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COPYRIGHT © Librairie Arthêrne Fayard, 1997


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Escola francesa, entre 1715·1720 - Luís XIV e seus~m s 11 1 7 0 6 ~ ~ ._ . . •~ -;J
Wallace Collection. C. P. O.: e:...:et2.C!.t2!:(s...6.~ ~
PROJETO GRÁFICO • ~ • • rf:2 .
Euelyn G rum ach e João de Souza Leite Patnm onlo .. ~~

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO·NA.FONfE Este livro é dedicado aos professores


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE UVROS, RJ
O rest Ranum e Robert Forster.
Le Roy Ladurie, Emrnanuel, 1929-
L626s Sainr-Simon ou' o sistema da Corte I Emmanuel Le
Roy Ladurie, com a colaboração de jean-François Fi-
tou; tradução Sérgio Guimarães. - Rio de Janeiro: Civi-
lização Brasileira, 2004.

Tradução de: Saint-Simon


Anexos
Inclui bibliografia
ISBN 85-200-0581-0

1. Sainr-Sirnon, Louis de Rouvroy, duc de, 1675-


1755. Memórias. 2. França - História - Luís XIV,
1643-1715 - Aspectos sociais. 3. França - História -
04-1507 Regência, 1715-1723 - Aspectos sociais, 4. França-
Corte e cortesões - História. I. Fitou, jean-François. n.
Título. m. Título: O sistema da Corte.

CDD - 944.033
CDU - 94(44) "1643/1723"

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou


transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia
autorização por escrito.

Direitos desta tradução adquiridos pela


EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
Um selo da
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Rua Argentina 171 - 20921-380 Rio de Janeiro, RJ - Te!.: 2585-2000

PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL


Caixa Postal 23.052 - Rio de Janeiro, RJ - 20922-970

Impresso no Brasil
2004
Trataremos aqui do problema das categorias e da hierarquia na vida co-
tidiana da Corte (Versailles 1690-1715) e mesmo na éxistência de uma corte
durante a Regência (1715-23). Partiremos dasqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
M em órias de Saint-Simon
e também de outras fontes, independentes dessa grande obra. Dentre es-
ses "outros dados", mencionaremos em primeiro lugar o conjunto de car-
tas de Liselotte, também chamada de princesa Palatine ou Madame, esposa
de Monsieur, irmão do rei Luís XIv. Liselotte e o pequeno duque! jamais
trocaram seus respectivos manuscritos, os quais, uns e outros, permane-
ceram inéditos até depois da morte dos dois protagonistas. Estamos na
presença de um duplo jogo de documentos independentes que realizam
os desejos de todo historiador que gosta de objetividade. A partir desses
dois autores, pode-se ter acesso ao menos em parte à ideologia de um grupo
restrito (a Corte, no caso, ou parte dela); chegar, em outras palavras, a
um "conjunto mais ou menos social de idéias e de valores" ou simples-
mente a um "sistema de idéias e de valores?".
Nossa tarefa difere da de Louis Marin, em sua obra Le Portrait du roi 3
e concebida na linha de Kantorowicz. Esse autor tomou como centro de
sua análise a figura do rei. O objeto é pertinente, mas acanhado em rela-
ção às questões que desejamos lembrar. Ousaremos dizer, quanto à ideo-
logia dos moradores de Versailles, que a figura do rei "não é suficiente",
mesmo se o próprio monarca é princípio indispensável no coração de um
centralismo aristocrático? Essa figura representa no máximo um "ponto
de referência", até para uma cabeça de alfinete.
Encontramos em nosso caminho, por outro lado, o pensamento de
Christian Ehalt, autor de um livro recente, Les Form es d'expression de Ia
dom ination absolutiste, Ia C ourt de Vienne aux XVIle et XVIlle siêcles', ihgfedcbaZYXW
A

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SISTEMA DA CORTE A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

propósito dessa corte imperial, Ehalt examina sobretudo os problemas que Aqui se encontram, além do rei, chefe de grupo, os filhos legítim os, dentre
se relacionam com a teatralização do poder; eles dizem respeito à eu- os quais o Grande Delfim, conhecido por Monseigneur", filho de Luís XIv,
rialização, à modernização e à racionalização dos aristocratas, anteriormente bem como Monsieur, irmão do rei, filho de Luís XIII. Monsieur, que tam-
guerreiros. As reflexões assim propostas revelam-se interessantes e ricas, mas bém se acha no ponto superior da escala genealógica, usa o título de filho
às vezes faltam-lhes matéria e espaço. A Corte, efetivamente, quer seja ela legítim o. Vêm em seguida os netos legítimos, filhos de Monseigneur, como
imperial, quer seja real, questiona os problemas do poder, e também, am- os duques de Bourgogne e de Berry; ou os filhos de Monsieur, como Filipe
plamente independentes deste, aqueles doqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
status. Além disso, Ehalt, em de Orléans, cujo avô era Luís XIII. No nível imediatamente abaixo, encon-
seguida a Elias, tende a exagerar a desmilitarização dos nobres importan- . rram-se os príncipes de sangue, Condé e Conti: são primos em variados graus
tes, apresentada por ele como suavizante e racionalizante. Na realidade, os de distância de Luís XIv, pois descendem como ele de um ancestral comum,
cortesãos originários de famílias importantes, que cercam Luís XIv, são à Carlos de Bourbon, que é também o avô de Henrique Iv. Enfim, assinale-
sua maneira guerreiros, em nome da expressa vontade do monarcas. Even- m os, em categorias menos importantes da família real, os bastardos de Luís
tualmente eles travam duelos. Participam, principalmente, de maneira ati- XIV:' o duque do Maine e o conde de Toulouse são os filhos ilegítimos do
va, como jovens mosqueteiros, depois como oficiais de diversos patentes, Rei Sol e da Sra. de Montespan. Todo esse conjunto já hierarquizado situa-
das guerras sangrentas dos anos 1688-1713. Suas curializações não equiva- se, por sua vez, acima da plebe de duques e pares que Saint-Simon não to-
.lem, pois, pura e simplesmente a uma transição modernizante que levará lera ver precedidos pelos bastardos. O texto de Madame'" indica também
até a não-violência (é esse gênero de "passagem" que implicaria efetivamente os sinais materiais ou simbólicos que marcam essas gradações: comer ou
as concepções de um Norbert Elias). A curialização é sui generis; convém não com o rei; passar mais ou menos tempo com ele; ter certos funcioná-
estudá-Ia nela própria e por ela própria. rios que servem ou não seus senhores na presença do monarca; ter carrua-
Nas categorias e na hierarquia de corte - "cerimonial e festival de gem ou não etc. Ao mesmo tempo são citadas as intrigas ao fim das quais,
abstrações", de acordo com Yves Coirault -, podemos nos reportar à tese sem alterar essa hierarquia fundamental, tal categoria é beneficiada: os bas-
recente de J.-P. Labatut''. Mais concretamente, as gravuras de Abraham tardos conseguem assim um certo avanço, injustificado na opinião de Saint-
Bosse, desde o reino de Luís XIII, manifestam um senso agudo para tais Simon. Nessa carta de 1713, a promoção dos filhos ilegítimos do monarca
questões: vejam sua N oblesse [rançaise à l'église e suas C érém onies de não incomoda Madame excessivamente: de todo modo eles permanecerão
l'ordre du Saint-Esprit', bem atrás dos príncipes de sangue, os quais, já por si precedidos vantajosa
Para ficar com nossos dois autores de referência, Liselotte e Saint- e legalmente pelos filhos de Palatine e por ela própria. Em compensação,
Simon, digamos que as cartas da Palatine, embora claramente menos bem Madame não aceitou que sua neta venha, em termos de precedência, de-
escritas que o texto do pequeno duque (é verdade que a tradução do ale- pois das princesas de sangue já casadas; dessa vez, é seu próprio sangue e de
mão para o francês diminui seu sabor), levam, entretanto, vantagem com seu esposo, o sangue de Monsieur e de Madame, que é deslocado ou "re-
relação às M em órias de ser algumas vezes mais concisas, de narrar ainda baixado" devido às intrigas da Senhora Duquesa, bastarda de Luís XIv, es-
mais coisas com menos palavras. A respeito, pode-se citar uma carta posa de um Condé, príncipe de sangue, e participante do conluio do filho
redigi da em Versailles, em 27 de dezembro de 17138• Nesse texto bastante do rei: essa duquesa tinha, na Corte e em outros lugares, uma influência
denso que apresentamos em nota à parte e que analisamos ou resumimos suficiente para infligir afrontas à neta de Palatine. Vê-se como o conluio
em seguida, Madame define a cascata de níveis no interior da família real, interfere no nível social' 1.
depois fora desta ou "sob ela". Outros textos fixam as posturas (sentar-se ou não, em que circunstân-

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A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS
SISTEMA DA CORTE

cia) que definem as categorias". Lembremos incidentemente que, duran- testa): cadeira de braço, também chama dá de poltrona, para os eleitores
te a missa, os católicos têm (ou tinham) o hábito de se ajoelharem, de se (eles decidem sobre a dignidade imperial pelo seu voto e recebem o prestí-
sentarem ou de se levantarem segundo o "nível" ou a situação estratégica gio desta); cadeira simples com espaldar para o duque de Lorraine (que
que a cerimônia alcançava. Para nos restringirmos à Corte de Luís XIv, queria mais); depois banquinho, eventualmente, para os Importantes e prin-
digamos, sempre como Madame, que seu filho, duque de Chartres e futu- cipalmente "Importantes" que vêm ~m seguida ... Um quadro atribuído a
ro duque de Orléans, que é neto legítimo, tem direito a se sentar diante Henri Brocher resume com facilidade .esse sistema de outorga a propósito
de uma rainha e de ter lugar na carruagem desta 13. Mas tais ações de apa- da pergunta: "Quem se senta ou não diante de quem e sobre o quê"?"
rência anódina não podem ser realizadas por "simples" príncipes de san- Na presença de Luís XIV e em certas circunstâncias, apenas a rainha
gue, Condé e Conti. Seu parentesco de primo longínquo os mantém a da FrançaqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
in partibus - ou seja, a Maintenon - tem direito escandalosa-
alguma distância da origem real. Eles não podem gozar dos privilégios de mente a uma cadeira de braços, isto é, a uma poltrona de facto; mascara-
um neto legítimo, como no caso do duque de Chartres. Uma única vez, se esse abuso por uma razão de saúde. O vulgum pecus, o delfim inclusive,
entretanto, Luís XIV mandou subir um Condé, príncipe de sangue, para está excluído dessa honraria. Em contrapartida, zonas anárquicas existem
o assento traseiro da carruagem real de seus perdigueiros; esse aconteci- fora de Versailles, notadamente em Marly e no Trianon, onde cortesãos e
mento foi considerado um prodígio e nunca mais se registrou". mesmo faxineiros sentam-se não importa onde nem como'",
. Como Saint-Simon, mas às vezes com mais clareza ou menos ímpeto, O uso desses sinais materiais estende-se muito mais abaixo na escala
Madame dedica-se ao problema dos assentos (cadeiras de braço ou pol- social e até no nível dos duques e pares que mobiliza o (para nós ridículo)
tronas, cadeiras de espaldar, simples cadeiras e banquinhos, por fim) que caso do barrete: ela os opõe ao primeiro presidente do Parlamento".
materializam a hierarquia descendente": Obcecado pelo problema das categorias ou de sua expressão simbólica e,
"O rei não quis que se encontrasse um meio-termo no caso do ceri- mais geralmente, pelas questões de arquitetura social ou das simetrias que
monial. O duque de Lorraine pretendia ter uma cadeira de braço diante ela comporta, Saint-Simon - que conhece com exatidão as dimensões sem
de Monsieur e diante de mim, porque o imperador lhe concede uma. O as medir - tende a achar que uma falta de respeito com os símbolos pode
rei respondeu que o imperador tinha seu cerimonial e ele o dele, desse causar enormes conseqüências. Em 1718, o marechal de Montesquiou,
modo o imperador concede uma cadeira de braço para os cardeais, se bem comandante-em-chefe da Bretagne!", permanece em sua liteira, em lugar
que eles não possam se sentar diante do rei ... Monsieur quis dar uma ca- de cavalgar, depois de marchar com a nobreza bretã para os estados pro-
deira de espaldar e o rei nesse caso consentiu, mas o duque pretende ser vinciais mantidos em Dinan-". Essa falta de consideração com a segunda
tratado como um eleitor [príncipe que elege o soberano] e é isso que o rei ordem contribuirá, de acordo com nosso autor, para o descontentamento
não quer que ocorra. Monsieur tinha proposto fazer como na corte do rei que culminará na conspiração dos aristocratas bretões, reprimida em
da Inglaterra. Este não quer nos deixar sentar, e nós de nossa parte quere- 172021• Outro incidente cujas conseqüências mostram-se mais graves se
mos uma cadeira, esta é a razão pela qual ele usa apenas um banquinho acreditarmos nas concepções e na narração (certamente inexata) do
enquanto estamos lá... Mas o rei não quis ouvir falar disso e, para não memorialista: em 1688, o rei ("que já não tinha mais amantes e gostava
fazer depois de muitos esforços uma afronta ao duque, renunciamos à nossa de construir") constata que uma janela de porcelana do Trianon" é (inde-
viagem a Bar" (1 de outubro de 1699).
0

Aqui, vê-se facilmente a "gradação" dos sinais de distinção que Mon- "Sainr-Simon chamava esse castelo de Casa de Porcelana para pequenas refeições devido a seu
sieur, irmão do rei, gostaria de outorgar (mas que o duque de Lorraine con- interior, no qual havia muitas porcelanas floridas.A( N . d o T . )

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A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

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SISTEM A DA CORTE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

imitâ-lo por muito tempo, e depois, pouco a pouco, só havia veludo para que, "a antigüidade, a sucessão, os feudos, as alianças, os empregos, ao
os magistrados e deles passou para os advogados, os médicos, os tabeliães, menos com alguma duração, constituem uma importância efetiva nos
os comerciantes, os farmacêuticos e até os gordos procuradores"." As primeiros tempos conhecidos da linhagem em questão'!". Vê-se que Saint-
categorias mais elevadas precisarão descobrir outros símbolos deqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
status, Simon, neste ponto, está bem longe de querer fazer a nobreza descender
para continuarem a se distinguir das que lhes são inferiores. dos antigos habitantes da Germânia ô'u dos primeiros invasores da Gália
Em sua totalidade, nessas hierarquias, não se trata de simples diferen-
t
romana nos séculos Ill e V de nossa era ... Ele é mais racional do que pare-
ças entre diversos níveis sociais, mas de uma concepção de conjunto, arti- ce, mesmo quando afirma que sua própria estirpe descende de Carlos Mag-

