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⎯ Idade da Imputabilidade Penal

O art. 19º CP dispõe que “os menores de 16 anos são inimputáveis”. A imputabilidade pode ser
definida como “a capacidade do agente, no momento da perpretação do facto, de avaliar a ilicitude do facto
ou de se determinar de harmonia com essa avaliação” – GERMANO M. SILVA.

Por razões de segurança e certeza jurídica era necessário um critério que marcasse onde começa a
imputabilidade (quando obviamente não estiver em causa a inimputabilidade por anomalia psíquica do art.
20º), tendo sido escolhido o critério etário por motivos de política criminal assentes num principio de
humanidade, pois pretendeu-se afastar o jovem do sistema penal que será excessivamente pesado nesta fase
precoce evitando simultaneamente a sua estigmatização (FIGUEIREDO DIAS) e principalmente por ser
aquele que melhor traduz o estádio de desenvolvimento da personalidade, resultando assim na presunção
de que até aos 16 anos não há ainda a “plena consciência da realidade envolvente, falhando a conexão
objetiva de sentido entre o facto e a pessoa do agente” – LEONOR S. FONTES

É na culpa que está o cerne da questão da imputabilidade em razão da idade. Qual a razão de estes
menores serem incapazes de culpa? Para podermos responder a esta questão não podemos deixar de referir
primeiro algumas das teorias existentes sobre este elemento subjetivo e a forma como este deve ser tratado.

A culpa consiste no juízo de censura individualizado feito àquele concreto agente pela sua atitude
expressa num determinado facto que mostra que ele se decidiu pela prática de um ato que viola as normas
legais quando podia não o ter feito. – ISABEL L. do COUTO

Não há pena se não houver culpa, uma regra que decorre diretamente do princípio da dignidade
humana em que não basta ter-se cometido o ilícito típico, tem ainda de ser culpado deste. – TAIPA de
CARVALHO

Para a Escola Clássica, a culpa assumia um papel irrenunciável no Direito Penal, pois toda a
legitimidade da pena radicava nela. Esta culpa fundamentava-se no livro arbítrio do agente, na liberdade
total que este tinha na sua atuação. Em absoluta contradição com esta construção clássica temos a Escola
Positiva que defende a atuação determinista do comportamento humano e consequentemente também do
ato criminoso, o criminoso não é culpado, mas sim perigoso. Assim, propõem a substituição da ideia de
culpa pela de perigosidade e a substituição da pena pela medida de segurança. – TAIPA de CARVALHO

De referir também a conceção psicológica da culpa em que a culpa era concebida como um simples
nexo subjetivo, sem qualquer juízo objetivo e em que havia culpa conforme houvesse dolo ou negligência.
Esta teoria foi substituída pela conceção normativa que fundamenta a culpa não na relação psicológica entre
facto e agente, mas sim na censurabilidade do ato, há aqui a ideia do livre arbítrio do agente que podia ter
optado por conformar a sua atuação ao Direito. Há ainda uma terceira teoria que defende a culpa também
em termos normativos, mas de uma forma mais radical, dizendo que a culpa não deve contemplar qualquer
nexo psicológico, pois isso será tratado no tipo de crime que será onde encontraremos o dolo e negligência.
– TERESA PIZZARRO BELEZA

Outro pensamento nesta matéria é a teoria da culpa pela não formação da personalidade de Eduardo
Correia. A inovação desta construção é o facto de incidir o juízo de censura sobre a personalidade do agente
ao invés da sua atitude no momento da prática do facto, ou seja, o agente é merecedor de culpa por não ter
formado a sua personalidade de acordo com os valores e normas legais como deveria. – TAIPA de
CARVALHO

Já Figueiredo Dias na sua teoria da culpa da personalidade deixa claro que o homem como o ser
social e moral que é tem o dever de saber o que é certo e errado e aquilo que pode ou não fazer. Se não
possui essa consciência significa um desleixo da sua parte no desenvolvimento da sua personalidade ao
longo da sua vida. O agente deve “responder pelas qualidades juridicamente desvaliosas da sua
personalidade”, sendo que estas são reveladas apenas no cometimento do facto ilícito, ou seja, há uma
verificação da culpa jurídico penal não por aquilo que o agente é mas pelo facto que cometeu. Na sua
conceção mais atual, a culpa tem como primeiro ponto de referência a liberdade do agente que tendo a
capacidade de atuar conforme o Direito não o faz, mas esta é uma liberdade que vai para além da
possibilidade de escolha, é a “liberdade de revelar-se, na inteireza da sua personalidade, no facto”. Toda a
culpa tem de ser referida ao facto. – ANA RITA ALFAIATE
Se repararmos em todas estas formas de tratar a culpa que foram surgindo ao longo do tempo, vemos
que assentam em conceitos como a formação da personalidade, a liberdade de atuação… Apesar de todas
as diferenças entre elas, todas têm em comum o facto de deixarem de fora os menores como suscetíveis de
juízo de culpa e consequentemente como imputáveis.

