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Manuel Maria Lancastre de Sousa Cabral de Ascensão | FACULDADE DE DIREITO UCP

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Índice
I. A CONSTITUCIONALISMO .................................................................................................................. 3
1. A EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO PORTUGUÊS ....................................................................................... 4
1.1 Constituições Monárquicas Portuguesas...................................................................................... 4
1.2 A primeira República .................................................................................................................... 5
1.3 O Estado Novo .............................................................................................................................. 6
1.4 A Constituição de 1976: da sua génese à atualidade ................................................................... 6
2. OS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO...................................................................................................... 10
Globalização do Direito Constitucional ............................................................................................ 10
II. A CONSTITUIÇÃO ............................................................................................................................ 12
3. SENTIDO DA CONSTITUIÇÃO ..................................................................................................................... 12
4. NORMAS CONSTITUCIONAIS ..................................................................................................................... 13
5. FONTES DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ..................................................................................................... 14
6. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ....................................................................... 16
7. APLICAÇÃO DA LEI CONSTITUCIONAL NO TEMPO:........................................................................................... 17
9. REVISÃO CONSTITUCIONAL: ...................................................................................................................... 19
III. ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO .............................................................................................. 26
1. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ESTRUTURANTES ........................................................................................ 26
a. Dignidade da pessoa humana ...................................................................................................... 26
b. Igualdade...................................................................................................................................... 27
c. Proporcionalidade......................................................................................................................... 28
d. Segurança jurídica e proteção da confiança ................................................................................ 29
e. Socialidade ................................................................................................................................... 30
2. SEPARAÇÃO E INTERDEPENDÊNCIA DE PODERES ............................................................................................ 31
IV. A FUNÇÃO LEGISLATIVA ................................................................................................................ 32
1. SENTIDO E CONTEÚDO DA LEI ................................................................................................................... 32
2. TIPICIDADE DOS ATOS LEGISLATIVOS ........................................................................................................... 34
4. REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA ENTRE A AR E O GOVERNO NA CONSTITUIÇÃO .................................. 37
5. PROCESSO LEGISLATIVO ........................................................................................................................... 41
6. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DAS REGIÕES AUTÓNOMAS ................................................................................. 48
V. FISCALIZAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE ................................................................................. 50

Manuel Maria Lancastre de Sousa Cabral de Ascensão | FACULDADE DE DIREITO UCP


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I. A Constitucionalismo
O que é o direito constitucional?
- Em direito constitucional estudamos a Constituição.

O que é a Constituição?
- É a lei suprema do país. Introduz os direitos e deveres fundamentais das pessoas e a
organização política e a separação de poderes (dois traços fundamentais que
caracterizam a Constituição). Depois tem organização económica e regras sobre a sua
própria revisão.

NOTAS:
Cidadãos são todos os nacionais dos países.
Pessoas são todos e não só os cidadãos.
A Constituição defende os direitos de, pelo menos, todas as pessoas que estão naquele
território, sejam nacionais ou não.

Sobre as constituições em geral:

As primeiras constituições nascem das revoluções liberais. A primeira, a revolução


americana e depois a revolução francesa.

A Constituição surgiu como forma de limitar o poder e de fundamentar o poder (não há


poder nem exercício dele sem ele estar previsto na Constituição).

Antes das revoluções liberais, havia uma enorme arbitrariedade na aplicação dos
direitos na disposição do rei absoluto.

A Constituição contribui para a queda do regime absolutista na medida em que constitui


uma ideia de separação de poderes (poder executivo, legislativo e judicial – podendo ser
completado com um poder moderador). E estes poderes equilibram-se uns aos outros
e nenhum tem prevalência sobre os outros.

O grande objetivo da Constituição é evitar cair no antigo regime, no absolutismo, na


ditadura. Para haver ditadura é preciso que um poder se sobreponha aos demais – e é
para evitar isso que a separação de poderes serve.

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A existência de um texto constitucional não é muitas vezes suficiente pois ele traduz
apenas uma intenção, uma aparência – é preciso que essa constituição seja vivida na
prática.

A existência de uma constituição não garante só por si a democracia liberal. Esta é


garantida pelo povo e pela solidez das instituições.

Com a constituição as pessoas passaram de objeto (súbdito) para autor da comunidade


política.

A Constituição inclui direitos de liberdade – estes são direitos visam a criação de uma
esfera onde o estado não pode entrar/interferir. O poder político invadia esta esfera
privada dos cidadãos e esta invasão tinha de ser contida. Ex: propriedade.

1. A evolução do constitucionalismo português


1.1 Constituições Monárquicas Portuguesas

• Constituição de 1822 – revolução liberal


® Inspirada no liberalismo.
®Aprovada pelas cortes – base democrática na sua origem.
®Organização:
➢ Direitos Fundamentais (corta com os privilégios de classes; limitação de
poderes; separação de poderes)
✓ Quanto à liberdade religiosa, a religião católica é a religião oficial do
estado português, mas permite-se aos estrangeiros o culto privado da
religião.
✓ Quanto aos direitos políticos, quem podia votar? O
constitucionalismo liberal tem limitações sérias – as mulheres, os
analfabetos e os frades não podiam votar. Mas isto já é um avanço,
antes ninguém podia votar.

• Carta Constitucional de 1826 – é carta porque é unilateralmente outorgada pelo rei


D. Pedro IV, e neste sentido imposta.
® Não foi redigida nem votada por Cortes Constituintes eleitas pela Nação – há aqui
um certo retrocesso em relação à Constituição de 1822.
®Impõe o poder moderador que representa um reforço do poder do rei.
® Os direitos fundamentais passam do primeiro título para o último.
® Há um aumento do poder do rei e uma limitação do poder das cortes – ou
seja, há um retrocesso em termos de liberalismo e de separação de
poderes e alguma reintrodução de elementos absolutistas.

• Constituição de 1838 – retoma no essencial aquilo que resultava dos princípios


constitucionais da constituição de 1832 e corta com a aquilo que se estabelecia
na carta constitucional de 1826.
® A parte dos direitos fundamentais volta ao início.
® Voltou a consagrar a separação de poderes.

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NOTAS:
- Uma constituição mais liberal normalmente começa com os direitos fundamentais;
uma constituição menos liberal normalmente passa-os para o fim.
- Legitimidade substancial: provém do povo; a constituição ser legitimidade pelo povo.
- Legitimidade formal: não foi legitimada pelo povo; ex: ditadura; é formalmente
legitima pois é constituição que governa quele país e que lhe foi imposta, mas não é
materialmente legítima.

1.2 A primeira República


• Constituição de 1911 – Dá-se aqui uma viragem; as três constituições anteriores eram
constituições monárquicas (embora tentassem introduzir o aspeto da separação de
poderes em linha com o constitucionalismo liberal) e esta foi a primeira constituição
republicana do país (consequência da Revolução de 1910 e da morte do rei e do príncipe
herdeiro).
® Republicanismo – preferência pela escolha do chefe de estado. Na altura,
preferiu-se ter-se um chefe de estado que é eleito, sujeito ao sufrágio popular,
do que ter um rei produto de um mecanismo hereditário (resultado da genética).
® O que é que na Constituição de 1911 se mantém das três constituições
anteriores e quais são as questões fundamentais em que essa alteração assenta?
➢ Mantém-se a separação de poderes (ou seja, mantêm-se ou pilares da
constituição).
➢ Existência de direitos, liberdades e garantias (mantêm-se a proteção
dos direitos fundamentais).
➢ Instauração da república.
➢ Substituição do rei pelo PR.
➢ Termina-se com os privilégios de classe.
➢ Influência muito forte de uma elite que é a maçonaria na revolução (e
da carbonária – braço da maçonaria que era militarizada).
® Organização política
➢ Experiência bicamaral: havia uma câmara alta (Senado) e uma câmara
baixa - agora existe apenas o parlamento.
➢ Três poderes políticos: legislativo (Congresso da República – elegia e
podia destituir o PR), executivo (PR e Ministros) e judicial (STJ e tribunais
de primeira e segunda instância).
➢ Sistema parlamentarista (o executivo é gerado a partir do parlamento).
➢ Grande instabilidade política - sucessão grande de governos e de
presidentes. Esta instabilidade política levava a uma instabilidade
económica e social. Deu-se um golpe em 1926 (revolução) que pôs termo
à Primeira República Portuguesa e que originou uma ditadura militar
(Portugal viveu durante 7 anos sem uma Constituição).
➢ Surgiu em 1928, António de Oliveira Salazar como ministro das
finanças – passa a ter o poder de autorizar ou não autorizar a realização
de despesas. Mais tarde, este ascendeu a presidente do conselho de
ministros – e é aí que surge o Estado Novo.

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1.3 O Estado Novo
• Constituição de 1933 - documento fundador do Estado Novo em Portugal, o projeto
foi elaborado por um grupo de professores de Direito convidados por António de
Oliveira Salazar e por ele diretamente coordenado.
• O que se mantém e o que se altera?
➢ A constituição de 1933 foi plebiscitada, foi votada publicamente
(tinha apoio popular – porque as pessoas não queriam ouvir falar de partidos).
➢ Mantém-se a proteção de direitos, liberdades e garantias (isto aparece na
primeira parte da Constituição).
➢ 1a fase: rutura entre o antigo regime e o constitucionalismo (a lógica era a
separação entre o estado e as pessoas). Aqui, nesta 2a fase, a lógica de
afastamento não era suficiente para prover as necessidades coletivas - daí ter
nascido o estado social – a lógica era prover a sociedade desde o berço até à
morte, dando resposta às suas necessidades (mas quando o estado está perto os
abusos sucedem; isto promove a existência de regime autoritários e totalitários).
➢ Existe agora uma certa correção dos excessos relativamente à constituição de
1911 – ex: excessos anticlericais - liberdade religiosa (permitiram-se os crucifixos
nas escolas)
➢ Órgãos de soberania: Chefe do Estado (PR), Assembleia Nacional, Governo e
Tribunais.
➢ Poder executivo (conselho de ministros – o presidente era Salazar); poder
legislativo (Assembleia Nacional – não era verdadeiramente democrática; existia
uma câmara corporativa, um outro órgão, que é composto por representantes
dos vários interesses, sensibilidades, profissões – a ideia do corporativismo é que
as divergências se resolvem dentro das próprias corporações – esta ideia falhou
porque na verdade, a liberdade do pluralismo partidário é insubstituível); poder
judicial (tribunais).
➢ Foi sujeita a algumas revisões (no seguimento da entrada das Nações Unidas,
existiu uma enorme pressão da comunidade internacional sobre Portugal o que
tornou impossível a manutenção de colónias, baseando-se no direito de
autodeterminação dos povos – surgiu então o ato colonial – Salazar mudou o
nome de colónias para províncias ultramarinas para dizer que já não tinha
colónias).

1.4 A Constituição de 1976: da sua génese à atualidade

• Constituição de 1976 - a Constituição da República Portuguesa de 1976 (consequência


da Revolução de 1974 – as pessoas estavam fartas da falta da liberdade, da guerra e a
Primavera Marcelista tinha sido insuficiente) é a atual constituição portuguesa.
® O regime cai muito por esgotamento constitucional, das instituições.

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® No dia 25 de Abril de 1974 nasce uma nova ideia de Direito. Isto porque a
nossa constituição é de 1976, mas a constituição de 1933 não esteve em vigor
até 1976 (esta cessou a sua vigência no dia 25 de abril de 1974, quando Marcello
Caetano embarca num avião rumo ao Brasil). Aparece então uma nova ideia de
Direito que corta com os textos anteriores e que vai vigorar até à nova
constituição – esta baseava-se num reforço da liberdade de expressão e de
imprensa (a PIDE é extinta e a sua atividade é criminalizada); fim da guerra
colonial e a autodeterminação das colónias; pluralismo partidário (os partidos
estavam ilegalizados e passam a ser legais)
® Foi redigida pela Assembleia Constituinte eleita na sequência das primeiras
eleições gerais livres no país em 25 de Abril de 1975. Entrou em vigor a 25 de
Abril de 1976.
® Abre a nossa Constituição os Direitos Fundamentais com um catálogo muito
extenso – dividem-se em duas partes: direitos, liberdades e garantias
(aplicabilidade direta – são aplicados e invocáveis pelos cidadãos
independentemente da sua concretização legislativa); direitos económicos,
sociais e culturais (direitos que se designam como reserva do financeiramente
possível e das opções políticas de cada momento - ex: propriedade; direito ao
trabalho; direito à educação, saúde, educação).
® Sistema de governo: semipresidencialismo. O PR não tem poder executivo,
quem tem poder executivo é o Governo; o Parlamento tem poder legislativo; os
tribunais têm um poder judicial. O PR tem um poder que se pode considerar
moderador (ex: dissolução da AR; promulgação e veto das leis, etc).

® Preâmbulo da CRP (pós-revolução do 25 de abril)


- Este preambulo não tem valor normativo. Contudo, tem um valor interpretativo
(apesar de fraco).
- Restauração do regime democrático; proteção dos direitos fundamentais.
- “Instauração de uma sociedade socialista” – releva a influência que o PCP teve naquela
época histórica.
- O PCP não tinha a maioria da constituinte (houve uma predominância para os partidos
do centro – para o PS e atual PSD). A tensão era entre o PCP e três outros partidos que
tinham em comum uma ideia de democracia e de pluralismo partidário – “verão
quente”.
- As forças democráticas venceram, mas que nasce com algumas manifestações com
influência do PCP (como se nota no preâmbulo).
- As forças armadas mantiveram um certo ascendente sobre o processo. Foram criados
na constituição órgãos que acolhiam elementos das forças armadas (ex: conselho da
revolução).
- Parece normal que uma constituição democrática contenha um órgão como o conselho
da revolução? Não.

Desta forma chegamos à primeira revisão constitucional ®


• Revisão de 1982
- Era indispensável para retirar da constituição aqueles aspetos revolucionários que
tinham ficado dos excessos de 1975/76.

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- Elimina o conselho da revolução e da comissão constitucional e cria o tribunal
constitucional.

