Você está na página 1de 5

2.

Erosão das democracias constitucionais

BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. História Constitucional


Brasileira: mudança constitucional, autoritarismo e democracia no
Brasil pós-1964.

Para este tema, é preciso considerar a tese de doutorado História


Constitucional Brasileira: mudança constitucional, autoritarismo e
democracia no Brasil pós-1964 de Leonardo Barbosa. Nesta obra, o autor
parte do período pós-1964, quando diversos processos de reforma ou ruptura
alteraram as regras relativas a mudanças constitucionais, e apresenta um
desenho dos principais instrumentos jurídicos utilizados pelo regime militar
a fim de garantir a sua hegemonia política e jurídica. A análise passa pelo
processo constituinte de 1987-1988, para verificar em que medida se rompeu
com o paradigma instaurado pela ditadura, e investiga as principais tentativas
de, sob a vigência da nova Carta Magna, alterar o processo de reforma
constitucional.
A primeira grande contribuição dessa obra para o estudo é identificar que o
constitucionalismo se estrutura a partir de pelo menos três exigências:
a imposição de limites ao poder do governo;
a adesão ao princípio do Estado de direito; e
a proteção aos direitos fundamentais.
Mas que, no entanto, essa concepção de que constitucionalismo e
constituição são harmonicamente dirigidas é derrotada pelos episódios históricos,
tendo em vista que, ao longo do século XX, alguns regimes autoritários
valeram-se das constituições em seu processo sem atender às demandas do
constitucionalismo, por exemplo.
EXEMPLOS: Constituição outorgada por Getúlio Vargas em 1937 e a Carta
de 1967 e a Emenda nº1 de 1969.
Ponto chave dessa obra é mostrar que as constituições não são
apenas incapazes de evitar a irrupção do autoritarismo, mas que podem ser
também utilizadas por regimes autoritários para sua instauração e
manutenção (Barbosa, 2012).

Em seu primeiro capítulo, a obra apresenta o problema da relação entre


política e direito no que diz respeito às mudanças procedimentais de reforma
constitucional. Para isso, o autor explora a história que se seguiu ao golpe de
1964, a qual foi palco de várias tentativas bem sucedidas e mal sucedidas de
alteração dos referidos procedimentos. Ao longo dos demais capítulos, ele
analisa o período da ditadura militar, a reconstitucionalização e os vinte anos de
vigência da Carta Magna.

Por fim, nas considerações finais ele chega a um ponto de síntese e


tangenciamento de todos esses períodos da história constitucional brasileira que
é a incontrolabilidade do fenômeno constitucional. Essa expressão é
usada pelo autor para denunciar a implausibilidade de compreender o
processo de mudança constitucional como “engenharia constitucional”,
como técnica segura que conduz a resultados previsíveis e calculados
(Barbosa, 2012).
“Engenharia constitucional” termo popularizado pelo cientista político italiano Giovanni
Sartori (1996), o qual defende que constituições devem ser conjuntos de procedimentos
neutros em relação ao seu conteúdo, destinados exclusivamente a estabelecer como as
normas devem ser criadas. Para Sartori, as constituições são instrumentos de governo, que
limitam, restringem e permitem o controle do exercício do poder político”.
No entanto, o autor Leonardo Barbosa utiliza o termo engenharia
Para o autor, a complexidade da sociedade contemporânea não
corrobora com a metáfora de tratar os processos de mudança
constitucional brasileira como uma engenharia, no sentido de planejar,
antecipar, prever e fazer uma constituição (Barbosa, 2013).

Primeiro porque quem apoiava essa ideia de engenharia constitucional à


brasileira partia de duas premissas: uma que seria possível prever como
determinada conformação jurídica poderia produzir resultados políticos e sociais
esperados e segundo que quem era habilitado para esse planejamento seria o
governo. Sendo assim, a Constituição seria um elemento capaz de viabilizar
ou comprometer a “governabilidade”(Barbosa, 2013).

