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9uma floresta de simbolos

Numa floresta de símbolos é o


universo onde Abílio Terra Júnior
constrói-se atento poeta às circuns-
tancias de seu mundo, desfibrilando-se
em poesia.
Desenvolve e desenrola sig-
nos e símbolos com seu verso forte e
ideias claras. Mesmo ciente de que o
caminho
"é um longo deserto
com espectros a cada metro
um sol que paira no espaço
me acompanha a cada passo"
Também os dias abençoam-se e
enlevam-se pelo contato com o calor do
toque na troca com a amada:
me entrego ao peso do beijo,
minhas pegadas marcam a areia
não mais vago pelo espaço
ao estar em todos os lugares
E dentre inúmeros signos que
compõem esta floresta, nunca muda, e
cheia de comunicações poéticas, o
alimento do amor pelo banquete e da
riqueza pelo ouro:
a dama de ouro se levantou
da sua alcova espectral
e entregou ao perene arauto
o édito que cone/amava
os seus inspirados súditos
a acordarem dos seus sonhos lassas
e a prepararem lauto banquete,
em regozijo
por essa tarde crepuscular de outono
Por fim, Abílio Terra Júnior, o mineiro
de nascimento e brasiliense de coração
- que nos entregara há tempos seu livro
inaugural, Os homens pássaros - nos
oferece sua poética ainda mais
aprimorada, ousada floresta onde habita
versejando e nos convida a todos ao seu
sarau poético e fraterno.

Rossyr Berny - editor


2blto Tera 9inior

9ma floresta de símbolos


by Abílio Terra Júnior
Direitos autorais reservados
Capa: Marcella Viglioni Terra, Artista plástica formada pela Escola
Guignard - UEMG.
www.fiocondutor.siteonline.com.br
Revisão: Eneida Martins e Gustavo Saldivar
Editoração eletrônica: Rafael Porto
Arquivo digitado e corrigido pelo autor, com revisão final do mesmo,
autorizando a impressão da obra
Editor: Rossyr Bemy
Contato com o autor:
E-mail: marpolle@terra.com.br

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

T323n Terra Júnior, Abílio.


Numa floresta de símbolos/ Abílio Terra Júnior.
Porto Alegre: Alcance, 2010.
104p.

1. Literatura brasileira. 2. Poemas. I. Título.

CDU: 869.081)-1
CDD: 869.917

Bibliotecária: Simone da Rocha Bittencourt - 10/ 1171

ISBN: 978-85-7592-194-4

Editora Alcance - Rua Bororó, 5-CEP 91900-540 - Vila Assunção


Porto Alegre/RS - Fone/Fax: (51) 3307 0221 / 3307 0233
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Prémio Jabuti 20o8 Contatos MSN: editoraalcance@hotmail.com - Skype: editora.alcance
Dedicatória
Dedico este livro à minha esposa Luiza,
que sempre me apoiou em todas as minhas
iniciativas literárias.

1
Prefacio

Abílio Terra Júnior é um poeta que convoca a poesia a que


fale por ele. E ele por ela. Vê-se que sempre foram parceiros fiéis.
Cada poema seu, cada uma das sete partes de Numa floresta
de símbolos é toda a representação e vivência do homem e suas
experiências. As melhores e as piores; as dignas e as indignas; as
luzes e as trevas; os amores e os desamores.
Dentre muitos belos textos, há um poema que destaca-se por
estas várias performances, A sombra do vento:

nessas trevas em que o fogo me consome,


em que apago da memória essa gana
do amor de um instante que golpeia;
de um rosto que se foi e que me espreita

não é a vida que penetra às escondidas


nem a morte que me unge soturna,
são os miasmas de uma febre que ferve
que se escancara e me derrota a cada dia

quando, ainda pequenino, me esguelhava


me perdia entre os livros esquecidos
que se estreitavam em uma sombra,
que cresciam como animais em suas jaulas

o vento se lançava como um espectro


entre a névoa que me escondia, compungida
eu corria como um ser que já se foi
nas pegadas do oculto ser sem face

eu amava com uma dor latente e fina;


me desdobrava na angústia pálida, sentida,
o presente que se emoldurava a minha frente:
o destemor de quem se lança no abismo
Abílio Terra, vate de palavra firme e sábia, sabe que a boa
poesia fala por signos, símbolos, imagens, metáforas, das mais simples
às mais rebuscadas. Mas poesia sempre, como o bom exemplo desta
floresta em livro.

Airton Ortiz - jornalista e escritor


>

9ndlice
A poética do amor A poesia da autodescoberta
A janela entreaberta 13 Apenas um detalhe (*) 61
Ali, passava boi, passava boiada 14 É a brisa que passa, serena 62
E a incógnita persiste 16 Em minha busca por ela 63
É um longo deserto 18 Flutua 64
Em todo aquele inverno 20 Encontro-me feliz, de repente 66
Eu a encontro 22 Legiões de ordeiros anfitriões 67
Julgo que, a despeito de tudo 24 Naquela antiga morada 68
A sombra do vento 25 Nossos pensamentos se cruzam..............69
Na coluna que se alarga 26 Ontem, a minha filha 70
Não importa o que venha 27 Uma velha cadeira de balanço 72
Navego nessas curvas 28
Se sabes que eu te quero 29 A poesia transcendental
Num caminho estreito, encontrei o amor.. 30 São tantos jogos que rolam : 77
Se vens do espaço infinito 32 O despertar das rosas 78
O eco do universo 80
Poemas de amor carnal Peixes e flores 82
Lindas mulheres e a minha pele 37 Vejo esta árvore robusta 84
Na escuridão do leito 38 O mundo em que as sombras................... 85
Nas costas, muita maresia 39
A poética da perda
O fazer poético As pernas abertas 89
Em um poema tão singelo 43 A mulher devorada pelo fogo 90
Hesitas diante do estro 44 Como tudo é incerto na vida....................92
Jovens palavras 45 Foi mesmo neste duro mundo 93
Incólume, atravessei a noite 94
O desnudar-se poético Numa era como esta 95
A mulher se despe 49 Numa floresta de símbolos 96
A prova (*) 50 Quando a esperança se esvai...................98
A voz da mulher 52 Soldados do bem se contradizem.......... 100
Caminhava ao lado de Pan 54 Seguia seus próprios passos 102
O impulso que me leva 56
Entre tão nobres amigos 58
] poética do amor
janela entreaberta
(Para a amiga Lauiza de Marillac)

agora não podes divagar


após o ato consumado
e tergiversar, como uma borboleta
de flor em flor,
com palavras e mais palavras

pois te esvaíste em um longo sussurro no deserto


e a flor sedenta se transubstancia
em um esplendor sereno e compreensivo

nada mais esperes; te entregues


à momentânea tensão que se foi

observe os retângulos das paredes


e o canto do pássaro que pousa, displicente,
sobre um frágil galho que invade a janela

a atmosfera, ora pesada, ora leve


se insinua nos poros;
um sorriso surge e um olhar sedoso
observa teus cabelos
que se espraiam e se avolumam

a cada instante em que a vida


se declara presente e vitoriosa

os jogos foram-se, um a um,


e resta agora um momento
de imponderável sensibilidade

dúvidas e certezas espalham-se


e ganham a janela entreaberta

9bilo Tera 9inior 13


Ql, passava boi, passava boiada

ali ... passava boi, passava boiada


tinha uma palmeira na beira da estrada
onde foi cravado muito coração ...

