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O Método Praxiológico
A Tradição Praxiológica
A tradição praxiológica tem uma longa história no pensamento econômico. Nós
iremos indicar brevemente as figuras proeminentes no desenvolvimento dessa
tradição, especialmente porque esses metodologistas econômicos e suas
visões têm sido recentemente negligenciados por economistas mergulhados
na visão de mundo positivista.
Um dos primeiros metodologistas autoconscientes na história da economia foi
o economista francês, do início do século XIX, Jean-Baptiste Say. Na longa
introdução ao seu magnum opus, A Treatise on Political Economy, Say lamenta
que as pessoas
estão tão aptas a supor que a verdade absoluta é confinada à matemática e
aos resultados da observação cuidadosa e dos experimentos nas ciências
físicas; imaginando que as ciências moral e política não contém fatos
invariáveis de verdade indiscutível e que, portanto, não podem ser consideradas
como ciências genuínas, mas meramente como sistemas hipotéticos.
Say poderia facilmente ter se referido aos positivistas de nossos dias, cuja
metodologia previne-os de reconhecer que verdades absolutas podem ser
alcançadas nas ciências sociais, quando fundadas, como são na praxiologia,
em axiomas amplamente evidentes. Say insiste que os “fatos gerais”
subjacentes ao que ele chama de “ciências morais” são indiscutíveis e
fundados em observação universal.
Daí a vantagem desfrutada por qualquer um que, da observação acurada e
distinta, pode estabelecer a existência desses fatos gerais, demonstrar suas
conexões e deduzir suas consequências. Eles tão certamente procedem da
natureza das coisas quanto as leis do mundo material. Nós não os
imaginamos; eles são resultados descobertos por nós pela observação e
análise judiciosas. […] Isso pode ser admitido por qualquer mente reflexiva.
Esses fatos gerais, de acordo com Say, são “princípios”, e a ciência da
economia política, do mesmo modo que as ciências exatas, é composta por
alguns princípios fundamentais e por um grande número de corolários ou
conclusões obtidos desses princípios. É essencial, portanto, para o avanço
dessa ciência que seus princípios devem ser estritamente deduzidos da
observação; o número de conclusões a ser extraído deles pode posteriormente
ser multiplicado ou diminuído a critério do investigador, de acordo com o objeto
por ele proposto.[9]
Aqui Say estabelece outro ponto importante do método praxiológico: que os
caminhos nos quais o economista obtém as implicações dos axiomas e o
sistema elaborado que resulta serão decididos por seu próprio interesse e pelo
tipo de fatos históricos que está examinando. Assim, é teoricamente possível
deduzir a teoria do dinheiro até mesmo em uma economia de escambo
primitiva, onde o dinheiro não existe; mas é duvidoso se um praxiologista
primitivo teria se incomodado de o fazer.
Interessantemente o suficiente, Say naquela precoce data viu o aumento dos
métodos matemáticos e estatísticos, e refutou-os com o que pode ser descrito
como ponto de vista praxiológico. A diferença entre a economia política e a
estatística é precisamente a diferença entre a economia política (ou teoria
econômica) e a história. A primeira é baseada com certeza em princípios gerais
observados e reconhecidos; portanto, “um conhecimento perfeito dos
princípios da economia política pode ser obtido, na medida em que todos os
fatos gerais que compõem essa ciência podem ser descobertos”. Sobre esses
“fatos gerais inegáveis”, “deduções rigorosas” são construídas e naquela
medida a economia política “reside sob uma fundação imóvel”. A estatística,
por outro lado, apenas registra o padrão sempre em mudança dos fatos
particulares, a estatística “como a história, sendo um recital dos fatos, mais ou
menos incertos e necessariamente incompletos”. Além disso, Say antecipou a
visão praxiologista dos dados históricos e estatísticos como sendo eles
mesmos fatos complexos que necessitam de explicação. “O estudo das
estatísticas pode satisfazer a curiosidade, mas não pode nunca ser produtor de
progresso quando ele não indica a origem e as consequências dos fatos que
foram coletados; e ao indicar as origens e consequências deles, torna-se, por
vez, a ciência da economia política”. Em outra parte no ensaio, Say zomba da
credulidade do público em relação à estatística: “Às vezes, além disso, uma
exibição de figuras e cálculos se impõe sobre eles; como se cálculos
numéricos sozinhos pudessem provar qualquer coisa e como se qualquer regra
pudesse ser estabelecida, a partir da qual uma inferência pudesse ser extraída
sem o auxílio do raciocínio sólido”.[10]
Say procede a questionar afiadamente o valor da matemática na construção da
teoria econômica, mais uma vez se referindo à estrutura dos axiomas básicos,
ou princípios gerais, em seu argumento. Pois a economia política está
preocupada com o valor dos homens, e esses valores sendo “sujeitos à
influência das faculdades, dos quereres e dos desejos da humanidade, não são
suscetíveis a qualquer apreciação mais rigorosa, e não podem portanto
fornecer qualquer dado para cálculos absolutos. Na ciência política, tudo que é
essencial é um conhecimento da conexão entre causas e suas consequências”.
