem contar que para onde iria? — disso também não sei. Às vezes,
em salas pertencentes pego-me o esperando, me arrumo toda; arranjo-me o melhor
perfume, o melhor vestido, os melhores sapatos, dedico um tempo a enrolar os cabelos.
Mas ainda não estou pronta. Volto-me ao espelho revisando-me inteiramente; é aquela
sensação que nos diz faltar algo, que avisa como mãe bem atenta que o necessário
deixamos para trás. Não encontro, nem ao menos possuo alguma noção do que me falta,
mesmo concordando com a mãe de que algo que deveria estar comigo ou em mim não
está. Reviso-me novamente. Nada encontro. Tenho medo de perder o bonde — sim,
aquele que aqui não passa, mas que o espero em horário exato para ir a um lugar do qual
também não sei. Sinto que posso estar enlouquecendo. Saio num ato admirável de fé,
caminho pelas ruas centralizadas da cidade cheias de trilhos onde não há trens, poucas
árvores, muitas pessoas. Nas ruas que se expandem em cada pisada um assédio. Envolta
em imagens seduzentes que articulam seus desejos opressores sou fisgada. Perco-me no
alaranjar encapado de fulvo, mas nele não há cintilantes. Devo lembrar-me da queda. Dos
túneis amontoados de gente a voz da mãe ecoa em meus ouvidos. Tocada pelas horas me
apresso e como um barco sujeito ao mar respeito a imprecisão dos pisares que me guiam
ao bonde. Sujeita ao tempo, ao vento, ao mar, ao dono.

Meu nome é Estefany Lima, tenho 19 anos, graduanda em Letras da Universidade


Federal de Pernambuco – UFPE, natural da cidade do Recife- PE. Estudei a vida toda em
escolas públicas, desde pequena demostrava certo gosto pelas palavras e escrita, mas não
pensara em levar adiante. Com o incentivo de amigos e professores, descobri-me no
mundo literário, entrei para o curso superior de Letras Bacharelado no ano de 2022 e
ainda cursando dedico-me ao estudo e fazer literário, produzindo contos e crônicas
De A Melancolia (editora Piraputanga, 2022)
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Melancolia
Os dias foram feitos para ti
E as noites, em silêncio, te veneram

Melancolia
O mar se cobre pouco a pouco pela névoa
E as aves, para sempre, se afastam

Melancolia
Qual o nome da tua temível potestade?
De noite, quando as lâmpadas se apagam
Vejo as crianças que perdem seus cabelos
E se transformam, uma a uma, em neblina...

O natimorto

Nasci de um pai tartamudo


De uma mãe que me batia
E não sei como vim ao mundo.

Não tenho relação com as estrelas


E nem com as plantas daninhas,
Eu não escolhi este mundo
E nem sequer coloquei
Esta mente neste corpo...

Como eu que nem o fora nem


O dentro escolhi,
Posso sentir que o mundo é bom?
E pensar no que sou no que serei
Se nem entendo essa mancha no espelho?
Fui crescendo assim sem pegadas
Com uma sombra que me deram,
Pois eu nasci com pensamentos
Que não queriam que tivesse...

Fecho os olhos neste quarto


E me imagino flutuando
Em um escuro sem fim.

Quando a conheci ela não falou sobre livros,


Não falou sobre teorias alheias
E nem sobre acontecimentos reais.
Ela apenas contou a sua vida
E me narrou um sonho estranho
Em que morria
Na mesma hora em que nascia...

E tudo isso ela me disse


Enquanto me acompanhava à minha casa...

Eu lembro
Pois ela caminhava como se fosse cair

E eu lembro:
Seus cabelos eram negros como noites mal dormidas
Seus olhos puxados como as terras distantes
E sua voz pesada como os que querem morrer...

...

E às vezes riamos de tudo por horas,


Riamos dos outros e das crenças alheias
Riamos da família e de nós por igual
Riamos de nossos colegas, estudantes
E do amor entre Jesus e Madalena...

...

Passados dias me deparei pensando nela,


Lembrei de suas histórias como quem não pode esquecer.
E agora que os anos passaram e tenho pesadelos sozinho
Observo uma mancha que cresce no espelho.

