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Problema do Livre-Arbítrio
Serão as nossas ações realmente livres? Como podemos conciliar o determinismo que parece existir
no mundo com a nossa convicção de que as nossas ações são livres? Mesmo que seja tudo
determinado podemos ser responsáveis pelas nossas ações?
Mas antes de responder a essas questões precisamos de analisar uma questão mais básica:
Quando questionamos ’O que são ações humanas?’ estamos à procura de uma definição
explícita; ou seja, queremos apresentar condições que sejam conjuntamente necessárias e
suficientes.
O que são ações humanas?
• Sendo que um acontecimento é algo que ocorre num determinado espaço e durante um
período de tempo.(Ex: um terramoto, um dia de sol, uma tempestade, etc.).
• Avaliação: Será a (Primeira Tentativa) uma boa definição de ação humana? Será que x ser
um acontecimento é uma condição suficiente para x ser uma ação humana?
O que são ações humanas?
Avaliação:
• Será a (Segunda Tentativa) uma boa definição de ação humana? Será que x ser um
acontecimento que envolve pelo menos um agente é uma condição suficiente para x ser uma
ação humana?
• Para melhor avaliar, considerem-se as seguintes listas de acontecimentos que envolvem
agentes:
x é uma ação humana se, e só se, x é um acontecimento que consiste em algo que
um agente realiza intencionalmente.
O que são ações humanas?
Avaliação:
• Será a (Terceira Tentativa) uma boa definição de ação humana?
• Apesar de parecer plausível, há um problema com essa definição.
Considere-se a seguinte descrição de um acontecimento:
Um dia, quando andava de bicicleta, o Raimundo levantou o braço para indicar que pretendia virar à
direita e, acidentalmente, partiu o nariz a um transeunte descuidado que se atravessou no meio da
estrada.
Nestas circunstâncias, pode-se descrever verdadeiramente que:
1 O Raimundo levantou o braço (intencionalmente).
2 O Raimundo fez sinal de que ia virar à direita (intencionalmente).
3 O Raimundo partiu o nariz a um transeunte (acidentalmente).
• Problema: Será que o acontecimento descrito nas afirmações 1, 2, e 3 é uma ação?
O que são ações humanas?
• Por um lado, dado que as descrições (1) e (2) referem coisas realizadas intencionalmente, então esse
acontecimento é uma ação.
• Por outro lado, dado que a descrição (3) refere coisas realizadas sem intenção, então esse
acontecimento não é uma ação.
• Chegamos assim a uma conclusão contraditória ou paradoxal.
• Será possível evitar esta conclusão inaceitável?
• Como solução, a filósofa Elizabeth Anscombe defendeu que:
• Se um acontecimento for intencional sob pelo menos uma descrição verdadeira, então estamos
perante uma ação.
• Ora, o acontecimento do qual o Raimundo é agente é intencional sob pelo menos uma
descrição verdadeira, nomeadamente em (1) e (2), por isso essa acontecimento é uma ação.
• O facto de não ser intencional sobre outras descrições verdadeiras, como em (3), nada impede
que seja uma ação.
O que são ações humanas?
Avaliação:
• Será a (Quarta Tentativa) uma boa definição de ação humana?
• Pode parecer uma definição plausível, mas é ainda legítimo perguntar:
• De que ação se trata?
• Da ação de levantar o braço ou da de fazer sinal para virar?
Sumário
• Esse critério poderá ser utilizado para determinar qual é, exatamente, a ação que está a
ser levada a cabo, em cada circunstância.
• O filósofo Donald Davidson sugere que:
• De entre as várias descrições possíveis de uma dada ação, apenas uma delas permite
explicar devidamente a ocorrência do acontecimento em causa.
• Isto é, apenas uma delas nos permite compreender porque é que aquele
acontecimento teve lugar.
De que ação se trata?
• Neste caso trata-se da ação de levantar o braço ou de fazer sinal para virar?
• Ou seja, qual é a descrição que permite explicar devidamente a ocorrência do
acontecimento em causa? E porquê?
• Para isso, pode-se sondar quais são as crenças e desejos principais do agente que
causaram ou motivaram esse acontecimento.
De que ação se trata?
