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O que a lei da utilidade marginal decrescente

pode nos ensinar?

A lei da utilidade marginal decrescente está no âmago da explicação de vários


fenômenos econômicos, dentre eles a preferência temporal e o valor dos bens. 
Uma outra função crucial sua é mostrar por que o socialismo é ética e
economicamente inferior ao capitalismo.
A lei da utilidade marginal decrescente, demonstrada por Carl Menger (1840—
1921), é axiomática por natureza; isto é, trata-se de uma
lei irrefutavelmente verdadeira.  Para os economistas convencionais, entretanto,
esta fundamental lei econômica é tipicamente interpretada como se fosse uma lei
psicológica.  Eles a confundem com a lei da saciação dos desejos.

Tal interpretação, contudo, não entende a lei da utilidade marginal decrescente


como sendo uma lei econômica fundamental — isto é, que é verdadeira
independente da época e do lugar —, mas sim como uma mera e efêmera
explicação para certos fenômenos econômicos, explicação essa que pode ser
válida ou não para determinadas situações.

Dada a importância da lei da utilidade marginal decrescente para a teoria


econômica, é importante insistir na afirmação de que a lei da utilidade marginal
decrescente é irrefutavelmente verdadeira — pois ela é resultado do axioma da
ação humana, isto é, ela é resultado do fato indiscutível de que todo ser humano
age.

Ignorar essa verdade leva a conclusões falaciosas e errôneas.  Em última


instância, leva à adoção de teorias econômicas sem fundamentos e políticas
econômicas desastrosas.

O Axioma da Ação Humana

Ludwig von Mises (1881—1973) reconstruiu a ciência econômica como uma


ciência axiomática, a qual ele denominou praxeologia (práxis = ação): a ciência
da lógica da ação humana.  O elemento central da praxeologia é o axioma da
ação humana.[1]

O axioma da ação humana basicamente diz que os seres humanos agem.  Isso
pode soar banal à primeira vista.  Entretanto, uma observação mais detida irá
deixar óbvio que o axioma misesiano da ação humana e suas implicações estão
longe de ser banais:

Para começar, um axioma é uma proposição — ou um arranjo de proposições —


tida como verdadeira a priori.  Ele é aprioristicamente verdadeiro por uma
questão de lógica.  Um axioma serve para apresentar diferentes temas na forma
de teorias formais e coerentes, sendo que todas essas teorias são proposições que
podem ser deduzidas do axioma.  Por exemplo, o teorema de Pitágoras pode ser
deduzido dos axiomas da geometria euclidiana.

O axioma da ação humana é de natureza especial: ele representa uma proposição


sintética a priori, para utilizar a terminologia de Immanuel Kant (1724—1804). 
Uma proposição sintética a priori é um conhecimento que (1) não pode ser
negado sem que se caia em contradição intelectual, e (2) é derivado da reflexão, e
não da observação.

O axioma da ação humana não pode ser negado sem que o indivíduo caia em
uma insolúvel contradição.  Afinal, para negar o axioma da ação humana, o
individuo está incorrendo em uma ação humana — trata-se do ato humano de
negar.  Argumentar que humanos não podem agir é, portanto, uma contradição
em si mesmo, uma absurdidade.

Ademais, o axioma da ação é derivado da reflexão humana: ele independe da


experiência.  Isso porque um indivíduo não pode observar humanos fazendo uma
ação propriamente dita.  Para saber o que "ação" significa, é preciso antes saber o
que é uma ação — o que significa que o conhecimento sobre o que é ação deve
existir antes da ação. 

Dito isso, o axioma da ação humana satisfaz ambos os requisitos de Kant para ser
qualificado como uma proposição sintética a priori: é uma verdade autoevidente
e é derivada da reflexão.  Dito isso, deduções lógicas extraídas do axioma da
ação humana também devem ser absolutamente e irrefutavelmente verdadeiras.

Por meio do seu desenvolvimento da praxeologia, Mises demonstrou que a teoria


econômica é a manifestação lógica desse irrefutavelmente verdadeiro axioma da
ação humana.  De acordo com Mises, a teoria econômica não está preocupada
com psicologia, mas sim com as implicações do axioma da ação humana.