Aprofundando no então único uso apenas embrionário do método matemático
da economia, Say aponta que as leis da economia são estritamente
qualitativas: “Nós podemos, por exemplo, saber que para qualquer dado ano o
preço do vinho dependerá infalivelmente da quantidade a ser vendida,
comparada com a extensão da demanda”. Mas “se nós estivermos desejosos
de enviar esses dados para o cálculo matemático,” então torna-se impossível
chegar a previsões quantitativas precisas das inumeráveis e sempre variantes
forças em operação: o clima, a quantidade da colheita, a qualidade do produto,
o estoque de vinho retido da safra anterior, a quantidade de capital, as
possibilidades de exportação, a oferta de bebidas substitutas, e os gostos e
valorações mutáveis dos consumidores.”[11]
Say oferece um insight altamente perceptivo sobre a natureza e as
consequências prováveis da aplicação da matemática na economia. Ele
argumenta que o método matemático, com sua aparente exatitude, pode
apenas distorcer gravemente a análise da ação humana qualitativa ao esticar e
supersimplificar o insight legítimo dos princípios econômicos:
Tais pessoas quanto têm pretendido fazer, não foram aptas a enunciar essas
questões em uma linguagem analítica, sem despojá-las de suas complicações
naturais, através de simplificações e supressões arbitrárias, das quais as
consequências, não propriamente estimadas, sempre mudam essencialmente
a condição do problema e pervertem todos seus resultados; de modo que
nenhuma outra inferência pode ser deduzida de tais cálculos além da fórmula
arbitrariamente assumida.[12]
Em contraste com as ciências físicas onde as leis ou princípios gerais
explanatórios estão sempre no campo do hipotético, na praxiologia é fatal
introduzir supersimplificações e falsidade em suas premissas, pois então as
conclusões deduzidas delas serão irremediavelmente defeituosas também.[13]
Se a matemática e a estatística não fornecem o método próprio para o
economista político, qual método é apropriado? O mesmo curso que ele
perseguiria em sua vida diária. “Ele examinará os elementos imediatos do
problema proposto, e depois de os ter verificado com certeza […] irá valorar
aproximadamente suas influências mútuas com a rapidez intuitiva de um
entendimento esclarecido.”[14] Resumidamente, as leis do economista político
são certas, mas sua combinação e aplicação para qualquer dado evento
histórico são alcançados, não por métodos pseudo-quantitativos ou
matemáticos, que distorcem e supersimplificam, mas apenas pelo uso
do Verstehen, “a rapidez intuitiva de um entendimento esclarecido”.
Os primeiros economistas a devotar suas atenções especificamente à
metodologia foram três economistas principais da Grã-Bretanha em meados do
século XIX: John E. Cairnes, Nassau W. Senior e John Stuart Mill. Cairnes e
Senior, ao menos, podem ser considerados proto-praxiologistas. Cairnes,
depois de concordar com Mill que não pode haver experimentos controlados
nas ciências sociais, acrescenta que elas têm, contudo, uma vantagem crucial
sobre as ciências físicas. Pois, na última,
a humanidade não tem conhecimento direto dos princípios últimos da física. A
lei da gravidade e as leis do movimento estão entre os melhores estabelecidos
e mais certos de tais princípios; mas qual é a evidência na qual eles repousam?
Nós não os encontramos em nossa consciência, ao refletir sobre o que se
passa em nossas mentes; nem podem tornar-se aparentes aos nossos
sentidos — a prova de todas tais leis que se resolvem em última análise nisto,
que, supondo que elas existam, elas explicam os fenômenos.
