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Aluno: Alexsander Ferreira (RA: 802214)

Ética 1 – Francisco Prata Gaspar (UFSCar)

Primeiro Questionário

1) Descreva em linhas gerais qual é o percurso argumentativo adotado


por Kant em toda a obra, passando por suas três seções.

R: [1º: Prefácio]. Nele, Kant distensiona algumas divisões e escansões


conceituais remetentes não só à Metafísica dos Costumes, mas também ao
que se poderia chamar de um seu ‘sistema’ filosófico. Como tal, o resto da
redação alicerça-se sobre este momento.

Primeiro se distingue o objeto do enredo: a filosofia material das ‘leis da


liberdade’, ou Ética, ou, ainda, ‘Teoria dos Costumes’. A ‘filosofia moral’ tem
parcela empírica e, por isso, trata das ‘vontades’ do homem enquanto afetado
pelas contingências naturais (diferente da lógica, que não contém esta parcela
e por isso é pura); ela versa sobre as coisas não como são, mas como
‘deveriam ser’ [deontologia: estudo dos deveres ou obrigações]. A filosofia pura
se baseia em princípios apriorísticos, longe da esfera da experiência; quando
ela se limita a certos objetos do entendimento, chama-se ‘Metafísica’.

Há uma ‘Metafísica da Natureza’ e uma dos ‘Costumes’; sua parte empírica é


uma ‘Antropologia Pragmática’ [da qual Kant iria tratar em cursos futuros, e
mais de uma vez] e sua parte racional é a ‘Moral’. Acima destas indicativas,
vem uma obrigação: a elaboração de uma ‘Metafísica dos Costumes’ depurada
de todo elemento empírico; uma ‘Filosofia Moral’ pura, válida para todo ser-
racional independentemente das contingências empírico-antropológicas. Kant
distingue entre uma ‘regra prática’ e uma ‘lei moral’; a primeira pode ter
resquícios de princípios empíricos, mas a segunda é universal, pura e, como
tal, vale não só para o homem [seria antropológica] mas para todo ser-racional.
Por razão disso, a ‘lei moral’ deve buscar-se antes numa filosofia pura, pelo
qual a ‘Metafísica’, a qual cabe a investigação da ‘vontade’ pura, vem em
primeiro lugar na exposição kantiana. O percurso, explicita-o Kant, é primeiro
analítico: parte do conhecimento vulgar e chega ao seu princípio supremo;
depois ele é sintético: exame do princípio supremo até o conhecimento vulgar.
A bem de um esboço, o próprio Kant traça um esquisso entre as três seções:
1º) Transição do conhecimento moral da razão vulgar para o conhecimento
filosófico; 2º) Transição da filosofia moral popular para a Metafísica dos
Costumes; 3º) Último passo da Metafísica dos Costumes para a Crítica da
Razão pura prática.

[1ºseção:] O átomo da exposição parte do conceito de ‘boa vontade’, que seria


uma concepção ordinária (válida neste e até em outro mundo). Somente por
meio dela algo pode ser considerado como ‘bom’. É, por isso, condição
indispensável de nossa ‘felicidade’, boa pelo seu ‘querer’ [em si mesma] e deve
ser validada enquanto ‘hiperativo categórico’ [o “tu deves”], no qual a ‘vontade’
é determinada sem vistas a um ‘fim heterônimo’ [e daí seria hipotética: faça isto
‘para’ conseguir aquilo], mas em razão única de ser vontade: e daí, ela será
(como visto no Prefácio) temente à ‘Lei’. Kant demonstra como faculdades
quais a da ‘razão’ e ‘vontade’ não podem decair-se somente à ‘conservação’ e
ao ‘bem-estar’, que seriam melhor geridos pelo ‘instinto’: aonde os fins e os
meios estariam sobre sua presidência. A faculdade da ‘razão’ no seu uso
prático, por isso, é o órgão supremo e necessário da fundação de uma ‘boa-
vontade’, exercendo sua influência sobre a ‘vontade’, tornando-a boa em si
[sem vista a ‘fins’ outros]. A partir do conceito de ‘boa-vontade’, chega-se ao de
‘dever’, que nele já está incluso. A princípio, Kant postula: tanto as ações
contrárias ao ‘dever’ quanto as que concordam com ele, mas por acidente
(fazem o que ele indica não por respeitá-lo, mas partindo de ‘inclinações’
sensíveis), devem ser escamoteadas em pró daquelas determinadas por ele,
unicamente. O ‘dever’, como ele expõe, é a necessidade de uma ação em
respeito à ‘lei moral’. (O valor do caráter de uma pessoa está justamente, por
isso, em fazer o ‘bem’ por ‘dever’). O respeito só reclina-se ao ‘dever’, pelo qual
ele é [idealmente] o único móbil da vontade à ação (respeito por ‘fins’ ou
inclinações é dirimido). Um excerto resume:

“Ora, se uma acção realizada por dever deve eliminar totalmente a influência
da inclinação e com ela todo o objecto da vontade, nada mais resta à vontade
que a possa determinar do que a lei objetivamente, e, subjetivamente, o puro
respeito por esta lei prática, e por conseguinte a máxima que manda obedecer
a essa lei, mesmo com prejuízo de todas as minhas inclinações”1.