triste Berrante
solange Maria e Adauto Santos
trilha sonora da novela 'Pantanal'

neste mesmo espaço selvagem,


em seu compasso de espera
o olhar fraterno do boi se alongava,
me espreitava na doce comunhão

eu o amava e o estreitava
no meu coração tão sincero,
sentia seu cheiro gostoso,
seu porte de cavaleiro,
senhor da sua missão

eram tempos tão fiéis


que nos amávamos, corríamos
ao vibrar do berrante
que clamava ao vaqueiro seu valor

o olhar trigueiro da cabocla


expressava sua emoção;
nossos corações se enlaçavam
naquela palmeira solitária

14 91ma floresta de simbolos


nunca mais meu coração
vibrou tão nobre, tão puro,
naqueles tempos de ouro
em que eu sentia a vida

depois, se estreitou, se quedou


nas urgências do tempo veloz;
perdeu-se da sua glória
na sua origem de mestre

entre carros que passam velozes


no asfalto negro e perdido,
meu olhar enxerga além
e vê o boi que passa a boiada

bilo Tera 9inior 15


a incognila persiste
e a incógnita persiste,
pois não sei dos teus sentimentos
e tu não sabes dos meus

me persegues com o olhar


quando sabes que não posso ver-te,
mas posso sentir-te

te finges interessada em algo


que não eu,
mas me sentes

o tempo nos deixa marcas,


nos amadurece por dentro
quanto ao sentimento

permanece encoberto
só aflora em raros momentos
em que o coração acorda

e conta a nossa história


que imaginei e tu também
que toca o nosso íntimo

por que tanto mistério,


eu me pergunto;
e imagino que tu também

16 9ama floresta de simbolos


se o amor nos ronda
e, às vezes, se cansa e se vai,
pois se sabe presente

e não se faz de indulgente,


pois sabe não ser esse o caminho
de tão nobre sentimento

quando ele aflora,


mostra-se poderoso
nos deixa perplexos

quando nos sabemos amantes


permanecemos distantes
e a dor nos dilacera

2bilo Tera 8imnior 17


,

um longo deserto

é um longo deserto
com espectros a cada metro
um sol que paira no espaço
me acompanha a cada passo

o beduíno me convida
a entrar em sua tenda,
a compartilhar da sua mesa,
generosa como sua alma

surge morena odalisca


envolta em sete véus
na dança dos seus ancestrais,
cúmplices mistérios no olhar

seu hálito recende a tâmara


seus dentes, eternas pérolas
seus cabelos giram no ar
suas mãos, frescas pombas

seus pés, a mais pura seda


sua cintura conta histórias
que aprendo e não esqueço;
suas ancas, tão amplas

18 9ama floresta de si
mbolos
que me mantém incógni to;
suas coxas reluzentes,
frenéticas, com seus segredos
me seduzem com zelo

o beduíno, tenda, mesa,


desaparecem por encanto
enquanto a odalisca me cerca
seu olhar me indaga

lhe digo que a acompanho;


ela me dá sua mão,
me leva ao seu reino,
princesa do mais lin do oásis

7bilo Tera 9inior 19


m todo aquele inverno
em todo aquele inverno,
a surpreendi tantas vezes
naquele sonâmbulo mundo
de uma constrangedora magia,

que me deixei seduzir


pelo âmbar que transluzia;
dos seus passos que seguiam
a ardência da noite preciosa

que impenetrável mistério


a encobria como um invólucro
e nunca me permitia
sorvê-la em seu instante íntimo

ela assim me envolvia


ao sorrir como uma donzela
se abrir a minha pele,
mostrar seus crespos pelos

e sua pele luzidia


brilhava a luz das estrelas
e suas unhas roçavam
meus cabelos cacheados

20 9ama floresta de simbolas


ela me protegia do frio
com seus longos cabelos negros,
me enrodilh ava em suas pernas,
serenas em seus doces odores

se dizia minha amante,


me conservava errante
ao demonstrar o recato
com que cerrava seus olhos

em seu mundo tão distante


ela assim permaneceu,
tão diverso do meu
que nunca mais o encontrei

2bilo Tera 9inior 21


u a encontro
(Inspirado no filme 'Asas do desejo',
dirigido por Wim Wenders)

eu a encontro,
lhe ofereço a taça de vinho;
iniciamos nossa história
que é a única da nossa espécie

venho do início dos tempos


tudo sei, como um vidente;
salvei do caos muitas mentes
como um ser espacial

vejo as lágrimas humanas


e o sangue que sai das veias
e o ritmo frenético
com que o homem possui e destrói

mas sua beleza me toca,


e sua graciosa leveza
com que se exibe no ar
ao extasiar as crianças

me entrego ao peso do beijo,


minhas pegadas marcam a areia
não mais vago pelo espaço
ao estar em todos os lugares

22 9ama floresta de simbolas


sabemos que partilh aremos
uma vida que se transforma
no fugaz trajeto do tempo
que um dia terá fim

mas ela me ama e me abraça,


e se sente segura
quando sustenho a corda
em que ela se arroja

pois eu vim do céu e ela, da terra


surgi em seu sonho,
me encontrei dentro dela
e permito sua solidão

bo Terra 9inior 23
Julgo que, o despeito de tudo

julgo que, a despeito de tudo,


é natural nosso contato
quando sobram boas maneiras
neste nosso aprazível espaço

às vezes, nossos olhares se cruzam,


indagam do que há de vir;
e enquanto nossos deuses
se envolvem em suas pendengas

nós permanecemos tranquilos


a escorregar por nossas orelhas;
e deglutimos o fluido
ao som de suave alarido

e embora a nossa vida


esteja assim encolhida,
há muito ardor envolvido
que compensa tanta dúvida

e nos atropelamos, sôfregos,


numa contínua carreira,
a solicitar que os deuses
multipliquem o que é breve

24 91ma floresta de simbolos


? sombra do vento

nessas trevas em que o fogo me consome,


em que apago da memória essa gana
do amor de um instante que golpeia;
de um rosto que se foi e que me espreita

não é a vida que penetra às escondidas


nem a morte que me unge soturna,
são os miasmas de uma febre que ferve
que se escancara e me derrota a cada dia

quando, ainda pequenino, me esguelhava


me perdia entre os livros esquecidos
que se estreitavam em uma sombra,
que cresciam como animais em suas jaulas

o vento se lançava como um espectro


entre a névoa que me escondia, compungida
eu corria como um ser que já se foi
nas pegadas do oculto ser sem face

eu amava com uma dor latente e fina;


me desdobrava na angústia pálida, sentida,
o presente que se emoldurava a minha frente:
o destemor de quem se lança no abismo

Obro Tera 9inior 25


9 coluna que se alarga
na coluna que se alarga
se condensa na ilharga
ainda a vejo, distante;
me despojo, me alojo

tateio naquelas alturas;


o instinto me guia,
o tímido silêncio
perambula entre lábios

o mistério se derrama
de cada poro e nervura
se tinge do odor raro,
do moreno langor

sussurro entre dentes


subliminar mensagem
breve, mas eficaz,
para alcançar meu intento

ultrapasso a barreira,
a perfeita teia,
natural obra-prima
pulsante desfiladeiro

penso alcançar a glória


e vejo que ela também,
pelo brilho das pupilas,
por algumas sílabas soltas

célere, escalo montanhas


no tropel que vara a noite,
no compasso em conjunto
em que ela também se esmera

26 9ama floresta de simbolos


9ao i
mporta o que venha
não importa o que venha
ou o que já tenha ido,
nem mesmo os tempos proscritos
ou os que estão por vir,

pois este momento é tão somente


o que existe e é tudo;
nele, se concentra minha mente
e minha alma e o mundo

nele, o espaço se espalha


por estrelas que existiram
e por moléculas que tombaram
e deram lugar a outras

e sinto que, sob mim,


mundos passam velozes
e outros cruzam, superpostos,
a este meu ser·que pressente

e que há seres reticentes


outros sorriem dementes
ainda outros traduzem
o que transcende e o que reluz

e o fogo se encontra a meio


tão sutil que não se vê
e refulge transparente
e produz o ouro incorpóreo

e o homem procura a mulher


em um processo a que chama amor
que é também um fogo que queima
e que produz chagas imantadas

