Você está na página 1de 21

Sumário

 Problemas Filosóficos que vamos estudar no 2.º período:


• Problema da natureza, individuação, e racionalidade da ação.
• Problema do livre-arbítrio e do determinismo.
• Problema da natureza dos juízos morais.
• Problema do critério ético da moralidade de uma ação.
O que são ações humanas?

Um dos problemas filosóficos centrais que vamos estudar:

 Problema do Livre-Arbítrio
Serão as nossas ações realmente livres? Como podemos conciliar o determinismo que parece existir
no mundo com a nossa convicção de que as nossas ações são livres? Mesmo que seja tudo
determinado podemos ser responsáveis pelas nossas ações?

Mas antes de responder a essas questões precisamos de analisar uma questão mais básica:

 Problema Filosófico da Ação


O que é exatamente uma ação humana? Como distinguir ações humanas de meros acontecimentos?
Esforçamo-nos por explicar e justificar ações; então, o que será que explica um ação?
O que são ações humanas?

 Alguns esclarecimentos iniciais:


• Podemos apresentar exemplos de ações humanas:
• O Raimundo estudou ontem para o teste de filosofia.
• A Florbela fugiu da tempestade.
• A Mafalda observou o eclipse do Sol.

 Mas dar exemplos de ações humanas é diferente de definir ações humanas.

 Quando questionamos ’O que são ações humanas?’ estamos à procura de uma definição
explícita; ou seja, queremos apresentar condições que sejam conjuntamente necessárias e
suficientes.
O que são ações humanas?

 Então quais são as condições simultaneamente necessárias e suficientes para definir o


que é uma ação humana?
 1.ª tentativa:

x é uma ação humana se, e só se, x é um acontecimento.

• Sendo que um acontecimento é algo que ocorre num determinado espaço e durante um
período de tempo.(Ex: um terramoto, um dia de sol, uma tempestade, etc.).
• Avaliação: Será a (Primeira Tentativa) uma boa definição de ação humana? Será que x ser
um acontecimento é uma condição suficiente para x ser uma ação humana?
O que são ações humanas?

 Avaliação:
• Será a (Segunda Tentativa) uma boa definição de ação humana? Será que x ser um
acontecimento que envolve pelo menos um agente é uma condição suficiente para x ser uma
ação humana?
• Para melhor avaliar, considerem-se as seguintes listas de acontecimentos que envolvem
agentes:

Lista 1) • Estudar para o teste; • Ir ao cinema; • Mudar uma lâmpada.


(Lista 2) • Dar uma queda; • Apanhar uma gripe; • Ser promovido.

 Problema: na (Lista 1) os exemplos são simples ações humanas; contudo, na (Lista 2) os


exemplos não são ações humanas. Então, onde está a diferença?
O que são ações humanas?

 Aspetos que fazem a diferença entre as listas:


• Na (Lista 2) os exemplos são tipicamente acontecimentos acidentais, em que os agentes nada
fazem, sendo algo que lhes aconteceu. Estes são acontecimentos involuntários.
• Pelo contrário, na (Lista 1) são apresentados exemplos em que o agente realiza algo de forma
voluntária ou intencional.
• Um acontecimento é voluntário ou intencional quando, para além de envolver um agente,
esse acontecimento corresponde àquilo que esse agente pretendia ou queria fazer.
• Assim, pode-se apresentar um melhor definição de ação:
 3.ª tentativa:

x é uma ação humana se, e só se, x é um acontecimento que consiste em algo que
um agente realiza intencionalmente.
O que são ações humanas?

 Avaliação:
• Será a (Terceira Tentativa) uma boa definição de ação humana?
• Apesar de parecer plausível, há um problema com essa definição.
Considere-se a seguinte descrição de um acontecimento:
Um dia, quando andava de bicicleta, o Raimundo levantou o braço para indicar que pretendia virar à
direita e, acidentalmente, partiu o nariz a um transeunte descuidado que se atravessou no meio da
estrada.
Nestas circunstâncias, pode-se descrever verdadeiramente que:
1 O Raimundo levantou o braço (intencionalmente).
2 O Raimundo fez sinal de que ia virar à direita (intencionalmente).
3 O Raimundo partiu o nariz a um transeunte (acidentalmente).
• Problema: Será que o acontecimento descrito nas afirmações 1, 2, e 3 é uma ação?
O que são ações humanas?