A ‘máxima’ é o princípio subjetivo do ‘querer’, a ‘lei moral’ é o princípio objeto


[vale necessariamente para esta, e universalmente para todo ser-racional
dotado de vontade]. Deste modo, só a ‘representação da lei’ [realizável só no
ser-racional] pode determinar a ‘vontade’ ao bem chamado ‘moral’. Partindo da
mais ordinária noção moral (a da ‘boa vontade’) Kant constrói uma
argumentação aonde põe-se em evidência a necessidade de uma puridade da
determinação da faculdade da ‘vontade’ com vista única a uma ‘lei universal’
das ações [seguida por todos os seres-racionais, em causa disso], o único
‘princípio da vontade’. Chega-se a um ponto de inflexão maior: aquele no qual
se constata (pelo fato de a lei a ser seguida ser universalmente válida a todo
ser-racional) minha procedência com a ‘máxima’ de minha ação ‘querendo-a’,
ao mesmo tempo, como ‘lei universal’ [aonde há o fundamento de
determinação da vontade, do ponto de vista formal; a ‘lei’, por isso, é uma
máxima, mas de validade objetiva, intersubjetiva]. As ‘máximas’ que não têm
condições de se tornarem ‘leis universais’ acabam levando, como Kant
demonstra, a contradições (posso mentir, mas não querer uma ‘lei universal’ da
mentira, pelo ‘qual o próprio princípio legal viria a chão e se auto-anularia). Por
isso, somente aquelas ‘máximas’ cabíveis à posição de ‘lei universal’ podem
ser válidas para a determinação da ‘vontade’ (que daí será ‘boa’, isto é,
determinada em razão única do respeito à lei).

[2ºSeção:] Conclui-se o progresso primeiro analítico de Kant a partir da noção


mais ordinária da moral, o de ‘boa vontade’, à qual é boa porquanto determina-
se à agência em vista única do respeito e amor ao ‘dever’. Enfim, as leis da
determinação da ‘vontade’ humana hão de ser consideradas como leis de
determinação da ‘vontade’ de todo ser-racional (não só humano), em geral;
para isso, devem originarem-se da ‘razão pura prática’ [a priori]. Deste modo,
os conceitos morais têm sua sede única [e a priori] na ‘faculdade-da-razão’;
sendo assim, não é possível aduzi-los da experiência empírica, de modo
indutivo. Deste modo, a moral aparece primeiro como ciência somente
filosófica [metafísica] para depois aplicar-se ao âmbito antropológico-

1
KANT, 1964, p. 31.
contingente. Em suma, os seres capazes de agir segundo a só representação
da lei pura têm de ter uma vontade; para derivar ações de ‘leis’ é mister o uso
da ‘razão’, de modo que, fala o Kant: ‘vontade’ = ‘razão prática’. A ‘vontade’,
então, será a faculdade de escolher somente aquilo derivado pela ‘faculdade
da razão’ como necessário, do ponto de vista prático. Kant, apesar desses
fatores, coloca a ‘vontade’ no meio-termo: o seu único móbil não é a razão,
mas também (vê-se nos seres-racionais finitos) inclinações e pulsões
heterônimas (ou seja, determinam a vontade em vista a outras coisas para-
além desta determinação mesma).

Compreendido sobre este fio limítrofe, o homem entende como ‘obrigação’