Ora vejamos, ser menor significa que ainda está em processo de formação tanto física como
psicologicamente, não podemos censurar os menores pela sua personalidade quando ela ainda não está
sequer completa. E é essa incompletude juntamente com outros fatores, nomeadamente biológicos, que faz
com que não possamos afirmar que os jovens atuam com total liberdade, são afetados por outras
condicionantes que não existem no caso dos adultos e condicionam o seu livre-arbítrio.

Foquemo-nos em fatores mais biológicos, comuns a todos os jovens independentemente de qualquer


outra condição. O estudo destes fatores mais “internos” serão aqui expostos com o objetivo de responder à
grande questão de saber se, de facto, o jovem tem capacidade de culpa, ou seja, se tem já a capacidade de
perceber na totalidade o alcance e as consequências dos seus atos assim como a capacidade para se
determinar de acordo com essa avaliação.

No nosso cérebro, o nosso sistema cognitivo e sistema comportamental amadurecem a ritmos


diferentes com a influência de processos biológicos comuns e outros independentes e é na adolescência que
as dificuldades em fazer essa coordenação são mais notórias, sendo muitos dos problemas sentidos neste
período fruto do desajuste entre estas estruturas reguladoras. Devido a essa diferença de ritmo de
desenvolvimento das várias estruturas e sistemas, pode-se dizer que a puberdade traz consigo mudanças
que chegam primeiro que a capacidade de o jovem conseguir lidar com elas. – STEINBERG.

Algo que é visivelmente diferente em jovens e adultos é a emoção, desde a sua intensidade até à forma
de lidar com ela. A adolescência é um período especialmente fértil em emoções como a ira, medo,
agressividade… e quanto mais fortes e imprevistas estas forem, maior será a probabilidade de se
sobreporem à parte racional e de o jovem não as conseguir controlar. O córtex pré-frontal é a parte do
cérebro responsável por funções como a avaliação situacional, ponderação de riscos, tomada de decisões,
planeamento futuro, comportamento social, entre outras. Esta estrutura cerebral vai-se desenvolvendo com
o tempo, sendo a que demora mais a amadurecer, e é já no fim da adolescência que há uma maior maturação
das redes neuronais que significa uma evolução das funções cognitivas assim como um maior controlo
sobre o sistema límbico responsável pelo processamento das emoções. Já o total desenvolvimento destas
estruturas reguladoras só se verifica após os 20 anos de idade, por isso, será correto concluir que os jovens
têm mais dificuldades em lidar com as emoções, pois não têm ainda a total capacidade para tal. – JOÃO
M.T. FERNANDES

Outra diferença que se destaca é a relação com o perigo e recompensa. Por força do desenvolvimento
incompleto do sistema cognitivo há uma predominância do sistema límbico que afeta diretamente a
capacidade de julgamento, de tomar decisões e de avaliar riscos. Pela participação bastante superior de
jovens em atividades arriscadas quando comparada com a de adultos, poder-se-ia pensar que estes possuem
poucas habilidades cognitivas, no entanto, tudo aponta para que adultos e jovens a partir dos 16 anos
partilhem as mesmas competências lógicas, mas a diferença das suas circunstâncias sociais e emocionais
originárias na diferença de idades, como a influência de outras pessoas e capacidade de controlar os
impulsos, faz com que os jovens sejam significativamente mais propensos a tomar decisões arriscadas.
Quer isto dizer que os jovens se envolvem em atividades de risco mesmo sabendo dos perigos envolvidos.
Não há uma ponderação entre riscos e consequências, sendo impelidos largamente pela emoção e
influências sociais, podendo isto ser explicado pela maior conexão entre o córtex pré-frontal com áreas do
sistema límbico. – STEINBERG.

Piaget fala da existência de várias etapas no desenvolvimento da capacidade psíquica dos jovens que
tem como critério idades mais ou menos determinadas. Já Chan Mora refere os 16 anos como o culminar
da formação da capacidade de abstração. Apesar destas indicações de que há de facto uma idade a partir da
qual já se tem algumas capacidades cognitivas, estes mesmos autores admitem que não é uma regra
universal, ou seja, esse desenvolvimento cognitivo é expectável a partir de uma certa idade, mas não ocorre
ao mesmo tempo para todos os indivíduos. Não há então nada que nos garanta que alguém pela sua idade
está já num certo nível de desenvolvimento, o máximo que conseguimos é essa margem de idade onde isso
se deverá verificar.
Só com o passar dos anos é que o sistema regulatório passa a estar sob o controlo das funções centrais
executivas, sendo este um processo longo que vai para além do período da adolescência. É especialmente
complexo e tardio o controlo total destas funções, levando a situações típicas nestas idades mais jovens
como mudanças rápidas de humor, controlo deficiente de impulsos... Todos estes fatores serão amplificados
quando combinados com a ausência de uma boa base familiar e outros aspetos sociais já mencionados.
Tudo isto reforça a ideia de que as más escolhas do jovem podem não ser inteiramente sua culpa, e por isso
a forma como são tratados e responsabilizados deve ter isso em conta.