• Por um lado, dado que as descrições (1) e (2) referem coisas realizadas intencionalmente, então esse
acontecimento é uma ação.
• Por outro lado, dado que a descrição (3) refere coisas realizadas sem intenção, então esse
acontecimento não é uma ação.
• Chegamos assim a uma conclusão contraditória ou paradoxal.
• Será possível evitar esta conclusão inaceitável?
• Como solução, a filósofa Elizabeth Anscombe defendeu que:
• Se um acontecimento for intencional sob pelo menos uma descrição verdadeira, então estamos
perante uma ação.
• Ora, o acontecimento do qual o Raimundo é agente é intencional sob pelo menos uma
descrição verdadeira, nomeadamente em (1) e (2), por isso essa acontecimento é uma ação.
• O facto de não ser intencional sobre outras descrições verdadeiras, como em (3), nada impede
que seja uma ação.
O que são ações humanas?

 Com base em Elizabeth Anscombe, podemos sustentar que:


(Quarta Tentativa)

x é uma ação humana se, e só se, x é um acontecimento que um agente realiza


intencionalmente segundo, pelo menos, uma descrição verdadeira.

Avaliação:
• Será a (Quarta Tentativa) uma boa definição de ação humana?
• Pode parecer uma definição plausível, mas é ainda legítimo perguntar:
• De que ação se trata?
• Da ação de levantar o braço ou da de fazer sinal para virar?
Sumário

 Problemas Filosóficos que vamos estudar no 2.º período:


• Problema da natureza, individuação, e racionalidade da ação.
• Problema do livre-arbítrio e do determinismo.
• Problema da natureza dos juízos morais.
• Problema do critério ético da moralidade de uma ação.
De que ação se trata?

 O problema da individuação da ação consiste em procurar um critério que nos permita


distinguir as ações umas das outras.

• Esse critério poderá ser utilizado para determinar qual é, exatamente, a ação que está a
ser levada a cabo, em cada circunstância.
• O filósofo Donald Davidson sugere que:
• De entre as várias descrições possíveis de uma dada ação, apenas uma delas permite
explicar devidamente a ocorrência do acontecimento em causa.
• Isto é, apenas uma delas nos permite compreender porque é que aquele
acontecimento teve lugar.
De que ação se trata?

• Considere-se novamente o acontecimento com as seguintes descrições:


1 O Raimundo levantou o braço (intencionalmente).
2 O Raimundo fez sinal de que ia virar à direita (intencionalmente).
3 O Raimundo partiu o nariz a um transeunte (acidentalmente).

• Neste caso trata-se da ação de levantar o braço ou de fazer sinal para virar?
• Ou seja, qual é a descrição que permite explicar devidamente a ocorrência do
acontecimento em causa? E porquê?
• Para isso, pode-se sondar quais são as crenças e desejos principais do agente que
causaram ou motivaram esse acontecimento.
De que ação se trata?

 Do caso anterior podemos concluir que:


• Os enunciados (1) e (2) constituem descrições verdadeiras e intencionais do
acontecimento em causa.
• Mas qual destes enunciados nos permite explicar aquele acontecimento?
 A proposta de Donald Davidson:

Naquelas circunstâncias, será que se a forma de sinalizar que se pretende virar à direita
fosse não o gesto de levantar o braço, mas sim o de inclinar a cabeça nessa direção, o
agente teria, ainda assim, levantado o braço?

• É de supor que não.


De que ação se trata?

• Se isto é correto, podemos concluir que apenas o enunciado (2) nos permite explicar a
ocorrência desse acontecimento.
• De entre as várias descrições possíveis, (2) é aquele que faz a correspondência adequada
entre o acontecimento em causa e a intenção do agente.
• Se perguntássemos ao agente: “o que é que estás a fazer?” ou “o que é que pensas que
estás a fazer?”, a resposta mais adequada seria: “a fazer sinal de que vou virar à direita” e
não simplesmente “a levantar o braço”.
• Uma vez que (2) é a única que permite explicar devidamente o acontecimento em causa,
esta descrição deve ser preferida em relação às restantes.
• Esse tipo de descrição é apelidado como “descrição preferencial da ação”.
Sumário

 Problemas Filosóficos que vamos estudar no 2.º período:


• Problema da natureza, individuação, e racionalidade da ação.
• Problema do livre-arbítrio e do determinismo.
• Problema da natureza dos juízos morais.
• Problema do critério ético da moralidade de uma ação.
O que torna uma ação racional (ou irracional)?

 Até agora vimos que:


1. Uma ação é um acontecimento que consiste em algo que um agente faz, sendo
intencional sob pelo menos um descrição verdadeira.
2. Há uma descrição preferencial da ação que a permite individuar ou explicar.

