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Praxiologia enquanto Método das Ciências Sociais

Por Murray N. Rothbard, tradução retirada do artigo “Praxeology as the Method


of Social Sciences”, que consta no livro “Economic Controversies”. 
 
Tradução feita por Eric Matheus

O Método Praxiológico

Durante a geração passada, uma veraz revolução ocorreu na disciplina de


economia. Eu estou me referindo, não tanto à bem conhecida revolução
Keynesiana, mas à revolução mais quieta, mas ainda assim mais profunda na
metodologia desta disciplina. Essa mudança não ocorreu simplesmente nos
escritos formais de um punhado de metodologistas conscientes; ela espalhou-
se, grandemente despercebida, até que agora permeia pesquisas e estudos em
todas as partes do campo. Alguns efeitos dessa revolução metodológica são
muito aparentes. Deixe o não-especialista em economia pegar um artigo de
jornal ou uma monografia hoje e compará-lo com um de uma geração atrás, e a
primeira coisa que irá impressioná-lo será a incompreensibilidade do produto
moderno. O trabalho antigo era escrito em linguagem ordinária e, com o
esforço moderado, era compreensível ao homem leigo; o trabalho moderno é
virtualmente inteiro matemática, álgebra ou geometria. Como um renomado
economista lamentou, “A economia nos dias atuais geralmente parece com um
sub-ramo de terceira classe da matemática”, e um, ele acrescentou, que o
próprio matemático não estima muito.
É claro, a economia compartilha sua matematização acelerada com
virtualmente todo outro campo do conhecimento, incluindo história e literatura.
Mas, trabalhando sob a noção comum de que essa é uma ciência com um foco
especial nas quantidades, a economia avançou mais longe e mais rápido que
qualquer outra das suas disciplinas irmãs através do caminho matemático e
estatístico.
A ênfase na matemática é um sintoma de uma mudança mais profunda na
disciplina: a rápida adoção do que nós podemos amplamente chamar de
“positivismo” como o guia para pesquisa e o critério para a construção de uma
teoria econômica de sucesso. A influência crescente do positivismo tem sua
fonte na tentativa de todas as ciências sociais de imitar a ciência
(supostamente) de extremo sucesso, a física. Para os cientistas sociais, como
para quase todos os intelectuais, a física tem infelizmente tomado o lugar da
filosofia como “rainha das ciências”. Nas mãos dos positivistas, a filosofia
quase veio a ser uma explicação e um comentário cuidadosamente elaborado
da física, muitas vezes servindo como criada daquela ciência prestigiada. O que
os positivistas veem como a metodologia da física tem sido elevado, nas mãos
deles, a ser o método científico, e qualquer outra abordagem distinta foi
barrada do status de ciência por não passar no rigoroso teste positivista.
Correndo o risco de excesso de simplificação, o modelo positivista do método
científico pode ser sumarizado desta maneira:
Passo 1. O cientista observa as regularidades empíricas, ou “leis”, entre
variáveis.
Passo 2. Generalizações explanatórias hipotéticas são construídas, das quais
as leis observadas empiricamente podem ser deduzidas e portanto
“explicadas”.
Passo 3. Uma vez que hipóteses concorrentes podem ser estruturadas, cada
uma explicando o corpo de leis empíricas, tal “coerência” ou consistência
explanatória não é suficiente; para validar a hipótese, outras deduções
precisam ser feitas delas, que precisam ser “testáveis” pela observação
empírica.
Passo 4. Da construção e teste das hipóteses, um corpo cada vez mais amplo
de generalizações é desenvolvido; essas podem ser descartadas se os testes
empíricos as invalidar, ou substituídas por novas explicações cobrindo um
campo ainda maior do fenômeno.
Uma vez que o número de variáveis é virtualmente infinito, os testes no Passo
3, assim como muito da observação no Passo 1, podem apenas ser feitos em
“experimentos controlados”, nos quais todas as variáveis, exceto as que estão
sob estudo, são mantidas constantes. Replicar as condições experimentais
deve então replicar os resultados.
Note que nessa metodologia nós procedemos do que é conhecido com certeza
—as regularidades empíricas— às hipóteses mais amplas e provisórias. É esse
fato que leva o leigo a acreditar erroneamente que Newton “derrubou” seus
predecessores e foi por sua vez “derrubado” por Einstein. De fato, o que
acontece não é tanto uma substituição quanto uma adição de explicações mais
gerais para um leque mais amplo de fenômenos; as generalizações de um
Newton ou de um Einstein são muito mais provisórias do que o fato que duas
moléculas de hidrogênio combinam com uma molécula de oxigênio para
produzir água.
Agora, eu não sou versado o bastante na filosofia da ciência para desafiar esse
modelo positivista de metodologia da física, embora minha leitura na filosofia
da natureza me leva a suspeitar que ele é altamente inadequado. [1] Meu
descontentamento é que a aplicação indiscriminada e acrítica desse modelo
para a economia nas décadas recentes desviou gravemente toda a disciplina.
Há, no entanto, sem o conhecimento da maioria dos economistas atuais, uma
tradição metodológica concorrente. Essa tradição, o método da maioria dos
economistas clássicos mais antigos, foi chamada de “praxiologia” por Ludwig
von Mises, seu mais eminente teórico e praticante moderno. A praxiologia
defende que nas ciências sociais, onde seres humanos e escolhas humanas
estão envolvidos, o Passo 3 é impossível, visto que até mesmo na mais
ambiciosa sociedade totalitária, é impossível manter todas as variáveis
constantes. Não pode haver experimentos controlados quando confrontamos o
mundo real da atividade humana.
Tomemos um exemplo recente de um fenômeno econômico geralmente
indesejável: a inflação acelerada de preços nos Estados Unidos, nos últimos
anos. Há todo tipo de explicações teóricas concorrentes para isso, indo de
aumentos na oferta de dinheiro até um aumento repentino da ganância por
parte do público ou de vários segmentos dele. Não há uma maneira empírica
positivista de decidir entre essas várias teorias; não há como confirmá-las ou
refutá-las mantendo constantes todas as variáveis, exceto uma, supostamente
explicativa, e então mudando essa variável para ver o que acontece com os
preços. Além disso, há o análogo bem conhecido da ciência social do princípio
da incerteza de Heisenberg: a ciência positivista contém predições, mas como
as predições podem ser testadas quando o próprio ato de predição muda as
forças em ação? Assim, o economista A prediz uma recessão severa em seis
meses; agindo sobre isso, o governo toma medidas para combater a recessão
supostamente iminente, o público e o mercado de ações reagem, e assim por
diante. A recessão, então, nunca ocorre. Isso significa que o economista estava
baseando sua predição em teorias errôneas, ou que as teorias estavam
corretas, mas inadequadas aos dados actuais, ou que ele estava “realmente”
certo, mas que uma ação imediata evitou o temido evento? Não há como
decidir.
Um exemplo adicional: economistas keynesianos acreditam que a depressão
pode ser curada por massivas doses de gastos deficitários pelo governo. O
governo dos Estados Unidos engajou-se em gastos deficitários de larga escala
para combater a depressão no fim da década de 1930, mas sem sucesso. Os
anti-Keynesianos acusam que essa falha prova a incorretude da teoria
Keynesiana; os Keynesianos replicam que as doses simplesmente não foram
massivas o suficiente, e que déficits ainda maiores teriam virado a maré.
Novamente, não há maneira empírica-positivista de decidir entre essas
reivindicações concorrentes.
Os praxiologistas compartilham a contenda da impossibilidade de testes
empíricos com outros críticos do positivismo, tais como os institucionalistas,
que por essa razão abandonam completamente a teoria econômica e se
confinam a reportagens econômicas puramente empíricas ou institucionais.
Mas o praxiologista não se desespera; ele volta-se, em vez disso, para outra
metodologia que pode produzir um corpo correto de teoria econômica. Essa
metodologia começa com a convicção de que enquanto o economista,
diferentemente do físico, não pode testar suas hipóteses em experimentos
controlados, ele está, em outro sentido, em melhor posição do que o físico. Pois
enquanto o físico está certo de suas leis empíricas, mas hesitante e incerto de
suas generalizações explicativas, o economista está na posição oposta. Ele
começa, não com regularidades detalhadas, quantitativas e empíricas, mas
com amplas generalizações explicativas. Essas premissas fundamentais ele
conhece com certeza; elas têm o status de axiomas apodíticos, sobre os quais
ele pode construir dedutivamente com confiança. Começando com o
conhecimento certo do axioma explicativo básico A, ele deduz implicações
de A: B, C e D. A partir dessas, ele deduz implicações adicionais, e assim por
diante. Se ele sabe que A é verdadeiro, e se A implica B, C e D, então ele sabe
com certeza que B, C e D também são verdadeiras. O positivista, olhando
através das vendas impostas por sua noção da física, acha impossível entender
como uma ciência pode começar com os axiomas explicativos e descer até as
leis empíricas mais concretas. Ele, portanto, descarta a abordagem
praxiológica como “mítica” e “apriorista”.
Quais são esses axiomas com os quais o economista pode começar com tanta
confiança? Eles são a existência, a natureza e as implicações da ação humana.
Os seres humanos individuais existem. Ademais, eles não simplesmente “se
movem”, como fazem os átomos ou moléculas não motivados; eles agem, isto
é, têm objetivos e fazem escolhas de meios para atingir seus objetivos. Eles
ordenam seus valores ou fins em uma hierarquia de acordo, ou atribuem maior
ou menor importância a eles; e eles têm o que acreditam ser conhecimento
tecnológico para atingir seus objetivos. Toda essa ação precisa também
ocorrer ao longo do tempo e em um certo espaço. É sobre esse axioma básico
e evidente da ação humana que toda a estrutura da teoria econômica
praxiológica é construída. Não sabemos, e talvez nunca saibamos com certeza,
a equação final que explicará todos os fenômenos eletromagnéticos e
gravitacionais; mas sabemos que as pessoas agem para atingir metas. E esse
conhecimento é suficiente para elaborar o corpo da teoria econômica. [2]
Há uma controvérsia considerável sobre o status empírico do axioma
praxiológico. O professor Mises, trabalhando dentro de uma estrutura de
operação filosófica kantiana, sustentou que, como as “leis do pensamento”, o
axioma é a priori à experiência humana e, portanto, apoditicamente certo. Essa
análise deu origem à designação da praxiologia como “apriorismo extremo”. A
maioria dos praxiologistas, no entanto, sustenta que o axioma é baseado
diretamente na realidade empírica, o que o torna tão certo quanto na
formulação de Mises. Se o axioma é empiricamente verdadeiro, então as
consequências lógicas construídas sobre ele também precisam ser
