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Esta vida é uma viagem Hoje à noite

Pena eu estar Até as estrelas


Só de passagem Cheiram a flor de

laranjeira
(Paulo Leminsky)

(Paulo Leminsky)

pelos caminhos que


Amar é um elo
ando
Entre o azul
um dia vai ser
E o amarelo só não sei quando

(Paulo Leminsky) (Paulo Leminsky)


Rede ao vento sabiá quieto
Se torce de saudade o silêncio da tarde
Sem você dentro. pousa na antena

(Alice Ruiz) (Camila Jabur)

desacerto Chuva impertinente…


entre nós Lá fora, escorregadio
só etecéteras O asfalto vazio

(Alice Ruiz) (Fanny Luiza Dupré)


A rede range Os grilos cantam
sob o peso do sono Apenas do meu lado
e do almoço esquerdo –

Estou ficando velho.


(Gustavo Alberto

Correa Pinto) (Paulo Franchetti)

Sina

Final da eleição – Que mais pode um


O candidato derrotado poeta fazer das
sorri no outdoor. pedras,

senão cantá-las?
(Teruko Oda)

(Lívia Natalia)
Do despertar
Cotidiano

Ele acorda sem dar uma


só palavra:
Em alguns momentos
o primeiro caminho de
a sabedoria está
voz é para o Orixá.
em não calçar os E eu fico, posta na
sapatos errados. cama,

tremendamente
(Lívia Natalia) humana.

(Lívia Natalia)

Cotidianos

Medo
Ele tomou para si minha

mania de planos e listas.


Quando o dia está
Assim, enquanto eu varo
madrugadas muito escuro,
destrançando os fios de e chove em cada
seus cabelos dobra do mundo.
e bêbada do cheiro de sua
Ele abraça a minha
pele,
ele rascunha no ar o roteiro mão.
de nossa felicidade.

(Lívia Natalia)
(Lívia Natalia)
A fina, a doce ferida

A fina, a doce ferida


Que foi a dor do meu gozo
Deixou quebranto amoroso
Segredos Na cicatriz dolorida.

O que partilhamos, Por que ardor pecaminoso


Ateou a esta alma perdida
multiplicando estrelas A fina, a doce ferida
Que foi a dor do meu gozo.
no nosso céu,
Como uma adaga partida
não nos divide. Purge o golpe voluptuoso...
Que no peito sem repouso

Me arderá por toda a vida


A fina, a doce ferida…
(Lívia Natalia)
(Manuel Bandeira)

Oceano Berimbau

Olho a praia. A treva é densa. Os aguapés dos aguaçais


Ulula o mar, que não vejo, Nos igapós dos Japurás
Naquela voz sem consolo, Bolem, bolem, bolem.
Chama o saci: - Si si si si!
Naquela tristeza imensa
- Ui ui ui ui ui! uiva a iara
Nos aguaçais dos igapós
Que há na voz do meu desejo. Dos Japurás e dos Purus.

E nesse tom sem consolo A mameluca é uma maluca.


Ouço a voz do meu destino: Saiu sozinha da maloca -
Má sina que desconheço, O boto bate - bite bite...
Quem ofendeu a mameluca?
Vem vindo desde eu menino,
- Foi o boto!
Cresce quanto em anos cresço. O Cussaruim bota quebrantos.
Nos aguaçais os aguapés
– Voz de oceano que não vejo - Cruz, canhoto! -
Da praia do meu desejo… Bolem... Peraus dos Japurás
De assombramentos e de espantos!...
(Manuel Bandeira)
(Manuel Bandeira)
«THE TIMES»

Sentou-se bêbado à mesa e


escreveu um fundo Não vejo vazio
Do Times, claro, No vazio
inclassificável, lido,
Supondo (coitado!) que ia Vejo espaço
ter influência no mundo... Para o ato.
......
Santo Deus!... E talvez a
tenha tido! (Hannah Cavalcanti)

(Álvaro de Campos)