[Nötigung] ter, como único torque de seu móbil, a ‘lei moral’ operada pelo
‘imperativo categórico’; nela, a ‘vontade’ determina-se como ‘vontade’ sem
vistas a ‘fins’ ou procedências outras. O conceito de ‘mandamento’ vem destes
indicadores: corresponde a um princípio objetivo e obrigante a uma vontade,
cuja fórmula se dá no ‘imperativo’. Chama-se imperativo à ‘regra prática’
porquanto a ‘razão’ e a sua lei não são os únicos mecanismos de determinação
de vontade no talante actancial. O ‘tu deves’ impositivo do verbo corresponde,
por estas causas, necessidade assertiva de tal ação – donde, se o homem
fosse tão-só racional e não-falível, segui-la-ia sem titubeio – ser correspondida
pela faculdade da ‘vontade’. O praticamente ‘bom’, neste sentido, é o que
determina a ‘vontade’ por meio de representações da ‘razão’: causas objetivas
embotadas pela ‘razão pura’. Kant faz uma distinção na ordem dos imperativos:
[α - Hipotéticos] designa a necessidade prática de uma ação, mas em vista de
um dado fim ou efeito ensejado; é questão, aqui, de causa-eficiente para certo
efeito, de modo que o imperativo seja heterônimo. [β – Categórico] a ação é
válida por si mesma, à despeito do fim a ser alcançado ou qualquer outro fator
extrínseco à só determinação. O imperativo categórico é uma ‘regra ou
princípio prático’ apodítico; por isso: ele determina necessariamente, e
universalmente, a ‘vontade’ à ação – assim, responde menos à matéria e
resultado da ação, e mais à ‘forma’ da legislação, que por isso tem irrestrita
valência a todo ser-racional. Por estas causas, o ‘imperativo categórico’ é, em
efeitos, os ‘mandamentos’: leis da moralidade (não relacionam à destreza ou
prudência), que distinguem uma necessidade incondicional (sendo que as
‘regras’ hipotéticas são condicionais e o seu comando contingente). O caráter
incontornável e apodítico do imperativo categórico esteia na dedução
totalmente a priori de sua possibilidade, como indica Kant; não basta
correspondê-lo na experiência; necessita-se, antes, confirmar sua legitimidade
e majestade. O filósofo finalmente postula:

“O imperativo categórico é, portanto, só um único, que é este: Age apenas


segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne
lei universal”2.

Numa outra formulação, a ‘máxima’ da ação elevada à lei universal é tratada


como ‘lei da natureza’: de onde se dão as bases de um ‘organon’ da
moralidade para um reino cuja as relações causais são de fundamento
racional. Tais leis devem valer apoliticamente, em situação de independência
da empiria e inclinações declinantes. Daí a necessidade da ‘metafísica dos
costumes’, à luz da lógica deontológica [do ‘dever-ser’]: precisar o ligamento
necessário e a priori entre a faculdade da ‘vontade’ dos seres-racionais e o
imperativo categórico (julgar se se pode querer certas ‘máximas’ enquanto ‘leis’
objetivas válidas sem restrições). A ‘vontade’ é a faculdade de determinar si
mesmo à ação em concordância à representação de ‘leis’. Em face disto, os
homens e os seres-racionais devem ser tratados como fins-em-si, e não como
meio para a obtenção de certos ‘efeitos’ hipotéticos – estes sim são fins
condicionais. Por meio da terminologia de respaldo jurídico, Kant difere: o valor
imanente dos seres-racionais distingue-os como ‘pessoas’; o valor dos seres
submetidos em exclusivo à natureza são, de encontro, ‘coisas’ – as naturezas
racionais, aí, são o fim-em-si. De onde vem a segunda forma do ‘imperativo
categórico’; nele se diz que a humanidade [as pessoas] devem ser tratadas
sempre como fins, nunca como meios. Assim, os fins das outras pessoas – que
são ‘fins-em-si’ – podem ser, de arrebato, os meus. Por meio desses
marcadores, as vontades individuais põem-se a concordar com uma ‘vontade
universal’ decorrente das interpelações entre as diversas vontades particulares
que, como tal, assentem e legislam sob as máximas rogadas à posição de ‘lei
universal’ – feito isso, as ‘pessoas’ mantêm autonomia mesmo quando
determinadas pelas leis de outrem, que, agora também são as suas. Admitindo-

2
Ibid. p. 61.
se a ‘vontade’ humana como legisladora e universal segundo suas máximas
tornadas leis, convém-se ao ‘imperativo categórico’ na sua apoditicidade
desinteressada. A possibilidade mesma de existência do ‘imperativo
categórico’, já aqui, assenta toda na condição de uma ‘vontade’ a ser
determinada pelas leis morais urdidas a lei.