Não é surpreendente, portanto, que a facilitação da reforma


constitucional – em especial da reforma proposta pelo governo – tenha se
tornado uma ideia tão persistente em nossa experiência constitucional recente,
tendo em vista que para adequar a Constituição às necessidades da
atividade governativa necessita de ajustes permanentes (Barbosa, 2013).

Sendo assim, o autor começa um percurso aos três momentos que se


propõe a explorar, quais sejam a ditadura militar, o processo constituinte de
1987-1988 e os vinte anos de vigência da Constituição de 1988.

No período da ditadura militar, o autor aborda como o regime militar se


preocupou com a “institucionalização” da revolução permanente e como criou
instrumentos adequados à execução dos seus propósitos que denominavam de
“segurança nacional”. Tal preocupação se refletiu na extensa produção de
normas constitucionais e “superconstitucionais”, como alguns designavam atos
institucionais, possibilitada pela manipulação e desrespeito às regras de reforma
da Constituição.
Nota-se que o regime militar utilizava-se dessa produção normativa para
legitimar os seus atos, sem arcar sequer com o ônus de ser um regime
assumidamente autoritário(Barbosa, 2012). Os atos institucionais e/ou as normas
constitucionais impostos pela ditadura teriam a propriedade (mágica, como é
próprio dos fetiches) de refletir “perfeita e integralmente” os sentimentos gerais da
nação, nas palavras de Castello Branco (Barbosa,2012).
Para Barbosa, o regime militar criou uma identidade constitucional sob dois
aspectos principais: a dimensão simbólica na qual foi construída em cima de uma
manifestação por uma opção binária de “sim” ou “não”, isto é, forçando a nação a
comungar dos mesmos valores, sem permitir não comungar ou a comungar
parcialmente. Claro exemplo dessa dimensão é a famosa frase “ame-o ou deixe-o”,
qualquer debate entre os dois extremos seria considerado despatriotismo
(Barbosa,2012). E a outra dimensão seria a institucional, tendo em vista que não
bastava inscrever nas leis o ideário da revolução, era necessário gravá-lo no
coração das instituições jurídicas dos três Poderes. E isso foi feito, principalmente, à
base de expurgos e nomeações (Barbosa,2012).
No entanto, apesar das tentativas de controlar o fenômeno constitucional
para que este não fosse um problema à governabilidade no regime, sabe-se que
houve resultados eleitorais desfavoráveis, de reveses no Congresso e de derrotas
no Judiciário. Houve tímidas marcas de resistência do direito e das
instituições(Barbosa, 2012).
[Se a “revolução” permanecia “viva” (como anunciado no Ato Institucional nº 2) era
em razão de seu fracasso diante da tarefa de domar a Constituição, de impedir que
ela continuasse a servir de motivo para decisões judiciais, políticas e eleitorais
críticas ou desfavoráveis ao regime.]

No segundo momento, o autor aborda a incontrolabilidade do fenômeno


constitucional a partir da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Para o
autor, apesar dessa Assembleia ter representado uma ruptura profunda com o
antigo regime, tendo em vista a presença ampla diversidade de projetos políticos e
ideológicos nela, para que ela tenha realmente toda essa força que se propôs é
preciso ter possibilidade de ser relida e reconstruída permanentemente com
construção de canais de participação popular, intensificando os diálogos entre as
instituições jurídicas e políticas. Restando demonstrado mais uma vez a
impossibilidade de se controlar esse fenômeno.

No terceiro momento, o autor observa os vinte anos de vigência da


Constituição e aponta algumas questões sobre a incontrolabilidade do fenômeno
constitucional, vejamos.
[Em 20 anos mais de sessenta alterações foram introduzidas no texto
constitucional. primeiro, é sempre interessante e tentador a qualquer governo
ampliar sua margem de manobra. Se um governo vislumbra a possibilidade de
cumprir parte de sua agenda com menos desgaste do que seria inicialmente
necessário, é pouco provável que, tendo a oportunidade, ele se recuse a fazê-lo.]