Minha vulcã de cabelos ruivos, ao longe sempre visível


Caminhas como uma patinha apresada pelas ruas do centro
E me abraças como quando criança
Corremos para abraçar nossos pais.
Quando te conheci, você lembra?
Você vestia uma camiseta de unicórnio
E falava sobre abduções e suicídios e mundos em outros planetas,
Já eras diferente na forma de olhar para o caderno de estudos,
Falavas sobre as provas de concurso e sobre saídas do corpo,
Tinhas já no primeiro olhar aquele sol violeta que atrai...
E eu te amo como o meteoro que matou os dinossauros
E eu te amo como as bicicletas que escapam da trilha
Como as ondas repentinas que rompem nossa paz
E você é única como o rinoceronte negro oriental
Única como um cérebro de um dragão perdido num museu
Você que como eu veio ao mundo com fórceps
Você que sofreu do abandono como uma cratera o meteoro
(Teu pai que te deixou e tua mãe
Que te amando nunca soube demostrar),
Você que passou a infância batendo a cabeça nas paredes,
Que tem uma filha e que compra brinquedos para si
Que já cheirou cocaína no banheiro da empresa
Que é magra e tem alma de navio em busca de alimentos
Você que tropeça nos moveis, busca a chave, e bebe café e cerveja com tudo
Que ri sem ética e com plena liberdade
E nua parece como uma grega em uma pintura renascentista
Com o mais profundo eu te amo no momento do amor,
Você é única como o terremoto em São Paulo
Você é única como a lua ao aparecer ao meio dia
E eu te amo como as crianças amam seu primeiro animal de estimação
E eu te amo como quem tenta sempre voltar ao mesmo sonho
E eu te amo como o sonâmbulo que não consegue deixar o seu corpo
Minha agitadora de emoções violentas no vazio dos dias
Minha abduzida no berço quando a tua família toda viu uma luz tão intensa
Que teve a certeza de que tinham te trazido de outro mundo,
Minha repetidora de pensamentos de fevereiro a dezembro e
do meio dia à meia noite
Que vê em sonhos as 69 reencarnações que jura já ter tido
E que espera da vida uma porta a outra vida
Mesmo temendo a eternidade como a uma tampa de aço,
Você que usa e sempre quebra teus óculos
Que limpa as superfícies mil vezes
E que sempre vasculha meus ouvidos e nariz,
Você que me faz rir como ninguém
Com piadas sobre teus amigos bêbados vinte anos mais velhos
E sobre um filho que teríamos, metade sonolência e metade bipolar
Metade ateu e metade esperançoso pelo além,
Você que fala inclusive enquanto sonha
E que come de boca aberta como eu
E que fala tudo o que não deveria ser falado
E que anda e bebe e conversa comigo pelas ruas do mundo
Você é única como o som do coração quando começa a bater
E eu te amo como os aviões que perderam suas asas
Como as ilhas que foram inundadas pelo mar.
Gonzalo Dávila Bolliger nasceu em 1989 em Lima, Peru, e se mudou para o Brasil em
1994 com os pais. Estudou Letras na USP e tem como alguns dos seus livros: Rumo ao
Âmago da Própria Voz (poesia, pela editora Autografia), A Melancolia (poesia, pela
editora Piraputanga), As Realidades Invisíveis (conjunto conceitual de contos e novelas;
pela editora Autografia), As Fronteiras do Sonho (novela, pela editora Maracaxá), Um
Gato no País dos Evangélicos – uma sátira da nossa sociedade (novela, pela Autografia
e também pela Maracaxá) e a tradução do poema Altazor do chileno Vicente Huidobro
(Maracaxà).
NUANCES

Minha solidão
reverbera
nos abismos
escondidos
entre os muros
e a névoa

minha solidão
às vezes
tem voz de água
outras vezes
mantêm o silêncio
das pedras

porque a solidão
é um universo
de exílios
que se aloja
em nossas temporas
e ordena
afastamento

mamífero inoportuno
nosso corpo
quer ser amado
e acariciado
enquanto nossa alma
(silenciosa)
quer conhecer
as nuances do rosto de Deus
em cada ser deste universo.
Isabel Furini é escritora, poeta e palestrante. Autora de 35 livros, entre eles, “Os Corvos
de Van Gogh” (poemas). É criadora do Projeto Poetizar o Mundo; recebeu Comenda
Ordem de Figueiró, no Rio de Janeiro; foi nomeada Embaixadora da Palavra pela
Fundação César Egido Serrano (Espanha, 2017). Seus poemas foram premiados no Brasil,
Espanha e Portugal. Palestrou sobre a arte de escrever em diversas Férias do Livro.
Ela queria morar na casa de bonecas

