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Primeiro Questionário
“Ora, se uma acção realizada por dever deve eliminar totalmente a influência
da inclinação e com ela todo o objecto da vontade, nada mais resta à vontade
que a possa determinar do que a lei objetivamente, e, subjetivamente, o puro
respeito por esta lei prática, e por conseguinte a máxima que manda obedecer
a essa lei, mesmo com prejuízo de todas as minhas inclinações”1.
1
KANT, 1964, p. 31.
contingente. Em suma, os seres capazes de agir segundo a só representação
da lei pura têm de ter uma vontade; para derivar ações de ‘leis’ é mister o uso
da ‘razão’, de modo que, fala o Kant: ‘vontade’ = ‘razão prática’. A ‘vontade’,
então, será a faculdade de escolher somente aquilo derivado pela ‘faculdade
da razão’ como necessário, do ponto de vista prático. Kant, apesar desses
fatores, coloca a ‘vontade’ no meio-termo: o seu único móbil não é a razão,
mas também (vê-se nos seres-racionais finitos) inclinações e pulsões
heterônimas (ou seja, determinam a vontade em vista a outras coisas para-
além desta determinação mesma).
2
Ibid. p. 61.
se a ‘vontade’ humana como legisladora e universal segundo suas máximas
tornadas leis, convém-se ao ‘imperativo categórico’ na sua apoditicidade
desinteressada. A possibilidade mesma de existência do ‘imperativo
categórico’, já aqui, assenta toda na condição de uma ‘vontade’ a ser
determinada pelas leis morais urdidas a lei.
3
Ibid. pp. 84-6.
[3ºseção]: A última seção começa por definir a vontade: faculdade de
causalidade dos seres racionais, por onde algo como o ‘reino-dos-fins’ (locus
dessas relações causais só racionais) é possível; a propriedade desta
causalidade é, diz Kant, a liberdade – responsável, à sua vez, pela eficiência
da causalidade. A causalidade da liberdade tem ‘leis necessárias’: é, já a
expomos, a autonomia – lê-se capacidade de dar-se a si mesmo a lei, mas
enquanto legislador de um ‘reino-dos-fins’. Deste modo, não causa estranheza
Kant dizer que a ‘vontade livre’ é justamente aquela ‘auto’-determinada pelas
‘leis morais’. A todo ser-racional, como tal, atribui-se a ideia de ‘liberdade’, pela
qual se exige deles o assentimento às ‘leis morais’. Enfim, Kant demonstra
como, para seres-racionais finitos como os humanos (mobilizados pela razão e
pelas inclinações sensíveis), a necessidade da ação segundo à lei chama-se
‘dever’. A distinção pré-feita na ‘Crítica da Razão Pura’ entre um mundo
sensível, o dos fenômenos, e outro inteligível, o das ‘coisa-em-si’, retorna neste
ponto da redação. O homem subtende-se como habitante desses dois mundos,
e, portanto, condicionado à causalidade determinada do ‘mundo sensível’; livre
ele só é quando tomado como entidade racional, pertencente ao ‘mundo
inteligível’ das causalidades racionais. Em verdade, mostra Kant, a própria
possibilidade do imperativo categórico assenta em dois fatores: na liberdade
referida à faculdade da vontade e no fato de nós, humanos finitos, sermos
cidadãos de ‘dois mundos’ diferentes. O ‘tu deves’ do imperativo, por esse
caso, assenta nesta dupla estadia que, no entanto, deve margear-se em base
única das leis puras e universais panteadas pela razão, em conformidade ao
progresso de estabelecer uma metafísica dos costumes. Tanto a determinação
mecânica do mundo sensível quanto a ideia de liberdade são instâncias
necessárias que devem coabitar, juntas, no homem. A bem de autonomia e
‘boa vontade’, o homem deve aferrar-se nas prescrições ordenadas pela razão
ao mundo inteligível dos seres-racionais. Este mundo é a sobra pós-cesura
feita em relação aos materiais e dados sensíveis, os quais saem para dar
morada à forma da legislação racional. Kant fecha a redação do tratado neste
enlace, aonde o conceito primórdio de boa vontade desdobrou-se para, senão
na exposição, então na construção do tratado, surgir com os conceitos de
‘dever’, imperativo categórico, lei moral, moralidade, reino-dos-fins, etc. Todos
tributários daquele primeiro, isto é.
2) Defina o conceito de “vontade boa”, tal como ele aparece na “Primeira
Seção” e é explicitado no decorrer da obra, sobretudo em sua “Segunda
Seção”.
