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Poemas do

desmantelo do
campo de espera

Márcio Leno Maués

1ª Edição

Câmara Brasileira de Jovens Escritores


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Novembro de 2008

Primeira Edição

Coordenação editorial: Gláucia Helena


Editor: Georges Martins
Produção gráfica: Alexandre Campos
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prévia, por escrito, do autor.
Obra protegida pela Lei de Direitos Autorais
Márcio Leno Maués

Poemas do
desmantelo do
campo de espera

Novembro de 2008

Rio de Janeiro - Brasil


SUMÁRIO

Desmantelo I: em levitação
Peso como a luz entre nomes. . . . . . . .11
Sobre as nuvens. . . . . . . . 12
Aromático. . . . . . . . 13
Névoa frater. . . . . . . . 14
Insone. . . . . . . . 15
Le cri de couer. . . . . . . . 16
“t” para Lispector . . . . . . . .16
Vôo silente. . . . . . . .17
Manhã-flor. . . . . . . . 18
Terra aranha. . . . . . . .19
Entredentes. . . . . . . .20
Gênesis. . . . . . . .21
Luminoso marco zero. . . . . . . .22
Céu perfumado. . . . . . . .23
Via láctea de estrelas. . . . . . . .24
Elevação à sombra. . . . . . . .25
Com saudade de si mesmo. . . . . . . .26
Espelhismos ao vento. . . . . . . .27
Fractalis. . . . . . . .28
À sombra. . . . . . . .29

Desmantelo II: água sobre água


Sol’eágua. . . . . . . .33
Absinto. . . . . . . .34
Sopro cinzametálico. . . . . . . .35
Tanto mar. . . . . . . .36
Espelho líquido . . . . . . . .37
Solstício. . . . . . . .38
Ecos na manhã fria. . . . . . . .39
Olhos de Domingo. . . . . . . .40
As curvas das horas. . . . . . . .41
Febre a trois. . . . . . . .42
Eclipse. . . . . . . . 43
Nervuras em contorções. . . . . . . .44
Sol em chuverno. . . . . . . .45
Poema inacabado. . . . . . . .46
Brisa licorosa. . . . . . . .47
Rebrilho. . . . . . . .48

Desmantelo III: mimesis


Espelhos. . . . . . . .51
Para Ledusha. . . . . . . .52
Beijo em ecos. . . . . . . .53
Memória do corpo. . . . . . . 54
Tempo em mimese. . . . . . . .55
Humores bivitelinos. . . . . . . .56
Efeito Tyndal. . . . . . . .57
Palavras em púrpura . . . . . . . .58
Pulsos . . . . . . . .59
Pretérito-imperfeito-tempo . . . . . . . .60
Vento âmbar-gris. . . . . . . . 61
Abissal. . . . . . . .62
Jogo da paixão. . . . . . . .63
Aleluia Clarice. . . . . . . .64
Obscuro nada. . . . . . . .65
Risos rios de giz. . . . . . . .66
Jade. . . . . . . .67
Cadafalsos. . . . . . . .68
Brasas de dentro. . . . . . . .69
Aos quartos. . . . . . . .70
A ponte. . . . . . . .71
Dúctil mão distraída. . . . . . . .72
Métrica. . . . . . . .73
Desmantelo I: em levitação

“Tra um fiore colto e l’altro Donato/


l’inesprimible nulla”. (Ungaretti)
(“Entre uma flor colhida e outra ofertada/
o inexprimível nada”)
Márcio Leno Maués

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CBJE 10
Poemas do desmantelo do campo de espera

PESO COMO A LUZ ENTRE NOMES

Peso como a luz


não como a solidão dos outros.
No meio dela veja sons, músicas e lembranças não ditas.
Olho em volta de mim,
em volta dos teus pés
e tudo flutua como a luz
que se reflete para dentro de nós mesmos.
Vibra os cabelos e até as digitais
desenhando sombras sob sombras
para dizer nomes,
para fazer sentido outro que não tenha peso de nada.

11
Márcio Leno Maués

SOBRE AS NUVENS

Um alvor de esquecimento
hoje se desrealiza por entre as nuvens silenciosas e,
anuncia-me dos escombros que passaram por ti sem antes avisar-me.
Eis o silêncio
que remove a pele exausta e comove-se branco e quase intocável
no fundo do espelho...
...e desespelha-se sob as sombras.