Naquelas circunstâncias, será que se a forma de sinalizar que se pretende virar à direita
fosse não o gesto de levantar o braço, mas sim o de inclinar a cabeça nessa direção, o
agente teria, ainda assim, levantado o braço?
• Se isto é correto, podemos concluir que apenas o enunciado (2) nos permite explicar a
ocorrência desse acontecimento.
• De entre as várias descrições possíveis, (2) é aquele que faz a correspondência adequada
entre o acontecimento em causa e a intenção do agente.
• Se perguntássemos ao agente: “o que é que estás a fazer?” ou “o que é que pensas que
estás a fazer?”, a resposta mais adequada seria: “a fazer sinal de que vou virar à direita” e
não simplesmente “a levantar o braço”.
• Uma vez que (2) é a única que permite explicar devidamente o acontecimento em causa,
esta descrição deve ser preferida em relação às restantes.
• Esse tipo de descrição é apelidado como “descrição preferencial da ação”.
Sumário
• No entanto, a ação não envolve sempre deliberação. Tal como argumenta John Searle no
livro Mente, Cérebro, e Ciência:
Um erro comum que existe na teoria da ação é supor que todas as ações intencionais são o
resultado de alguma espécie de deliberação, que são o produto de uma cadeia de raciocínio
prático. Mas, obviamente, muitas coisas que fazemos não são assim. Simplesmente fazemos
alguma coisa sem qualquer reflexão prévia. Por exemplo, numa conversa normal, não se
reflete sobre o que se vai dizer a seguir – simplesmente se diz. Em tais casos, há decerto
uma intenção, mas não é uma intenção formada antes da realização da ação. É o que eu
chamo uma intenção na ação. Noutros casos, porém, formamos intenções antecedentes.
Refletimos sobre o que queremos e sobre qual é a melhor maneira de o levar a cabo. Este
processo de reflexão (Aristóteles chamou-lhe «raciocínio prático») resulta
carateristicamente na formação de uma intenção prévia, ou, como também Aristóteles
sublinhou, resulta por vezes na própria ação.
Exercícios sobre o texto de Searle
Contextualização: O raciocínio prático distingue-se do teórico porque tem uma ação como
conclusão.
Interpretação
1. Apresentando exemplos, distinga intenção na ação de intenção antecedente.
2. Segundo o autor, toda a intenção implica deliberação? Porquê?
3. Apresente alguns exemplos de raciocínios práticos e de raciocínios teóricos.
Discussão
* "Se falar simplesmente, sem qualquer deliberação prévia, é uma ação, é porque é algo que
queremos fazer; mas, nesse caso, também a digestão seria uma ação, o que é absurdo. Certamente
que fazer a digestão ou o bater do coração não é uma ação; mas a verdade é que todos queremos
fazer a digestão e queremos que o nosso coração bata". Concorda? Porquê?
O que torna uma ação racional (ou irracional)?
A meu ver, uma diferença essencial entre as pessoas e as outras criaturas reside na estrutura
da vontade de uma pessoa. Os seres humanos não são os únicos que têm desejos e motivos
ou que fazem escolhas. Partilham estas caraterísticas com os membros de outras espécies,
alguns dos quais parecem mesmo empreender deliberações e tomar decisões baseadas em
pensamento prévio. Parece-me peculiarmente caraterístico dos seres humanos, no entanto, o
facto de eles seres capazes de formar "desejos de segunda ordem", como lhes chamarei.
Além de quererem, escolherem e estarem motivados para fazer isto ou aquilo, os homens
também parecem querer ter (ou não ter) certos desejos ou motivos. São capazes de querer
ser diferentes, nas suas preferências e propósitos, daquilo que são. Muitos animais parecem
possuir a capacidade de ter "desejos de primeira ordem", como lhes chamarei, que são
simplesmente desejos de fazer ou de não fazer isto ou aquilo. Nenhum animal além do
homem, no entanto, parece ter a capacidade da autoavaliação reflexiva, que se manifestava
na formação de desejos de segunda ordem.
Exercícios sobre o texto de Frankfurt
Interpretação e Discussão
1. Recorrendo a exemplos, distingue desejos de primeira ordem de desejos de segunda
ordem.
2. Qual é a tese defendida pelo autor?
3. Concordas com a tese defendida pelo autor? Porquê?