Em contraste, no entanto,
O economista inicia com um conhecimento das causas últimas. Ele já está, no
início de seu empreendimento, na posição que o físico apenas atinge após eras
de pesquisa trabalhosa. Se alguém duvida disso, tem apenas de considerar
quais os princípios últimos que governam os fenômenos econômicos são […]
certos sentimentos mentais e certas propensões animais nos seres humanos;
[e] as condições físicas sob as quais a produção ocorre. […] Para a descoberta
de tais premissas nenhum processo elaborado de indução é necessário […] por
essa razão, que temos, ou podemos ter se escolhermos virar nossa atenção ao
assunto, conhecimento direto dessas causas em nossa consciência — do que
passa em nossas mentes e na informação que nossos sentidos transmitem […]
para nós dos fatos externos. Todo aquele que embarca em qualquer busca
industrial está consciente dos motivos que o fazem actuar aquilo. Ele sabe que
ele faz isso pelo desejo, por qualquer propósito que seja, de possuir riqueza; ele
sabe que, de acordo com suas luzes, ele irá proceder em direção ao seu fim no
caminho mais curto aberto para ele.[15]
Cairnes procede a apontar que o economista usa o experimento mental como
um substituto para o experimento de laboratório do cientista físico.
Cairnes demonstra que as leis econômicas deduzidas são leis de “tendência”
ou “se-então” e, ademais, que elas são necessariamente qualitativas e não
podem admitir expressão quantitativa ou matemática. Assim, ele também
aponta que é impossível determinar precisamente quanto o preço do trigo irá
subir em resposta a uma queda na oferta; para começar, “é evidente que a
disposição das pessoas em sacrificar um tipo de gratificação por outro —
sacrificar vaidade por conforto, ou decência por fome— não é suscetível de
mensuração precisa.”[16] No prefácio de sua segunda edição, duas décadas mais
tarde em 1875, Cairnes reiterou sua oposição à crescente aplicação do método
matemático à economia, que, em contraste ao seu uso nas ciências físicas, não
pode produzir novas verdades; “e a menos que possa ser demonstrado que
sentimentos mentais podem ser expressos em formas quantitativas precisas,
ou, por outro lado, que o fenômeno econômico não depende dos sentimentos
mentais, eu não vejo como essa conclusão pode ser evitada”.[17]
Nassau Senior, contemporâneo mais velho de Cairnes, foi o mais importante
praxiologista daquela era. Antes de Senior, os economistas clássicos como
John Stuart Mill estabeleceram as premissas fundamentais da economia na
base instável de serem hipóteses; a hipótese principal era a de que todos os
homens agem para obter o máximo de riqueza material. Uma vez que isso
claramente não é sempre verdadeiro, Mill teve de conceder que a economia era
apenas uma ciência hipotética e aproximativa. Senior ampliou a premissa
fundamental para incluir a riqueza imaterial ou satisfação, um princípio
completo, apodítico e universalmente verdadeiro baseado no insight da
natureza buscadora-de-objetivos da ação humana.
Ao afirmar que todo homem deseja obter riqueza adicional com um sacrifício
tão pequeno quanto seja possível, precisamos não ser supostos a significar
que todo mundo […] deseja uma quantidade indefinida de tudo. […] O que nós
significamos é que nenhuma pessoa sente que todos seus quereres estão
adequadamente supridos; que toda pessoa tem alguns desejos insatisfeitos
que ela acredita que essa riqueza adicional gratificaria. A natureza e urgência
dos quereres de cada indivíduo são tão variadas quanto as diferenças no
caráter individual.[18]
Em contraste com as ciências físicas, Senior apontou, a economia e as outras
“ciências mentais” extraem suas premissas dos fatos universais da
consciência humana:
As ciências físicas, sendo apenas secundariamente proficientes com a mente,
obtêm suas premissas quase exclusivamente de observações ou hipóteses.
Aquelas que tratam apenas de magnitudes ou números, […] as ciências puras,
derivam as premissas completamente de hipóteses. […] Elas negligenciam
quase completamente os fenômenos da consciência. […]
Por outro lado, as ciências da mente e artes da mente extraem suas premissas
principalmente da consciência. As matérias com as quais elas são
principalmente proficientes são os funcionamentos da mente humana. [19]
Essas últimas premissas são “algumas proposições gerais, que são o resultado
da observação, ou consciência, e que quase todo homem, assim que as ouvir,
admite como familiares a seu pensamento, ou, ao menos, como incluídas em
seu conhecimento prévio.”[20]
Durante a década de 1870 e de 1880, a economia clássica foi suplantada pela
Escola Neoclássica. Nesse período o método praxiológico foi levado em frente
e mais desenvolvido pela Escola Austríaca, fundada por Carl Menger da
Universidade de Viena e continuada por seus dois discípulos mais eminentes,
Eugen von Böhm-Bawerk e Friedrich von Wieser. Foi na base de seus trabalhos
que o estudante de Böhm-Bawerk, Ludwig von Mises, posteriormente fundou a
praxiologia como uma metodologia autoconsciente e articulada. [21] Como estava
fora da moda popular intelectual cada vez mais crescente — da matemática e
do positivismo —, no entanto, a Escola Austríaca tem sido grandemente
negligenciada nos anos recentes e descartada como uma aproximação não-
sólida da teoria matemático-positivista da Escola de Lausanne, fundada por
Léon Walras de Lausanne e continuada pelo economista e sociólogo italiano,
Vilfredo Pareto.