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CBJE 12
Poemas do desmantelo do campo de espera

AROMÁTICO

Desespelho-me aromático
para reencarnar rosas
onde passas
rápido como o neon
– um susto? –
sem sol e sem sul.
Nascem silêncios
sem limo e verbos
entre nós e o esquecimento
que habitamos tão distraidamente.

13
Márcio Leno Maués

NÉVOA FRATER

Um espasmo frater
perde-se em ecos
garganta adentro
nos dias de poesia.
Salivo nuvens-névoas
na epiderme
e nas entrelinhas fátuas do tempo
para inventar outros céus.
Sonolento,
repouso irisado e úmido em silêncio.

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CBJE 14
Poemas do desmantelo do campo de espera

INSONE

Um pardo plágio de noite minguante


vem de longe
e habita o céu
camuflando-a em sono.
Entrega-se a um lugar longínquo no espelho
e, quase em transparência,
dobra as esquinas da insônia
declinando estrelas
para enfeitar-me a pele
sob a sombra de um sonho entre parêntesis.
Perito, acordo-me em dobraduras
minguando mimos de amor.

15
Márcio Leno Maués

LE CRI DU COUER

Ademais fizessem névoas


teus olhos – atemporais sensores –
de fuga para o mar,
pérolas nunca mais chorariam
sobre meus ombros – medrados tensores -.
O céu cetimconsolo
espanta-se hoje
com a veloz queda de estrelas
que promovo em tua direção nos umbrais de setecentas luas.
Sob o céu sonolento dos gritos do coração
nenhum gosto insigne aflora
o que em mim por dentro
por ti desespera.

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CBJE 16
Poemas do desmantelo do campo de espera

“t” PARA LISPECTOR

Este poema é para ser lido de longe,


da distância de um avião em alto vôo.
Vês?
As palavras crepitam de tão convulsivas.
Ouves?
Os sons que saem das folhas secas e esmagadas
ardem nas fogueiras que entrecruzam no ar,
o “t”granítico
da eternidade
e do instante-já.

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Márcio Leno Maués

VÔO SILENTE

O mágico da plumagem
no teu vôo pássaro
inventa palavras aladas aos meus olhos
para cântaros à distância encher.
Pudéssemos
orquestrar o infinito que se desnatura hoje
(alheio aos uivos da poesia),
os púcaros da paixão,
em sobrevôos
por entre nossas relvas,
nunca mais chorariam silentes.
Murmurantes, se tanto,
deixariam o silêncio
outra vez.

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CBJE 18
Poemas do desmantelo do campo de espera

MANHÃ-FLOR

O pavor
Passará amanhã.
E o amor
Será sempre
pássaro em manhã-flor

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Márcio Leno Maués

TERRA ARANHA

Trançando os fio de seda


aos do tempo,
espera-se aranha
da terra
a leveza.

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CBJE 20
Poemas do desmantelo do campo de espera

ENTREDENTES

Gotas de surpresa no olhar atento do poema


comovem silêncios
que se julgam rasurados
pelo mundo poroso da insônia
onde vestais são vetores de sucção.
No areal dos dias,
as notações nos muros morridos
são a real surpresa
de sopros que me varrem em direção às dunas
debruçando os olhos
nos degraus do tempo entredentes erodido.

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Márcio Leno Maués

GENESIS

Projeto-me em vôo
aos abismos sucessivos das noites e dias
para diluir as inquietações do percurso
até a gênese de tudo -
que se apresenta suspensa -.
Vertiginoso,
descubro-me
coração pulsante
houvesse lírios
no campo de esperas.

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CBJE 22
Poemas do desmantelo do campo de espera

LUMINOSO MARCO ZERO

Contempla-me um céu
povoado de olhos-estrelas com piscadelas marotas.
Propõe um brinde com a lua
que se desenha uma boca chinesa.
Vagalumes
são as únicas lanternas
a guiar poemas
que acendem os luminosos
dessa noite invernal aqui do norte no marco-zero,
ENTRE O 3 e o 0 (ZERO)
em TIC-TACS incansáveis
dos relógios-grilos.

23
Márcio Leno Maués

CÉU PERFUMADO

Murmuram noite
a pedra,
o sangue
e o tempo
que somem de ti
para sempre.
Ao fundo,
bem fundo,

olho no olho,

no frio se exaure o céu

que por ti se perfuma.