I
culada, "holística", das relações entre os homens e os grupos. Situada no no, "nem que seja por intermédio de uma mulher-?"!
ponto mais elevado da sociedade, Madame abrange com um só olhar os Não obstante, a categoria permanece ligada, ao menos em grande parte,
níveis decrescentes dos filhos legítimos, netos legítimos, príncipes de san- ao nascimento. Isso é especialmente verdadeiro quanto à segunda ordem,
gue, bastardos legitimados, duques e pares etc. Os organizadores das pro- também chamada de nobreza. No que diz respeito à primeira ordem (o
cissões toulousinas fazem o mesmo: eles separam uma por uma seis clero), as coisas não são tão simples: pode-se ser de origem quase plebéia,
categorias: pela ordem, as jurisdições, as profissões liberais, as entidades como Dubois, e tornar-se arcebispo ou mesmo cardeal, isto é, príncipe da
de comércio, os burgueses ou que vivem de rendas, artes e ofícios (81 Igreja, em vez de ser príncipe propriamente dito. Mesmo neste caso, a
ofícios no total, classificados segundo uma gradação hierárquica), por fim política das nomeações episcopais conduzida por Luís XIV e por seus
os habitantes "não Incorporados>". A valorização social é menor junto a conselheiros eclesiásticos tende a fazer coincidir a categoria com o nasci-
esses toulousinos do que junto a Madame, mas o espírito classificatório é mento. Dão-se postos elevados, de arcebispos a eclesiásticos "ilustres"
da mesma ordem. Para tanto, a hierarquia das posições sociais não é a oriundos da nobreza; esta, na ocasião, pode ser da cor~e ou da alta admi-
única que vale. O dinheiro e o poder de uns e outros a corroem. Um nistração, do parlamento e da suprema corte, do exército, da província",
Béchameil, personagem rico, ex-cobrador-geral de impostos, pode muito A plebe autêntica está muito pouco representada no modelo episcopal em
bem ser ridicularizado publicamente por um conde e levar um pontapé seu conjunto. Certamente Saint-Simon acusou os sulpicianos - ou, como
no traseiro de um outro conde (ou de um duque). Ele é amante de duque- ele diz, "os barbas-sujas de São Sulpício" - de terem obrigado Maintenon
sa, sogro de ministro e de duque e colecionador experiente: ele é consul- e o rei a recrutarem bispos entre as pessoas "de baixa" ou "sem nenhu-
tado pelo rei e freqüenta a "melhor" sociedade". ma" condição. Por essa frase, entendemos que os episcopáveis que ele ataca
Atenhamo-nos, todavia, ao problema da categoria. Esse conceito não são recrutados ao acaso numa nobreza obscura de escritores ou de togados,
resulta simplesmente da posição racial ou genética de uma linhagem no- mas raramente fora da própria segunda ordem",
bre, no interior da hierarquia geral das descendências. C ategoria é um Além da categoria e da origem, Saint-Simon valoriza o mérito: esse
pouco como o grande e azul manto da Virgem da Misericórdia que abriga viés meritocrático não será simplesmente uma descoberta tardia do sécu-
sob suas dobras toda a sorte de dados, às vezes heterogêneos uns dos ou- lo XVIII32.Ao que parece, Sêneca já tinha lembrado a questão: ela dá lu-
rros". C ategoria relaciona-se obrigatoriamente com a antigüidade da li- gar em nossa idade clássica a inumeráveis práticas de ensaios e temas
nhagem nobre que é pesquisada, no que diz respeito a esta, as grandes latinos. Saint-Simon chega a lembrar esse estereótipo em algumas pala-
alianças (por casamentos ilustres); em pregos importantes no Estado, e que vras de um subtítulo: "Hervault, arcebispo de Tours, sua origem, seu
foram ocupados por membros da família; feudos e grandes domínios que mérito, sua morte"." Visto de perto, o texto do memorialista relativo a
retomam aos proprietários destes etc. Como o descreve o pequeno du- esse prelado sublinha a virtude, o galicanismo, o espírito, o saber, as ten-

5 o 5 1
I

SISTEMA DA CORTE
A HIERARQUIA E AS C-,,\TEGORIAS

dências criptojansenistas e a aplicação de Hervault (é a parte do mérito);


a sua admiração e que faz duque e par do reino o autor de seus dias", cujo
e sua qualidade de verdadeiro fidalgo de bem e de honra, de descendência
título recente deveria se transmitir em seguida ao memorialista. Ora, os rei-
antiga e de bom parentesco (quanto à origem), o conjunto contribuindo
nados de Luís XIII e de Luís XIv, tão profundamente vividos, interiorizados
para formar "um bispo excelente e corajoso". Em outra parte o me-
por Saint-Simon, viram progredir a passos de gigante a nacionalização da
morialista acentua que a origem, numa família de Importantes e também
hierarquia. Um exemplo episcopal será esclarecedor: a propósito do recruta-
de amigos (no que lhe dizem respeito), constitui por si mesma um mérito
mento dos bispos, esses outros mais altos dignitários que tradicionalmente
e que vale mais do que o mérito propriamente dito. Em 1715, numa épo-
saíam das famílias de potentados locais ou regionais, Michel Péronnet obser-
ca em que exerce uma certa influência junto ao Regente, Saint-Simon faz
va que "Luís XIII pretende quebrar as solidariedades geográficas, e isso ter-
ser concedido um assento no Conselho de Guerra a Puységur, em razão
mina por fazer do episcopado um corpo nacional, na área de recrutamento
do raro mérito (militar) deste; e uma outra cadeira ao duque de Levis,
.
naciona 138" . O que va Ie para a primeira
.. ordem revela-se pertinente para a
sobrinho do duque de Beauvillier, esse parentesco constituindo por si só
um "mérito transcendente", M em ôrias", no caso de
segunda: a partir de 1600, uma forma de unificação nacional das nobrezas
segundo o autor dasqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Levis, origem é igual a mérito. fr~ces.as ~ro~uz-se pr~gressiva~ente, destruindo o menos possível a pirâ-
mide hierárquica; ela alinha o conjunto do corpo sobre os modelos mais rigo-
rosos, notadamente quanto à exclusão dos bastardos. O relaxamento
Por volta de 1700, a hierarquia, no sentido em que a vivenciou Saint-
meridion~, nesta matéria, se apaga diante da rigidez setentrional; ela adquire
Simon, representa um princípio geral e que vale para a maior parte dos
força de lei na escala de todo o reino'? .
. países da Europa. Simultaneamente, ele se encarna nas escalas das catego-
Tratando-se de uma hierarquia nacional, os pontos de atrito são inevi-
rias nacionais mais variadas, que não devem ser confundidas umas com as
táveis desde quando se é obrigado a receber, em certos casos, as catego-
outras; cada uma tem sua origem própria. Um duque inglês não tem cate-
rias estrangeiras no interior da Corte francesa. Desse ponto de vista os
goria aristocrática na França, e vice-versa. Se uma duquesa inglesa quer
estar sentada diante de Luís XlV, ela deverá esperar que o monarca lhe cardeais causam muitos problemas, pois são príncipes da corte rom ana;
conceda um "banquinho de honra", mas são justamente esses os favores co~~do são admitidos com honrarias nas cor;es da França e da Espanha,
principalmente quando são naturais do país. E por isso que até 1696 eles
particulares que não trazem alterações para o conjunto de grupos ducais
têm um banco de abrir e fechar (ou "dobrável") nas cerimônias da ordem
de uma margem a outra do Canal". O mesmo acontece diante dos Gran-
do Espírito Santo, no lugar de um simples banco como era o caso dos outros
des de Espanha: ainda em 1696, eles não tinham nenhuma categoria na
cavaleiros dessa ordem"; Eles obtinham durante algum tempo o direito
França; suas mulheres na Corte só esperam o banquinho de honra de acor-
do com a boa vontade de Sua Majestade", A ida dos Bourbons para a que dividiam com o rei, de usar luto violeta, enquanto para todo o resto
Espanha mudará tudo isso.ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA da Corte o luto era em negro'", Na Espanha, Filipe Ill lhes concedia até
É talvez essa "nacionalização" da hierarquia que constitui a originalidade uma poltrona ... e se entristecia tanto que procurava só se sentar e eles
ou um dos segredos das M em órias de Saint-Simon, situadas na interseção do também, sobre um duplo banco de pedra situado de uma ponta a outra de
hierárquico e do nacional. Culturalmente, Saint-Simon é contemporâneo de uma janela", Saint-Simon irrita-se ainda mais com esses privilégios por-
Luís XIV (ele escreve suas memórias sob a influência pessoal desse rei); poli- que é galicano, portanto hostil aos papas e às criaturas "rubras" que os
cercam, com o chapéu cardinalício na cabeça.
ticamente, ele coexiste com Luís XIv, depois com Filipe d'Orléans; existen-
cialmente, ele deseja ser um fiel súdito de Luís XIII, monarca que recebe toda .. Os príncipes estrangeiros, que são leigos e não da Igreja, também criam
difículdades. Eles são por definição heterogêneos à hierarquia nacional.
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SISTEMA DA CORTE A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

Eles têm, entretanto, tendência a se inserirem entre os príncipes de san- teria desejado muito conseguir um inteiro como as duquesas. Ela teve de
gue, que correspondem ao escalão mais baixo da casa real, e os duques e se contentar com esse meio-assento ou banquinho por um tempo parcial
pares, que estão colocados no nível mais elevado dos aristocratas". A re- apenas para o momento da toalete da rainha: a mulher do chanceler, por
pulsa de Saint-Simon quanto a isso explica-se facilmente: partidário de essa iniciativa, ficou daí em diante localizada a meio caminho entre as sim-
um nacionalismo hierárquico, ele não saberia colocar os magnatas não ples damas nobres (sempre de pé) e as duquesas, freqüentemente senta-
franceses em seu sistema. Duque e par, ele se sente duplamente humilha- das diante da casa real". A chanceler, entretanto, não obteve jamais a capa
do por eles; ele lhes censura ter estabelecido um nível indevido nos tem- escarlate, com a qual as duquesas podiam apenas cobrir a parte superior
pos da Liga, tão favoráveis de um lado aos Guise e à casa de Lorraine, tão de suas carruagens e de suas liteiras.
à mentalidade superpapista, ibérica, ultrabeata que
encorajadores de outroihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Podemos subdividir ao infinito? A duquesa de Orléans, esposa do fu-
horroriza nosso autor". Mesmo o grande Turenne, com o seu principado turo Regente, parece que pensou muito nisso; no princípio, ela teve ra-
de Bouillon, não tem desculpa aos olhos do memorialista, todavia aliado zão, mesmo se o acontecimento não o confirmasse. ''A duquesa de Orléans
a ele pelos Lorge'"; ele "executa" esse marechal depois de o ter coberto tinha então quimeras na cabeça que ela não pôde concretizar [... ]; não
contente com o posto moderno de neta legítima, do qual ela aproveitava
de alguns elogios: "Turenne, grande capitão, oqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
m aior revoltoso. Sua arte,
sua modéstia fingida, seu m anto de probidade entre suas infidelidades e através de Monsieur, seu marido [o duque de Orléans, neto de Luís XIII] ,
[elonias": " ela sofria porque seus filhos não eram senão príncipes de sangue e queria
imaginar (para eles) um meio-termo, com um título de bisneto legitim o'","
A hierarquia bem concebida implica subdivisões verticais se possível Mesma observação em 1710: "O pensamento que essas crianças só fos-
. ao infinito. Ela não saberia se encarnar apenas na divisão em três ordens sem príncipes de sangue lhe era insuportável, e de desejar para eles um
que são, como todos sabem, clero, nobreza e terceiro estado. Além dessa nível diferente acima dos príncipes de sangue à formação do projeto para
divisão grosseira, os níveis tendem a se multiplicar: Saint-Simon afirma" isso, não houve quase intervalo. Ela imaginou então uma terceira posição
que a categoria de neta legítim a foi criada por Luís XIII para sua sobrinha entre a C oroa e os príncipes de sangue, e colocou na cabeça de organizá-Ia
Srta. Montpensier, neta de Henrique IV, a pedido de Claude de Saint- e de concretizá-la'"." Luís XIV acabou com o assunto, cujo mérito é, to-
Simon, pai de nosso autor e referência do hierarquismo; essa nova categoria davia, que a propósito disso sejam feitas distinções entre a Coroa propria-
teria perdurado na época de Luís XIV para beneficiar os netos masculinos mente dita e a "casa real'"! (rei, filho e neto legítimos) e os príncipes de
e femininos de Luís XIII e do Rei Sol. Na qualidade de neta legítima, ao sangue (que têm sangue real, porém mais afastados). Por sua vez, estes
morrer, Montpensier em seu velório, foi então velada por três damas formam (abaixo da Coroa) a "casa reinante" em seu conjunto", Com o
qualificadas, entre as quais uma princesa ou uma duquesa; uma (ilha legí- nível (jamais conseguido) de bisneto legítimo, uma subdistinção suplemen-
tima teria tido seis damas; inversamente, uma princesa de sangue, clara- tar seria assim introduzida no interior do conjunto finamente folheado
mente menos dotada, só teria sido velada por suas empregadas. (A que se intitula C oroa.
hierarquia é mais bem decifrada nos ritos do luto, não despojados de re- Um texto das M em órias 53 fixa esses dados: no seio da casa reinante e
ligiosidade. ) da Coroa, distinguem-se além disso as "casas" dos filhos legítimos e do
Especialista das subdivisões, o duque Claude de Saint-Simon (se se pode primeiro príncipe de sangue, enquanto o delfim, filho mais velho do rei,
acreditar em seu filho ... ) tinha por outro lado obtido um meio-banquinho não tem casa pessoal (notadamente militar), porque ele e o rei são consi-
para a esposa do chanceler da França, a "chanceler"; indevidamente, ela derados uma única pessoa. Distinguir-se-á no fim das contas a casa do rei,EDCBA

