Você está na página 1de 23

Filosofia

10º Ano

Filosofia da Acção

• Problema da Natureza da Acção


• Problema da Individuação da Acção
• Problema da Racionalidade da Acção

1
Problema Filosófico da Natureza da Acção

O que são ações humanas?


Um dos problemas filosóficos centrais que vamos estudar:

Problema do Livre-Arbítrio
Serão as nossas ações realmente livres? Como podemos conciliar o determinismo que
parece existir no mundo com a nossa convicção de que as nossas ações são livres?
Mesmo que seja tudo determinado podemos ser responsáveis pelas nossas ações?
Mas antes de responder a essas questões precisamos de analisar uma questão mais básica:

Problema Filosófico da Ação


O que é exatamente uma ação humana?
Como distinguir ações humanas de meros acontecimentos?
Esforçamo-nos por explicar e justificar ações; então, o que será que explica uma ação?
2
Alguns esclarecimentos iniciais:

• Podemos apresentar exemplos de ações humanas:

• O Raimundo estudou ontem para o teste de filosofia.


• A Florbela fugiu da tempestade.
• A Mafalda observou o eclipse do Sol.

• Mas dar exemplos de ações humanas é diferente de definir ações humanas.

• Quando questionamos ’O que são ações humanas?’ estamos à procura de uma

definição explícita; ou seja, queremos apresentar condições que sejam


conjuntamente necessárias e suficientes.

3
Então quais são as condições simultaneamente necessárias e suficientes para
definir o que é uma ação humana?

(Primeira Tentativa)
x é uma ação humana se, e só se, x é um acontecimento.

• Um acontecimento é algo que ocorre num determinado espaço e durante um


período de tempo. (Ex: um terramoto, um dia de sol, uma tempestade…)

• Avaliação: Será a (Primeira Tentativa) uma boa definição de ação humana?


Será que x ser um acontecimento é uma condição suficiente para x ser
uma ação humana?

• Objeção: Todas as ações humanas são acontecimentos, mas é óbvio que nem
todos os acontecimentos são ações humanas. Por exemplo: um terramoto, um eclipse,
ou uma trovoada são acontecimentos, mas não são ações humanas.

• Questão: o que têm de especial aqueles acontecimentos que são ações humanas?
4
• Como resposta pode-se sugerir uma outra tentativa:

(Segunda Tentativa)
x é uma ação humana se, e só se,
x é um acontecimento que envolve um ou mais agentes.

• Um agente é o sujeito de uma ação humana; ou seja, é uma pessoa que tem estados
mentais conscientes (como crenças e desejos) e comporta-se de acordo com esses
estados mentais.

Avaliação:
• Será a (Segunda Tentativa) uma boa definição de ação humana? Será que x ser
um acontecimento que envolve pelo menos um agente é uma condição suficiente
para x ser uma ação humana?
5
Para melhor avaliar, considerem-se estas listas de acontecimentos que envolvem agentes:
(Lista 1) (Lista 2)
• Estudar para o teste; • Dar uma queda;
• Ir ao cinema; • Apanhar uma gripe;
• Mudar uma lâmpada. • Ser promovido.

Problema: na (Lista 1) os exemplos são simples ações humanas; contudo, na (Lista 2)


os exemplos não são ações humanas.
Então, onde está a diferença?

• Na (Lista 2) os exemplos são tipicamente acontecimentos acidentais, em que os


agentes nada fazem, sendo algo que lhes aconteceu. Estes são acontecimentos
involuntários.

• Pelo contrário, na (Lista 1) são apresentados exemplos em que o agente realiza algo
de forma voluntária ou intencional.

6
• Um acontecimento é voluntário ou intencional quando, para além de envolver
um agente, esse acontecimento corresponde àquilo que esse agente pretendia ou
queria fazer.

• Assim, pode-se apresentar um melhor definição de ação:

(Terceira Tentativa)
x é uma ação humana se, e só se, x é um acontecimento que consiste em algo
que um agente realiza intencionalmente.

7
Avaliação:

• Será a (Terceira Tentativa) uma boa definição de ação humana?


• Apesar de parecer plausível, há um problema com essa definição.

Considere-se a seguinte descrição de um acontecimento:

Um dia, quando andava de bicicleta, o Raimundo levantou o braço para


indicar que pretendia virar à direita e, acidentalmente, partiu o nariz a um
transeunte descuidado que se atravessou no meio da estrada.

• Nestas circunstâncias pode-se descrever verdadeiramente que:


1 1 O Raimundo levantou o braço (intencionalmente).
2 2 O Raimundo fez sinal de que ia virar à direita (intencionalmente).
3 3 O Raimundo partiu o nariz a um transeunte (acidentalmente).