CANÇÃO À INGLESA Dos Rios

Cortei relações com o sol e as estrelas, pus Saudade dos irmãos


ponto no mundo. Saudade dos amigos
Levei a mochila das coisas que sei para o lado Wuanta saudade grafada nessas
e p'ro fundo
ladeiras
Fiz a viagem, comprei o inútil, achei o incerto,
Lavadas de sangue
E o meu coração é o mesmo que fui, um céu e
um deserto De vidas interrompidas
Falhei no que fui, falhei no que quis, falhei no Desmerecidas em sua origem
que soube. Corpos matáveis
Não tenho já alma que a luz me desperte ou a sem muitas satisfações
treva me roube, Vozes que ecoam
Não sou senão náusea, não sou senão cisma, Pelos ares da cidade
não sou senão ânsia As brias do tempo espalham as cinzas
Sou uma coisa que fica a uma grande
Que renascem faíscas
distância
E os incêndios milenares
E vou, só porque o meu ser é cómodo e
profundo,
Brotam dos rios
Colado como um escarro a uma das rodas do De janeiro
mundo A janeiro-junho

(Hannah Cavalcanti)
(Álvaro de Campos)

Tempo

Que é do
tempo Re: provérbio

que
quem nunca comeu farelos
vivemos,

aos porcos se misturando


ante o qual que atire a primeira
é nada pérola

todo o tempo

que ainda (Ricardo Aleixo)

não

vivemos?
(Ricardo Aleixo)

Rainha Onça

Sou Elza.
Sou onça. Consolatio

Canto
sem pedir quanta poesia
licença.

fiz enquanto não fazia


Sou onça tanta poesia
Sou Elza.

Eu onço (Ricardo Aleixo)


desde
nascença.

(Ricardo Aleixo)
Caindo na Pândega Pequeno Ponto no Mundo

Caindo aos pedaços Sou um garoto perdido


De desastre em desastre Na imensidão do mundo
Minha cara virou Sem saber para onde andar
Minha cara virou Sem saber para onde olhar
Minha cara virou um caco Sou um garoto e nada mais
Colei tudo passei goma Um pequeno ponto no mundo
Fiz um disfarce Talvez menos, talvez mais
Com o resto do trapo Mas poderei vir a fazer
Não posso rir alto Uma enorme diferença
Levantar o braço Mesmo sendo
Um pequeno ponto no
Descola tudo
mundo.
Solta a goma

É um fracasso
(Wally Salomão)
(Wally Salomão)

Câmara de ecos

Tiro de Guerra
Cresci sob um teto (epigrama cívico)
sossegado,

meu sonho era um


pequenino sonho meu.
Se bicha fosse bala
Na ciência dos cuidados Se maconha fosse
fui treinado. fuzil

Jequié estava pronta


Agora, entre meu ser e o
ser alheio
Pra defender o Brasil
a linha de fronteiras se

rompeu. (Wally Salomão)

(Wally Salomão)
Mar I

SEXTILHA CAMONIANA
para ti queria estar
como convém a deuses Daqui dou o viver já por vivido.
tendo na boca a esperma Quero estar quieta, sozinha agora,
de tua espuma. igual a uma cobra de cabeça chata,
Violenta ou lentamente o mar ficar sentada sobre os meus joelhos
no seu vai-e-vem pulsante como alguém coagulado em outra
ordena vagas me lamberem margem.
Daqui dou o viver já por vivido.
coxas,
seu arremesso me cravando
(Olga Savary)
uma adaga roxa.

(Olga Savary)

ATURNAL A LÍNGUA LAMBE


Paraíso é essa boca fendida de A língua lambe as pétalas vermelhas


da rosa pluriaberta; a língua lavra
romã
certo oculto botão, e vai tecendo
— bagos de vida,
lépidas variações de leves ritmos.
paraíso é esse mistério de água

ininterrupta E lambe, lambilonga, lambilenta,


fluindo do terminal das coxas, a licorina gruta cabeluda,
é a vulva possuída-possuindo e, quanto mais lambente, mais ativa,
violáceo cacho de uvas, atinge o céu do céu, entre gemidos,
é esse dorso de vinho entre gritos, balidos e rugidos
navegável de leões na floresta, enfurecidos.

atocaiado para um crime.


(Carlos Drummond de Andrade)
(Olga Savary)
A carne é triste depois da Sob o chuveiro amar
felação

Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,


A carne é triste depois da felação ou na banheira amar, de água
Depois do sessenta-e-nove a vestidos,
carne é triste. amor escorregante, foge, prende-
É areia, o prazer? Não há mais se,
nada torna a fugir, água nos olhos bocas,
Após esse tremor? Só esperar
dança, navegação, mergulho, chuva,
Outra convulsão, outro prazer
essa espuma nos ventres, a
tão fundo na aparência mas tão
brancura
raso
triangular do sexo – é água,
na eletricidade do minuto?
esperma,
Já dilui o orgasmo na lembrança
E gosma é amor se esvaindo, ou nos
escorre lentamente de tua vida tornamos fonte?

