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A ação humana (p.

49 – 62):

Inferência do Homem consciente e voluntária.

Desde a Antiguidade houve uma necessidade para desvendar a


complexidade humana. O ser humano é geralmente considerado, na Filosofia,
como sendo um dos mais antigos e complexos objetos de estudo, pois o
ser humano transforma o mundo, os outros a sua volta e a si próprio. Fig. 1: “Conhece-te a ti mesmo” – prova
Uma das formas de estudar o ser humano é através das suas ações. da preocupação antiga; Frontão do
Templo de Apolo.
A medida que o tempo foi passando, este estudo tomou vários rumos,
mas para entender melhor temas como (entre outros):
foi necessário conhecer
a política; a ética; a moral; os elementos estruturantes da ação humana.

Estes elementos sendo: a motivação, a intenção, a deliberação e os desejos, que estão na origem da decisão do
agente da ação.

O que é a ação?

Há muitas formas de utilizar a palavra ação, como pode se visto nos seguintes exemplos:

- A ação das ondas provoca erosão na falésia.

- A ação do castor na construção daquele dique é admirável.


Todas são corretas, mas o sentido difere.
- Naquele texto, o narrador está presente na ação.

- A ação do Manuel, quando criticou o colega, foi censurável.

A ação de uma força natural não se pode comparar a uma ação de um ser vivo. Neste caso, estamos perante uma
força da natureza, que não se consegue controlar e onde não conseguimos identificar nem o sujeito, nem o
propósito da ação – muitas vezes a este exemplo chama-se acontecimento. No segundo exemplo, quando se trata de
uma ação específica de um ser vivo, podemos identificar o sujeito (castor) e o seu propósito (construir o dique para a
sua proteção).

Na maioria dos casos, as ações dos seres vivos não são idênticas, apesar de parecer terem o mesmo propósito:
uma ave não constrói o seu ninho pelas mesmas razões que um ser humano constrói edifícios. A ave está, de uma
forma ou outra, a responder a algo que ela está programada, pela natureza, a fazer sempre da mesma forma.
Enquanto que a ação humana não revela apenas uma necessidade, pois podem-se construir edifícios por muitas
razões. Em suma, com este exemplo, conclui-se que, apesar de, em ambos os casos estarmos perante uma ação, o
seu grau de complexidade e o que ela designa varia.

Quando entramos no campo da ação humana, os vários sentidos em que utilizamos o termo torna-se muito mais
diverso. Pela consciência de que, pela sua natureza, a ação humana distingue-se dos restantes sentidos em que o
conceito é usado. Tendo em conta o exemplo do texto da página 50: porquê as formigas-brancas não são
consideradas heróis, já que morrem para defender a sua casa e Heitor, que foi defender a sua terra, não fazendo
rigorosamente nada a mais que as formigas, é considerado herói? A diferença é que as formigas-brancas são
programadas pela Natureza para agirem como tal, enquanto que Heitor escolheu seu herói e derrubar Aquiles, ou
seja, ele o fez voluntariamente.

Atos voluntários, involuntários e acontecimentos:

O conceito da ação pode assumir vários sentidos quando se trata da ação humana, o que torna difícil analisar as
características específicas da ação humana. Temos, por exemplo, as seguintes atividades, que todo humano faz:
tropeçar, respirar e ler um livro.

Tropeçar – algo que pode nos acontecer: tropeçar não é uma ação pensada, é acidental. Esta ação pertence ao
domínio do que nos acontece. Isto não acontece porque foi escolhido pelo sujeito em causa, pois não se pode
escolher não tropeçar.
Respirar e ler um livro – o que fazemos: as ações que fazemos podem ser:

 Voluntárias (ler um livro): fazer uma ação voluntária implica várias decisões conscientes: escolher o livro, o
local, a hora e quando vamos ler, entre outras coisas.
 Involuntárias (respirar): uma ação involuntária é aquela que não exige deliberação ou alguma decisão
consciente; é algo que fazemos sem pensar e não podemos escolher não o fazer.

Conclui-se que, agir implica uma decisão consciente, voluntária, intencional e deliberada, enquanto que fazer é
um ato do homem, por vezes involuntários, que exigem um grau nulo, ou quase nulo, de deliberação ou objetivos
conscientes. Por fim, no acontecer o sujeito é passivo, uma vez que não podemos escolher o que nos acontece.