empiricamente verdadeiras. Mas esse não é o tipo de empirismo bem recebido
pelos positivistas, pois se baseia na experiência interna ou reflexiva universal,
bem como na experiência física externa. Assim, o conhecimento de que os
seres humanos têm objetivos e agem propositadamente para atingi-los
repousa, não apenas na observação de que os seres humanos existem, mas
também no conhecimento introspectivo do que significa ser humano possuído
por cada homem, que então assente a esse conhecimento. Embora esse tipo
de empirismo resida no amplo conhecimento da ação humana, também é
anterior aos eventos históricos complexos que os economistas tentam
explicar.
Alfred Schütz apontou e elaborou a complexidade da interação entre o
indivíduo e outras pessoas, o “entendimento interpretativo” ou Verstehen, sobre
o qual repousa esse entendimento universal pré-científico. O conhecimento de
senso comum da universalidade da ação humana motivada e intencional,
ignorado pelos positivistas como “não científico”, actualmente fornece a base
indispensável sobre a qual a própria ciência precisa se desenvolver. [3] Para
Schütz esse conhecimento é empírico, “desde que não restrinjamos esse termo
às percepções sensoriais dos objetos e eventos no mundo exterior, mas
incluamos a forma experimental, pela qual o pensamento de senso comum
diário entende as ações humanas e seu resultado em termos de seus motivos e
objetivos subjacentes”.[4]
A natureza da evidência em que se baseia o axioma praxiológico é, ademais,
fundamentalmente semelhante ao aceito pelos autoproclamados empiristas.
Para eles, o experimento de laboratório é uma evidência porque a experiência
sensorial nele envolvida está à disposição de cada observador; a experiência
torna-se “evidente” para todos. A prova lógica é nesse sentido semelhante; pois
o conhecimento de que B segue de A torna-se evidente para todos os que se
interessam em seguir a demonstração. Da mesma forma, o fato da ação
humana e da escolha propositada também se torna evidente para cada pessoa
que se preocupa em contemplá-lo; é tão evidente quanto a experiência
sensorial direta do laboratório.
A partir dessa perspectiva filosófica, então, todas as disciplinas que lidam com
seres humanos — da filosofia à história, psicologia e ciências sociais —
precisam tomar como ponto de partida o fato de que os humanos se engajam
em ações motivadas e propositadas e são, portanto, diferentes dos átomos e
pedras não motivados que são objetos das ciências físicas. Mas onde, então, a
praxiologia ou a economia diferem das outras disciplinas que tratam dos seres
humanos? A diferença é que, para o praxiologista, a teoria econômica (diferente
da economia aplicada, que será tratada a seguir) lida não com o conteúdo das
valorações, motivações e escolhas humanas, mas com o fato formal de que as
pessoas se engajam em tais ações motivadas. Outras disciplinas focam no
conteúdo desses valores e ações. Assim, a psicologia pergunta como e por que
as pessoas adotam valores e fazem escolhas; a ética lida com o problema de
quais valores e escolhas eles devem adotar; a tecnologia explica como devem
agir a fim de chegar aos fins escolhidos; e a história tenta explicar o conteúdo
dos motivos e escolhas humanas através do tempo registrado. Dessas
disciplinas, a história é, talvez, a mais puramente verstehende, pois o historiador
está constantemente tentando descrever, entender e explicar as motivações e
escolhas de agentes individuais. A teoria econômica, por outro lado, é a
menos verstehende, pois embora ela também comece com o axioma da ação
humana propositada e intencional, o restante de sua estrutura elaborada
consiste nas implicações lógicas deduzidas — e, portanto, verdadeiras — desse
fato primordial.
Um exemplo da estrutura formal da teoria econômica é a famosa lei
econômica, construída sobre o axioma da existência da ação humana
motivada, que se a demanda por qualquer produto aumenta, dada a oferta
existente, o preço desse produto irá aumentar. Essa lei vale independentemente
do status ético ou estético do produto, assim como a lei da gravidade se aplica
a objetos independentemente de suas identidades particulares. O teórico
econômico não está interessado no conteúdo do que é demandado, ou em seu
significado ético — podem ser armas ou manteiga ou até livros didáticos de
filosofia. É essa natureza formal e universal da lei econômica que tem ganhado,
entre os leigos, a reputação de ser fria, sem coração e excessivamente lógica.
Tendo discutido a natureza do axioma no qual a visão praxiológica da
economia é fundamentada, nós podemos agora começar a examinar o próprio
processo dedutivo, o caminho no qual a estrutura das leis econômicas é
desenvolvida, a natureza dessas leis, e, finalmente, os caminhos nos quais o
economista praxiológico aplica essas leis econômicas para o mundo social.
Uma das ferramentas básicas para a dedução das implicações lógicas do
axioma da ação humana é o uso do “Gedankenexperiment”, ou “experimento
mental”. O Gedankenexperiment é o substituto do economista teórico para o
experimento de laboratório controlado do cientista da natureza. Uma vez que
as variáveis relevantes do mundo social não podem actualmente ser mantidas
constantes, o economista as mantêm constantes em sua imaginação. Usando
a ferramenta da lógica verbal, ele mentalmente investiga a influência causal de
uma variável em outra. O economista descobre, por exemplo, que o preço de
um produto é determinado por duas variáveis, a demanda por ele e sua oferta
em qualquer dado tempo. Ele então mentalmente mantém a oferta constante, e
descobre que um aumento na demanda — trazido ao ser por colocações mais
altas do produto na escala de valores do público — irá trazer ao ser um
aumento no preço. Similarmente, ele descobre, novamente  usando a lógica
verbal dedutiva, que se essas escalas de valor, e portanto a demanda pública,
são mentalmente mantidas constantes e a oferta do produto aumenta, seu
preço cairá. Em suma, a economia chega em leis ceteris paribus: dada a oferta,
o preço mudará na mesma direção que a demanda; dada a demanda, o preço
mudará na direção oposta da oferta.
Um aspecto importante dessas leis econômicas precisa ser apontado: elas são
necessariamente qualitativas. O fato que seres humanos possuem objetivos e
preferências, que eles realizam escolhas para atingir seus objetivos, que toda a
ação precisa ocorrer durante o tempo, todos esses são axiomas qualitativos. E
uma vez que apenas o qualitativo entra no processo lógico do mundo real,
apenas o qualitativo pode emergir. Alguém pode dizer apenas, por exemplo,
que um aumento na demanda, dada a oferta, irá aumentar o
preço; não se pode dizer que um aumento de 20 por cento na demanda irá
resultar em um aumento de 25 por cento no preço. O praxiologista precisa
rejeitar todas as tentativas, não importa o quão na moda estejam, de levantar
uma teoria que consista de alegadas leis quantitativas. Em uma época que
tenta desesperadamente imitar a prestigiosa física, com sua ênfase na
matemática e suas leis quantitativas, muitos cientistas sociais, incluindo
muitos economistas, têm ignorado o método praxiológico por causa de sua
grande insistência nos limites qualitativos da disciplina.
Há uma razão básica para a dicotomia quantitativo-qualitativo entre a física e
as ciências sociais. Os objetos da ciência física não agem; eles não escolhem,
não mudam suas mentes e escolhem novamente. Suas naturezas podem
portanto ser investigadas e as investigações replicadas indefinidamente, com
precisão quantitativa. Mas pessoas mudam suas mentes e suas ações, todo o
tempo; seus comportamentos não podem ser preditos com exatidão e,
portanto, com precisão científica. Entre os muitos fatores que ajudam a
determinar a oferta e demanda da manteiga, por exemplo, estão as valorações
colocadas por cada consumidor na manteiga relativas a todos os outros
produtos disponíveis, a disponibilidade de substitutos, o clima nas áreas
produtoras de manteiga, métodos tecnológicos de produzir manteiga (e
margarina), o preço da ração do gado, a oferta de dinheiro no país, a existência
de prosperidade ou recessão na economia e as expectativas da tendência geral
dos preços do público. Cada um desses fatores está sujeito a mudanças
contínuas e impredizíveis. Até mesmo se uma equação gigantesca pudesse ser
descoberta para “explicar” todos os preços registrados da manteiga durante os
últimos 50 anos, não há garantia, nem mesmo a verossimilhança, de que a
equação teria qualquer coisa a ver com o preço do próximo mês.
De fato, se o sucesso empírico é o teste, é certamente digno de nota que todos
os esforços determinados dos economistas quantitativos, econometristas e
cientistas sociais não têm sido capazes de encontrar uma constante
quantitativa sequer nos assuntos humanos. As leis matemáticas nas ciências
físicas contém numerosas constantes; mas o método imitativo nas ciências
sociais é provado vão pelo fato que nenhuma constante jamais surgiu. Além
disso, apesar do uso de sofisticados modelos econométricos e de
computadores de alta-velocidade, a taxa de sucesso da previsão de
quantidades econômicas tem sido lúgubre, até mesmo para o mais simples
dos agregados, como o Produto Interno Bruto, muito menos para quantidades
mais difíceis; o recorde de previsão do PIB por economistas tem sido pior que a
especulação de um simples leigo das tendências recentes. [5] De fato, o governo
federal tem tido um sucesso notavelmente ruim até mesmo na previsão de
uma variável que está sob seu controle absoluto — suas próprias despesas no
futuro próximo. Talvez nós iremos rever nossa opinião crítica da ciência
econométrica se e quando os econometristas provarem-se aptos a realizarem
predições perfeitas da atividade no mercado de ações — e ganharem eles
mesmos grandes fortunas no processo.
Exceto pelo fato que elas não são quantitativas, contudo, as predições dos
praxiologistas são precisamente do mesmo tipo que as do cientista natural. O
último, afinal, não é um profeta ou adivinho; sua predição de sucesso não é o
que irá  acontecer no mundo, mas o que aconteceria se isso ou aquilo
acontecesse. O cientista pode predizer com sucesso que se o hidrogênio e o
oxigênio são combinados em proporções de dois para um, o resultado será a
água; mas ele não tem meios de predizer cientificamente quantos cientistas em
quantos laboratórios irão performar esse processo em qualquer dado tempo no
futuro. Do mesmo modo, o praxiologista pode dizer, com certeza absoluta, que
se a demanda por manteiga aumentar, e a oferta permanecer a mesma, o preço
da manteiga irá aumentar; mas ele não sabe se a demanda do público por
manteiga irá de fato aumentar ou diminuir, muito menos quanto isso irá mudar.
Como o cientista físico, o economista não é um profeta, e é lamentável que
econometristas e economistas quantitativos tenham tão avidamente assumido
esse papel social.[6]
 