Com isto sedimenta-se aquilo que acaba por ser visível para todos, que os adolescentes não são iguais
aos adultos, sendo essas diferenças mais do que justificação para o seu tratamento diferenciado a nível da
sua responsabilização. E não nos parece que alguém conteste essa separação, a grande dúvida é até quando
esta deve ir, ou seja, a partir de quando os jovens se tornam adultos e merecem ser tratados como tal?

A questão que aqui colocamos está longe de chegar a um consenso, isso vê-se pela discrepância das
idades definidas nos vários ordenamentos jurídicos. Estudos sobre esta temática já apresentam conclusões
e recomendações, diplomas internacionais também o fazem, mas a verdade é que não há ainda nada que
diga com clareza e certeza qual é a idade correta que deve ser adotada, resultando em que cada país defina
a idade e o sistema que lhe parece mais adequado, levando-nos a questionar se haverá de facto uma idade
certa para a imputabilidade penal.

Em Portugal, com a LPI a idade passa dos 14 para os 16 anos e assim se mantém até aos dias de hoje,
mas não por falta de críticas. Temos como posição minoritária a defesa de uma redução para os 14 anos,
sufragada por Taipa de Carvalho, que diz estarmos perante uma “ficção legal”, pois muitos adolescentes
com menos de 16 anos já têm a perfeita noção da ilicitude dos seus atos, não sendo assim verdadeiros
inimputáveis. Não deixa de reconhecer a pertinência das razões que justificam o patamar mínimo dos 16
anos, como evitar as consequências nefastas que uma condenação penal teria no jovem, propondo então a
existência de um regime especial quanto à pena concreta, ao modo e local onde esta irá ser cumprida,
semelhante ao que já existe para os chamados jovens adultos, mas mais próximo da LTE em termos de
cumprimento de pena. Seria no entendimento deste autor o melhor sistema, com as razões de política
criminal de igual forma asseguradas e não deixando de fora aqueles que no seu entender já não deverão ser
considerados inimputáveis. Algo que contribui para este entendimento é a excessiva mediatização de que
são alvo os delitos quando cometidos por menores, gerando o sentimento de insegurança da população em
geral que clama por um castigo mais severo destes delinquentes.

Uma posição que porventura terá mais adeptos é a que defende a passagem da idade para os 18 anos.
Destaca-se Anabela Rodrigues que argumenta que se deve nivelar a idade da maioridade penal com a civil,
pois é a partir daí que há um reconhecimento da integração político-social da pessoa. Diz ainda que
capacidade para avaliar a ilicitude dos seus atos, que reconhece que estes jovens já possuem, não é sinonimo
de capacidade de culpa, pois antes dos 18 anos a personalidade do indivíduo não está nunca formada e uma
personalidade em construção não pode ser considerada completamente contrária ao direito. O Direito Penal
caracteriza-se pela responsabilidade pelo facto, mas aqui teríamos uma responsabilização do menor por
aquilo que ele é, pois o que se pretende é educá-lo e ensiná-lo a ser um “ator social”, ou seja, alguém que
“integra uma inter-relação”, que vive em sociedade e tem de se submeter às suas regras. Deve ser mais o
menor a estar no foco do que propriamente o ato por si cometido, pois mais que punir há esta necessidade
de educar. Para esta autora a LTE já mostrou a sua eficácia cumprindo aquilo que se propõe, sendo então
esta lei uma boa alternativa ao processo penal, devendo-se por isso dar o passo de aumentar a idade - sendo
que este era um objetivo já previsto no momento de elaboração da LTE - aprovando, ao mesmo tempo, um
regime penal especial para jovens adultos que se poderá prolongar até aos 25 anos.75

Já Eliana Gersão recusa a ideia de um Direito Penal de menores e sugere a criação de uma “terceira
via” que se afastaria em termos de conteúdo do processo penal, mantendo apenas as garantias e direitos que
este assegura, e que se poderia prolongar até aos 21 anos. O essencial para esta autora é encontrar um
equilíbrio entre sanção e educação e entre os interesses do jovem, da sociedade e das vítimas, mostrando-
se favorável a intervenções como trabalho a favor da comunidade e sanções pecuniárias que sejam
adaptadas à situação do jovem.

Também Manuel Cavaleiro Ferreira se pronunciou preferindo a admissibilidade de “um período de


adolescência durante o qual a imputação dos factos dependeria da verificação em concreto do necessário
discernimento no momento de cometer o facto punível”, dizendo ainda que esse necessário discernimento
se alcança gradualmente no decorrer da infância e da adolescência.