Um punhado de seguidores ou observadores simpáticos, contudo, tem
realizado investigações na metodologia da cedia Escola Austríaca. Leland B.
Yeager notou o que nós agora vemos como a visão praxiológica típica da única
vantagem da teoria econômica sobre as ciências físicas: “Enquanto os
elementos básicos da interpretação teórica nas ciências naturais, tais, diz ele
[Menger], como forças e átomos, não podem ser observados diretamente, os
elementos da explicação na economia —indivíduos humanos e seus esforços—
são de uma natureza empírica direta.” Além disso, “Os fatos que os
economistas induzem dos comportamentos deles mesmos e de outras
pessoas servem como axiomas dos quais um corpo de teoria econômica útil
pode ser logicamente deduzido, assim como na geometria um impressionante
sistema de teoremas pode ser deduzido de alguns axiomas.” Em suma,
“Menger concebeu a teoria econômica como um corpo de deduções a partir de
princípios básicos tendo uma fundamentação empírica forte.” Referindo-se aos
economistas positivistas dominantes de nossos próprios dias, Yeager
acrescenta perceptivamente,
Não compartilhando (…) o entendimento de Menger de como os conteúdos
empíricos entram nas chamadas “teorias de gabinete”, muitos economistas de
nossos dias aparentemente tomam o trabalho empírico e teórico como dois
campos distintos. A manipulação das relações funcionais e assumidamente
arbitrárias é justificada nas mentes de tais economistas pela ideia de que o
teste empírico das teorias em contraste com o mundo real vem depois.[22]
Outros escritores têm descoberto elos entre o método Austríaco e várias
vertentes da philosophia perennis. Assim, Emil Kauder, encontrou uma relação
próxima entre esse método e a filosofia de Aristóteles, que era ainda influente
na Áustria no fim do século dezenove. Kauder aponta que todos os austríacos
eram “ontologistas sociais” e que como tais eles acreditaram em uma estrutura
da realidade “tanto como um ponto inicial lógico quanto um critério de
validade”. Ele observa as declarações de Mises de que as leis econômicas são
“fatos ontológicos” e ele caracteriza como ontológica e aristotélica a
preocupação de Menger e seus seguidores de descobrir as “essências” do
fenômeno, ao invés de tratar de quantidades econômicas superficiais e
complexas. Kauder também aponta que para Menger e os austríacos, a teoria
econômica lida com tipos e relações típicas, o que fornece um conhecimento
que transcende o imediato, o caso concreto, e é válido para todos os tempos e
lugares. Os casos históricos concretos são portanto a “matéria” aristotélica que
contém potencialidades, enquanto as leis e tipos são as “formas” aristotélicas
que actualizam a potência. Para os Austríacos, e especificamente para Böhm-
Bawerk, ademais, a causalidade e a teleologia eram idênticas. Em contraste à
abordagem de determinação funcional mútua de Walras e dos economistas
contemporâneos, os austríacos traçaram as causas dos fenômenos
econômicos de volta para os quereres e escolhas dos consumidores. Wieser
destacou especialmente o fundamento da teoria econômica sobre a
experiência interna da mente.[23]
Além disso, Ludvig M. Lachmann, comparando a escola Austríaca e a de
Lausanne, mostra que os austríacos estavam se empenhando em construir
uma “ciência social verstehende”, o mesmo ideal que Max Weber viria a
defender mais tarde. Lachmann aponta que os antigos economistas
ricardianos adotaram o método “objetivo” das ciências naturais na medida em
que o foco principal deles era sobre o problema quantitativo da distribuição de
renda. Na análise deles, os fatores de produção (terra, trabalho e bens de
capital) reagem mecanicamente a mudanças econômicas externas. Mas, em
contraste, “a teoria austríaca é ‘subjetiva’ também no sentido que os indivíduos
[…] performam suas ações e imprimem suas individualidades aos eventos no
mercado.” Quanto ao contraste entre a Áustria e Lausanne,
é o contraste entre aqueles [Lausanne] que se confinam a determinar as
magnitudes apropriadas dos elementos de um sistema (as condições de
equilíbrio) e aqueles [os austríacos] que tentam explicar os eventos em termos
dos atos mentais dos indivíduos que os criam. Muitos pensadores austríacos
estavam vagamente alertas desse contraste, mas antes de Hans Mayer, Mises
e Hayek estavam inaptos a expressar isso concisamente. A validade do modelo
de Lausanne é limitada a um mundo estacionário. O pano de fundo da teoria
austríaca, em contraste, é um mundo de mudanças contínuas no qual os
planos têm de ser concebidos e continuamente revisados.[24]
Podemos concluir esse esboço da história da tradição praxiológica na
economia ao tratar um debate importante, mas muito negligenciado, na
metodologia econômica que ocorreu na virada do século XX entre Pareto e o
filósofo Benedetto Croce. Croce, de sua própria posição praxiológica altamente
desenvolvida, abriu o debate repreendendo Pareto por ter escrito que a teoria
econômica era uma espécie de mecânica. Vigorosamente rejeitando essa
visão, Croce apontou que um fato na mecânica é um mero fato, que não requer
comentário positivo ou negativo; enquanto que palavras de aprovação ou
desaprovação podem apropriadamente ser aplicadas a um fato econômico. A
razão é que os verdadeiros dados da economia não são “coisas e objetos
físicos, mas ações. O objeto físico é meramente a matéria bruta de um ato
econômico.”[25] Os dados econômicos, então, são os atos do homem, e esses
atos são os resultados da escolha consciente.