- Só aqui se dá a plena consolidação do sistema com a criação do TC – órgão jurisdicional


com competência para a fiscalização da constitucionalidade. E isto é importante tendo
em vista a separação de poderes – o TC tem uma função essencial, este pode fiscalizar
as leis antes mesmo de elas entrarem em vigor (fiscalização preventiva) – isto significa
que há um órgão jurisdicional que pode apreciar a atuação do legislador e declarar a
inconstitucionalidade das leis criadas pelo legislador – pretende-se evitar abusos do
poder legislativo e salvaguardar a garantia da Constituição. - Até 1982, o PR tinha um
poder não controlado/ilimitado de demissão do governo e isto reforçava o caráter
semipresidencialista do carater presidencialista do nosso sistema. Agora em 1982,
introduz-se uma limitação ao poder do PR de demitir o governo - o PR só pode demitir
o governo quando estiver em causa o regular funcionamento das instituições
democráticas (ou seja, quando acontecer algo de muito grave que justifique essa
demissão). Isto deu-se para limitar o poder do presidente que era considerado
excessivo, deslocando-se o poder mais para o parlamento.

- Esta revisão foi fundamental para a estabilização política. - Entre 1982 e 1989 deu-se a
entrada na CEE (1986).

• Revisão de 1989
- O que é que a entrada na CEE representa de desafio para Portugal? Foi uma questão
de pacificação ou de consolidação da nossa economia de mercado.
- A Constituição teve em 1976 uma influência económica fortíssima, por influência do
PCP (ex: não podia haver telecomunicações privadas, televisões privadas, banca privada,
energia privada, etc. – deu-se a estatização de uma serie de setores estruturantes de
um estado). Outro aspeto marcante da revolução foi a irreversibilidade das
nacionalizações (ex: toda a banca privada que existia até 1974 foi passada para o estado,
nacionalizada). Em 1989, dá-se a abertura destes setores à iniciativa privada, portanto
deu-se o fim do monopólio estatal destes setores (passou a ter bancos privados,
televisões privadas, etc.).
- Aqui dá-se o fecho da revolução. Esta revisão foi fundamental para a estabilização
económica.

• Revisão de 1992
- Esta revisão justifica-se por razões exclusivamente europeias – para Portugal poder
ratificar o Tratado de Maastricht que lançou as bases da UE e da moeda única. Este era
um tratado que punha em causa elementos de soberania muito fortes – entendeu-se
que Portugal não podia ratificar este tratado sem introduzir alguns elementos que
permitissem avançar para essa ratificação.
- Avanço da integração europeia.
• Revisão de 1997
- Revisão muito política.
- Resulta de um acordo de regime entre o PS e o PSD.

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- Alteração de alguns elementos relevantes para um certo aprofundamento da nossa
democracia: alteração do regime do referendo; possibilidade dos emigrantes votarem
para o PR.

• Revisão de 2001
- Revisão cirúrgica: alteração ao artigo 7o CRP para ratificar o estatuto do Tribunal Penal
Internacional. Introduzir uma clausula que permite excecionar a pena de prisão
perpetua para atuação do Tribunal Penal Internacional.

• Revisão de 2004
- Revisão motivada pelo reforço das autonomias regionais - poderes das regiões
autónomas dos Açores e da Madeira, aumentando as suas competências legislativas e
fundamentando a sua autonomia com os aspetos simbólicos.
- Alteração que tem a ver com o princípio do primado (alteração ao artigo 8o).

“A evolução do direito da liberdade religiosa na história constitucional portuguesa”


- Constituições com religião oficial do estado: 1822, 1826 e 1838.
- Constituições com separação da Igreja do Estado (laicismo): 1911, 1933 e 1976.

• Constituição de 1822: artigo 25o - religião católica como religião oficial; possibilidade
de culto privado a outras religiões apenas se estrangeiro.

• Carta Constitucional de 1826: artigo 6o e 145o, p.4o - direito de liberdade religiosa


(limite: ofensa à moral pública – o culto é tolerado desde que não ponha em causa os
princípios da religião católica e fundamentais do estado - ex: poligamia; prática da
mutilação genital feminina).

• Constituição de 1838: aumento do conteúdo do direito - artigo 3o e 11o - direito de


liberdade religiosa (limite: respeito à religião oficial do estado) – liberalização do culto,
mas não pode assumir forma pública.

• Constituição de 1911: artigo 3o, pp. 6o, 7o, 8o, 9o, 10o, 12o - direito de liberdade
religiosa (criação de casas para cultos próprios religiosos; criação de uma lei especial
para regulação de tal matéria; caráter secular dos cemitérios públicos; fiscalização das
instituições públicas e privadas pelo estado, mantendo-se neutra em matéria religiosa;
manutenção da extinção da Companhia de Jesus e todas as congregações religiosas
(manifestações da vertente anticlerical). Estas normas eliminam os aspetos que nas
constituições monárquicas eliminam a liberdade religiosa (ex: ninguém pode ser
perseguido por motivos religiosos; o culto pode ser público, por qualquer pessoa, e em
locais assumindo a forma de templo). O Prof. Jorge Miranda fala de um anticlericalismo
da Constituição de 1911. O Prof. Gonçalo Matias acha que na 1a parte não há
anticlericalismo, mas na 2a parte há.

• Constituição de 1933 – artigo 8o, p.3o - direito de liberdade religiosa.


• Constituição de 1976 – artigo 41o - direito de liberdade religiosa (inviolabilidade;
vedação da perseguição; laicização).

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2. Os desafios do constitucionalismo
Globalização do Direito Constitucional

Há muitos autores que criticam a ideia de globalização do direito


constitucional, dizendo que não existe. Em que medida é que nós podemos dizer
que o direito constitucional é uma realidade puramente local? Se a constituição
é a lei fundamental de um país e o modo de estabelecimento de uma forma como
uma comunidade política se auto-organiza, é legítimo pensar que o direito
constitucional é uma realidade local.

Há também, um cada vez mais crescente conjunto de autores que


consideram que existe um fenómeno de globalização do direito constitucional.
Como? A globalização do direito constitucional é mais evidente na
universalização da proteção dos direitos humanos (assente no princípio da
dignidade da pessoa humana) – a total proteção dos direitos humanos depende
da sua consideração global. A soberania deve ceder quando estão em causa
direitos fundamentais e a comunidade internacional tem cada vez mais incentivos
para intervir nestas situações (direito de ingerência – direito dos outros estados
intervirem na situação interna de um estado para repor uma violação de direitos
humanos).

® Em suma, dá-se uma menor relevância da soberania estadual face à


necessidade de a comunidade internacional assegurar o respeito pelos
direitos humanos.

Hoje em dia temos estruturas constitucionais criadas no plano


supranacional. Ex: UE; na prática o Tratado de Lisboa é uma constituição.

- Em que medida é que a constituição portuguesa acolhe esta dimensão global


do direito constitucional?
® Artigo 8o CRP
• Nº1: lógica de acolhimentos, direto, imediato e total do direito
internacional. A CRP tem uma grande abertura ao direito internacional.
• Nº2: os tratados internacionais que Portugal venha ratificar são tratados cujas
normas fazem parte do direito português (não estão dependentes de
nenhuma transposição/ato de integração).
• Nº4: norma do primado – direito europeu sobre o direito português. Esta é
uma norma de grande abertura – o DUE prevalece sobre o direito interno
português (sobre o ordinário e até o constitucional). Ou seja, a nossa CRP coloca-
se numa posição hierarquicamente inferior ao DUE, salvaguardando, claro, os
princípios do estado de direito democrático.

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® Artigo 16o
• Nº2: o legislador constituinte português estabeleceu na CRP que os direitos
fundamentais previstos na CRP devem ser todos eles interpretados à luz da
DUDH.

- Crescente imperatividade do direito internacional – o direito internacional tem


dificuldade de se impor, pois depende da vontade dos estados – mas este tem
sido cada vez mais imperativo e não voluntário – ex: ius cogens (ex: proibição da
escravatura, genocídio...), este prevalece independentemente da vontade dos
estados. Isto ajuda à ideia de globalização do direito constitucional na medida em
que são princípios que todos eles têm uma dimensão constitucional – ao serem
imperativos na comunidade internacional, globalizam-se na sua aplicação.
- Em suma, temos três realidades:
® Globalização dos direitos humanos
® Abertura da CRP ao direito internacional
® Ius cogens

- Apesar de tudo, toda esta realidade ainda é relativamente tradicional dado que
tudo isto depende das relações entre a comunidade internacional e os estados.
Assim, não depende da vontade dos estados, mas está assente numa realidade
que é essencialmente estadual.

- Tradicionalmente o mundo funcionava a partir da realidade estadual, ou seja, o


mundo vivia organizado em torno dos estados (estados esses que se organizavam
segundo as suas constituições). Dentro do estado, há pessoas, empresas. Num
mundo de estados, as relações entre as pessoas e empresas processam-se
essencialmente dentro dos estados. E os estados contactavam uns com os outros.

- Agora, as empresas e as pessoas comunicam entre si e não precisam dos estados


– visão menos central da posição do estado (quem está no centro são as pessoas
e não o estado). Isto tem a ver com a globalização e com as crescentes trocas
comercias e com a DUDH, que pôs o homem no centro e não os estados.

- É preciso flexibilizar o direito constitucional para o tornar mais próximo desta


realidade do atual mundo global. O direito constitucional português não é
constituído apenas pelo texto constitucional pois a própria CRP recebe de certa
forma uma ideia de pluralismo de fontes – ou seja, não estamos apenas
dependentes da CRP e do seu texto, mas a CRP é constituída também por uma
multiplicidade de outras fontes (convenções internacionais, decisões de tribunais
internacionais que podem alterar o modo de como nós interpretamos um
determinado preceito, direito).

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- É necessário um equilíbrio entre a realidade estadual, que não deixou de existir,
e uma realidade global (que se evidencia cada vez mais).

II. A Constituição

3. Sentido da Constituição

• Material – consiste na chamada ideia de direito. Quer dizer que são os princípios
fundamentais que estiveram na base, na origem da nova constituição. A ideia de direito
pode evidentemente ir evoluindo, mas o seu ADN permanece. Nestes termos, existiam
normas constitucionais mesmo antes de sair uma constituição escrita, como a Magna
Carta- que detinha os direitos fundamentais – neste sentido existia, portanto, uma”
constituição” mesmo antes de haver uma formalização da mesma.

• Formal – Constituição vai ser transformada em normas, vai ser formalizada. O


constitucionalismo liberal, é a formalização da constituição. Uma das grandes vantagens
desta formalização, está relacionada com a segurança jurídica. É necessário existir a
intenção de criar a constituição. A constituição é um órgão de separação e limitação de
poder. O facto de ser formalizada serve para prevenir os abusos de poder, e garantir a
segurança jurídica.

Será que todas as normas materialmente constitucionais estão na constituição em


sentido formal?
Direito parlamentar – conjunto de normas que regula o funcionamento da AR. Mas este
direito não está todo regulado na CRP. É em sentido material, mas não está no formal.
Direito eleitoral é direito constitucional em sentido material, representação do povo,
mas não está formalmente na constituição.
Será que se uma lei for materialmente constitucional, mas não formalmente
constitucional tem força de constituição? – não tem força de constituição, só se fosse
formalmente constitucional. As leis acima escritas podem ser alteradas por um
regulamento ou referendo, e não por revisão constitucional.

São todas as normas formalmente constitucionais, materialmente constitucionais?


Divergência entre os autores:
- Há quem considere que nem todo o direito formalmente constitucional e
materialmente constitucional – pois são conceitos autónomos.
- E há quem considere que todo o direito formal é também materialmente
constitucional.
- Do ponto de vista teórico, não custa ao professor admitir que possa haver direito
formalmente constitucional que não corresponda a direito materialmente
constitucional – ex: direito de antena (TV tem de ceder minutos para campanha
eleitoral) – este é direito constitucional em sentido material? Não está nos aspetos
centrais da nossa organização política – Prof. Rui Medeiros.

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- Prof. Gonçalo Matias: o professor admite a distinção e que pode haver normas que são
formalmente constitucionais e não materialmente constitucional – mas acha que esta
distinção não tem relevância pois ambas têm a mesma relevância, força de constituição
dada pela forma.

Constituição dirigente: muito detalhada ou especifica.

Para que uma constituição permaneça no tempo tem que ser o mais flexível possível –
(constituição americana por exemplo) porque senão torna-se necessariamente com o
tempo a absoleta dada a sua desatualização. Torna-se burocrática. Ex: No estado de
emergência presidente tem que ter aprovação para viajar (esta norma vem na sequência
da família real ter fugido para o brasil). Ora, normas como estas, colocam obstáculos ao
exercício político. Uma constituição demasiado dirigente é menos democrática porque
não permite certas alternativas.

Ativismo judiciário: o próprio tribunal constitucional está a violar a constituição –


princípio da separação de poderes. Está a deixar a sua função judicial para invadir o
espaço do legislador.
Na altura da crise foram feitas bastantes críticas aos tribunais que utilizam os princípios
de direito como forma de algum ativismo.

4. Normas constitucionais

Normas programáticas: todas aquelas que estabelecem um conjunto de


objetivos/metas, mas não definem os meios para os atingir. Deixam a forma de atingir
esses objetivos ao legislador (liberdade de conformação – livre de escolher as formas de
atingir tais objetivos). Em princípio os cidadãos só poderão invocar a concretização
desses objetivos – que tem a ver com o legislador. Neste sentido os cidadãos não podem
invocar as normas programáticas. A medida que legislador vai legislado, a norma vai se
tornando cada vez mais rígida – jogo democrático fica limitado.
Ex: Direito à Habitação art.º 65º

Normas precetivas: são aquelas que têm completitude constitucional – não está
dependente da concretização do legislador. Podem ser invocadas pelos cidadãos dada a
sua determinabilidade. Ex: direitos de liberdades e garantias

® Normas exequíveis: São imediatamente aplicáveis sem precisar de nenhuma


legislação. Ex: direito à vida no caso de legitima defesa.

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®Normas não exequíveis: Há algumas normas precetivas que podem ser
invocadas pelos cidadãos, mas que precisam de ser concretizadas pelo legislador
– direito de antena, objeção de consciência. Diferença entre as programáticas e
não exequíveis é que o cidadão pode as invocar diretamente (ex: objeção de
consciência – se formos ao art.º em questão, diz que é definido pela lei) ao
contrário das programáticas que não podem ser invocadas sem que haja uma lei.
(importante para oral a distinção entre programática e a precetiva não
exequível.). São identificáveis “nos termos da lei”.