Mais recentemente e seguindo esta linha de pensamento de que um jovem não passa a ser imputável
automaticamente ao atingir uma determinada idade temos Ana Rita Alfaiate, que criou o seu próprio sistema
de aferição de inimputabilidade. A autora traz-nos o conceito de “intellectus criminalis”, composto por uma
dimensão de conhecimento, outra de vontade e ainda uma de adequada modelação social do agente”. Cabe
ao direito tutelar fomentar a formação deste intellectus enquanto o Direito Penal o deverá moldar quando
este já esteja formado. Quando os três fatores referidos estão já presentes, mas não ainda completamente
formados, temos aquilo que a autora chama de imputabilidade sob condição. Nestes casos não temos apenas
a ausência dos elementos intelectual e volitivo para o dolo, mas também falta a capacidade de o jovem
perceber a sua relação com o Direito. Passaríamos a ter a noção de inimputabilidade absoluta de que
padecem todos os menores até aos 16 anos, e a imputabilidade relativa em que era necessário a verificação
da completude do intellectus criminalis, sendo essa verificação obrigatória entre os 16 e 18 anos. Terá sido
esta a forma encontrada pela autora para que haja um filtro e apenas seja submetido ao Direito Penal quem
o realmente deve ser.

⎯ Os juízes sociais (Lei nº 156/78, de 30 de junho)

⎯ As pontes entre a LTE e a LPCJP (art. 43º da LTE)

O art. 43.º não sofreu grandes alterações com a Lei n.º 4/2015, de 15 de janeiro, mantendo quase
integralmente a redação que resultava da sua primitiva versão (Lei n.º 166/99, de 14 de setembro). Na
verdade, apenas atualizou a terminologia usada na alínea b) do seu n.º 1, referindo-se agora ao suprimento
das responsabilidades parentais (em vez do denominado anteriormente poder paternal).

Visando a articulação do processo tutelar educativo com a intervenção em sede de promoção dos
direitos e proteção de crianças e jovens em perigo, prevê-se no n.º 1 do art. 43.º que em qualquer fase do
processo tutelar educativo, nomeadamente em caso de arquivamento, o Ministério Público participe às
entidades competentes a situação de menor que careça de proteção social; tome as iniciativas processuais
que se justificarem relativamente ao exercício ou ao suprimento das responsabilidades parentais; ou
requeira a aplicação de medidas de proteção.

Como escrevem A. M. RODRIGUES e A. DUARTE-FONSECA, no que diz respeito ao previsto


nas alíneas a) e c) do n.º 1, está em causa, no caso da alínea a), "sinalizar a situação do menor às entidades
competentes, que a apreciarão e actuarão", nos termos da LPCJP, ou seja, caberá às comissões de proteção
de crianças e jovens ou aos tribunais a referida atuação. Já no caso da alínea c), o Ministério Público "requer
de imediato às entidades competentes a aplicação de medidas de protecção, que aquelas aplicam" nos
termos da LPCJP.

Cabe ainda ao Ministério Público, nos termos da alínea b), tomar as iniciativas processuais que se
justificarem relativamente ao exercício ou ao suprimento das responsabilidades parentais.

O RGPTC (Lei n.º 145/2015, de 8 de setembro) consagra a iniciativa processual do Ministério


Público neste domínio. Este tem competência para requerer a regulação das responsabilidades parentais
quando os pais não o façam (n.º 3 do art. 34.º RGPTC) e a alteração do regime do exercício das
responsabilidades parentais em vigor (n.º 1 do art. 42.º RGPTC), bem como requerer a regulação das
responsabilidades parentais nos casos previstos no art. 43.º RGPTC (por exemplo, regulação das
responsabilidades parentais de crianças apadrinhadas civilmente quando os padrinhos cessem a vida em
comum). Pode, ainda, o Ministério Público solicitar a inibição - total ou parcial – do exercício das
responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos,
com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, se não
mostre em condições de cumprir aqueles deveres (art. 52.º RGPTC). Todavia, este pedido de inibição do
exercício das responsabilidades parentais fica prejudicado se, num processo de promoção e proteção
pendente, estiver promovida a medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º LPCJP (confiança a
pessoa selecionada para adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção) e até decisão
desta - art. 53.º RGPTC-, ou seja, o processo tutelar cível fica suspenso até à decisão no processo de
proteção. Na verdade, se o projeto de vida da criança passar pela adoção, a inibição será consequência da
aplicação daquela medida de proteção, sendo inútil o prosseguimento do processo tutelar cível relativo ao
pedido de inibição do exercício das responsabilidades parentais.

Além das já referidas iniciativas processuais, o Ministério Público tem também competências no
que concerne à fixação ou alteração dos alimentos devidos à criança (art. 45.º do RGPTC), à instrução dos
processos de averiguação oficiosa para investigação de maternidade ou paternidade (arts. 60.º e segs.
RGPTC) e no âmbito do apadrinhamento civil (art. 66.º RGPTC e Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro,
alterada pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro).

O art. 17.º RGPTC regula a iniciativa processual do Ministério Público estabelecendo que lhe
compete, inter alia, representar as crianças em juízo, intentar ações em seu nome, requerer ações de
regulação e a defesa dos seus direitos e usar de quaisquer meios judiciais necessários à defesa dos seus
direitos e superior interesse (n.º 2). O n.º 3 do mesmo preceito vem esclarecer que o Ministério Público está
presente em todas as diligências e atos processuais presididos pelo juiz, "clarificando algumas dúvidas que
se suscitavam a esse respeito no âmbito da O.T.M, por ausência de disposição nesse sentido, em particular
quando as partes estavam devidamente representadas por profissional forense" - TOMÉ D'ALMEIDA
RAMIÃO. Para este autor tal será um "simples corolário da atribuição dos poderes de representação das
crianças em juízo", sendo a sua inobservância cominada com nulidade processual, nos termos do art. 195.º
CPC, ex vi art. 33.º RGPTC.