A ‘autonomia’ da vontade, como tal – e em desbaste da ‘heteronomia’ –, está


em somente determinar-se em vias daquelas máximas implicadas – pela minha
pessoa ou a de outrem – a ‘lei universal’. Deduz-se disso um ‘reino dos fins’,
aonde a causalidade é de determinação unicamente racionada por leis
legisladas pelas ‘pessoas’. Abstraindo-se dos fatores particulares chega-se um
‘todo do conjunto dos fins’ em uma concatenação sistêmicas das ‘pessoas’ e de
seus ‘fins’. Voltando-se ao átomo do ‘dever’, Kant fala que essa necessidade
da ação em acordo à lei universal, a priori – pelo qual somos também
legisladores’ – não é, senão, o ‘dever’ mesmo’ (vê-se como o conceito base do
texto – seria a boa vontade, mas o dever está, já o apontamos na p. 2, nela – é
estressado pelo filósofo em meio a metamorfoses). Os seres ‘dignos’ são
justamente esses que, habitantes do ‘reino-dos-fins’ são insubstituíveis e não-
cambiáveis (como são o contrário das coisas com dignidade: as que têm
‘preço’), isto é, fins em si; seu valor não é relativo e equivalente a um terceiro,
mas íntimo e intensivo, qualitativamente irredutível às equações de troca.
Numa simplificação, pode-se seguramente dizê-lo: somente a moralidade tem
dignidade e, à sua base, sustém-se a ‘autonomia da vontade’ (o princípio da
autonomia reza a capacidade da ‘vontade’ em, à força de optar pelas ‘máximas’
serventes como leis universais do ‘reino-dos-fins’). Mas, ora, pode-se perceber
que o ‘princípio prático’ da autonomia, e consequentemente o da ‘moralidade’,
não é senão o imperativo categórico 3 - o tu deves determinante a todo ser-
racional possivelmente vacilante a inclinações heterônomas (fonte dos
‘princípios’ ilegítimos da moralidade). Daí princípios empíricos como os de
‘felicidade própria’ não poderem servir-nos para a formatação de ‘leis morais’,
mas somente os racionais, como os auridos à ‘forma’ da lei pelo imperativo
categórico.

3
Ibid. pp. 84-6.
[3ºseção]: A última seção começa por definir a vontade: faculdade de
causalidade dos seres racionais, por onde algo como o ‘reino-dos-fins’ (locus
dessas relações causais só racionais) é possível; a propriedade desta
causalidade é, diz Kant, a liberdade – responsável, à sua vez, pela eficiência
da causalidade. A causalidade da liberdade tem ‘leis necessárias’: é, já a
expomos, a autonomia – lê-se capacidade de dar-se a si mesmo a lei, mas
enquanto legislador de um ‘reino-dos-fins’. Deste modo, não causa estranheza
Kant dizer que a ‘vontade livre’ é justamente aquela ‘auto’-determinada pelas
‘leis morais’. A todo ser-racional, como tal, atribui-se a ideia de ‘liberdade’, pela
qual se exige deles o assentimento às ‘leis morais’. Enfim, Kant demonstra
como, para seres-racionais finitos como os humanos (mobilizados pela razão e
pelas inclinações sensíveis), a necessidade da ação segundo à lei chama-se
‘dever’. A distinção pré-feita na ‘Crítica da Razão Pura’ entre um mundo
sensível, o dos fenômenos, e outro inteligível, o das ‘coisa-em-si’, retorna neste
ponto da redação. O homem subtende-se como habitante desses dois mundos,
e, portanto, condicionado à causalidade determinada do ‘mundo sensível’; livre
ele só é quando tomado como entidade racional, pertencente ao ‘mundo
inteligível’ das causalidades racionais. Em verdade, mostra Kant, a própria
possibilidade do imperativo categórico assenta em dois fatores: na liberdade
referida à faculdade da vontade e no fato de nós, humanos finitos, sermos
cidadãos de ‘dois mundos’ diferentes. O ‘tu deves’ do imperativo, por esse
caso, assenta nesta dupla estadia que, no entanto, deve margear-se em base
única das leis puras e universais panteadas pela razão, em conformidade ao
progresso de estabelecer uma metafísica dos costumes. Tanto a determinação
mecânica do mundo sensível quanto a ideia de liberdade são instâncias
necessárias que devem coabitar, juntas, no homem. A bem de autonomia e
‘boa vontade’, o homem deve aferrar-se nas prescrições ordenadas pela razão
ao mundo inteligível dos seres-racionais. Este mundo é a sobra pós-cesura
feita em relação aos materiais e dados sensíveis, os quais saem para dar
morada à forma da legislação racional. Kant fecha a redação do tratado neste
enlace, aonde o conceito primórdio de boa vontade desdobrou-se para, senão
na exposição, então na construção do tratado, surgir com os conceitos de
‘dever’, imperativo categórico, lei moral, moralidade, reino-dos-fins, etc. Todos
tributários daquele primeiro, isto é.
2) Defina o conceito de “vontade boa”, tal como ele aparece na “Primeira
Seção” e é explicitado no decorrer da obra, sobretudo em sua “Segunda
Seção”.