(Carlos Drummond de Andrade) (Carlos Drummond de Andrade)

A outra porta do prazer


Sugar e ser sugado pelo amor

A outra porta do prazer,

porta a que se bate suavemente, Sugar e ser sugado pelo amor


seu convite é um prazer ferido a no mesmo instante
fogo boca milvalente
e, com isso, muito mais prazer. o corpo dois em um o gozo pleno

que não pertence a mim nem te


Amor não é completo se não sabe pertence
coisas que só amor pode inventar. um gozo de fusão difusa transfusão
Procura o estreito átrio do cubículo o lamber o chupar o ser chupado
aonde não chega a luz, e chega o no mesmo espasmo
ardor é tudo boca boca boca boca
de insofrida, mordente

sessenta e nove vezes boquilíngua.


fome de conhecimento pelo gozo.

(Carlos Drummond de Andrade).


(Carlos Drummond de Andrade)
E COM VOCÊS A
MODERNIDADE
MEDITAÇÃO

Meu verso é profundamente


Com meu amor eu me envolvo romântico.
felizmente.
Choram cavaquinhos luares se
Mas também me des
derramam e vai
envolvo
por aí a longa sombra de
Infelizmente?

rumores ciganos.
(Cacaso)
Ai que saudade que tenho de
meus negros
verdes anos!
(Cacaso)

AH! Logias e Analogias


Ah, se pelo menos o No Brasil a medicina vai bem


pensamento não sangrasse! mas o doente ainda vai mal.
Ah, se pelo menos o coração Qual o segredo profundo
não tivesse memória! desta ciência original?
Como seria menos linda e É banal: certamente
mais suave não é o paciente
minha história. que acumula capital.

(Cacaso) (Cacaso)
Jogos Florais I

Minha terra tem palmeiras Indefinição


onde canta o tico-tico.

Enquanto isso o sabiá Pois assim é a poesia


vive comendo o meu fubá.
Esta chama tão distante

mas tão perto de


Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre: Estar fria.
a água já não vira vinho,

vira direto vinagre. (Cacaso)


(Cacaso)

Há uma Gota de Sangue no Amor Amor


Cartão Postal

Quando o mar
eu sou manhoso eu sou brasileiro quando o mar tem mais segredo
finjo que vou mas não vou não é quando ele se agita
minha janela é a moldura do luar do nem é quando é tempestade
sertão
nem é quando é ventania
a verde mata nos olhos verdes da
quando o mar tem mais segredo
mulata
é quando é calmaria
quando o amor
sou brasileiro e manhoso por isso
quando o amor tem mais perigo
dentro da noite
e de meu quarto fico cismando na não é quando ele se arrisca
beira de um rio nem é quando ele se ausenta
na imensa solidão de latidos e nem quando eu me desespero
araras quando o amor tem mais perigo
lívido é quando ele é sincero
de medo e de amor


(Cacaso)
(Cacaso)
ante-sonho

O súbito preamar
amor prelúdio
ela quis anuncia.
queria me matar

Inesperadas estrelas
quererá ainda, querida?
silhuetas

que se unem
(Ana Cristina César) ajuntam.

Céus sem vácuo


Véus caindo
ainda findam.

(Ana Cristina César)

É muito claro
amor
bateu
visita
para ficar
nesta varanda descoberta

a anoitecer sobre a cidade olhos por olhos


em construção um copo, uma gota dágua
sobre a pequena constrição atrás deste flaflu
no teu peito desta caixinha de música
angústia de felicidade desta bala de goma
luzes de automóveis

riscando o tempo teu gosto, tua cor, teu som,


canteiros de obras
teu meu
em repouso

recuo súbito da trama


(Ana Cristina César)
(Ana Cristina César)
ROTEIRO DO SILÊNCIO

Não há silêncio bastante


poema óbvio
Para o meu silêncio.


Nas prisões e nos conventos


Não sou idêntica a mim mesmo Nas igrejas e na noite
sou e não sou ao mesmo tempo, Não há silêncio bastante
no mesmo lugar e sob o mesmo Para o meu silêncio.
ponto de vista

Os amantes no quarto.