Mas ainda há um problema pertinente:


3. O que torna uma ação racional (ou irracional)?
O que torna uma ação racional (ou irracional)?

Em que condições uma ação pode ser considerada racional?


• Uma proposta consiste em sustentar o seguinte:
• Se pretendemos que a nossa ação seja racional, então ela deve corresponder ao resultado de
um processo deliberativo.
• Um tal processo envolve duas atividades:
1. Identificação de ações alternativas.
2. Avaliação de ações alternativas.
• Assim, de acordo com este processo, antes de fazer o que quer que seja, devemos analisar as
diferentes alternativas (ou seja, os diferentes cursos de ação) que temos ao nosso dispor e ponderar
as razões que temos a favor e contra cada uma delas.
• O resultado da ponderação das razões, que é o aspeto crucial da deliberação, é uma decisão.
• Caso uma decisão não resulte de uma deliberação ou decisão racional, então poderá ser
considerada emotiva, irrefletida, ou até mesmo infundada e irracional.
O que torna uma ação racional (ou irracional)?

• No entanto, a ação não envolve sempre deliberação. Tal como argumenta John Searle no
livro Mente, Cérebro, e Ciência:

Um erro comum que existe na teoria da ação é supor que todas as ações intencionais são o
resultado de alguma espécie de deliberação, que são o produto de uma cadeia de raciocínio
prático. Mas, obviamente, muitas coisas que fazemos não são assim. Simplesmente fazemos
alguma coisa sem qualquer reflexão prévia. Por exemplo, numa conversa normal, não se
reflete sobre o que se vai dizer a seguir – simplesmente se diz. Em tais casos, há decerto
uma intenção, mas não é uma intenção formada antes da realização da ação. É o que eu
chamo uma intenção na ação. Noutros casos, porém, formamos intenções antecedentes.
Refletimos sobre o que queremos e sobre qual é a melhor maneira de o levar a cabo. Este
processo de reflexão (Aristóteles chamou-lhe «raciocínio prático») resulta
carateristicamente na formação de uma intenção prévia, ou, como também Aristóteles
sublinhou, resulta por vezes na própria ação.
Exercícios sobre o texto de Searle

 Contextualização: O raciocínio prático distingue-se do teórico porque tem uma ação como
conclusão.
 Interpretação
1. Apresentando exemplos, distinga intenção na ação de intenção antecedente.
2. Segundo o autor, toda a intenção implica deliberação? Porquê?
3. Apresente alguns exemplos de raciocínios práticos e de raciocínios teóricos.
 Discussão
* "Se falar simplesmente, sem qualquer deliberação prévia, é uma ação, é porque é algo que
queremos fazer; mas, nesse caso, também a digestão seria uma ação, o que é absurdo. Certamente
que fazer a digestão ou o bater do coração não é uma ação; mas a verdade é que todos queremos
fazer a digestão e queremos que o nosso coração bata". Concorda? Porquê?
O que torna uma ação racional (ou irracional)?

Texto de Harry Frankfurt sobre a deliberação:

A meu ver, uma diferença essencial entre as pessoas e as outras criaturas reside na estrutura
da vontade de uma pessoa. Os seres humanos não são os únicos que têm desejos e motivos
ou que fazem escolhas. Partilham estas caraterísticas com os membros de outras espécies,
alguns dos quais parecem mesmo empreender deliberações e tomar decisões baseadas em
pensamento prévio. Parece-me peculiarmente caraterístico dos seres humanos, no entanto, o
facto de eles seres capazes de formar "desejos de segunda ordem", como lhes chamarei.
Além de quererem, escolherem e estarem motivados para fazer isto ou aquilo, os homens
também parecem querer ter (ou não ter) certos desejos ou motivos. São capazes de querer
ser diferentes, nas suas preferências e propósitos, daquilo que são. Muitos animais parecem
possuir a capacidade de ter "desejos de primeira ordem", como lhes chamarei, que são
simplesmente desejos de fazer ou de não fazer isto ou aquilo. Nenhum animal além do
homem, no entanto, parece ter a capacidade da autoavaliação reflexiva, que se manifestava
na formação de desejos de segunda ordem.
Exercícios sobre o texto de Frankfurt

Interpretação e Discussão
1. Recorrendo a exemplos, distingue desejos de primeira ordem de desejos de segunda
ordem.
2. Qual é a tese defendida pelo autor?
3. Concordas com a tese defendida pelo autor? Porquê?

Você também pode gostar