Diferença entre programáticas e precetivas não exequíveis: São ambas não-exequíveis,


no entanto, o que as distingue é que a norma programática não é diretamente invocável
enquanto as precetivas não-exequíveis são. A objeção de consciência é um ótimo
exemplo uma vez que embora necessite de lei, o cidadão pode invocar. Porquê? Porque
é uma norma precetiva não-exequível. Mas se a norma é programática e não podem
ser diretamente invocadas pelos cidadãos porquê que estão na constituição? Serve
para termos a garantia de que o estado tem de prestar esse serviço. O cidadão tem,
portanto, o direito de exigir que o estado legisle, atue! Ex: Direito à habitação - não
posso pedir uma casa ao estado, mas posso pedir que o estado legisle neste sentido do
direito à habitação

Recriação de inconstitucionalidade por omissão (professor JPS): Deixar um direito


constitucional sem proteção: Acabar com hospitais públicos; subsídios sem deixar
alternativa – no entanto podemos aumentar taxas moderadoras nos hospitais,
aumentar propinas no ensino, etc

5. Fontes das normas constitucionais

- Sede legislativa do tratamento de fontes: Código Civil.


- Será que o Código Civil quando elenca as fontes, está apenas a elencar as fontes do
direito ordinário ou também a elencar as fontes de direito constitucional?
• Há quem diga que os 13 primeiros artigos do CC são normas com natureza
constitucional, pois, são normas sobre normas. Contudo, não são normas
formalmente constitucionais (não têm força de constituição). Assim,
(constitucionalistas gostam de pensar que) fontes de direito constitucional não
estão necessariamente condicionadas por aquilo que estabelece o CC.

Fontes:
Imediatas (modo de criação de normas)
I. LEI
® Constituição – é uma lei especial porque não tem um processo de aprovação
igual aos outros (tem exigências próprias/agravadas que lhe conferem um grau
hierárquico superior às outras).

II. COSTUME
® Prática social reiterada com convicção de obrigatoriedade.

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® Há, porventura, mais margem para o costume constitucional se ele for
praeter constitutionem ou secundum constitutionem – se tivermos uma
constituição principiológica, programática, aberta, flexível, então a constituição
deixa à sociedade uma margem ampla de intervenção (o espaço para o costume
florescer existe). Por outro lado, a constituição trata das relações entre órgãos
de soberania, e, nestas relações, é natural que surjam costumes (o modo como
os órgãos se relacionam também se produz direito – estes têm o poder de
acomodar os seus comportamentos à sua prática quotidiana). Por outro lado,
não se admite o costume contra constitutionem (o costume que contraria a
constituição).
® Se algo não for costume, pode ser um uso/praxe (quando não há convicção
de juridicidade/obrigatoriedade).

Mediatas (modo de revelação de normas – não são diretamente aplicáveis)


III. JURISPRUDÊNCIA
® A jurisprudência constitucional também é jurisprudencial geral porque
qualquer tribunal pode apreciar a constitucionalidade das leis (contudo, esgota-
se no caso concreto).

® A jurisprudência constitucional tem um tribunal próprio, o Tribunal


Constitucional. Tem decisões de natureza concreta e também de natureza
abstrata (que tem a ver com a própria constitucionalidade das normas).
• Preventiva: antes da lei entrar em vigor
• Sucessiva: depois da lei entrar em vigor

® Estas decisões do TC têm força obrigatória geral – a declaração de


inconstitucionalidade. Depois de declarada a inconstitucionalidade da norma
pelo TC, esta é considerada nula, não produz efeitos, e é eliminada do
ordenamento jurídico.

® Isto não quer dizer que todas as decisões do TC têm força obrigatória geral.
Muito pelo contrário, a esmagadora maioria das decisões do TC são em sede de
fiscalização concreta (pronunciam-se em função dos casos concretos – a decisão
esgota-se no caso). Contudo, ao fim de 3 casos, o TC pode passar da fiscalização
concreta para a fiscalização abstrata e elimina a norma do ordenamento jurídico.

® Em suma, a jurisprudência constitucional como fonte de direito tem também


especificidades grandes: tribunal específico (TC) e decisões com força obrigatória
geral.

IV. DOUTRINA
® É uma fonte mediata, pode ser utilizada como fonte de persuasão, mas não é
vinculativa.

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® Contudo, a doutrina constitucional tem um peso grande pelo simples facto
de, como a constituição tem esta natureza principiológica, programática e
aberta, isto deixa mais margem para discussão doutrinária.

6. Interpretação e integração de normas constitucionais

® A matéria da interpretação encontra-se no artigo 9o do Código Civil.

® Está a interpretação constitucional absolutamente limitada pelo artigo 9o do


Código Civil? O artigo 9o estabelece as regras sobre interpretação de normas e não
diretamente normas constitucionais. Por outro lado, a constituição pode poder
ultrapassar este artigo pois pode haver situações que não se encaixem neste artigo.
Contudo, há uma restrição no artigo 9o que pode ser limitador (mínimo de
correspondência com a letra da lei), pois nem sempre é possível através da
interpretação de um princípio ou de uma norma constitucional que se chegue a um
resultado com um mínimo de correspondência na letra da lei.

® Na verdade, o verdadeiro limite a interpretação constitucional é o princípio da


separação de poderes – pois este impede o tribunal constitucional de interferir no poder
do legislador.

® Haberle - autor alemão: defende uma ideia de democracia dos intérpretes da


Constituição – a interpretação constitucional pode ser feita por qualquer pessoa, por
qualquer cidadão e por qualquer tribunal. Há um alargamento dos intérpretes e,
portanto, tem de haver uma linguagem comum, a letra.

® Há muito análise em Portugal sobre a natureza das decisões do TC e estas são


chamadas decisões aditivas – o TC, quando está a interpretar a Constituição, chega
muitas vezes a resultados que não têm correspondência na letra da lei. Uma decisão
aditiva é uma decisão em que o tribunal constitucional, por interpretação, chega a um
resultado que altera a própria lei (e isto é muito criticado).
® Tudo isto se joga tem como base o princípio da separação de poderes.

Se a norma ordinária se conforma com a norma constitucional, então, nenhum prolema


existe. Mas se esta relação de conformidade não existe, a consequência é a
inconstitucionalidade que gera um vício de nulidade para a norma ordinária.

- Interpretação conforme à constituição: na relação paramétrica entre a norma


ordinária e a norma constitucional o intérprete deve fazer uma interpretação conforme
à constituição. Ex1: norma suscetível de duas interpretações (cabem na letra), uma é
conforme e outra é inconstitucional – devemos escolher a interpretação conforme. Ex2:
norma suscetível de quatro interpretações – três conformes e uma inconstitucional -
devemos escolher a mais conforme.
- Deve escolher-se SEMPRE O SENTIDO QUE É CONFORME À CONSTITUIÇÃO, devido a
duas razões:

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I. Princípio da economia de meios (razão prática):
Se temos uma norma suscetível de ser interpretada em conformidade com a
Constituição, deve-se aproveitar aquilo que pode ser aproveitado – deste modo,
estou a salvar a norma – este é o argumento do Prof. Rui Medeiros.

II. Força irradiante da Constituição (razão teórica):


Como se a Constituição fosse um solo que irradia a sua força para todo o sistema
jurídico. E todas as normas do sistema jurídico devem ser tocadas por essa força e
transformadas nessa relação com a Constituição. Deve-se escolher a interpretação que
mais se conforma com a constituição pois ela é essa força conformadora de todo o
sistema. A mais conforme é aquela que está mais próxima da vontade do legislador
constituinte. A Constituição tem um poder conformador e, se esta prefere um
determinado sentido, é este que deve ser adotado – este é o argumento do Prof. Jorge
Miranda.

7. Aplicação da lei constitucional no tempo

A aplicação da lei no tempo é uma matéria com base na teoria do direito, mas tem
algumas especificidades no Direito constitucional.

Em termos de sucessões constitucionais podemos ter duas situações diversas:

• Nova Constituição / Constituição anterior – isto acontece quando muda a


constituição; há substituição de sistema; há uma alteração da ideia de direito.
®O que acontece à constituição anterior:
• Revogação
•Integração/constitucionalização: integração do direito anterior num novo
direito constitucional.

® O que acontece ao direito ordinário anterior:


• Novação: ou o direito ordinário anterior não é desconforme com a
Constituição e mantém-se em vigor. Esta é uma operação automática – uma
norma que é conforme com a nova constituição é nova, ganha uma nova fonte
de legitimidade.
• Caducidade por inconstitucionalidade superveniente: ou o direito ordinário
anterior é desconforme com a constituição e então entende-se que caduca por
inconstitucionalidade superveniente. Caduca porque a Constituição é a razão de
ser das leis/parâmetro de legitimidade das leis – se a Constituição desaparece,
as leis caducam com ela. É superveniente porque a desconformidade entre
aquela norma e a Constituição, é uma inconstitucionalidade que surge depois,
mais tarde, com a nova constituição (isto significa que aquela norma vigorou
algum tempo validamente).
• Novas normas constitucionais / normas ordinárias anteriores (aqui estamos a falar
de revisão constitucional – alterações parciais e pontuais da constituição que não poem
em causa a ideia de direito)

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• Caducidade por inconstitucionalidade superveniente – quando a normas
ordinária anterior é desconforme com a nova norma constitucional. Esta norma
só se torna nula depois de surgir a nova norma constitucional.
•Quando a norma ordinária anterior é conforme com a nova constitucional nova,
não acontece nada.

• Novas normas constitucionais / normas constitucionais anteriores


• Revogação – modificação parcial da Constituição.
• Derrogação

Norma é inconstitucional, mas o parlamento está de acordo de que essa norma não
devia desaparecer. Então o parlamento reúne-se para fazer uma revisão
constitucional, para tornar a norma inconstitucional em constitucional. Isto é
possível? Uma revisão constitucional pode salvar uma norma ordinária anterior que
era inconstitucional? Quanto a este aspeto temos duas opiniões:

• Prof. Jorge Miranda: uma norma que nasce inconstitucional nunca se pode sanar,
porque o vício é de tal forma grave, afeta-a de forma tão radical, que nunca vai
desaparecer. Para ter em vigor uma norma que toda a gente deseja, é preciso fazer uma
revisão constitucional e aprovar uma lei igual à anterior. Só renovando a vontade do
legislador é que é possível manter uma norma que era originariamente inconstitucional.
Ou seja, se se quiser, de facto, manter essas normas ordinárias na ordem jurídica, então
tem que se proceder à elaboração de um novo processo legislativo. O professor diz que
a Constituição é tão intocável, que uma vez tocada, fica inquinada para a vida, só uma
nova norma, embora igual à anterior, a pode salvar.

• Prof. Rui Medeiros: usa o argumento da economia de meios para dizer que, se essa é
a vontade do legislador, então essa vontade deve ser respeitada. Há aqui um problema
de economia de meios. Pretende que se deve atribuir à revisão constitucional o efeito
de sanar o vício da constituição anterior, caso em que ela passaria a ignorar validamente
para o futuro.

- Inconstitucionalidade pretérita: é a desconformidade entre uma norma ordinária e


uma norma constitucional que já não está em vigor.
• Pré-constitucional – desconformidade entre uma norma ordinária e uma
constituição anterior. é irrelevante; ex: questão de saber se o código civil era
conforme com a constituição de 1933. Esta é irrelevante (exceção: inexistência –
porque esta é o vício mais grave). Esta diz respeito a uma constituição que já não
está em vigor.

• Pós-constitucional – é a inconstitucionalidade à luz de uma norma


constitucional que, entretanto, foi alterada. Diz respeito a uma constituição
atual. Esta já é relevante, mas não é toda relevante. É preciso distinguir se é:
® Material – nunca se pode corrigir, nunca se pode alterar.
® Orgânico-formal – tudo depende de saber se esse procedimento foi sanado
ou não.

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9. Revisão constitucional:
3 formas:
• Revisão constitucional: ® Há uma alteração à constituição, mas continuamos no
âmbito da mesma constituição. Há alterações pontuais à constituição. A ideia de direito
mantém-se a mesma.

• Na transição constitucional: há uma nova ideia de direito. Na transição há uma nova


constituição por meios pacíficos através dos processos de revisão constitucional. Dá-se
através dos mecanismos.

• Revolução: povo insatisfeito com a revolução vigente e introduzem uma rutura no


sistema constitucional e introduzem uma nova constituição.

Constituição Rígida e flexível:


Flexível- mais fácil de ser alterada. Mais facilidade de se adaptar à evolução dos tempos.
Resistente – menos flexível. Tem que ser substituída à mínima evolução. Quanto mais
fácil for o fenómeno de revisão, mais dificilmente mudaremos de constituição.

A estabilidade é conseguida através de processos de revisão constitucional. Não pode


ser revista quando queremos (limites temporais) e de qualquer forma (limites formais).

A nossa constituição é semirrígida: tem limites materiais relativamente extensos


(art.º.280), tem mecanismos formais também relativamente exigentes (maioria de 2/3
dos deputados).

Quanto aos limites temporais de revisão ordinária só é possível decorridos 5 anos de


pelo menos a última revisão ordinária. (art.º 284 nº1)

No entanto, a AR, pode, por conveniência, assumir os poderes de revisão extraordinária


por maioria de 4/5 dos deputados. Os 4/5 não são para aprovar a lei constitucional
(porque aí são apenas necessários maioria de 2/3), mas para dar início ao processo de
revisão extraordinária.

No entanto, para dar início ao projeto revisão constitucional ordinária ® Basta apenas
um deputado apresentar o projeto de revisão constitucional.

Assim, para a lei constitucional decorrente da revisão ordinária ou extraordinária ser


aprovada são sempre necessários maioria de 2/3 dos deputados = 153 +1=154 (art.º 286
nº1)

Após a revisão constitucional, dá se uma renumeração total da constituição. (art.º 286


nº2).

O art.º 286º nº3 onde “O PR não pode recusar a promulgação da lei de revisão” explica-
se por este não se poder recusar a promulgar A LEI DE REVISÃO, no entanto, à contrário
sensu, o PR pode-se recusar a promulgar algo que não seja a LEI DE REVISÃO. = Isto tudo

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quer dizer que o PR tem o papel de ver se estão preenchidos os 5 requisitos formais que
a lei numa lei constitucional.

