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A teoria
da bolsa
da ficção
Ursula K. Le Guin
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1. Ursula K. Le Guin; T. Barton. Music and Poetry of the Kesh. Freedom to Sp nd,
2018. Vinil.
2. Ursula K. Le Guin. Always Coming Home. Author's Expc nd d EdIt1on. Nov
York: The Library of Am rica, 201 , p. 7.
3. Ursula K. L Guin Franc Co tiky r . " xplorir g Cr t1vity with Ur ui K. L
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Os Kesh, povo celebrado no livro, não terão br
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un do tipo da e tórias da vida. o onto Bu 1
n ou om Out Tonight' (1987) [Mana bu lin ,
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f mim qu • sao 1 · Ira >u estrela ou poeira qui ·cs"i cm vol tar ...
uisc"i 111 altar a s r o qu são." Ao fazer ess a afirmaçao a
s ritora introduziu não apenas a questão da intercone tividad e
onstituti,·a do que exi te, mas também a da pequenez da mente
hu1nana, me mo a melhor equipada, para lidar com o problema
da temporalidades. Se "alguém é quase uma concatenação aciden-
tal de um monte de coisas se reunindo e se tornando uma entidade
por um período", é preciso também respeitar a dignidade da
pedras, entidades com histórias e estórias mais antigas que nós e
que certamente perdurarão para além de nós. O que guarda, afinal,
a bolsa das estrelas?
Admiradora confessa de Lucrécio, Le Guin escreveu, a eu
respeito, em "Cheek by Jowl: Animals in Children Literature"
(2004) [Lado a lado: animais na literatura infantil]:
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A ravessar Portais
Tr!\ luz.ir un1 texto requer que esse texto seja lido repetida vcze ,
t.u1to na língua original quanto na língua traduzida. Com o pas ar
.d o ten1po e na continuidade do trabalho de colaboração com Vivian
(para a tradução ao português) e com Ibon (para a tradução ao espa-
nhol) ler "A teoria da bolsa da ficção" se tornou uma prática qua e
diária - ler uma e outra vez o texto. Ler de novo esse parágrafo,
con1pará-lo com o inglês e reescrevê-lo em português, em espanhol.
Tomar decisões sobre quais termos usar nessas outras línguas para
que mantivessem o sentido e o tom do texto original. Entrar cada
vez mais em cada aspecto e cada nuance. Investigar um conceito e
continuar atravessando as portas que o texto propunha. Ir encon-
trando companhias humanas, não humanas, literárias e ficcionais.
Ler o texto diariamente se transformou em uma prática de imersão
,e em uma.espécie de chave, que ia me abrindo cada vez mais portais
que ampliavam a geografia e mudavam constantemente a topogra-
fia das paisagens que se apresentavam para mim a cada leitura. A
"teoria da bolsa da ficção" é o que eu chamo de "um texto portal".
PORTAL_ A imediata mudança de perspectiva em relação à
história da humanidade é um dos primeiros portais a atraves ar.
D,e cara, Ursula propõe um giro central ao desenvolvin1ento de
eu argumento, partindo da história do Herói, que ten1 olno
protagonista a cultura ocidental baseada na invenção de uma arma
de dominação masculina que serve para n1at,u, contrnpondt rnl
hj tófia (ou re-dimensionando-a em paralelo) à estórh, las ·ul 't · -
ra ..-recolhc:.doras que tem con10 protagonism a bolsa, Ess ~iru é
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5•Anna Lowenhau t T I EI
· P ng, olno Gon, Heothor· Anno Swonson, Nlls Bubnnt. Art
·of Llvlng on ,a Oomo9ed Planot: Gho ts and Monster of the Anthropoc n . 201 7.
6, lbld,, p. 9.
7. tbld., p, 10.
E_sse_ s:gundo portal aberto pelo texto nos convida ent.1o a visitar
Virg1n1a Woolf e Três Guinéus propondo tamb, . d' -
, em uma I reçto
para essa deriva que vai ao encontro de Anna r-r51•ng e J .'
_ . 1: suas co egas
n_a relaçao da Teoria da bolsa da ficção com a era geológica que
Vivemos na contemporaneidade, o Antropoceno. Foi no texto de
Anna Tsing que pude entender melhor a referência de Ursula
a Virginia Woolf e a sua peculiar proposta do botulismo como
herói. Pensar o Herói como garrafa nos abre às possibilidades
de especulação com insights que têm uma importância particular
quando pensam~s na construção de narrativas no Antropoceno.
