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Aluno: Alexsander Antonio Ferreira - RA: 802214 - Data: 19/08/22

UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos

Matéria: Filosofia Moderna II

Professor: Jose Eduardo Marques Baioni

Controle de Leitura acerca da “Crítica da Razão Pura” de Immanuel Kant:


sobre a Concepção Kantiana de “Espaço” como disposta na “Estética
Transcendental”

O Espaço é – tal qual o tempo –, como dito por Kant em A22, página termo da
Introdução de sua “Estética Transcendental”, uma forma pura da intuição
sensível. Essas formas puras da intuição sensível, meios aos quais o âmago
dá-se a representar o diverso do fenômeno a si próprio (B34-5), conluiem que
tanto o Espaço, quanto o Tempo, sejam modos de apreensão de ambos o
sentido interno – que compete ao último –, e do sentido externo – objeto de
nosso comentário, remetente ao primeiro.

Formas puras de uma intuição sensível: princípios noviços de um


conhecimento a priori, isto é, um conhecimento que antecede à experiência,
um conhecimento que, a nós imbricado, fora-nos dotado pela natureza ela
mesma. A primeira seção da Estética Transcendental – ciência de “todos os
princípios da sensibilidade a priori” (A21) – fará tratar, justamente – e numa
dupla exposição – acerca do Espaço: representação do sentido externo, à qual
reporto os objetos fora de mim, isto é, fora da minha apercepção
transcendental – conceito sagazmente manifesto na segunda seção da
Analítica dos Conceitos da Lógica Transcendental [§16 (B131-2)].

A presentação de Kant disjunja-se, em macro aspecto – e como já aduzido –,


num duplo meio de exposição: como Exposição Metafísica [§2 (B37-B40)] e
como Exposição Transcendental [§3 (B40-A30)]. Vejamos quanto à primeira, e,
depois, quanto à segunda.

Charles Parsons chamará à nossa atenção um esquema de partição à qual a


própria prosa de Kant admite uso: o de que que quatro argumentos, adentre a
exposição metafísica do conceito de espaço, são postos em campo: os dois
primeiros instanciam que o Espaço é a priori, os dois últimos evidenciam-no
como intuição (Parsons, p.67-9; 1992). Mas, afinal, no que compete a uma
exposição sê-lo metafísica? Diz-nos o prussiano:

“Entendo, porém, por exposição (expositio) a apresentação clara (embora não


pormenorizada) do que pertence a um conceito; a exposição é metafisica
quando contém o que representa o conceito enquanto dado a priori” (A23).

Uma exposição metafísica dirá respeito àquilo que, do Espaço – e depois do


Tempo – tem de ver com a sua natureza apriorística, dirimida da experiência.
Vejamos quanto aos argumentos: I) o Espaço não é um conceito empírico,
indução consequente de experiências externas. Isso se dá à medida que as
representações que se situam fora de mim – e fora, como pares, uma das
outras – necessitam, já de antemão, de um fundamento nocional de Espaço.
Ora, dito isso, alumia-se: o Espaço não pode ser, como conceito, indutivamente
arqueado a partir da experiência; antes, é ele próprio quem a permite, a
experiência (A23). II) “O espaço é uma representação necessária, a priori, que
fundamenta todas as intuições externas” (A24). O período exórdio segue-se do
que antes fora admitido. Toda representação sensível advém da asserção de
que o Espaço se posta, como que necessário, enquanto alicerce dela própria.
Posso pensá-lo de modo autônomo, no entanto – autarquia desconhecida aos
objetos extrínsecos à intuição: motivo de que todo fenômeno externo se
reporte, imprescindivelmente, a ele. Enfim: Espaço: representação a priori de
toda intuição externa (A24-B39). III) O Espaço não é um conceito discursivo,
mas uma intuição pura da sensibilidade. O argumento que sustém essa
posição motiva-se pelo fato de que as representações que reportam ao espaço
sempre advêm de um eixo gravítico que as empuxa a um lugar comum: posso
falar de espaços, de partes do espaço e, contudo, não posso as admitir como
coisas de natureza distintas; afinal, todas se referem, finalissimamente, a uma
intuição originária de Espaço que é unívoco e, essencialmente, não pode ser
fendido, desconjuntado. Essa diversidade é, como se vê, sempre subsumida a
uma noção comunal de Espaço: ei-lo, sua intuição apriorística (B39-A25). IV)
Representamo-lo – o Espaço – como uma grandeza infinitamente dada. A
centralidade do último argumento da Exposição Metafísica afinca-se na
alegação que difere, ainda, um conceito de uma intuição a priori: ora,
porquanto não posso encerrar, sobre um conceito, uma infinitude de
representações – coisa que o Espaço o permite -, conclui-se assertivamente
que “[...] a representação originária de espaço é intuição a priori e não
conceito” (B40). Pelos quatro argumentos que a Exposição Metafísica
sabiamente ajuíza, retém-se a definição razoada de que o Espaço é uma
intuição1, uma representação a priori da sensibilidade humana.