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CBJE 24
Poemas do desmantelo do campo de espera

VIA LÁCTEA DE ESTRELAS

Dos atritos aos detritos,


a via é láctea de estrelas até o coração,
ventando em nossos olhos sílabas de areia,
neblina
e
límpidas mentiras.
Neste poema
a brevidade trai a força da gravidade frente a qualquer abismo
e, atira-se sem asas,
ao fundo bem fundo do coração.

25
Márcio Leno Maués

ELEVAÇAO À SOMBRA

O que souberas de mim


fora a sombra das palavras
que se acendem e apagam.
E, para que tudo se refaça
no instante-já tremulo
liquifico as luzes em redor das sombras
no suor abundante
de outras palavras que vibram de costas
para o mundo obscuro.
Esse caldo escorre em ecos-reflexos de sol na água
e, se descobre tremeluzente
um lago que se eleva
sem limites.

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CBJE 26
Poemas do desmantelo do campo de espera

SAUDADE DE SI MESMO

De poro em pólen
constroem-se palavras-pétalas
sobre a pele (a sua)
desnudando-a em poemas.
Nascem fluxos-floemas
incrustando nos olhos (os meus)
e olores de uma saudade de si mesmos
ao relento
no trajeto até o céu enlunado de ais.

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Márcio Leno Maués

ESPELHISMOS AO VENTO

Arfantes,
os olhos prendem o poeta ao tempo:
espelhismos ao vento talvez digam mais
sobre a sangria que esse verbo hemorrágico – o coração –
(soluçante e subterrâneo)
debruça sobre páginas afora.
Nervos melânicos – palavras –
sobre a pele incinerada,
o tempo sub-reptício
comovem.

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CBJE 28
Poemas do desmantelo do campo de espera

FRACTALIS

Meu instante de poeta


saliva sobre as palavras
que vicejam sóis,
verbos

amores em fractais.
Devoro a brevidade
pela tarde toda
ao relento
em algodonosas sensações de junho.
Esse amor em mim,
é por ti hoje
a fatuidade
que me refaz
em parábolas
farfalhando lírios e brotos,
estremecendo o peito
e, confundindo-me
a serenidade de um rio

(e seus orvalhos)

com sóis sempiternos.


Tudo palpita
para celebrar teu nome
em imagens fractais.
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Márcio Leno Maués

À SOMBRA

À sombra de um rio
de mim mesmo parte o sol.
E, nele outras claras partidas,
idas e vindas do céu ao chão
entre amares e amores.

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CBJE 30
Poemas do desmantelo do campo de espera

Desmantelo II: água sobre água

“Os vocativos
são o princípio de toda poesia”.
(Adélia Prado)

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Márcio Leno Maués

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CBJE 32
Poemas do desmantelo do campo de espera

SOL’ÁGUA

Entre o vento, sol afora


e janela adentro
revoam as asas entreabertas
do silêncio a esmo,
seco e árido do teu rosto.
Antes de virar memória do deserto
seja sol sempiterno
contra o outro lado
da água de mim.

33
Márcio Leno Maués

ABSINTO

Talvez seja
o absinto que carregas nos olhos
o sensor que me embriaga,
(pelos olhos também).

Nas noites de palor e de estrelas sem par


quero tuas íris sempiternas (como dois oásis)
a me seduzir sem piedade sob os ares opressos
nesta era quase sem sentidos.

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CBJE 34
Poemas do desmantelo do campo de espera

SOPRO CINZAMETÁLICO

Nenhum poema trinca esta noite.


Céu cinzametálico,
são dicas de manhã nebulosa, creia.

O óbvio é tão mordaz


que sopros povoados de ausência
logo brotam no seio das mãos.

Meu hipocampo vaporoso


é um vaso sem planta diria, hoje.

Acordo-me assim com um verdor de absinto nos olhos


que nem sinto enfim o cristalino
neste poema sobre as nuvens,
sob as sombras.

35
Márcio Leno Maués

TANTO MAR

A lua
que tive nos braços

por toda a noite,

sangrou rosas no peito da manhã

e, espelhou-se

nas gotas de orvalho,

que rolaram dos teus olhos

de puro desalinho

e recôncavos de tanto mar.