Sim. ‘Era um amor daqueles’. Você diria àquela pessoa em tempos imemoriais:
“Aceita que eu referende o ‘seu viver’? ”. Ao que o outro respondera: Seguramente!
Mal sabia você que ali seu destino seria outro, bem outro! Vivera tempos surreais,
o amor açoitava seu coração que pela primeira vez fora uma vez: estava, por fim entregue.
Não sabia o que lhe viria, só compreendia momentaneamente que queria muito encontrá-
la outra vez, outras tantas vezes. Se adormecia pouco, passou, então, a repousar menos
ainda. O coração taquicardíaco, a vida taquicardíaca. O desejo ditando o curso, os sonhos.
Passou então a esperar pelos e-mails – momento em que as almas se reconheciam de uma
longa e imprecisa viagem. Tempo e lugar de descansar e repousar o coração, o corpo, a
linha do destino. Passou, então, a contar os minutos, os segundos, os filigranas do tempo.
Pensou que teria encontrado a paz afinal, ou seria a guerra tão prometida, tão apetecida e
somente naquele momento possível? Deu de cara com o amor. Não adiantava, pois, as
recomendações alheias, nem mesmo as próprias recomendações. Queria, pois,
experimentar.
E experimentou escancaradamente, desavergonhadamente, e todos ‘os mentes’
possíveis. Sua metade estava ali, sua outra metade igualmente profunda, densa, inquieta
e lancinante. Por onde andara, por onde havia andado. Por que demorara tanto para o
encontro? O encontro marcado! Não aquele prometido pelo poeta outro, mas aquele
igualmente sonhado por sua essência danadamente romântica. Na linha imprecisa do
tempo passou a recolher uma a uma as sementes de romã – desculpa para um suco a dois?
Duas essências igualmente singulares, igualmente ímpares e complementares. Seria
possível? Sim, era possível. Assim quis, assim pensou e acreditou. Era tão fácil acreditar!
Quem não acreditaria? Seu coração pressagiou, sua alma também assim o fez e então
aconteceu. Quis conhecer a região do ‘abissal’, dos ‘entres os entres’, quis conhecer o
mundo de Alice, quis, danadamente, fazer companhia para o gato Cheshire, o Coelho
Branco e o Chapeleiro Maluco e tomar decididamente chá.
Era chegado novembro. Era chegado o amor. Como ele demorara chegar! E talvez
por este motivo também perpetrasse uma fissura daquela proporcional ao tempo
aguardado. Se ‘chuvinha de novembro amadurece a gabiroba’, de tão verde foi ‘perdendo-
se de si’ e, então, o novembro chegou e junto com ele saiu atônita para viver o não vivido,
mas tão cobiçado. Sim, prefaciou. Sentenciou também tudo, saiu de asas ligeiras, coração
puro e adejou alto, tão alto que esqueceu que era preciso ter um mínimo de lucidez. Era
preciso, mas quem disse que, entre ser preciso e viver, se escolheria aquele? Acabou, pois,
facilmente escolhendo este.
Conheceu a região dos ‘entres os entres’, reconheceu sensitivamente a carne de
sua carne, a ‘ânima’ de seu ‘animus’. Bastava um leve sim e teria ido. Sim foi, foi-se. E
então viajaram para o ali, para o azul, para o profundo, para o possível, por que não? La
Belle Munière, la belle hortelã, la belle musique de Satie.
Acreditou que tivesse relido a sua alma, apanhado os seus segredos primaveris,
adivinhado as suas sensações recônditas. Pensou ter soletrado como na lição aprendida
de cor uma a uma as páginas suas/nossas; Julgou ter navegado no seu corpo como se faz
a travessia de um rio caudaloso, antes mesmo percorrido de olhos fechados e sentidos
outros. Ela queria navegar aquele rio outras tantas vezes e encontrar. Encontrar-se?
Pensou precipitadamente que amor seria tal qual sentença matemática onde
fatalmente dois e dois seria quatro. Mas amor tem equação diversa. Queria ter conjugado
menos o verbo sofrer. Queria muito mais ter conjugado em todos os tempos possíveis o
verbo deleitar-se. Sim... viveu e apeteceu o inusitado por detrás do muro vizinho.
Quis morar na casa de boneca – aquela mesma oferecida por aquela pessoa como
sendo de uma de suas autoras preferidas. K. Mansfield. Aparentou não conhecer a estória
para acarinhar lhe por ter apresentado algo novo para o seu púbere universo literário. Sim,
na maior parte do tempo, tudo era novo, tudo era a primeira vez ou será que tudo que elas
faziam juntas era como se fosse a primeira vez? Leram, revisitaram: Helena Parente
Cunha, Milan Kundera, Virgínia Woolf, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Emily
Dickinson, Camille Claudel, Frida.
Reescreveram, nas fendas do tempo, uma escrita outra, um universo outro, uma
possibilidade também outra? Um estilo outro de ser, de sentir-se? Procurar-se? Ela teria
e descobriria um estilo ‘rosa de ser’ e você? Teria um estilo de ser, ou seria um estilo
delicado/meio frouxo de ser? Sempre doendo, sempre se doendo, sempre sangrando e
sofrendo. Sim deveria não ter aprendido facilmente a conjugar o verbo sofrer e seus
correlatos. Mas reconheceu que esta era uma lição impossibilíssima. Havia uma teimosia
natural/’inatural’, aprendizado de quando em vez’ viveu como rolinha atapetando o
terreno insólito do seu coração.
Queria/deveria ter restado na casa de boneca. Queria ter podido estar sobre as
abrangências daquele espaço da casa de boneca, brincar, rodopiar e cantar cantigas de
roda para a boneca mais nova de sapatinhos de verniz. Queria, pois, não ter que despertar,
queria não ter que acordar para a nova realidade, porque no seu íntimo ainda estava com
aquela sensação primeira e tão ‘intricadamente’ dela (o estilo rosa de ser) na pele, na
alma, no cerne do ser: “Tem gente que é assim mesmo: despede chegando e parte
querendo ficar”.
Fabiana Rodrigues Carrijo (Catalão/GO). Doutora em Estudos Linguísticos pela
Universidade Federal de Uberlândia. Atualmente é professora no Ensino Superior, na
FAE (Faculdade de Educação) na UFG (Universidade Federal de Goiás/UFCAT – em
transição). É autora de diversos capítulos e artigos científicos na área de letras/linguística
espalhados em revistas e livros especializados. Recentemente prefaciou três livros
Quebra-cabeça essencial, de Miriam Nassif; (Des)caso com a poesia: inquietações, de
Maurício Gomes e Espontânea Clausura, de Elaine Rosa Teixeira, sendo os dois últimos
lançados pela Editora Scortecci. No momento, encontra-se envolvida com a editoração
de seus dois livros de crônicas denominados: Contratos de amor lacerados e Vento na
Roseira. E-mail para contato: facarrijo@gmail.com
TRECHO 1 (extraído do conto Maria do Socorro)