7bilo Tera 9inior 27


avago nessas curvas

navego nessas curvas


que percorrem ângulos noturnos;
cismam de se abrir
em insondáveis teoremas

que o mais astuto mestre


formulou e se perdeu
em suas vãs tentativas
de entreabrir os colchetes

elas se identificam
com meus íntimos anelos;
ensandecidas, me envolvem
fingindo-se obtusas

parecem-se areias claras


com seu difuso calor;
que é ave rara
em minha estrita quimera

observo seus perfis


difíceis de descobrir,
pois são pouco visíveis
em sua dispersa rotina

elas saltam, sorridentes;


juntas se tornam um círculo
sinto seu raro perfume
ao tocar em seu íntimo

sinto que sou demente


ao abraçá-las de vez,
pois levam-me com elas
ao seu sonho eterno

28 9ma floresta de simbolos


e sabes que eu te quero
se sabes que eu te quero
mesmo ausente, faço-me presente
por que não abres teus lábios
ao sorvedouro da vida

por que não transpões o espelho


no salto felino;
sussurras o dialeto
que se esconde entre tuas coxas

escondes teu vulto entre as lousas,


pisas em folhas secas
teu semblante, um enigma
claro molhado de orvalho

no entanto, teus cabelos são negros;


escalam fragrâncias etíopes
levados por torvelinhos alísios,
volteiam teus sentimentos

no segredo do teu ventre,


matizes do nascedouro
do mundo novo
que cativa ao se expressar

acompanhas as dunas musicais


ao te perceberes cativa
das minhas crespas conquistas
naquela viagem perdida

na magia tresloucada
com que galopas teus despudores,
te descubro íntima corça,
que te escondes nas nuvens nimbos

bilo Tera 9unior 29


9mm caminho estreito,
encontrei o amor

num caminho estreito, encontrei o amor que me disse,


com voz doce e olhar enternecido, algo que só ela sabia,
que me aconselhava como se sempre me conhecera
e tocava em meus cabelos com sua terna mão de mulher
e trocava comigo olhares há muito esquecidos
sua pele clara, saudável, convidativa, acolhedora,
aconchegante;
e seu olhar límpido e suave,
sua boca com traços delicados,
com uma cor suavemente avermelhada.
seus cabelos? Em tons claros, ondas suaves, terminava
na altura do pescoço, que era alvo, bem torneado,
convidava a um beijo;
seu corpo bem proporcionado, curvas bem delineadas;
sua meiguice transparecia dos seus olhos,
que transmitiam confiança
e nos encostamos em um balcão e conversávamos
quando ela, carinhosamente, encostou-se em meu
rosto com seu rosto lindo
e nossos lábios se aproximaram, silenciosa e lentamente,
e se tocaram e eu a beijei com toda a ternura
e ela respondeu suavemente
e, naquele momento, todo o universo convergiu
e se condensou em nós, que ali estávamos, unidos,
pois o nosso amor o tocou
as estrelas sorriram e cantaram uma doce melodia
que fez com que os pássaros a acompanhassem
e as flores se revigoraram e se perfumaram,
os riachos fluíram como nunca
e as ondas do mar se engolfaram num bailado nunca visto;

30 9ma floresta de simbolos


os golfinhos se olhavam e sorriam
e comentavam a novidade;
muitos peixes se uniram, formando desenhos inusitados
com seus cardum es
as vacas, pachorrentas, suspiraram;
os cavalos relincharam de alegria;
as árvores renovaram suas folhas e deram novos frutos;
os cães se entreolharam e abanaram seus rabos;
Afrodite disse sim e suas sacerdotisas dançaram
como nunca e rodopiaram, alegremente
Ishtar ilumin ou as trevas do desconhecido com sua luz
Orfeu redobrou o ânimo e tocou em sua lira
a mais linda canção de amor,
que as ninfas ouviram e acompanharam numa
dança de pura alegria;
que os faunos acompanharam com seus tambores
que acordaram a floresta
e a grande estrela Arturos lançou raios intensos
que aqueceram o uruverso
e o buraco negro parou de devorar uma estrela,
pela primeira vez;
e as nuvens se juntaram e desenharam novas figuras
e pintaram novas cores
e todo o céu se transformou
e os deuses sorriram e as deusas se rejubilaram
a Terra ampliou seus veios e nos sussurrou alguns
dos seus antigos segredos
e a natureza rejuvenesceu, esperançosa, em contato
com o nosso amor

31
e vens do espaço infinito
se vens do espaço infinito
em busca do que tu nem sabes;
se encontras um pobre andarilho
perdido em busca de abrigo

se o achas muito sério;


se sorris junto com ele;
se recostas os teus lábios
e tua fronte cansada

se abres os teus abraços;


se, assim, juntos, se enlaçam,
se perdem em um horizonte
. . .
em que se inspira e se suspira

sabes que nessas voltas


costumam se reencontrar
e nunca sabem quando
outro encontro se dará

mas te manténs em teu mundo


e percebes o que se passa;
mansa, cumpres tua pena,
mas sabes que o futuro te espera

32 9ama floresta de simbolos


que mistério te recobre,
em tua beleza morena,
pois manténs teu porte nobre
em tua penosa jornada

até mesmo és serena


nos teus enigm as de luzes;
e tua boca pequena
condiz com tua bela face

e cruzas os teus umbrais


e te embrenhas no sentir
junto ao pobre andarilho
que agora está junto a ti

7bilo Tera 9inior 33


Poemas de amor carnal
1indas mulheres e a minha pele
lindas mulheres e a minha pele
que se espelham no longo orvalho;
no prazer da morna flor,
que exala que se abre ao amor

nesse trajeto que se repete, enrubesce


nas areias sensíveis da noite;
nos esquecemos nos negros vapores,
nos perdemos no covil das madeixas

suas vozes, no espaço da morte


me adormecem nas estreitas vielas
dos seus hálitos perpétuos, claros,
dos seus íntimos anelos que vibram

suas unhas, que tocam as cordas


das violas, que nelas se escondem,
me marcam com o sangue do espasmo,
comprimem o meu jato sublime

seus pelos em círculos estreitos


me propõem um sucinto enigma,
que tento solver com a língua
que se bifurca, serpente faminta

seus olhares, tão crespos, em pares


tocam o suor dos meus poros,
se espalham em tons claros,
se voltam no transe, se esquecem

suas luas, tão escuras, tão cruas


apontam-me, brejeiras, as escunas;
nos tormentos amenos do estreito,
refulge no ardor, soa em flor

bilo Tera 9imnior 37


O escuridão do leito

nem apocalíptico,
nem literal,
nem canônico

sugar o sumo da vida,


em torrentes,
na escuridão do leito
que galopa
no horizonte vermelho

vislumbre do inferno,

onde o cisne negro


acompanha a jovem

que descansa seu corpo


e oferece seus seios

e sorri com mansidão

cônscia de que seu amante


único e derradeiro
a ama com a graça do verso
que a redime das dores
do dia funesto

e lhe traz o bálsamo


multiforme
das deusas e deuses

38 9ama floresta de simbolos


9as costas, muita maresia

nas costas, muita maresia


na fronte, um traço abstrato
nos lábios, o sulco do amor

no pescoço, a ânsia
do canto interrompido;
nos ombros, o peso
dos dobres de sinos

nos seios, o desejo


da carícia única;
no ventre, a malícia tênue
da sua paixão de mulher

nas mãos, a incógnita


persistente da entrega;
no sexo, a silenciosa presença
da doce e sedutora teia
que não se esgota

nas coxas, a amplidão


de um destino
de muitas lembranças;
nas pernas, o voo
entrelaçado da volúpia

nos pés, um sentido


imbricado com o sentimento
de se doar à vida

bilo Tera 8inior 39


O fazer poético
m um poema tão singelo (Para a amiga Crys)
em tantos ciclos que se envolvem
e que resultam em poesia,
o que dizer à massa nobre,
que se esmera em mil amores,
a liberar seus impulsos

não há muito o que ser dito


por não ser compreendido,
pois não muitos se esforçam
a entender suas letras,
que são muitas e estreitas

e por não se esforçarem,


dizem que quem se esforça
comete muitos equívocos
num linguajar oblíquo
que não se faz entender

mas, se soubessem o que é poesia,


começariam a entender
que esse linguajar oblíquo
é composto de metáforas
e de complexos paradoxos

que é o elã da poesia,


que singra mil mares
em símbolos mui sutis
e que atravessa mil desertos,
tantos são os seus méritos

em um poema tão singelo,


se escondem mil signos
como as estrelas infinitas
É esta a suprema beleza
da poesia a brilhar
em uma epifania