Vejamos quanto à Exposição Metafísica do Conceito de Espaço. Como outrora


feito, detenhamo-nos, primordialmente, ao que é uma exposição deste tipo:
“Entendo por exposição transcendental a explicação de um conceito
considerado como um princípio, a partir do qual se pode entender a
possibilidade de outros conhecimentos sintéticos a priori” (B40). Para que isso
se dê, é necessário que do conceito de Espaço advenham conhecimento
sintéticos a priori e que, destes conhecimentos, o que os explique só possa ser
elucidado à luz do que o conceito de Espaço reputa. Face a isso, Kant propõe
o exemplo da Geometria, que não obstante determinar sinteticamente as
propriedades do espaço, fá-lo de modo a priori. Para que o conhecimento
geométrico possa de fato ser possível, pressupõe-se o que Exposição
Metafísica já solucionara: ele deve ser uma intuição originária, à medida que,
de um conceito, não se podem extrair proposições que surpassem ele próprio.
Fora isso, essa intuição é a priori e pura; ela prescinde de toda experiência e,
1
Lembremo-nos do que Kant define, ainda no preâmbulo da Introdução da Estética Transcendental,
como Intuição: “Sejam quais forem o modo e os meios pelos quais um conhecimento se possa referir a
objetos, é pela intuição que se relaciona imediatamente com estes e ela é o fim para o qual tende, como
meio, todo o pensamento” (A17-B31).
pelo contrário, torna-a possível. Daí que as proposições da Geometria são,
integralmente, puras; de modo que elas “[...] implicam a consciência da sua
necessidade [...]” (B41). Essa intuição externa do espirito frente os objetos que
o precede, e que nos permitem determinar a priori o conceito deles, só é
possível, como Kant observa, porquanto ela esteja imbricada à subjetividade
mesma do sujeito cognoscente enquanto forma do sentido externo, enquanto
propriedade epistemológica de ser afetado por objetos fora de si próprio:
rebento disso é uma representação imediata dos objetos externos, ou seja,
uma intuição deles. Ilustra-se como consequência deste primeiro momento da
exposição que a Geometria é um conhecimento sintético a priori – o que
revolve à pergunta fundante da Crítica, anunciada na Introdução da mesma:
“[...] como são possíveis juízos sintéticos a priori?” (B19). Ver-se-á que Espaço
é parte integrante do que pode ser uma resposta.

Este primeiro momento da Exposição é procedido por um segundo que trata


acerca das consequências dos “conceitos precedentes” (A26-B42) até então
sujeitos à presíssima discursividade kantiana. Vejamos quanto a isso.

A primeira conclusão de Kant é a seguinte: o espaço não é uma propriedade


próprias às coisas, intrínseca a elas; fora das condições subjetivas de intuição,
ele – o Espaço – a nada reporta. Resumidamente: “O espaço não é mais do
que a forma de todos os fenómenos dos sentidos externos, isto é, a condição
subjectiva da sensibilidade, única que permite a intuição externa” (A26-B42;
grifo nosso). Como forma de receptividade subjetiva, a idealidade do Espaço
contém-se sobre o modo ao qual, antes de qualquer contato com a experiência,
fenômenos podem ser-me concedidos à receptividade de meu ânimo, à
sensibilidade de meu espirito. Um segundo momento das consequências
chama-nos a atenção: ele começa em A27-B43, e determina que as condições
particulares da subjetividade anímica só competem a, no máximo, fenômenos,
e não às coisas em si-próprias; esses objetos que se nos reportam sempre
devem ser admitidos assim mesmo: como fenômenos, nunca como coisas em
si-mesmas, alheias à minha condição epistêmica. Um período
interessantíssimo conflagra uma dificuldade:

“As nossas explicações ensinam-nos, pois, a realidade do espaço (isto é, a sua


validade objectiva) em relação a tudo o que nos possa ser apresentado
exteriormente como objecto, mas ao mesmo tempo a idealidade do espaço em
relação às coisas, quando consideradas em si mesmas pela razão, isto é,
quando se não atenda à constituição da nossa sensibilidade” (B44-A28).