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A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS
SISTEM A DA CORTE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

no senso estrito (monarca + delfim), como linha transmissora da pri- m ilitânciaglobal da nobreza. Nisso, nosso duque se diferenciou claramente
mogenitura; as casas subsidiárias dos filhos legítimos não delfins; a: Co- de Boulainvilliers, outro teórico progressista'? da segunda ordem no tem-
roa ou casa real (rei + filhos + netos legítimos); enfim a casa reinante, po do Iluminismo. Este pregava a igualdade dos nobres entre eles no inte-
englobando o conjunto dos Bourbons masculinos e suas famílias, prínci- rior de todo o seu grupo de sangue azul'". Nesse sentido, Boulainvilliers
pes de sangue incluídos". tratava a nobreza como uma "substância" ou como um bloco impenetrá-
Os textos e os documentos reunidos por Saint-Simon (a propósito do vel e suscetível de provocar conflitos desastrosos com outras substâncias
título abortado de bisneto legítimo) formam um dos raros destroços so- mais vastas do que ela (por exemplo, o terceiro estado). Saint-Simon, em
breviventes do naufrágio geral de suasqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
provas para justificar'", mostram compensação, encarava a segunda ordem e também o conjunto da socie-
bem que toda a Corte, em seus pontos mais elevados (e não somente um dade francesa como "um universo fluido e estrutural", no qual o desta-
ou dois dignitários), estava apaixonada por esses problemas de subdivi- que estava colocado na distinção interna e diferenciado dos níveis, ligados
são hierárquica ad infinitum . entre si pela inrerdependência'ê.
Em nome do espírito "de subdivisão", Saint-Simon coloca-se também A hierarquia implica separação e subdivisão num espírito de inter-
contra as agitações da nobreza em 1717: esta pretende contestar" a supe- dependência e de totalidade. Ela pode separar não apenas os grupos uns
rioridade "natural" dos duques e pares; ela quer confiar à discrição dos dos outros, mas também os indivíduos ou, pelo menos, as linhagens. A
Estados Gerais os problemas que dizem respeito à sucessão do trono. Dian- qualidade pessoal, quando ocorre, não se distingue da particularidade de
te das demandas de uma turba 'confusa de nobres, Saint-Simon reivindica linhagem. Não é um Importante, é uma estirpe de primogenitura que desse
claramente para si próprio e para os outros pares a diferenciação no inte- modo se vê valorizada; Saint-Simon nota isso a propósito de festas espa-
rior da segunda ordem; seja "uma categoria distintiva de origem, fora da nholas, nas quais "há lugares distintos em todas as cerimônias, para os
casa reinante [... ] e que diz tacitamente sem cessar a todas as pessoas no- Grandes, também para as mulheres, seus filhos m aisuelbos e noras m ais
bres, mas muito clara e palpavelmente, que eles (os duques e os pares) são velhas'?" .
e têm o que as pessoas nobres não podem jamais ser pela disparidade de A hierarquia afeta não só as moléculas, como também os átomos. As
origem que existe entre eles", Se a nobreza esquece que ela se compõe, categorias que Liselotte ou Madame descreve com complacência (filho le-
por seu lado, de categorias distintas, deixa de ser ela própria; não é mais gítimo, neto legítimo etc.) podem muito bem, em certos momentos, só
que uma "pretensa nobreza"," conter uma única personagem para cada uma dentre elas ou mesmo for-
Os apoios mais ou menos ocultos dos quais se beneficia a pequena mar um "conjunto vazio". É o caso quanto aos filhos legítimos, dos quais
fronda nobiliária de 1717 só poderiam irritar ainda mais Saint-Simon: resta um só exemplar após a morte de Monsieur (1701) e nenhum depois
dentre tais aliados da "turba dos nobres" figuravam efetivamente Filipe da de Monseigneur (1711). Ora, esta categoria, apesar da diminuição ou
de Vendôme, prior máximo da Ordem de Malta na França, supostamente do desaparecimento de seu efetivo, situa-se sobre um mesmo eixo verti-
bêbado e apodrecido pela sífilis, assim como os irmãos Mesmes; o pri- cal, e mais alto, que certos grupos que de toda maneira são mais densos,
meiro embaixador dessa Ordem "maltesa" na França, o outro primeiro- como príncipes de sangue, duques e pares.
presidente do parlamento de Paris e criação do duque de Maíne", Vendôme Dentre os duques e os pares, a hierarquia, dizíamos antes, distingue
e Maine, conhecidos como linhagem bastarda de Henrique IV e bastar- entre os chefes de casas ou, o que dá no mesmo, entre as linhagens; estas
dos de Luís XIV: a obsessão antibastarda reúne junto a Saint-Simon o são efetivamente numeradas por ordem de antigüidade de pariato. "O
pensamento hierárquico e subdivisionário; o conjunto o fazia condenar a marechal de Luxembourg, orgulhoso de seus sucessos e do aplauso de todosEDCBA

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às suas vitórias, acreditava-se forte para usar o décimo oitavo grau de mos no "saint-simonismo". Inversamente, entre os apoios dos duques e
antigüidade que ele tinha entre seus pares, no segundo grau e logo após o de Saint-Simon no processo deles contra Luxembourg, encontramos Henri-
senhor D'Uzes64." François d' Aguesseau, consultor-geral, depois procurador-geral e enfim
Certamente a raiva que esse procedimento inspira a Saint-Simon vem chanceler; ora, esse personagem àpreciável é o "inimigo dos jesuítas?",
de que isso o vitima: se Luxembourg ganha este processo de precedência Bastardizado ou crapulizado a posteriori e jesuitificado a contrario,
ou de antigüidade, nosso duque passaria do décimo segundo para o déci- Luxembourg representa bem para Saint-Simon o detestável padrão da
mo terceiro grau entre os pares; uma nova família, justamente a dos violação anti-hierárquica. E tudo isso vai se prolongar de uma geração a
Luxembourg, vai se intercalar entre a dezena de pariatos que já precediam outra: Jean de Maisons, presidente do Parlamento e concubinatário no-
a do pequeno duque. Além disso, um dos sustentáculos de Luxembourg tório, é favorável a Luxembourg, que suborna sem qualquer vergonha a
não é outro que Achille III de Harlay, primeiro-presidente do parlamento amante desse magistrados", seu filho, Claude de Maisons, ele também
de Paris, e muito antipático ao nosso autor: Harlay inventou um subter- presidente do Parlamento, é um pecador, e é igualmente um forte - em-
fúgio para a legitimação dos bastardos, ou "adulterinos duplos", do rei e borasecreto - partidário do duque de Maine, célebre bastardo de Luís
da Montespan; quando mais não seja, ele inventará um ardil para dar a XlV. Mais uma vez, adultério, bastardia e pecado por supostos cúmplices
esses bastardos um nível intermediário entre os príncipes de sangue e os giram em torno da cabeça do detestável Luxernbourg?".
pares", Estas superdeterminações de hostilidade no encontro entre a to- Outros casos do mesmo gênero, mas menos ricos em circunstâncias
lerância e a bastardia são tipicamente saint-simonianas: o memorialista é agravantes, atiçarão Saint-Simon contra um duque que reclama em vão
plenamente racional na medida dos seus próprios critérios quando recusa contra ele a precedência de linhagem e pessoal; em j1714, o memorialista
que um marechal subverta, cobrindo-se do prestígio de seus feitos impor- ganha dessa maneira um processo de grau" contra o duque Francisco VIII
tantes, a numeração cuidadosamente hierarquizada dos duques na ordem de La Rochefoucauld, que se entristece por ser apenas o décimo terceiro
do pariato. Não se chamasse esse marechal Luxembourg ... par de França, enquanto Saint-Simon, de origem bem inferior, é o décimo
O caso Luxembourg, com seus problemas de numeração e indivi- segundo'". Nosso autor deve essa vitória a seu amigo o chanceler Pont-
dualização das categorias ou linhagens, é exemplar de todos os pontos de chartrain; ele se mostra entusiasmado e reconhecido a ponto de beijar o
vista. Os textos de Saint-Simon sobre o assunto representam, segundo sua chanceler "como se beija uma amante'?". Note-se que a contenda em ques-
própria confissão, "o que há de mais áspero e de mais amargo em suasqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tão é sobre linhagem, pois o pai de Saint-Simon já não tinha boas relações
M em ôrias= ", Assim surgia a enorme importância que ele confere às sub- com o de La Rochefoucauld, autor das M áxim as 74 •
divisões da hierarquia ad infinitum . As conotações que coloca em torno A gradação quase individual acontece entre os duques, mas também
do dossiê Luxembourg são igualmente típicas da construção mental e glo- entre as princesas, mesmo bastardas: duas filhas naturais do rei devem
bal que ele propõe quanto ao sistema dos costumes e quanto ao espírito chamar uma terceira de M adam e, pois esta, que se tornou duquesa de
da Corte. A propósito de Harlay, marquei algumas dessas conotações; eis Chartres, é neta legítima pelo seu casamento. Essa nova M adam e, em com-
aqui outras. O marechal de Luxembourg quis violar os princípios sacros- pensação, limita-se a chamar as duas outras ou cada uma entre elas de
santos da numeração hierárquica; não será de espantar que ele case sua m inha irm ã. Descontentes com a desigualdade de tratamento, estas acre-
filha com um velho bastardo obscuro de um príncipe de sangue e que vive ditam poder sair de uma tal dificuldade chamando eventualmente de a
na devassidão das tabernas'". O tema duplo da bastardia e da devassidão G raciosa à duquesa de Chartres, mas levam um puxão de orelha de Luís
do vinho destaca o caso da impureza, cuja importância central nós vere- XIV75.

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Os próprios monarcas são "indexados" uns com relação aos outros: o A história positivista mostrou que nesse ponto Saint-Simon exagerou: de
, fato, para a promoção, eram levados em conta o mérito e os talentos, jul-
soberano francês, segundo Saint-Simon, chama deqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Serenidade ao rei da
Dinamarca, mas exige dele ser chamado bem superiormente por M ajesta- gados em particular'"; havia igualmente relação com a origem , considera-
de": O princípio de numeração estende-se aos conselheiros reais, e a ou- da em conjunto (os corpos de oficiais geralmente eram de origem nobre).
tros: o marechal de Montesquiou entra em 1721 para o Conselho da por pertinente que ela seja, a objeção positivista, ali como em outro lugar,
Regência, conhecido atualmente por velho harém , e aqui é o trigésimo não destrói as lógicas profundas das posições saint-simonianas: aos olhos
por nível de antigüidade e dignidade." Os membros das ordens de cava- severos e judiciosos de nosso autor, a numeração por antigüidade só é
laria, por seu lado, são graduados por ordem de antigüidade, quer se trate válida, em princípio, enquanto ela reforça e não destrói a hierarquia es-
da ordem do Espírito Santo francês, quer da Tosão de Ouro espanhola: sencial, aquela que ordena as linhagens de uns com relação aos outros,
quando Filipe V chega a Madri para ali reinar, ele recebe a ordem do Tosão segundo a dignidade de suas origens ou de seus nascimentos, ao encontro
das mãos do mais antigo cavaleiro dessa ordem, o duque de Monteleone absoluto de "um povo desprezível em toda sua igualdade'?".
Pignatelli", Essa graduação existente na Tosão de Ouro faz não obstante Entretanto, tratando-se de sociabilidade entre militares, Saint-Simon
um feliz contraste com a anarquia de bom-mocismo que reina entre os só tem sarcasmos para os oficiais nobres do exército, os quais, em suas
Grandes da Espanha: "Eles não observam entre si nenhum nível de anti- casas, convidam para sentar-se à mesa por hierarquia, excluindo os de
güidade nem de classe (salvo; apesar de tudo, deixar caminho para o arce- postos subalternos, no lugar de levar em conta apenas a origem para a
bispo de Toledo, na qualidade de primaz de Espanha); assim eles se colocam seleção dos convidados para sua mesa'",
uns depois dos outros como acaso se encontrarem"." Esse bom-mocismo A sociologia saint-simoniana ampara-se na biologia: ninguém se tor-
excessivo, segundo Sainr-Simon, é além disso uma das causas da inferiori- na duque ou príncipe, nasce assim; já se é uma ou outra coisa ao sair do
dade de Madri em relação à corte de Versailles, pois na França o espírito ventre da mãe, e mesmo lá dentro. Uma princesa dá à luz um duque, uma
hierárquico floresce com mais rigor. A Espanha é uma França com menos rainha dá à luz um príncipe: "A 6 de junho, tivemos conhecimento de que
êxito, assim como a França é uma Alemanha menos perfeita. Haverá ne- a rainha da Espanha deu à luz um príncipe, em Madri, que recebeu o nome
cessidade das graduações do Tosão de Ouro, importadas originalmente de dom Filipe ... A 8 de janeiro, a Sra. duquesa de Borgogne deu à luz um
da Borgonha medieval, para colocar um pouco de ordem nos níveis mal duque da Bretagne'", "
organizados da aristocracia ibérica; esta ainda se ressente, de acordo com Pode-se mesmo, retrospectivamente, dar à luz um prelado! "Florence
o nosso autor, do atraso que os mouros introduziram nos assuntos da Pélerin, comediante e dançarina da Ópera, que o Sr. duque de Orléans
península. sustentou por longo tempo e da qual teve o hoje arcebispo de Cambraí'" ... "
O subsistema de numeração, todavia, não é central. Ele permanece O parto permite, em princípio, afirmar algumas hierarquias: as duquesas,
subordinado ao princípio mais geral da hierarquia e pode mesmo lhe acon- antes de Luís XIv, assistiam aos partos da rainha; esta e as filhas legítimas
tecer o contrário, por exemplo no caso da ordem do quadro que havia retribuíam a visita na ocasião dos partos das duquesas", Depois tudo isso
introduzido Louvois no exército: "Os progressos só foram feitos por pro- foi mais ou menos esquecido ... Quase biológica, a taxinomia permanece
moções por antigüidade, que se chamou ordem do quadro. Daí todos os verticalmente hierarquizada: quanto mais alto se está situado na escala
senhores [importantes] [transferidos] na multidão de oficiais de toda es- das categorias, mais reconhecimento se espera dos níveis inferiores, e
pécie. Daí essa confusão [... ] esse esquecimento geral [... ] de toda diferen- menos se lhes dá. É especialmente verdadeiro no caso dos reis, sobretudo
ça pessoal e de origem, nesse estado do serviço militar tornado popular"," em Madri. Eles recebem visitas, mas não as retribuem, salvo exceções. Entre