Qblo Tera 9inior 43


9asilas diante do astro

(Para a amiga Zena Maciel)

hesitas diante do estro


numa fútil penitência,
poluis a tua existência
a alquebrar a quimera
e a ardência da fera
que existe dentro de ti

neste generoso encontro


de plausível vacuidade,
invocamos nossos deuses
numa lunática recusa
de sermos, nós mesmos,
nossos próprios autores

mas tudo isto faz sentido


se pensarmos que, em nós mesmos,
eles se mantêm vivos
e sopram em nossos ouvidos
histórias de arrepiar,
a nos conservar descabidos

a sina do poeta,
que o envolve em tormentas,
é estar sempre presente,
mesmo quando ausente,
da sua aura portentosa
em seu lúbrico império

nessa fantasmagoria
de tantas lutas sem nexo,
replicamos aos nossos mestres,
como fúteis infantes,
a perceber o engodo
que transluz da nossa arte

44 9uma floresta de simbolos


Jovens palavras

quem vem lá?


o que procura o indizível,
o tremor de jovens palavras
ainda tenras e frescas

que, soltas, procuram esconderijos


no mel a escorrer de flores amarelas,
longas, sonolentas e cambaleantes

esse atleta dos jogos amenos de Ísis


envolve-se, ao anoitecer,
com o silêncio casto
das virgens morenas
que o circundam, deixando-o sentir
os seus aromas sacros e telúricos

mergulha em um voo sem escalas


nos sussurros das nuvens circulares,
que umedecem os pés
das pitonisas oraculares

paira em um giro ébrio


sobre o brilho fugaz
dos signos longilineos e fervorosos

que se desdobram em sustentar


e procriar novas palavras,
tenras e frescas

do Terra 9inior 45
O desnudarse poético
? mulher se despe

a mulher se despe em uma distante moldura,


se torna um sonho que é só meu;
nuvens de ouro escapam de entre os dedos

no tenebroso castelo, andorinhas tremem;


o cavaleiro submerge no fosso;
mil morcegos escondem a caverna só deles

a donzela bruxuleia e surpreende a fenda;


o odor reacende as lamparinas dos duendes
o caminhante finge que volta, é invisível

o barítono emite a escala à janela da torre,


acorda a princesa, mas já é tarde

a mãe corteja o rei e a princesa o seduz


mas este está coxo sem seu poder

o gigante se espraia em mil montes;


seu sangue ferve e explode em vulcões

a morte ensina a vidência aos leprosos;


a cega escala o monte de cristais

o leão, de um salto, alcança a imortalidade;


a dançarina saltita à procura da sua alma

montes de feno dançam em torno do fogo;


numa tarde de outono, vislumbro o fundo do mundo

49
prova c»

se pensas que estás louca


em tua dúvida e incerteza,
pois tanto te empenhaste
ao descobrires a fórmula

saibas que lúcida estás,


pois te questionas em teu íntimo
e voltas o olhar ao passado,
tão frágil e tormentoso

e te refletes nele
como se real fosse
e, nesse teu tormento,
permaneces só e singela

cercada de logaritmos,
tua confiança enfraquece,
pois não sabes se a ajuda
é tão nobre como se diz

e nesse mar de números,


navegas com muito tato
e te esqueces da tua beleza
e, do mundo estridente e vazio

de sentido e de respostas,
surge u'a mão amiga
que te parece sorrateira;
se, com uma equação, pudesses

50 9ma floresta de simbolos


acalm ar teu coração,
mas nem tudo está perdido
e quase és levada ao ninho
onde clamam os desvalidos,

mas recuperas teu tino a tempo


e retornas ainda que não saibas
se encontrarás apoio e resposta;
e a mão se revela amiga

e te protege e te aponta
o caminh o em que se encontra
do teu enigm a a solução

() Inspirado no filme homónimo, dirigido por John Madden,


com Gyneth Paltrow e Anthony Hopkins.

bilo Terra 9inior 51


ooz da mulher

o mar invade as pedras;


a voz da mulher ilumina as musas
e o sangue desce e recrudesce e pulsa

enquanto a música balança


e a mulher se embala e se deixa levar
e nada mais existe
a não ser a mulher,
sua voz límpida,
o seu coração que acompanha o mar
e as pedras que rolam;
e as areias que se multiplicam pela praia ao infinito

a mulher não diz,


ela pronuncia a música do mar
que com ela se envolve em um longo abraço
de prazer, dor, sensualidade
e o mais puro êxtase

correntes marítimas impregnam suas pernas


o seu sexo entre dois moluscos famintos,
as estrelas do mar se colam à sua pele

e ela se esquece da lua


e se dobra como uma ave
que mergulha entre os peixes,
circula com eles
em um bailado de nuvens molhadas

52 9ma floresta de simbolos


e toda a rocha se cala, circunspeta,
à espera das notas que se elevam
e são gotículas de água
que giram loucas entre as ondas,
que sugam as are1as

e a música se pergunta,
e responde às ondas,
que a voz da mulh er instila, inspira, suspira
e permeia a voluptuosidade serena da maré

7bilo Terra 9inior 53


Caminhava ao lado de Pan

caminhava ao lado de Pan,


em uma agreste ilha escocesa,
e das pedras nasciam verduras, arbustos,
e o ar vicejava e circulava airoso
e deixava seu semblante mais tenro

sentia-se útil ao escrever


e se decepcionava com os turistas que invadiam Galápagos
e a Terra se inclinava como um navio que balança,
e sentia cócegas com as traquinagens dos ineptos
que se multiplicavam nas suas loucuras;
e a hora chegava no badalar do grande relógio
invisível e certeiro
e tudo se acelerava, como nos filmes mudos

o grande dragão sorria e soltava baforadas


e se lembrava dos primeiros tempos
quando ensinara o homem a ser homem;
não estava nem aí,
pois cumprira seu dever;
o mesmo não diria dos seus alunos

as mulheres caminhavam nuas


e cantavam loas ao deus e à deusa
em um templo que nunca deixara de existir,
desde os primórdios
escondido atrás de um promontório
e, às vezes, sob as águas,
os homens passavam de liso
a não ser alguns eleitos,
que não o sabiam,
e que eram confundidos ou se percebiam confundidos

54 9ma floresta de simbolos


a música salvava as almas;
ao lado da poesia,
os mortos esperavam os vivos, sentados nos seus túmulos,
ou sussurravam poemas nos ouvidos dos poetas,
caso entendessem do assunto;
caso contrário, iam beber, fumar ou foder
junto com os vivos
ou dos mortos-vivos

a vida e a morte se entreolhavam,


se beijavam, se davam as mãos;
às vezes, trocavam de papéis
e se contavam piadas,
pois sabiam ser tudo um jogo

bilo Terra 9unior 55


O impulso que me leva
(Para a prima Jussara Rodrigues Terra)

o impulso que me leva


ao verdor da terra
é o mesmo que me impele
a reunir os confrades
em uma noite rara
em que estrelas tangenciam
os nossos olhares
e oferecem os seus dotes
a nós, supremos consortes

elas nos surpreendem


com sua luz que nos cega,
mas de certo saberão
que indicam nosso norte
são claras em suas notas
que emitem em raros trinados
ao clarear o sótão
em que os mortos caminham
ao se lembrar do seu querer

mas as estrelas são amenas


e muitas delas são pequenas
outras, gigantescas e nuas
a nos ofuscar pelas ruas;
seus trajetos são únicos
e seus beijos, úmidos
e sornem ao nos ver,
o que nos faz crer
que talvez elas nos amem