A competência do Ministério Público neste domínio suplanta, assim, uma mera representação dos
incapazes (como lhe cabe nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 3.º do Estatuto do Ministério Público - Lei
n.º 47/86, de 15 de outubro, com as alterações subsequentes), sendo elevado à categoria de um verdadeiro
propiciador e afiançador dos direitos da criança e do seu superior interesse. Materializando-se, deste modo,
a obrigação do Estado na proteção da infância (art. 69.º CRP), assegurando o desenvolvimento integral da
criança, perspetivando-a não só como pessoa em formação, mas como um sujeito autónomo de direitos e
merecedor de máxima proteção.

Pode dar-se o caso de o processo tutelar educativo ser arquivado, atuando apenas as entidades
competentes no âmbito da LPCJP. Mas, a intervenção tutelar educativa pode ter que articular-se com a
intervenção de proteção, atuando até simultaneamente, implicando, por isso, uma articulação entre as
medidas a aplicar à criança ou jovem.

O n.º 2 do art. 43.º prevê até que, em caso de urgência, as medidas de proteção, referidas na alínea
c) do n.º 1, podem ser decretadas provisoriamente em qualquer fase do processo tutelar educativo, tendo
"competência para as decretar, nas fases de inquérito e jurisdicional, o ministério público e o juiz,
respetivamente, ou seja, as entidades a quem cabe a direção de cada uma delas" (A.M. RODRIGUES e A.
DUARTE-FONSECA).

As medidas de proteção aplicadas ao abrigo do n.º 2, sendo provisórias, caducam se não forem
confirmadas em ação própria proposta no prazo de um mês. Referem os autores citados anteriormente que
este caráter provisório justifica-se atendendo à especificidade da intervenção que as diversas situações dos
menores suscitam (crianças e jovens em perigo ou que tenham praticado um facto qualificado pela lei penal
como crime), e, consequentemente, da especificidade das respostas que devem ser dadas pelas entidades
competentes nas diversas áreas de intervenção.

Como referimos, a intervenção tutelar educativa pode ocorrer conjugadamente com a intervenção
de proteção, o que exigirá a devida articulação entre as medidas a aplicar à criança ou ao jovem. A questão
é a de saber como deverá ocorrer a referida articulação, atendendo aos objetivos diferentes das diversas
atuações.

A intervenção à luz da LPCJP exige a verificação de uma situação de perigo, definida nos termos
do seu art. 3.º. Assim, a criança está numa situação de perigo perante uma situação de facto que ameace a
sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento. O perigo pode resultar de ação ou omissão
dos pais, representante legal, ou de quem tem a guarda de facto da criança ou do jovem, que a colocam
numa situação de perigo, ou de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança, a que aqueles não se
oponham de modo adequado a removê-lo. O n.º 2 do referido art. 3.º, auxiliando o intérprete, exemplifica
algumas situações em que a criança estará numa situação de perigo. São os casos de a criança estar
abandonada ou viver entregue a si própria, ser vítima de maus-tratos físicos ou psíquicos ou ser vítima de
abusos sexuais, não ter os cuidados ou a afeição adequada à sua idade, ser obrigada a atividades ou trabalhos
excessivos/inadequados, estar sujeita a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança/equilíbrio
emocional ou, ainda, ter comportamentos, atividades ou consumos que afetem a sua saúde, segurança,
formação, educação ou desenvolvimento.

O art. 69.º CRP reconhece às crianças o direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao
seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de
opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. A atuação das
diversas entidades com competência para agir ao abrigo da LPCJP visa tal objetivo, respeitando os
princípios de intervenção previstos no art. 4.º LPCJP. O escopo da intervenção, em sede de promoção e
proteção, é o de afastar o perigo a que as crianças e jovens se encontrem expostos, proporcionar-lhes as
condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e
desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de
qualquer forma de exploração ou abuso (art. 34.0 LPCJP).

Objetivos diferentes visa a intervenção tutelar educativa (art. 1° e 2° LTE). Decorre do n.º 3 do art.
43.º que as decisões proferidas em processos que decretem medidas ou providências de qualquer natureza
relativamente ao menor devem conjugar-se com as proferidas no processo tutelar educativo. Resulta, por
isso, desta norma que, devendo articular-se as medidas aplicadas em sede de processo tutelar educativo e
de intervenção, de proteção, procurando-se harmonizar os respetivos objetivos visados com a sua aplicação,
em caso de conflito deverá prevalecer o fim visado com a aplicação da medida tutelar educativa.