5 requisitos formais que têm de estar preenchidos para que a revisão constitucional
seja válida:
• Iniciativa dos deputados
• 5 anos ou 4/5
• Maioria de 2/3
• Intencionalidade
• Limites circunstanciais (art. º289) - Apesar da nossa constituição proibir estritamente
a revisão constitucional num estado de sítio ou estado de emergência, esta é sempre
desaconselhada porque não é um período de normalidade constitucional. A constituição
não está a funcionar na sua normalidade e assim teme-se mudanças que poderiam ser
feitas não se vinculem, também, à normalidade.

• Para os deputados há limites materiais de revisão – art.º 288º ® (Supostamente)

No entanto, o Prof. JM vem dizer que:


® Duplo processo de revisão constitucional ® Altera a ideia de direito. Como?
1º elimina-se a alínea em questão que impõe o limite material de revisão.
2º muda-se a constituição (porque já não há quaisquer limites materiais).
3º Dá-se, portanto, uma Transição constitucional.
Ex: Deputados querem tornar Portugal numa monarquia qual o procedimento? 1º têm
que eliminar a alínea B) do art.º 288º. A partir daí podem eliminar todas as expressões
relativamente ao PR e substituí-las pelo Rei.
O que poderia fazer o PR uma vez que é obrigado a promulgar esta lei? Promulga lei
constitucional e depois manda fazer uma fiscalização sucessiva.

Ter em atenção que são precisos dois processos de revisão. 1º para eliminar o limite de
revisão material. 2º para instituir a norma. Então ficaríamos dependentes dos
deputados que estivessem em exercício de funções 5 anos depois? Não, podemos
convocar uma revisão extraordinária.

® Dupla revisão constitucional ® Não altera a ideia de direito. Respeita os limites de


2º grau. Dá-se, portanto, uma mera Revisão constitucional.

Revisão constitucional
Artigo 284.º
Competência e tempo de revisão
1. A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre
a data da publicação da última lei de revisão ordinária.
- Limites temporais para a revisão= 5 em 5 anos

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2. A Assembleia da República pode, contudo, assumir em qualquer momento
poderes de revisão extraordinária por maioria de quatro quintos dos Deputados em
efetividade de funções.
- Os 5 em 5 anos contam-se entre revisões ordinárias (e não extraordinárias). Estes
limites temporais servem para dar estabilidade à constituição.
-Este período conta-se entre revisões ordinárias (a revisão extraordinária não
interrompe o prazo de 5 anos.)
- “...por maioria de 4/5 dos deputados”: Não é para aprovar a lei constitucional, mas
para dar início ao processo de revisão constitucional extraordinária.
-Para a aprovação das leis de revisão constitucional ordinária e extraordinária ser
aprovada é sempre 2/3.

Assim, é preciso fazer uma distinção muito clara entre iniciativa (como é que a
proposta nasce) e a aprovação da lei de revisão (como é que ela é aprovada):
• Revisão ordinária:
-Iniciativa: é necessário 1 deputado
-Aprovação: maioria de 2/3 (art.º 286º nº1)

• Revisão extraordinária:
-Iniciativa: é necessário 1 deputado + uma maioria de 4/5
-Aprovação: maioria de 2/3 (art.º 286º nº1)

Artigo 285.º
Iniciativa da revisão
1. A iniciativa da revisão compete aos Deputados.
- Só deputados podem dar início ao processo de revisão. (exs: governo, PR,
associação de moradores não tem iniciativa.)
2. Apresentado um projeto de revisão constitucional, quaisquer outros terão de ser
apresentados no prazo de trinta dias.
- Uma vez apresentado um projeto, os outros projetos têm de ser apresentados no
prazo de 30 dias – para respeitar o limite temporal de 5 anos (se não nunca se
encerrava o projeto de revisão porque havia sempre pessoas a apresentar projetos).
Artigo 286.º
Aprovação e promulgação
1. As alterações da Constituição são aprovadas por maioria de dois terços dos
Deputados em efetividade de funções.

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- 2/3+1= 154
2. As alterações da Constituição que forem aprovadas serão reunidas numa única
lei de revisão.
- Constituição é renumerada em cada revisão constitucional.
3. O Presidente da República não pode recusar a promulgação da lei de revisão.
- Revisão é submetida ao presidente.
- Este não pode recusar promulgar a Lei de revisão.
- A contrario, pode recusar promulgar um lei que não seja de revisão, como tal o
presidente tem o papel de ver se estão preenchidos todos os requisitos.
- Os 5 requisitos formais:
® iniciativa dos deputados
® 5 em 5 anos
® maioria de 2/3
® intencionalidade
® limites circunstanciais (art.º 289)

Artigo 287.º
Novo texto da Constituição
1. As alterações da Constituição serão inseridas no lugar próprio, mediante as
substituições, as supressões e os aditamentos necessários.
- Há renumeração total.
2. A Constituição, no seu novo texto, será publicada conjuntamente com a lei de
revisão.
Artigo 288.º
Limites materiais da revisão
As leis de revisão constitucional terão de respeitar:
a) A independência nacional e a unidade do Estado;
b) A forma republicana de governo;
c) A separação das Igrejas do Estado;
d) Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
e) Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das
associações sindicais;
f) A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e
social de propriedade dos meios de produção;
- Esta alínea é alvo de discussão porque não é a ideia de direito que temos hoje.

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g) A existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista;
h) O sufrágio universal, direto, secreto e periódico na designação dos titulares
eletivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem
como o sistema de representação proporcional;
i) O pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, e o
direito de oposição democrática;
j) A separação e a interdependência dos órgãos de soberania;
l) A fiscalização da constitucionalidade por ação ou por omissão de normas
jurídicas;
m) A independência dos tribunais;
n) A autonomia das autarquias locais;
o) A autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Como ultrapassar os limites materiais de revisão:


Limites de 1º grau: Correspondem em sentido material e, portanto, à ideia de direito.
Protegem a constituição em sentido material.
Limites de 2º grau: Correspondem à constituição em sentido formal.

Dupla revisão constitucional:


- Não altera ideia de direito.
- Diz respeito aos limites de 2º grau.
= Revisão constitucional

-Duplo processo de revisão constitucional:


- Altera ideia de direito.
- Diz respeito aos limites de 1º grau.
Como executar: 1º eliminamos a alínea (dos limites materiais de revisão); 2º
podemos legislar o que queríamos.
= Transição constitucional
(Tese defendida pelo professor Jorge Miranda)
Exemplo hipotético: Queríamos estabelecer uma monarquia em Portugal. 1º
teríamos que eliminar a alínea B) dos limites materiais de revisão e só depois
poderíamos substituir a expressão “presidente” por “rei” dos inúmeros artsº da
constituição.
Caso presidente não estivesse de acordo, e até porque é obrigado a promulgar a lei
de revisão constitucional (como já vimos no art.º 286º/3), poderia posteriormente
pede uma fiscalização sucessiva.

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Artigo 289.º
Limites circunstanciais da revisão

Não pode ser praticado nenhum ato de revisão constitucional na vigência de estado
de sítio ou de estado de emergência.
- Desaconselha-se, apesar da nossa constituição também o proibir, porque não é um
período de normalidade constitucional.

Limites materiais à revisão constitucional (tese defendida por JM mais desenvolvida)

- A rigidez do nosso texto não passa apenas pela previsão de limites de natureza
procedimental, mas também pela existência de limites materiais.

- Em muitos outros sistemas/países existem também limites de revisão constitucional.


Na Constituição brasileira existem as cláusulas pétreas. Nos EUA, o único limite que
existe é a forma republicana de estado. Na constituição alemã o limite intransponível
são os direitos fundamentais. Refere-se estes três estados pois são estados federados.

- Artigo 288o CRP: contém uma lista bastante alargada de matérias – o que contribui
para a rigidez da nossa constituição. Quanto maior o elenco de matérias em relação aos
quais não pode haver alterações, maior a rigidez será a sua rigidez.

- Qual é legitimidade de uma geração para condicionar as gerações futuras nas suas
opções? Não é isso que se trata quando se inclui uma norma destas na Constituição?
Quando quem elabora a constituição estabelece um conjunto de matérias às quais
atribui a força de limites de revisão constitucional, no fundo está a dizer que estes são
princípios fundamentais que presidiram à elaboração desta constituição. Enquanto esta
constituição se mantiver, estes limites são inalteráveis. Se pretendem alterar esta ideia
de direito, muda-se de constituição.

- É preciso olhar para os limites e ver se constituem uma ideia rigorosa

- O Prof. Jorge Miranda distingue limites de 1o grau de limites de 2o grau (Prof. GM: ele
está a reconhecer que o artigo 288o foi além daquilo que devia ter ido):
• Limites de 1o grau: limites que correspondem verdadeiramente à ideia de
direito
• Limites de 2o grau: limites que não correspondem verdadeiramente à ideia de
direito. Só são limites de revisão constitucional porque e enquanto lá estão
previstos.

- O que é que acontece se o artigo 288o for eliminado ou se algumas alíneas deste artigo
forem revogadas? O legislador de revisão não está impedido de revogar o artigo 288o

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ou alguma das suas alíneas, apenas está impedido de alterar as matérias contidas nas
alíneas.
- Pergunta de oral: diferença entre dupla revisão constitucional e duplo processo de
revisão?
• Se eliminar os limites de 1o grau, eles não desaparecem, continuam a proteger
a ideia de direito – simplesmente não estão visíveis (a existência dos limites de
1o grau é apenas declarativa). Duplo processo de revisão constitucional: 1o
grau.

• Se eliminar os limites de 2o grau, estes desaparecem mesmo, deixam de existir


– a sua existência é constitutiva, eles só existem se e quando o legislador os tiver
explicitado como limites. Dupla revisão constitucional – 2o grau.

Prof. Jorge Miranda: são precisos dois momentos para eliminar os limites à revisão – um
em que se elimina o limite (artigo 288o), e outro em que se altera a própria matéria (o
artigo relativo à matéria). Este processo não coloca nenhum problema constitucional
quanto aos limites de 2o grau. Quanto aos limites de 1o grau, na primeira revisão esse
limite não foi verdadeiramente eliminado, ele permanece lá, e, portanto, quando na
segunda revisão se vai alterar a matéria, o limite permanece lá – isto é uma transição
constitucional (pois altera-se a ideia de direito e surge uma nova Constituição).

- Em que medida é que o presidente da república se pode opor a um destes processos?


Quanto aos limites de 2o grau, o PR não pode fazer nada – artigo 286o/3 (porque os
requisitos de revisão não são materiais, mas formais). Quanto aos limites de 1o grau, há
quem entenda que num período pós-revisão constitucional, pode haver fiscalização
sucessiva (isto é controverso, porque estamos a declarar inconstitucionais, normas que
agora são constitucionais) – e qual é esse período? Se fosse ad eternum nunca se poderia
mudar a ideia de direito.

- Na verdade, não é preciso haver uma revolução para constituição de uma nova ideia
de direito e de uma nova constituição – por via da revisão constitucional.

- Quando falamos de limites materiais de revisão constitucional, eles não impedem a


alteração das ideias lá referidas – só impedem a eliminação e restrição do seu conteúdo
e do seu objeto.

- No momento da promulgação, o PR não pode fazer nada quanto aos dois casos (limites
de 1o grau de 2o grau). Depois, é que poderá pedir a fiscalização sucessiva quanto aos
limites de 1o grau.

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III. Estado de direito democrático

1. Os princípios constitucionais estruturantes


- A nossa constituição assenta, em boa parte das suas normas, em princípios.
- Há quem venha refutar a distinção entre regras e princípios pois os princípios
continuam a ser normas. Por isso distinguem-se dois tipos de normas (distinção quanto
ao comando que resulta da norma):
• Normas-regra: são aquelas que permitem delas inferir uma obrigação de
comportamento ou de abstenção. Traduz uma concreta atuação ou omissão.
• Normas-princípio: contém uma enorme abertura e exige uma ponderação.
- O facto da nossa constituição ser muito principiológica, tem uma enorme
abertura – está aberta à interpretação do intérprete.

- Dificuldade:
• Quando a Constituição contém uma norma-regra, é claro que o legislador não a pode
contrariar, e isso é bastante evidente – ex: quando a CRP estabelece que para ser PR é
preciso ter mais de 35 anos e posteriormente a lei eleitoral estipule que para ser PR são
precisos mais de 20 anos, isto é inconstitucional.

• Quanto às normas-princípio têm conteúdo normativo, até porque as leis ordinárias


não podem ir contra os princípios. Assim, qualquer pessoa pode recorrer ao tribunal se
achar que lei ordinária viola princípio. A questão inerente, é de facto saber se o princípio
está a ser violado por uma norma. Como as normas princípio são muito latas e flexíveis,
podem levar a uma insegurança jurídica, o que não é bom. No entanto, podemos dizer
que os princípios não têm conteúdo normativo, porque, uma lei pode muito bem ser
inconstitucional por violar um princípio. E no fundo, as regras pelas quais nos regemos
no dia a dia, baseiam-se em princípios que o legislador atribuiu conteúdo normativo.

a. Dignidade da pessoa humana

Princípio basilar.

Resulta de vários artigos da nossa Constituição – desde logo, o artigo 1o: a república
portuguesa é baseada na dignidade da pessoa humana.

Anteriormente, havia uma prevalência do comunitário pelo individual, os direitos


coletivos prevalecem sobre os direitos individuais. O indivíduo podia ter de ser
diminuído para a proteção destes direitos coletivos. No entanto, com o passar do tempo,
deu-se uma mudança de paradigma. Com o pós-II Guerra Mundial e com a DUDH

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(fatores que estimularam a esta mudança), a prevalência do coletivo sobre o individual
altera-se de forma que a proteção da pessoa humana no seu papel individual assume
um papel central.

A dignidade da pessoa humana tem várias dimensões: começa com a proteção da vida
(a vida humana é inviolável, artigo 24º - esta é uma regra), e depois há derivações da
dignidade da pessoa humana, essas mais principiológicas – exs: que as pessoas tenham
uma vida digna (acesso aos bens fundamentais, autonomia e proteção contra a
exploração); princípio à autodeterminação pessoal (direito que resulta da dignidade da
pessoa humana para cada um se autodeterminar como entender - inclui aspetos como,
por exemplo, tatuagens e piercings); direito ao livre desenvolvimento da personalidade;
proibições de tortura; etc.

b. Igualdade

A evolução histórica princípio da igualdade é dá-se em conjunto com a evolução dos


direitos fundamentais.