São objetivos os objetos compreendidos sobre a forma pura da intuição


sensível e, não obstante, assume-se a idealidade que condiz às suas
condições de fenômenos, e não de coisa em si-mesmas. Kant afirma, ao
mesmo tempo, a realidade empírica e, no mesmo arremete, a idealidade
transcendental do Espaço: motivo de querelas, de disputas diversas que, na
literatura secundária, pululam à solta.

Das considerações discriminadas por Kant acerca do Espaço em sua Estética


Transcendental, equalizam-se as seguintes observações, que Otfried Höffe, em
seu texto explanatório, prudentemente sintetizou: “Na exposição Metafísica,
Kant mostra que o Espaço e o Tempo são formas puras da intuição, na
exposição transcendental, mostra que essas formas possibilitam o
conhecimento sintético a priori” (HÖFFE, p.65; 2005). Outro comentário
parentético, o de um francês, agora, evidencia com presteza e concisão o que
esses termos centrais – a priori e transcendental – significam, em ampla
medida: "Telle est la question de droit - A priori désigne des représentations qui
ne dérivent pas de l'expérience. Transcendental désigne le principe en vertu
duquel l'expérience est nécessairemente soumisse à nos représentations a
priori" (Deleuze, p.22 ; 2001). Daí o itinerário que perfaz a constrição entre
exposição metafísica e exposição transcendental; a primeira demonstra, por
meio de quatro argumentos, o porquê de o Espaço ter de ser uma intuição
fundante, e a priori, da receptividade anímica: de modo que ele não seja um
conceito nem empírico, nem discursivo, e sim a afetividade pré-experimental de
uma possibilidade de conformação, diante de minha apercepção
transcendental, de todo objeto como fora de mim, como fora um dos outros e,
não obstante, enquanto situados em uma afiguração de paridade – à medida
que eles são, apesar de distintos, objetos de minha intuição externa. A
exposição metafísica, por sua vez, deixará em evidência que esta intuição a
priori do Espaço é medida indispensável de todo conhecimento fenomênico – e
fenomênico apenas –, além de ser o que, em última instância, possibilita a
aquisição de outros conhecimentos sintéticos a priori a ele correlacionados. A
Geometria, ciência fundada o mais fortemente nesta intuição originária, pode –
como o próprio Kant competirá a enlevo – gozar, por esses motivos, da
necessidade e universalidade que é própria de todo conhecimento a priori e, ao
mesmo tempo, também da extensividade que este tipo de proposição –
sintética a priori – convém à possibilidade. Enfim, na última página da
exposição transcendental – A30 – Kant se demonstra evidentemente assertivo
em dizer: a espacialidade dos objetos, nós a concedemos aos fenômenos que
nos são imediatamente intuídos; a fenomenalidade deles deflagra, deste modo,
a idealidade representativa própria de nossa sensibilidade. Neste meneio, as
coisas em si-mesmas (enquanto “não-travestidas” pela forma da sensibilidade
externa) não podem ser, por nosso aparelho epistêmico-cognoscente,
conhecidas – elas mantêm-se, digamos, à deriva.

Bibliografia:

BRÉHIER, Émile. História da filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1977. 290 p.

CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. 353 p.


(Dicionários de Filósofos). ISBN 8571105707

DELEUZE, Gilles. La philosophie critique de Kant. 4. ed. Paris: PUB, 2001.


107 p. (Quadrige. Grands Textes). ISBN 9782130589235

Guyer, Paul (Ed). THE CAMBRIDGE companion to Kant. Cambridge:


Cambridge University, c1992. 482 p. (Cambridge Companions to Philosophy).
ISBN 0-521-36764-9
HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 381 p.
(Tópicos). ISBN 8533621485.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian, 1989. 680 p

Parsons, Charles 1992: ’The Transcendental Aesthetic’. In Guyer 1992, pp.


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