O economista inglês John Jewkes sugere o papel adequadamente limitado da
previsão econômica, bem como da economia aplicada em geral:
Eu proponho que economistas não podem, sem sair de sua
disciplina, prever no sentido de nos dizer o que irá acontecer no futuro. […]
 
No sentido mais geral, não há, em verdade, tal coisa como o
futuro econômico. Há apenas o futuro no qual os fatores
econômicos estão vinculados, inextricavelmente e quase sem esperança de
identificação separada, com todo o universo de forças determinando o curso de
eventos. […] Qualquer um que se propõe a olhar [no futuro] antes do evento
ocorrer
precisa tomar como sua providência o todo da experiência e do conhecimento.
Ele
precisa parar de se comportar como um especialista, o que significa que ele
precisa parar de se comportar como um economista. […]
A reivindicação do economista à autoridade preditiva precisa ser falsa na
medida em que leva a uma absurdidade palpável. Se o futuro econômico pode,
em verdade, ser descrito, por que não também o futuro científico, o futuro
político, o futuro social, o futuro em cada e em todo sentido? Por que não
deveríamos ser capazes de desvendar todos os mistérios do tempo futuro? [7]
 
Qual, então, é a visão praxiológica da função da economia aplicada? O
praxiologista contrasta, de um lado, o corpo de leis qualitativas e nomotéticas
desenvolvido pela teoria econômica, e de outro, uma miríade de fatos históricos
únicos e complexos tanto do passado quanto do futuro. É irônico que enquanto
o praxiologista é geralmente denunciado pelo positivista como um “apriorista
extremo”, ele actualmente tem uma atitude muito mais empírica em relação
aos fatos da história. Pois o positivista está sempre tentando comprimir os
complexos fatos históricos em moldes artificiais, tomando-os como
homogêneos e portanto manipuláveis e predizíveis por operações mecânicas,
estatísticas e quantitativas na tentativa de encontrar pistas, atrasos,
correlações, relações econométricas e “leis da história”. Essa distorção
Procrusteana é empreendida na crença de que os eventos da história humana
podem ser tratados do mesmo modo mecanicista que o movimento dos
átomos ou moléculas — elementos simples, homogêneos e não motivados. O
positivista, desse modo, ignora o fato que enquanto os átomos e pedras não
possuem história, o homem, em virtude de seus atos de escolha consciente,
cria uma história. O praxiologista, ao contrário, defende que cada evento
histórico é o resultado mais altamente complexo de um grande número de
forças causais e, além disso, que é único e não pode ser considerado
homogêneo a qualquer outro evento. Obviamente, há similaridades entre
eventos, mas não há perfeita homogeneidade e portanto não há espaço para
“leis” históricas similares às leis exatas da ciência física.
Enquanto aceita que não há leis mecânicas da história, contudo, o praxiologista
defende que ele pode e precisa usar seu conhecimento de outras ciências
nomotéticas como parte de sua tentativa verstehende de entender e explicar os
eventos ideográficos da história. Vamos supor que o historiador econômico, ou
o estudante de economia aplicada, está tentando explicar uma ascensão rápida
no preço do trigo em um certo país durante um certo período. Ele pode trazer
muitas ciências nomotéticas para ajudar: agronomia e entomologia podem
ajudar a revelar que um inseto mencionado no registro histórico foi responsável
por uma queda drástica na produção de trigo; registros meteorológicos podem
mostrar que a chuva foi insuficiente; ele pode descobrir que durante o período o
gosto das pessoas por pão aumentou, talvez imitando uma preferência similar
do rei; ele pode descobrir que a oferta de dinheiro estava aumentando, e
aprender da teoria econômica que um aumento na oferta do dinheiro tende a
aumentar os preços em geral, incluindo portanto o preço do trigo. E, finalmente,
a teoria econômica afirma que o preço do trigo moveu-se inversamente com a
oferta e diretamente com a demanda. O historiador econômico combina todos
esses conhecimentos científicos com seu entendimento das motivações e
escolhas para tentar explicar o complexo fenômeno histórico do preço do pão.
Um procedimento similar é encontrado no estudo de tais problemas históricos
infinitamente mais complexos como as causas da Revolução Francesa, onde,
novamente, o historiador precisa mesclar seu conhecimento de teorias causais
na economia, estratégia militar, psicologia, tecnologia, e assim por diante, com
seu entendimento das motivações e escolhas de agentes individuais. Embora
historiadores possam concordar na enumeração de todos os fatores causais
relevantes no problema, eles irão diferir no peso a ser atribuído a cada fator. A
avaliação dos fatores históricos relativos é uma arte, não uma ciência, uma
matéria de juízo pessoal, experiência e insight verstehende que irá se
diferenciar de um historiador para outro. Nesse sentido, historiadores
econômicos, como economistas (e em verdade outros historiadores), podem
chegar a um acordo qualitativo mas não quantitativo.
Para o praxiologista, previsão é uma tarefa muito similar ao trabalho do
historiador. O último tenta “predizer” os eventos do passado ao explicar suas
causas antecedentes; similarmente, o previsor tenta predizer os eventos do
futuro com base nos eventos do passado e do presente já conhecidos. Ele usa
todo esse conhecimento nomotético —econômico, político, militar, psicológico
e tecnológico—, mas, na melhor das hipóteses, o trabalho dele é uma arte e não
uma ciência. Assim, alguns previsores inevitavelmente serão melhores que
outros e os previsores superiores serão os empreendedores, especuladores,
generais e apostadores em eleições ou jogos de futebol.
O previsor econômico, como o professor Jewkes apontou, está apenas olhando
à parte emaranhada e complexa do todo social. Para retornar para nosso
exemplo original, quando ele tenta prever o preço da manteiga, ele precisa levar
em consideração a lei econômica qualitativa de que o preço depende
diretamente da demanda e inversamente da oferta; cabe, então, a ele, usando
conhecimento e insight em condições econômicas gerais assim como nas
condições econômicas, tecnológicas, políticas e climatológicas específicas do
mercado de manteiga, bem como os valores que as pessoas provavelmente
colocarão na manteiga, para tentar prever os movimentos da oferta e da
demanda da manteiga e, portanto, seu preço, tão acurado quanto possível. Na
melhor das hipóteses, ele não terá nada como uma pontuação perfeita, pois ele
correrá sem base sobre o fato da alteração de livre-arbítrio das escolhas e
valores e da consequente impossibilidade de fazer predições exatas do futuro[8].
 