A Lei da Utilidade Marginal Decrescente

A lei da utilidade marginal decrescente pode ser logicamente deduzida do


axioma da ação humana.  Para mostrar isso, comecemos com algumas
observações sobre 'utilidade'.
Utilidade é um conceito subjetivo.  Denota "satisfação" (ou "felicidade" ou
"contentamento").  Ela aumenta se e quando um indivíduo aumenta seu estado de
satisfação.  Inversamente, ela diminuiu se e quando um indivíduo considera que
sua situação piorou.

Mais ainda: utilidade é um conceito ordinal (contrário de cardinal), o que


significa que a utilidade não pode ser mensurada cardinalmente.  Ela pode apenas
ser ordenada em série, como em um ranking.  Da mesma forma, alterações na
utilidade de diferentes pessoas não podem ser mensuradas.  Tudo o que se pode
dizer é que a utilidade é maior ou menor desde o ponto de vista de um indivíduo. 

Rothbard explicou por quê:

Para que qualquer mensuração fosse possível, teria de haver uma unidade
objetivamente determinada e eternamente fixa, com a qual outras unidades
pudessem ser comparadas.  Mas não existe tal unidade objetiva no âmbito das
valorações humanas.  O indivíduo, por si próprio, deve determinar
subjetivamente se ele está em melhor ou pior situação em decorrência de alguma
mudança sofrida.[2]
Utilidade marginal significa a utilidade trazida por aumentos na quantidade de
bens; significa a utilidade trazida pelo usufruto de um bem adicional.  Utilidade
marginal não significa incrementos na utilidade — o que implicaria que a
utilidade poderia ser mensurada.[3] Portanto, o que a lei da utilidade marginal
decrescente diz?

A lei diz, em primeiro lugar, que a utilidade marginal de cada unidade


(homogênea) decresce à medida que a oferta de unidades aumenta (e vice versa);
segundo, que a utilidade marginal de uma unidade de maior tamanho é maior do
que a utilidade marginal de uma unidade de menor tamanho (e vice versa).  A
primeira lei denota a lei da utilidade marginal decrescente; a segunda lei, a lei da
utilidade total crescente.

Essas duas dimensões da lei da utilidade marginal decrescente advêm


diretamente do axioma da ação humana; elas podem ser deduzidas logicamente
dele, e de maneira alguma dependem da psicologia ou de qualquer outra
pressuposição comportamental.  Isso será mostrado a seguir.

A Natureza Apriorística da Lei da Utilidade Marginal Decrescente

Apriorismo denota uma teoria que gera proposições verdadeiras; proposições


cuja verdade independe de conhecimentos derivados da empiria: seu verdadeiro
valor pode ser estabelecido a priori, independentemente de experiências
(sensoriais).

A praxeologia, baseando-se no axioma da ação humana, afirma algo sobre a


realidade que pode ser confirmado sem que se recorra a experimentos; trata-se de
uma ciência apriorística.  Ademais, a lei da utilidade marginal decrescente é uma
consequência lógica do irrefutavelmente verdadeiro axioma da ação humana, e,
como tal, é também uma verdade apriorística.  Essa conclusão não tem nada a ver
com psicologia.

Para mostrar isso, devemos nos lembrar tanto das implicações óbvias quanto das
implicações menos obvias do axioma da ação humana.

O axioma da ação humana implica que os humanos agem, e que a ação humana
é intencional, propositada, objetivando determinados fins.  A ação humana é
distinguível daqueles tipos de comportamento humano que são despropositados
ou puramente involuntários.  Supor o contrário resultaria em uma contradição
intelectual insolúvel.[4]

O axioma da ação humana implica substituir uma situação menos satisfatória por
uma situação mais satisfatória.  Caso houvesse um perfeito contentamento com
tudo (e, logo, plena satisfação), não haveria nenhuma ação humana — algo que,
como notado anteriormente, é impensável.

A ação humana implica a utilização de meios para a satisfação de fins, e o axioma


da ação humana implica que esses meios são escassos.  Se não fossem escassos,
os meios não serviriam como objetos da ação humana.  Mais ainda: se os meios
não fossem escassos, não haveria ação — e isso é impensável.

Dado que os meios são escassos — em relação aos fins a que eles podem servir
—, eles devem, portanto, ser economizados.  Como resultado da escassez, o
agente tem de saber como alocar esses meios escassos para que eles sirvam aos
seus mais desejados fins.  Sendo assim, certos fins inevitavelmente permanecerão
não satisfeitos.  Disso, conclui-se que, quanto maior a oferta de meios
disponíveis, mais fins podem ser satisfeitos.