8
•Problema: Será que o acontecimento descrito nas afirmações 1 , 2 e 3 é uma ação?

•Por um lado, dado que as descrições (1) e (2) referem coisas realizadas intencionalmente,
então esse acontecimento é uma ação.

•Por outro lado, dado que a descrição (3) refere coisas realizadas sem intenção,
então esse acontecimento não é uma ação.

-- Chegamos assim a uma conclusão contraditória ou paradoxal.

• Será possível evitar esta conclusão inaceitável?

9
Como solução, a filósofa Elizabeth Anscombe defendeu que:

• Se um acontecimento for intencional sob pelo menos uma descrição


verdadeira, então estamos perante uma ação.

• Ora, o acontecimento do qual o Raimundo é agente, é intencional sob pelo menos


uma descrição verdadeira, nomeadamente em (1) e (2), por isso esse acontecimento é
uma ação.
• O facto de não ser intencional sobre outras descrições verdadeiras, como em (3), nada
impede que seja uma ação.

Com base em Elizabeth Anscombe, podemos sustentar que:

(Quarta Tentativa)
x é uma ação humana se, e só se, x é um acontecimento que um agente
realiza intencionalmente segundo, pelo menos, uma descrição verdadeira.

10
Avaliação:

• Será (Quarta Tentativa) uma boa definição de ação humana?

• Pode parecer uma definição plausível, mas é ainda legítimo perguntar:

• De que ação se trata?


• Da ação de levantar o braço ou da de fazer sinal para virar?

11
Problema da Individuação da Ação

De que ação se trata?


• O problema da individuação da ação consiste em procurar um critério que nos

permita distinguir as ações umas das outras.

.• Esse critério poderá ser utilizado para determinar qual é, exatamente, a ação que
está a ser levada a cabo, em cada circunstância.

• O filósofo Donald Davidson sugere que:


- De entre as várias descrições possíveis de uma dada ação, apenas uma delas
permite explicar devidamente a ocorrência do acontecimento em causa.

- Isto é, apenas uma delas nos permite compreender porque é que aquele
acontecimento teve lugar.
12
De que ação se trata?
• Considere-se novamente o acontecimento com as seguintes descrições:

1 O Raimundo levantou o braço (intencionalmente).


2 O Raimundo fez sinal de que ia virar à direita (intencionalmente).
3 O Raimundo partiu o nariz a um transeunte (acidentalmente).

• Neste caso trata-se da ação de levantar o braço ou de fazer sinal para virar?

• Ou seja, qual é a descrição que permite explicar devidamente a ocorrência do


acontecimento em causa? E porquê?

• Para isso, pode-se sondar quais são as crenças e desejos principais do agente
que causaram ou motivaram esse acontecimento.
13
Do caso anterior podemos concluir que:

• Os enunciados (1) e (2) constituem descrições verdadeiras e intencionais do


acontecimento em causa.

• Mas qual destes enunciados nos permite explicar aquele acontecimento?

• A proposta de Donald Davidson:

Naquelas circunstâncias, será que se a forma de sinalizar que se pretende virar


à direita fosse não o gesto de levantar o braço, mas sim o de inclinar a cabeça
nessa direção, o agente teria, ainda assim, levantado o braço?

• É de supor que não.


14
• Se isto é correto, podemos concluir que apenas o enunciado (2) nos permite
explicar a ocorrência desse acontecimento.

•De entre as várias descrições possíveis, (2) é aquele que faz a correspondência
adequada entre o acontecimento em causa e a intenção do agente.

• Se perguntássemos ao agente: “o que é que estás a fazer?” ou “o que é que


pensas que estás a fazer?”, a resposta mais adequada seria: “a fazer sinal de
que vou virar à direita” e não simplesmente “a levantar o braço”.

• Uma vez que (2) é a única que permite explicar devidamente o acontecimento
em causa, esta descrição deve ser preferida em relação às restantes.

• Esse tipo de descrição é apelidado como “descrição preferencial da ação”.

15
da Ação

Problema Filosófico da Racionalidade da Ação

O que torna uma ação racional (ou irracional)?

Até agora vimos que:

1 Uma ação é um acontecimento que consiste em algo que um agente faz,


sendo intencional sob pelo menos uma descrição verdadeira.

2 Há uma descrição preferencial da ação que a permite individuar ou explicar.

Mas ainda há um problema pertinente:


3 O que torna uma ação racional (ou irracional)?

Em que condições uma ação pode ser considerada racional?


16
- Uma proposta consiste em sustentar o seguinte:

• Se pretendemos que a nossa ação seja racional, então ela deve corresponder
ao resultado de um processo deliberativo.