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CBJE 36
Poemas do desmantelo do campo de espera

ESPELHO LÍQUIDO

Água sobre água,


eis a textura da pele
na íris da noite.
Estremecidas palavras
vêm encher de epifanias
as ânforas do céuespelholíquido
que madrugada afora
deságua o corpo todo.
No dia seguinte brotam nervosas
outras águas,
de novo sobre águas,
agora sob o silêncio de filetes de chuva
sobre as heras
ao ponto perdido
no azul muro da memória em naftalinas.

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Márcio Leno Maués

SOLSTÍCIO

Germina no centro de tudo


um solstício
que não diz o nome.
Camufla-se de inverno por horas a fio.

Vence o cansaço dos olhos


e, errante, expõe-se,
sono sobre sono fugidio.

Aonde quer ir?


De onde vem?

Tão lúcido... tão pálido: transpira.


Vem das águas que estrangulo
entre as folhagens que o furor declina inominado.

Qual apego ainda o sustém?

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CBJE 38
Poemas do desmantelo do campo de espera

ECOS NA MANHÃ FRIA

Mais um deserto
desenha-se em ecos nesta manhã.

Tempo e movimento
seduzem os cílios no ritmo das cortinas.
Navegar na memória hoje
são só silvos
que dedilham as nervuras da saudade
e o coração vitrificado pelo frio
tirando o sorriso do caminho.

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Márcio Leno Maués

OLHOS DE DOMINGO

Folhas em branco
aos domingos
são imensos
olhos azuis.
Poemas nascem
como doces ciscos de saudade
que os alegram em vermelho.

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PRO
CBJE 40
Poemas do desmantelo do campo de espera

CURVAS DAS HORAS

Por uma vírgula,


ouço uma por uma
minhas pulsações
afiando a lâmina dos sentidos
à noite toda.
No dia seguinte,
sob uma chuva rala,
a lisa luz da folhagem
revela-me em cristais

e olhos de neblina.

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Márcio Leno Maués

FEBRE A TROIS

Mais lábios que a febre


saltitei nos corredores da noite,
desmemoriado de sono.
Insone,
desfaleci poemas sobre a cama.
Nos sonhos aos pedaços,
éramos três a queimar:
tu, eu e a solidão.

Febril,
febril
degelei o passado.

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CBJE 42
Poemas do desmantelo do campo de espera

ECLIPSE

Um lento sopro de espera


confrange-me o corpo ao espelho
e quase em silêncio
oculta-me de mim mesmo.
Do outro lado da lâmina
emito sons poucos
para povoar os eclipses
que se desenham na tua pele.
Tão logo
olhos (os meus) – o outro lado do eclipse –
se descobrem minguantes,
crepúsculos de tanto sono,
de tanto precipício.

43
Márcio Leno Maués

NERVURAS EM CONTORÇÕES

Tremeluzente como água-viva


acendo e apago palavras nervosas
queimando,
esticando
e alisando a pele
para a iniciação à voluptuosidade nas veias.
Seguirei arriscando em contorções
que me fazem latejar os nervos das mãos
nesses momentos súbitos de plenitude.
Estou água-viva de novo.

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PRO
CBJE 44
Poemas do desmantelo do campo de espera

SOL EM CHUVERNO

À janela do tempo
tem a névoa nimbando suavemente um céu
que, se emoldura estátua no chuverno
sob o naco de sol
quase irrespirável do fim da tarde, quase noite.
Chama-me estrela
ignorando o frio
e agudece outras estrelas ao sul
para se salvar
como quem anoitece em Pessoa.

45
Márcio Leno Maués

POEMA INACABADO

Fenecem flores desmemoriadas


sob o entrelaçar de nossos versos
(muralha de palavras que construímos juntos)
e a língua renomeada
escarpa as entranhas
de poemas inacabados
(como nossa vida toda).

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CBJE 46
Poemas do desmantelo do campo de espera

BRISA LICOROSA

Uma brisa licorosa


descortina o dia
e, lança sobre a mesa,
as cócegas febris
de um sol
que se contorce
por entre as memórias
e sandices dominicais.
Busca meus ombros,
umbrais
e nuca,
seduzindo-me agora à sonolência
que se frágua mornal demais
do palato aos flancos.

47
Márcio Leno Maués

REBRILHO

Os céus intangíveis
no fundo dos olhos que rebrilham, para se doar e receber
o que entorpece meus ângulos,
movimentam-se aquáticos
rumo à montanha de poeira que se forma atrás de ti.
Curvam-se (ante mim)
astros,
calor
e oceanos
à espera de paisagens outras
que me levem adiante,
a outras indecisões,
a outra incisão na retina laminada
que se abre em asas
e inoculada de pesadelos.

