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"CORPO DESNUDO E DEVANEIOS"

Por

BRICIO LEÃO

São Paulo, sp
(11)94905-8050
fabricio.interface@outlook.com
ABERTURA DA CENA:
O NASCIMENTO
• Recebimento do público,
• Fumaça, Ator no palco em posição fetal, embaixo do tecido, foco de luz em uma
maçã na boca de cena,(MÚSICA 01 (SONS DE UTERO) COMEÇA A TOCAR
LUZ NO ATOR COREOGRAFIA)

• Ator de pé vai até a boca de cena, aponta para o horizonte.


TEXTO I

(FALA O TEXTO COM A MAÇA APONTANDO PARA O HORIZONTE.


NA BOCA DE CENA...

Quem somos nós diante da Pequenez da Vida?


Fomos criados para andar e voamos, estamos sempre em busca de mais, e mais.
Quem somos nós diante da Pequenez da Vida?
Criador ou criaturas?
A cada dia novas descobertas, transformamos, desmatamos, vamos longe, destruímos.
Estamos além mar, das esquadras, as galáxias, as conquistas, a busca pela vida eterna não
interna, a infinita crença de que somos vigiados por sabe-se lá quem.
Quem somos nós diante da Pequenez da Vida?
As perguntas sem respostas, a ganância sem ideias, sem propostas. A guerra.

(OLHANDO PARA A MAÇÃ)

CONTINUA...
Quem somos nós diante da Pequenez da Vida?
Sem Deus, sem Alá, sem Buda. Sem ser, sem ter, sem ver e crer no amanhã?

O que somos nós diante da Pequenez da Vida?


A vida é assim, aperta daqui, afrouxa dali, abraça acolá.
E seguimos, imersos em sonhos, desfazendo pesadelos, sorrindo, chorando.
De vez em quando a saudade vem e machuca nos faz voltar ao passado relembrar dos
melhores momentos e de pessoas inesquecíveis. A vida é, uma escola sem intervalos,
onde a lousa é um espelho, a sala é um teatro e os espetáculos são apresentados de
improviso. (MORDE A MAÇA)

ATOR
NA BOCA DE CENA CAI DE JOELHOS... FALA COM DEUS
TEXTO II
Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto

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Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?

Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?

Por que existem uns felizes


E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?

ATOR
(COREOGRAFIA DA PANDEMIA)

BLACK OUT ( MÚSICA 2 VIVA LA VIDA ATÉ O ATOR ESTAR COM A


CADEIRA) (TRINTA SEGUNDOS +/-) ATOR VAI ATÉ O FUNDO DO PALCO
PEGA A CADEIRA, MASCARAS DE TECIDOS E DESCARTAVEIS, UM JALECO
PERSONALIZADO SENTADO NO CENTRO DO PALCO COLOCA AS
MASCARAS DE DIFERENTES MANEIRAS. ENQUANTO TOCA A MÚSICA SE
RELACIOANA COMA CADEIRA, FINALIZA COMA CADEIRA NA CABEÇA.

TEXTO III
Fragmentos de um Coração...
Inspira Poesia
Transborda alegria
Chora quando se Ria.
Ao jogar-me neste abismo, deixando-me cair lentamente, o vento tocava
minha pele como canção. Em desalento, respirava profundamente cada
segundo de queda livre sem a expectativa de tocar o chão.
Foi aí que instaurou-se a dor, o medo, o acordar de sonho e ver-se tornado
pesadelo. Eis que sentir o impacto do silêncio, que gritava Feliz palavras de
Amor. Eis que sem culpa correspondia, mais por dó sem alegria, via que o
sorriso do seu rosto se ia quando nossos olhos se viam. Hoje em desalento
torno meu coração em Fragmentos, para que sigas, Feliz.
A direção do vento.
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Por isso Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