Nas palavras de H. BOLIEIRO e P. GUERRA, as decisões proferidas em processos que decretem


medidas ou providências de qualquer natureza relativamente ao mesmo menor devem conjugar-se com as
proferidas no processo tutelar educativo - "Existe aqui um prius metodológico do processo tutelar face a
outros processos de natureza protectiva ou de natureza tutelar civel, sempre que concorrerem na vida de
um jovem". Consideram os autores que a visão unitária da criança e do jovem exige que haja articulação
entre as várias formas processuais que conheçam da sua vida e entre as várias medidas que lhe venham a
ser aplicadas, harmonizando-se elas entre si. Mas, "em situação de conflito inultrapassável entre as duas
intervenções, deve sempre prevalecer a realização da finalidade visada com a aplicação da medida tutelar
educativa, na medida em que tal finalidade é mais imediata, tornando-se mais premente a sua concretização
- a ideia base é esta: uma criança ou jovem de bem com o direito mais facilmente se desvia de uma situação
de perigo". Consideram, por isso, que o início de execução de uma medida tutelar educativa impõe a revisão
da medida protetiva, decidindo-se a cessação de tal medida, na consideração de ser desnecessária a respetiva
continuação (arts. 62.°/2 e n.°3/a), e n.°4 LPCJP).

Quanto à consequência no processo de proteção e respetiva medida aplicada, veja-se a orientação


proferida, no dia 6 de dezembro de 2010, no 4.º Encontro de Magistrados da Jurisdição de Família e
Menores do Distrito de Lisboa, organizado pela Procuradoria-Geral Distrital. Aí se considera, como a
generalidade da doutrina que se pronuncia quanto ao assunto, que o Ministério Público deve zelar pelo
cumprimento de todas as regras tendentes à boa harmonização das decisões proferidas no âmbito de
processos de promoção e proteção, tutelares cíveis e tutelares educativos, dando cabal cumprimento ao que
vem disposto no art. 81.°/1 LPCJP, nos arts. 11.º e 27.º RGPTC, e nos arts. 37.°/2, e 43.°/3 LTE. Mas,
sublinha-se que, visando a medida tutelar educativa de internamento a educação do menor para o direito e
a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade (art. 2.° LTE), a execução daquela
prevalece sobre a medida protetiva de acolhimento institucional (residencial), anteriormente decretada,
inviabilizando a execução desta última, enquanto aquela perdurar. A norma do artigo 43.°/3, conferindo
primazia ao processo tutelar educativo relativamente ao de promoção e proteção, assenta na consideração
de que a intervenção no sentido da educação para o direito e da inserção do menor, de forma digna e
responsável, na vida em comunidade (art. 2.°/1 LTE), reveste natureza preponderante e mais abrangente do
que a mera remoção da situação de perigo a que aquele haja sido exposto, propósito que norteia o processo
de promoção e proteção.

Quanto à questão de saber se o início de execução da medida tutelar educativa de internamento


impõe a revisão da medida protetiva de acolhimento institucional (residencial) e se deverá ser decidida a
cessação de tal medida, na consideração de ser desnecessária a respetiva continuação, como entendem os
autores referidos anteriormente, formulou a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa a seguinte orientação:
"iniciada a execução de medida tutelar educativa de internamento de um jovem, deverá declarar-se a
insusceptibilidade de execução da medida de promoção e proteção de acolhimento institucional que
anteriormente relativamente ao mesmo haja sido decretada, enquanto tal internamento perdurar, com a
correspondente suspensão da instância (...), pelo período no decurso do qual tiver lugar a execução da
referida medida tutelar educativa. Finda esta e salvo a ocorrência de factos novos que a tal obstem, deverá
o Ministério Público pronunciar-se no sentido de ser retomada a execução da medida de promoção e
proteção de acolhimento institucional".

Assentou tal orientação no facto de a medida de internamento em Centro Educativo ter um prazo
máximo de execução de 3 anos (art.18.°/3 LTE), sendo, muitas vezes, desde o seu início, suscetível de
"efetuar-se um juízo de prognose favorável relativamente à necessidade de execução da medida de
acolhimento institucional do jovem, em momento subsequente ao termo da execução do internamento
(mormente, por, desde logo, se saber da inexistência de esteio familiar apto a proporcionar àquele as
condições adequadas ao seu processo de crescimento e desenvolvimento).

Nesses casos e perante tal necessidade, a cessação da medida de acolhimento institucional


decorrente do início de execução da medida tutelar educativa de internamento, revelar-se-ia prematura e
imporia o oportuno accionamento do dispositivo legal contido no art. 43.º, n.º 2, da LTE, com dispensável
acréscimo de actividade processual.

De modo que, a conclusão a extrair é a de que, iniciada a execução de medida tutelar educativa de
internamento, deverá declarar-se a insusceptibilidade de execução da medida de promoção e protecção de
acolhimento institucional enquanto o internamento perdurar, com a correspondente suspensão da instância
(...), a qual deverá subsistir até à cessação da execução daquela medida tutelar educativa".

O processo instaurado em segundo lugar correrá por apenso ao primeiramente instaurado (arts.
81.°/1 LPCJP, e 11.°/1 RGPTC).