Para justificar uma intervenção mais drástica no texto constitucional,


ressurgem discursos que mesclam, nas palavras de Cristiano Paixão, o
autoritarismo, o elitismo e o cinismo constitucional. Tais discursos partem da
impostergável necessidade de atender aos imperativos do Estado, que
naturalmente se sobreporiam aos imperativos constitucionais, e recuperam em
alguma medida a vocação dos juristas e técnicos “engenheiros” de constituições, os
“mais sábios”, a quem deve caber a tarefa de conformar os dispositivos
constitucionais.

[Por ora, a Constituição de 1988 resistiu. Ela proporcionou ao país o maior período
de estabilidade institucional de toda a história republicana, como lembrado por
diversas vezes durante as comemorações de seu vigésimo aniversário.A que
devemos atribuir essa resistência, tão rara em nosso constitucionalismo? Talvez não
seja apenas coincidência que ao processo constituinte com maior participação
popular na história brasileira tenha correspondido a Constituição, até o momento,
mais bem-sucedida do ponto de vista institucional e, por que não dizer, mesmo com
todos os problemas, a mais bem-sucedida do ponto de vista da garantia de direitos
à população.]

Por fim, a última contribuição do trabalho foi guiado pelas seguintes indagações:
Qual o futuro de nossa ainda jovem – mas já não tão precária – estabilidade
institucional? O que o estudo desenvolvido até aqui tem algo a dizer a estes novos
tempos?

Para isso o autor, apontou as seguintes questões visíveis:

A frustração das diversas tentativas de flexibilizar as regras de reforma


constitucional somou-se ao incremento dos poderes atribuídos à jurisdição
constitucional exercida pelo STF.
Hoje é virtualmente impossível descrever a Constituição brasileira sem fazer
um longo apanhado de decisões do STF. As grandes questões postas à
Constituição brasileira no passado recente foram (ou estão para ser), quase
sem exceção, definidas no âmbito do Poder Judiciário.

O caso da verticalização das coligações partidárias é ilustrativo. Naquela


oportunidade, o Congresso precisou mudar a Constituição (por meio de uma
emenda constitucional) para impedir que ela mudasse (de acordo com a
interpretação adotada pelo Supremo, que afirmava a obrigatoriedade de
verticalização das coligações). Para não falar das ocasiões em que o texto
constitucional foi alterado sem que qualquer mudança tenha sido introduzida na
Constituição(MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL).
PAIXÃO, Cristiano. Autonomia, democracia e poder constituinte: disputas
conceituais na experiência constitucional brasileira (1964-2014). Quaderni
Fiorentini per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, v. 43, p. 415-460, 2014.

Neste artigo, o autor aborda o papel articulador do par conceitual poder


constituinte originário e poder constituinte derivado, no contexto das lutas
brasileiras pelos direitos fundamentais e pela cidadania, desde o movimento pela
independência. Nesse sentido, ele aponta como possível a adoção desse par
conceitual como guia na observação dos discursos, práticas e demandas por
inclusão que marcam a relação entre política e direito na história brasileira (Paixão,
2014).
Para o autor, a história constitucional brasileira é complexa e plural, composta
de muitas transformações políticas que motivaram sucessivas produções de textos
constitucionais. Nesse arcabouço de produções textuais, chama-se atenção para a
pluralidade dos usos da noção de poder constituinte. Termo este usado na
Modernidade, seja na alternância entre monarquia e república ou na tensão entre
autoritarismo e democracia (Paixão, 2014).
Na sua obra, Autonomia, democracia e poder constituinte: disputas
conceituais na experiência constitucional brasileira (1964-2014), o autor delineia os
usos da categoria poder constituinte ao longo da história constitucional, com ênfase
no período de 1964-2014. No primeiro capítulo, ele apresenta as opções teóricas e
metodológicas adotadas para a abordagem da história constitucional; Em seguida,
ele problematiza os usos da categoria poder constituinte no período entre
1964-2014; e, para concluir, ele enfatiza a dimensão contemporânea das disputas
conceituais sobre o poder constituinte.
2 - CONSTITUIÇÃO ENTRE DIREITO E POLÍTICA

Você também pode gostar