Como os meios são escassos, a ação humana implica que o indivíduo deve
classificar em ordem de preferência seus diferentes fins.  A ação humana,
portanto, é um indicativo do julgamento e da valoração do indivíduo — ou, como
disse Rothbard, trata-se de preferências demonstradas: os fins classificados no
topo das preferências são aqueles que o indivíduos valora mais favoravelmente.

Desta perspectiva, torna-se óbvio que a lei da utilidade marginal decrescente


advém do axioma da ação humana.

Primeiro, quanto maior é a oferta de um bem, menor é a utilidade de uma


unidade adicional: quanto mais bens estiverem disponíveis, maior será a
quantidade dos fins menos urgentes que poderão ser satisfeitos.  As pessoas,
portanto, valoram os bens "na margem": se, por exemplo, um indivíduo tiver de
abrir mão de um de seus bens que está sendo utilizado para a satisfação de seus
fins, ele irá abrir mão do fim menos importante possibilitado por esse bem — isto
é, a unidade marginal.  É esse fim que agora foi deixado de lado que irá
determinar o valor desse bem, do ponto de vista do indivíduo.
Segundo, a utilidade total de uma maior oferta de bens sempre será maior do
que a utilidade de uma menor oferta de bens — uma vez que a primeira condição
permite a satisfação mais fins que a segunda condição.

Mises resumiu a lei da utilidade marginal decrescente de maneira sucinta:

Ao tratar da utilidade marginal, não estamos lidando nem com prazer sensorial
nem com saturação ou saciedade. Não transpomos a esfera do raciocínio
praxeológico ao estabelecermos a seguinte definição: a utilização que um
indivíduo faz de uma unidade de um conjunto homogêneo de bens, se ele dispõe
de n unidades, e que não faria se só dispusesse de n-1 unidades, mantidas
iguais as demais circunstâncias, constitui a utilização menos urgente, ou seja, a
sua utilização marginal. Por isso, consideramos a utilidade derivada da unidade
em questão como utilidade marginal. Para chegar a esta conclusão, não
precisamos de nenhuma experiência fisiológica ou psicológica, de nenhum
conhecimento ou raciocínio. Decorre necessariamente de nossa premissa o fato
de que o homem age (escolhe) e de que, no primeiro caso, tinha n unidades de
um conjunto homogêneo de bens e, no segundo caso, n-1 unidades. Nestas
condições, não se pode conceber outro resultado. Nossa afirmativa é formal e
apriorística, e não depende de nenhuma experiência.
Três aplicações da Lei da Utilidade Marginal Decrescente

Finalmente, consideremos três aspectos econômicos em que a irrefutavelmente


verdadeira lei da utilidade marginal decrescente possui um papel importante —
algo que, entretanto, é frequentemente ignorado pela economia convencional. 
Essa abordagem errada e incompleta da ciência econômica, por sua vez, resulta
— intencionalmente ou não — em políticas destrutivas.

(1) Um aumento na quantidade de dinheiro.  Um aumento na quantidade de


dinheiro irá, por razões lógicas, reduzir o valor de troca de uma unidade
monetária.  É assim porque a unidade monetária adicional pode ser utilizada para
satisfazer um fim adicional que é necessariamente menos urgente que a
satisfação do fim imediatamente anterior (em termos de importância) a este.  Um
aumento na quantidade de dinheiro, portanto, irá necessariamente levar a uma
redução na utilidade marginal da unidade monetária (comparada à situação em
que a quantidade de dinheiro permaneceu inalterada).

Como resultado, um aumento na quantidade de dinheiro jamais pode ser "neutro"


em termos econômicos.  Tal aumento necessariamente leva a um declínio no
valor troca do dinheiro — quando comparado a uma situação em que a
quantidade de dinheiro permaneceu inalterada.  Também é válido observar que
um aumento na quantidade de dinheiro afeta de modo diferente os diferentes
agentes de mercado. (Veja mais aqui).

Uma política monetária que busca aumentar a quantidade de dinheiro, portanto,


jamais poderá ser "neutra": ela necessariamente reduz o valor de troca da unidade
monetária, e ela necessariamente beneficiará algumas pessoas (aqueles que
recebem esse novo dinheiro antes do resto da população) à custa de outras
(aquelas que recebem esse novo dinheiro por último).