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SISTEMA DA CORTE A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

a época de Filipe 11e a de Filipe V da Espanha, por exemplo, Saint-Simon ção que une esses homens a seus bens, e que faz do indivíduo proprietário
não nota alérn-PireneusqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nenhum a visita real desse tipo. Compreende-se ou rrabalhador?'. Não é ele que, à semelhança de um economista como
que o memorialista se extasie quando acontece enfim, em 1710, o episó- Quesnay, teria definido a nobreza como "classe proprietária". (Ele chega-
dio inacreditável, inesperado: "Nos três dias que permanece em Madri, o rá, todavia, bastante perto do objetivo - ainda voltarei ao assunto -,
rei Filipe V faz uma coisa quase inaudita na Espanha'" [... ] foi visitar em quando falará dos seus colegas de sangue azul como de um grupo dos que
É verdade
sua casa o marquês de Mancera, que quase morreu de alegria."ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"vivem da renda das terras".) Pouco conhecedor de economia política,
que Mancera havia merecido plenamente essa visita pelo patriotismo que apesar de sua admiração esclareci da pelas obras de Vauban e de Bois-
acabava de mostrar na guerra recente; chegando aos cento e dois anos Guilbert95 , Saint-Simon tende a explicar pela bobagem ou pela maldade
graças a um regime macrobiótico de água gelada e conservas de rosas"; dos bípedes aquilo que a ciência das subsistências explicará um dia em
ele podia se gabar de haver recebido, com a entrada do rei em sua resi- termos de caprichos da Natureza, ou de insuficiência da produtividade.
dência, uma honra igual a nenhuma outra e da qual ele era talvez o único Na opinião do pequeno duque, o governo dos homens é freqüentemente
exemplo depois da morte do duque de Alba em 1582: "Eu não sei, acres- mais culpado do que o curso das coisas: nosso autor explica beatamente o
centa Saint-Simon'", que algum rei da Espanha tenha jamais visitado uma desastroso transbordamento do Loire em 1707 pelo simples fato de que o
.pessoa desde Filipe 11que foi à casa do famoso duque de Alba, moribun- inepto marechal de La Feuillade (que ele detesta) mandou explodir ro-
do, e que, vendo-o entrar em seu quarto, lhe disse que era tarde demais e chas nesse rio, as quais até agora serviam de barragens naturais e proteto-
se virou para o outro lado sem dizer mais nada. " ras; Deus as havia colocado no leito do rio para esse fim", Já que, por
As visitas que Luís XIV faz são certamente mais numerosas do que as outro lado, La Feuillade é ladrão, homossexual, incapaz e, além disso,
de seus homólogos espanhóis, mas são tidas como eventos tão raros que o inimigo do duque de Orléans do qual Saint-Simon é arnigo'", tudo se encai-
poderoso que convida acredita dever empregar prodígios de adulação, xa: a simples aversão humana justifica com a maior perfeição os trans-
sobretudo quando o rei é representado apenas por um servo?", bordamentos do Loire. Sem ser preciso incriminar com esse fim as
Quando o jovem Luís XV quer visitar o ex-chanceler Pontchartrain, iniciativas, todavia verossímeis, da Natureza.
piedosamente afastado dos negócios, este dá um jeito para que uma tal Deste ponto de vista, a atitude de Saint-Simon diante dos famintos
irrupção monárquica, espécie de monstruosidade protocolar, não ocorra: constitui um teste. Situamos ordinariamente estes no centro de um mo-
com a mais extrema delicadeza, ele praticamente proíbe o jovem rei de mento "privilegiado" (se assim se pode chamá-lo) da relação do homem
entrar em sua casa", com o meio ambiente. Nas sociedades de antigamente, nas quais a produ--
Montesquieu assinalará isso com finura92: diferenciação das catego- tividade era baixa, um ou dois anos ruins nos quais o clima anormal
rias é também distinção correlativa das terras: plebeus, terra alodial, no- desencorajava a produção de grãos era suficiente para tornar os cereais
bres. Elas refletem em sua essência volúvel a eventual ascensão dos senhores raros, elevar o preço do trigo, diminuir o número dos casamentos e dos
e proprietários nobres ao longo da escala do status: "O rei [Luís XV] aca- nascimentos, elevar a mortalidade, ao passo que aumentava o tumulto dos
ba de transformar em marquesado a terra de Marigny-en-Brie, perto de famintos ou food riot nas praças públicas. O déficit real do trigo, provo-
Coulommiers,em favor do Sr. de Vandiêres [da família da marquesa de . cado pela intempérie das estações, poderia certamente decorrer da espe-
Pornpadour], que herdou de seu pai essa terra de Marigny'"," culação e do mercado negro, que resultavam da maldade dos negociantes.
E, portanto, apaixonado pelas relações entre os homens e pela arqui- Mas uma e outro não agiam senão como causas secundárias. Em face dos
tetura piramidal da sociedade, Saint-Simon se interessa pouco pela rela-EDCBA fenômenos de escassez, provocados por uma meteorologia desfavorável,

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SISTEM A DA CORTE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

a atitude de Saint-Simon é dúbia: ou ele as ignora (caso da fome de 1693) muito mais loquaz. É normal: nesse meio-tempo, ele se tornou um perso-
ou ele as integra em seu sistema "arquitetõnico" de explicação dasocie- nagem, embora de segundo nível na Corte. É conselheiro secreto do du-
dade global: a influência das estações aparece aqui menos que a das intri- , que de Orléans, e principalmente dos duques de Bourgogne, de Beauvillier _
gas sociais. e de Chevreuse: todos três formam um partido 'reformador vivamente
Caso de ignorância pura e simples: a fome de 1693-94. No verão de preocupado com o empobrecimento .~a população. A propósito do ano
1692, nosso duque, jovem mosqueteiro, assiste aos preparativos do cerco de 1707, Saint-Simon menciona pela primeira vezqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
a posteriori ou anteci-
de Namur. O bom tempo, escreve ele a propósito disso", transformou-se padamente os trabalhos eruditos de Vauban e de Boisguilbert; um e outro
em chuvas, de cuja abundância e continuidade ninguém do exército havia querendo aliviar a miséria e melhorar as finanças", Compreende-se que
tido exemplo e que deram grande reputação a Saint Médard cuja festa é sob este impulso nosso autor tenha lembrado o grande inverno de 1709.
em 8 de junho. Nesse dia choveu a cântaros e estima-se que essa chuva Além disso, menciona com muitos detalhes a fome que resultou do gelo
durou quarenta dias seguidos. O acaso fez com que isso acontecesse nesse em1709 e 1710.
ano. Os soldados, no desespero desse dilúvio, maldisseram o santo Todávia uma tal atenção não deve enganar o leitor. Os resumos que
[Médard], procuravam suas imagens, as quebravam e incendiavam logo Saint-Simon faz desses últimos fenômenos são freqüentemente tenden-
que as encontravam. Essas chuvas tornaram-se um flagelo para o cerco. ciosos: em 1709, ele atribui à responsabilidade das pessoas ou das autori-
Vê-se que Saint-Simon afasta-se discretamente da religião popular e qua- dades os males que desejaria em grande parte atribuir aos caprichos do
se medieval dos soldados que agridem a estátua do santo causador da chuva, .sermômetro. Deixa mesmo entender que o tenente de polícia d'Argenson
quando este ultrapassa demais seu mandato e "rega em excesso". Para nosso (cuja jesuitofilia lhe desagrada'I") e os intendentes da província coloca-
autor, cujo cristianismo é puro, um santo não seria a causa de fenômenos , ram em funcionamento nesse ano um trabalho tenebroso"'", O resultado
meteoro lógicos, cuja disposição pertence à Providência (Deus) e às causas mais claro disso seria reduzir as populações à penúria. Ele projeta sobre
secundárias (o acaso). Mas esta inteligência saint-simoniana e, em suma, 1709 acusações que serão usuais durante a década de 1740, no curso da
muito malebranchiana pára por aí. Pois o jovem Saint-Simon acabava de qual trabalhará firme no texto de suas M em órias. Assim, participa de uma
assistir nesta vigília de armas chuvosa às "origens" da grande fome de 1693- mentalidade tradicional: em lugar de encarar de frente a baixa produtivi-
94. Ela resultou efetivamente (entre outros fatores) do verão, do outono dade da agricultura e as eventualidades climáticas, prefere manter a con-
e da entrada do inverno que foram todos muito úmidos, muito chuvosos v-icçãosegundo a qual uma maquinação secreta é conscientemente tramada
e que marcaram a segunda metade do ano de 1692; esses fenômenos termi- para matar o povo de fome. Ele é atormentado pela obsessão pelo pão
naram por comprometer a colheita de 1693; esta por sua vez criará na .(não o seu, do qual está plenamente saciado, mas o dos pobres, nos quais
França em 1693-94 um déficit humano de um milhão de pessoas, por pensa com uma generosidade sincera). Essa preocupação transforma-se
excesso de mortes e diminuição de nascimentosA ( o u seja, uma perda de p o u c o a pouco na familiaridade anticonspiradora daquilo que se chamará
5% da população total). Ora, Saint-Simon nada disse sobre esta fome. E mais tarde caluniosamente de pacto de fom e. O fato de que a administra-
todavia, como se acaba de ver, ele havia presenciado os pródromos climá- .ção em 1709-10 joga fora os grãos avariados e tenta estocar os cereais em
ticos disso. Ele é muito mais culpado por só nos falar durante esses dois bom estado vale a esta, da parte de nosso duque, a dupla censura do des-
anos fatais de 1693 e 1694 sobre frivolidades da corte e de guerras, en- perdício e do açambarcamento. A imagem do pacto de escassez ou antes
quanto uma escassez cataclísmica se desenrolava sob seus olhos. da conspiração "encontra assim crédito na população, mas também junto
Sobre a fome de 1709-10, Saint-Simon, em compensação, tornou-se aos magistrados, os negociantes" e até junto ao nosso memorialista! De

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A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

mais ou menos boa fé, uns e outros afirmam que a escassez é "artificial, gistrados, os negociantes, os simples burgueses: ela forma essencialmen-
desejada, orquestrada"; os responsáveis e beneficiários disso são os ho- te, em suas camadas dirigentes, um grupo de pessoas que vivem de em -
mens no poder e os "Senhores das Finanças", detestados pelo pariatol'". prestar dinheiro.
O próprio monarca, quer seja Luís XIV em 1709, ou Luís Xv, em 1740 e Será observado a esse propósito que, rejeitando desse modo os magistra-
mais tarde, aparece como o cúmplice mais ou menos consciente dos bu- dos dos parlamentos direcionados para o terceiro estado!", o sociólogo
rocratas sem entranhas e açambarcadores suspeitos. A representação mís- Saint-Simon não tem razão, do ponto de vista jurídico. Os parlamentares,
tica da monarquia paternal e fecundante'P' ajusta-se mal aos caprichos do por princípio e por direito, tornam-se nobres!", nobres em suma - de li-
mercado de grãos, cada vez mais tentacular, e às resistências da mentali- nhagem mais recente em Paris, eventualmente mais antiga na província.
dade tradicional: esta vê a mão dos maus onde percebemos as agressões Mesmo o memorialista, errado quanto à Bretagne, tem assim mesmo "ra-
das intempéries e dos bloqueios de um mundo pobre. Nesse sentido, a zão", à sua maneira, sob o ângulo de um esnobismo existencial, e que ca-
ideologia saint-simoniana permanece presa às constantes hierárquicas das racteriza a alta aristocracia da corte!", da qual ele faz parte. Esse esnobismo'P"
sociedades humanas daquele tempo; ela se enraíza também dentre as re- é, aliás, partilhado pelos togados que passam a nobres e que são vítimas da
presentações mentais correntes, na época, no seio dos grupos majoritá- condescendência dos aristocratas, os quais, entretanto, exageram, ao pon-
rios: estes consideram, tanto em cima quanto embaixo da grande corrente to de interiorizar um tal menosprezo e de torná-I o deles; ao ponto mesmo
dos seres, que o enigma do sofrimento pela fome e o "manejo cruel dos de aceitar "o desprezo por todo tipo de burguesia [sic], fosse ela coberta de
grãos de trigo" se resolvem 'por meio de causas sociológicas, muito mais púrpura, autenticamente tornada nobre e sentada sobre as flores-de-lis".
do que por fatalidades da Natureza, da economia, da ecologia. Burguesia, nota Roland Mousnier, eis tudo o que era essa alta nobreza de
toga na visão de um fidalgo. E de citar as palavras do abade de Choisy em
No interior desse panorama restrito, e em seus próprios limites, a vi- suas M em órias, escritas no tempo de Luís XW : "Minha mãe, que era Hurault
são hierárquica de Saint-Simon tende a criar estruturas "folheadas" de alto de L'Hopital, me dizia freqüentemente: 'Escute, meu filho, não seja de ne-
a baixo; estas são separadas umas das outras por um número bastante nhum modo presunçoso, e pense que você é apenas um burguês. Eu bem
grande de níveis. O ideal, já o vimos, consiste em hierarquizar as próprias sei que seus pais, que seus avós foram magistrados de segundo nível, conse-
linhagens, individualmente, umas pela ligação com as outras; o que ter- lheiros de Estado, mas aprenda comigo que na França só se respeita a no-
mina por criar, até o topo da hierarquia, dezenas e até centenas de subdi- breza da espada. A nação inteira glorifica as armas'?'."
visões. O conjunto - o topo incluído - permanece preso, repetimos, no Digamos de novo então, ao retificar o esnobe Saint-Simon, mas acei-
sistema muito mais amplo ou simples dos três estados: clero, nobreza e tando sob benefício de detalhar o autêntico espírito de grupo no qual ele
povo. se inspira, que para ele a nobreza da espada vive da renda da terra; a toga
Apesar de seu pouco entusiasmo com o que não seja hierarquia pura e e o povo mais abastado, em compensação, são tendencialmente pessoas
a despeito de alguns desconhecimentos no domínio econômico, Saint- que vivem de em prestar dinheirot'".
Simon é capaz de estabelecer nas três classes algumas determinações A distinção entre o topo da hierarquia e sua parte mais inferior (os
grosseiramente materiais. Para ele'?', a segunda classe (a nobreza) é essen- que formam o que Saint-Simon às vezes chama quando está de mau hu-
cialmente composta dos queqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vivem das rendas das terras: ''As terras e a mor, a ralé) pode realizar-se sob duas visões bem diferentes. No nível da
espada, eis os bens da nobreza." A terceira classe, em compensação, está Corte, certos personagens que, em princípio, não são nobres e que levam
presa às rendas pagas pelo Tesouro do rei das quais se beneficiam os ma- apenas o simples título de criado de quarto do rei, ou, melhor ainda, o de