Em sua longa resposta, Pareto reitera a similaridade entre economia e
mecânica, e, como os positivistas de hoje, defende assunções mecânicas
irrealistas como simples abstrações da realidade, na suposta maneira das
ciências naturais. Professando, em um típico gambito positivista, não
“entender” o conceito de valor, Pareto escreve: “Eu vejo […] que você emprega o
termo valor. […] Eu não o uso mais porque não sei o que transmitiria para as
outras pessoas.” O conceito de valor é vago e complexo e não é sujeito à
mensuração; portanto, “as equações da economia pura estabelecem relações
entre quantidades de coisas, portanto relações objetivas, e não relações entre
conceitos menos ou mais precisos de nossas mentes.”[26] Criticando a evidente
concentração de Croce nas essências da ação econômica, como exemplificado
em sua insistência que “deve-se estudar não as coisas que são resultado de
ações, mas as próprias ações,” Pareto reclama que esse método é uma falácia
científica anciã. “Os anciãos conjuraram cosmogonias ao invés de estudar
astronomia, perguntaram-se sobre os princípios dos elementos água e fogo […]
em vez de estudar química. A ciência anciã desejou proceder da origem para os
fatos. A ciência moderna inicia dos fatos e procede até a origem a um ritmo
extremamente lento.” Tipicamente, Pareto estabelece a posição positivista
objetivista argumentando a partir da analogia do método das ciências naturais,
assim cometendo completamente a petição de princípio de se as metodologias
das ciências naturais e sociais devem ou não ser semelhantes. Assim, ele
conclui que “a ciência procede pela substituição das relações entre conceitos
humanos (as relações que são as primeiras a ocorrer para nós) por relações
entre coisas.”[27]
Croce responde criticando a restrição de Pareto da economia a quantidades
mensuráveis como arbitrária; mas e sobre aquelas situações econômicas onde
os objetos de ação ou troca não são mensuráveis? Croce sugere que é Pareto
quem está realmente sendo metafísico, enquanto Croce é o verdadeiro
empirista. Pois “seu postulado metafísico implicado é […] isso: que os fatos da
atividade do homem são da mesma natureza que os fatos físicos; que em um
caso como em outro nós podemos apenas observar regularidades e deduzir
consequências a partir daí, sem nunca penetrar até a natureza interna dos
fatos. […] Como você defenderia esse seu postulado senão por um monismo
metafísico?” Em contraste, escreve Croce, “Eu me atenho à experiência. Ela
testemunha para mim a distinção fundamental entre o externo e o interno, entre
o físico e o mental, entre mecânica e teleologia, entre passividade e atividade.”