O princípio da igualdade é típico das revoluções liberais. O princípio da igualdade liberal


é um princípio da igualdade absoluto - todos tinham de ser tratados da mesma forma
(reação à ideia de tratamento desigual, de privilégio, de classe) – temos uma leitura
radical do princípio da igualdade.

Com a evolução do tempo percebeu-se que um tratamento igualitário podia ser


discriminatório. Como o ponto de partida não é igual para todos, o tratamento igual
para todos pode fazer com que alguém saia desfavorecido em relação aos restantes. Ex:
se duas pessoas são tratadas da mesma forma, e uma é portadora de deficiência, este
tratamento leva a um desfavorecimento da pessoa portadora de deficiência (na medida
em que o seu ponto de partida é diferente).

É preciso tratar o que é igual de forma igual e de forma diferente o que é diferente, na
exata medida da diferença.

Na exata medida da diferença: a discriminação positiva deve existir apenas no momento


em que isso se destina a corrigir o ponto de partida diferente – ideia de
proporcionalidade. O tratamento diferenciado só deve existir até ao ponto em que se
coloca as pessoas na mesma posição, no mesmo ponto de partida.

Artigo 13o: qual é a razão para se enumerarem estas várias realidades no nº2? Porque
estas categorias são aquelas que historicamente têm disso principais objetos de
discriminação. Assim, as categorias mencionadas são aqui incluídas como categorias
suspeitas.
Ex: idosos querem contratar uma mulher portuguesa para tomar conta deles; um
banco quer contratar só homens para trabalhar no banco; o estado concede um
subsídio só a homens com filhos. Não se pode levar o princípio da igualdade ao
extremo quando estamos a falar de uma situação íntima como ter alguém em

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casa – já não é o caso do banco nem do legislador que estabelece uma
discriminação não fundamentada.

Não é proibido discriminar, ou seja, tratar de forma diferente. Mas quem trata de forma
diferente tem de estar preparado para justificar essa diferença – fundamento material.

Numa fase já mais sofisticada do princípio (recente), começa-se a falar de discriminações


positivas – estas são mecanismos de correção da desigualdade na origem (esta é uma
discriminação necessária, imposta pelo direito).

c. Proporcionalidade

Princípio estruturante do Estado de Direito, de direito internacional e acolhida pelo


estado português – ex: artigo 18o/2 CRP.

Proporcionalidade justifica atuar na justa medida para atingir um determinado fim.


Proporcionalidade é um juízo de ligação/adequação entre os meios que são utilizados
para chegar aos fins.

Isto aplica-se na atividade pública e privada. Em direito constitucional, estamos a pensar


mais na atividade do legislador.

O princípio da proporcionalidade dá às pessoas o direito de questionar políticas-


públicas.

- O princípio da proporcionalidade subdivide-se em três subprincípios:

• Necessidade – é preciso ver se aquela medida é necessária para atingir aquele


fim ou se há outros meios menos gravosos. Ex: queremos construir novo hospital
em Lisboa na zona da expo – há dois terrenos, um deles pertence a uma família
que vive lá e, portanto, tem lá uma casa. O outro governo é da propriedade do
estado – o melhor meio é escolher o terreno do estado, porque escolher o
terreno da família implicaria expropriar os particulares e isto tem mais custos –
utilizar o terreno do estado é o meio menos gravoso para atingir aquele fim. A
questão sobre a necessidade é saber se há, ou não, alternativas e se as
alternativas mencionadas são menos gravosas.

• Adequação – o meio tem de ser apto a atingir o fim que se pretende. Aqui já
decidimos que aquele meio é necessário, mas a medida tem de ser razoável /
adequada ao fim que se pretende atingir. Não pode ser excessiva (proibição de
excesso). Ex: o terreno da família é enorme e o hospital só precisa de uma parte,

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deve-se expropriar o terreno todo ou só essa parte necessária para a construção
do hospital? Não, apenas quando seja o próprio a pedir a expropriação total com
fundamento na inutilização da parte sobrante, a família poderá receber uma
indemnização e isto poderá ser mais vantajoso do que ficar com um terreno
inutilizável.

• Equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito – está aqui em causa a


questão da relação custo-benefício dos meios que são empregues para os fins
que se pretendem atingir. Deve haver uma ponderação entre o custo e o
benefício de uma determinada medida ou decisão (importantíssima dimensão
em alturas de crise financeira). Tem uma componente técnica, mas também uma
componente económico-financeira de escrutínio da função pública. Grande risco
deste subprincípio: se a desproporção não for muito evidente, corre-se o risco
de violação da separação de poderes (isto permitirá um controlo sobre a decisão
pública em relação à financeira, que se traduziria um bloqueio das decisões).

Confronto entre a igualdade e proporcionalidade – “igualdade proporcional”: a


discriminação pode ser permitida até certo ponto. A discriminação não pode ser
excessiva. A proporcionalidade é o ponto de controlo da igualdade.

d. Segurança jurídica e proteção da confiança

A segurança jurídica não é especifica do Estado de Direito, é inerente a qualquer


ordenamento. Todavia, apenas em Estado de Direito ela alcança a máxima realização
até hoje conhecida, em conjugação com a justiça. Só neste Estado é que os cidadãos
obtêm a segurança da previsibilidade do seu futuro. E previsibilidade que exige em
simultâneo, publicidade, certeza, compreensibilidade, razoabilidade, estabilidade:

-Publicidade dos atos do poder público e dos procedimentos da respetiva formação.

-Certeza como conhecimento exato das normas aplicáveis, da sua vigência, das suas
condições de aplicação e da fixação do comportamento dos destinatários.

-Compreensibilidade, como clareza das expressões verbais das normas e suscetibilidade


de compreensão pelos seus destinatários médios.

-Razoabilidade, como não arbitrariedade, adequação às necessidades coletivas e


coerência interna das normas.

-Estabilidade, como garantia de um mínimo de permanência das normas, por uma parte,
e garantia dos atos e dos efeitos jurídicos produzidos por outra parte.

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Vem patente por força da constituição de 1976 em: na sujeição de leis que estabeleçam
condicionamentos a análogas prescrições; na proibição de impostos de natureza
retroativa (art.º 103º, nº3);

e. Socialidade

Traduz uma ideia de constituição social, isto é, uma constituição que protege direitos
sociais.

É um princípio que nasce com o estado social, próprio deste. A ideia que o estado
assegura aos cidadãos as suas necessidades mais básicas, “from birth to the grave”,
sejam estas saúde, educação, habitação.

Este princípio tem sofrido uma grande evolução no que diz respeito à parte da
constituição referente aos direitos económicos, culturais e sociais.

Sendo um princípio transversal que é comum a múltiplas normas (direito à saúde, à


educação), pode ser invocado sempre que houver a tentativa de desmantelar um
conteúdo fundamental de direito sociais. É claro que estão protegidos pela própria
norma subjacente a essa matéria, mas para além disso, esta princípio protege e assegura
a existência de um estado social. Assim, é mais um reforço e uma proteção que o cidadão
tem destas normas.

Questões:

• Pode haver retrocesso social?


® O TC começou por afirma nos anos 80 a existência de um princípio de
proibição do retrocesso social – uma vez atingido um determinado
patamar nos direitos sociais esse patamar não podia ser diminuído.
® O TC tem vindo a abandonar esta ideia (ex: acórdão sobre o
rendimento mínimo garantido). O que fica remanescente no princípio é
saber qual é o limite de atuação do legislador.

Exemplo: não é possível eliminar o SNS – este é uma garantia


institucional. O que não significa que não seja possível fechar uma
maternidade ou aumentar as taxas moderadoras – o que efetivamente
aconteceu.

No fundo, este princípio traduz um mínimo denominador comum que


corresponde à garantia do mínimo destes direitos.

Exemplo: artigo 64o/2, al. a) – podemos encontrar aqui o princípio da


proibição do retrocesso social na expressão “tendencialmente gratuito”
– o SNS não pode funcionar com uma lógica lucrativa, ou seja, não pode

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fazer-se pagar pela utilização dos seus utentes. Mas isso não significa que
o utente não possa pagar uma parte a título moderador/desincentivador.

Limites:
• O princípio da socialidade é um princípio que tem de estar sujeito às mesmas
regras que estão sujeitas as próprias normas programáticas que o subjazem –
reserva do financeiramente possível. O estado social terá a dimensão que for a
cada momento financeiramente possível para o estado. O estado social não é
algo absoluto porque ele depende dessas condições financeiras. Mas essas
restrições não podem ir ao ponto de aniquilar/destruir o estado social.

2. Separação e interdependência de Poderes

Este princípio tem uma consagração expressa no art.º 111º da Constituição

Poderes: Executivo (Governo), legislativo (AR, Governo e Assembleias Legislativas


Regionais) e judicial (tribunais). O Governo concentra em si duas funções – mas a AR
tem um poder de controlo efetivo sobre o governo.

O princípio da separação de poderes não é apenas um princípio de separação, é também


um princípio de interdependência – isto significa que os poderes não estão só
separados, mas também se controlam uns aos outros.

A separação de poderes e a sua atribuição a órgãos distintos provoca automaticamente


a sua limitação.

- Como é que os poderes se controlam uns aos outros?


• Como o poder legislativo controla os outros poderes? O poder executivo está
subordinado ao legislativo no sentido em que é este que aprova as leis que o
poder executivo vai aplicar – o poder executivo não pode fazer nada que não
esteja previsto na lei. E quanto ao poder judicial? Quem aprova a organização e
funcionamento dos tribunais e as leis que os tribunais aplicam é o legislador.

• O tribunal controla o poder legislativo através da fiscalização da


constitucionalidade (qualquer tribunal pode fazer isto e não só o TC – artigo 204º
CRP). O poder executivo é também controlado pelos tribunais. – ex: se a
administração cometer uma ilegalidade, os particulares podem contestá-la; é
também controlado pelo tribunal constitucional e pelo tribunal de contas.

• Em que medida é que o executivo controla os outros? Questão de saber se há


um espaço próprio para o executivo, se há uma reserva de administração?

® Reserva de administração: Espaço previsto na CRP, no qual só o


executivo pode intervir. Portanto, estaria vedada a qualquer intervenção
do poder legislativo e do poder judicial. Espaço das opções políticas de

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natureza administrativa/técnica. Ex: saber quanto alunos entram no
ensino superior num determinado ano.

NOTAS:
Um governo que tem maioria parlamentar não tem problemas de reserva de
administração uma vez que não há coligações negativas, aprovando assim, o que
lhe apetece. Num governo minoritário, a AR pode unir-se para aprovar matérias
contrárias aos interesses do governo, por isso já interesse há reserva de
administração.

Se o legislador vai contra a atuação da administração, isso é uma violação da


separação de poderes (ex: Governo decide que se vão pagar portagens na A8,
vem a AR revoga o DL do governo e aprova uma lei que diz que afinal não se
paga).
® O executivo controla os demais na medida em que lhe pertence o seu espaço
de atuação e nesse espaço de atuação seja soberano.

IV. A função Legislativa


1. Sentido e conteúdo da lei

Podemos desde logo distinguir desde já:


• Lei em sentido formal – Estamos a pensar nas características de competência
e forma da lei. Quem aprovou e que competência tinha. O art.º nº112 define em
termos típicos os atos legislativos: as leis, os decretos-leis e os decretos
legislativos regionais. Os órgãos que os aprovam são a Assembleia da república,
o governo (conselho de ministros), e as assembleias legislativas das regiões
autónomas. Estes órgãos têm que seguir os procedimentos estabelecidos pela
constituição (que veremos mais abaixo).

• Lei em sentido material – Temos mais em conta o seu conteúdo, de caráter


general (não tem um destinatário específico) e abstrato (aplica-se a uma
pluralidade de situações e não a casos concretos). Uma lei à qual falte algum
destes dois pressupostos, não é uma lei em sentido material.

Pode haver uma lei em sentido material que não seja uma lei em sentido formal?
Sim. Regulamento da escola tem generalidade e abstração, mas não é formal porque
não foi aprovado por nenhum órgão com competência legislativa.

Então, uma lei em sentido material é uma lei?


Não. Para ser uma lei tem que ser sempre em sentido formal. “Leis” que não têm sentido
formal são normas jurídicas, atos normativos, portanto.

Tem que haver sempre legitimidade legislativa para a aprovação de atos normativos.
Deve haver um ato legislativo que permita a aprovação de atos normativos.

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E há leis em sentido formal que não têm sentido material?
Sim! Por exemplo, se a Assembleia aprovar a privatização da empresa X (ex:
nacionalização BPN), é uma lei individual e concreta pelo que não é material, mas é
formal. Uma lei em sentido material que é individual e concreto (ato administrativo)
continua a ter forma e força da lei. 268º nº4. São as chamadas de leis-medida.

Professor Jorge Miranda alerta que as leis-medidas têm um limite. Como não têm
generalidade e abstração, jamais podem violar o princípio da igualdade. Estas leis devem
ter, portanto especial atenção. Há, portanto, um esforço especial do legislador para
justificar estas leis-medida. – Porque estas são uma “exceção” à regra. Por exemplo:
situação com o BPN era uma situação de tal forma única que se justificava à luz do
princípio da igualdade esta lei medida.

Lei medida é um 2 em 1: pode ser impugnada como lei (pelo tribunal constitucional) e
como ato administrativo (pelos particulares – uma vez que estes não têm acesso direto
ao tribunal constitucional). 268 nº4.

Limites dos poderes legislativos – como todos sabemos há uma separação de poderes
entre o poder legislativo e o poder executivo. O que é que acontece se o poder
executivo invadir o poder legislativo? Viola princípio da separação de poderes e sobre
pena de ilegalidade. Lei é o limite e o fundamento de toda a atuação publico-
administrativa. Não se pode fazer o que a lei proíbe como aquilo que a lei não permite.

A questão é saber se haverá matérias que são próprias do poder administrativo e que
o poder legislativo não pode intervir (reserva de administração). Poder legislativo não
pode intervir. Ex: quando as coligações negativas legislam sobre a reserva
administrativa – havendo, portanto, um comprometimento do princípio da separação
de poderes. Quando a assembleia em coligação negativa (porque queria ser popular)
aumentou os números de vagas do ensino (uma decisão que deve ser administrativa no
sentido em que é preciso saber nº de cadeiras salas etc.) No entanto o tribunal
considerou que não que não interferia em reserva administrativa.