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primeiro-criado de quarto, revelam-se de fato poderosos e, no momento nha". (Na verdade, isso é um exagero: Dubois é o filho mais novo de um
certo, temíveis, já que eles funcionam realmente como homens de con- boticário de Brive; na adolescência torna-se bolsista no colégio Saint-
fiança do monarca; eles jantam sem problemas com os importantes. Um Michel, em Paris118.) Quanto ao cardeal Fleury, era filho "de um coletor
certo Luís Blouin, criado de quarto de Luís XlV, e amante da magnífica de dízimos da diocese de Lodêve""(situação burguesa, 'até nobre, e que
filha do pintor Mignard, é íntimo dos duques de Villeroy e de Rocheguyon não é tão ínfima quanto pretendia Saint-Simon). Nosso duque não hesita
. das as noí
(um La Roche f oucau ld ) que Jantam em sua casa quase to as as noites "111. entretanto em desprezá-l o também: "Fleury, quando jovem, estava sem-
Um Beringhen, primeiro-criado de quarto de Luís XIII, conhecido por suas pre metido com os criados do cardeal Bonsy!'" ... " Tradução: Fleuryefe-
brilhantes ações nos campos de batalha, vai se tornar sob Mazarin primei- tivamente era protegido do cardeal Bonsy. O jesuíta Tellier, outra das
ro-escudeiro da Corte, cargo bem importante'P. aversões de Saint-Simon, "é filho de um camponês pobre da Baixa Nor-
Tratando-se agora das distâncias consideráveis que se intercalam en- mandia120". Ei-lo mencionado como bom apenas para ser lançado aos
tre as altas categorias da Corte e as massas de populações plebéias, a atitu- cãesU~! Os Lanti são ilustres na aristocracia romana e mesmo na francesa:
de de Saint-Simon é diferente mas não unívoca. A respeito das ordens ouqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
na realidade "esses Lanti não têm tradição, eles tomaram o nome de della
funcionários mais baixos, algumas vezes ele assume um tom protetor, até Rovere, porque a mãe deles tinha esse nome e os próprios Rovere per-
amável: menciona, por exemplo, os agricultores (tecnicamente notáveis) tenciamA à ralé antes de seu pontificado" (isto é, antes do papado de
da região do Alleu, "que é rica mas apenas tem grandes agricultores, pes- Francesco della Rovere, que usou a coroa tríplice em 1471 sob o nome de
soas de bom senso e de bom raciocínio'l'!'. Ele lembra também o capitão Sixto IV)122.O vocábulo ralé torna-se bastante freqüente nas palavras do
Le Fêvre, ex-guardador de porcos, cruz de São Luís, totalmente analfabe- memorialista e liga a noção de impureza às classes infqriores. (Saint-Simon,
to, tornado oficial por seu valor militar e que os aristocratas no exército por exemplo, escreverá com facilidade que tal duque se casou com "uma
valorizavam e gostavam 11<!-. Menciona igualmente a esposa do chefe dos criatura da ralé", leia-se uma empregadinha.) O termo indigente, por ou-
correios de Nonancourt, "mulher muito honesta que tinha espírito, sen- tro lado, dá a conotação da pobreza do indivíduo em questão, sugerindo
so, inteligência e coragem"; até afirma que ela havia salvo o Stuart pre- também a mediocridade dos antepassados: "O abade Tencin era padre e
tendente ao trono da Inglaterra dos gol pes dos espadachins daquele país 115. indigente, bisneto de um ourives ... Seu nome era Guerin, e Tencin o de
O cura de La Ferté, personagem menor de uma localidade dirigida por um pequeno terreno de propriedade da família'P." Quando se lê esse texto
Saint-Simon, aparece como "um h omem d e espírito ' . e saãbi10 116" • E n frm desdenhoso, dever-se-ia duvidar que os Tencin, de nobreza seguramente
Ducasse, pretenso "filho de um pequeno açougueiro que vendia presun- moderna (mas menos recente do que narra Saint-Simon), pertenciam a
tos em Bayonne", é descrito como um marinheiro valoroso, alçado a jus- uma das famílias mais distintas, até de alta hierarquia, do Dauphiné?
to título, segundo as M em órias, ao posto de chefe de esquadra'!", Quem o foi sempre é; o plebeu, por título ou parlamentar, gera facil-
Ocorre também a Saint-Simon deplorar sinceramente a miséria do mente escroques ou os inúteis. Escroques: "Um chamado Tessé, contador
povo, encarado globalmente. Mas seu desprezo pelos indivíduos vindos de meu pai que morava em sua casa há muitos anos, desapareceu de repen-
de um baixo nível social ou mesmo das classes médias, e pelas origens das te e lhe levou cinqüenta mil francos [...] para os quais ele havia emitido fal-
linhagens que procedem de uma tal "falsa aparência", manifesta-se m ui- sos recibos!". Certamente não se deveria jamais acreditar na aparência
tas vezes, deixando quase nenhuma dúvida quanto aos seus sentimentos hipócrita desse burocrata: "era um homenzinho doce, afável, hábil, que
íntimos ... ao menos quando se trata de pessoas que ele detesta. O cardeal mostrara suas habilidades, que tinha amigos, advogado no parlamento de
Dubois em seus primeiros passos não era senão "um criado que nada ti-EDCBA Paris ... " O caso dos inúteis é pior ainda. Esse gênero de indivíduo não é

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apenas inútil, é também nocivo ao seu país: "Eu não diria que Arouet Observação análoga no caso dos governos das províncias: o desenvol-
[Voltaire] foi levado à Bastilha [em 1717] por ter composto versos muito vimento da intendência renderam poucas honrarias':", mas conservado cer-
atrevidos, sem a reputação que suas poesias, suas aventuras e sua fantasia tos poderes militares. O governo d' Anjou, por exemplo, passa de pai para
do mundo lhe deram. Ele era filho do tabelião de meu pai, que eu vi muitas filho e depois para o neto: o pai (conde d'Armagnac) obriga finalmente o
vezes lhe trazer papéis para assinar. Ele [o tabelião] não pôde jamais fazer filho (conde de Brionne) a ceder esse'cargo de governador angevino ao neto
nada por esse filho libertino; sob o nome de Voltaire, que adotou para ocul- (príncipe de Lambesc), que representa a terceira geração'P.
tar o seu 125, ele fez enfim fortuna com essa libertinagem." Às vezes, há um preço a ser pago: Ségur, do séquito do duque de
A distinção das categorias, redundância de nossa parte, é fundada numa Orléans, estava "esperando" para obter o governo da região de Foix que
classificação preferencial das linhagens, dispostas por ordem de dignida- era de seu pai. Para isso, ele só tinha um caminho a seguir: casa-se com a
de decrescente. A esta transmissãoqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de jure das categorias, por ordem de bastarda não reconhecida do duque de Orléans e da comediante Des-
primogenitura masculina, os importantes observados por Saint-Simon mares!". O novo sogro, na sua qualidade de regente, exprime sua grati-
gostariam de acrescentar a hereditariedade de facto dos cargos. dão d~ndo a Ségur duzentas mil libras de Tours ... e o governo da região
Estes não se prestam sempre a isso, pois podem ficar vagos não apenas de Foix135 que Ségur pai, com a permissão de Luís XlV, havia inicialmente
pela morte do titular (isso é óbvio), mas também pela morte do monarca: o comprado do marechal de Tallard. Mesmo caso, sucessivo, entre aquisi-
cargo de primeiro-médico, por exemplo, se perde automaticamente com a ção, nomeação e hereditariedade de facto, a propósito do governo de
morte do rei, já que ele faz parte de seu séquito estritamente pessoal e mesmo Douai: com a morte do velho Pomereu (antigo capitão dos guardas e ir-
doméstico'>, Exceto esse caso particular e alguns outros, as dinastias buro- mão de um conselheiro de Estado), que era seu titular, o Regente dá esse
-crático-mandarinais, como os Colbert ou os Phélipeaux-Pontchartrain, fazem posto "de governo" ao conde François D'Estaing, teneI?te-general que havia
muitos esforços para transmitir seus cargos de pai para filho: "Aínda criança, servido sob seu comando nas guerras da Espanha!". D'Estaing, que co-
Maurepas é nomeado secretário de Estado, no lugar de Pontchartrain, seu nhecia bem as pessoas com quem lidava, tinha anteriormente casado seu
pai, que foi demitido'ê". Este desejo de eternidade ou pelo menos de sobrevida filho Charles com a filha única e rica herdeira de um Fontaine-Martel.
vale igualmente para os cargos ou dignidades que levam com eles mais de Belo negócio! A mãe dessa moça, a exemplo de d'Estaing, era protegida
honrarias ou de status que de poder efetivo. Como as ordens de cavalaria: o do Regente. Com o apoio dessa dupla amizade, François d'Estairig não
marquês de Listenois havia conseguido o Tosão de Ouro graças ao apoio de teve nenhuma dificuldade em conseguir para seu filho Charles a sobrevi-
sua sogra, a condessa de Maily. Saint-Hermine, de nascimento; ela lhe havia vência no lucrativo governo de Douai. O Regente, uma vez mais, prestou-
obtido esse Tosão com a colaboração da Maintenon para consolar esse genro se com prazer à manobra'F.
cuja esposa não foi por ela dotada conveníentemente-", Este presente - o Sucessões desse gênero supõem também, em tempos de inflação, a inde-
Tosão - foi bastante imerecido, pois pouco antes Listenois havia extorquido xação do pagamento que cabe ao cargo: em 171 O, o marechal de Matignon,
de sua sogra 1.200 pistolas (moedas de ouro) a pretexto de resgate a ser pago um normando avarento, casou seu filho Gacé com a filha (com o rico dote
para se livrar de uma captura inexistente'", Mas a condessa decidiu fazer vista feminino de cem mil escudos) do marechal de Châteaurenault (por acaso
grossa. Algum tempo depois, Listenois é morto no cerco de Aire-sur-la-Lys'ê", esse casamento será infeliz). Para engordar o "dote" (masculino desta vez)
No ano seguinte (1711), Bauffremont, irmão de Listenois, obtém o Tosão, de seu filho, Matignon renuncia em favor deste ao governo de La Rochelle
que a morte gloriosa do seu primeiro detentor deixara vagom. Mal adquiri- e da região de Aunis':", cujo salário atingia 16 mil francos e o valor era de
da em sua origem, essa insígnia acabava por tornar-se um bem de família. 230 mil francos. Em 1719, quando os tempos melhoraram e o custo deihgfedcba

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A'HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

vida subiu mais, Matignon conseguiu junto ao Regente aumentar em seis de avô para o pai, depois para a descendência'<. Na família Mortemart,
mil francos o salário do governador de Aunis':". É verdade que essa famí- há três gerações de primeiros-fidalgos que são camareiros do rej146.
lia matignonesca de senhores do Oeste entendia de assuntos financeiros: Os La Trémoille acumulam também três gerações de fidalgos dessa
ela havia se beneficiado dos tesouros de Chamillart, quando este era do categoria, até que o cardeal Fleury'Vfhes tira esse cargo para dá-lo ao seu
ministério':", Luís XIV consentia facilmente nas cessões, hereditáriasqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de próprio sobrinho. Os Tessé já estavam satisfeitos com um marechalato e
facto, dos governos provinciais, com a condição de que o beneficiário não uma embaixada: em 1723, eles obtêm do avô ao neto a descendência de
fosse da região governada, caso em que certas intrigas subversivas que o um cargo de primeiro-escudeiro da futura rainha 148.Já o duque de Tresmes
Rei Sol queria sabiamente evitar tivessem sido possíveis pelo conluio do matou três ou quatro coelhos de uma só cajadada, transmitindo ao filho
beneficiário com a nobreza local!", (não sem alguns detalhes) seu duplo cargo de governador de Paris e de
Os cargos da corte ou circunvizinhos (paramilitares etc.) são facilmente primeiro-fidalgo, um par de tesouros':". Tudo é temperadocom gratifica-
transmitidos por hereditariedade, quando floresce a época das facilidades ções e pensões 150.Em 1718, os Charost, Luxembourg, Berwick e Ségur
do Regente: em 1717, Filipe d'Orléans':" cede sucessões do capitão dos conseguem para os filhos as boas sucessões de governos provinciais ou de
guardas, grande falcoeiro, camareiro-mor, capitão da cavalaria ligeira, representantes gerais (Picardie, Normandie, Limousin, Foix151).
primeiro-fidalgo camareiro e grande caçador de lobos, tudo sendo daí em Certamente Luís XIV era mais reticente do que veio a ser seu sobri-
diante destinado a passar de pai para filho, mesmo quando o descendente nho o Regente em conceder a hereditariedade (momentânea) dos cargos.
nem tinha doze anos! Tais favores "abrem a porta a todos os filhos pelas Mas Filipe revela-se flexível a respeito do assunto e junta deste modo os
sucessões de seus pais". Os Rohan, os La Trémoille, os Chaulnes e outros grandes aristocratas a seu governo. Ele consolida a sociedade das catego-
mais obscuros beneficiam-se dos favores do governo. Na mesma época, e rias: à ordem "eterna" das linhagens, justapõe uma segunda classificação,
às vezes em favor das mesmas famílias, concedem-se e aumentam-se os fundada na longa duração dos grandes empregos embora menos persis-
lucrativos decretos de retenção: eles proporcionam ao cargo de honra as tente que para as transmissões plurisseculares da qualidade nobre ao lon-
consistências financeiras indispensáveis; eles permitem eventualmente le- go dos troncos masculinos. Essa outra classificação diz respeito aos cargos
gar o valor dado em troca disso aos descendentes, na falta de legar o pró- honoríficos e, apesar disso, lucrativos. Dentre as dinastias mais persisten-
prio título!". No rastro ou na fornada de hereditarização dos cargos, Filipe tes sob esse ponto de vista figura aquela, já mencionada, dos Beringhen:
cede também a sucessão do capelão do rei aos Maulevrier, sem dúvida partindo muito de baixo, eles têm sua origem num imigrante do ducado
não de pai para filho, mas de tio para sobrinho. de Clêves no qual o filho, o neto e dois bisnetos terão sucessivamente o
Essa torrente de favores encontra seu equivalente em 1721 para os cargo de primeiro-escudeiro a partir de 1645, e até Luís XIV adulto e sob
Beringhen (cargo de primeiro-escudeiro transmitido de pai para filho Luís XV152.
primogênito, depois para filho mais novo, e avaliado em 400 mil francos Mais notável ainda é o caso dos preceptores dos reis e seus filhos legí-
mais o direito de usar a veste justa azul bordada). E os d' Antin ficam tam- timos: o marechal de Souvré, preceptor de Luís XIII, a Sra. de Lansac (fi-
bém muito felizes de obter o cargo lucrativo de superintendente das lha de Souvré), preceptora de Luís XIv, a marechal a de La Motte, neta da
Edificações, transmitido diretamente dos avôs para os netos!". Em 1722, Lansac e preceptora dos filhos, netos e bisnetos de Luís XlV, a duquesa de
os Courtenvaux, que são na verdade os Le Tellier-Louvois, chegam igual- Ventadour, filha dessa marechal a e sucessora de seu cargo de preceptora,
mente à sua felicidade: um de seus bebês masculinos recebe no berço, pela a princesa de Soubise e a duquesa de Tallard, respectivamente nora e neta
morte do pai, o cargo, já de facto familiar, de capitão da guarda, herdado da Ventadour e suas sucessoras por sua vez, formam ao todo sete gera-

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e.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS
SISTEM A DA CORTE