Quanto ao valor, é realmente um termo simples envolvido na atividade humana:
“Valor é observado imediatamente em nós mesmos, em nossa consciência”.[28]
Em sua réplica, Pareto inicia com um típico exemplo de obtusidade metafísica:
Ele não acredita que “os fatos da atividade do homem são da mesma natureza
que os fatos físicos” porque ele não sabe o que pode ser “natureza”. Ele
continua a reiterar vários exemplos da ciência física para demonstrar a
metodologia própria para todas disciplinas. Ele deseja seguir os “mestres da
ciência positiva” e não meros filósofos. Pareto conclui com um conciso resumo
das diferenças entre os dois homens e as duas metodologias:
Nós experimentalistas […] aceitamos hipóteses não por qualquer valor
intrínseco que possam ter, mas apenas na medida em que elas entregam
deduções que estão em harmonia com os fatos. Você, considerando a natureza
das coisas independentemente do resto, estabelece uma certa proposição A e
dela desce aos fatos concretos B. Nós podemos aceitar a proposição A, mas
apenas como uma hipótese, portanto não fazendo a menor tentativa de provar
isso. […] Então nós vemos o que pode ser deduzido disso. Se essas deduções
concordam com os fatos, nós aceitamos a hipótese, por enquanto, é claro, pois
não temos nada como final ou absoluto.[29]
Individualismo Metodológico
Apenas um indivíduo tem uma mente; apenas um indivíduo pode sentir, ver e
perceber; apenas um indivíduo pode adotar valores ou fazer escolhas; apenas
um indivíduo pode agir. Esse princípio primordial do “individualismo
metodológico”, central ao pensamento social de Max Weber, precisa subjazer a
praxeologia, bem como as outras ciências da ação humana. Isso implica que
tais conceitos coletivos como grupos, nações e estados não existem ou agem
actualmente; eles são apenas constructos metafóricos para descrever as
ações combinadas ou similares de indivíduos. Não há, em suma, “governos”
como tais; há apenas indivíduos agindo combinadamente de uma maneira
“governamental”. Max Weber coloca isso claramente:
Essas coletividades precisam ser tratadas apenas como os resultantes e
modos de organização dos atos particulares de pessoas individuais, uma vez
que apenas esses podem ser tratados como agentes em um curso de ação
subjetivamente entendível. […] Para propósitos sociológicos […] não há tal coisa
como uma personalidade coletiva que “age”. Quando uma referência é feita em
um contexto sociológico a […] coletividades, o que é significado é
[…] apenas um certo tipo de desenvolvimento de ações sociais actuais ou
possíveis de pessoas individuais.[30]
Ludwig von Mises aponta que o que diferencia a ação puramente individual das
dos indivíduos agindo como membros de uma coletividade é
o significado diferente atribuído pelas pessoas envolvidas.
É o significado que os indivíduos agentes e todos aqueles que são afetados por
suas ações atribuem a uma ação que determina seu caráter. É o significado
que marca uma ação como a ação do estado ou da municipalidade. O carrasco,
não o estado, é quem executa um criminoso. É o significado daqueles
preocupados que discerne na ação do carrasco uma ação do estado. Um grupo
de homens ocupa um lugar. É o significado daqueles preocupados que imputa
essa ocupação não aos oficiais e soldados no lugar, mas à nação.[31]
Em seu importante trabalho metodológico, o discípulo do Mises, F.A. Hayek,
tem demonstrado que a falácia de tratar constructos coletivos como
“totalidades sociais” diretamente percebidas (o “capitalismo”, “a nação”, “a
classe”) sobre as quais leis podem ser descobertas surge da insistência
behaviorista-objetivista em tratar os homens por fora, como se eles fossem
pedras, em vez de tentar entender suas ações subjetivamente determinadas.
Ela [a visão objetivista] trata os fenômenos sociais não como algo do qual a
mente humana é uma parte e os princípios de cuja organização podemos
reconstruir a partir das partes familiares, mas como se fossem objetos
diretamente percebidos por nós como totalidades. […]
Há uma ideia um tanto vaga de que uma vez que “fenômenos sociais” devem
ser o objeto de estudo, o óbvio procedimento é iniciar da observação direta
desses “fenômenos sociais”, onde a existência em uso popular de tais termos