Conclui ainda a referida orientação da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa que a imposição


legal de elaboração periódica de relatórios sobre a execução das medidas de internamento e, em especial,
de elaboração de relatório final da sua respetiva execução (a remeter ao Tribunal pelo diretor do Centro
com a antecedência de 15 dias relativamente à data prevista para a cessação da medida, nos termos do n.º
4 do artigo 154.° LTE) permitirão aferir da necessidade de subsequente execução da medida de acolhimento
institucional, proporcionando a inexistência de hiatos e a harmonização de decisões, em prol da defesa do
superior interesse do jovem.

JURISPRUDÊNCIA:

⎯ Ac. TRE 16/06/2016 (390/10.7TBCCH-D.E1):

"1. Quando relativamente à mesma criança ou jovem forem instaurados, sucessivamente ou em separado,
processos de promoção e proteção, inclusive na comissão de proteção, tutelar educativo ou relativos a
providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado,
sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.

2. Determinando a lei apensação dos processos relativos ao menor, não fazendo qualquer distinção entre
processos anteriores pendentes ou findos, tal distinção não cabe ao intérprete fazer, não sendo, por isso,
obstáculo à apensação o estado em que se encontre o processo ao qual se fará a apensação".

⎯ Jovens agressores sexuais e medidas tutelares educativas

⎯ A denúncia de factos cometidos por menores de 16 anos (art. 72º LTE)

Como sabemos, o processo tutelar educativo inicia-se com a aquisição pelo Ministério Público da
notícia da ocorrência de facto qualificado pela lei como crime, praticado por menor com idade
compreendida entre os 12 e os 16 anos.
A notícia do facto pode ser adquirida por conhecimento próprio ou através de denúncia, não sujeita
a qualquer formalidade especial, apresentada por qualquer pessoa perante órgão de polícia criminal,
preferencialmente com a indicação dos meios de prova, que a transmitirá ao Ministério Público.

Da denúncia devem constar, na medida do possível, nos termos dos arts. 246.°/3 e 243.°/1 CPP,
aplicáveis por força do disposto no art.128.°/1 LTE:
a) a descrição dos factos, bem como o dia, hora, local e circunstâncias em que ocorreram;
b) o que se souber sobre a "identificação dos agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova
conhecidos, nomeadamente testemunhas que puderem depor sobre os factos".

Na transmissão da denúncia feita por órgão de polícia criminal ao MP, há que tomar em
consideração o disposto no art. 73.°/2, ou seja, que deve ser acompanhada, logo ou no prazo máximo de 8
dias, da "informação que puder obter sobre a conduta anterior do menor e a sua situação familiar, educativa
e social."

O n.º 2 deste artigo, que foi revogado em 2015, tinha a seguinte redação: "2. Se o facto for
qualificado como crime cujo procedimento depende de queixa ou de acusação particular a legitimidade para
a denúncia cabe ao ofendido". Ou seja, quando os factos pudessem integrar a prática de crimes de natureza
semipública ou particular, o ofendido, o titular do bem jurídico violado, mantinha, como no processo penal,
a prerrogativa de decidir, depois de ponderar as vantagens e as desvantagens, sobre a apresentação de
queixa. Estava, portanto, na sua disponibilidade dar ou não dar início ao processo tutelar educativo. Visava-
se, para além de uma avaliação feita à luz dos interesses do ofendido, que este, enquanto cidadão inserido
na comunidade, fizesse a primeira avaliação sobre a necessidade de se desencadear o procedimento na
perspetiva da educação para o direito da criança infratora. Neste sentido se pronunciou a Exposição de
Motivos da proposta que deu origem à LTE: "(...) as condições de procedibilidade estão ligadas ou à
reduzida gravidade do facto ou a necessidades de tutela de certos direitos da vítima, entre os quais o da
intimidade. Qualquer das razões permanece válida quando o agente do facto é menor de 16 anos. Quanto à
gravidade, porque se tornam menos imperativas as razões que determinam a necessidade de educação do
menor para o direito e, havendo-as, será razoável atribuir-se a um membro da comunidade (o ofendido) o
primeiro juízo sobre elas; quanto à tutela da vítima, porque a menoridade não diminui (pelo contrário, pode
agravar) o interesse na disponibilidade do direito à acção".

A revogação do n.º 2 levou à não distinção entre os factos que possam ser qualificados pela lei
penal como crime particular, semipúblico ou público, bastando a aquisição da notícia do facto pelo
Ministério Público para, em qualquer caso, ser aberto inquérito e desencadeado o procedimento tutelar
educativo. O que está expressamente referido no n.º 1 deste artigo ("independentemente da natureza deste").
Os fundamentos da alteração constavam da Exposição de Motivos da proposta de Lei n.º 534/XII,
apresentada pelo PSD em 2013, em que se avançava que "a falta de queixa não significa que não haja
necessidade de educação do menor para o direito" e ainda que o interesse público na necessidade de
educação para o direito "não deverá claudicar perante a inércia do ofendido nos crimes particulares e
semipúblicos".