Nasceu numa cidadezinha semiafogada pelo mar. Pai pescador de camarões. Mãe
alcoólatra, documentos de identificação despedaçados, várias vezes perdidos e achados
na praia. Filha paciente, obcecada pela ideia de entrar numa universidade e sair
diplomada. Ousada para padrões locais.
Aos treze anos conheceu a capital, quando para lá foi enviada como empregada
doméstica. Três turnos de trabalho, o da noite dedicado a arranjar letras e números numa
escola pública para a qual nem sempre ia graças a atrasos da patroa, do patrão, do
patrãozinho. Seu expediente começava com a casa em sono profundo, às cinco da manhã.
Café pão leite xícaras cereal jarra frutas guardanapos adoçante copos manteiga garfos mel
pratos suco geleia açúcar mascavo toalha colheres iogurte torradeira facas açúcar branco
enfileiravam-se na mesma desordem de sonhos inconclusos, interrompidos aos berros
pelo despertador. Enquanto a família desjejuava, tirava do fogão ovos quentes fritos
mexidos omeletados conforme desejos dos comensais. Todas as manhãs jurava guardar
trechos de sonhos inacabados para montar um só, que fizesse sentido.
Nas tardes dominicais, dividia-se entre o cansaço e o desejo de passear. Saboreava
larguezas de espaços públicos, onde podia espichar braços e pernas sem medo de quebrar
cristais. Gostava do parque, de todas as manifestações sociais, das cores das ruas: uma
confirmação de que os mesmos motivos a aproximavam de outros iguais, também
divididos entre dormir e respirar a cidade. Assim consumiu-se no tempo, até que patrão
abandona patroa, que abandona patrãozinho, que vai morar com avó, há muito
abandonada. (...)

TRECHO 2 (extraído do conto Maria de Jesus)

(...) Adorada por parturientes, madrinha primeira dos rebentos vingados, foi
santificada por mães agradecidas, canonizada por carpideiras e lavradores e perseguida
pelos demais. Assim viveu até enrugar.
E aguardou. Aguardou. Aguardou.
Então, numa semana da Paixão, quando soube ser a mais velha pessoa a existir,
babou rezas, bateu as patas na terra quente, mirou o céu e voou com os seus pendurados
numa corda feita de sisal e fé.
As testemunhas do milagre não souberam dizer de onde viera e para onde iria
aquele trenó esquisito que cruzou o sertão a puxar uma penca de gente seca, descalça e
feliz.
Foi Maria. Foi Lampião.
Romaria, Cobra-grande, Tupã.
Padre Cícero, José, Sebastião.
Mucamba, mulambo, mulé
Peixe-boi, Tangu-mau, escorpião.
Cigana, boiadeiro, Barnabé.
Curupira. Preto Velho. Assombração.
Mamaluca, caveira, maracujá.
Trovão, calmaria, cobra pajé.
Pecado, perdão, mal e fé.
Moça, homem, orixá.
Foi Maria.
Foi santa.
Foi o cão.