Um tal processo envolve duas atividades:


1 - Identificação de ações alternativas. 2 - Avaliação de ações alternativas.

Assim, de acordo com este processo, antes de fazer o que quer que seja, devemos
analisar as diferentes alternativas (ou seja, os diferentes cursos de ação) que temos
ao nosso dispor e ponderar as razões que temos a favor e contra cada uma delas.

O resultado da ponderação das razões, que é o aspeto crucial da deliberação,


é uma decisão.

• Caso uma decisão não resulte de uma deliberação ou decisão racional, então
poderá ser considerada emotiva, irrefletida, ou até mesmo infundada e irracional.
17
• No entanto, a ação não envolve sempre deliberação.

Tal como argumenta John Searle no livro Mente, Cérebro e Ciência:

Um erro comum que existe na teoria da ação é supor que todas as ações
intencionais são o resultado de alguma espécie de deliberação, que são o produto
de uma cadeia de raciocínio prático. Mas, obviamente, muitas coisas que
fazemos não são assim. Simplesmente fazemos alguma coisa sem qualquer
reflexão prévia. Por exemplo, numa conversa normal, não se reflete sobre o que
se vai dizer a seguir – simplesmente se diz. Em tais casos, há decerto uma
intenção, mas não é uma intenção formada antes da realização da ação. É o
que eu chamo uma intenção na ação. Noutros casos, porém, formamos intenções
antecedentes. Refletimos sobre o que queremos e sobre qual é a melhor maneira
de o levar a cabo. Este processo de reflexão (Aristóteles chamou-lhe «raciocínio
prático») resulta carateristicamente na formação de uma intenção prévia, ou,
como também Aristóteles sublinhou, resulta por vezes na própria ação.

18
Discussão

"Se falar simplesmente, sem qualquer deliberação prévia, é uma ação,

é porque é algo que queremos fazer; mas, nesse caso, também a

digestão seria uma ação, o que é absurdo. Certamente que fazer a

digestão ou o bater do coração não é uma ação; mas a verdade é que

todos queremos fazer a digestão e queremos que o nosso coração

bata."

Concordas? Porquê?

19
Texto de Harry Frankfurt sobre a deliberação:

A meu ver, uma diferença essencial entre as pessoas e as outras


criaturas reside na estrutura da vontade de uma pessoa. Os seres
humanos não são os únicos que têm desejos e motivos ou que fazem
escolhas. Partilham estas caraterísticas com os membros de outras
espécies, alguns dos quais parecem mesmo empreender deliberações
e tomar decisões baseadas em pensamento prévio. Parece-me
peculiarmente caraterístico dos seres humanos, no entanto, o facto
de eles seres capazes de formar "desejos de segunda ordem", como
lhes chamarei. Além de quererem, escolherem e estarem motivados
para fazer isto ou aquilo, os homens também parecem querer ter (ou
não ter) certos desejos ou motivos. São capazes de querer ser
diferentes, nas suas preferências e propósitos, daquilo que são.

20
Muitos animais parecem possuir a capacidade de ter "desejos de
primeira ordem", como lhes chamarei, que são simplesmente desejos
de fazer ou de não fazer isto ou aquilo. Nenhum animal além do
homem, no entanto, parece ter a capacidade da autoavaliação
reflexiva, que se manifestava na formação de desejos de segunda
ordem.

Exercícios sobre o texto de Frankfurt


Interpretação e Discussão
1. Recorrendo a exemplos, distingue desejos de primeira ordem de desejos
de segunda ordem.
2. Qual é a tese defendida pelo autor?

3. Concordas com a tese defendida pelo autor? Porquê?

21
Exercícios de Revisão

1. Todos os acontecimentos são ações? Porquê?

2. Tudo o que um agente faz é uma ação? Porquê?

3. Qual a diferença entre um ato voluntário e um ato involuntário?


Explique com exemplos.

4. "Se um acontecimento não é intencional sob uma descrição verdadeira,


então não é uma ação." Esta afirmação é verdadeira? Porquê?

5. As ações resultam sempre de deliberações racionais? Porquê?

22
Exercícios de Discussão

1. Será que só os seres humanos podem ser agentes? Porquê?

2. As ações implicam sempre movimentos corporais? Porquê?

3. "O Raimundo acredita que fumar faz mal à saúde e deseja ser
saudável, mas ainda assim está a fumar. Por isso não podemos
explicar a sua ação de fumar em termos das suas crenças e
desejos".
Concorda? Porquê?

4. Poderá um robô agir? Porquê?

23

Você também pode gostar