A Tradição Praxiológica

 
A tradição praxiológica tem uma longa história no pensamento econômico. Nós
iremos indicar brevemente as figuras proeminentes no desenvolvimento dessa
tradição, especialmente porque esses metodologistas econômicos e suas
visões têm sido recentemente negligenciados por economistas mergulhados
na visão de mundo positivista.
Um dos primeiros metodologistas autoconscientes na história da economia foi
o economista francês, do início do século XIX, Jean-Baptiste Say. Na longa
introdução ao seu magnum opus, A Treatise on Political Economy, Say lamenta
que as pessoas
estão tão aptas a supor que a verdade absoluta é confinada à matemática e
aos resultados da observação cuidadosa e dos experimentos nas ciências
físicas; imaginando que as ciências moral e política não contém fatos
invariáveis de verdade indiscutível e que, portanto, não podem ser consideradas
como ciências genuínas, mas meramente como sistemas hipotéticos.
Say poderia facilmente ter se referido aos positivistas de nossos dias, cuja
metodologia previne-os de reconhecer que verdades absolutas podem ser
alcançadas nas ciências sociais, quando fundadas, como são na praxiologia,
em axiomas amplamente evidentes. Say insiste que os “fatos gerais”
subjacentes ao que ele chama de “ciências morais” são indiscutíveis e
fundados em observação universal.
Daí a vantagem desfrutada por qualquer um que, da observação acurada e
distinta, pode estabelecer a existência desses fatos gerais, demonstrar suas
conexões e deduzir suas consequências. Eles tão certamente procedem da
natureza das coisas quanto as leis do mundo material. Nós não os
imaginamos; eles são resultados descobertos por nós pela observação e
análise judiciosas. […] Isso pode ser admitido por qualquer mente reflexiva.
Esses fatos gerais, de acordo com Say, são “princípios”, e a ciência da
economia política, do mesmo modo que as ciências exatas, é composta por
alguns princípios fundamentais e por um grande número de corolários ou
conclusões obtidos desses princípios. É essencial, portanto, para o avanço
dessa ciência que seus princípios devem ser estritamente deduzidos da
observação; o número de conclusões a ser extraído deles pode posteriormente
ser multiplicado ou diminuído a critério do investigador, de acordo com o objeto
por ele proposto.[9]
Aqui Say estabelece outro ponto importante do método praxiológico: que os
caminhos nos quais o economista obtém as implicações dos axiomas e o
sistema elaborado que resulta serão decididos por seu próprio interesse e pelo
tipo de fatos históricos que está examinando. Assim, é teoricamente possível
deduzir a teoria do dinheiro até mesmo em uma economia de escambo
primitiva, onde o dinheiro não existe; mas é duvidoso se um praxiologista
primitivo teria se incomodado de o fazer.
Interessantemente o suficiente, Say naquela precoce data viu o aumento dos
métodos matemáticos e estatísticos, e refutou-os com o que pode ser descrito
como ponto de vista praxiológico. A diferença entre a economia política e a
estatística é precisamente a diferença entre a economia política (ou teoria
econômica) e a história. A primeira é baseada com certeza em princípios gerais
observados e reconhecidos; portanto, “um conhecimento perfeito dos
princípios da economia política pode ser obtido, na medida em que todos os
fatos gerais que compõem essa ciência podem ser descobertos”. Sobre esses
“fatos gerais inegáveis”, “deduções rigorosas” são construídas e naquela
medida a economia política “reside sob uma fundação imóvel”. A estatística,
por outro lado, apenas registra o padrão sempre em mudança dos fatos
particulares, a estatística “como a história, sendo um recital dos fatos, mais ou
menos incertos e necessariamente incompletos”. Além disso, Say antecipou a
visão praxiologista dos dados históricos e estatísticos como sendo eles
mesmos fatos complexos que necessitam de explicação. “O estudo das
estatísticas pode satisfazer a curiosidade, mas não pode nunca ser produtor de
progresso quando ele não indica a origem e as consequências dos fatos que
foram coletados; e ao indicar as origens e consequências deles, torna-se, por
vez, a ciência da economia política”. Em outra parte no ensaio, Say zomba da
credulidade do público em relação à estatística: “Às vezes, além disso, uma
exibição de figuras e cálculos se impõe sobre eles; como se cálculos
numéricos sozinhos pudessem provar qualquer coisa e como se qualquer regra
pudesse ser estabelecida, a partir da qual uma inferência pudesse ser extraída
sem o auxílio do raciocínio sólido”.[10]
Say procede a questionar afiadamente o valor da matemática na construção da
teoria econômica, mais uma vez se referindo à estrutura dos axiomas básicos,
ou princípios gerais, em seu argumento. Pois a economia política está
preocupada com o valor dos homens, e esses valores sendo “sujeitos à
influência das faculdades, dos quereres e dos desejos da humanidade, não são
suscetíveis a qualquer apreciação mais rigorosa, e não podem portanto
fornecer qualquer dado para cálculos absolutos. Na ciência política, tudo que é
essencial é um conhecimento da conexão entre causas e suas consequências”.
Aprofundando no então único uso apenas embrionário do método matemático
da economia, Say aponta que as leis da economia são estritamente
qualitativas: “Nós podemos, por exemplo, saber que para qualquer dado ano o
preço do vinho dependerá infalivelmente da quantidade a ser vendida,
comparada com a extensão da demanda”. Mas “se nós estivermos desejosos
de enviar esses dados para o cálculo matemático,” então torna-se impossível
chegar a previsões quantitativas precisas das inumeráveis e sempre variantes
forças em operação: o clima, a quantidade da colheita, a qualidade do produto,
o estoque de vinho retido da safra anterior, a quantidade de capital, as
possibilidades de exportação, a oferta de bebidas substitutas, e os gostos e
valorações mutáveis dos consumidores.”[11]
 
Say oferece um insight altamente perceptivo sobre a natureza e as
consequências prováveis da aplicação da matemática na economia. Ele
argumenta que o método matemático, com sua aparente exatitude, pode
apenas distorcer gravemente a análise da ação humana qualitativa ao esticar e
supersimplificar o insight legítimo dos princípios econômicos:
Tais pessoas quanto têm pretendido fazer, não foram aptas a enunciar essas
questões em uma linguagem analítica, sem despojá-las de suas complicações
naturais, através de simplificações e supressões arbitrárias, das quais as
consequências, não propriamente estimadas, sempre mudam essencialmente
a condição do problema e pervertem todos seus resultados; de modo que
nenhuma outra inferência pode ser deduzida de tais cálculos além da fórmula
arbitrariamente assumida.[12]
Em contraste com as ciências físicas onde as leis ou princípios gerais
explanatórios estão sempre no campo do hipotético, na praxiologia é fatal
introduzir supersimplificações e falsidade em suas premissas, pois então as
conclusões deduzidas delas serão irremediavelmente defeituosas também.[13]
 
Se a matemática e a estatística não fornecem o método próprio para o
economista político, qual método é apropriado? O mesmo curso que ele
perseguiria em sua vida diária. “Ele examinará os elementos imediatos do
problema proposto, e depois de os ter verificado com certeza […] irá valorar
aproximadamente suas influências mútuas com a rapidez intuitiva de um
entendimento esclarecido.”[14] Resumidamente, as leis do economista político
são certas, mas sua combinação e aplicação para qualquer dado evento
histórico são alcançados, não por métodos pseudo-quantitativos ou
matemáticos, que distorcem e supersimplificam, mas apenas pelo uso
do Verstehen, “a rapidez intuitiva de um entendimento esclarecido”.
Os primeiros economistas a devotar suas atenções especificamente à
metodologia foram três economistas principais da Grã-Bretanha em meados do
século XIX: John E. Cairnes, Nassau W. Senior e John Stuart Mill. Cairnes e
Senior, ao menos, podem ser considerados proto-praxiologistas. Cairnes,
depois de concordar com Mill que não pode haver experimentos controlados
nas ciências sociais, acrescenta que elas têm, contudo, uma vantagem crucial
sobre as ciências físicas. Pois, na última,
a humanidade não tem conhecimento direto dos princípios últimos da física. A
lei da gravidade e as leis do movimento estão entre os melhores estabelecidos
e mais certos de tais princípios; mas qual é a evidência na qual eles repousam?
Nós não os encontramos em nossa consciência, ao refletir sobre o que se
passa em nossas mentes; nem podem tornar-se aparentes aos nossos
sentidos — a prova de todas tais leis que se resolvem em última análise nisto,
que, supondo que elas existam, elas explicam os fenômenos.
Em contraste, no entanto,
O economista inicia com um conhecimento das causas últimas. Ele já está, no
início de seu empreendimento, na posição que o físico apenas atinge após eras
de pesquisa trabalhosa. Se alguém duvida disso, tem apenas de considerar
quais os princípios últimos que governam os fenômenos econômicos são […]
certos sentimentos mentais e certas propensões animais nos seres humanos;
[e] as condições físicas sob as quais a produção ocorre. […] Para a descoberta
de tais premissas nenhum processo elaborado de indução é necessário […] por
essa razão, que temos, ou podemos ter se escolhermos virar nossa atenção ao
assunto, conhecimento direto dessas causas em nossa consciência — do que
passa em nossas mentes e na informação que nossos sentidos transmitem […]
para nós dos fatos externos. Todo aquele que embarca em qualquer busca
industrial está consciente dos motivos que o fazem actuar aquilo. Ele sabe que
ele faz isso pelo desejo, por qualquer propósito que seja, de possuir riqueza; ele
sabe que, de acordo com suas luzes, ele irá proceder em direção ao seu fim no
caminho mais curto aberto para ele.[15]
 