R: Na primeira seção [α]: a única coisa a ser considerada como boa, sem
limitações, é a ‘boa vontade’. A ‘boa vontade’, como tal, é condição única à qual
podemos nos fazer dignos de qualquer ‘felicidade’ 4. Uma ‘vontade’ só se torna
boa em razão do seu ‘querer’ – à despeito do que ela promove ou realiza como
‘efeito’ – quando considerada em si mesma (imanentemente, de modo
autônomo). A validade da vontade está na formatação do ‘imperativo
categórico’ [aonde a vontade determina-se só enquanto vontade: autonomia,
pelo qual a máxima é ‘querida’ como ‘lei universal’]. A necessidade das ações
em ‘respeito’ único às ‘leis práticas’ constituem uma determinação da ‘vontade’
por dever, donde ela se torna boa por si 5.

Na segunda seção [β]: a ‘boa vontade’ começa a aparecer já em relação com


os imperativos, no qual o ‘o tu deves’ compõe a base [o ‘dever’, como se viu,
está em simesmidade com a ‘boa vontade’]6. Sendo ainda mais específico, a
vontade só é boa em si mesma, isto é, enquanto ‘imperativo categórico’ [aonde
a vontade determina-se, necessariamente, em vista única à vontade]. Na
mesma seção, diz-se que a ‘vontade absolutamente boa’ deve ser conforme ao
‘dever’, na forma do imperativo categórico, pelo qual a aptidão da máxima da
‘boa vontade’ de transformar a si mesma em lei universal é a única lei à qual
ela se impõe em necessário7.

De resto [γ]: compreende-se a ‘vontade boa’ como aquela que se determina


pelo [e não só de acordo] ‘dever’. Como tal, o conceito de ‘boa vontade’
sustém-se em voga ao longo de todo o percurso argumentativo de Kant,
mesmo que não declarado sobre estas cifras [o de ‘boa vontade’]. O conceito
de ‘dever’ contém em si o de ‘boa vontade’, e como tal, designa as ações
assentes ao ‘imperativo categórico’ [ações autônomas, livres, no qual a vontade
determina-se a si mesma enquanto vontade, em condição de ‘respeito’ à ‘lei

4
Ibid. pp. 21-2.
5
Ibid. p. 35.
6
Ibid. p. 50.
7
Ibid. p. 91.
moral’ objetiva e universal]8. Esses amontoados de conceitos são declinados ao
longo de toda a obra, e como tal, fusionam-se e desdobram-se a partir do
átomo do ‘dever’ [que é, em consequência o de ‘boa vontade’]. Os seres
‘dignos’, autônomos e legisladores do assim chamado reino-dos-fins, por isso,
agem segundo à boa vontade.

3) Explique a diferença estabelecida na “Primeira Seção” entre “agir


conforme o dever” e “agir por dever”.

R: ‘Dever’ é a necessidade de dada ação com vista única à ‘lei moral’ (regra
prática apodítica que determina à vontade; é apodítica porquanto vale para
todo ser-racional). Somente a ela devo ‘respeito’ – não podendo senti-lo pelo
objeto no qual desemboca a ação, porquanto ele é efeito –, à medida em que
está ligada à minha vontade [faculdade de optar só por aquilo que a razão
indica como praticamente necessário, e por isso ‘bom’] 9 enquanto o seu móbil
ou mola-propulsora10.

Enfim, estar conforme ao ‘dever’ indica uma ação assente, mas de modo
contingente, ao ‘dever’: isso é, sem a determinação operada pelo amor ao
dever, de imediato, aonde a vontade é mobilizada em vista da lei, e sem decair
a inclinações de ordem irracional à performance de dada ação [Inclinação
designa a dependência da faculdade de desejar às sensações subjetivas] 11.

Assim, o homem que [α] age ‘por dever’ o faz por respeito e por amor a ele; o
seu móbil é, por isso, a determinação da vontade com vista única a esta
vontade mesma – de modo imediato, sem a intrusão de inclinações outras.

[β] Agir ‘conforme ao dever’, pelo contrário, designa uma ação cuja causa
pode muito bem ser uma inclinação ou máxima, ou preceito qualquer: ele faz o
que o dever prescreve, mas por acidência – sem que o amor ao ‘dever’ [em
concórdia à objetividade categórica da ‘lei moral’] determine-o, de imediato, à
ação.