Não sou divina, não tenho causa Os ratos no muro.

A menina

Não tenho razão de ser nem
Nos longos corredores do colégio.
finalidade própria:
Todos os cães perdidos
Sou a própria lógica circundante Pelos quais tenho sofrido

Quero que saibam:



(Ana Cristina César) O meu silêncio é maior
Que toda solidão
E que todo silêncio.
(Hilda Hilst)

Tenta-me de novo

E por que haverias de querer minha


alma
Estou atrás Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas,
ásperas
do despojamento mais inteiro
Obscenas, porque era assim que
da simplicidade mais erma gostávamos.
da palavra mais recém-nascida Mas não menti gozo prazer lascívia
do inteiro mais despojado Nem omiti que a alma está além,
do ermo mais simples buscando
do nascimento a mais da Aquele Outro. E te repito: por que
haverias
palavra.
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e
(Ana Cristina César) acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

(Hilda Hilst)

Porque há desejo em mim


Árias Pequenas. Para Bandolim Porque há desejo em mim, é tudo

cintilância.
Antes que o mundo acabe, Túlio, Antes, o cotidiano era um pensar
Deita-te e prova alturas
Esse milagre do gosto Buscando Aquele Outro decantado
Que se fez na minha boca Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Enquanto o mundo grita
Hoje, de carne e osso, laborioso,
Belicoso. E ao meu lado
lascivo
Te fazes árabe, me faço israelita
Tomas-me o corpo. E que
E nos cobrimos de beijos
descanso me dás
E de flores Depois das lidas. Sonhei penhascos

Quando havia o jardim aqui ao lado.


Antes que o mundo se acabe Pensei subidas onde não havia
Antes que acabe em nós rastros.
Nosso desejo. Extasiada, fodo contigo

Ao invés de ganir diante do Nada.


(Hilda Hilst)

(Hilda Hilst)

Que este Amor não me Cegue

Passeio
Que este amor não me cegue nem me
De um exílio passado entre a montanha e a ilha
siga.
Vendo o não ser da rocha e a extensão da E de mim mesma nunca se aperceba.
praia. Que me exclua do estar sendo perseguida
De um esperar contínuo de navios e quilhas E do tormento
Revendo a morte e o nascimento de umas De só por ele me saber estar sendo.
vagas. Que o olhar não se perca nas tulipas
De assim tocar as coisas minuciosa e lenta
Pois formas tão perfeitas de beleza
E nem mesmo na dor chegar a compreendê-las.
De saber o cavalo na montanha.
Vêm do fulgor das trevas.
E reclusa E o meu Senhor habita o rutilante escuro
Traduzir a dimensão aérea do seu flanco. De um suposto de heras em alto muro.
De amar como quem morre o que se fez poeta Que este amor só me faça descontente
E entender tão pouco seu corpo sob a pedra. E farta de fadigas. E de fragilidades
E de ter visto um dia uma criança velha tantas
Cantando uma canção, desesperando,
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
É que não sei de mim. Corpo de terra.
Como só soem ser aranhas e formigas.
(Hilda Hilst) Que este amor só me veja de partida.

(Hilda Hilst)

a cada dia sopa de letrinhas


exergo menos (miopia)

e no mesmo a cada dia a minha falta de fome


enxergo longe (utopia) tem nome:

amor com pronome


(Yassu Noguchi)

(Yassu Nocguchi)

vida coisa mais infame


o intervalo, possível, me amar desejando
entre um minuto e outro
que eu te ame
de silêncio

(Yassu Noguchi)
(Yassu Noguchi)
Haicai do amor I Haicai de Fossa I

Pra que o demônio não ganhe asa


Gostar, trepar, amar, sofrer Listei defeito por defeito.


Crianças, não façam isso em casa! Mas nem assim

(Marcela Tavares)
Passou a dor no peito

(Marcela Tavares)

Haicai pra você II


Haicai do amor II

Fiz um haicai,
Que bicho te mordeu? Nele te digo tudo:

Pergunto à menina
Esse é o fim do nosso mundo.
Que por amor sofreu

(Marcela Tavares)
(Marcela Tavares)
POEMA DO AVISO FINAL

É preciso que haja alguma coisa


alimentando o meu povo;
Haicai pra você III uma vontade
uma certeza

uma qualquer esperança.