Cairnes procede a apontar que o economista usa o experimento mental como
um substituto para o experimento de laboratório do cientista físico.
Cairnes demonstra que as leis econômicas deduzidas são leis de “tendência”
ou “se-então” e, ademais, que elas são necessariamente qualitativas e não
podem admitir expressão quantitativa ou matemática. Assim, ele também
aponta que é impossível determinar precisamente quanto o preço do trigo irá
subir em resposta a uma queda na oferta; para começar, “é evidente que a
disposição das pessoas em sacrificar um tipo de gratificação por outro —
sacrificar vaidade por conforto, ou decência por fome— não é suscetível de
mensuração precisa.”[16] No prefácio de sua segunda edição, duas décadas mais
tarde em 1875, Cairnes reiterou sua oposição à crescente aplicação do método
matemático à economia, que, em contraste ao seu uso nas ciências físicas, não
pode produzir novas verdades; “e a menos que possa ser demonstrado que
sentimentos mentais podem ser expressos em formas quantitativas precisas,
ou, por outro lado, que o fenômeno econômico não depende dos sentimentos
mentais, eu não vejo como essa conclusão pode ser evitada”.[17]
Nassau Senior, contemporâneo mais velho de Cairnes, foi o mais importante
praxiologista daquela era. Antes de Senior, os economistas clássicos como
John Stuart Mill estabeleceram as premissas fundamentais da economia na
base instável de serem hipóteses; a hipótese principal era a de que todos os
homens agem para obter o máximo de riqueza material. Uma vez que isso
claramente não é sempre verdadeiro, Mill teve de conceder que a economia era
apenas uma ciência hipotética e aproximativa. Senior ampliou a premissa
fundamental para incluir a riqueza imaterial ou satisfação, um princípio
completo, apodítico e universalmente verdadeiro baseado no insight da
natureza buscadora-de-objetivos da ação humana.
Ao afirmar que todo homem deseja obter riqueza adicional com um sacrifício
tão pequeno quanto seja possível, precisamos não ser supostos a significar
que todo mundo […] deseja uma quantidade indefinida de tudo. […] O que nós
significamos é que nenhuma pessoa sente que todos seus quereres estão
adequadamente supridos; que toda pessoa tem alguns desejos insatisfeitos
que ela acredita que essa riqueza adicional gratificaria. A natureza e urgência
dos quereres de cada indivíduo são tão variadas quanto as diferenças no
caráter individual.[18]
Em contraste com as ciências físicas, Senior apontou, a economia e as outras
“ciências mentais” extraem suas premissas dos fatos universais da
consciência humana:
As ciências físicas, sendo apenas secundariamente proficientes com a mente,
obtêm suas premissas quase exclusivamente de observações ou hipóteses.
Aquelas que tratam apenas de magnitudes ou números, […] as ciências puras,
derivam as premissas completamente de hipóteses. […] Elas negligenciam
quase completamente os fenômenos da consciência. […]
Por outro lado, as ciências da mente e artes da mente extraem suas premissas
principalmente da consciência. As matérias com as quais elas são
principalmente proficientes são os funcionamentos da mente humana. [19]
Essas últimas premissas são “algumas proposições gerais, que são o resultado
da observação, ou consciência, e que quase todo homem, assim que as ouvir,
admite como familiares a seu pensamento, ou, ao menos, como incluídas em
seu conhecimento prévio.”[20]
Durante a década de 1870 e de 1880, a economia clássica foi suplantada pela
Escola Neoclássica. Nesse período o método praxiológico foi levado em frente
e mais desenvolvido pela Escola Austríaca, fundada por Carl Menger da
Universidade de Viena e continuada por seus dois discípulos mais eminentes,
Eugen von Böhm-Bawerk e Friedrich von Wieser. Foi na base de seus trabalhos
que o estudante de Böhm-Bawerk,  Ludwig von Mises, posteriormente fundou a
praxiologia como uma metodologia autoconsciente e articulada. [21] Como estava
fora da moda popular intelectual cada vez mais crescente — da matemática e
do positivismo —, no entanto, a Escola Austríaca tem sido grandemente
negligenciada nos anos recentes e descartada como uma aproximação não-
sólida da teoria matemático-positivista da Escola de Lausanne, fundada por
Léon Walras de Lausanne e continuada pelo economista e sociólogo italiano,
Vilfredo Pareto.
Um punhado de seguidores ou observadores simpáticos, contudo, tem
realizado investigações na metodologia da cedia Escola Austríaca. Leland B.
Yeager notou o que nós agora vemos como a visão praxiológica típica da única
vantagem da teoria econômica sobre as ciências físicas: “Enquanto os
elementos básicos da interpretação teórica nas ciências naturais, tais, diz ele
[Menger], como forças e átomos, não podem ser observados diretamente, os
elementos da explicação na economia —indivíduos humanos e seus esforços—
são de uma natureza empírica direta.” Além disso, “Os fatos que os
economistas induzem dos comportamentos deles mesmos e de outras
pessoas servem como axiomas dos quais um corpo de teoria econômica útil
pode ser logicamente deduzido, assim como na geometria um impressionante
sistema de teoremas pode ser deduzido de alguns axiomas.” Em suma,
“Menger concebeu a teoria econômica como um corpo de deduções a partir de
princípios básicos tendo uma fundamentação empírica forte.” Referindo-se aos
economistas positivistas dominantes de nossos próprios dias, Yeager
acrescenta perceptivamente,
Não compartilhando (…) o entendimento de Menger de como os conteúdos
empíricos entram nas chamadas “teorias de gabinete”, muitos economistas de
nossos dias aparentemente tomam o trabalho empírico e teórico como dois
campos distintos. A manipulação das relações funcionais e assumidamente
arbitrárias é justificada nas mentes de tais economistas pela ideia de que o
teste empírico das teorias em contraste com o mundo real vem depois.[22]
Outros escritores têm descoberto elos entre o método Austríaco e várias
vertentes da philosophia perennis. Assim, Emil Kauder, encontrou uma relação
próxima entre esse método e a filosofia de Aristóteles, que era ainda influente
na Áustria no fim do século dezenove. Kauder aponta que todos os austríacos
eram “ontologistas sociais” e que como tais eles acreditaram em uma estrutura
da realidade “tanto como um ponto inicial lógico quanto um critério de
validade”. Ele observa as declarações de Mises de que as leis econômicas são
“fatos ontológicos” e ele caracteriza como ontológica e aristotélica a
preocupação de Menger e seus seguidores de descobrir as “essências” do
fenômeno, ao invés de tratar de quantidades econômicas superficiais e
complexas. Kauder também aponta que para Menger e os austríacos, a teoria
econômica lida com tipos e relações típicas, o que fornece um conhecimento
que transcende o imediato, o caso concreto, e é válido para todos os tempos e
lugares. Os casos históricos concretos são portanto a “matéria” aristotélica que
contém potencialidades, enquanto as leis e tipos são as “formas” aristotélicas
que actualizam a potência. Para os Austríacos, e especificamente para Böhm-
Bawerk, ademais, a causalidade e a teleologia eram idênticas. Em contraste à
abordagem de determinação funcional mútua de Walras e dos economistas
contemporâneos, os austríacos traçaram as causas dos fenômenos
econômicos de volta para os quereres e escolhas dos consumidores. Wieser
destacou especialmente o fundamento da teoria econômica sobre a
experiência interna da mente.[23]
Além disso, Ludvig M. Lachmann, comparando a escola Austríaca e a de
Lausanne, mostra que os austríacos estavam se empenhando em construir
uma “ciência social verstehende”, o mesmo ideal que Max Weber viria a
defender mais tarde. Lachmann aponta que os antigos economistas
ricardianos adotaram o método “objetivo” das ciências naturais na medida em
que o foco principal deles era sobre o problema quantitativo da distribuição de
renda. Na análise deles, os fatores de produção (terra, trabalho e bens de
capital) reagem mecanicamente a mudanças econômicas externas. Mas, em
contraste, “a teoria austríaca é ‘subjetiva’ também no sentido que os indivíduos
[…] performam suas ações e imprimem suas individualidades aos eventos no
mercado.” Quanto ao contraste entre a Áustria e Lausanne,
é o contraste entre aqueles [Lausanne] que se confinam a determinar as
magnitudes apropriadas dos elementos de um sistema (as condições de
equilíbrio) e aqueles [os austríacos] que tentam explicar os eventos em termos
dos atos mentais dos indivíduos que os criam. Muitos pensadores austríacos
estavam vagamente alertas desse contraste, mas antes de Hans Mayer, Mises
e Hayek estavam inaptos a expressar isso concisamente. A validade do modelo
de Lausanne é limitada a um mundo estacionário. O pano de fundo da teoria
austríaca, em contraste, é um mundo de mudanças contínuas no qual os
planos têm de ser concebidos e continuamente revisados.[24]
Podemos concluir esse esboço da história da tradição praxiológica na
economia ao tratar um debate importante, mas muito negligenciado, na
metodologia econômica que ocorreu na virada do século XX entre Pareto e o
filósofo Benedetto Croce. Croce, de sua própria posição praxiológica altamente
desenvolvida, abriu o debate repreendendo Pareto por ter escrito que a teoria
econômica era uma espécie de mecânica. Vigorosamente rejeitando essa
visão, Croce apontou que um fato na mecânica é um mero fato, que não requer
comentário positivo ou negativo; enquanto que palavras de aprovação ou
desaprovação podem apropriadamente ser aplicadas a um fato econômico. A
razão é que os verdadeiros dados da economia não são “coisas e objetos
físicos, mas ações. O objeto físico é meramente a matéria bruta de um ato
econômico.”[25] Os dados econômicos, então, são os atos do homem, e esses
atos são os resultados da escolha consciente.
Em sua longa resposta, Pareto reitera a similaridade entre economia e
mecânica, e, como os positivistas de hoje, defende assunções mecânicas
irrealistas como simples abstrações da realidade, na suposta maneira das
ciências naturais. Professando, em um típico gambito positivista, não
“entender” o conceito de valor, Pareto escreve: “Eu vejo […] que você emprega o
termo valor. […] Eu não o uso mais porque não sei o que transmitiria para as
outras pessoas.” O conceito de valor é vago e complexo e não é sujeito à
mensuração; portanto, “as equações da economia pura estabelecem relações
entre quantidades de coisas, portanto relações objetivas, e não relações entre
conceitos menos ou mais precisos de nossas mentes.”[26] Criticando a evidente
concentração de Croce nas essências da ação econômica, como exemplificado
em sua insistência que “deve-se estudar não as coisas que são resultado de
ações, mas as próprias ações,” Pareto reclama que esse método é uma falácia
científica anciã. “Os anciãos conjuraram cosmogonias ao invés de estudar
astronomia, perguntaram-se sobre os princípios dos elementos água e fogo […]
em vez de estudar química. A ciência anciã desejou proceder da origem para os
fatos. A ciência moderna inicia dos fatos e procede até a origem a um ritmo
extremamente lento.” Tipicamente, Pareto estabelece a posição positivista
objetivista argumentando a partir da analogia do método das ciências naturais,
assim cometendo completamente a petição de princípio de se as metodologias
das ciências naturais e sociais devem ou não ser semelhantes. Assim, ele
conclui que “a ciência procede pela substituição das relações entre conceitos
humanos (as relações que são as primeiras a ocorrer para nós) por relações
entre coisas.”[27]
Croce responde criticando a restrição de Pareto da economia a quantidades
mensuráveis como arbitrária; mas e sobre aquelas situações econômicas onde
os objetos de ação ou troca não são mensuráveis? Croce sugere que é Pareto
quem está realmente sendo metafísico, enquanto Croce é o verdadeiro
empirista. Pois “seu postulado metafísico implicado é […] isso: que os fatos da
atividade do homem são da mesma natureza que os fatos físicos; que em um
caso como em outro nós podemos apenas observar regularidades e deduzir
consequências a partir daí, sem nunca penetrar até a natureza interna dos
fatos. […] Como você defenderia esse seu postulado senão por um monismo
metafísico?” Em contraste, escreve Croce, “Eu me atenho à experiência. Ela
testemunha para mim a distinção fundamental entre o externo e o interno, entre
o físico e o mental, entre mecânica e teleologia, entre passividade e atividade.”
Quanto ao valor, é realmente um termo simples envolvido na atividade humana:
“Valor é observado imediatamente em nós mesmos, em nossa consciência”.[28]
Em sua réplica, Pareto inicia com um típico exemplo de obtusidade metafísica:
Ele não acredita que “os fatos da atividade do homem são da mesma natureza
que os fatos físicos” porque ele não sabe o que pode ser “natureza”. Ele
continua a reiterar vários exemplos da ciência física para demonstrar a
metodologia própria para todas disciplinas. Ele deseja seguir os “mestres da
ciência positiva” e não meros filósofos. Pareto conclui com um conciso resumo
das diferenças entre os dois homens e as duas metodologias:
Nós experimentalistas […] aceitamos hipóteses não por qualquer valor
intrínseco que possam ter, mas apenas na medida em que elas entregam
deduções que estão em harmonia com os fatos. Você, considerando a natureza
das coisas independentemente do resto, estabelece uma certa proposição A e
dela desce aos fatos concretos B. Nós podemos aceitar a proposição A, mas
apenas como uma hipótese, portanto não fazendo a menor tentativa de provar
isso. […] Então nós vemos o que pode ser deduzido disso. Se essas deduções
concordam com os fatos, nós aceitamos a hipótese, por enquanto, é claro, pois
não temos nada como final ou absoluto.[29]
 