8
Ibid. p. 26.
9
Ibid. p. 47.
10
Ibid. p. 31.
11
Ibid. p. 49. Nota.
4) Descreva o modo como Kant concebe o agir de todo ser racional – em
contraposição a toda natureza – e explique por que esse agir se configura
no ser racional finito – como nós, homens – na forma de um “dever” (ou
“imperativo”).

R: O ser-racional está compreendido sobre instâncias causais influenciadas


pela razão e pela liberdade autônoma da vontade (à qual é determinada, nos
seres só racionais, de imediato pela ‘lei moral’ instituída pela faculdade da
razão). Nos seres-racionais finitos, meio-inteligíveis, meio-sensíveis, o mundo
se vê cindido entre duas retas: [α] a das determinações causais inelutáveis da
natureza físico-mecânica e a [β] das determinações causais libertárias,
acorridas entre os seres-racionais os quais a vontade, enquanto legisladora de
máximas à universalidade de ‘lei’, criam diferentes linhas causais de natureza
volitiva-racional.

O dever é necessário, aí, como ‘regra prática’ [que conduz à ação] formatada
como um ‘imperativo’ do verbo ‘dever’ [‘tu deves’], pelo qual a necessidade da
ação conforme à ‘lei moral’ [regra prática objetiva e universal] demonstra que,
se o homem não fosse apenas um ser-racional, seguiria está máxima sem
trepidar a inclinações heterônimas. Tanto o ‘dever’ quanto o ‘imperativo
categórico’ são duas formas [cooperantes] pelas quais o ser-racional finito
(como o homem) encontra os meios de expurgar as determinações não-
racionais, mecanicamente determinadas por pulsões e ‘inclinações’
heterônimas [determinam a vontade à ação por meio ou a fim de motivos não
relativos à simples determinação da vontade enquanto vontade], e, portanto,
não-boas, que hora ou outra caem sobre ele.

5) Exponha a diferença entre “imperativos hipotéticos” e “imperativo


categórico”, tal como ela é concebida na “Segunda Seção”.

R: [α] Imperativo: “A representação de um princípio objectivo, enquanto


obrigante para uma vontade, chama-se um mandamento (da razão), e a
fórmula do mandamento chama-se Imperativo”12. Imperativos são ‘regras
práticas’ enquanto indicam uma ação à ‘vontade’; o seu diferencial (o que a faz
um imperativo) é a incidência necessária em seres racionais não-determináveis

12
Ibid. p. 48. Grifo do autor.
em vista única da razão, mas também de inclinações heterônimas [não
funciona para seres como Deus ou os anjos, os quais gozam de imediata e
única determinação da só razão na vontade]. Como tal, o ‘imperativo’ designa-
se pelo verbo ‘dever’ [sollen] na fórmula do ‘tu deves’13: mostra da necessidade
da ação e de que, se o ser-humano não fosse ao mesmo tempo habitante do
mundo sensível e inteligível [enquanto puramente racional] seria determinado,
sem travo nenhum, por ela.

[β] Imperativo Hipotético: diz que a ação é boa em vista de uma ‘intenção’ ou
efeito [possível/real]14; designação de uma necessidade prática de uma ação
em fins do alcance de dado fim heterônimo [em face ‘lei’ da razão, já que se
determina ela não em vista a si mesma, mas a outrem]. O imperativo
Hipotético, deste modo, determina a ação somente como causa eficiente [como
mediador, meio] para a obtenção de dado efeito.

[γ] Imperativo Categórico: representa a ação como objetivamente necessária


por si [à despeito dos efeitos resultantes]. A ação representa-se como boa em
si, ou seja, como necessária em uma vontade cuja a ‘lei moral’ da razão é o
único órgão determinante, e então o imperativo é categórico. A vontade
determina-se, aqui, tendo em contas somente si mesma (sem ponderação até
mesmo dos meios de realização do que se impõe): é lei, por conta disso
[apodítica a todo ser-racional].

6) Apresente as três fórmulas canônicas do imperativo categórico e


explicite o que é próprio a cada uma delas (o que cada uma contém de
especial que a distingue das demais).

R: [α] as duas outras fórmulas subsomem-se nesta. Sua universalidade tem de


ver com a ‘forma’, porquanto as máximas escolhidas ao porte do ‘imperativo
moral’ devem ser selecionadas como ‘leis universais da natureza’ 15. Eis a
‘fórmula universal’ do imperativo categórico: aja segundo a máxima passível de

13
Ibidem. Idem.
14
Ibid. p. 50.
15
Ibid. pp. 79-80. Sobre o progresso entre as formas, ele “[...] efetua-se como que pelas categorias da
unidade da forma da vontade (universalidade dessa vontade), da pluralidade da matéria (dos objectos, i.
e dos fins), e da totalidade do sistema dos mesmos”.
ser, ao mesmo tempo, lei universal 16. A lei suprema é igualmente um tal
princípio: age sempre de acordo à máxima cuja universalidade possas querer,
ao mesmo tempo, como lei. O imperativo categórico expressa-se também
assim: age segundo as máximas que podem, ao mesmo tempo, ter-se a si
mesmas por objeto enquanto leis universais naturais 17 [fórmula para uma
vontade absolutamente boa, de onde surge uma espécie de mundo causal cujo
fundamento é inteligível e racional].