ções, das quais cinco ativas de preceptores e preceptoras dos filhos legíti- mortos ou feridos mortalmente; o mesmo acontece com um La Ro-
:i
1\
!!
mos, entre os quais três reis e vários delfins':". Só a marechala e a Tallard chefoucauld e o marquês de Créquy, filho do marechal do mesmo nome,
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terão educado vinte e três filhos reais legítimos! Aqui aparece todo o va- genro do duque de Aumont e sobrinho (por afinidade) de Louvois, esses
i
"

deis do lado francês; o duque de Lesdiguiêres é apenas ferido e o rei da


I' lor da sucessão através de linha feminina, sendo que o prestígio das linha-
l' Espanha, neto de Luís XlV, expõe-se corajosamente. Em Cassan (1705),
I: gens apenas masculinas, freqüentemente mais breves, vai mascarar para
li nós sua notável eficácia, se não a encararmos, por si própria. cinco oficiais conhecidos na Corte ou membros desta são mortos, entre
I;'
!:i
Os valores nobres que constituem a categoria não derivam somente eles um Choiseul-Praslin: ''Assim perecem, em tarefas comuns, dignitá-
I~
da linhagem, mas também simplesmente da coragem ou do "valor" mili- rios de renome+"." Na batalha de Turin (1706) morrem quatro oficiais
:1
tar. O sangue recebido chama o sangue derramado. Norbert Elias fala com ligados à Corte (total de 1.500 mortos franceses), entre os quais Mursay,
1 facilidade de "civilização" ou de aculturação dos guerreiros, por isso mes- "inábil, tolo e inepto", parente e protegido da Maintenon, esse parentes-
i,1
mo mais "civis". Quer ,dizer com isso que o cortesão é um herdeiro dos co sendo sem dúvida circunstância agravante aos olhos do impiedoso Saint-
guerreiros da Idade Média, mais suavizado pela nova "civilização dos Simon159• Em 1705, o príncipe de Hesse Darmstadt, que era apontado-
costumes", que perdeu um pouco de sua rudeza combatente e ganhou em por certo erradamente - como amante da antiga rainha da Espanha, é
modernidade. Ora, essas visões não são de todo incontestáveis. De fato, morto em Barcelona, nas colunas inimigasl'". Um Nangis, amante plausí-
sob Luís XlV, a nobreza da Corte é seus aparentados se deixa matar gene- ~el, desta vez, da duquesa de Bourgogne, também conhecida como a "fu-
rosamente nas fronteiras. Éla é infinitamente m ais militar ou guerreira do tura" rainha da França, e nomeado desde então marechal da França, passou
que o eram alguns fidalgos não cortesãos da Renascença (pois a atividade a ser também, em sua juventude, um herói de guerra 161. A façanha amoro-
da Corte foi, desde o fim do século Xv, associada positivamente ao cres- sa caminha lado a lado, ao longo da biografia "nangissiana", com o de-
cimento de fatos guerreiros de tipo modemo-"; bem freqüentemente os sempenho do combatente. Citemos ainda um Rupelrriunde, um Lautrec e
nobres menos importantes dos bosques se "escondiam" em seus solares um príncipe d'Elbeuf162 (Lorrains), mortos no "campo de honra"?", e tan-
para escapar do serviço do rei: o caso do Sr. de Gouberville, por exemplo, tos outros ... O duque de Chevreuse perde na guerra seu filho, Montfort,
esclarece a esse respeito). e seu genro, Morstein filho=", o duque de Beauvillier, seu cunhado
De fato, uma vista rápida da obra de Saint-Simon não deixa nenhuma Marillac!", Em Chivas, sobre o Pó, em 1705, Marcillac, antigo ajudante
dúvida sobre os riscos militares que os cortesãos tomam: o marquês de de campo do marechal de Villeroy, é ferido dez vezes, das quais uma no
Beaumanoir, genro de Noailles e tenente-general da Bretagne, morreu sem ventre; suas mãos ficam estropiadas ou mutiladas'f".
deixar filhos, último de sua "raça" em 1703, na batalha de Spire+", mor- No fim das contas, uma boa parte da obra de Saint-Simon poderia
rem com ele um Choiseul-Pracomtal, protegido de Boufflers e da Main- ser resumida numa fórmula: "pegar em armas a sério", ou ainda, segun-
tenon, bem como genro do cortesão Montchevreuil, e por fim um príncipe do as próprias palavras do duque: "perigo de brincar com as armas"?",
de Hesse, nas hostes inimigas. O filho da marechal a de Clérambault pere- Não se brinca com a guerra! Nisso nosso autor só faz seguir o exemplo
ce em Hoechstaedt, é verdade, virando as costas ao exército inimigo, e de Castiglione que, em seu C ourtisan, insiste na formação militar do
com ele Blainville (o terceiro Colbert morto em serviço), Zurlauben, so- homem da Corte. Simplesmente, o italiano escreve à época dos últimos
brinho por afinidade do duque de Montausier, e La Baume, filho do in- torneios, e o francês no tempo dos primeiros exércitos burocráticos. Seus
competente marechal de Tallard':". Na batalha de Luzzara (1702), dois textos "militares" ressentem-se disso e nisso reside a diferença entre
príncipes lorenos, Commercy e Vaudémont, das classes imperiais+", são ambos.

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Além do combate de guerra, Saint-Simon continua apaixonado pelo não se justifica quando um dos dois personagens é covarde, e conhecido
duelo, cujas pesquisas recentes mostram que gozava de uma certa impor- como tal; caso no qual seu adversário não teria razão de lutar com ele. Tal
tância sob Luís XIV e mais ainda sob a Regência, apesar dos esforços sim- foi o caso do duelo malogrado entre o príncipe de Conti e Filipe de
páticos e algumas vezes em vão que desenvolvem seus admiradores para Vendôme, grande prior da França <; conhecido por sua covardia+".
cessã-los!", A partir de 1715, a morte do Rei Sol "faz renascer os due- Duas palavras sobre a questão da covardia. Para Saint-Simon, ela é per-
los169".Eles acontecem em pelo menos três exemplos: o jovem duque de sonificada pelas pessoas de que não gosta: o grande prior, essencialmente
Richelieu é mandado para a Bastilha como duelista; os duques que lá o covarde, emblemático, é bêbado (?) e de linhagem bastarda ainda que pes-
visitam pedem para ficar com suas espadas durante a visita, privilégio que soalmente nascido legitimamente; seu sucessor na Ordem de Malta será não
lhes é reconhecido em detrimento dos outros nobres. O duque e par espe- obstante um "outro" bastardo, filho do Regente!", D'Antin fica amedron-
cial, nessa circunstância, seria simplesmente "aquele que está ainda mais tado durante os combates de guerra'?"; ora, esse d'Antin é por outro lado
armado do que os outros nobres"?",« que pode conservar sua arma onde amigo e meio-irmão de bastardos, e também de bastarda (Senhora Duque-
os outros devem pendurá-Ia nos cabides do parlatório da prisão? Alguns sa). Como sempre, para o nosso autor, a ausência de uma virtude nobre (a
duelistas, segundo asqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
M em órias, divertem-se em meio a um festival de bravura) caminha lado a lado com as tendências à impureza bastarda, che-
degolas de aristocratas: o príncipe de Lixin (um Lorrain) mata o irmão de gando até à sujeira dos excrementos: um Bullion-Fervacques, covarde na
sua sogra por uma disputa sobre um ponto histórico sem maior impor- guerra e então condenado a tornar-se novamente togado, descende do grande
tância 171. O jovem duque de Richelieu, por sua vez, mata esse Lixin que financista Bullion, que trazia sempre com ele uma pequena caixa cheia da
havia criticado sua origem e por ter ousado desposar uma jovem da casa "m ... mais fresca" (sic). Essa história é certamente "exagerada" pelos cuida-
de Lorraine, cunhada de uma Bouillon. Essa morte ocorreu em 1734, no dos de uma tradição mais ou menos exata como a redolheu ou a "melho-
início de um cerco de Philipsbourg onde morre - mas não em duelo - rou" Saint-Simon, mas ela é muito mais significativa: linhagem covarde,
uma outra figura importante, Berwick. Um conflito bem anterior, em 1716, linhagem suja ou impura 179. De qualquer maneira, a covardia como a cora-
levou Coigny a enfrentar Mortemart. Como último caso de Richelieu fi- gem são um fato da natureza, consubstancial ao patrimônio genético de um
lho, Saint-Simon manifesta na ocasião sua amizade a Coigny!", No fun- personagem'ê", exatamente como é ou deveria ser "genética" a nobreza de
do, os duelistassó lhe parecem culpados quando têm "pouco prestígio", raça. Essa reaproximação não é casual: a pessoa nasce brava ou covarde
ou seja, são de família togada'?", o duelo, em compensação, é restrito aos para a guerra, como se vem ao mundo de sangue azul; ninguém pode fazer
importantes. Em 1716, no confronto jonzac-Villette'?", Saint-Simon ma- nada sobre isso.
nifesta sua compreensão às famílias dos dois jovens: por questão de hon- A aversão saint-simoniana à covardia se faz acompanhar, "por outro
ra, elas os obrigam a se bater um contra o outro, ainda que eles não o lado", por um profundo desdém pela mímica extrovertida de coragem,
quisessem de maneira alguma. pela fanfarronada e a valentia dos gascões, mais próximo do "palavrório"
Saint-Simon, pessoalmente, não tem nada de um soldado heróico. A que do agir: é, segundo ele, o lado ruim do duque de Orléans, "fanfarrão
tal respeito, continua portanto fiel à memória do pai: este se bateu em de crimes"?", mas que também se conserva um personagem positivo e
duelo contra Vardes e chegou ao ponto de feri-lo com uma cutilada!". Ao simpático. É sobretudo o que produz o ódio saint-simoniano contra Villars,
narrar a aventura, Saint-Simon qualifica o pai e Vardes como "bravas pes- cuja fanfarronada é levada às últimas conseqüências e cuja magnificência
soas que se afastam civilizadamente" depois de terem faltado pouco para de "gascão" mal esconde uma extrema avareza+". Frente a esse homem, a
se estriparem. O duelo, segundo a ideologia implícita de nosso autor, s6 crítica, uma vez mais, não é inocente: no fundo, a censura essencial que

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SISTEM A DA CORTE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

Saint-Simon dirige a Villars, o exibido, é de ser protegido pela Maintenon cedoresl89• Os devotos, entre os quais Chevreuse e Beauvillier (sogro de
e, no fim da vida, ligado ao duque de Mainel'". Villars pai, nesse ponto, Mortemart), querem antes de tudo que sejam pagas "por razão de cons-
"era um pouco melhor" que seu filho, o marechal: certamente ele era pie- , ciência" as dívidas ducais "aos comerciantes e aos operários que sofrem".
doso e corajoso mas de origem simples, amigo da Maintenon, e promovi- Saint-Simon, ao contrário, adverte de novo a Beauvillier "como a honra
do indevidamente à ordem do Espírito Santo!", está interessada em pagar prontamente as dívidas de jogo e como o
Voltando a d' Antin, é de se notar que Saint-Simon chama igualmente mundo é inexorável a esse respeito". A preocupação aristocrática (a
esse personagem (efetivamente meridional por suas origens) deqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
G ascão'ê", honra) entra em conflito, bic et nunc, com as motivações cristãs (a cons-
D' Antin é duplamente errado com relação ao verdadeiro aristocrata - já ciência). A situação pejorativa de Mortemart nesse assunto, e mais ge-
que é culpado ao mesmo tempo de incapacidade (covardia) e de exagero rálmente nas M em órias, decorre também do que ele denunciou ao setor
(gasconismo). Uma gasconha do interior e bastante atrasada une o delfinato ~ominante da Corte a tripla hostilidade de Saint-Simon às princesas
de Villars ao sudoeste no qual se origina, por seus ancestrais paternos, o lórenas (maintenonianas), aos Soubise (simples cortesãos de Luís XIV) e
duque d' Antin. por fim 'a d' Antin, culpado de ambicionar o ducado de Epernon ao qual
Guerras e duelos lembram as questões de honra. Esse sentimento ou seu lugar normal nas categorias não lhe dá nenhum direito. Além disso,
'código, como se queira, é típico da segunda ordem da nobreza; típico tam- Mortemart é um flagelo para a continuidade de sua linhagem nobre: sua
bém, segundo MontesquietÍ, da sociedade de categoriasl'" em geral (ve- mulher sofre um aborto quando sua dívida de jogo é anunciada. Toda a
jam os trabalhos de Yves Castan sobre a importância do ponto de honra diplomacia de Saint-Simon não será excessiva para conservar para
entre os plebeus meridionais do Antigo Regime, conservadores de uma Mortemart filho o lugar de primeiro-fidalgo camareiro do rei, que seu
cultura hierarquizante; esta refere-se ao modelo ibérico, abstração feita pai, por loucura, tinha arriscado perder '?", 1 I

dos Pireneus entre os dois). Ahonra leva uma alma bem-nascida'F a des- O jogo, para Saint-Simon, implica o mais elevado ponto de segrega-
denhar os subornos ... pelo menos quando eles são muito visíveis. Pode ção, característica da sociedade de categorias. Um dia, nosso autor e o
também, por ser inconstante, induzir momentaneamente certas pessoas a duque de Chevreuse entram sem avisar na casa do duque de La Ro-
recusar um cargo de honra, porque ele não convém, justamente, às dispo- chefoucauld e o encontram jogando xadrez com um de seus empregados.
sições momentâneas da verdadeira honra, tais como essas pessoas as con- Surpresa! Vergonha para os três duques!"! Era preciso ser um La Ro-
cebem 188. A duquesa de Saint-Simon, por exemplo, tenta (em vão, por sinal) , chefoucauld "vítima dos seus empregados" para decair assim.
evitar em 1710 um lugar de dama de honra da duquesa de Berry, lugar Um Importante, cuja origem ilustre decorre do acaso do nascimento,
que conviria, segundo a esposa do memorialista, a uma mulher (que fica) deve compensar esta eventualidade primordial com jogos que não são de
de pé mas não a uma mulher sentada como é Marie-Gabrielle de Saint- puro azar e requerem habilidade ou inteligência: Dangeau faz fortuna ho-
Simon, titular de um banquinho na Corte. nestamente por sua aptidão nada ilegal para os jogos a dinheirot=,
O amor pela honra manifesta-se num outro passatempo da Corte: oA Çhamillart obterá por mil razões seu ministério, mas também, entre ou-
j o g o . Ele se choca, como no caso do duelo, com os princípios cristãos tras, graças às boas relaçôes'P que lhe traz sua habilidade no bilhar!". Em
desde o momento em que um cortesão (portanto antijogador) quer as- c'Gmpensação, os jogos de cartas conhecidos como de puro azar (biribi,
sumir esses princípios totalmente. Antagonismo, então, entre os dois f~raó, bassete ... ), em que alguém se limita a manusear as cartas, são
sistemas de valores: o duque de Mortemart perdeu cem mil francos jo- malvistos e freqüentemente proibidos (pelo menos em tese). Os marechais
gando; ora ele fica, a partir de agora, muito endividado com seus forne- dê França, guardiães supremos do tribunal da honra, estabeleceram até