Individualismo Metodológico

 
Apenas um indivíduo tem uma mente; apenas um indivíduo pode sentir, ver e
perceber; apenas um indivíduo pode adotar valores ou fazer escolhas; apenas
um indivíduo pode agir. Esse princípio primordial do “individualismo
metodológico”, central ao pensamento social de Max Weber, precisa subjazer a
praxeologia, bem como as outras ciências da ação humana. Isso implica que
tais conceitos coletivos como grupos, nações e estados não existem ou agem
actualmente; eles são apenas constructos metafóricos para descrever as
ações combinadas ou similares de indivíduos. Não há, em suma, “governos”
como tais; há apenas indivíduos agindo combinadamente de uma maneira
“governamental”. Max Weber coloca isso claramente:
Essas coletividades precisam ser tratadas apenas como os resultantes e
modos de organização dos atos particulares de pessoas individuais, uma vez
que apenas esses podem ser tratados como agentes em um curso de ação
subjetivamente entendível. […] Para propósitos sociológicos […] não há tal coisa
como uma personalidade coletiva que “age”. Quando uma referência é feita em
um contexto sociológico a […] coletividades, o que é significado é
[…] apenas um certo tipo de desenvolvimento de ações sociais actuais ou
possíveis de pessoas individuais.[30]
Ludwig von Mises aponta que o que diferencia a ação puramente individual das
dos indivíduos agindo como membros de uma coletividade é
o significado diferente atribuído pelas pessoas envolvidas.
É o significado que os indivíduos agentes e todos aqueles que são afetados por
suas ações atribuem a uma ação que determina seu caráter. É o significado
que marca uma ação como a ação do estado ou da municipalidade. O carrasco,
não o estado, é quem executa um criminoso. É o significado daqueles
preocupados que discerne na ação do carrasco uma ação do estado. Um grupo
de homens ocupa um lugar. É o significado daqueles preocupados que imputa
essa ocupação não aos oficiais e soldados no lugar, mas à nação.[31]
 