[β] a segunda forma baseia-se no fato de as naturezas racionais serem um fim


em si mesmo. Ei-la: aja de modo que a ‘humanidade’ [a sua ‘pessoa’ ou a de
outrem] seja considerada não como ‘meio’, mas como ‘fim em si mesmo’ 18. A
ideia de uma vontade absolutamente boa [a dos seres-racionais, e em
consequência da humanidade], como tal, tem de abstrair-se de todo fim a
realizar; ela é, afinal, um fim independente, cuja agência é negativa: nunca se
pode agir contra ela, à medida em que não é simples ‘meio’, mas sim um ‘fim’ 19.
Este fim é o sujeito de todos os fins possíveis, ao mesmo tempo o sujeito de
uma vontade absolutamente boa [afinal, ela não pode pospor-se a nenhum
outro objeto]. O princípio se exprime também como: age a respeito de todo ser-
racional [ti e outrem] como se ele, na máxima, valesse como fim em si, de
modo à máxima acorrer universalmente para todo ser-racional 20. A fórmula se
diferencia por valer, agora, para todos os seres-racionais [de modo em que o
sujeito dos fins seja composto] como fins em si mesmos, e não meios.

[γ] assim, todo ser-racional, como fim em si mesmo, considerar-se-á com


respeito a todas as leis a que possa submeter-se, e também como legislador
universal. A partir disso, os seres-racionais não só serão considerados como
fins em si, mas também como legisladores – aos quais devo submeter-me, por
isso [e vice-versa]21. A partir destes indicadores, as máximas alteadas à
posição de ‘lei moral’ devem ser avaliadas do seu próprio ponto de vista, bem
como do dos outros seres-racionais – enquanto também legisladores. Eis a
terceira forma: “Age como se a tua máxima devesse servir ao mesmo tempo de

16
Ibid. p. 59, 80. Grifo do autor.
17
Ibid. pp. 59, 80-1.
18
Ibid. p. 69.
19
Ibid. p. 81.
20
Ibidem. Idem.
21
Ibid. pp. 71-2.
lei universal (de todos os seres racionais)” 22. É o mundo inteligível de seres-
racionais, um ‘reino-dos-fins’, fruto da legislação de todos estes mesmos entes
que nele contêm-se. O ‘reino-dos-fins’ é um conceito que institui uma tectônica
sistemática de seres-racionais, por meio de leis ‘comuns’. Fazendo abstração
de diferenças pessoais entre os seres-racionais e dos conteúdos de seus fins
particulares, ter-se-á um todo do conjunto dos fins (dos seres-racionais como
fins em si, mas também dos fins próprios de cada um) 23. Um ‘reino-dos-fins’ é
analógico em face do ‘reino-da-natureza’: neste último, grassam as regras das
causas eficientes extrínsecas às ‘pessoas’ [termo de pendor jurídico, ‘persona’:
autônomas, e que valem por si] 24; na primeira, há as relações causais por meio
das máximas dos entes racionais legisladores-cidadãos. Os membros de um tal
‘reino’ são ao mesmo tempo ‘cidadãos’, ao mesmo tempo ‘legisladores’: dão as
leis, à medida em que a elas se submetem – condição de preservação da
mútua autonomia entre os pares.

7) Defina “autonomia” e explique por que ela é o “princípio da


moralidade”.

R: a rigor, ‘auto-nomia’ significa dar-se a si próprio o nome; dar-se a lei, no caso


da razão prática. Autonomia da vontade é a propriedade à qual ela tem-se a si
mesma como a lei [a vontade como legisladora da vontade]. A ‘pessoa’, quando
é autônoma, está exclusivamente sujeita à sua própria legislação, que não
obstante é ‘universal’. Deste modo, age somente seguindo à própria vontade,
mas esta vontade é, de imediato, uma vontade ‘universal’: válida a todo ser-
racional25. A autonomia subjetal contrapõe-se à ‘hetero-nomia’ [o hétero, o
outro, dando o nome, a lei, a você]. O valor das pessoas depende, deste modo,
daquele lhe conferido pela ‘lei moral’. A legislação tem uma ‘dignidade’ e, com
isso, um valor incondicional, cujo conceito ‘respeito’ pode muito bem servir para

22
Ibid. p. 82.
23
Ibid. pp. 75-6.
24
Ibid. p. 68.
25
Ibid. p. 75.
expressá-la26. Enfim: “Autonomia é pois o fundamento da dignidade da
natureza humana e de toda a natureza racional” 27.