®Normas referentes ao poder administrativo têm que estar subordinados à lei. (art.º
112 CRP)

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2. Tipicidade dos atos legislativos

Neste ponto, vamos sumariar o art.º 112º desenvolvendo os atos legislativos.

Artigo 112.º
Atos normativos
1. São atos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos
regionais.
Obedece ao princípio da tipicidade, ou seja, são estes os atos e mais nenhuns.

Lei em sentido amplo: atos legislativos


Lei em sentido estrito: Apenas as leis da Assembleia da república.
Temos sempre de tentar perceber de qual tipo estamos a falar.
2. As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às
correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização
legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.
- Significa que leis e decretos-leis têm igual valor. Assim, o governo pode revogar
qualquer lei da Assembleia da república desde que verse sobre matérias que os
dois podem legislar – reserva concorrencial. (não fazem parte da reserva da
Assembleia da república).
-Na matéria concorrencial há paridade. Governo pode revogar leis da Assembleia
da república.
-Caso faça parte da reserva da Assembleia, o governo também pode legislar de
acordo com uma autorização legislativa da Assembleia. Aí governo está
subordinado.
-Quando há leis de base a Assembleia aprova os princípios de base e o governo vai
desenvolver estes princípios (veremos mais abaixo).

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3. Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação
por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição,
sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam
ser respeitadas.

Diz respeito às leis de valor reforçado – leis que têm um valor superior às outras.
Dois tipos:
• Lei de valores reforçado pelo procedimento: constituição estabelece um
procedimento mais exigente de aprovação imposto pela constituição.
Ex: leis orgânicas e as que carecem de aprovação por maioria de 2/3.
® Orgânicas: São leis que são definidas pela constituição e têm um
procedimento especial de aprovação. O seu conceito técnico-constitucional
estão definidas no art.º 166 nº2.
O seu regime agravado de aprovação está presente no art.º 168 nº 5. Voto
favorável de 116 deputados (maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções).
As “leis orgânicas” do governo são umas falsas leis orgânicas. É importante
não confundir.
® Leis que carecem de aprovação por maioria de 2/3 PRESENTES:
São as que estão elencadas no art.º 168 nº6. O seu regime de aprovação
depende de 2/3 dos deputados presentes (desde que superior a 116).

O valor reforçado destas leis traduz-se pelo facto de não poder ser revogado por
leis ordinárias. Assim, para revogar uma lei orgânica será necessária uma lei de
valor reforçado, uma lei orgânica.

• Lei de valor reforçado paramétrica. Por força da constituição – no caso destas


não há propriamente um elenco da constituição (como resultou das anteriores), ou
seja, a força não é dada por uma lei, mas é dada pela própria constituição. Temos
de ir à procura destas leis na constituição.

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São paramétricas e de valor reforçado apenas àquelas às quais as matérias dizem
respeito.
Se são paramétricas não obedecem a nenhuma tipicidade de revogação. Assim,
para serem revogadas é por maioria simples.
® Leis que são pressuposto (leis de autorização legislativa, leis de
bases): Aquelas que sem as quais outras leis não podem existir. Ex:
Decretos-leis autorizados dependem de uma lei referente à autorização
legislativa do decreto-lei.

® Que por outras devem ser respeitadas (leis quadro): Aquela que deve
ser respeitada por outras.

Qual a diferença entre as leis de valor reforçado e as paramétricas? As leis


paramétricas têm valor reforçado pelo facto de serem tidas como um parâmetro –
um ideal – daí atribuir-se o seu valor reforçado de importância.

4. Os decretos legislativos têm âmbito regional e versam sobre matérias


enunciadas no estatuto político-administrativo da respetiva região autónoma que
não estejam reservadas aos órgãos de soberania, sem prejuízo do disposto nas
alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º.

Decretos legislativos têm âmbito regional – claramente que não legislam sobre o
âmbito nacional.

5. Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos
de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar,
suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.
Norma é muitas vezes denominada de “proibição de regulamento delegado”:
® Este art.º vem reforçar o princípio da tipicidade (nº1) – “nenhuma lei pode vir
criar outros atos legislativos”.
Quaisquer outras normas têm que estar sujeitas, submetidas, aos atos legislativos.
Nenhuma lei pode conferir a atos de outra natureza (regulamentos) com eficácia
externa interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus
preceitos. Toda a gente tem o poder de interpretar uma lei, mas esta não pode ter
eficácia externa (não pode ser imposto aos cidadãos), apenas interna.
Caso uma lei incorra nesse erro, é inconstitucional.
“Qual a diferença entre regulamento delegado e deslegalização?” – Pergunta
importantíssima de oral
® Regulamento delegado consiste em a lei atribuir a um ato de outra natureza o
poder de com eficácia externa interpretar, integrar, modificar, suspender ou
revogar qualquer dos seus preceitos - é inconstitucional.

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® A deslegalização não é inconstitucional e consiste em baixar o grau hierárquico
de uma lei. Ex: deixou de ser tratada como uma lei e passou a ser tratada como
regulamento. A deslegalização é possível exceto em matéria de reserva de lei.
6. Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando
tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de
regulamentos independentes.
Regulamentos independentes são aqueles que visam regulamentar uma lei, mas
que não o fazem de forma concreta – como fazem os regulamentos de execução.
Não são inconstitucionais porque a lei os prevê expressamente. No entanto só
pode haver regulamentos independentes quando estes sejam aprovados por um
decreto regulamentar – aprovado pelo conselho de ministros e assinado pelo PR
(estão sujeitos ao controlo do PR que pode recusá-la ou mesmo realizar uma
fiscalização preventiva). Temos, portanto, que estes decretos independentes estão
sujeitos a um controlo mais exigente de aprovação.
Há autores (como o Prof. Sérvulo Correia) que sustentam que o art.º 199º alínea g)
permite aprovar regulamentos sobre as referidas matérias. Esta tese é altamente
controversa pois também há autores (como JM) que consideram este art.º
demasiado amplo para que se possa extrair o facto de que dele se podem aprovar
regulamentos.

7. Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar


ou que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão;
Regulamento é uma norma administrativa: têm que estar totalmente submetidos à
lei. -Devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar e tem que
estabelecer quem é que tem autoridade para o regulamentar e sobre o que visa o
seu objeto. Regulamentos servem para concretizar as leis. Leis dão as linhas
gerais e os regulamentos tratam das suas especificidades.
São chamados os regulamentos de execução.
8. A transposição de atos jurídicos da União Europeia para a ordem jurídica interna
assume a forma de lei, decreto-lei ou, nos termos do disposto no n.º 4, decreto
legislativo regional.

4. Repartição da Competência legislativa entre a AR e o Governo na constituição

Há um grande princípio que devemos ter em conta: Princípio do primado de


competência legislativa da AR - tem a ver com a especial legitimidade da
Assembleia da república (maior representatividade em função do pluralismo
partidário), pela forma como é nomeado. O governo por outro lado não tem uma
legitimidade democrática direta.

® No entanto esta “regra” não deve ser levada ao limite pois leis e decretos-leis
têm o mesmo valor.

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Art.º 164 Art.º 165 Área concorrencial Art.º
Reserva Reserva 198/2º
Absoluta Relativa Reserva
(muitas são do
leis governo
orgânicas)

Reserva absoluta da AR art.º 164: só a AR pode legislar sobre estas matérias (mais
nenhum órgão pode).
® Matérias que dizem respeitem aos elementos fundamentais do Estado: povo,
território e poder político. Aqui está presente o que é essencial da estrutura do
Estado é matéria que está inscrita na reserva absoluta da AR.
® Esta lista é taxativa. São estas e não outras matérias.
®Princípio do primado da AR: A existência desta reserva é uma manifestação claro
do primado da competência da AR porque há um conjunto de matérias que estão
reservadas em absoluto para a AR que dizem respeito à organização fundamental
do Estado.
®Porque é que a AR tem primado? A AR tendo em conta o modo de eleição dos
seus deputados e a representatividade que possui, é o órgão que melhor representa
os cidadãos – tem pluralismo partidário, coisa que o governo pode não ter.

Reserva relativa da AR art.º 165º: À partida, existe uma reserva da AR para estas
matérias (competência exclusiva), mas esta pode autorizar o Governo (mas isto não
é uma competência partilhada) – artigo 165º CRP.
® Não é verdade que o artigo 164º trate de matérias mais importantes do que o
artigo 165º (veja-se a alínea B) respeitante a direitos, liberdades e garantias.
® O artigo 164º trata dos aspetos fundamentais da organização do Estado e o artigo
165º não trata diretamente de matérias relativas à organização do Estado.

As leis de bases podem ser apenas aprovadas pela AR ou também pode ser
por DL? -De acordo com o art.º 165, AR pode permitir a legislação de matéria
de leis de bases mediante autorização ao governo.

A Leis de bases, se estabelece princípios gerais, depois tem de haver


desenvolvimento desses princípios? As leis de bases têm valor de bases
face às que a desenvolvem. Em princípio esse desenvolvimento é feito por
decreto-lei de desenvolvimento e que vai concretizar esses princípios.

As leis de bases têm de ser necessariamente desenvolvidas por apenas


decreto-lei ou a AR também pode desenvolver? De acordo com o art.º 198
nº 1 c) / nº2 não significa que não possa a AR desenvolver as leis de bases.

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- Área concorrencial: Podem ser livremente objeto de ação legislativa, tanto
pela AR como pelo Governo. Um DL do Governo pode revogar uma lei da AR
– artigo 112º/2 (têm igual valor). Isto não está em artigo nenhum, porque isto
se retira a contrário – está na matéria concorrencial aquilo que não está nas
reservas.
- Reserva do Governo: artigo 198º/2 – Há uma reserva absoluta que diz
respeito às matérias respeitantes à sua organização e funcionamento
(composição e competências dos Ministros e Ministérios). Porquê? Porque
este é um órgão autónomo. Ter em atenção que estas são as “falsas” leis
orgânicas.

Regime das autorizações legislativas

- Artigo 165o/2: as leis de autorização legislativa (a autorização legislativa é concedida


por lei – por iniciativa do Governo, porque é este que quer legislar – e só este o pode
fazer, tem iniciativa reservada – como? O Governo aprova em conselho de ministros
uma proposta de lei de autorização legislativa que envia à AR, eventualmente
acompanhada de um anteprojeto e a AR aprova ou não aprova essa lei de autorização
legislativa) devem definir o objeto (a matéria / o assunto), o sentido
(objetivo/propósito), a extensão (extensão / até onde é que se vai legislar, não pode ser
um cheque em branco ao governo – ex: dificultar ou facilitar a carreira de embaixador?)
e a duração da autorização (quando caduca aquela autorização), a qual pode ser
prorrogada.

NOTAS:
Perguntas de oral:
- Quando começa a autorização? Quando a lei de autorização entra em vigor (findo o
prazo de vacatio legis.
- Quando caduca a lei de autorização legislativa? Quando passar o tempo que ela
própria determina.
- O que o governo tem de fazer para cumprir a autorização legislativa dentro do prazo?
Legislar. O governo legisla com a aprovação em conselho de ministros.
®Prof. Jorge Miranda: o que devia contar não é a aprovação em conselho de
ministros, mas o envio para promulgação do PR (o que conta é a data de entrada
na presidência da república) porque o Governo pode manipular a data da
aprovação em Conselho de Ministros. Prof. Gonçalo Matias: considera que o
Professor Jorge Miranda não tem razão e esta não é a posição seguida pelo TC (o
que conta para cumprir o prazo é o momento da aprovação em conselho
ministros) - por duas razões: este argumento parte de uma desconfiança total
em relação ao Governo (e não se pode partir deste pressuposto); não é verdade

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que essa data seja mais controlável (porque não é publicável nem conhecida por
ninguém, a não ser a presidência da república).

- Assim, considera-se cumprido o prazo quando dentro desse prazo o governo


aprovou em conselho de ministros em DL autorizado.

- Artigo 165o/3: As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez,
sem prejuízo da sua execução parcelada.
® A autorização legislativa caduca/esgota-se depois de ter sido utilizada – terá
que pedir uma nova autorização legislativa.
®Isto impede que o governo se arrependa e queira mudar.
®“sem prejuízo da sua execução parcelada” – o governo pode utilizar a
autorização legislativa parceladamente (ex: autorização sobre a matéria de
corrupção e autorização sobre o enriquecimento ilícito), às fatias/bocados. Mas
a parcela que esgotou está esgotada.

- Artigo 165o/4: As autorizações caducam com a demissão do governo a que tiverem


sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da AR.
® Traduz a natureza intuitu personae (a decisão é dada com base na relação
daquelas pessoas/sujeitos) da autorização legislativa. A autorização legislativa é
dada por uma determinada AR a um determinado Governo – tem de haver uma
relação direta entre sujeitos (ex: a autorização não vale para o governo seguinte).
Quando desaparece um dos elementos da relação ou os dois, desaparece o
elemento de confiança e a autorização legislativa.

- Artigo 165o/5: As autorizações concedidas ao Governo na lei do Orçamento observam


o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no
termo do ano económico a que respeitem.
®São as chamadas autorizações legislativas orçamentais.
®Pode-se pôr uma matéria no orçamento que não tem nada a ver com o
orçamento – quando não se quer discussão sobre uma matéria vai para o
orçamento de estado (“chamados cavaleiros orçamentais”).
®Há um regime constitucional próprio para as autorizações legislativas
orçamentais – estas não têm que ter duração (é uma exceção ao artigo 165o/2),
porque já se sabe, à partida, que ela caduca no ano económico.
®O problema aqui é saber o que se deve entender por matérias de natureza
fiscal. Isto é justamente para evitar os cavaleiros orçamentais – matéria que não
tem nada a ver com o orçamento, mas vai a cavalo do orçamento. Qual o motivo
do governo? Porque o governo sabe que o orçamento que vai ter que passar,
portanto, aproveita para obter autorizações legislativas.

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5. Processo legislativo

- Conceito de procedimento legislativo: o procedimento legislativo é um


complexo de atos, qualitativa e funcionalmente heterogéneos e autónomos,
praticados por sujeitos diversos e dirigidos à produção de uma lei do parlamento
(Gomes Canotilho).

• Conjunto ordenado de atos – porque estamos a falar de uma decisão


que não se toma isoladamente nem de um momento para o outro. Há um
conjunto complexo de atos que têm de ser praticados para garantir que
o produto final é o melhor possível. Atos que não se confundem entre si.