Nas palavras que eu te digo. É preciso que alguma coisa atraia
Mato o amor, a vida
Mas sigo vivo. ou tudo será posto de lado
e na procura da vida

a morte virá na frente


(Marcela Tavares) a abrirá caminhos.
É preciso que haja algum respeito,
ao menos um esboço
ou a dignidade humana se afirmará
a machadadas.

(Torquato Neto)

Let’s Play That


quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
Haikai 1
não era um anjo barroco

era um anjo muito louco, torto


com asas de avião
Pensar contigo

é experiência eis que esse anjo me disse


apertando a minha mão
de infinito com um sorriso entre dentes

vai bicho desafinar


o coro dos contentes
(Marcio Nicodemos) vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let’s play that

(Torquato Neto)
Pra Dizer Adeus
Go Back
adeus

vou pra não voltar Você me chama


e onde quer que eu vá Eu quero ir pro cinema
sei que vou sozinho
tão sozinho amor
Você reclama
nem é bom pensar Meu coração não contenta
que eu não volto mais Você me ama
desse meu caminho Mas de repente
ah,
A madrugada mudou
pena eu não saber E certamente
como te contar Aquele trem já passou
que o amor foi tanto
E se passou, passou
e no entanto eu queria dizer
vem Daqui pra melhor, foi
eu só sei dizer Só quero saber do que pode
vem dar certo
nem que seja só
Não tenho tempo a perder
pra dizer adeus.

(Torquato Neto) (Torquato Neto)

COGITO Foi Um Beijo Onde Não Importava


a Boca
eu sou como eu sou

pronome
pessoal intransferível foi um beijo onde não importava a
do homem que iniciei boca
na medida do impossível só tuas mãos quentes me
apertando pelas costas
eu sou eu sou
nada estava acontecendo na
agora
sem grandes segredos dantes minha frente
sem novos segredos dentes e a ansiedade que havia não era
nesta hora pouca
teus dedos perguntavam pra
eu sou como eu sou
minha blusa
presente
se meu corpo acolheria um
desferrolhado indecente delinquente
feito um pedaço de mim descoladas as línguas um instante
eu sou como eu sou minha resposta saiu um tanto
vidente
rouca
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim..

(Marhta Medeiros)
(Torquato Neto)
Sou Uma Gata Nem Velas Nem Molho

Branco
sou uma gata

nem velas nem molho branco


que cruza
hoje nosso jantar
outros gatos acontece por baixo da mesa
na rua

desfias minhas pernas de seda


quem vê gata teu beijo promete mais tarde
assanhada

logo fica
jogo a toalha de renda no
engatado chão me rendo

(Martha Medeiros) (Marhta Medeiros)

Puxei a Manga da Camisa Um Pouco


Pra Cima

puxei a manga da camisa um pouco pra


cima Minha Boca
perto do cotovelo, e abri o botão
calmamente

como se fizesse isso todo dia na tua


frente
minha boca
não te olhei como amiga nem professora é pouca
e não liguei para a pouca idade que
tinhas pro desejo
eu era mais madura e você mais
coerente que anda à solta
tinha certeza de tudo mas não se mexia
passei a mão no teu cabelo

te beijei na testa, no queixo


beijei tua nuca e tua boca (Marhta Medeiros)
e fui a primeria mulher nua da tua vida

(Martha Medeiros)
mulher de posses NÃO SEI FAZER POEMAS SOBRE

GATOS
em comum com o mestre zen

que quebrou a sua xícara Não sei fazer poemas sobre gatos
porque a ela se apegava se tento logo fogem
esta mulher não tem nada furtivas
as palavras
por outro lado tem
soltam-se ou
aparelho completo de chá
saltam
e faqueiro vindo de solingen
não capturam do gato
nunca ofereceu
nem a cauda
um chá que fosse sobre a mesa
e jantares, quando houve quieta e quente
só usaram tramontina a folha recém-impressa
mas nada pretende vender página branca com manchas
e se é uma arte perderdesolée, negras:
não a domina eis o meu poema sobre gatos

(Angélica Freitas) (Ana Martins Marques)

REPAROS RELÂMPAGOS

Algumas coisas Certas máquinas são feitas para o


quando se quebram esquecimento.
são fáceis de consertar: Há dias em que sinto trabalharem
uma xícara lascada em mim
as confusões do relâmpago.
uma estatueta de gesso
Então coleciono letras, órbitas,
um sapato velho
radares.
uma receita que desanda
A linha que me liga aos quadris
ou uma amizade arruinada.
dessa noite imensa
Ainda que guardem é a mesma que sai da garganta
as marcas do remendo, aberta do dia.
é possível que essas marcas Vejo as estrelas desenharem-se
tenham um certo charme em constelações,
como algumas cicatrizes. sei muitas coisas rápidas, precisas,
Mas experimente consertar por alguns instantes.
um poema que estragou.