Foi Maria Domingas Ressurreição do Cristo, a Jesus.

Iara Sydenstricker (@iarasydescritora) é escritora, roteirista e arquiteta. Publicou contos


em antologias e uma coleção de livros infantis sobre crianças e cidades e escreveu vários
programas audiovisuais. É professora na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia,
na Cidade de Santo Amaro. Nasceu em São Paulo, morou por muito tempo no Rio de
Janeiro e hoje está em Salvador. Nos lugares por onde andou (re)conheceu muitas das
Marias que compõem seus contos do livro Marias de pedra e mel (Penalux, 2023) e
permanece encontrando inúmeras delas todos os dias, fora e dentro de si mesma.
Trechos de Caparaó

Páginas 51/52

A fuga da realidade naquele canto onde a vida acontecia


da mesma forma há séculos. Aquela troca lhes dava a vitalidade
que precisavam para continuar suas aventuras e vez
ou outra retornar.
Porém, num dia onde a fuga os levou à Praia Vermelha,
os acontecimentos que seguiram quebraram a rotina dos
rapazes para sempre. Depois de ter tomado banho de mar,
pois era um dia bem quente, seguiram na trilha do morro
da urca e subiram na pedra, até uma altura intermediária.
Lá no alto se acomodaram e ficaram se entretendo com a
rocha e os lagartos, quando perceberam uma movimentação
diferente. Testemunharam uma transação entre bandidos
que acontecia lá no final da trilha. De um lado os bandidos
de farda, de outro os bandidos do morro, trocavam dinheiro
por armas na discrição daquele reduto natural.
Moisés, que estava numa posição pouco favorável para
enxergar o acontecimento e tenta esticar o corpo quando de
repente, num deslize de seu pé na pedra escorregou, caindo
próximo daquele pessoal no chão.
Foi como num piscar de olhos, o rapaz não teve tempo
nem de se levantar. Kiko então assistiu a execução de seu
amigo ao vivo. O pobre menino teve seu corpo todo furado
por balas, ficou deitado no chão sobre uma poça de sangue
que se formava ao seu redor, crescendo lentamente, como
se fosse num filme.
Página 75

Kiko teve de passar diversas noites ao relento, depender


da caridade e dos restos de alimentos das lixeiras, bares
e lanchonetes. Ter fome era algo novo. Ele nunca havia
passado um dia sem comer. Na sua nova realidade chegou a
passar quase dois. Apesar da pobreza da família e da pouca
fartura, nunca havia deixado de fazer uma refeição pelo
menos, mesmo que ela fosse um simples arroz com ovo.
Claro que tiveram dias que a janta era uma xícara de mingau
bem ralo, teve época de faltar mistura quase que todo dia,
mas nada de ficar a míngua.
A fome é cruel, dói no corpo. Primeiro enfraquece, nos
deixa lentos e depois de um tempo parece que nosso corpo
direciona toda força que nos resta em busca de algo para
comer. É como se concentrássemos toda nossa energia com
esse único objetivo. Tudo aquilo que encontramos e comemos
então não tem sabor, não nos dá prazer nenhum, apenas é
engolido com todas as forças para sanar a dor. Caso não seja
o suficiente continua doendo até que o corpo passa ignorar
a dor, já crônica e vamos desfalecendo, consumindo todo
nosso organismo como canibais de nós mesmos até a morte.

Páginas 116/117

Naquele fim de semana, ela foi para Guaçuí, a uma clínica que
fazia o procedimento, mas o valor estava fora do seu alcance. O
local era bem discreto, quase que escondido, sem nenhuma
fachada de clínica. Na recepção o que se via além das jovens
ali era a expressão de decepção que elas carregavam. Cada
qual com a sua história e dificuldades que de alguma forma a
gravidez só complicou. Antes de ser atendida a recepcionista
pede que pague pela consulta e pelo procedimento que seria feito.
Sem nenhum recurso a mão ela pede para conversar com
o médico. A recepcionista então de forma nada educada,
se levanta e vai até o consultório.
Logo depois chama Andrielly, que entra no consultório,
ela aguarda a moça na porta e depois volta para seu posto.