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PRO
CBJE 48
Poemas do desmantelo do campo de espera

Desmantelo III: mimesis

“Encarno-me nas frases voluptuosas


e ininteligíveis que se enovelam para além das palavras.
E um silêncio se evola sutil do entrechoque das frases”.
Clarice Lispector

49
Márcio Leno Maués

PROVA 02
PRO
CBJE 50
Poemas do desmantelo do campo de espera

ESPELHOS

Entre espelhos
meu corpo estilhaça humores idos.

Não mais fala,


ensombrece e cala.

Não, meu corpo-lâmina não silencia,


nem te esquece.

51
Márcio Leno Maués

Para LEDUSHA

O peito, aço.
A noite escorrendo
por entre os dedos
longos e frios das horas.
Os olhos, só suspiros.
Logo, logo rudes os pássaros
estilhaçam a manhã aos meus ouvidos.
Vórtices,
volúpia
e vinho
bem cedinho.

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CBJE 52
Poemas do desmantelo do campo de espera

BEIJO EM ECOS

Seus lábios
sanguinários e alados
como o vôo do morcego,
deixam minha nuca
perdida em ecos.

53
Márcio Leno Maués

MEMÓRIA DO CORPO

Corpo e palavra adentro


exprimo
e
espremo
toda a cor do amor que escrevo
em rascunhos nos espelhos superpostos da insônia até mais infinito
para ter aonde ir.

PROVA 02
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CBJE 54
Poemas do desmantelo do campo de espera

TEMPO EM MIMESE

Fisgar em mimese
o tempo que se desrealiza tênue
e em ecos entre os dedos,
desperta-me do silêncio.
Dele subjaz
um olhar de peixe no aquário das horas
- a própria vida –
para em seguida repartir-se
entre luas sonolentas
e o início de outro silêncio.
- o tocar-se dos cílios -
que só os olhos ouvem.

55
Márcio Leno Maués

HUMORES BIVITELINOS

Alba,
capturas do escuro
(que arfa nas costas)
as cânforas que o tempo reabsorve
em silêncio tão crível
quanto tatuar-me incensos versos
na pele incinerada.

Nigra,
farejas a terra
(absorvente dos pés)
onde recosta-se a rudeza
para num beijo estilhaçar-me no céu
que traga hoje
todas as luzes entre o chão e a solidão.

PROVA 02
PRO
CBJE 56
Poemas do desmantelo do campo de espera

EFEITO TYNDAL

Entre átomos e átimos


os fulcros do coração
contorcem-me os hábeis cílios
em efeito Tyndal sob o sol ralo que me
espreita.
Mioses delatam o amor
e dilatam-me em dialetos inamomíveis hoje.
Eis a tônica
(sem gin)
desta tarde limonada.

57
Márcio Leno Maués

PALAVRAS EM PÚRPURA

Teço poemas com o fio ivre da não-palavra,


simulando cópula de cores no púbis da página.
Desnudo-me então
palavra sobre palavra à revelia de frias luzes,
à deriva e bem longe de todos os ruídos
mesmo que as páginas dos dias pareçam amassadas folhas de zinco
ou dobraduras de flores em papel alumínio.
Soam em mim ranger e langor
de anelos ventos que reverberam paixões
no mar de amares que primaveras me sugerem a cor púrpura
ou o vermelho fugaz da palavra aberta para sempre
assim como o coração.

PROVA 02
PRO
CBJE 58
Poemas do desmantelo do campo de espera

PULSOS

Hoje a luz que pensa meu coração


pontua-me os afetos desenraizando-os
tal tropeço teus cardíacos ecos me impõem
onde desespelho-me
para consolar-te em vão
dos teus retiros
aos confins do indizível.
Defloro esse outono
que nos sombreia o peito
com poemas hemorrágicos
em fluxo semovente de desvelo e céleres como o tempo presente.

59
Márcio Leno Maués

PRETÉRITO-IMPERFEITO-TEMPO

Vêm das pupilas


os espectros que se descobrem flagrando
as interrupções do próprio olhar;
plasmam-se assim no meio do caminho indefinido
(que me escava sussurrante),
as obliterações do presente-espanto
que se cala para outras visões,
tantas outras revisões.

Pretérito
segue-se
mais que imperfeito
o tempo.