(2) Uma redução na taxa de juros de mercado.  A taxa de juros vigente em um


mercado livre e desimpedido — isto é, a taxa de juros pura — reflete
a preferência temporal da sociedade — a qual, por sua vez, também está implícita
no axioma da ação humana.  Preferência temporal significa que os agentes de
mercado valoram os bens disponíveis hoje (bens presentes) de maneira mais
elevada do que os bens que só estarão disponíveis no futuro (bens futuros).

E quanto mais os indivíduos mostrarem que preferem bens presentes (adquiridos


com sua renda atual) em detrimento de bens futuros (os quais serão adquiridos
por meio da poupança que terão de fazer até lá), maior será a valoração dada aos
bens presentes em relação aos bens futuros — e isso é resultado da
irrefutavelmente verdadeira lei da utilidade marginal decrescente.  A taxa de
juros pura, portanto, expressa a relação entre as valorações dos bens presentes e
as valorações dos bens futuros.

Se o governo intervir no mercado temporal — por exemplo, aumentando a oferta


monetária, criando crédito do nada, sem lastro em poupança —, ele
necessariamente fará com que a taxa de juros de mercado seja diferente da taxa
de juros pura (no caso, ele fará com que a taxa de juros de mercado seja menor
que a taxa de juros pura), algo que subsequentemente irá de
provocar investimentos errôneos e ciclos de expansão e recessão econômica.

(3) Violação dos direitos de propriedade dos indivíduos.[5]  Violações dos


direitos de propriedade individual (por exemplo, por meio de tributação,
regulamentações etc.) farão com que os proprietários valorem os bens presentes
de modo cada vez mais favorável em relação aos bens futuros — uma conclusão
que advém da lei da utilidade marginal decrescente.

Violações dos direitos de propriedade individual, portanto, aumentam a


preferência temporal das pessoas, tornando-os mais imediatistas, mais voltadas
para o presente, fazendo-as aumentar o consumo em detrimento da poupança e
do investimento, o que reduzirá (ou até mesmo reverterá) o ritmo da acumulação
de capital.  Uma sociedade intervencionista-socialista necessariamente irá, por
conseguinte, ser mais pobre do que poderia ser caso adotasse uma ordem social
de livre mercado, em que não há violações sistemáticas dos direitos de
propriedade dos indivíduos.

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Notas

[1] Para uma explicação mais aprofundada, ver Hoppe, H.-H. (1995),


"Praxeologia e a Ciência Econômica", em A Ciência Econômica e o Método
Austríaco, Instituto Ludwig von Mises Brasil.
[2] Ver Rothbard, M. N. (2007 [1962]), Man, Economy, and State, Scholar's
edition, Ludwig von Mises Institute, pp. 21-33.

[3] Ver sobre isso Rothbard, M. N. (1959), "Toward a Reconstruction of Utility


in Welfare Economics," originalmente publicado em On Freedom and Free
Enterprise: The Economics of Free Enterprise, May, Sennholz, H. F., ed.,
Princeton, N.J: D. Van Nostrand, 1956; reimpresso em in The Logic of Action
One: Method, Money, and the Austrian School by Murray N. Rothbard, London:
Edward Elgar, 1997, pp. 211-255.

[4] Mises, L. (2007 [1957]), Theory and History, Ludwig von Mises Institute, p.


3, observa:

Seria algo simplesmente tolo negar o fato de que o homem manifestamente se


comporta como se estivesse de fato buscando atingir fins definidos.  Logo, a
negação de que há propósitos nas atitudes do homem é algo que somente pode
ser aceito se for assumido que a escolha dos fins e dos meios é algo apenas
aparente; que o comportamento humano é, em última instância, determinado por
eventos fisiológicos que podem ser completamente descritos na terminologia da
física e da química.

Mesmo os mais fanáticos defensores da "Unidade da Ciência" [dogma central


do positivismo lógico], os quais formam uma seita, evitam propagandear
inequivocamente essa formulação rude e grosseira de sua tese fundamental.  E
há boas razões para essa reticência.  Enquanto não for descoberta uma relação
clara e distinta entre ideias e eventos físicos ou químicos — dos quais as ideias
seriam a consequência lógica —, a tese positivista permanecerá sendo apenas
um postulado epistemológico originado não da experiência cientificamente
estabelecida, mas de uma visão metafísica do mundo.

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