(Ana Martins Marques)
(Ana Martins Marques)
Momento Fragmento

Enquanto eu fiquei alegre, Bem-aventurado o que


permaneceram um bule azul com um pressentiu
descascado no bico, quando a manhã começou:
uma garrafa de pimenta pelo meio, não vai ser diferente da noite.
um latido e um céu limpidíssimo
Prolongados permanecerão o
com recém-feitas estrelas.
corpo sem pouso,
Resistiram nos seu lugares, em seus
o pensamento dividido entre
ofícios,
deitar-se primeiro
constituindo o mundo pra mim,
anteparo à esquerda ou à direita
para o que foi um acometimento: e mesmo assim anunciou o
súbito é bom ter um corpo pra rir paciente ao meio-dia:
e sacudir a cabeça. A vida é mais algumas horas e já anoitece, o
tempo mormaço abranda,
alegre do que triste. Melhor é ser. um vento bom entra nessa janela.

(Adélia Prado) (Adélia Prado)

Um jeito
A formalística

Meu amor é assim, sem nenhum


O poeta cerebral tomou café pudor.
sem açúcar Quando aperta eu grito da janela
e foi pro gabinete concentrar- — ouve quem estiver passando —
se. ô fulano, vem depressa.
Seu lápis é um bisturi Tem urgência, medo de encanto
quebrado,
que ele afia na pedra,
é duro como osso duro.
na pedra calcinada das palavras,
Ideal eu tenho de amar como quem
imagem que elegeu porque ama diz coisas:
a dificuldade, quero é dormir com você, alisar seu
o efeito respeitoso que produz cabelo,
seu trato com o dicionário. espremer de suas costas as
Faz três horas que já estuma as montanhas pequenininhas
musas. de matéria branca. Por hora dou é
O dia arde. Seu prepúcio coça. grito e susto.
Pouca gente gosta.

(Adélia Prado)
(Adélia Prado)
Nem vem

Desde pequena
Brincar de estátua
Não é comigo sexualidade ou imensidão
É por isso

Que não paro quieta


no oceano da pele
No seu pedestal
nado em águas livres
Não sou vestal
Muito menos musa

Não sou pra ver (Bruna Escaleira)


Sou pra comer

(Lizandra Magon de Almeida)


Elegia

Neste mês, as cigarras cantam


e os trovões caminham por cima
despir-se da terra,
agarrados ao sol.

Neste mês, ao cair da tarde, a


escrever é o ato público chuva corre pelas montanhas,
mais íntimo e depois a noite é mais clara,
porque as letras tocam apenas e o canto dos grilos faz palpitar o
quando a pele se faz eu lírico cheiro molhado do chão.
só o poeta nu

Mas tudo é inútil,


escuta as flores
porque os teus ouvidos estão

como conchas vazias,


(Bruna Escaleira) e a tua narina imóvel
não recebe mais notícias
do mundo que circula no vento.

(Cecília Meireles)
Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,


Assim calmo, assim triste, assim
magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo. sexualidade ou imensidão

Eu não tinha estas mãos sem força,


no oceano da pele
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração nado em águas livres
Que nem se mostra.

(Bruna Escaleira)
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?

(Cecília Meireles)

A LÁGRIMA (seu primeiro


despir-se poema)

escrever é o ato público Oh! lágrima cristalina


mais íntimo Tão salgada e pequenina
porque as letras tocam apenas Quanta dor tu redimes
quando a pele se faz eu lírico Mesmo feita de amarguras
só o poeta nu És tão sublime tão pura
escuta as flores
Que só virtudes exprimes.