Agir Fazer Acontecer


Características: - Implica uma decisão - Pode não implicar uma - Não implica qualquer
consciente; decisão consciente; decisão;
- Tem em vista um - Muitas vezes não há um - Não se liga a objetivos;
objetivo; objetivo definido ou - O sujeito é passivo, não é
- É um ato voluntário; consciente; responsável pelo que
- Permite exercer a - Pode ser desencadeado acontece.
liberdade de escolha. por uma ação involuntária
(reflexo ou instinto).
Exemplos: - Estudar; escolher um - Pestanejar; bocejar; - Tropeçar; ganhar a
filme/livro; conversar, etc. transpirar; respirar; ter loteria; ter um acidente,
espasmos musculares, etc. etc.
Quem pratica: - Ser humano. - Ser humano; - Ser humano;
-Animais. - Animais.
A ação especificamente humana implica necessariamente uma decisão consciente e voluntária e uma intencional,
pois tudo o que fazemos faz parte da nossa conduta, mas nem tudo o que fazemos constitui uma ação.

Atos do homem e atos humanos, segundo S. Tomás de Aquino:

A distinção que é feita entre agir e fazer permite fazer uma outra distinção, entre uma ação específica humana e
os atos que, apesar de praticados pelos seres humanos, não o são de forma voluntária.

Segundo S. Tomás de Aquino, nem todos os atos praticados pelos ser humano podem ser considerados ações
humanas. Espirrar, pestanejar ou assustar-se são atos que realizamos de forma inconsciente e involuntária e estes
são designados por atos do homem, já que estes atos não resultam de uma decisão voluntária, consciente e livre,
com um determinado objetivo (intencionalidade). Também, estas atividades ou estas características podem ser
observados em outros seres vivos. Contrariamente, o ser humano é o único capaz de tomar decisões e praticar ações
de forma voluntária, isto é, o único capaz de realizar atos humanos (distingue-se dos outros seres vivos por isso).
Assim, os atos humanos são da total responsabilidade do homem, já que dependem da nossa decisão racional. Em
suma, não podemos ser responsabilizados por praticar atos do homem (não decidimos conscientemente realizá-los),
mas somos totalmente responsabilizados pelos atos humanos.
Conceitos e momentos fundamentais da ação humano:

A compreensão das ações humanas é bastante complexa e exige que se analise um conjunto de elementos muito
vastos. Para isso, temos o exemplo do texto da página 58, onde são retratadas as seguintes passagens: um homem
estava a ser perseguido; pediu ajuda a um Profeta que decidiu ajuda-lo e disse-lhe para correr sempre a direita; o
Profeta mudou-se para a posição oposta de onde se encontrou com o fugitivo; os homens que perseguiam o tal
homem perguntaram ao Profeta se tinha visto o Fugitivo e este acabou por dizer que desde que lá estava sentado,
não tinha visto ninguém passar. Com este exemplo, compreende-se que a ação humana é muito complexa. Como o
Profeta mudou de lugar apenas depois de o Fugitivo ter passado por ele, o Profeta não mentiu aos homens violentos
e estes sabendo que ele não podia mentir, tiraram proveito da situação, mas sem saber quais eram as intenções do
Profeta: ajudar o Fugitivo e assim, não imaginaram que a sua resposta fazia parte de uma estratégia para o defender.
Chega-se a conclusão de que o ser humano tem uma capacidade de agir de forma velada, ocultando as verdadeiras
finalidades da sua ação. Com apenas uma análise exterior e objetiva da ação humana é insuficiente entender as reais
intenções do agente. Para que os homens violentos entendessem as intenções do Profeta, teriam de fazer uma
análise exaustiva. Em suma, chegamos a conclusão de que, para compreendermos verdadeiramente a ação humana
temos de conseguir responder a questões como:

 Qual a intenção do agente? Estes conceitos criam uma rede conceptual


 Por que motivo decidiu agir? (conjunto destes conceitos, relacionados entre si
 Qual a deliberação feita pelo agente antes de agir? numa rede, tendo um conceito central que os
 Que decisão tomou o agente? unifica).
 O agente desencadeou a sua ação de forma livre?

O agente:

Um verdadeiro agente é, além daquele que pratica um ato de forma consciente e voluntária, aquele que também
que planeia, delibera e decide. Por isso, é o responsável pela ação. No exemplo acima, o agente é o Profeta.

 Responde à pergunta “Quem?” e significa, etimologicamente, “aquele que age”.