O médico sem muito interesse escuta a moça falar, mas fica


apenas observando seu corpo e propõe, antes de terminar sua
história, que Andrielly transasse com ele.
Espantada com a proposta do médico ela sai
esbaforida pela clínica, passa pela recepcionista que sarcasticamente lhe sugeriu utilizar
uma estaca de mamona, rindo
do desespero da moça.
Transtornada, volta para casa. No caminho
chora desolada com a sua situação. Em casa ela se isola e
não quer conversa nem com a mãe que bate à sua porta
preocupada com a tristeza da filha. A senhora não insiste
muito, pois pensa que é briga de namoro.
No domingo decide dar a notícia a Kiko, para que ele
ajude a custear o procedimento, mas não encontra o rapaz.
Anda até pelas trilhas que costumavam fazer, pois sabia que era sua
folga na venda. Ali no meio do mato se depara com uma
mamoneira e as palavras da recepcionista novamente lhe
vem à mente perturbada. Ela retorna para casa
pega um canivete na gaveta da sua cômoda, duas toalhas e se envereda na
Mata novamente para fazer duas estacas de mamona.
Passa o canivete com cuidado para que a ponta da estaca fique fina e afiada.
Depois vai até um pequeno poço, num riacho ali perto, se
despe, entra na água, se mutila. Infelizmente não se levanta
mais. Seu sangue tinge a água do pequeno riacho que perde
a transparência.
Ricardo Pecego (@ricpecego) atua na área cultural desde os anos 2000 como produtor
cultural. Mudou-se para o interior em 2010 se fixando em Itapira mantendo-se atuante na
Cultura e no terceiro setor. Escreveu mais de trinta projetos culturais, produziu mais de
100 shows com artistas nacionais e internacionais. Em paralelo a estas atividades foi
desenvolvendo a escrita. Escreveu para jornais e sites regionais entre 2015 e 2019 quando
passou a dedicar-se apenas à literatura. Lançou em agosto de 2020 seu primeiro livro,
Caparaó, pela Editora Giostri. Colabora com São Paulo Review, Jornal Tribuna de Itapira
e Portal Sententia. Em 2021 lançou o Diversidades Podcast (@diversidadespodcast) onde
conversa com diversas personalidades sobre o Brasil.
A espera

Caríssimo leitor; como são belos e tortos os lábios daquele que vos fala.

Estou deitado em frente uma lagoa, onde os pássaros pousam, onde o vento ruge
e onde meu amor vem sempre à tarde; seu olhar me diz tudo, ou quase tudo...

Na beira do lago lava as roupas sujas das flores que cultiva, flores, cravos e rosas;
são belas e perfumadas. Pai de duas filhas, vivi sozinho com elas, ou elas com ele; sempre
fico de frente para a lagoa. Meu desejo é vê-lo todos os dias...

Mas a cada dia que passa ele fica menos tempo lavando suas roupas; em uma tarde
não veio mais, esperei o sol ir-se embora, mesmo assim não veio. Esperei dias... veio!

Senhor leitor, paciência... esse escritor anseia por lhe contar a história.

Os tempos logo se vão, restou em mim a saudade e a tristeza dos olhos azuis, da
pele clara como a neve, e do seu sorriso de verão.

Em um final de tarde, deitado em minha rede ao som dos pássaros ouço uma voz
leve... levantei, abri a porta, era ele meu amor, o homem da minha vida morreu nos meus
braços...

Uelson Teixeira. Nascido em 26 de novembro de 2000 | Escritor | Monteiro-PB|


Estudante de Letras UEPB | Escrever é um modo de encantar.
PRINCESA DO SERTÃO

FELIPE PEREIRA BATISTA

Sinopse:
Paraíba, 1930.
Ano da Revolução e do início da Era Vargas;

Também era dos coronéis, das mazelas da seca, das rixas de parentelas, da gana
exacerbada pela terra, dos saques de hordas de cangaceiros que aterrorizavam confins
dos sertões e cariris, dos sofridos tabaréus entre a cruz e o facão, do contraste entre o linho
e o gibão, da hegemonia de quem tem, oprimindo a quem não tem. Era das abastadas
fazendas de seculares criações de gado, quando o poderio brotava dos vastos campos de
algodão, regidos pelos senhores “feudais” sertanejos: dasurge o nosso romance. Os
habitantes da cidade de Princesa, no limiar da década de trinta, metiam-se, veementes,
numa insurreição armada contra o Presidente da província — o Sr. João Pessoa — ao
comando do bravo sertanejo e coronel José Pereira, criando verdadeiras trincheiras e
barricadas nas caatingas do sertão; lavradores e vaqueiros, como exímios soldados em
rudes milícias, de armas a mão, vão à guerra... Soldados, cangaceiros, coronéis e seus
jagunços permeiam pela história...
Há constante balbúrdia pelas ruas da cidade que se rebelou contra a Parahyba:
cavalos e suas soldadescas de fuzis em riste, o chiado das alpercatas sobre os seixos dos
carrascais, perrepistas socados em suas indumentárias de couro, o sol a reluzir as balas
das cartucheiras, os tiros a ecoarem enquanto Deus e o diabo chefiam aqueles confins...
Em meio a esses paradoxos está a família Vilar Pereira, liderada pelo coronel
Miguel Pereira, casado com dona Laura Vilar, pais de quatro filhos, aos cuidados da negra
Nanã e do fiel jagunço Zeferino, residentes na Fazenda Algodão. Como pedras de
tropeços, há os Carvalhos da Fazenda Macambira, que nutrem um ódio sanguinário pelos
bravos Pereiras, resultando em atos truculentos. Ana Joaquina, a única filha mulher da
família Pereira, será a heroína que presenciará o que há de mais cruel na essência do
homem que, regido pela crueza do Sertão e da guerra, verá despertar de seu âmago o lado
mais feral e mais dantesco da criatura humana que, embora feita à imagem e semelhança
de Deus, assemelha-se, amargamente, ao diabo durante o caminhar naquele vale de
lágrimas que era o existir no sertão do limiar do século XX, na eufórica e preterida Paraíba
de 1930... Não restará pedra sobre pedra...!

