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A ação humana

Ao longo deste trabalho, analisarei uma ação humana. Caracterizarei todos


os momentos da sua rede conceptual e as consequências inerentes à mesma. Por
fim, revelarei a minha própria posição crítica, concluindo com a definição de
ação. A ação que analisarei é esta: “Um agente (quem efetua a ação) encontra-se
a passear por uma rua deserta, numa cidade isolada em Portugal. De repente, vê
um edifício em chamas e, do segundo andar, ouve uma mulher a gritar por ajuda.
O agente age ao salvar a mulher.”

O primeiro momento da rede conceptual é a intenção. Neste momento,


procuramos identificar o objetivo e causa da ação, respondendo à pergunta “Para
que é que o agente agiu?”. A sua intenção era salvar a vida da mulher que estava
no interior do prédio. O agente desejava impedir a sua morte e acreditava que o
podia fazer. Foi esse desejo e crença que o motivou a fazer a respetiva ação.

O segundo momento é o motivo, ou seja, todas as razões e justificações


que levaram à ação. Este momento procura responder à pergunta ”Porque é que
o agente agiu?”. O motivo mais óbvio desta ação é o facto de o prédio estar a
arder. Esse foi o acontecimento que conduziu à situação descrita, logo é de
esperar que conte como uma justificação da ação. Além disso, a inexistência de
pessoas nas imediações é outra das razões que leva à necessidade psicológica de
ter de ajudar. E esse é o último motivo, a parte psicológica humana que impede o
agente de ignorar aquela situação, devido à culpa que desenvolveria.

No terceiro momento, é altura de deliberar acerca das possibilidades. A


escolha de uma ação em detrimento de outra tem a ver com as respetivas
vantagens (prós) ou desvantagens (contras). A primeira opção a analisar é ser o
agente a resgatar a mulher ele mesmo, isto é, ao entrar imediatamente no prédio
em chamas. A única vantagem é a brevidade da ação, pois quanto mais rápido o
salvamento, menor a probabilidade de fatalidades. Porém, as desvantagens são
imensas: a instabilidade do edifício, que pode lesionar gravemente ou até
fatalmente o agente ao entrar no seu interior e até a pessoa no andar de cima; a
impossibilidade de abandonar o edifício; e ainda a falta de capacidades técnicas
para lidar com incêndios. Outra opção é não entrar no edifício, mas sim chamar
ajuda especializada, os bombeiros. Partindo do princípio de que o agente se
preocupa o suficiente para chamar ajuda, é de esperar que fique próximo do
edifício para ver o resultado da intervenção. Esta opção apresenta um maior
número de prós: não põe em risco direto a vida do agente; nem arrisca
desnecessariamente a integridade do edifício, pois os bombeiros, estão melhor
preparados para tal tarefa. No entanto, também tem os seus contras: a lentidão
(em oposição à vantagem da opção anterior); e um perigo ainda considerável à
vida do agente, devido a explosões de gás. A última opção que vou analisar é a
fuga do agente, devida a medo e stress. Esta é uma opção que nós enquanto
leitores consideramos cobarde e egoísta, todavia a pressão psicológica é uma
condicionante fulcral. A principal vantagem desta opção é exatamente o que nos
leva a chamá-la de egoísta: o facto de a integridade física do agente ser a única
coisa que se preserva decididamente. (Outra vantagem, esta desconhecida do
agente, mas talvez importante para o ponto de vista crítico do leitor, é a
impossibilidade de criminalização do agente por omissão de auxílio, segundo a
alínea 3 do artigo 200º do Código Penal português.) Tudo o resto se mantém no
plano da dúvida, pois o agente nunca saberá se a sua intenção foi cumprida, nem
sequer se não foi cumprida. Tal interrogação eterna acarretará consequências
psicológicas de trauma e culpa profundas para o agente, sendo assim a
desvantagem desta opção.

Após a deliberação efetuada, passa-se para o quarto momento, a decisão.


Na decisão, torna-se real e concreta apenas uma das possibilidades deliberadas.
Todas as outras tornar-se-ão impossíveis. Tal é feito ao analisar os prós e os
contras de todas as opções e ao verificar qual satisfaz melhor os critérios morais
do agente. Estes critérios são na maioria comuns a todos os seres humanos,
devido à cultura relativamente globalizada em que vivemos, mas contêm uma
parte mais pessoal relacionada às experiências pessoais. Vou pressupor que o
agente está preparado para lidar com o stress e não decide fugir e ainda que se
mostra relutante à ideia de entrar num prédio em chamas. Estas pressuposições
servem apenas como forma de justificar a posição tomada por este agente; se
propuséssemos diferentes afirmações certamente poderiam justificar outra
escolha. Voltando ao ponto em que estava, através das supostas vivências do
agente, podemos afirmar que o agente decidirá ficar fora do prédio e chamar
ajuda especializada.
No quinto e último momento desta rede conceptual vem a escolha. Na
escolha, o agente afirma ou nega o que decidiu. E, de modo a finalizar esta ação,
ele afirmou e assim escolheu agir.

Já fora da rede conceptual da ação, mas sempre adjacente à mesma vêm


as consequências. Nesta fase, a ação já aconteceu e o que se verifica são os
efeitos que ela tem nas ações dos outros intervenientes e a responsabilidade que
o agente teve no plano geral. A ação de chamar os bombeiros intervém na ação
de todos os indivíduos dessa corporação e a ação de não entrar no prédio
intervém na ação das pessoas no seu interior. E ambas as intervenções se
relacionarão entre si, chegando a um estado de intersubjetividade. O agente
torna-se assim responsável por uma rede de outras ações e por tudo o que dela
resultar.

Após esta análise, chegou a vez de apresentar a minha posição crítica


sobre a escolha. Eu de facto concordo com a ação escolhida pelo agente, pois é a
que apresenta uma maior possibilidade de salvamento de ambos os
intervenientes. O chamamento de terceiros, mais qualificados para a ação,
permite arriscar menos, coisa que poria em risco o cumprimento da intenção do
agente e a sua própria vida enquanto ser humano. Dito desta maneira, estou de
acordo com o desenrolar da ação. Esta ação pode ser definida como tal, pois
respeita as condições necessárias e suficientes que definem uma ação: é
consciente (o agente está lúcido e acompanha tudo o que se passa), voluntária
(ninguém coage o agente a salvar a mulher, a ideia parte do próprio) e
intencional (visa cumprir um propósito). Como se pôde ver nos vários momentos,
a ação está também condicionada em várias vertentes. A nível físico e biológico,
tem-se que o agente, enquanto ser humano, não é resistente ao fogo; a nível
sociocultural, vê-se que está enraizado dentro da sua cultura a necessidade de
ajudar; e a nível psicológico, verifica-se a impossibilidade de ele se afastar do
prédio em chamas, pois para a sua psique é fundamental saber o resultado da
intervenção, pondo-o em risco. Tudo isto caracteriza uma ação refletida e torna-
a própria de um ser humano racional.

Bibliografia:
http://www.paginasdefilosofia.net/a-especificidade-da-accao-e-os-seus-
atributos/

http://www.paginasdefilosofia.net/deliberacao-decisao-e-accao/

https://dre.pt/legislacao-consolidada/-/lc/
107981223/201708230100/73474113/diploma/indice

http://www.japassei.pt/artigo.aspx?lang=pt&id_object=4475

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