como “sociedade” ou “economia” é ingenuamente tomado como evidência de
que devem haver “objetos” definidos correspondendo a eles.[32]
Hayek adiciona que a ênfase no significado do ato individual revela que, “o que,
dos complexos sociais, é diretamente conhecido para nós é apenas as partes e
que o todo nunca é diretamente percebido, mas sempre reconstruído por um
esforço da nossa imaginação.”[33]
Alfred Schütz, o excepcional desenvolvedor do método fenomenológico nas
ciências sociais, nos lembrou da importância de retornar “ao ‘homem
esquecido’ das ciências sociais, para o agente no mundo social cujo fazer e
sentir residem na base de todo o sistema. Nós, então, tentamos o entender
naquele fazer e sentir e o estado da mente que o induziu a adotar atitudes
específicas em relação ao seu ambiente social.” Schütz acrescenta que “para
uma teoria da ação o ponto de vista subjetivo precisa ser retido em sua força
máxima, na omissão do qual tal teoria perde suas fundamentações básicas, a
saber, sua referência ao mundo social da vida diária e da experiência.” Faltando
tal fundamento, as ciências sociais são suscetíveis a substituir o “mundo da
realidade social” por um mundo ficcional não existente construído pelo
cientista observador. Ou, como Schütz coloca sucintamente: “Eu não posso
entender uma coisa social sem reduzi-la à atividade humana que a criou, e além
disso, sem referir essa atividade humana aos motivos dos quais ela surgiu.”[34]
Arnold W. Green tem recentemente demonstrado como o uso de conceitos
coletivos inválidos tem danificado a disciplina da sociologia. Ele nota o
crescente uso de “sociedade” como uma entidade que pensa, sente e age, e,
nos anos recentes, tem funcionado como a perpetradora de todas as doenças
sociais. A “sociedade”, por exemplo, e não o criminoso, é geralmente
considerada como a responsável por todos os crimes. Em muitos quadrantes a
“sociedade” é considerada quase demoníaca, uma “vilã reificada” que “pode ser
atacada à vontade, culpada ao acaso, ridicularizada e zombada com fúria
fanática, [e] pode até mesmo ser anulada por decreto ou desejo utópico ardente
— e de alguma forma, por algum caminho, os ônibus ainda funcionarão no
horário.” Green acrescenta que “se, por outro lado, a sociedade é vista como
pessoas cujas relações sociais inseguras são preservadas apenas pela
fidelidade paga ao seu estoque comum de regras morais, então a área de livre
escolha disponível na qual a impunidade de demandar, minar e destroçar, é
fortemente restringida.” Ademais, se percebermos que a “sociedade” não existe
em si mesma, mas é composta apenas de pessoas individuais, então dizer que
“a sociedade é responsável pelo crime e que os criminosos não são
responsáveis pelo crime, é dizer que somente aqueles membros da sociedade
que não cometem crime podem ser responsabilizados pelo crime. Falta de
sentido tão óbvia pode ser contornada apenas evocando a sociedade como o
diabo, como o mal estando separado das pessoas e do que elas fazem.”[35]
A economia tem estado repleta de falácias que surgem quando metáforas
sociais coletivas são tratadas como se fossem objetos existentes. Assim,
durante a era do padrão-ouro houve ocasionalmente um grande alarme de que
a “Inglaterra” ou a “França” estavam em perigo mortal porque “elas” estavam
perdendo ouro. O que realmente aconteceu foi que homens ingleses
e homens franceses estavam voluntariamente enviando ouro para o exterior e,
assim, ameaçando as pessoas que dirigiam os bancos desses países com a
necessidade de cumprir as obrigações de pagar em ouro que eles não
poderiam possivelmente cumprir. Mas o uso da metáfora coletiva converteu
um grave problema bancário em uma vaga crise nacional pela qual cada
cidadão era de alguma forma responsável.
Similarmente, durante as décadas de 1930 e 1940 muitos economistas
reivindicaram que, em contraste com as dívidas devidas no exterior, o tamanho
da dívida pública doméstica era sem importância porque “nós apenas devemos
isso a nós mesmos”. A implicação era que a pessoa nacional coletiva devia “a
ela mesma” dinheiro de um bolso para outro. Essa explicação obscureceu o
fato que faz uma diferença substancial para cada pessoa se ela é um membro
do “nós” ou do “nós mesmos”.