56 9ma floresta de simbolos


mas qual é o seu destino,
perguntarão a essa altura
elas vieram das alturas
e nós pertencemos a terra,
mas cruzamos nossos trajetos
e elas juntaram-se a terra
enquanto nós buscamos por elas
nas alturas, tão escuras
e juramos que não as encontramos

7bilo Terra 9inior 57


nhre to nobres amigos
entre tão nobres amigos,
sabes amar a tua tarefa
com a graça que te valida,
com teu timbre que atrai

numa epopeia diária,


alcanças o teu destino
na planura sem fim,
que revela destemor

dizes da árdua viagem


ao que te indagas,
te empenhas e te cansas,
pois de longe chegaste

para trás deixaste teu ninho


da ave que alto voa;
e circunavegaste a praça
dos poderes que se desfazem

és toda em branco,
acaricias suaves pelos,
compreendes os olhares
que, aflitos, te buscam

entre caudas alegres


e longas línguas suaves,
te compenetras que esta
é tua missão, que cumpres

com a leveza do anjo,


a serenidade da pastora,
a beleza da deusa,
a vastidão da mulher

58 9ama floresta de simbolos


poesia da autodescoberta
@penas um detalhe c)
foste inebriar-te nas nuvens
que amaste durante toda tua vida,
pois pulsaste no sol e na beleza
uma beleza só tua e de mais ninguém;
eras a única

pálida, olhos de névoa,


vivias a comédia humana a cada dia
e sabias que, após, viria o nada

para ti, tudo se resumia no detalhe


no saber da jovem bruxa
que se sabia sem se saber

que vivia a loucura em sua sabedoria,


que se restgnava e gozava
e cruzava dias e noites
entre torpezas e desprezos

ao viver, em detalhes,
a mansidão de uma nobreza
que não se percebia,

que imiscuía-se entre seus cabelos,


sua pele, sua forma,
sua alma e seu corpo flexíveis

em seu amor pelo sol,


em seu desprezo sem palavras pelos torpes,
em sua palidez resignada e altiva,
com que prosseguia pela morte em vida,
pela vida em morte

() Inspirado no conto Suze, de António Patrício,


do livro Serão Inquieto e Poemas Reunidos.

9bilo Tera 9inior 61


a brisa que passo, serena
2

é a brisa que passa, serena,


são as ondas do mar que se apagam,
é o meu coração que se apequena,
é o meu mundo que se parte e me aflige,
é a pequena amiga de tantas horas
que treme, se inquieta, tão frágil
são perguntas que se calam em meu peito,
são lembranças de tempos longínquos,
de momentos de cárcere privado
e de alguns poucos amenos;
é saber-me se, de fato, sou eu,
se existo, se sinto nas frágeis cordas
de um coração que pergunta, ainda,
no vão desse mundo sem fio,
peregrina na terra aberta
como é mesmo que se desperta

62 9ma floresta de simbolas


m minba busca por ela
uma mulher translúcida
muitas vezes se revela
vinda das dobras obscuras
que nem mesmo as conheço

é uma criatura antiga,


mas seu porte é de uma jovem
e traz uma mensagem,
que se for por mim ouvida,
me defrontará com minhas entranhas,
não apenas as visíveis,
mas até as inconcebíveis
pela minha mente de homem

pois ela tem a sabedoria


que começou quando o mundo
estava sendo criado
e age por conta própria,
engana assim os sensatos
que controlam seus destinos;
ela fala com seu olhar
e até com sua epiderme;

seus movimentos ocorrem


quando eu menos espero;
aponta para a montanha
onde diz que já estive
no templo que lá existe
e vi a fênix e a pedra
que se esmera e se queda
no caminho que segui
em minha busca por ela

bo Tera 9inior 63
Flutua

flutuas no ar
lentamente,
de um prédio
em direção ao outro

és um jovem claro,
sem alguns dentes

possuis um caderno
com muitas anotações esparsas,
com espaços vazios entre elas,
de muitas pessoas

algumas figuras eminentes

fazes um comentário sobre uma delas


e percebo que possuis
uma visão crítica desta

filho do vento,
jorras por entre esguios
desfiladeiros de montanhas

o teu cetro te espera escondido


sob um bloco de pedra milenar,
porta de um mundo oculto,
fonte de lendas orientais

os teus ancestrais se perderam


na origem dos tempos,
bruxos e bruxas que trouxeram o barro negro
que se transformou em riqueza

64 ama floresta de simbolos


tua irmã, certa vez, surpreendeu André Breton
com seu olhar e sua profecia
de que ele alcançaria uma estrela

vens do magm a que jorrou pela primeira vez


sob o olhar inquieto de um brontossauro

e tuas palavras são simples demais para os intelectuais,


mas fizeram com que os sábios babilônios
as estudassem com acurado interesse,
do alto dos seus zigurates

se ignora o teu destino,


mas transformas com tuas palavras
de uma forma que desconcerta
e 'és entusiasta da chama'(*)
'e Dafne transformada em raízes,
como loureiro, quer que tu te transformes em vento.'(*)

(*) Versos de Sonetos a Orfeu, parte 12,


de Rainer Maria Rilke.

Obro Tera 9inior 65


ncontro-me feliz, de repente
encontro-me feliz, de repente
e me pergunto, descrente,
qual a fonte deste júbilo
se há motivo para tanto

se a vida, em curvas incertas,


me presenteou com arestas
que se aprofundaram em mim
desde as mais frescas horas

minha mente se alonga,


toca meu coração,
auscultando-o com tato
por sabê-lo tão vibrátil

sente-o muito sonoro,


bem próximo da vida
que jorra como uma fonte,
da límpida montanha

se indaga, inquieta,
como este órgão tão meigo
esconde secretos fonemas,
herança dos tempos primeiros

e se desdobra em encantos,
se enleva às alturas,
permite que a poesia
seja sua augusta tutora

minha mente se revela,


neste momento atônito,
sua admiradora sincera,
sua discípula atenta

66 ama floresta de simbolos


egioes de ordeiros anfitriões
(Para a amiga Agostina Sasaoka)
legiões de ordeiros anfitriões,
em uma ceia que se amplia
sem que se saiba ao certo
o motivo de tanta euforia

estarão os algozes perdidos,


os nubentes em gozos envolvidos,
as serpentes em envolventes abraços
a proclamar em altos brados sua nítida lucidez

os cordeiros, a escalar íngremes montes,


exclamam com bravura que venceram em límpida luta
as feras que, possessas, os perseguiam
e, tranquilos, saciam sua sede na mais clara fonte

lindas moças passeiam em densos bosques


sem temer por suas vidas,
ao contrário das suas antigas amigas
que ali mesmo se perderam para sempre

o soldado que se extraviou na guerra


encontra seu aconchegante abrigo
em um mundo em que vive consigo
a linda atriz que também se libertou

o lobo, que pela lua se apaixonou


e por ela uiva ardentes recados,
nunca mais sofreu perseguições
dos caçadores pérfidos celerados

tão quiméricas visões que se deduzem


das imaginosas mentes abstratas
se tornam objetivas e reais
à medida em que somos universais

bilo Tera 9inior 67


9aquela antiga morada
naquela antiga morada
perdida além da floresta,
uma lenda se esconde
de olhos que nunca a verão

e, no entanto, ela existe


nos sonhos dos que acreditam,
dos que não duvidam
que o sonho se torna a vida

para esses seres raros,


nus em sua fortaleza
e que vagam pelo mundo,
incógnitos em sua beleza

aquele castelo único,


vazio em sua mudez
brilha enquanto sonham
e conserva seus segredos

e quantos enredos
se perderam para sempre
e nem sequer deixaram
uma única semente