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SISTEMA DA CORrE A HIERARQUIA E AS CArEGORIAS

que não se está obrigado a pagar dívidas originárias desse tipo de distra- Em compensação, outros títulos perdem seu prestígio pelo habitual
ções!". Mas as dívidas contraídas em jogos mais honrosos podem condu- processo de inflação, que os faz perder importância sem desvalorizá-l os
zir, por falta de pagamento, ao suicídio, ou pelo menos ao exílio, quando totalmente: o Regente acabará, apesar de Saint-Simon, por conceder o tí-
se é um bom fidalgo!", tulo de M ajestade ao rei da Dinamarca, e o de Altas Potências aos Estados
O jogo pode até causar a morte!". Inversamente, a morte, como é Gerais das Províncias Unidasê'". O duque de Lorraine, por uma estranha
normal, suspende o jogo: Saint-Simon escandaliza-se com aqueles que nas depreciação quanto à majestade da coroa francesa, obtém também pela
mesas de jogo de Marly retomam muito depressa sua atividade depois das fraqueza do Regente, profundo o título de Alteza real, êxito negado contu-
mortes de Monsieur, de Monseigneur, do duque de Berry, do duque e da do a outros príncipes (dinamarqueses, suecos ou florentinosjê'". Inversa-
duquesa de Bourgogne!", mente, alguns príncipes pouco poderosos conseguem subir pela ablação e
Parar de apostar, para um príncipe, é uma pequena decepção, mesmo não pela adição de uma parte do título! O eleitor da Baviera, por exem-
quando se tem a desculpa de poupar com o fim de construir: Monseigneur plo, consegue se fazer chamar Eleitor, apenas, e não Senhor Eleitor: uma
"era outrora um inveterado jogador que só gostava de ganhar, mas, desde destitufáção, de qualquer maneira, mas quão gratificante! Isso o aproxi-
que começou a construir, ficava assobiando num canto do salão de Marly ma de um rei, já que não se diz nunca Senhor Rei (nem Senhor Impera-
e tamborilando com os dedos na 'sua tabaqueira, ele arregalava os olhos dor, nem Senhor Papa), mas o rei, o imperador ou o papa, simplesmente-?'.
para uns e outros sem quase olhar, sem conversas,sem distrações, eu diria Em compensação, no estágio imediatamente inferior, o hábito de dar aos
até que sem sentimentos e sem pensamentos'P?". príncipes de sangue, especialmente aos Condé, títulos tais como Senhor
Príncipe, Senhor D uque e Senhor C onde só começaria com as guerras de
Voltemos, depois dessas questões de honra e de jogo, ao vasto domí- religiâoê'", O título de "Monseigneur" por extenso fdi sempre bastante
nio dos símbolos semânticos e materiais das categorias. No que diz res- empregado, mas oralm ente, entre os leigos, ele é em seguida passado (por
peito àsqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
palavras que definem ou assinalam os títulos, alguns se distinguem motivo de usurpações sucessivas) do Grande Delfim, filho de Luís Xrv,
por sua pontuação: as filhas legítimas, por exemplo, são chamadas de para os príncipes de sangue, depois para os bastardos, e mesmo para os
M adam e, simplesmente, ou Madame, vírgula (como M adam e, duquesa de comandantes de exércitos nas provínciasê'"! Os próprios bispos, a partir
O rléans, a qual é filha legítima por seu casamento; e não madame a du- da metade ou do fim do século XVII, são "monsenhorizados", e esse novo
quesa de Orléans, título que só valeria para uma "simples" neta Iegítimaõ". título ficará com eles por longo tempo. Saint-Simon conservou todavia,
Um rei (ou regente) da França não utiliza, ao dialogar as referências do como ele afirma, a integridade arcaizante de só chamar de Monseigneur
parentesco muito próximo (m eu tio, m eu irm ão, m eu sobrinho) senão no aos filhos de reis207 • Mesmos processos de inflação em Madri: Excelência,
quadro de uma consanguinidade muito próxima (irmãos, sobrinhos, pri- no começo, era reservado aos Grandes da Espanha e aos embaixadores
mos-irmãos); isso permite a Sua Majestade colocar à parte os portadores estrangeiros; a palavra será prostituída em seguida para grande número
do mais precioso sangue dinástico da França (a "Coroa-?' O), em contraste de senhores mais comunsê'".
com os parentes mais afastados (príncipes de sangue) aos quais o rei se Pode-se ver nesses exemplos diversos, como faz o nosso duque, uma
dirige titulando-os, e que fazem apenas parte da "casa reinante". O me- desvalorização geral dos símbolos; mas isso indica também, mais basi-
lhor título para um personagem muito bem situado seria, frente ao rei, camente, que os títulos têm uma história. Ela ilustra o princípio hierár-
não ter nenhum, e ser tratado por ele, simplesmente, de m eu tio ou m i- quico que entretanto a transcende. Mesmo a supressão pura e simples
nha prim a. de um título é ilustrativa. Pode-se vê-Io bem quando Luís XIV retira dos

8 oihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 8 1
i

SISTEMA DA CORTE A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

CondéihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O título de Senhor Príncipe: o rei não age assim para humilhar A cabeça: dos Grandes, em certas condições podem permanecer co-
seus primos da mais alta nobreza, mas para exaltar, ao contrário, as bertas diante do rei217: em Gênova, Filipe V, a exemplo de Carlos V, trata
qualidades de primeiro príncipe de sangue; a conjuntura quer simples- o Doge de Alteza, e faz mesmo com que alguns senadores se cubram-".
mente que eles sejam, de agora em diante, destinados aos Orléans e não A m ão: "entre dois senhores de nível desigual, C e D, este (D) que
mais aos Condé, em conseqüência das multiplicações genealógicas do recebe o outro, e que por hipótese é inferior, deve dar a seu convidado
"sangue" reaP09. (C) o lugar de honra", sentado à (mão) direita de D. Isso se chama dar a
Os símbolos materiais da categoria são em primeiro lugar triviais: na preferência 219 • Um embaixador, por exemplo, "tem preferência junto aos
Espanha, o azeite de oliva e o vinho são excelentes nas casas dos senho- príncipes de sangue: ou seja, estes lhe cedem a direita, por ser ele o repre-
res, mas medíocres em outros lugares por causa da indolência das pes- sentante de um soberano ou de uma potência amiga+?".
soas?", E é somente na casa de alguns Grandes de Espanha-!' que se come O assento: já observamos a gradação das poltronas, cadeiras e ban-
o melhor presunto do país, feito de porcos alimentados com cobras (o quinhos. Acrescentemos simplesmente, a respeito disso, que os graus su-
cúmulo da impureza e da maldade, ao máximo da Grandeza!). Mais rigo- cessivos quanto às "posições sentadas" não são específicos apenas da realeza
rosa é a distinção material que se efetua em 1709: o rei da França obriga nem mesmo de seus mais próximos. As pessoas mais qualificadas cedem a
'os Importantes a cederem suas baixelas de prata à Casa da Moeda; e dá a poltrona ou tal assento ao rei e às pessoas de mais prestígio de seu grupo.
estes sua baixela de ouro. DOeagora em diante, o rei e a família real come- Mas esse assento, elas exigem utilizá-Io, por sua vez, frente a seus inferio-
rão em baixelas de prata douradaqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(verm eil) e de prata; os príncipes de res: "Saint-Pierre era no máximo um pequeno nobre, da baixa Normandia,
sangue, nas de faiança-", apesar da "sujeira da terra" (a idéia de sujeira que nunca tinha se sentado diante da velha duquesa de Ventadour, mãe
afIora, na ocasião, com a noção de hierarquia materialj-". Objetar-se-á da marechala de Duras, quando ia cumprimentá-Ia lem Sainte-Marie da
que se trata de uma situação excepcional, devido à crise financeira de 1709. qual ele era vizinho'?'."
Mas outras "matérias" classificam também permanentemente a degrada- Por fim, última extremidade do corpo, e em certos casos princípio de
ção das categorias: nos bailes da corte da Espanha, as mulheres dos Gran- separação quase absoluta: oAp é . O da rainha da Espanha é sagrado; nin-
des sentam-se sobre veludo; as mulheres de seus filhos primogênitos (mas guém poderá tocá-lo. O duque del Arco, homem do presunto de cobras e
ainda não "Grandes"), sobre cetim simples ou adamascado-", favorito de Filipe V, foi bastante feliz por liberar o pé da rainha, preso no
Esse exemplo espanhol, do gênero "têxtil", vem de muito alto; num estribo de um cavalo a galope de cima do qual ela havia perigosamente
registro análogo, a "alta Espanha" pode assim jogar com a poltrona, o caído ao chão. Esse grande senhor e salvador hábil teve a elegância de se
tecido, e o "comer com" (ou não). Na corte de Madri, os infantes têm refugiar em seguida num mosteiro e ali esperar os "perdões" reais por
uma poltrona (mesmo em cerimônias diante do rei e da rainha); este as- violação do tabu do pé; eles foram logo concedidos por Filipe V. O men-
sento é sempre de uma forração menos rica do que a do monarca; "é ver- cionado tabu explica também - outra conseqüência - a quase solidão
dade que em público os infantes não comem de maneira nenhuma com da rainha da Espanha no breve momento em que ela coloca seu sapato:
Suas Majestades-v". As exigências da hierarquia passam na frente do que este momento pode aliás ser aproveitado para lhe passar, rapidamente,
seria, nos meios mais inferiores, a expressão familiar normal do viver e alguma mensagem que será levada pela criada de quarto ou a ç a f a t a , men-
do comer em família. sagem aceita por ocasião dessa cerimônia privada na qual a "doméstica"
Podem-se enumerar também os sinais de honra em relação às partes está inevitavelmente presente-", Numa ordem de idéias diferente, o pé
do corpo-",EDCBA serve ainda para um uso honorífico: é batendo com o pé que os guardas

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SISTEM A DA CORTE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA A HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

do rei de França saúdam um duque ou par de passagem, enquanto vão até exemplo, a família próxima do monarca está presente, e come, ainda que
o "apresentar armas" para os príncipes de sangue e para os capitães dos a alguma distâ,ncia; esse grupo inclui os filhos e netos reais, masculinos e
guardas-" . femininos228• E o primeiro círculo. Nas bodas da família do monarca, os
Do pé para a boca, não deixemos de mencionar osqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
beijos (de etiqueta) príncipes e princesas de sangue são convidados para a mesa: eis o segun-
das rainhas da França ou daquelas que o poderão ou poderiam tornar-se: do círcul0229• Na guerra, enfim+", mesa do rei em campanha é muito
â

entre elas, citemos a nora e a cunhada de Luís XIv, também conhecida mais amplamente aberta; mesmo neste caso, ela se restringe às sumidades
por duquesa de Bourgogne e Madame Palatine. Esse beijo recebido e acei- privilegiadas da aristocracia militar e aos Importantes (duas expressões
to define pela separação que ele estabelece o círculo dos Importantes e de que, no caso, são sinônimas). Ou seja: família real próxima e menos pró-
suas esposas, à exclusão de suas filhas ou outro qualquer; os Importantes xima, duques, marechais de França, capitães dos guardas do corpo (por si
que podem assim "beijar Madame" incluem os príncipes de sangue, os mesmos, altos dignitários), mais alguns heróis da batalha em curso. Mas,
duques, os Grandes da Espanha (desde 1701), os oficiais da Coroa, os "como por acaso", esses guerreiros heróicos saem sempre de famílias muito
marechais de França de volta de uma campanha, e os embaixadores. Em boasou desfrutam por todos os modos, simultaneamente, de um posto
compensação, na presença do rei, a rainha, atual ou futura, não beija nin- militar elevado e de uma origem nobre. Ainda aqui a origem é mais im-
guém224• A proibição é significativa! Na ausência do rei, a delfina é portante que o posto. O clero está excluído dessa mesa de guerra, salvo os
"beijável", porque ela não figura na ocasião senão como uma emanação cardeais e bispos-pares (porque eles são príncipes ou duques também).
do monarca, que está momentaneamente fora de alcance; essa norma Enfim, a toga, mesmo a mais importante, seja do Parlamento, seja do
deriva da regra que considera que marido e mulher sejam uma só carne Conselho, nem pensaria em comer com o rei: quando muito as mulheres
- a esposa ou a nora mais velha tornando-se, em tal circunstância, a re- dos altos magistrados podem ter a honra de servir a delfina, adulta ou
I
presentação das majestades do esposo real, o qual está provisoriamente criançaê".
ausente. Não cabe lembrar aqui as precedências dos beijos nos meios bur- Esses círculos de mastigação contribuem, melhor do que um longo
gueses, muito abaixo ou aquém da Corte ou da aristocracia: conhece-se o discurso ou um grande número de textos, para definir a pessoa do rei e os
famoso "Eu o beijaria, papai?", de Moliêre. postos laicos mais elevados, em suas relações recíprocas. Em primeiro lugar,
A boca beija .... e come. A mastigação dá lugar aos ritos de separação, parece que a entidade real permanece à margem do sagrado; ela investiu
cujo sentido é ambíguo. Relativamente à convivência, a alimentação liga e o coloniza, mas não está mesmo, com toda certeza, situada no coração
do mesmo modo que separa-", Em princípio, o rei come sozinho ou, pelo deste. O fato de que os eclesiásticos (salvo se são os homólogos estritos da
menos, isolado. "Fora do exército-", o rei nunca comeu com outro ho- Grandeza laica - princi pesca ou de pariato) sejam excluídos da mesa real
mem, em qualquer caso [salvo exceção de festa nupcial]." Quando o jo- é significativo. Essa separação, longe de os rebaixar, os eleva. O rei não se
vem duque d'Anjou, em 1700, torna-se Filipe V da Espanha, ele começa sente de maneira alguma superior ao sagrado. Muito pelo contrário! Luís
imediatamente a comer isolado, e até a assistir à missa quase sozinho, afas- XIV reconheceu inúmeras vezes sua inferioridade ou sua obediência, no
tado dos seus irrnãosê", Além de tudo, a missa é antes de tudo uma refei- plano espiritual, frente à Igreja. Digamos que, como "o que cura as feri-
ção (eucarística). De uma maneira geral, vários círculos de convivência das" (segundo a crença do imaginário popular da época, o rei tinha o poder
mastigatória se desenham entretanto ao redor dessa solidão de princípios de curar as chagas por ele tacadas), o monarca tem um pé ou as mãos nas
- tal como no caso dos beijos de etiqueta. Pois beijar é um pouco comer, coisas sagradas, mas não mais do que isso. Ele se situa à porta do sagrado
é comer alguém metaforicamente. Na grande refeição de Luís XIv, porEDCBA ou, se preferirmos, ao pé do altar. A desvalorização parcial do sagra-