PORTAL_ E também nesse momento que Ursula nos apre-
senta o que entendo como o terceiro portal aberto por seu texto, o
conceito, im~gem e processo do "medicine bundle". O "medicine
bundle" é uma bolsinha feita normalmente de tecido especial e
com um significado espiritual, levando dentro uma coleção de
objetos mágico-sagrados (que podem ser pedras, sementes, ervas,
plantas, pequenos ossos de animais) e usada por algumas popula-
ções indígenas da América do Norte. Sendo uma "bolsinha" que
carrega elementos considerados mágico-sagrados, ganha uma
característica de amuleto e tem uma importância central como
objeto em muitas culturas não ocidentais.
Durante o processo de tradução estivemos bastante ocupa-
das com qual seria o termo ou a palavra que pudesse, em português,
carregar consigo um sentido similar ao sentido que o conceito
carrega em inglês. Decidimos trabalhar com "patuá" como
conceito, imagem e processo que tentasse dar conta do "medi-
cine bundle".
O patuá parece ter sua origem etimológica no Tupi, desig-
nando um tipo de cesta feita com folhas de palmeira. Mais tarde
e. Essa é uma discussão viva e que apresenta uma sórle de pontos d visto. Pnra
aprofundamento na questão sugiro o lelturo do ortlgo do José Rlbomor Bessa
Freire, Tradução o /nterculturalldade: o passarinho, a galo/a e o cesto. Alleo, vai.
11, n. 2,Julho-dozombro 2009, p. 321-338.
estória e história
A..e tória não quer ser hi tória. A estória em rigor, leve ' t'í contnt
Na língua portu,rucsa,
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até 1943 , l1·tv·1·t
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u1n·1, '-~1·1t·crcnc,açao
. . .. entre
as palavra~ estória e história l• stcJ' r·1·1e: cr·t• tts·td·t
. • • · .h • , L prt· nc1pa
· Jmente
quando se qucna referenciar u1na narrativa fi • •ional ou de fato
"i1nagin;írios". Ta1nbén1 era utilizada quando se queria contar um
'causo", u1na estória que tinha suas origens na cultura popular oral
e que não contava com documentos "oficiais" para sua compro-
,ração factual. A palavra história, com letra minúscula e maiús-
cula, era a palavra escolhida para referenciar fatos documentados
e situações "reais". Também indicava o domínio do saber e da
disciplina das ciências humanas História.
No inglês, a diferenciação acima descrita mantém-se há
muito em relação à palavra "story" (estória) e "history (história).
Ursula usa a primeira formulação como opção principal para o
texto e o faz porque o que lhe interessa abordar ao falar de story
(estória) é exatamente a relação com o storytelling, a contação de
estórias, as estórias inventadas, as outras estórias e até mesmo
algumas das historias que fazem parte do cânone oficial das histó-
rias documentadas e que possibilitam narrativas paralelas às do
Herói e abrem todo um campo de especulação, prática e imagi-
nários que operam fora da relação com o protagonismo do que ela
ehama o " tempo tecno-hero1co . ,,.
Em seu ensaio "Inventar uma História", 11 Ursula nos conta
que existem dois tipos de estórias: aquelas em que dizemos o que
aconteceu e aquelas em que contamos o que não aconteceu. E
continua apontando que o primeiro tipo seria história, jornalisn10,
autobiografia e memórias. O segundo tipo seria a ficção, e tórias
11. By telllng - or by readlng - a story of what didn't ln fact happ n, but could
have happened or could yet happon, to somobody who isn't on ctu I p r on
but who might havo boon or could bo, w opon tho door to th lm g n tion. And
lmaglnation 1.. the bo t, maybo the anly woy wo hov to know nything, bout eh
other' mlnd and hoart , Tom ko up tory, titulo orlgln Ido n lo; m Ur ui
K. Le Guln. Word ArtJ My Matt r: Wrltlng ~ About Lifi and Baok • 000-2016,
wlth a Jovrnal of Wrítor Wi el<. Smnll 8 _or Pro , ' 2010.
Digitalizado com CamScanner
34
FIM
Inclui índice.
ISBN 978-65-86941-51-7
CDD306
Audiobook