Em consequência destes indicadores, a autonomia da vontade é o


fundamento da ‘moralidade’ sobre a esteira de um tal princípio: “[...] não
escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas
simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal” 28. A ‘moralidade’ é a
relação das ações com a autonomia da vontade [lê-se a legislação universal
possível por meio de máximas]. Ações concordantes à ‘autonomia’ da vontade
são permitidas; do contrário, são resvaladas 29. Trata-se, como se vê (e o
próprio Kant deixa-o em mostra) de assentimento ao ‘imperativo categórico’:
quando a vontade se determina de imediato, e exclusivamente pela ‘lei moral’,
uma ‘regra prática’ apodítica que enceta à ação todos os seres-racionais, e de
modo necessário.

8) A partir daquilo que a “Terceira Seção” afirma, explique como é


possível o imperativo categórico.

R: O ser-racional humano é habitante de um mundo inteligível, para o qual sua


‘vontade’ destaca-se como causa eficiente pertencente a um tal mundo. O
homem é, não obstante, um também cidadão do mundo sensível e, como tal,
está submetido às inclinações das sensações e às leis determinadas da
mecânica e física (as quais são, para ele, do ponto de vista do mundo material,
inelutáveis). O ‘imperativo categórico’ sustém-se sobre este fato: o de o ser-
humano ser um cidadão de um mundo inteligível aonde impera a causalidade
sobre bases racionais, mas também de um mundo sensível aonde a
causalidade mecânico-determinística constrange-o a ‘inclinações’ heterônimas.

Dito isso, ele poderia [α] ser um ser puramente racional [em razão da
‘liberdade’ e da vontade autônoma], cidadão das dependências somente
inteligíveis [como Deus e os anjos] e por isso excluso do ‘mundo sensível’.

26
Ibid. p. 77. Dignidade tem de ver com o ente racional só ser assente à sua própria legislação, sendo por
isso fim em si mesmo e sem ‘preço’ – a da ‘lei moral’, ao mesmo tempo universal.
27
Ibid. p. 79.
28
Ibid. p. 85.
29
Ibid. pp. 84, 85-6.
Seria perfeitamente conforme ao princípio de ‘autonomia’ da vontade pura, por
isso [e nesse sentido, não seria necessário um ‘imperativo’ do ‘tu deves’: a
ação compreender-se-ia, em exclusivo, sobre o crivo da inteligência ‘racional’].

[β] em contraste a isso, ele poderia ser como os animais não-humanos o são:
completamente determinado, de modo heterônimo, por ‘inclinações’ das
‘sensações’ [subjetivas]; a lei natural dos apetites seria o princípio mor de seu
governo e tendências. A consciência deste duplo pertencer enverga o dito: "[...]
terei de considerar as leis do mundo inteligível como imperativos para mim e as
acções conformes a este princípio como deveres" 30. Só há sentido num
‘imperativo categórico’ cuja única serventia repousa nesses seres demi-
sensíveis, demi-racionais. Enquanto um ser dotado de ‘liberdade’ [cidadão do
mundo moral-inteligível, no qual ele se entende como causa-eficiente racional
e, por isso, submetida à lei dada à vontade pela mesma] mas possivelmente
declinante a tendências heterônimas, o ser-humano necessita do ‘dever’ na
forma do ‘imperativo categórico’31: o ‘tu deves’ é uma marca de o homem ser
um ente de dupla natureza, à qual a lógica do ‘dever-ser’, da deontologia
emposta um ‘imperativo’ operado pela presidência da ‘razão prática’. Deste
modo, o imperativo repousa sobre a liberdade e sobre o fato de o homem ser
cidadão de um mundo sensível e outro inteligível.

Bibliografia:

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo:


Nacional, 1964. 179 p.

30
Ibid. pp. 103-4.
31
Ibid. p. 93. A ‘liberdade’, uma propriedade da ‘vontade’ [causalidade dos seres-racionais], é quem a
torna numa ‘causa eficiente’, em descriminação de influências heterônimas. Enfim: vontade livre e
vontade submetida à ‘lei moral’ é uma mesma coisa [como já visto, a autonomia repousa sobre a
determinação categórica da vontade enquanto vontade].

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