(Bruna Escaleira)
(Helena Kolody)
O Amor de Dudu nas Águas

Estou virando uma menina


tornada mulherinha
Música Submersa com tanta coleirinha

de maturidade
ainda assim me sinto parida agora
Não quero ser o grande rio
tenra, maçã nova
caudaloso
nova Eva novo pecado.
Que figura nos mapas. Tudo gira e eu renasço menina
Quero ser o cristalino fio d’água vestido curto na alma de dentro...
Que canta e murmura Deixo no mar os velhos adereços
Na mata silenciosa. a velha cristaleira, os velhos vícios

as caducas mágoas.
(Helena Kolody) Nasce a mulher-menina de se amar
com água no ventre e no olhar.
Nasce a Doudou das Águas.

(Elisa Lucinda)

Zumbi Saldo

NAVEGANTE
Zumbi, meu Zumbi.

Hoje meu coração eu


Navegou
arranco
no veleiro dos livros.
Zumbi hoje eu fui ao banco

E ainda estou presa


Desembarcou
Escuto os seus sinos
e conferiu.
e ainda estou presa na

senzala Bamenrindus
E o mundo que viu
Presa definitivamente
não era o que imaginou.
Presa absolutamente

à minha conta corrente.


(Helena Kolody)

(Elisa Lucinda)
Meu Bem

Menina A noite não é uma vela

negra e sem lume,


não é um cacho de uvas
Menina, eu queria te compor
sombrio no parreiral.
Em verso,

Cantar os desconcertantes
Não é aquela borboleta
Mistérios com asas escuras na mata,
Que brincam em ti, menos ainda é um túmulo
Mas teus contornos me com estrelas douradas.
Escapolem.

Menina, meu poema primeiro, A noite é, meu bem,


Cuida de mim.

só a origem da claridade.

(Conceição Evaristo)
(Deborah Brennand)

Claridade Salve América!

Afortunados são os bosques Ah!


onde sem bridas Esta América Ladina
a luz campeia Ainda nos roubam o fígado, os filhos
entre as folhagens Nos roubam a sorte
A morte

O sono
suas crinas douradas

Ah!
Tão leve se lustra a água Esta América Ladina
na medida exata As três caravelas pintaram destinos
que os rebanhos bebem Santa Maria, nada teve a ver comigo
junto às raposas Pinta, roubou-me o colorido natural

de ser eu mesma
Nina, enfiou-me pela goela
sem temor selvagem.
mamadeira de sangue, sal e urina

Até hoje me Nina em seus podres


Por que só a mim discrimina a berços de miséria
claridade?

(Miriam Alves)
(Deborah Brennand)

Enigma Diamante

sou este ponto de espanto


O amor seria fogo ou ar
no entra-e-sai - no vai-e-vem
metade de mim é quando em movimento, chama ao vento;
a outra metade é quem e no entanto é tão duro amar
este amor que o seu elemento
parte em mim é desespero deve ser terra: diamante,
outra parte desencanto
já que dura e fura e tortura
só sei ser múltiplo inteiro
quando eu amo - quando eu canto
e fica tanto mais brilhante
quanto mais se atrita, e fulgura,
tento juntar os pedaços ao que parece, para sempre:
passos, pessoas, passado e às vezes volta a ser carvão
não sei onde estão meus rastros
a rutilar incandescente
meu retrato mais exato
onde é mais funda a escuridão;
entre estes cacos e restos e volta indecente esplendor
nem perfil nem biografia e loucura e tesão e dor.
se me perdi nos meus versos

um dia viro poesia. (Antonio Cicero)


(Cairo Trindade)

Sic

Então humano
O fim da vida esse que abandona

e que odeia o abandono;


Conhece da humana lida

a sorte: Homem, demasiado,


esse que nega o amor,
o único fim da vida
mas quer ser amado;
é a morte

e não há, depois da morte,


Moderno Neandertal,
mais nada.
esse suicida do espelho,
Eis o que torna esta vida sagrada: que mata seu devir animal.
ela é tudo e o resto, nada.