Às vezes o conceito coletivo é tratado descaradamente enquanto um
organismo biológico. Assim, o conceito popular de crescimento econômico
implica que toda economia está, de algum modo, destinada, na maneira de um
organismo vivo, a “crescer” em alguma maneira predeterminada. O uso de tais
termos análogos é uma tentativa de negligenciar ou até mesmo negar a
vontade e a consciência individuais nos assuntos econômicos e sociais. Como
Edith Penrose escreveu em uma crítica do uso do conceito “crescimento” no
estudo de empresas de negócios:
Onde as analogias biológicas explícitas surgem na economia, elas são
extraídas exclusivamente daquele aspecto da biologia que lida com o
comportamento não motivado dos organismos […] temos nenhuma razão para
pensar que o padrão de crescimento de um organismo biológico é de vontade
do próprio organismo. Por outro lado, temos todos os motivos para pensar que
o crescimento de uma empresa é da vontade daqueles que tomam as decisões
da empresa […] e a prova disso reside no fato de que ninguém pode descrever o
desenvolvimento de qualquer dada empresa […] exceto em termos de decisões
tomadas por homens individuais.[36]
Não há melhor resumo da natureza da praxiologia e do papel da teoria
econômica em relação aos eventos históricos concretos do que na discussão
de Alfred Schütz da metodologia econômica de Ludwig von Mises:
Nenhum ato econômico é concebível sem alguma referência a algum agente
econômico, mas o último é absolutamente anônimo; não é você, nem eu, nem
um empreendedor, nem mesmo um “homem econômico” como tal, mas um
“alguém” universal puro. Essa é a razão pela qual proposições da economia
teorética têm justamente aquela “validade universal” que as dá a idealidade do
“e assim por diante” e “Eu posso fazer isso novamente”. Contudo, alguém pode
estudar o agente econômico como tal e tentar encontrar o que está ocorrendo
em sua mente; é claro, ele não está, assim, engajado na economia teórica, mas
na história econômica ou sociologia econômica. […] No entanto, as afirmações
dessas ciências não podem clamar uma validade universal, pois elas lidam ou
com sentimentos econômicos de indivíduos históricos particulares ou com
tipos de atividade econômica para os quais os atos econômicos em questão
são evidências. […]
Em nossa visão, a economia pura é um exemplo perfeito de um complexo-de-
significado objetivo sobre complexos-de-significado subjetivos, em outras
palavras, de uma configuração-de-significado objetiva que estipula as
experiências subjetivas típicas e invariantes de qualquer um que actue dentro
de uma estrutura de operação econômica. […] Excluída de tal esquema teria de
ser qualquer consideração dos usos aos quais os “bens” devem ser colocados
após serem adquiridos. Mas uma vez que voltamos nossa atenção para o
significado subjetivo de uma pessoa individual real, deixando para trás o
anônimo “qualquer um”, então é claro que faz sentido falar de comportamento
que é atípico. […] Certamente, tal comportamento é irrelevante do ponto de vista
da economia, e é nesse sentido que os princípios econômicos são, nas
palavras de Mises, “não uma afirmação do que geralmente acontece, mas do
que necessariamente precisa acontecer.”[37]
Notas
Sobre isso, ver Andrew G. Van Melsen, The Philosophy of Nature (Pittsburgh,
[1]
Natanson, ed. (The Hague: Nijhoff, 1962), p. 65; ver também pp. 1-66, assim
como Peter Winch, “Philosophical Bearings,” em Philosophy of the Social
Sciences: A Reader, Maurice Natanson, ed. (New York: Random House, 1963).
Sobre a importância de suposições de senso-comum e pré-científicas da
ciência de uma perspectiva filosófica ligeiramente diferente, ver Van
Melsen, Philosophy of Nature, pp. 6-29.
Ver Victor Zamowitz, An Appraisal of Short-Term Economic Forecasts (New
[5]
ed. (London: Macmillan, [1857] 1875, reimp. 1888), pp. 83, 87-88 (itálico no
original). A ênfase de Cairnes e de outros economistas clássicos na riqueza
como objetivo da ação econômica tem sido modificada pelos economistas
praxiologistas posteriores para incluir qualquer tipo de satisfação psicológica,
das quais aquelas provindas da satisfação material são apenas um
subconjunto. Uma discussão similar a essa de Cairnes pode ser encontrada em
F.A. Hayek, “The Nature and History of the Problem,” em Collectivist Economic
Planning, F.A. Hayek, ed., (London: Routledge, 1935), pp. 10-11.
[16]
Cairnes, Character and Logical Method, p. 127.
[17]
Ibid., p. v.
Nassau William Senior, An Outline of the Science of Political Economy (New
[18]
Economic Papers 3 (1953): 173, 195. Sobre a visão de Croce da economia, ver
Giorgio Tagliacozzo, “Croce and the Nature of Economic science,” Quarterly
Journal of Economics 59 (Maio 1945): 307-29. Sobre o debate de Croce e
Pareto, ver Kirzner, Economic Point of View, pp. 155-57.
É interessante que o economista walrasiano Joseph Schumpeter, em seu único
trabalho não traduzido, Das Wesen und der Hauptinhalt der theoretischen
Nationalökonomie (Leipzig: Duncker and Humblot, 1908), especificamente
declara que o economista precisa apenas tratar mudanças em “quantidades
econômicas” como se fossem causadas automaticamente, sem referência aos
seres humanos que podem ter se envolvido em tais mudanças. Nesse caminho,
causalidade e propósito seriam substituídos na teoria econômica por relações
funcionais e matemáticas. Ver Kirzner, Economic Point of View, pp. 68-70.
Vilfredo Pareto, “On the Economic Phenomenon” (1900), International
[26]