• Qualitativa e funcionalmente heterogéneos e autónomos - são vários


atos distintos entre si, autónomos entre si, não têm nada a ver um com
os outros.

• Praticados por sujeitos diversos - há vários intervenientes neste


procedimento.

- Estes atos visam contribuir para a melhor decisão e controlar para a melhor
decisão (há intervenientes de contributo e há intervenientes de controlo).
- No fundo, temos uma multiplicidade de sujeitos e de atos todos com o mesmo
objetivo, contribuir para o melhor resultado possível. Porque vai ser um ato que
vai regular a vida das pessoas, por isso tem de ser o mais perfeito possível.

- Fase da iniciativa
• Artigo 167o CRP

• A iniciativa é a suscetibilidade de dar início formal a um procedimento


legislativo (quem tem a possibilidade e de formalmente desencadear um
procedimento legislativo).

• Iniciativa legislativa (suscetibilidade de iniciar e desencadear o procedimento


legislativo) e competência legislativa (suscetibilidade para aprovar um ato
legislativo): tem iniciativa da lei os deputados, os grupos parlamentares, o
governo, os grupos de cidadãos eleitores e as assembleias legislativas regionais;
tem competência a AR.

• Iniciativa legislativa e impulso legiferante (conceito criado pelo Prof. Jorge


Miranda - o que está na origem da própria iniciativa – ex: senhores que propõem
a um deputado a liberalização da mudança do pneu). O impulso legiferante é, no

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41
fundo, reconhecer a existência de uma realidade que é incontornável –
associações para pressionar a iniciativa de um ato legislativo. Mas isto pode ser
positivo – ex: uma associação de defesa do ambiente que vai ter com o deputado
e o convence a introduzir uma série de restrições ambientais à produção
industrial. Nós chegamos à conclusão que antes da iniciativa pode acontecer
alguma coisa, o impulso legiferante, é aquilo que dá origem à iniciativa.

Quando iniciativa provém de dentro da assembleia e, portanto, dos deputados


ou grupos parlamentares chama-se de – projeto de lei.

Quando provêm de fora da assembleia e, portanto, do governo ou assembleias


legislativas regionais – proposta de lei.

Quando provêm dos cidadãos – iniciativa popular (20 000 assinaturas).


• A única coisa que se garante é que o procedimento legislativo é
desencadeado e não a sua aprovação.

O governo pode apresentar uma proposta de lei sobre uma matéria de


competência legislativa da AR (reserva Absoluta/relativa) Sim, pode. O que o
art.º 164º reserva é a competência. Nestes termos outro órgão pode apresentar
a proposta desde que no final seja a AR a aprovar.

No entanto, temos casos em que a iniciativa só pode aparecer por um órgão


concreto:
® orçamento de Estado - iniciativa exclusiva do governo. Porquê? Porque é ao
governo que cabe apresentar o orçamento de Estado – apesar de ser a
Assembleia que aprova.
® Autorizações legislativas - iniciativa exclusiva do governo – uma vez que
quem beneficia é este – e quem aprova é apenas a Assembleia.
® Estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas (apenas as
Assembleias Legislativas Regionais têm o poder de apresentar um novo estatuto
ou alterar o existente; a AR não têm o poder de apresentar a iniciativa.)

• Formas e limites da iniciativa legislativa – artigo 167o/2 CRP: É a chamada


norma (lei) travão. Os deputados, por exemplo, não podem apresentar no ano
económico em curso projetos de lei que aumentam a despesa ou diminuam a
receita pois isto vai provocar um impacto na execução orçamental – e isto
desequilibraria o governo – este é um dos limites à iniciativa. No entanto, não
esquecer que podemos retirar à contrario sensu do art.º em questão que o
governo pode apresentar estes projetos. Como resolver? Prever que a lei entra
em vigor no orçamento seguinte.
Esta regra não se aplica ao governo porque é ele que está a executar, ele é que
sabe o que é que precisa.

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Artigo 167o/4 CRP: Os projetos e as propostas de lei e de referendo
definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão
legislativa (ano parlamentar – de setembro a julho), salvo nova eleição da AR –
para evitar que alguém esteja sempre a propor a mesma lei.

Artigo 167o/5 CRP: Os projetos-leis, propostas de lei do Governo e os projetos e


propostas de referendo não votados na sessão legislativa em que tiverem sido
apresentados não carecem de ser renovados na sessão legislativa seguinte, salvo
termo de legislatura (neste caso o projeto caduca) – ex: se eu apresentar um
projeto agora (em maio), muito dificilmente vai ser votado até julho (portanto,
passa para setembro).

Artigo 167o/6 CRP: As propostas de lei e de referendo caducam com a demissão


do Governo (demostração do intuitu personae).

Artigo 167o/8 CRP: Quem apresenta a iniciativa não é dono da iniciativa – a


competência passa por poder introduzir alteração ao projeto ou à proposta que
foi apresentada – ou seja, o governo pode apresentar uma posposta que depois
é alterada substancialmente no parlamento. A competência não é só aprovar um
rejeitar uma proposta, mas discutir o seu conteúdo e introduzir-lhe alterações.

- Fase da apreciação

• Uma vez dada a entrada a iniciativa, e sendo ela admitida e registada pelo PR, depois
ela passa para uma fase de apreciação, onde no fundo vai recolher contributos de várias
entidades.

• Essa apreciação pode ser interna (feita dentro do próprio parlamento, em comissão
em razão da matéria – as comissões fazem pareceres detalhados sobre os projetos) ou
externa (no próximo ponto).

• A CRP exige apreciação externa:


® Na legislação autárquica tem de haver audição da ANMP e/ou da ANAFRE,
dependendo do tipo de matéria em causa.
® Na legislação do trabalho - artigo 56o/2, al. a) e artigo 54o/5, al. d) – tem de
se ouvir as associações representativas dos trabalhadores.
® Órgãos do governo regional – artigo 229o/2 CRP – os órgãos de soberania
ouvirão sempre os órgãos de governo regional.

A constituição exige que, nestas matérias, estas entidades participem no procedimento


legislativo. Ex: inconstitucionalidade formal se não se ouvirem as associações
representativas dos trabalhadores. O parlamento tem de enviar o projeto às associações
representativas dos trabalhadores ou publicá-lo no boletim do trabalho e emprego e dar

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um prazo para que estas entidades se pronunciem (a constituição não determina um
prazo – por isso este tem de ser um prazo razoável). Se as associações representativas
dos trabalhadores não se pronunciarem? O dever de audição está cumprido,
simplesmente não houve pronúncia/parecer (formalmente o dever está cumprido por
isso não há nenhuma inconstitucionalidade). E se a associação representativa dos
trabalhadores responde, propondo alterações? Não há nenhuma obrigação de seguir
esse parecer e de incorporar essas alterações, apenas há um a obrigação de ouvir – o
processo de audição não transforma as entidades ouvidas em co-legisladores, quem
legisla é a AR (esta, na pureza dos princípios, apenas tem de ouvir e ponderar). O parecer
dos sindicados não é vinculativo. Quem tem de ser ouvido? Não são todos os sindicatos
(desde que seja representativo dos trabalhadores então considera-se cumprido o dever
de audição) – exs: nos casos gerais ouvem-se a CGTP e a UGT; se for para o setor no táxi,
ouve-se o sindicato dos táxis.

- Fase da deliberação

• Há um debate parlamentar – artigo 168o CRP.

• A votação – há 3 tipos de votação que têm de decorrer.


® Há uma votação na generalidade – em plenário – discute-se e vota-se o
projeto na sua globalidade. O objetivo é ver se há viabilidade para ser discutida,
ou seja, poupar tempo.

® Depois há uma votação na especialidade – na comissão especializada na razão


da matéria – discute-se e vota artigo a artigo.
Até se chegar a um texto final, projeto com as alterações introduzidas na
comissão. Depois vai ser votado o texto original e a proposta de alteração.

® Depois há uma votação final global - onde se vai apurar a maioria de


aprovação. Esta já é feita sem qualquer discussão.

• As maiorias da aprovação – artigo 168o/5 e 6 CRP - temos basicamente três maiorias


a que temos de atender:
®Maioria simples – é a maioria regra (na falta de indicação em contrário é
maioria simples – artigo 116o/3 CRP). Maioria simples é ter mais votos a favor
do que votos contra, sendo que as abstenções não contam.
® Maioria absoluta (metade + 1 = 116 deputados) – leis orgânicas (aquelas
indicadas no artigo 166o/2 CRP) - artigo 168o/5 CRP.
® Maioria de 2/3 dos deputados presentes – artigo 168o/6 CRP.

O que acontece se não atingir a maioria? É recusado, não se considera aprovado.

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• A redação final
Depois de todos estes procedimentos, caso a lei esteja aprovada, dá-se lugar à redação
final, onde se trata de instituir correções de semântica por exemplo. Não se pode em
caso algum utilizar a redação final para alterar o sentido final da lei.

NOTAS:
Quórum deliberativo: número mínimo de elementos para que o órgão possa decidir.
Para a assembleia da república poder deliberar tem de ter 116 deputados presentes.

-Fase da promulgação

• Regime da promulgação – artigo 136o CRP

• O veto – artigo 136o/1 CRP


® Político
® Jurídico

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O veto, qualquer que ele seja, tem de ser sempre fundamentado, justificando porquê
que vetou.

PR pode vetar a lei:


® Veto jurídico (de um ponto de vista de constitucionalidade): Tem de “ir” ao tribunal
constitucional. Deve pedir enviar a lei em fiscalização preventiva ao TC (tem um prazo
de 8 dias para requerer).
®Se TC pronunciar sobre a inconstitucionalidade, PR é obrigado a vetar.
®Se TC se pronunciar sobre a constitucionalidade da lei PR não é obrigado a
promulgar, pode vetar politicamente se assim o entender no caso de
discordância com a lei.
® PR quando vai ao TC, tem que dizer que a lei X é inconstitucional e o TC só
pode apreciar dentro dos limites da lei, dentro do seu objeto.
®Se o PR não for ao TC, não pode vetar juridicamente (por
inconstitucionalidade).

®De um ponto de vista de Veto político: Pode utilizar este tipo de veto caso ultrapasse
o prazo de fiscalização de constitucionalidade. Ex: se entender que lei está mal
feita/juridicamente deficiente.

Prazos de veto:
®Para promulgar ou vetar a lei da AR tem o prazo de 20 dias;
®Para vetar Decretos-leis do governo tem 40 dias;
O que indica mais uma vez o primado da competência legislativa. Quase como
uma “via-verde” para a AR.

• A confirmação – artigo 136o/2 e 3 CRP


Consiste na superação do veto do PR. Consiste tanto no veto político como no veto
jurídico. Presidente confrontado com a confirmação, é obrigado a promulgar.

No entanto, caso no veto jurídico haja uma confirmação e o presidente promulgue


(porque é obrigado), basta fazermos uma fiscalização sucessiva e o TC “mata outra vez
a lei”.

(NUNCA ACONTECEU, MAS A POSSIBILIDADE ESTÁ LÁ).

Não existe confirmação quanto aos decretos-leis. Apenas AR tem a possibilidade de


confirmação. Denomina-se de “veto suspensivo” (AR) porque pode ser superado pela
confirmação. Quanto ao governo, não havendo possibilidade de confirmação, o veto é
absoluto (governo). = Manifestação do primado da AR.

Extra: Há um caráter de negociação do PR com o governo sobre os decretos-leis a ser


aprovados.

• Referenda – artigo 140o - Uma vez promulgado o diploma, este vai para referenda
ministerial. Esta é basicamente um resquício da monarquia (era utilizada como uma

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forma de controlo do poder ilimitado do rei – assentimento por parte dos ministros do
que o rei assinava). Hoje, é uma assinatura do primeiro-ministro sobre as leis e os
decretos-leis que tenham sido promulgados pelo PR. Que sentido faz exigir uma
assinatura do primeiro-ministro depois do PR ter promulgado, por exemplo, uma lei
da AR? A referenda é obrigatória (o primeiro-ministro não pode recusar a referenda);
Prof. Gonçalo Matias: tem como objetivo garantir que o primeiro-ministro e que o
Governo, como órgão de topo da AP, tomem conhecimento das leis que vão aplicar (já
não como atividade legislativa, mas como atividade administrativa). É dada pelo PM ou
por quem o substitua.

• Publicação – artigo 119o - os atos legislativos são obrigatoriamente publicados no


Diário da República, sem a qual não possuem eficácia jurídica (não produzem efeitos).
Uma vez publicado, aplicam-se as regras da vacatio legis (na falta de indicação em
contrário, a lei determina 5 dias para entrar em vigor).
Apreciação parlamentar dos Atos legislativos – art.º 169º - manifestação do princípio
do primado

Art.º 169 é mais uma manifestação do princípio do primado da AR consiste na chamada


apreciação parlamentar dos DL. A AR num determinado prazo pode chamar a si um DL
para o apreciar – a requerimento de 10 deputados e nos 30 dias subsequentes à sua
publicação.

E pode fazer uma de 3 coisas:


® Cessar a sua vigência – é automático e PR não se pode opor porque não vai à
aprovação.
® Alterá-lo – quando isto acontece, assume a forma normal do processo legislativo
(aprovação, apreciação, referenda, etc);
® Deixá-lo intacto;

Exceção: Matéria Absoluta do governo como o seu funcionamento e organização.

Fluxograma do Professor Gonçalo Matias para explicar de maneira intuitiva como se


desenvolve todo o procedimento:

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Ter atenção à sucessão de termos para dizermos os conceitos corretos. Ex: no início
falamos de projeto lei e não de lei.

Matérias/ perguntas de oral:


Quem tem iniciativa.
Audições, quem tem direito, se são ou não vinculativas e se são obrigatórias ou não.
Saber bem o regime de maiorias.
Veto e promulgação.

6. Competência legislativa das Regiões Autónomas

Há ainda uma terceira figura dentro dos atos legislativos que são os atos legislativos
regionais e que correspondam à competência dos órgãos legislativos regionais.

As regiões autónomas são territórios dotados de autonomia politico-legislativa, não


sendo por isso um estado federal. Estas regiões não elaboram a sua própria constituição,
não se autodefinem, não se auto-organizam – neste sentido, são entidades inseridas no
estado português.

Do ponto de vista legislativo, os seus estatutos são aprovados pela AR (competência


exclusiva da AR) e não pelas assembleias legislativas regionais – isto mostra a
subordinação destas regiões quanto ao todo nacional.