Em seu importante trabalho metodológico, o discípulo do Mises, F.A. Hayek,
tem demonstrado que a falácia de tratar constructos coletivos como
“totalidades sociais” diretamente percebidas (o “capitalismo”, “a nação”, “a
classe”) sobre as quais leis podem ser descobertas surge da insistência
behaviorista-objetivista em tratar os homens por fora, como se eles fossem
pedras, em vez de tentar entender suas ações subjetivamente determinadas.
Ela [a visão objetivista] trata os fenômenos sociais não como algo do qual a
mente humana é uma parte e os princípios de cuja organização podemos
reconstruir a partir das partes familiares, mas como se fossem objetos
diretamente percebidos por nós como totalidades. […]
Há uma ideia um tanto vaga de que uma vez que “fenômenos sociais” devem
ser o objeto de estudo, o óbvio procedimento é iniciar da observação direta
desses “fenômenos sociais”, onde a existência em uso popular de tais termos
como “sociedade” ou “economia” é ingenuamente tomado como evidência de
que devem haver “objetos” definidos correspondendo a eles.[32]
Hayek adiciona que a ênfase no significado do ato individual revela que, “o que,
dos complexos sociais, é diretamente conhecido para nós é apenas as partes e
que o todo nunca é diretamente percebido, mas sempre reconstruído por um
esforço da nossa imaginação.”[33]
Alfred Schütz, o excepcional desenvolvedor do método fenomenológico nas
ciências sociais, nos lembrou da importância de retornar “ao ‘homem
esquecido’ das ciências sociais, para o agente no mundo social cujo fazer e
sentir residem na base de todo o sistema. Nós, então, tentamos o entender
naquele fazer e sentir e o estado da mente que o induziu a adotar atitudes
específicas em relação ao seu ambiente social.” Schütz acrescenta que “para
uma teoria da ação o ponto de vista subjetivo precisa ser retido em sua força
máxima, na omissão do qual tal teoria perde suas fundamentações básicas, a
saber, sua referência ao mundo social da vida diária e da experiência.” Faltando
tal fundamento, as ciências sociais são suscetíveis a substituir o “mundo da
realidade social” por um mundo ficcional não existente construído pelo
cientista observador. Ou, como Schütz coloca sucintamente: “Eu não posso
entender uma coisa social sem reduzi-la à atividade humana que a criou, e além
disso, sem referir essa atividade humana aos motivos dos quais ela surgiu.”[34]
Arnold W. Green tem recentemente demonstrado como o uso de conceitos
coletivos inválidos tem danificado a disciplina da sociologia. Ele nota o
crescente uso de “sociedade” como uma entidade que pensa, sente e age, e,
nos anos recentes, tem funcionado como a perpetradora de todas as doenças
sociais. A “sociedade”, por exemplo, e não o criminoso, é geralmente
considerada como a responsável por todos os crimes. Em muitos quadrantes a
“sociedade” é considerada quase demoníaca, uma “vilã reificada” que “pode ser
atacada à vontade, culpada ao acaso, ridicularizada e zombada com fúria
fanática, [e] pode até mesmo ser anulada por decreto ou desejo utópico ardente
— e de alguma forma, por algum caminho, os ônibus ainda funcionarão no
horário.” Green acrescenta que “se, por outro lado, a sociedade é vista como
pessoas cujas relações sociais inseguras são preservadas apenas pela
fidelidade paga ao seu estoque comum de regras morais, então a área de livre
escolha disponível na qual a impunidade de demandar, minar e destroçar, é
fortemente restringida.” Ademais, se percebermos que a “sociedade” não existe
em si mesma, mas é composta apenas de pessoas individuais, então dizer que
“a sociedade é responsável pelo crime e que os criminosos não são
responsáveis pelo crime, é dizer que somente aqueles membros da sociedade
que não cometem crime podem ser responsabilizados pelo crime. Falta de
sentido tão óbvia pode ser contornada apenas evocando a sociedade como o
diabo, como o mal estando separado das pessoas e do que elas fazem.”[35]
A economia tem estado repleta de falácias que surgem quando metáforas
sociais coletivas são tratadas como se fossem objetos existentes. Assim,
durante a era do padrão-ouro houve ocasionalmente um grande alarme de que
a “Inglaterra” ou a “França” estavam em perigo mortal porque “elas” estavam
perdendo ouro. O que realmente aconteceu foi que homens ingleses
e homens franceses estavam voluntariamente enviando ouro para o exterior e,
assim, ameaçando as pessoas que dirigiam os bancos desses países com a
necessidade de cumprir as obrigações de pagar em ouro que eles não
poderiam possivelmente cumprir. Mas o uso da metáfora coletiva converteu
um grave problema bancário em uma vaga crise nacional pela qual cada
cidadão era de alguma forma responsável.
Similarmente, durante as décadas de 1930 e 1940 muitos economistas
reivindicaram que, em contraste com as dívidas devidas no exterior, o tamanho
da dívida pública doméstica era sem importância porque “nós apenas devemos
isso a nós mesmos”. A implicação era que a pessoa nacional coletiva devia “a
ela mesma” dinheiro de um bolso para outro. Essa explicação obscureceu o
fato que faz uma diferença substancial para cada pessoa se ela é um membro
do “nós” ou do “nós mesmos”.
Às vezes o conceito coletivo é tratado descaradamente enquanto um
organismo biológico. Assim, o conceito popular de crescimento econômico
implica que toda economia está, de algum modo, destinada, na maneira de um
organismo vivo, a “crescer” em alguma maneira predeterminada. O uso de tais
termos análogos é uma tentativa de negligenciar ou até mesmo negar a
vontade e a consciência individuais nos assuntos econômicos e sociais. Como
Edith Penrose escreveu em uma crítica do uso do conceito “crescimento” no
estudo de empresas de negócios:
Onde as analogias biológicas explícitas surgem na economia, elas são
extraídas exclusivamente daquele aspecto da biologia que lida com o
comportamento não motivado dos organismos […] temos nenhuma razão para
pensar que o padrão de crescimento de um organismo biológico é de vontade
do próprio organismo. Por outro lado, temos todos os motivos para pensar que
o crescimento de uma empresa é da vontade daqueles que tomam as decisões
da empresa […] e a prova disso reside no fato de que ninguém pode descrever o
desenvolvimento de qualquer dada empresa […] exceto em termos de decisões
tomadas por homens individuais.[36]
Não há melhor resumo da natureza da praxiologia e do papel da teoria
econômica em relação aos eventos históricos concretos do que na discussão
de Alfred Schütz da metodologia econômica de Ludwig von Mises:
Nenhum ato econômico é concebível sem alguma referência a algum agente
econômico, mas o último é absolutamente anônimo; não é você, nem eu, nem
um empreendedor, nem mesmo um “homem econômico” como tal, mas um
“alguém” universal puro. Essa é a razão pela qual proposições da economia
teorética têm justamente aquela “validade universal” que as dá a idealidade do
“e assim por diante” e “Eu posso fazer isso novamente”. Contudo, alguém pode
estudar o agente econômico como tal e tentar encontrar o que está ocorrendo
em sua mente; é claro, ele não está, assim, engajado na economia teórica, mas
na história econômica ou sociologia econômica. […] No entanto, as afirmações
dessas ciências não podem clamar uma validade universal, pois elas lidam ou
com sentimentos econômicos de indivíduos históricos particulares ou com
tipos de atividade econômica para os quais os atos econômicos em questão
são evidências. […]
Em nossa visão, a economia pura é um exemplo perfeito de um complexo-de-
significado objetivo sobre complexos-de-significado subjetivos, em outras
palavras, de uma configuração-de-significado objetiva que estipula as
experiências subjetivas típicas e invariantes de qualquer um que actue dentro
de uma estrutura de operação econômica. […] Excluída de tal esquema teria de
ser qualquer consideração dos usos aos quais os “bens” devem ser colocados
após serem adquiridos. Mas uma vez que voltamos nossa atenção para o
significado subjetivo de uma pessoa individual real, deixando para trás o
anônimo “qualquer um”, então é claro que faz sentido falar de comportamento
que é atípico. […] Certamente, tal comportamento é irrelevante do ponto de vista
da economia, e é nesse sentido que os princípios econômicos são, nas
palavras de Mises, “não uma afirmação do que geralmente acontece, mas do
que necessariamente precisa acontecer.”[37]
 

Notas
 Sobre isso, ver Andrew G. Van Melsen, The Philosophy of Nature (Pittsburgh,
[1]

Penn.: Duquesne University Press, 1953).


 Assim, o fato que pessoas agem para atingir seus objetivos implica que existe
[2]

uma escassez de meios para alcançá-los; senão os objetos já teriam sido


alcançados. Escassez implica custos, que em um sistema monetário
(desenvolvido muito mais tarde na elaboração lógica) são refletidos nos
preços, e assim por diante. Para um desenvolvimento praxiológico consciente
da teoria econômica, veja Ludwig von Mises, Human Action (New Haven: Yale
University Press, 1949); e Murray N. Rothbard, Man, Economy and State,
segunda ed. (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1970).
 Não é […] entendível que os mesmos autores que estão convencidos de que
[3]

nenhuma verificação é possível para a inteligência de outros seres humanos


tenham tanta confiança no próprio princípio da verificabilidade, que só pode ser
realizado através da cooperação com outros por controle mútuo. (Alfred
Schütz, Collected Papers, vol. 2: Studies in Social Theory, A. Brodersen, ed. [The
Hague: Nijhoff, 1964], p. 4)
 Alfred Schütz, Collected Papers, vol. 1, The Problem of Social Reality, Maurice
[4]

Natanson, ed. (The Hague: Nijhoff, 1962), p. 65; ver também pp. 1-66, assim
como Peter Winch, “Philosophical Bearings,” em Philosophy of the Social
Sciences: A Reader, Maurice Natanson, ed. (New York: Random House, 1963).
Sobre a importância de suposições de senso-comum e pré-científicas da
ciência de uma perspectiva filosófica ligeiramente diferente, ver Van
Melsen, Philosophy of Nature, pp. 6-29.
 Ver Victor Zamowitz, An Appraisal of Short-Term Economic Forecasts (New
[5]

York: National Bureau of Economic Research, 1967). Para um registro de


problemas de previsão ver “Bad Year for Econometrics,” Business
Week (Dezembro 20, 1969): 36-40.
 O economista inglês Peter T. Bauer distingue propriamente entre a predição
[6]

científica e a previsão: “Predição, no sentido de avaliação dos resultados de


ocorrências ou condições específicas, precisa ser distinguida da previsão de
eventos futuros. Mesmo se a predição de que os produtores de uma safra
particular respondam a um preço mais alto por produzir mais seja correta, essa
predição não nos permite prever precisamente os resultados do ano seguinte
(ainda menos a colheita em um futuro mais distante), que no evento será
afetada por muitos fatores além de mudanças no preço.” (Peter T.
Bauer, Economic Analysis and Policy in Underdeveloped Countries (Durham,
N.C.: Duke University Press, 1957), pp. 10-11; ver também pp.28-32.)
 John Jewkes, “The economist and Economic Change,” em Economics and
[7]

Public Policy (Washington, D.C.: Brookings Institution, 1955), pp. 82-83.