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do desde o fim da Idade Média diminui, aliás, o papel do rei como "sacer- gens dos cardeais, dos embaixadores e dos Grandes, em tudo e por tudo-".
dote". Quando muito, podemos dizer que o rei permanece, entre outras, Os cardeais, repetimos, são príncipes; eles são, pois, assimilados, lá como
uma simples imagem de Deus, mas sobre a terra; um "bispo do além". em qualquer outro lugar, aos Grandes da ordem leiga. Mas, em regra geral,
Em segundo lugar, a "mesa" do monarca coloca em evidência o san- os Grandes do clero como tais, ali~s de primeira ordem, bispos e mesmo
gue real, próximo (os descendentes de Luís XIV) e longínquo (os prínci- arcebispos, não têm direito às honrarias do Louvre, estando estas reserva-
pes de sangue); ela "acentua" em seguida a alta aristocracia curial e militar das aos principais da segunda ordem-", É bem normal: imaginar-se-ia em
(duques, marechais de França, baluartes do sangue azul e da coragem reu- outras situações "um bispo beijar a duquesa de Bourgogne"? Entretanto o
nidos etc.). Nesse sentido, o rei se situa resolutamente à frente da segun- chanceler Pontchartrain (mais flexível na matéria do que seu predecessor
da ordem e, o que dá no mesmo, na ponta da segunda função (nobre e Boucherat) abre seu pátio e seu "estacionamento" à aristocracia e ao alto
militar). clero, mas o fecha a toda a magistratura, mesmo que ela seja de alta hierar-
Os togados e os oficiais, quer sejam servidores do Estado ou parla- quia: é ainda uma maneira, para um personagem certamente menos impor-
mentares, são excluídos dos círculos da mesa. Esta rejeição é de grande tante que o rei, de colocar a um nível já bom a separação distintiva ou
alcance. Certamente o rei é primeiro-oficial em seu reino e chefe de uma exclusiva237.
burocracia mais ou menos centralizada. Mas, quanto aos símbolos de O exame das entradas, antigamente chamado de acesso ao rei, não daria
. honra, essa função burocrática passa a segundo plano: antes de qualquer resultados bem diferentes: as entradas principais, da frente e dos fundos,
coisa, o monarca é o primeiro fidalgo ou (teoricamente) o primeiro guer- são abertas aos mais altos oficiais da Corte e à família próxima do rei,
reiro de seu país, e ele condensa em suas veias o sangue mais precioso da legítima e bastarda. Elas se "cruzam" com os caminhos mais oficiosos do
aristocracia de espada. Essa preeminência do sangue (recebido ou derra- poder real: efetivamente, os titulares de entrada "pelos fundos" podem
mado) só é suplantada pela do sagrado, do qual Sua Majestade participa entrar nos gabinetes do monarca a qualquer hora, salvo no momento do
também, mas ligeiramente. a Conselho ou do despacho do soberano com um ministro-".
Ele é antes de tudo "rei da guerra"qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
oêl Menos
Cornette). prestigiadas, as entradas do quarto e do gabinete são usadas pelos prínci-
pes de sangue e pelos cardeais-".
Geograficamente, os titulares das dignidades mais elevadas acentuam a Fiquemos por enquanto na discreta entrada do fundo que fez a fortu-
pertinência dessas por uma "inscrição territorial". Em termos mais simples, na de um d'O, preceptor do conde de Toulouse, bastardo de Luís XlV.
eles fazem penetrar, à exclusão de outrem, suas carruagens na Corte do Esse "cargo" e os seguintes que ocupou deram a d'O "uma existência, uma
Louvre. Não se trata de uma faculdade imemorial: as hierarquias não são gorda subsistência, um contato continuado com o rei e privacidades e
fixadas ad aeternum , já que principalmente as carruagens são invenção re- entradas a qualquer hora, que não tinham nenhuma utilidade quando pela
cente-". O uso em questão remonta apenas à metade do século XVI233.Essas porta da frente, isto é, como aquelas dos primeiros-fidalgos camareiras
honrarias do Louvre pertencem, uma vez mais, ao círculo encantado da- do rei, mas que eram bem maiores e mais livres, podendo entrar pelos
queles que, por outro lado, têm o direito de comer (raramente) com Sua fundos, nos gabinetes do rei, a quase todas as horas"?".
Majestade, assim como de "beijar" as rainhas ou suas substitutas femininas.
Esse círculo inclui os príncipes de sangue, os duques, os marechais de Fran- Dizer que um ministro tem poder e que um príncipe de sangue ou um
ça, os oficias da Coroa e suas esposas-", Na Espanha, o palácio do Bom duque são desprovidos dele é simplificar a situação. Os grandes aristocra-
Retiro possui, também, um pátio especial reservado às entradas das carrua- tas aproximam-se do rei (pelas entradas, justamente); eles obtêm dele e

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de seus colaboradores os favores, as pensões e a possibilidade' de fazer


:e, principalmente quando este é apenas militar. Entre ser duque (sólida
dignidade dotada de um status hereditário) e tornar-se marechal de Fran-
lucrativos negócios financeiros-". Os duques de Chevreuse e de Beauvillier
. ' ça (poder armado mas puramente vitalício), uma alma bem-nascida não
ainda que não magistrados, dispõem de uma função de ministro, oficial
balança um instante: Harcourt, da mais antiga nobreza da Normandia
(Beauvillier) ou oficiosa (Chevreusej+". É verdade que ambos são genros . ..
"diz bem alto que seu alvo é ser duque, e que se ele soubesse com certeza
'
desse importante magistrado do Conselho que foi Colbert. Os descendentes
que iria tornar-se marechal de França, e jamais duque, deixaria o serviço
de outros duques, misturados às grandes linhagens de rnandarins-buro-
imediatamente e voltaria para casa248". Marechalato e ducado são um
cratas, fornecerão, por sua vez, sob Luís XIv, ministros com o mesmo valor.
pouco hoje como Collêge de France e Academia francesa, com a diferen-
Veja-se o caso dos Choiseul (aliados aos Bouthillier-Brülart, que saem eles
,ça de que aquele não é hereditário. Mas encontramos na ocasião a velha
!

próprios dos magistrados ministeriais mais típicos). Um Maurepas, mi-


questão entre a funcionalidade e os símbolos de honra.
nistro da Marinha sob Luís XlV, tornou-se simplesmente um alto dignitá-
Saint-Simon, a exemplo dos seus contemporâneos, estava chocado pela
rio como os outros, mesmo se ligado por seus ascendentes à linhagem dos
discordância entre, por um lado, a escala estatutária das categorias das
Phélipeaux-Pontchartrain, encarnação quintessencial do ministério dos
quais definia o~ sinais materiais ou simbólicos e, por outro, as graduações
primeiros Bourbons, Desde Luís XlV, os duques, na falta do poder de
do poder real. E verdade que a hierarquia opera uma distinção entre status
decidir, têm ao menos o de impedir, o-que não é negligenciável: Harcourt
e poder, mas ela deseja eventualmente que o que é estatutário se torne
e La Rochefoucauld, por exemplo, impedem abertamente Chevreuse -
forte. Esse o motivo das queixas do pequeno duque.
confrade ducal de quem não gostam - de entrar para o Conselho Supe-
Em primeiro lugar, queixas na direção dos ministros. Luís XIv, ao con-
rior, do qual nunca virá a ser membro públicoê'".
trário dos seus predecessores e de Mazarin, os escolheu quase exclusiva-
Além disso, os Importantes, se não têm uma ação direta e decisiva no
mente entre os altos togados "que decidem"; ele excluiu do seu Conselho
plano administrativo, conservam uma forte influência no domínio mili-
superior os príncipes de sangue, os duques e pares (exceto Beauvillier) e a
tar. Em 1693, entre sete novos marechais de França?", cinco são altos
aristocracia da espada ou da Corte. Os ministros estão muito abaixo dos
dignitários: Choiseul, Villeroy (inepto no plano militar),]oyeuse, Noailles
altos dignitários, pelo menos quanto ao simbolismo das categorias. Eles
e Boufflers. Da mesma maneira, na promoção dos dez marechais de 1713,
procuram adquirir um status comparável, no início indevidamente, de-
apenas dois, Rosen e Vauban, ainda que nobres-", não têm umqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
status se-
pois, legalmente, para se aproximarem dos ditos senhores (sobre os quais
não medíocre entre os fidalgos. Os outros oito têm origens (Harcourt) ou
detoda maneira eles "reinam com autoridade", até oprimirem os próprios
pelo menos alianças (Châteaurenault) que lhes faziam, como se dizia na
príncipes de sanguej-", Os ministros, em conseqüência, vestem o traje e a
época, a maior honra. E muitos entre estes ou aqueles servem e servirão
espada dos nobres-", Pela mesma razão que as esposas destes últimos, as
s
efetivamente nas guerras. Esse poder militar dos Importantes é, pois, in-
mulheres dos ministros, em certas circunstâncias, comem, perto do rei;
contestável, mesmo se, no fim das contas, eles sejam dominados pelos
elas sobem como as duquesas na carruagem de Sua Majestade. Os minis-
"paisanos" da nobreza recente e togada à Louvois-Barbezieux que exis-
tros "obtêm" também para os seus filhos os cargos honoríficos da Corte
tem em grande quantidade no Ministério da Guerraê". .
tass como chefe do guarda-roupas, segundo-sargento de cavalaria ou arti-
'
Perdura, portanto, uma distinção essencial a ser feita entre status e
lharía e capitão dos guardas do portão do rei; esse "comando" permite, o
poder, tão diferentes um do outro como a mão direita o é da esquerda-".
que já é alguma coisa, estar ao alcance da conversa com o monarca e de
No espírito dos contemporâneos, violentamente apaixonados pela hierar-
obter dele favores, inclusive os financeíros-". Assim os Chamillart, Colbert,
quia pura, o primeiro (status) prevalece sobre o segundo (poder), mesmo

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SISTEM A DA CORTE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA HIERARQUIA E AS CATEGORIAS

Demarets, Louvois-Le Tellier e outras linhagens ministeriais dotaram sua Isso vale também para os conselheiros de Estado: eles participam por
progenitura com tais cargos. direito dos diversos conselhos ou da maior parte deles; formam a "classe
a mesmo se dirá dos secretários de Estado, esses quatro subministros política" ou a "que decide" do sistema de Luís XIv. Seu grupo está bem
(como diríamos) encarregados cada qual de um departamento político- abaixo dos príncipes de sangue pelo nível, pelo prestígio e provavelmente
administrativo, mas que não participamqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ipso facto do Conselho superior. pela riqueza; que, em compensação, lhes é superior, quanto ao poder detido
a rei, escreve Saint-Simon, "estava acostumado a preencher os cargos com coletivamente, a diversos títulos, pelo conjunto dos conselheiros de Esta-
pessoas de pouco prestígio [leia-se: togados freqüentemente muito dis- . do. Estes são, pois, pequenos deuses, colocados acima da natureza huma-
tintos] para aproveitá-los como criados, se tivesse vontade disso, e para na e abaixo dos ministros, eles próprios vistos como deuses na terra+",
impedir que a autoridade deles não lhes trouxesse fortunas muito eleva- politeísmo hierarquizado ...
das [... ]. Ele jamais nomearia um dignitário para secretário de Estado=", Criam para todos eles a toga do Conselho, enobrecida em data recen-
Passamos por essa apreciação saint-simoniana, que não obstante é te, ou algumas vezes por antigüidade; alguns dentre eles, raros, chegam
corroborada por um texto saído de Luís XIV em pessoa: se o Rei Sol se . até a descender de famílias de espada honrosamente conhecidas desde o
vangloria efetivamente de dispor facilmente de seus ministros ou sub- fim da Idade Média.
ministros, já que eles eram de classe relativamente modesta, as causas de Estatutariamente, são poucos mas valem muito: só reconhecem a su-
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tais promoções não tinham senão esses motivos: na realidade, existia na perioridade, sem problemas, aos príncipes de sangue, cardeais, oficiais da
França o hábito de colocar toga dos nos cargos governamentais, devido às Coroa, duques e pares, e marechais. Em compensação, disputam a prece-
competências administrativas que lhes eram creditadas por suas ligações dência, pelo menos nos conselhos, às pessoas de qualidade não ducal, aos
com os nobres de espada ou de corte, considerados incapazes com ou sem tenentes-generais dos exércitos, até aos bispos e arcebispos; estes, certa-
razão. mente, não desejam nem tomar conhecimento de tais pretensões-", No
Tais secretários de Estado, "de pouco prestígio", que são pelo poder Conselho das partes, os conselheiros de Estado dispõem até de poltronas,
efetivo como quatro vice-reis estabelecidos acima do restante dos huma- pudicamente qualificadas de cadeiras de braço para distingui-Ias da pol-
nos, usurpam além disso os aspectos exteriores da qualidade e da catego- trona propriamente dita reservada ao rei, se ele se dignar a vir260•
ria: a exemplo de Louvois e de alguns príncipes estrangeiros, eles recusam A pretensão dos conselheiros de Estado de conservar a precedência
o uso de Monseigneur aos duques, mas o exigem para si próprios, epis- diante das "pessoas de qualidade não tituladas" (nobiliárias, mas não
tolarmente, pelas pessoas importantes que não são duques ou príncipes-". ducais) seria recente e remontaria apenas a 1714. Ela testemunha, nesse
Eles se livram de sua antiga essência de incapazes tabeliães do rei, não caso, o espírito de luta pela ascensão desses homens e a sua vontade de
assinando mais nos contratos de casamento dos Importantes: dessa ma- fazer coincidir cada vez mais o estatuto simbólico com o poder real. Nes-
neira, tornam-se mestiços, ex-autoridades, fantasmas, tipos de pessoas de sa procura, os conselheiros de Estado encontram ainda assim defensores
corte e de condição-", Além disso, os secretários de Estado se consideram até entre os aristocratas mais ricos, como Noailles: ele julgava grotesca a
há muito iguais de fato aos duques e pares, a ponto de pensarem em casar afirmação de Saint-Simon segundo a qual os referidos conselheiros per-
com as moças da nobreza mais ímportanre-", Eles usam a espada, proibi- tencem na realidade ao terceiro estado (o povo) e deveriam então ceder a
da todavia aos togados+"; abandonam a capa, o colarinho de renda, o precedência a qualquer nobre, por mais baixa posição que este ocupe=".
hábito negro e passam a usar a roupa dos outros cortesãos, certamente de Apesar dessas tentativas da toga do Conselho para escalar a cascata
cor e de dourados mais sóbrios-". dos desprezos, o distanciamento continua muito grande, sob Luís XIv,

9 o 9 1
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I.:
I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
SISTEMA DA CORTE

entre o forte estatuto simbólico de unsqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


(os Importantes) e o forte poder
real dos outros (os togados superioresj-". O Rei Sol quis manter até agra-
var esse fosso, quando, desde o início do seu reinado pessoal, ao contrá-
rio de Mazarin, excluiu dos seus conselhos (com muito poucas exceções)
todos os Importantes quaisquer que fossem (de espada, de sangue, da Igre-
ja). Esse mesmo fosso ficará um pouco mais cheio sob Luís XIV, não
obstante o que pensava a respeito Saint-Sirnon, eterno frustrado. Pode-se
dizer que no tempo do Bem-Amado as idéias de Saint-Simon estarão par-
cialmente no poder, mesmo se o autor delas é excluído. A aristocracia da CAPiTULO 11 O sagrado e o profano
Corte e da Igreja invadirá os conselhos e os ministérios, aqui compreendi-
do o primeiro entre eles, e ocupará os cargos de secretários de Estado. A
toga do Conselho guardará com toda certeza posições consideráveis, prin-
cipalmente no Controle geral das finanças. Mas o distanciamento se re-
duzirá sem se acabar entre poder e status, o segundo doravante coincidindo
mais com o primeiro. A distinção entre essas duas entidades, tão típica
das sociedades fundadas na hierarquia, reaparecerá entretanto com toda
a sua força e de maneira paradoxal depois da Revolução Francesa: esta
privará a aristocracia de uma grande parte de seus poderes, mas não aca-
bará por muito tempo com o prestígio e a superioridade de facto do status
dos nobres.

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