pois, neste castelo de seixos,


o seu rei se encontra aos beijos
com sua dor e sua loucura,
suas honestas salvadoras

ele chora e se aninha


em seu trono de jasmim
e ainda assim se revela
salvador de almas gentis

68 9ama floresta de simbolos


Possos pensamentos se cruzam
(Para a amiga Alina Maria)
nossos pensamentos se cruzam
e, neste entrechoque de mundos,
há uma notícia alvissareira
que não se ouvia há milênios
em uma noite escura,
com muitos bebês a chorar,
ampliou-se o mistério,
pois muitos duendes se riam
e até pareciam dementes

nunca se soube, desde então,


se a dama pé-de-cabra
contada por Alexandre Herculano
fizera mil peripécias
a estremecer esta terra
e nunca tantos ufos
percorreram os mundos,
e belas cantoras de fados
sussurraram alguns boatos
mas as novas perspectivas
que vislumbramos, então,
é que estaremos contentes
a dançar entre as gentes
pois não é que o homem se deu conta
das suas atitudes insanas
e uma compreensão universal
alcançou a sua mente

e este ser perplexo


soube ser respeitoso
com o espaço do outro;
e ouviu-lhe as litanias
e só então as entendeu

2bilo Tera 9inior 69


Ontem, a minha filha

ontem, a minha filha,


com simplicidade,
me apontou a vastidão do mundo
e como a luz se espalha
em infinitos pontos
e vasculha a escuridão

de como esconde sua coragem


de uma forma a não ser vista,
ela ampliou meus horizontes,
como os antigos navegadores,
e mostrou-me uma bússola
que eu nem sabia que existia

ampliou meus conceitos


com calma e certeza
e me fez perder o medo,
o medo de viver

de repente, a luz estava


em todos os meus poros
irradiada por ela,
com naturalidade

me fez esbarrar em meu próprio ímpeto


e na coragem, que é a loucura
própria dos homens,
mostrou-me a família
e de como participo dela
em todos os momentos,
mesmo que não o saiba

70 9ma floresta de simbolos


vasculhou a vida e a morte
que eu pensava que consegwra,
mostrou-me o sentido inerente
que eu pensara aprender nos livros,
percorreu itinerários que eu desconhecia
fora da gruta cega
em que eu me metera

mostrou-me a responsabilidade da palavra,


da minha palavra
e de cada ato que eu perdera,
aparentemente

e de como o amor palpita


ainda que debaixo de escombros,
que das cinzas da dor
nasce a ave fênix,
da alma que soçobrara
no torvelinho das desilusões,
das perdas, em um mundo
que volteia sobre si mesmo
sem rumo no espaço e no tempo
da escuridão

bilo Tera 9inior 71


Uma velha cadeira de balanço
(Para a prima Maria Bárbara de Pádua)

uma velha cadeira de balanço


e um espelho que se transpõe
ao encontro de um outro reino,
onde muitas crianças intercedem
junto à rainha para que sorria
e as liberte dos limites da caverna
onde jazem, proscritas da sua infância;
há jogos entre os fidalgos, que, no entanto,
nunca trazem satisfatórios resultados

nos limites deste reino há amplos bosques


daquelas histórias da carochinha
e nele circulam Chapeuzinho e João e Maria
e há também novos contadores de histórias,
mas que nunca conseguem igualar as antigas,
pois se esqueceram das antigas magias;
isto não impede que as histórias originais
sejam contadas ainda e sempre
e até mesmo invadam os domínios do reino

mas a rainha decretou que estas


não podem ser contadas, sob pena de degredo
ou de cabeças cortadas, mas é desobedecida
e esta magia é que conduz as crianças
a posturas condizentes com suas crenças;
quando dormem, Emília surge em seus sonhos
a lhes dizer como devem proceder
e as estratégias a serem adotadas
para obterem salvo-condutos

72 9ama floresta de simbolos


elas os apresenta ao pajé da tribo,
que dança durante toda a noite;
do seu cachim bo, uma poderosa fumaça
traz neblina ao reino e sono à rainha
e o som do tambor conduz as crianças
além dos limites do reino até alcançarem
o Sítio do Pica-Pau Amarelo,
onde Dona Benta as protege
e lhes conta histórias
que lhes trazem de volta à infância

bilo Tera 9unior 73


? poesia transcendental
ão tantos jogos que rolam
são tantos jogos que rolam,
menos para os de alma estoica,
para os aprendizes do viver
e os que se perdem no amor

e, ainda, os que caminham


no estonteante labirinto
e, em complexas fórmulas,
procuram a raiz da sua gula

quais as almas privilegiadas


é um enigma sem solução,
pois estes sabem que não são,
em sua tempestuosa passagem,

enquanto outros pensam que sim


em um luzidio tremor,
derrapam na glamourosa neve
ao convocar seus seguidores

mas as linguagens são diversas


e nos vivem a pregar peças;
sempre nos fogem as certezas
e outros pensam-se certos

levantam suas bandeiras,


pregam o que aprenderam,
gritam suas convicções,
empunham abençoadas espadas

mas, além dos seus reflexos


nos refulgentes espelhos,
o que se esconde, daninho,
cuida das suas sanguíneas garras

7bilo Tera 9mnior 77


O despertar das rosas

já são muitos os que temem


o despertar das rosas
em uma tarde bruxuleante de outono,
quando os pássaros se lançam,
em audaciosos rodopios,
à caça de minúsculas luminárias luzidias
e os estudantes atiram torpedos de amor
aos corações puros das suas amadas

nesse dia solene que o mago citou


em seu tratado escrito nas nuvens
e a esguia cigana, de olhos enigmáticos
como um buraco negro,
apontou com um meio sorriso
e o dedo trêmulo
na palma da pequenina mão
do menino pensativo e sonhador

os faunos ergueram suas narinas


ao sentirem novos odores
que os seduziram
e saíram em busca do vulto nu
da linda jovem cartaginesa

os gigantes se ergueram
das suas mortalhas seculares;
no seio da montanha,
tropeçaram nos barrancos
ao sentirem, do horizonte,
a brisa oculta e suave
que lhes dizia
das suas origens longínquas

78 9ama floresta de si
mbolas
a dama de ouro se 'levantou
da sua alcova espectral
e entregou ao perene arauto
o édito que conclamava
os seus inspirados súditos
a acordarem dos seus sonhos lassos
e a prepararem lauto banquete,
em rego0z1jo
por essa tarde crepuscular de outono

bilo Terra 9%inior 79


O eco do universo

a vizinha sorri de dentro do carro,


a mensagem sensual chega
o lobo na jaula lambe os beiços
depois de viajar pelo universo
e se encantar com a história
que toca o coração

é uma vida de múltiplas faces,


de muitos enredos, dramas e traições
de noites fáusticas;
o peito a gemer
no parir sonâmbulo

o peregrino coça a longa barba,


atravessa a ponte e observa a fileira de cruzes,
sorri para o seu cachorro fiel que o observa,
apoia o seu cajado mágico
e caminha pelo círculo com muitos símbolos
que falam dos segredos da mãe-Terra
cujos veios generosos se recuperam,
talvez esperando o gérmen do anthropos

na multiplicidade de mundos,
a grande ceifeira cruza o espaço
e o deus, com o seu cavalo de oito patas,
desce ao monte perdido nas brumas
onde marcos ostentam runas
que cantam canções que não se podem ouvir