Princesa do Sertão é um romance histórico cuja essência principal é o regionalismo que


rege a obra referente a uma história se passa no sertão da épica Paraíba dos anos 30 do século
passado. A obra é narrada pela própria protagonista da trama: a destemida e inteligente Ana
Joaquina – menina-moça que vê, de perto, as cruezas de se viver em uma época cheia de desafios,
lutas e opressões. A ficção tem como pano de fundo o Levante de Princesa, episódio histórico
ocorrido na cidade de Princesa Isabel, momento ímpar na história da Paraíba – meses de guerra,
conflitos entre os coronéis e o o Governo Estadual, chefiado pelo presidente de Província João
Pessoa e a Revulução de Trinta que, turbulenta, acena para um país com os ares acirrados.
Personagens reais são citados na trama: Coronel José Pereira, o chefe do Levante, João Dantas,
Anaíde Beiriz e o próprio Getúlio Vargas! Uma viagem é feita ao passado de quase cem anos
através da leitura. Fazendas e seus currais de gado, vaqueiros e boiadas, as hordas de cangaceiros
que assolam os confins sem lei: o coronelado que oprime e faz as suas próprias leis imperarem!
Ao longo da narrativa, duas famílias estão a se digladiarem e Ana Joaquina, componente de uma
das familias conflutuosas – os Pereiras – é obrigada a endurecer o seu coração para lutar com as
próprias mãos pela sua vida e pela vida dos seus:

“... O que mais angustiava-nos era que as rixas que haviam entre nossa família Pereira e os Carvalhos
aumentaram desordenadamente após os combates entre coronel José Pereira e o presidente João Pessoa. No
entanto, os “pessoistas” batiam no peito, alegando a descendência heróica do presidente da província,
sobrinho de Epitácio Pessoa, que seu avô lutara na Revolução de 1817 e seu bisavô estivera na liderança
da Revolução Praieira, que o tio Epitácio reprimira com mão de ferro a juventude revoltosa dos Dezoito do
Forte de Copacabana, em 1922. Que assim, da mesma maneira que o tio desbaratara os anarquistas cariocas
de 1922, o sobrinho, que descendia do mesmo sangue, desbarataria os revolucionários sertanejos...” (página
206).
A mulher é representada através de Ana Joaquina, como o maior
estereotipo de audácia e bravura em Princesa do Sertão. Como uma moça de
princípios e oriunda de uma educação rígida e patriarcal, a protagonista traz em
si a garra necessária à vida face a face com a guerra. O romance é um resgate
constante e abissal dos conflitos ocorridos durante o Levante, como podemos
ver no excerto abaixo:

“ Os rastros de pólvora, sangue e suor também corriam pelos municípios de Teixeira,


Imaculada, Tavares e Água Branca. Princesa, que outrora vira a abastada sociedade sertaneja,
florescida pelos lucros fartos do algodão, desfilar pomposa, como também presenciara a marcha
assustadora e cangaceiros e hordas de bandidos aventureiros, agora minimizara-se o intolerável
reduto de rebeldia, independência e bravura; a cidade agora mais assemelhava-se a um quartel
general, resistindo heroicamente às milícias do presidente João Pessoa — uma verdadeira Troia
sertaneja, como costumava chamar mamãe...” (página 157).

A trama migra entre uma memória e outra da personagem a qual conta-


nos as histórias cruzadas de sua vida íntima e da sua família na fictícia Fazenda
Algodão, tudo isso entrelaçado aos episódios da guerra que quase esfacelaram
a heroica cidadela de Princesa e uma paixão proibida cuja moça desperta pelo
caixeiro-viajante que cruza os batentes do reino tosco do coronel Miguel Pereira
e depois some no ôco do mundo, como dizem Nanã, a negra velha da cozinha
da fazenda e Zeferino, o jagunço fiel da fazenda.