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PRO
CBJE 60
Poemas do desmantelo do campo de espera

VENTO ÂMBAR-GRIS

São elétricas as sensações que estertoram meus olhos,


minuto a minuto, segundo a segundo longe de ti.
Gritam vento e, estremecem todos os pêlos em vôo,
que até a sombra das palavras
se inscreve acrobática corpo adentro.
Eis a tristeza âmbar-gris crescendo, crescendo
para além do dia esverdeado ontem
pelo limo do muro-solidão.

61
Márcio Leno Maués

ABISSAL

Entre luas submarinas


e sóis sobrenadantes,
no meu peito
sobem
e
descem
amores inversos.
Hoje,
feito verso
trago absinto, logo, logo
volateante e abissal me sinto em teu nome.

PROVA 02
PRO
CBJE 62
Poemas do desmantelo do campo de espera

JOGO DA PAIXÃO

Porque me apaixonas
urge a ti vociferar.
Porque te apaixono
emerge em mim volatear.
Ata-me, então.
Converta-te em mim
sendo eu
suco refinado
do teu desejo.

63
Márcio Leno Maués

ALELUIA CLARICE!

As aleluias que me sei hoje


Entretecem e, logo destecem todos os veios
Que a densidão
E a leveza do ser assimilam.
Reclama-se
E afasta-se
Esta daquela
Para perpetuar-se
Em realidade adivinhada.

PROVA 02
PRO
CBJE 64
Poemas do desmantelo do campo de espera

OBSCURO NADA

Hoje o peito traduz


o não-tempo
e o não-lugar
tangenciando o obscuro
como se até o nada
estivesse ausente
corpo abstrato afora.
Eis a vertigem do pensamento
num conto de palavras
capaz de matar o peso de qualquer sentido.

65
Márcio Leno Maués

RISOS RIOS DE GIZ

Sou apenas
esquálida página
do que ditei para ti.
E, perdido em mim mesmo,
crio desvarios
em
risos
rios
de
giz
e
carmim.

PROVA 02
PRO
CBJE 66
Poemas do desmantelo do campo de espera

JADE

Relvas sobre mim


e entranho-te então
em meus pêlos – novelos de lã.
Apelo por ti
e permaneces
intactamente um rubi...
jade, jade.

67
Márcio Leno Maués

CADAFALSOS

Naquele tempo
resisti às sombras,
houvesse forca
nos cadafalsos das horas,
houvesse um silvo apostrofado
em tua direção na despedida
feita de musgos e bolor.
Salvo, anoiteci palavra.

PROVA 02
PRO
CBJE 68
Poemas do desmantelo do campo de espera

BRASAS DE DENTRO

As pálpebras,
duras como pedras de gelo sobre os olhos,
guardam as luzes frias da noite
e as imagens de agora - águas, águas, águas...
Logo,
nos umbrais da retina,
surgem poemas flamejantes,
para amanhã bem cedinho
degelar o dia inteiro.
Com o hálito ainda túmido,
guardo-os sob nebulosas
nos estilhaços que restam da córnea
neste dia seguinte
para os cegos de amor.
São as brasas do coração, diria.

69
Márcio Leno Maués

AOS QUARTOS

Desperta-me o sol
em pedaços
sobre o lençol.

Um quarto
em brasa
e, os outros três quartos,
à tua espera.

PROVA 02
PRO
CBJE 70
Poemas do desmantelo do campo de espera

A PONTE

Que aquilo
que se enverede
pelos
desvãos
do tempo
crie em nós
fios coleantes
entre
o óbvio
e
o incomum.

71
Márcio Leno Maués

DÚCTIL MÃO DISTRAÍDA

Fazer fluir a mão,


distraída e dúctil,
além do rosto,
aquém do resto indizível
que a ele subjaz,
à espera de palavras nas quais,
subitamente,
ver de novo
o mesmo rosto no espelho do dia
se transforme em ver o novo.

PROVA 02
PRO
CBJE 72
Poemas do desmantelo do campo de espera

MÉTRICA

Cada metro de mim


é um coração na mão.
Como não tenho dois,
milimetro-me palavras sem medidas
até meus confins
tão rizivelmente
centímetros de solidão.

73
Livro produzido pela
Câmara Brasileira de Jovens Escritores
Rio de Janeiro - RJ - Brasil
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E-mail: cbje@globo.com

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