Todavia, tendo em vista salvaguardar situações em que tal se mostre claramente contrário aos
interesses (e direitos) do ofendido ou ao interesse superior da criança, passou a prever-se, na mesma ocasião,
no art 87.°/2, que o Ministério Público pode determinar o arquivamento do inquérito "quando, tratando-se
de facto qualificado pela lei como crime de natureza semipública ou particular, o ofendido manifeste no
processo oposição ao seu prosseguimento, invocando fundamento especialmente relevante."

Nos casos em que numa mesma denúncia ou numa mesma investigação se noticiam ou indiciam
factos praticados por imputáveis e por inimputáveis em razão da idade:
a) Se esse conhecimento consta da denúncia, o órgão de polícia criminal que a recebe deve transmiti-
la ao MP da área criminal e também ao MP da jurisdição de família e menores, correndo as
investigações paralelamente, em inquérito e em inquérito tutelar educativo respetivamente;
b) Quando a notícia da prática de facto por menor de 16 anos se obtém no decurso do inquérito (ou
nas fases subsequentes do processo criminal), deve ser de imediato transmitida ao Ministério
Público da jurisdição de família e menores, não se aguardando pelo termo dessa fase processual,
pois a lei tutelar educativa tem uma especial preocupação pela celeridade, que é condição de
eficácia da medida atendendo à etapa do desenvolvimento da criança, e também porque só pode
ser aplicada medida tutelar em 1.ª instância antes de "o menor completar 18 anos" [art. 28.°/2/b)].

⎯ A transição entre a vida em Centro Educativo e a vida em liberdade:

Até ao dia 15/02/2015, a Lei Tutelar Educativa (aplicável a adolescentes que cometam crimes entre
os 12 e os 16 anos, evidenciando a necessidade de serem educados para o Direito) não previa nenhuma fase
de acompanhamento ou transição entre a vida num centro educativo e a vida em liberdade. Já há algum
tempo se tinha identificado o problema e se vinha reclamando a mudança. Por exemplo, um jovem de 15
anos podia ser internado num centro educativo, em regime fechado (o mais grave de todos), e nele
permanecer até aos 18 anos (três anos é o tempo máximo de cada internamento), sendo depois libertado.

Se considerarmos que, as mais das vezes, o seu meio de origem é carenciado e desestruturado,
quantas vezes ele próprio responsável (ou, no mínimo, co-responsável) pela sua delinquência, o cenário
torna-se muito pouco animador. Ainda que a vida no centro educativo tivesse proporcionado alguma
“educação para o Direito” (tal é o objetivo da aplicação das medidas tutelares educativas), ainda que o
jovem se tivesse consciencializado do mal praticado e da importância do respeito pelos valores
fundamentais da sociedade e ainda que tivesse adquirido algumas ferramentas ao nível da sua educação
e/ou formação profissional, mesmo perante este cenário otimista, como se desenvolveria a sua vida quando
voltasse para a sua família conflituosa e os seus colegas (quantas vezes delinquentes ou pré delinquentes)?
Como preparar o jovem para se inserir de forma digna e responsável na sociedade, afastando-o dessa mesma
sociedade e sem lhe oferecer uma fase de acompanhamento ou transição? E como prepará-lo para essa
inserção se voltava a encontrar os mesmos fatores que o “empurraram” para o crime? A hipótese de revisão
das medidas, podendo um internamento em regime fechado progredir para um regime mais aberto, não
resolvia tudo, até porque esta revisão não é obrigatória, nada obstando àquela passagem abrupta.

O período de supervisão intensiva e o acompanhamento pós- internamento, inseridos agora na lei,


têm por objetivo dar resposta a estes problemas. Com o primeiro, a fase final da medida é cumprida em
“meio natural de vida” ou em “casas de autonomia” e supervisionada pelos serviços de reinserção social.
Durante este período o menor pode estar sujeito ao cumprimento de deveres e/ou de regras de conduta, tais
como, a obrigação de frequentar o sistema educativo ou de assiduidade no posto de trabalho e/ou de se
submeter a programas formativos, de educação sexual, rodoviária, ou outros que se mostrem adequados.
Caso o período de supervisão intensiva não tenha sido determinado, haverá um acompanhamento pós-
internamento, estabelecendo-se as tão necessárias “pontes” entre a LTE e a LPCJP (sempre que possível
havendo articulação com a família do jovem) e podendo ser criadas “unidades residenciais de transição”. É
evidente que estas medidas são de saudar, perguntando-se, no entanto, porque não se previu a sua
conjugação, caso tal se mostrasse necessário.

Deseja-se ainda que estas mudanças passem da letra da lei para a realidade, sendo urgente a boa
formação de técnicos que acompanhem a inserção dos jovens e a criação das “casas de autonomia” e das
“unidades residenciais de transição”. Infelizmente, muitas são as situações em que é inviável ou prejudicial
que o jovem volte para o seu meio de origem, sendo então imprescindível criar condições para que comece
uma nova vida.

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