Esse criador de conceitos:


(Antonio Cicero) moral, Estado, humano
Deus, dor e desengano

(Fabio Soriano)

CORAÇÃO SELVAGEM
quando o sonho pousa

quieto, na tentativa da ida, ou quase... Meu coração, forte caixa torácica


quando repousa a vista na luz que não lhe deixa explodir
anti-horizonte, perspectiva, ou Meu coração,sempre as mesmas
sei lá no que se chama ou tonturas,sempre as mesmas
no que mais se poderia chamar... ternuras,
nessa hora, desejo o vôo sempre a mesma vontade de desistir
desejo a mão amiga Meu coração,antes de você chegar,
a pele que puxa dos nervos o era tudo mato
entendimento-sinapse-elétrica
Agora não te mata tampouco
o sentir dos olhos pulsando coração
arrefece,enquanto minhas papilas
não te esquecem,o meu cérebro
fugir pode ser, das possibilidades, a mais
pensa em ti
sincera de alguma liberdade
distância imaginária entre olhar e ver Você não merece,é loucura dizer :
pode ser vontade pura Mas meu coração,esse órgão
de ir além do ar funcional perdido em alguma medida
entre artérias e gozos
(Conrado Gonçalves) Não sabe nunca aorta jugular
Não sabe nunca a hora de parar.

(Claudia Kras)

Eu escrevo na entressafra ROMANCE ADICTO


Entre um cigarro e outro

No espaço aonde não caberiam dois Selvagem, teu mundo suicída me


corpos ao mesmo tempo encanta as 7 da manhã
Escrevo por contenção Sou tua maga amarga, fel e mel,
Na beira das portas da percepção desejo e liberdade
Para dizer o sim e o não. Medo e Delírio no Rio de Janeiro
Na noite volátil aonde já rolaram a lua
Selvagem, teu olhar esverdeia, me
e o vinho,
incendeia
Eu escrevo porque este é o meu
E tuas mãos se esfarelam com os
caminho.
Não é sobre eu e você
primeiros raios de sol
É sobre eu e ela (a poesia) (ainda há pouco eram meu oásis
Da janela,espasmos e luzes na cidade num deserto de desolação)
A cada ano que avança (a minha Sozinha, me abandonas no metrô:
idade), Partes meu coração se partes pra
Eu escrevo para passar a dor “boca”.
Enquanto esvazio taças cheias .

(Claudia Kras)
(Claudia Kras)

RIO

o rio é basicamente o mar


o mar e o amor PAPAGAIO
amor e mar
atlanticamente amar

estranho poder o do poeta.


o rio é basicamente o riso escolhe entre quase e cais
humor amor
amor humor
quais palavras lhe convêm.
para rolar de rir depois as empilha papagaio
e as solta no céu do papel
água na boca é a guanabara
e o arpoador é joia rara

(Cachal)
pelas curvas desse rio

ninguém vai morrer de frio


porque é só se espreguiçar
no sol que sai detrás do mar

(Cachal)

O POEMA DIGITAL

primeiro o poema nasce


como esse está nascendo agora.
não. TRAVESSIA
primeiro o poeta nasce.
e com ela a linguagem.

então, o poema nasce. O lar


aqui nessa tela agora.
o poeta o articula
do passarinho
sai um barulho é
ele harmoniza o ar
abre uma janela:
entra um colibri não
aí o músico, ai, é
refaz o barulho
enfia uns bemóis
o ninho.
então vem a musa

num clic faz um clip. (Braulio Tavares)


onde tudo se funde
o ritmo no barulho

a cor na imagem
primeiro nasce o poema.
(Chacal)

Mulher proletária
Mulher da vida

Mulher proletária — única fábrica


Mulher da Vida,
que o operário tem, (fabrica filhos)
Minha irmã.
tu
De todos os tempos.
na tua superprodução de máquina
De todos os povos.
humana
De todas as latitudes.
forneces anjos para o Senhor Jesus,
Ela vem do fundo imemorial das
forneces braços para o senhor
idades
burguês.
e carrega a carga pesada
Mulher proletária,
dos mais torpes sinônimos,
o operário, teu proprietário
apelidos e ápodos:
há de ver, há de ver:
Mulher da zona,
a tua produção,
Mulher da rua,
a tua superprodução,
Mulher perdida,
ao contrário das máquinas
Mulher à toa.
burguesas
Mulher da vida,
salvar o teu proprietário.
Minha irmã.

(Jorge de Lima)
(Cora Coralina)

Sem Título
Os deslimites da palavra

Ando muito completo de vazios. não é para mim esse negócio


Meu órgão de morrer me predomina.
de ser imutável
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço eu quero é transitar
ontem. entre meus descaminhos
Está rengo de mim o amanhecer. me transformar
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos. reconhecer meus instintos
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu tô me desconstruindo
destino. eu sou um universo
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas se expandindo

(Manoel de Barros) (Ryane Leão)

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