 Nós podemos mencionar aqui a bem conhecida refutação, realizada por Karl
[8]

Popper, da noção de predição do futuro, nomeadamente, que para predizer o


futuro, nós teríamos de predizer qual conhecimento iremos possuir no futuro.
Mas não podemos fazer isso, pois se soubéssemos qual nosso futuro
seria, já estaríamos com posse daquele conhecimento no tempo presente. Ver
Karl R. Popper, The poverty of Historicism (New York: Harper and Row, 1964),
pp. vi-viii.
 Jean-Baptiste Say, A treatise on Political Economy. C.C. Biddle, trad. (New
[9]

York: Ausgustus Kelley, 1964), pp. xxiv, xxv, xlv, xxvi.


[10]
 lbid., pp. xix-xx, li.
[11]
 lbid., pp. xxvi, xxvin.
[12]
 lbid.,p. xxvin.
 Um dos aspectos mais perniciosos da atual dominância da metodologia
[13]

positivista na economia tem sido precisamente essa injeção de falsas


premissas na teoria econômica. O positivista extremo principal na economia,
Milton Friedman, vai tão longe a ponto de exaltar o uso de premissas
admitidamente falsas na teoria, uma vez que, de acordo com Friedman,
o único teste de uma teoria é se ela prediz com sucesso. Ver Milton Friedman
“The Methodology of Positive Economics,” em Essays in Positive
Economics  (Chicago: University of Chicago Press, 1953), pp. 3-46. Sobre as
críticas e discussões numerosas sobre a tese de Friedman, ver em particular
Eugene Rotwein, “On The Methodology of Positive Economics,” Quarterly
Journal of Economics  73 (Novembro 1959): 554-75; Paul A. Samuelson,
“Discussion,” American Economic Review: Papers and Proceedings  53 (Maio
1963): 231-36; Jack Maltz, “Friedman and Machlup on the Significance of
Testing Economic Assumptions,” Journal of Political Economy 73 (Fevereiro
1965): 37-60.
[14]
 Say, Treatise on Political Economy, p. xxvin.
 J.E. Cairnes, The Character and Logical Method of Political Economy, segunda
[15]

ed. (London: Macmillan, [1857] 1875, reimp. 1888), pp. 83, 87-88 (itálico no
original). A ênfase de Cairnes e de outros economistas clássicos na riqueza
como objetivo da ação econômica tem sido modificada pelos economistas
praxiologistas posteriores para incluir qualquer tipo de satisfação psicológica,
das quais aquelas provindas da satisfação material são apenas um
subconjunto. Uma discussão similar a essa de Cairnes pode ser encontrada em
F.A. Hayek, “The Nature and History of the Problem,” em Collectivist Economic
Planning, F.A. Hayek, ed., (London: Routledge, 1935), pp. 10-11.
[16]
 Cairnes, Character and Logical Method, p. 127. 
[17]
 Ibid., p. v.
 Nassau William Senior, An Outline of the Science of Political Economy (New
[18]

York: Augustus Kelley, [1836], n.d.), p. 27.


 Marian Rowley, Nassau Senior and Classical Economics (New York: Augustus
[19]

Kelley, 1949), p. 56.


 Ibid., p. 43. Ver também p. 64, onde Rowley aponta a similaridade entre a
[20]

visão metodológica de Senior e a praxiologia de Ludwig von Mises.


 O excelente exemplo é Mises, Human Action. Ver também seu Theory and
[21]

History (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1957); The Ultimate


Foundation of Economic Science (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel,
1978); e Epistemological Problems of Economics (Princeton, N.J.: Van Nostrand,
1960). Ver também F.A. Hayek, The Counter-Revolution of Science (Glencoe, Ill.:
Free Press, 1955); Lionel Robbins, An Essay on the Nature and Significance of
Economic Science, segunda ed. (London: Macmillan, 1949); e Israel M.
Kirzner, The Economic Point of View, segunda ed. (Kansas City: Sheed Andrews
and McMeel, 1976).
 Leland B. Yeager, “The Methodology of Henry George and Carl
[22]

Menger,” American Journal of Economics and Sociology 13 (April 1954): 235,


238.
 Emil Kauder, “Intellectual and Political Roots of the Older Austrian School,”
[23]

Zeitschrift fur Nationalokonomie 17, no.4(1958): 411-25.


 Resumo em inglês de Ludwig M. Lachmann, “Die geistesgeschichtliche
[24]

Bedeutung der österreichischen Schule in der Volkswirtschaftslehre,” Zeitschrift


für Nationalökonomie 26, nos. 1-3 (1966): 152-67, em Journal of Economic
Abstracts 5 (Setembro 1967): 553-54. Ver também Lachmann, “Methodological
Individualism and the Market Economy,” em Roads to Freedom: Essays in Honor
of Friedrich A. von Hayek, B. Streissler, ed. (New York: Augustus M. Kelley,
1969), pp. 89-103; e Israel M. Kirzner, “Methodological Individualism, Market
Equilibrium, and Market Process,” Il Politico 32, no. 4 (Dezembro 1967): 787-99.
 Benedetto Croce, “On the Economic Principle: I” (1990), International
[25]

Economic Papers 3 (1953): 173, 195. Sobre a visão de Croce da economia, ver
Giorgio Tagliacozzo, “Croce and the Nature of Economic science,” Quarterly
Journal of Economics 59 (Maio 1945): 307-29. Sobre o debate de Croce e
Pareto, ver Kirzner, Economic Point of View, pp. 155-57.
É interessante que o economista walrasiano Joseph Schumpeter, em seu único
trabalho não traduzido, Das Wesen und der Hauptinhalt der theoretischen
Nationalökonomie (Leipzig: Duncker and Humblot, 1908), especificamente
declara que o economista precisa apenas tratar mudanças em “quantidades
econômicas” como se fossem causadas automaticamente, sem referência aos
seres humanos que podem ter se envolvido em tais mudanças. Nesse caminho,
causalidade e propósito seriam substituídos na teoria econômica por relações
funcionais e matemáticas. Ver Kirzner, Economic Point of View, pp. 68-70.
 Vilfredo Pareto, “On the Economic Phenomenon” (1900), International
[26]

Economic Papers 3(1953): 187.


[27]
 Ibid., pp. 190, 196.
 Croce, “On the Economic Principle II” (1901), International Economic Papers,
[28]

no.3 (1953): 198-99.


 Pareto, “On the Economic Principle” (1901), International Economic Papers,
[29]

no. 3 (1953): 206.


 Max Weber, The Theory of Social and Economic Organization (Glencoe, Ill.:
[30]

Free Press, 1957), citado em Alfred Schütz, The Phenomenology of the Social


World (Evanston, Ill.: Northwestern University Press, 1967), p. 199. Para uma
aplicação do individualismo metodológico à política estrangeira, ver Parker T.
Moon, Imperialism and World Politics (New York Macmillan, 1930), p. 58. Para
uma aplicação política mais geral, ver Frank Chodorov, “Society Are People,”
em The Rise and Fall of Society (New York: Devin-Adair, 1959), pp. 29-37.
[31]
 Mises, Human Action, p.42.
[32]
  Hayek, Counter-Revolution of Science, pp. 53-54.
[33]
  Ibid., p. 214.
[34]
  Schütz, Collected Papers, 2., pp. 7,8, 10.
 Arnold W. Green, “The Reified Villain,” Social Research 35 (Winter 1968): 656,
[35]

664. Sobre o conceito de “sociedade”, ver também Mises, Theory and History,


pp. 250 ff.
 Edith Tilton Penrose, “Biological Analogies in the Theory
[36]
of the
Firm,” American Economic Review (Dezembro 1952): 808.
[37]
 Schütz, Phenomenology of the Social World, pp. 137, 245.

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