R: Na primeira seção [α]: a única coisa a ser considerada como boa, sem
limitações, é a ‘boa vontade’. A ‘boa vontade’, como tal, é condição única à qual
podemos nos fazer dignos de qualquer ‘felicidade’ 4. Uma ‘vontade’ só se torna
boa em razão do seu ‘querer’ – à despeito do que ela promove ou realiza como
‘efeito’ – quando considerada em si mesma (imanentemente, de modo
autônomo). A validade da vontade está na formatação do ‘imperativo
categórico’ [aonde a vontade determina-se só enquanto vontade: autonomia,
pelo qual a máxima é ‘querida’ como ‘lei universal’]. A necessidade das ações
em ‘respeito’ único às ‘leis práticas’ constituem uma determinação da ‘vontade’
por dever, donde ela se torna boa por si 5.
4
Ibid. pp. 21-2.
5
Ibid. p. 35.
6
Ibid. p. 50.
7
Ibid. p. 91.
moral’ objetiva e universal]8. Esses amontoados de conceitos são declinados ao
longo de toda a obra, e como tal, fusionam-se e desdobram-se a partir do
átomo do ‘dever’ [que é, em consequência o de ‘boa vontade’]. Os seres
‘dignos’, autônomos e legisladores do assim chamado reino-dos-fins, por isso,
agem segundo à boa vontade.
R: ‘Dever’ é a necessidade de dada ação com vista única à ‘lei moral’ (regra
prática apodítica que determina à vontade; é apodítica porquanto vale para
todo ser-racional). Somente a ela devo ‘respeito’ – não podendo senti-lo pelo
objeto no qual desemboca a ação, porquanto ele é efeito –, à medida em que
está ligada à minha vontade [faculdade de optar só por aquilo que a razão
indica como praticamente necessário, e por isso ‘bom’] 9 enquanto o seu móbil
ou mola-propulsora10.
Enfim, estar conforme ao ‘dever’ indica uma ação assente, mas de modo
contingente, ao ‘dever’: isso é, sem a determinação operada pelo amor ao
dever, de imediato, aonde a vontade é mobilizada em vista da lei, e sem decair
a inclinações de ordem irracional à performance de dada ação [Inclinação
designa a dependência da faculdade de desejar às sensações subjetivas] 11.
Assim, o homem que [α] age ‘por dever’ o faz por respeito e por amor a ele; o
seu móbil é, por isso, a determinação da vontade com vista única a esta
vontade mesma – de modo imediato, sem a intrusão de inclinações outras.
[β] Agir ‘conforme ao dever’, pelo contrário, designa uma ação cuja causa
pode muito bem ser uma inclinação ou máxima, ou preceito qualquer: ele faz o
que o dever prescreve, mas por acidência – sem que o amor ao ‘dever’ [em
concórdia à objetividade categórica da ‘lei moral’] determine-o, de imediato, à
ação.
8
Ibid. p. 26.
9
Ibid. p. 47.
10
Ibid. p. 31.
11
Ibid. p. 49. Nota.
4) Descreva o modo como Kant concebe o agir de todo ser racional – em
contraposição a toda natureza – e explique por que esse agir se configura
no ser racional finito – como nós, homens – na forma de um “dever” (ou
“imperativo”).
O dever é necessário, aí, como ‘regra prática’ [que conduz à ação] formatada
como um ‘imperativo’ do verbo ‘dever’ [‘tu deves’], pelo qual a necessidade da
ação conforme à ‘lei moral’ [regra prática objetiva e universal] demonstra que,
se o homem não fosse apenas um ser-racional, seguiria está máxima sem
trepidar a inclinações heterônimas. Tanto o ‘dever’ quanto o ‘imperativo
categórico’ são duas formas [cooperantes] pelas quais o ser-racional finito
(como o homem) encontra os meios de expurgar as determinações não-
racionais, mecanicamente determinadas por pulsões e ‘inclinações’
heterônimas [determinam a vontade à ação por meio ou a fim de motivos não
relativos à simples determinação da vontade enquanto vontade], e, portanto,
não-boas, que hora ou outra caem sobre ele.
12
Ibid. p. 48. Grifo do autor.
em vista única da razão, mas também de inclinações heterônimas [não
funciona para seres como Deus ou os anjos, os quais gozam de imediata e
única determinação da só razão na vontade]. Como tal, o ‘imperativo’ designa-
se pelo verbo ‘dever’ [sollen] na fórmula do ‘tu deves’13: mostra da necessidade
da ação e de que, se o ser-humano não fosse ao mesmo tempo habitante do
mundo sensível e inteligível [enquanto puramente racional] seria determinado,
sem travo nenhum, por ela.
[β] Imperativo Hipotético: diz que a ação é boa em vista de uma ‘intenção’ ou
efeito [possível/real]14; designação de uma necessidade prática de uma ação
em fins do alcance de dado fim heterônimo [em face ‘lei’ da razão, já que se
determina ela não em vista a si mesma, mas a outrem]. O imperativo
Hipotético, deste modo, determina a ação somente como causa eficiente [como
mediador, meio] para a obtenção de dado efeito.
13
Ibidem. Idem.
14
Ibid. p. 50.