“Ao barulho do meu galope, Natanael cessou o chouto, apeou do cavalo, veio caminhando em minha
direção, enquanto eu acenava para ele com meu chapéu. Antes mesmo que meu cavalo cessasse o
galope, saltei da sela e, desenfreada, corri ao seu encontro, lancei-me aos seus braços...E nunca mais
estive só e, aos sopetões, trancos e barrancos dessa vida sofrida, segui lado a lado do moço gringo, o
único homem que amei em toda minha vida, que roubou meu coração, naquele dia, quando eu ainda
era a sinhazinha da Fazenda Algodão... Pedi que viesse comigo, que casasse comigo, que nunca mais
me deixasse só outra vez, que sofrer tudo aquilo de novo seria pior do que morrer... enquanto o
abraçava forte, muito forte, senti os primeiros respingos de uma neblina a molhar a caatinga, caindo
sobre nós, como um renovo mútuo das vidas que, até ali, andavam séquidas. Tudo, literalmente,
voltaria a florescer...! Era a chuva que chegava outra vez ao Sertão...” (página 450)

Ao longo das 450 páginas, são as dicotomias da vida que regem a trama e
que talham na madeira do coração das personagens a dureza necessária para se
escapar incólume aos golpes de uma época cruenta, algoz e desafiadora como foi
a Paraíba dos autoritários coronéis, cangaceiros, políticos e jagunços. No entanto,
é a bravura feminina quem toma espaço através de Ana Joaquina, o fiel arquétipo
da típica mulher sertaneja, nordestina e brasileira.

“ Em 1938, com o massacre de Angicos e a morte de Lampião, iam se acabando os


últimos resquícios do cangaço que, até ali, andaria moribundo, arrastando-se, sofreguidamente
pelas caatingas e carrascais, dando seus últimos suspiros e findando com a morte de Corisco —
o Diabo Loiro. Os desvalidos e desaforados nômades, com suas toscas e vaidosas
indumentárias, a vagarem pelos sertões e interiores de um velho Nordeste de outrora — eles já
não mais existiriam...” (página 450).
Felipe Pereira Batista é natural de Boa Vista, Cariri paraibano. É professor de
inglês e literatura na rede pública municipal e estadual. Formado em Letras
Inglês pela UEPB, especialista em Literatura e Cultura pela Faculdade São Luís
– Jaboticabal, SP –, mestre em Literatura e Interculturalidade pelo PPGLI –
UEPB – e doutorando pelo mesmo programa. Além disso, é diretor de uma
companhia de teatro – Cariris – e artista plástico.
Desejo

O desejo que habita dentro de mim

de tê-lo por inteiro, colado em meu corpo,

despido em minha face com seu cheiro indefinido,

a vagar pelas gotas de suor que escorrem de seus

braços robustos, incertos e passageiros. Deslizando num

palpitar sem receio, um desejo de cobiça sem freio, desnudando

minh’alma e saciando o meu peito, o meu gozo enquanto nossos

corpos se unem num anseio de cobiça, de desejo, de amor.

Amor vadio e passageiro, feroz e traiçoeiro, mas que te desperta a cobiça

de me fazer tua por inteira.

Géssica Menino, mãe do Christopher, poeta e escritora. Autora de contos e de inúmeros


poemas publicados em revistas e pela Editora “Toma Aí Um Poema”, assim como, autora
do livro de contos As Laranjas de Alice Mazela, vencedor na Categoria “Capa” do
Primeiro Prêmio Candango de Literatura. Autora de vários poemas da Cemana de 22
(Revista Literária em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna), podendo
ser acessada em: https://www.cemanade22.com/.
Capivaras para uma liberdade sublime

Diga-me o seu nome


Não notei [toda] a complexidade dos fonemas
Amo ouvir sua fala potente,
mas hoje só preciso deitar e esquecer o mundo.

Todo mundo morre,


só que os gatos nunca me deixaram chorando sozinho na janela [...]
Perto ou longe eu sinto seu grito
e sua imagem rebuscada.

Diga-me o seu nome mais devagar


Se a ansiedade chegar
preciso que segure meus corações com as mãos
e me cure com sua sublime fé inabalável.

Vou fechar os olhos


e comer todas as velas
Num sentido mágico
meu desejo se realiza
Eu finalmente começo a criar capivaras
Deito a cabeça na grama verde
e já não estou [nunca] mais sozinho [...]
As capivaras me dão um sentido doce de liberdade.

Marcos Antonio Leite Junior é formado em História pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS) e mora em Rosana (SP). Escreve e pensa na literatura como um
exercício constante. Para saber mais: @brasilian0_
*

* *
Agradecemos:

A Eva Wilma Rodas Ramalho e Fernando Antônio Ramalho de Amorim – pelo apoio de
sempre;

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