É por isso que resulta a ligação entre o conceito de agente e os restantes: é o responsável pela ação, age por um
motivo, tem uma intenção, passa por uma deliberação antes de agir e toma a decisão de agir.

A intenção:

Propósito voluntário de fazer algo.

Toda a ação tem um objetivo e uma finalidade, ou seja, é o que se espera por realizar uma determinada ação. Apesar
de o fim atingido poder não corresponder ao fim intencionado, a intenção mostra a capacidade do ser humano de
ter objetivos. No exemplo acima, a intenção do Profeta é ajudar o Fugitivo e é por isso que ele elabora um plano de
ação para, sem mentir, ajudar o Fugitivo e para isto resultar, tinha de dificultar a ação dos perseguidores.

 Responde à pergunta “Para quê?”, é o objetivo ou finalidade que pretendemos com a ação ou pode ser algo
que visamos no futuro.

A ligação entre a intenção e os restantes conceitos é que é este o objetivo do agente, é o resultado pretendido da
ação, que pode estar ligado a um motivo e que irá ser levado em consideração nos momentos da deliberação e da
decisão.

O motivo:

No geral, é como uma força motriz que nos impele a agir e serve também como razão que explica a forma como
agimos. Determinar o motivo de uma ação é tão complexo que por vezes nem o próprio agente é capaz de o fazer.
No exemplo acima, é provável que o Profeta agiu desta maneira, pois era contra a violência.

 Responde à pergunta “Porquê?”, ou seja, é assim revelada a razão pela qual o agente empreende a sua
ação, ou seja, aquilo que desencadeia o aparecimento da intenção. Etimologicamente está associado a
motor e motivação e, de facto, é a força que motiva o agente e é a razão que explica a ação.
A ligação entre o motivo e os restantes é porque, este impele o agente, é a razão/explicação da ação, pode dar
origem a uma intenção, pode ser considerado nos momentos da deliberação e da decisão.

A deliberação:

Ponderação sobre os fatores da ação.

Na ação humana, a deliberação é um momento muito importante. Antes de acabar uma ação, antes do agente
tomar a decisão de agir, este avalia racionalmente as diferentes alternativas que o podem conduzir ao seu objetivo,
como também as vantagens e as desvantagens, para que o agente possa decidir a melhor forma para concretizar o
seu objetivo. A deliberação comporta dois elementos necessários: a existência de múltiplas alternativas e a avaliação
racional dos diferentes percursos possíveis. No exemplo do texto, não é exato o momento em que o Profeta
delibera, no entanto há uma frase: “O Profeta recolheu-se um instante…”.

 Em suma, a deliberação é uma reflexão racional, está etimologicamente ligado à ideia de balança
(ponderar), considera os prós e os contras e compara as diferentes alternativas ou possibilidades de ação.

A ligação entre a deliberação e os restantes conceitos é que esta ponderação é realizada pelo agente, prepara a
ação, auxilia no momento da decisão, como também a reflexão tem em conta o motivo e a intenção da ação.

A decisão:

Manifestação de uma escolha ou opção.

A decisão é o momento após a deliberação. Depois do enfraquecimento dos caminhos menos vantajosos para se
atingir os objetivos, dá-se a escolha da solução que levará ao resultado pretendido, isto é, o agente deixa de estar
dividido entre várias opções. Decidir agir não é ainda agir, mas é o momento em que a nossa intenção de o fazer está
definida. Muitas vezes, o momento da deliberação e da decisão acontecem quase simultaneamente, ao ponto de
que, nas ações mais normais, não podemos distingui-las claramente. No exemplo acima, o momento da decisão é
quando o narrador nos informa: “e respondeu”. Neste momento, conseguimos entender que o agente (o Profeta) já
fez a sua decisão e que já não há uma avaliação de vários percursos possíveis.

 Em conclusão, a decisão é o momento em que o agente se determina a agir, também pode implicar uma
escolha decisiva entre várias alternativas possíveis e é o momento imediatamente anterior à concretização
da ação.

A ligação entre a decisão e os outros conceitos é que: esta é uma escolha feita pelo agente, antecede-se a ação, é
facilitada pela ponderação e a escolha tem em conta o motivo e a intenção da ação.

Esquema da rede conceptual:

Agente

Agir Fazer Acontecer

Intenção Motivo Deliberação Decisão

Ação humana
Esquema das ligações entre conceitos da rede conceptual:

Agente

Motivo Intenção

Ação

Delibera
Decisão
ção

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