MUSICA 3 BATIMENTOS DE CORAÇÃO. O ENCONTRO foco de luz na caveira


Lentamente o ator OLHA a caveira, caminha lentamente até ela, fala o texto PARA
CAVEIRA.
ATOR
TEXTO IV
XIIII... Aquietai-vos coração maluco, fica em silêncio, cala teus gritos, sacia tua dor em
pensamento.
Acalma teus pulos, foge do lamento, afinal, não é Amor que te corrói por dentro?
Calai-vos!.
Ouve a voz do saber, desfila o sorriso que brilha em teus vasos, esquece essa dor que
desatina em teu ser. Por fim, Inquietai-vos.
ATOR
(LUZ GERAL NO ATOR FALA PARA O PÚBLICO)
TEXTO V
Essa caveira já teve uma língua, já pôde cantar, um dia. Veja como a jogo
no chão, como se fosse a queixada de Caim, aquele que cometeu o primeiro assassinato.
Ela pode ter sido o crânio de um político, que superamos agora, de alguém que desejasse
enganar a Deus, (irônico) DAR UM GOLPE. não podia?
Ou de um artista que dizia, “DEUS A CIMA DE TUDO...”, Pode ter sido o
senhor Tal-e-Tal, que elogiava o cavalo do senhor Tal-e-Tal, quando pretendia ser
favorecido, não é verdade?

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Isso mesmo, agora pertence aos vermes, descarnado e golpeado nos queixos
pela pá de um coveiro; eis uma bela evolução, se tivéssemos o poder de vê-la. Custou tão
pouco formar esses ossos, que agora só servem para se jogar malha. Os meus doem só de
pensar nisso.
Por quanto tempo jaz na terra um homem até apodrecer??

ATOR PEGA E CONVERSA COM A CAVEIRA...


TEXTO V
-IAMGINA A NOSSA CHEGADA NESSA TERRA... DE
NAVIO...COMO SONHOU CASTRO ALVES.!!
‘Stamos em pleno mar... Doido no espaço Brinca o luar —
dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
‘Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dois é o céu? qual o oceano?...
‘Stamos em pleno mar... Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir deste painel a majestade!
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Embaixo —o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos{2} profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doido cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan{3} do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
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Presa ao mastro da mezena{4}
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas{5}
Requebradas de langor{6},
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
—Terra de amor e traição
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso{7},
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson{8} e de Aboukir{9}...
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos{10},
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses{11} cortou,
Homens que Fídias{12} talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero{13} gemeu...
7
Nautas{14} de todas as plagas{15},
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu!...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí...
Que quadro d’amarguras!
É canto funeral!... Que tétricas figuras!...
Que cena infame e vil...
Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros...
estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
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Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros: “Vibrai rijo o chicote,
marinheiros!
Fazei­os mais dançar!...”
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

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Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão...
São mulheres desgraçadas,
Como Agar{16} o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N’alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael{17}.
Lá nas areias infindas,
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Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p’ra não mais s’erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
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A vontade por poder...
Hoje... cúm’lo de maldade,
Nem são livres p’ra morrer...
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
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Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais!...
Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!

(COM A CAVEIRA DEBAIXO DO BRAÇO EM DIREÇÃO A BOCA DE CENA


Ser ou não ser, essa é que é a questão:
Será mais nobre suportar na mente
As flechadas da trágica fortuna,
Ou tomar armas contra um mar de escolhos
E, enfrentando-os, vencer? Morrer, dormir,
Nada mais; e dizer que pelo sono
Findam-se as dores, como os mil abalos
Inerentes à carne – é a conclusão
Que devemos buscar.
Morrer – dormir; Dormir, talvez sonhar – eis o problema:
Pois os sonhos que vierem nesse sono
De morte, uma vez livres deste invólucro
Mortal, fazem cismar. Esse é o motivo
Que prolonga a desdita desta vida.
Quem suportara os golpes do destino,
Os erros do opressor, o escárnio alheio,
A ingratidão no amor, a lei tardia,
O orgulho dos que mandam, o desprezo
Que a paciência atura dos indignos,
Quando podia procurar repouso
Na ponta de um punhal?
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Quem carregara
Suando o fardo da pesada vida
Se o medo do que vem depois da morte –
O país ignorado de onde nunca
Ninguém voltou – não nos turbasse a mente
E nos fizesse arcar co’o mal que temos
Em vez de voar para esse, que ignoramos?
Assim nossa consciência se acovarda,
E o instinto que inspira as decisões
Desmaia no indeciso pensamento,
E as empresas supremas e oportunas
Desviam-se do fio da corrente
E não são mais ação. Silêncio agora!
A bela Ofélia! Ninfa, em tuas preces
Recorda os meus pecados.”

ATOR

• DEIXANDO A CAVEIRA NA RIBALTA DE FRENTE PARA O PÚBLICO,


(ENTRA MÚSICA) DE COSTAS PARA O PÚBLICO, VOLTA AO CENTRO
DO PALCO SENTA NA ESPREGUIÇADEIRA.
LUZ CAI DEVAGAR -

ENCERRAMENTO DA CENA:

FIM

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