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Contudo, o Estatuto só pode ser alterado por proposta das assembleias legislativas
regionais – artigo 227o/1, al. e). O estatuto político-administrativo é de reserva de
iniciativa das assembleias legislativas regionais.

Elas são dotadas de uma ampla autonomia político-administrativa, que tem vindo a ser
reforçada alargando por isso, o conjunto de matérias que se podem autorregular.

Os estatutos político-administrativos têm valor reforçado nos dois sentidos:


-Valor reforçado paramétrico – porque os estatutos definem os parâmetros das regiões
autónomas.
-Requerem aprovação por maioria de 2/3.

Em geral, o artigo chave para esta matéria é o artigo 227º:


• A regra geral está no artigo 227o/1, al. a) – Só podem legislar no âmbito regional.
Evidentemente, limita-se ao território da região e com interesse regional nesta matéria
– este interesse apura-se em função do que o próprio estatuto define em matérias
enunciadas no respetivo estatuto político-administrativo (tem de ser o estatuto político
administrativo a definir quais são os aspetos sobre os quais a ALR pode legislar – ex: a
Madeira nunca alterou o estatuto pós-revisão constitucional de 2004, os Açores
alteraram o estatuto e puseram uma lista de matérias bastante abrangente e numa das
alíneas mencionaram o seguinte: “e quaisquer outras matérias que digam respeito às
regiões autónomas”
® o PR envia para o TC – o TC disse que uma cláusula destas é inconstitucional
porque as matérias têm de estar especificamente enunciadas porque senão é
uma cláusula aberta, um cheque em branco; o TC exigiu que as matérias tivessem
enunciadas no estatuto) e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania
(que não estejam nos artigos 164o, 165o e 198o).

® Como se processam as relações entre os DLR e as leis da AR e os DL do governo? (oral)


Os DLR estão mais próximos da realidade e, nesse sentido, devem prevalecer –
relação de especialidade.

• Artigo 227o/1, al. b) – Até 2004 a reserva relativa de competência da AR estava vedada
às regiões autónomas. Depois da revisão constitucional, as ALR passam a poder ter
autorizações legislativas para legislar sobre matérias de competência relativa, mas não
sobre todas as matérias – há um conjunto de alíneas que estão excluídas (ver o preceito).

® A ALR pode legislar sobre o direito à greve? (oral)


Não porque está no âmbito dos direitos de liberdades e garantias (alínea B),
alínea B está entre as alíneas a) a c), logo não pode ser objeto legislativo por
parte das ALR.

• Artigo 227o/1, al. c) – As ALR têm competência para desenvolver as bases das leis
gerais para o âmbito regional. – É desenvolvida por DLRegional.

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• Alíneas. r), s), t) – há um conjunto de direitos de participação.

• Artigo 227o/1, al. e) – Só pode ser alterada por iniciativa das assembleias Legislativas
regionais.

• Artigo 229o/2 – Reforça os deveres de audição (sob pena de inconstitucionalidade


formal).

• Artigo 226/
1- A ARL tem iniciativa de âmbito regional relativamente aos projetos de estatutos
político-administrativos e de leis relativas à eleição dos deputados às ALR’s.

• Artigo 233o/
1 - Figura do representante da república – também criada em 2004 (antes era ministro
da república) – este desempenha para os DLR a mesma função do PR para as leis e
decretos-leis. Quem promulga ou veta os DLR não é o PR, mas o representante da
república – artigo 233o.

2- Representante da República tem um prazo de 8 dias para enviar ao TC para pedir a


fiscalização de constitucionalidade (veto jurídico) ou 15 dias contados da receção de
qualquer decreto da ALR para assinar ou exercer o seu direito de veto (político).

3 - Se a ALR confirmar o voto por maioria absoluta dos seus membros em efetividade de
funções, supera o veto e nestes termos, o Representante da República deverá assinar o
diploma no prazo de 8 dias a contar da sua receção.

4 – Representante da República tem um prazo de 20 dias contados da receção de


qualquer decreto do Governo Regional para assinar ou vetar, devendo comunicar por
escrito o sentido dessa recusa. O governo pode reverter o veto do Representante da
República ao apresentar o decreto em proposta a ALR.

• Artigo 234o - a dissolução dos órgãos já é feita pelo PR pois considera-se uma matéria
de projeção nacional.

V. Fiscalização da inconstitucionalidade

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Desvalores jurídicos:
® Lei que viola a constituição é nula – art.º 282º
® Como há uma destruição retroativa dos efeitos, o desvalor jurídico é a nulidade.
® A nulidade pode ser requerida a todo o tempo.

Inconstitucionalidade por ação: Quando algo que é aprovado é inconstitucional – vai


contra certos princípios.

• Fiscalização preventiva: é aquela que ocorre antes da entrada em vigor do


diploma – daí ser sempre abstrata, porque nunca se aplicou a um caso concreto.
E, portanto, no momento da promulgação – artigo 278o e 279o CRP.

®O PR pode requerer a fiscalização preventiva em relação às leis, aos DL, aos


tratados internacionais e aos acordos internacionais que lhe sejam submetidos.

® Os DLR pode ser submetida a sua fiscalização preventiva pelo representante


da república.

® Exceção: permite que o primeiro-ministro ou 1/5 dos deputados possa


requerer a fiscalização preventiva quando se trate de uma lei orgânica (artigo
166o/2).

® Então o PR poderia evitar, no caso das leis orgânicas, que o PM requeresse a


fiscalização preventiva, promulgando no dia em que chega? Sendo uma lei
orgânica, o PR está proibido de promulgar antes de percorridos 8 dias – está a
dar – artigo 278o/5.

® O PR tem 8 dias para promover a fiscalização. Vai apara o TC, este tem 25 dias

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para se pronunciar – artigo 278o/8. Ver os efeitos no artigo 279o.

• Fiscalização sucessiva: é aquela que ocorre após a entrada em vigor do


diploma. Esta pode ser de dois tipos:

® Abstrata: diz respeito à norma, independentemente da sua aplicação ao caso


concreto. Ex: quando a norma não se está a aplicar ao caso de ninguém, está a
ver-se em abstrata – artigo 281º e 278º

Quem é que a pode requerer? Artigo 281º/2. Há um conjunto alargado


de entidades que pode requerer a fiscalização abstrata. Os cidadãos não
têm acesso direto ao TC.

Se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade, os efeitos estão


previstos no artigo 282º - a norma desaparece da ordem jurídica e nunca
mais pode ser aplicada. Desaparece desde quando? Depende - ver artigo
282º, nos 1 e 2.

✓ A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (que


ocorre na fiscalização sucessiva abstrata) tem como efeito típico a
destruição retroativa de todos os efeitos produzidos por aquela norma e
o desaparecimento dos seus efeitos da ordem jurídica (é uma norma
nula) – e dá lugar à repristinação. Não tem prazo, isto é, pode ser
impugnada a todo o tempo dado que a lei é nula.

® Concreta: Diz respeito à aplicação da norma do caso concreto. Ex: Quando


uma pessoa gravida é despedida por causa dessa norma e recorre ao tribunal, o
tribunal de trabalho deve desaplicar a norma – artigo 204º CRP. Todos os
tribunais que têm natureza jurisdicional estão obrigados a respeitar a
constituição, logo não podem aplicar normas que não sejam inconstitucionais. A
inconstitucionalidade é de conhecimento oficioso – o juiz tem obrigação de
afastar uma norma se ele entender que ela é inconstitucional.

Chega-se ao tribunal constitucional, por via de recurso, fazendo as


escadinhas todas (1a instância, relação, STJ, tribunal constitucional).

O TC vai decidir o caso daquela senhora e a sua decisão vale apenas para
aquele caso concreto. Esgota-se neste caso, a norma não desaparece da
ordem jurídica.

® Cabe recurso ao TC das decisões do tribunal que recusem a aplicação


de qualquer norma com fundamento na inconstitucionalidade. – art.º
280/nº1 a)

® Ao fim de 3 casos concretos em que o tribunal decide pela


inconstitucionalidade, então é possível, mas não obrigatório ou au
automático, a um juiz do TC ou a um magistrado do MP a requerer a

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passagem para a fiscalização abstrata. Tem de haver um novo processo
de fiscalização abstrata, onde o juiz vai decidir agora a fiscalização
abstrata da norma – artigo 281o/3.

® Concentrada: quando é por via do TC.


® Difusa: é aquela que é feita pelos tribunais em geral – artigo 204º + 209º.

• Inconstitucionalidade por omissão – artigo 283o: Quando uma norma constitucional


precisa de se concretização para poder ser aplicada (ex: normas programáticas – não
são exequíveis por si mesmas), a falta de concretização dessa norma (do legislador) gera
uma inconstitucionalidade por omissão. O legislador está em omissão porque não a
concretizou.

® Quando isto aconteça quem pode requerer a fiscalização de


inconstitucionalidade por omissão é o PR, o provedor de justiça, presidentes das
assembleias legislativas das regiões autónomas.

® O TC vai verificar a existência da omissão inconstitucionalidade e notificar o


órgão que deva legislar sobre essa omissão.

Extra:
Julgamento de inconstitucionalidade: Ocorre na fiscalização sucessiva concreta ®
esgota-se no caso concreto, só se aplica àquele caso.
Declaração de inconstitucionalidade: Ocorre na fiscalização sucessiva abstrata ®tem
força obrigatória geral, torna-se nula para todos e desaparece do ordenamento jurídico.

Art.º 204º - fiscalização sucessiva


Qualquer tribunal pode proceder à fiscalização sucessiva.

Art.º 278º/ - fiscalização preventiva


1. PR pode enviar qualquer norma que lhe seja submetida. Não é obrigado em enviar
em fiscalização preventiva, pode ser sempre sucessiva. Mas, como jura cumprir e fazer
cumprir a constituição, se tiver sérias dúvidas, deve fazê-lo preventivamente.

2. Os Representantes da República (PR’s das RA) podem igualmente requerer a


fiscalização preventiva ao TC.

3.PR tem 8 dias para requerer fiscalização preventiva (só começa a contar no dia
seguinte).

4.Regra geral: Só PR pode requerer fiscalização preventiva e representante da república


nas RA.

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Exceção: No caso das leis orgânicas, para além do PR podem também o PM ou 1/5 dos
deputados requerer a fiscalização preventiva.

5. O Presidente da Assembleia da República tem que dar conhecimento ao PM e aos


deputados da data em que enviou o decreto para PR.

6. Têm 8 dias a partir do momento em que é enviado para o PR.

7. Quando PR recebe uma lei orgânica, está proibido de a promulgar durante 8 dias – de
forma que PM, e deputados também tenham de requerer fiscalização preventiva se
desejarem.
Mas PR tem de esperar pelos 8 dias para pedir fiscalização preventiva? Não, pode
mandar logo para o TC.

8. TC deve pronunciar-se no prazo de 25 dias (que pode ser encurtado pelo PR por
motivos de urgência.

Art.º 279/ - efeitos da decisão


1. Se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade o PR deve vetar o decreto por
inconstitucionalidade (veto jurídico) e devolvido ao órgão que o tiver aprovado – aqui
não há um prazo, mas entende-se que deve ser o mais rapidamente possível.

2. Quando parlamento recebe o veto por inconstitucionalidade do PR tem 3 hipóteses:


desiste, expurga a inconstitucionalidade (ou seja, retira a norma que é inconstitucional/
reformula o decreto), ou então confirma (no veto jurídico é de 2/3 dos deputados
presentes, sendo que tem de ser sempre superior à maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções- 116 deputados).

3. Quando o PR veta um diploma por decisão de inconstitucionalidade e o diploma é


reformulado, passa a ser um novo diploma. Logo, o PR pode voltar a requerer a
fiscalização.

Art.º 280/ - Fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade


1. a) Caso juiz não aplique norma com fundamento de inconstitucionalidade, esta
norma vai parar ao TC.
b) Caso tribunal aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante
o processo, o TC faz um recurso da decisão do tribunal em questão.

2.a) É possível recorrer para tribunal constitucional por leis de valores reforçados –
violação de uma lei de valor reforçado.

Art.º 281º - Fiscalização abstrata da constitucionalidade e da legalidade


1. a) Tribunal aprecia declara com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de
quaisquer normas.

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54
b) A ilegalidade de quaisquer normas presentes em atos legislativos – com
fundamento em violação de lei com valor reforçado.

2. Este artigo enumera quem pode requerer ao TC a declaração de


inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral.
3. Como é que se dá a passagem da fiscalização concreta para a fiscalização abstrata
(oral)
a) Na fiscalização abstrata a decisão produz efeitos para todo o OJ, fiscalização
concreta, a declaração de inconstitucionalidade tem apenas eficácia inter partes.

b) Quando já houve 3 casos de fiscalização concreta no sentido da


inconstitucionalidade, o TC pode declarar com força obrigatória geral pela
inconstitucionalidade a ilegalidade da norma.

c) Este artigo permite perceber que pela mera declaração em casos de fiscalização
concreta tem efeitos inter partes, mas quando haja sido julgada 3 vezes como
inconstitucional, pode haver uma fiscalização abstrata sucessiva.
Limitação dos efeitos de inconstitucionalidade “in futuro” – assumir que uma norma é
inconstitucional, mas a inconstitucionalidade estará salvaguardada no futuro por
algum tempo.

Art.º 282º
1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade destrói retroativamente
todos os efeitos.

2. Este preceito refere-se à constitucionalidade superveniente e, portanto, os efeitos


são destruídos até à entrada em vigor da revisão constitucional.

3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal.

4. Há uma limitação dos efeitos e por razões de segurança jurídica podem-se


salvaguardar os efeitos produzidos pela norma.

Pergunta de oral:
Qualquer tribunal pode proceder à fiscalização da inconstitucionalidade? Qualquer
tribunal que tenha natureza jurisdicional pode proceder à fiscalização. Art.º 204º

É de exercício oficioso? Ou seja, mesmo que não seja suscitado por nenhuma das partes
tribunal pode fiscalizar a constitucionalidade da norma X, de maneira a não aplicar.

Que meios é que o cidadão dispõe para requerer a inconstitucionalidade de algo que
vai entrar em vigor? (pergunta de oral)
Petição ao provedor de justiça.

Manuel Maria Lancastre de Sousa Cabral de Ascensão | FACULDADE DE DIREITO UCP


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