80 9ama floresta de simbolos


nesta ilha misteriosa, no centro
do lago mais antigo do mundo,
a terra foi fecundada muitas vezes;
o grande mago repousa na profunda caverna
e toca os corações dos homens despertos

a bruxa dos tempos antigos espera,


no alto do seu carvalho mil enar,
que o dragão espraiado pelo mundo
dê o seu monumental urro
que ecoará em todas as cavernas,
até mesmo as que se escondem nos rios
que conduziram os povos antigos
em suas viagens de conquistas e adorações

será o sinal do casamento alquímico


da mulh er de longas tranças negras como o azeviche,
que ostenta as marcas de sevícias que se multiplicam,
que conduz o cálice tosco há muito perdido,
e que conhece os segredos das trevas originais
com o homem que busca sua alm a na caverna dos inocentes,
que já golpeou a árvore da vida desde sempre,
bebeu o fel destilado pelo dragão monstruoso e belo
e cujas entranhas se transformaram
em folhas úmidas de orvalho
e em pedras brilhantes e movediças

9bilo Tera 9inior 81


Peles e flores
(Dedicado a Petrónio Bax)

peixes e flores em uma roda-viva


que nunca para,
eles sabem o que fazer,
decidem a próxima etapa

ora, o sol é deslumbrante,


muda de cores,
observa a lua, sua irmã,
lá embaixo

parceiros de S. Francisco,
os peixes ígneos dirigem-se
do Mestre ao Santo,
abrem chagas

Jesus, Maria e José caminham


das trevas à luz,
onde a pirâmide os espera;
os peixes os acompanham,
e os cavalos marinhos
e as flores,
no fundo do mar

submersos também estão


Mariana, Ouro Preto, São João Del Rey,
casinhas com luzes acesas,
igrejas tão antigas quanto
e até o pintor
que envelhece
quadro a quadro;
anêmonas o circundam

82 9ma floresta de simbolos


os anjos oferecem sua proteção:
anjos-peixes;
e um a atm osfera de harmonia
envolve a todos

o espírito reina
perpétuo;
permite que o sonho
seja a vida

e que a vida submersa


transborde em mil agres,
em mil cores que se transformam
nos apóstolos que rodeiam o Senhor
no Seu martírio e ascensão,
na Virgem e o Menino,
nos Santos e Santas,
no prato do pai

83
Vejo esta árvore robusta
(Para a amiga Flora Cavalcanti)
vejo esta árvore robusta,
que cresceu ao longo do tempo
com tantas ramificações,
que não se encontra fim ou começo
vejo esta imensa lagoa
que a agita o vento frio
e as andorinhas que brincam
velozes, cruzam sua face
e uma pequena cachorrinha,
que finge atacar um menino,
ela me puxa com força
e é bela em sua pureza
e tantas pessoas que passam,
umas simples, outras nem tanto
e se expressam e sornem
em pleno domingo de inverno
os mistérios se escondem
ou passam despercebidos;
sabem que a noite vem
e que os sorrisos descansam
então eles se entreolham
e, com seus antigos compêndios
sob seus braços cansados,
sobem escadas que rangem
e contam estranhas histórias
aqueles ouvidos incautos;
e surpreendem aquelas almas
que se supunham seguras
é que os mistérios tocam em temas,
músicas das harpas das ninfas,
com acordes que misturam
trevas obscuras com luzes puras

84 9ama floresta de simbolos


)mundo em que as sombras..
(Dedicado a H. P. Lovecraf)
o mundo em que as sombras
presentes estão entre nós
e nunca estamos sós,
pois ombreamos com seres

com origem nos tempos antigos,


ainda antes da nossa história,
que, ocultos, nos olham;
nós, em nosso frágil domínio

esperam por algum chamado


de quem os conhece ou os procura,
ou por quem os enxerga
no porão da sua treva

suas formas nos provocam,


alcançam o nosso pavor;
seu poder é tamanho
que nos sufoca, dementes

o mundo em que vivem


se entremeia com o nosso
em ligações tão estreitas
que nos surpreendem, descrentes

alguns se encontram entre os mitos,


se corporificam sinistros,
outros são deuses perenes
que se alimentam da vida

que vibra em nosso sangue


e em nossa alma banida,
que busca uma saída
do terror que nos domina
? poética da perda
s peras abertas
as pernas abertas,
o olhar perdido,
o espírito vagando por entre rochas;
nada a esconder

o medo de ser vista,


a errância que presente permanece
milhares de peixes em torno da igreja;
casinhas rolam pela rua

lá, na serra, a pressão desce


corações se aquecem a distância
sim, sorriem com mansidão
o coração se abre

no grande vazio do mundo, u'a mancha negra


filósofos disparam em busca de uma perspectiva
o poeta espera que o peixe cresça e desapareça
com gáudio, empenha-se a fundo com curtos golpes

o verbo presente se faz no azul de um cometa


muda porta com feixes de luz, esbarra na esbórnia
paulatinos minutos declinam-se, parcos,
na contínua vacância que não se completa

com tanto zelo, a meta caminha serpentina


se encontra a meio termo com a espera
ambas fundem-se no lusco-fusco tão vago
de errantes tristes pontes entregues, inertes

o mundo que se comprime nos belos dentes


céleres pés ultrapassam calçadas amarfanhadas
no circular reflexo do empenho de uma luta
que se fortalece, ainda que combalida

7bilo Tera 9inior 89


? mulher devorado pelo fogo
(Para a amiga Sônia Braga Urbano)

a mulher devorada pelo fogo


perdeu todas as esperanças;
ela se desespera

grita em busca de ajuda,


percebe que está condenada

ela sabe que é inocente;


seus algozes a torturam, inclementes;
julgam-se deuses infernais

sua alma não encontra paz,


pois a miséria humana a devassou inteira;
trucidou-a como um objeto carnal

ela não tem chance,


sabe que a morte a espera
após longo tempo de sofrimento

a cada instante, o terror a penetra;


em suas íntimas fibras
não espera o perdão

ela é fêmea
e possui seu sexo que atrai
o louco que a busca com fúria

e que a oprime com louca ânsia


em cada minuto que passa;
ele é o monstro de mente canhestra

90 9ama floresta de simbolos


mesmo após sua morte,
ela não encontra paz;
grita em desespero e dor
entre as chamas que a consomem

a sua alm a em farrapos;


ela se perdeu de si mesma

e perambula por um universo


sini stro, dorido e sem fim:
o dos párias, vítim as fatais

bilo Tera 9unior 91


Como tudo é incerto na vida
como tudo é incerto na vida
ainda que busquemos a certeza,
nos compenetramos que ainda
somos os únicos nessa mesa

composta por quem aposta


no grande círculo do mundo,
em que a nobre natureza
mantém suas perfeitas leis

cada palavra a proferir


tem o seu valor próprio,
nunca se perde no espaço,
se conserva eterna

aquele golpe inclemente


com que derrubamos o infrator
e derramamos seu sangue
vibra junto conosco

em todas as nossas moléculas,


como um aviso patético
de que manchamos nossas mãos
e conosco cruza os umbrais

que existem nos universos


e, como pérfidos presos,
cambaleamos e imploramos
pela augusta misericórdia

que, em sua suprema glória,


decreta a nossa pena,
que cumpriremos a cada dia,
como amargos reféns da dor

92 9ma floresta de simbolos


Foi mesmo neste duro mundo
foi mesmo neste duro mundo
em que colmeias se despiram
e, em seus fracos abrigos,
entregaram-se ao entardecer

penso que a doce lua


testemunha o que ocorre,
mantém-se confidente
e sorri quando eu chego

naqueles momentos de enlevo,


quem saberá o que houve
a não ser nós, que vivemos
em tão gritantes extremos,

sorrimos e somos gratos


àquela fada sonora,
nos roça ao chegar a hora,
nos indica o caminho

chegamos ao céu carmesim,


por momentos somos loucos,
nos entregamos aos poucos
a uma noite absorta em si

mas, em um instante chega a hora;


já sentimos nossos corpos
e não há nada solene
menos a cama que treme

não há qualquer dúvida:


são dádivas que recebemos
e nos retiramos, serenos,
e a vida cintila e se abre

2bilo Tera 8inior 93


hncólume, atravessei a noite

incólume, atravessei a noite


em uma deslavada nuvem de impropérios,
abreviei-me na orgia

pulsão que me cala e me conduz


a ti, uma onda suave que te ocultas
nas trevas do teu próprio ser

e me indagas quem eu sou


e comigo te mesclas
e te perdes comigo nestas teclas

de um gemido que mal ouço;