15
Ibid. pp. 79-80. Sobre o progresso entre as formas, ele “[...] efetua-se como que pelas categorias da
unidade da forma da vontade (universalidade dessa vontade), da pluralidade da matéria (dos objectos, i.
e dos fins), e da totalidade do sistema dos mesmos”.
ser, ao mesmo tempo, lei universal 16. A lei suprema é igualmente um tal
princípio: age sempre de acordo à máxima cuja universalidade possas querer,
ao mesmo tempo, como lei. O imperativo categórico expressa-se também
assim: age segundo as máximas que podem, ao mesmo tempo, ter-se a si
mesmas por objeto enquanto leis universais naturais 17 [fórmula para uma
vontade absolutamente boa, de onde surge uma espécie de mundo causal cujo
fundamento é inteligível e racional].
16
Ibid. p. 59, 80. Grifo do autor.
17
Ibid. pp. 59, 80-1.
18
Ibid. p. 69.
19
Ibid. p. 81.
20
Ibidem. Idem.
21
Ibid. pp. 71-2.
lei universal (de todos os seres racionais)” 22. É o mundo inteligível de seres-
racionais, um ‘reino-dos-fins’, fruto da legislação de todos estes mesmos entes
que nele contêm-se. O ‘reino-dos-fins’ é um conceito que institui uma tectônica
sistemática de seres-racionais, por meio de leis ‘comuns’. Fazendo abstração
de diferenças pessoais entre os seres-racionais e dos conteúdos de seus fins
particulares, ter-se-á um todo do conjunto dos fins (dos seres-racionais como
fins em si, mas também dos fins próprios de cada um) 23. Um ‘reino-dos-fins’ é
analógico em face do ‘reino-da-natureza’: neste último, grassam as regras das
causas eficientes extrínsecas às ‘pessoas’ [termo de pendor jurídico, ‘persona’:
autônomas, e que valem por si] 24; na primeira, há as relações causais por meio
das máximas dos entes racionais legisladores-cidadãos. Os membros de um tal
‘reino’ são ao mesmo tempo ‘cidadãos’, ao mesmo tempo ‘legisladores’: dão as
leis, à medida em que a elas se submetem – condição de preservação da
mútua autonomia entre os pares.
22
Ibid. p. 82.
23
Ibid. pp. 75-6.
24
Ibid. p. 68.
25
Ibid. p. 75.
expressá-la26. Enfim: “Autonomia é pois o fundamento da dignidade da
natureza humana e de toda a natureza racional” 27.
Dito isso, ele poderia [α] ser um ser puramente racional [em razão da
‘liberdade’ e da vontade autônoma], cidadão das dependências somente
inteligíveis [como Deus e os anjos] e por isso excluso do ‘mundo sensível’.
26
Ibid. p. 77. Dignidade tem de ver com o ente racional só ser assente à sua própria legislação, sendo por
isso fim em si mesmo e sem ‘preço’ – a da ‘lei moral’, ao mesmo tempo universal.
27
Ibid. p. 79.
28
Ibid. p. 85.
29
Ibid. pp. 84, 85-6.
Seria perfeitamente conforme ao princípio de ‘autonomia’ da vontade pura, por
isso [e nesse sentido, não seria necessário um ‘imperativo’ do ‘tu deves’: a
ação compreender-se-ia, em exclusivo, sobre o crivo da inteligência ‘racional’].
[β] em contraste a isso, ele poderia ser como os animais não-humanos o são:
completamente determinado, de modo heterônimo, por ‘inclinações’ das
‘sensações’ [subjetivas]; a lei natural dos apetites seria o princípio mor de seu
governo e tendências. A consciência deste duplo pertencer enverga o dito: "[...]
terei de considerar as leis do mundo inteligível como imperativos para mim e as
acções conformes a este princípio como deveres" 30. Só há sentido num
‘imperativo categórico’ cuja única serventia repousa nesses seres demi-
sensíveis, demi-racionais. Enquanto um ser dotado de ‘liberdade’ [cidadão do
mundo moral-inteligível, no qual ele se entende como causa-eficiente racional
e, por isso, submetida à lei dada à vontade pela mesma] mas possivelmente
declinante a tendências heterônimas, o ser-humano necessita do ‘dever’ na
forma do ‘imperativo categórico’31: o ‘tu deves’ é uma marca de o homem ser
um ente de dupla natureza, à qual a lógica do ‘dever-ser’, da deontologia
emposta um ‘imperativo’ operado pela presidência da ‘razão prática’. Deste
modo, o imperativo repousa sobre a liberdade e sobre o fato de o homem ser
cidadão de um mundo sensível e outro inteligível.
Bibliografia:
30
Ibid. pp. 103-4.
31
Ibid. p. 93. A ‘liberdade’, uma propriedade da ‘vontade’ [causalidade dos seres-racionais], é quem a
torna numa ‘causa eficiente’, em descriminação de influências heterônimas. Enfim: vontade livre e
vontade submetida à ‘lei moral’ é uma mesma coisa [como já visto, a autonomia repousa sobre a
determinação categórica da vontade enquanto vontade].