subimos tantas escadas
que nos conduzem ao labirinto

de nunca sabermos qual o dia que vem;


e saudamos sustenidos da opressão
que vem de longe com suas armas e seu ódio

e nem sequer choramos, mas, nessa tensão,


esquecemos nossas reservas de amor,
alcançamos lentamente as esferas

entregamos nosso sangue


às feras e partimos, e nunca nos encontramos

94 9ama floresta de si
mbolas
9ama era como esta
numa era como esta,
vivemos momentos finais,
o que permite a alguns
se entregarem a orgias banais

outros, por sua vez,


a orarem por salvação
mas não estando certos
se assim a obterão

a vida é uma onda que vaga,


nos traz boas e más novas
segundo nossas intenções
de bons e de maus ladrões

muitos crimes se cometem,


ainda que a vida seja breve;
e a mente do ser está sempre
a imaginar como se perder

a lei se faz para atender


aos amigos, compadres, parentes
os que não estiverem entre essas gentes
gentilmente a seguirão como·crentes,

pois, se assim não procederem,


pagarão, queiram ou não,
por sua ingênua omissão
ao contrário daqueles

que, a dançar alegremente,


como volúveis e devassos,
nunca prestarão contas
dos seus atos nefastos

bilo Tera 9inior 95


9ama floresta de simbolos

nunca sei qual o momento


de voltar ao passado,
de me encontrar amargo
ao reviver cada instante

este é o meu sentimento


após muitas noites insones,
quem se atreverá
a me declarar desatento

e, com meu olhar perdido,


vacilo entre tantos olhares
que passam bem ao largo,
que se extraviam e se mesclam

tanto escrevi, tanto sei


de tudo o que li e compreendi
e, no entanto, é a vida
a grande aliada e amiga

numa eterna caminhada,


que percebo nessa história
que está a se escrever
pelo meu perene instinto

a base de cada luta


que se inscreve
na minha biografia
de autor e discípulo

96 9ma floresta de simbolos


em cada emoção que sinto
e em envolventes sentim entos
e nos sutis pensamentos
e nos gozosos momentos

aprendi muitas lições,


ensinei outras tantas;
sei apenas que sou poeta
numa floresta de símbolos

alio Tera 9inior 97


&uando a esperança se esvai
(Para a amiga Tere Penhabe)

quando a esperança se esvai,


se inclina e se declina
de se decidir ou fugir,
as brancas mãos se tocam
em um frenesi de mutantes

logo, os lábios carnudos


emitem um sincopado gemido
de dentro das carnes,
o odor se espalha com os fluidos

é sinal de que a dor


se perdeu da sua origem
e, no epicentro do enigma,
é apenas uma nota
que nem o efusivo barítono
a alcançou na noite inglória

quantos mortais feneceram


em seu torpor tão antigo,
pois em si mesmos portavam
o embrião que segue o tempo

e com ele se confunde


e escraviza a alma
que se desprende da carne

ao se vangloriarem
das efêmeras glórias
que pesavam em seus ossos,
até o fundo dos túmulos

98 9ama floresta de simbolos


pensavam-se 1munes,
se irmanavam aos beijos,
acirravam seus desejos
e pariam bestiais rebentos

numa negra mares1a


que se infundia em seus corpos;
agiam assim como loucos
sem ao menos o saberem

99
oldados do bem se contradizem

soldados do bem se contradizem,


batem com estrépito nas alvas colunas,
suam como loucos dentro das suas armaduras,
coceiras tomam suas pernas como formigas

impávidos nas suas tertúlias, sorriem


com zelo e se entreolham como bonecos
negros que nunca viram a luz;
suas mortalhas os esperam do outro lado
do grande rio caudaloso que leva
carnes podres e caveiras que brilham

esqueceram-se dos seus juramentos


e de quantas donzelas estupraram
ao longo das muitas jornadas,
conduzidos pela bandeira vermelha
em forma de cruz

galopam nos seus corcéis negros


em direção ao além,
mergulham nos lodos podres
junto a víboras que deles sorriem

a estrela da manhã brilha nas suas retinas,


atravessam florestas com árvores de pedra
e topam com monstros do mar nas suas caravelas;
soam suas trombetas nos castelos dos sultões

percebem o vazio que os rodeia por dentro e por fora;


sua busca é inútil e perdulária,
mas não podem voltar,
pois a morte é seu destino

100 9ama floresta de simbolos


a buscam com sofreguidão;
a loucura é sua companheira;
decapitaram mulh eres que a eles
não se entregaram e aos seus filhos,
pais de famili a velhos e velhas,

mas tudo podem, tudo lhes é permitido


pelo édito que contém o selo
da autoridade maior
nas suas vestes brancas e brilhantes,
como a fortuna que cresce nos seus cofres

bilo Tera 9inior 101


eguia seus próprios passos
seguia seus próprios passos
na rota que se perdia,
na secura deserta e fria
do longo voo sem rumo,

mas, dentro da sua essência,


seu nobre ser se esquecia
do seu propósito, sua meta
que vinha da noite dos tempos

se alquebrava aos poucos,


lutava como um soldado
que, mesmo sem suas armas,
se revela um bravo

e o tempo permanecia
ao seu lado e esperava
em cada minuto de fuga,
nas inesperadas quedas

amava a natureza
e os seres que a seguem,
que expressam em seu olhar
a gratidão e a pureza

criava, então, com as letras,


o mundo em que planava
como o místico ser sem asas
que a todos convidava

a se unirem em sua busca


da eterna sequência de elos
que serena, muda, escura,
pulsa no fundo do coração

102 91ma floresta de simbolas


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Abílio Terra Júnior é natural de Belo
Horizonte e atualmente reside em
Brasília. Casado, pai de um casal de
filhos, formou-se em Economia pela
UFMG e hoje está aposentado pelo
Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. É membro da União Brasileira de
Escritores-UBE.
Tem uma visão aberta sobre o mundo
e o universo. Como bom poeta é
observador de todas as coisas, mas não
se contenta com as aparências e por isso
usa as palavras para perscrutar o mundo
do sonho e o da realidade: "No meu modo
de entender, estes mundos inter-
penetram-se; não há como separá-los.
Cabe a mim aceitar essa supra-realidade
e viajar nos tênues limiares que os ligam,
trazendo em palavras e versos, sombras
e luzes que os povoam."
Antes deste Numa floresta de
símbolos, publicou seu primeiro livro de
poemas Os homens pássaros. Além da
poesia escreve contos e crônicas. Nos
seus escritos utiliza muito a intuição de
seu inconsciente: "E como sou, acima de
tudo, um poeta, não sigo uma linha
retilínea, lógica, racional, mas, sim,
espiralada, contraste entre luz e sombra.
Posso ser duro e amargo, ou doce e
suave. Mas escrevo o que me vem na
alma".
9uma floresta
de símbolos
Numa floresta de símbolos é o
universo onde Abílio Terra Júnior
• constrói-se atento poeta às circuns-
tâncias de seu mundo, desfibrilando-
se em poesia. Desenvolve e
desenrola signos e símbolos com seu
verso forte e ideias claras. Mesmo
ciente de que o caminho

"é um longo deserto


com espectros a cada metro
um sol que paira no espaço
me acompanha a cada passo"

9avego nessas curvas


navego nessas curvas
que percorrem ângulos noturnos;
cismam de se abrir
em insondáveis teoremas

que o mais astuto mestre


formulou e se perdeu
em suas vãs tentativas
de entreabrir os colchetes

elas se identificam
com meus íntimos anelos;
ensandecidas, me envolvem
fingindo-se obtusas

A. T.J.

2 5 anos de Alcance
Prêmio Jabuti 20o8 9ll78857 511921944

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