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Referência Bibliográfica:

HART, Herbert Lionel Adolphus. Capítulo V. O direito como união de regras primárias e
secundárias. In O conceito de direito. Lisboa: Espaço 2 Gráfico, 2001.
Informações dos autores:
Herbert Lionel Adolphus Hart, referido como H. L. A. Hart, foi magistrado britânico, e um
notado filósofo do direito, conhecido por seu trabalho no estudo da moral e da filosofia
política.
O direito como união de regras primárias e secundárias
1. Um novo recomeço
O modelo simples do direito visto como conjunto de regras coercitivas do
soberano não foi capaz de explicar aspectos essenciais dos sistemas jurídicos (Austin). Para
tanto alguns críticos invocaram o direito internacional ou o direito primitivo, mas se deve
apontar os aspectos internos do direito num estado moderno.
Pontos principais em que tal teoria de Austin falhou:
1) A lei criminal é aplicada também geralmente àquelas pessoas que as criam
e não apenas aos demais. Para Austin o direito assemelha-se assim demais
à concepção de direito como ameaças de umas pessoas contra as outras.
2) Há outras espécies de normas que conferem poderes jurídicos para julgar e
legislar (poderes públicos) ou para constituir ou alterar relações jurídicas
(poderes privados), os quais não são exercidos com base em ameaças.
3) O direito como soberano ilimitado sempre obedecido não explica a
continuidade do direito para a autoria legislativa dos estados modernos.
Na tentativa de salvar tal teoria uma série de expedientes (na tentativa de
explicar complexidade do direito) foi introduzida para tentar salvá-la:
1) Ordem tácita no sentido de um general que evitar interferir nas ordens de
seus subordinados;
2) Tratar regras que conferem poderes como simples fragmentos de regras
que impõem obrigações;
3) Tratar todas as regras como simplesmente dirigidas a funcionários
públicos, como os legisladores etc.
O expediente criado para explicar o legislador como ente criador de normas
que as obedece também na qualidade particular está correto.
A causa principal da falha da teoria está na ideia de direito visto como
exclusivamente um conjunto de regras coercitivas, porque hábitos, ordens, obediência e
ameaças não incluem e mesmo que relacionados entre si não são capazes de elucidar a
complexidade da norma jurídica.
É preciso distinguir duas espécies de normas:
1) Regras primárias: são as regras básicas que exigem que os ser humano
faça ou deixe de fazer alguma ação – impõem obrigações – referem-se a
ações que envolvem movimento ou mudanças físicas;
2) Regras secundárias: são regras parasitárias (de certo modo) das regras
primárias, atribuem poderes aos ser humano para, mediante atos ou
palavras, criar novas regras primárias, extinguir ou modificar as regras
antigas, determinar diferentes modos de incidência ou fiscalizar a sua
aplicação – atribuem poderes – tornam possíveis que atos que conduzem
não só movimentos físicos (regras primárias), mas dizem respeitos a atos
que tornam possível a alteração de deveres e obrigações.
A união entre essas regras é o centro do direito por causa do seu poder
explanatório e constitui a estrutura do pensamento jurídico.
2. A ideia de Obrigação
A teoria do direito que concebe a ordem jurídica como exclusivamente ordens
coercitivas está correta em partir da ideia de que o direito impõem condutas ao ser humano,
por isso partiremos dessa ideia.
Exemplo 1: A mediante ameaça portando arma de fogo ordena que B lhe
entregue seu dinheiro.
1) Para a teoria do direito com regras coercitivas A seria igual ao soberano,
logo sua ordem seria uma obrigação;
2) B foi obrigado a entregar o dinheiro, mas não tinha uma obrigação jurídica
de assim fazer;
3) B entregaria o dinheiro motivado em sua psicologia e no cálculo de que,
se assim não fizesse, sofreria consequências ruins, mas isso ainda não é
suficiente para dizer que B tinha a uma obrigação jurídica;
4) Surge a teoria preditiva para afirmar que B deveria entregar para evitar
consequências graves ruins já que a ameaça era real (probabilidade e
possibilidade) independente das crenças de B (Austin).
Objeções à teoria preditiva:
A previsibilidade das reações ruins em relação ao descumprimento de regras
não leva em consideração que tais reações e sanções existem porque tem uma razão,
consideram somente em termos de previsibilidade. Não consideram o aspecto interno das
regras.
Ainda, a norma em termos de meras previsões presume um sistema que
funciona normalmente com grau de segurança em suas reações, entretanto havendo a burla
(corrupção do policial etc), em termos puros de previsibilidade, não haveria a obrigação
jurídica, pois não haveria previsão.
Exemplo 2: As regras sociais. a) transformam certos tipos de comportamento
em padrões que é o cenário de fundo e b) tais regras incidem em situações particulares.
Os hábitos sociais são fundamentais para a compreensão do aspecto interno
das regras, podem não ficar a cargo de sistema central organizado de castigos, embora
criem pressões sociais para o seu cumprimento, que podem se limitar, assim, à forma de
reação hostil ou crítica difusa ou geral, e podem ficar aquém de sanções físicas. Podem
ficar no âmbito de sentimentos pessoais de remorso ou vergonha e culpa, quando se
aproximam de regras morais. Quando há sanções físicas, podemos lembrar de uma forma
rudimentar ou primitiva de direito.
A pressão social difusa, embora séria, não é suficiente para saber qual
predomina nas regras (moral ou direito rudimentar). O importante é constatar a seriedade
da pressão social exercida, este seria o fato primário para a origem de obrigações e
deveres.
As regras são consideradas importantes porque se crê são necessárias para a
manutenção da vida em comunidade ou de algum aspecto altamente apreciado. Por isso,
obviamente são regras essenciais como as que restringem o uso livre de violência, regras
que exigem veracidade e honestidade ou exigem o cumprimento de promessas ou
especificam os atos em padrões de conduta de pessoas com papeis importantes naquela
comunidade. As regras também nesse sentido, embora beneficiem outros, exigem
sacrifícios e abstenções de vontade do que a pessoa quer fazer, o que pode implicar a
possibilidade permanente de conflito entre a obrigação ou dever e o interesse.
A figura do vínculo de obrigação está explicada nesses três fatores que
distinguem as regras jurídicas das demais regras: 1) pressão social como pano de fundo,
mais 2) numa ponta da corrente exige-se a abstenção de vontade de fazer o que se quer, na
3) outra ponta estão um grupo ou seus representantes oficiais (pode ser um só) que insistem
no cumprimento ou aplicam castigo.
3 fatores são: 1 pressão social séria, 2 sacrifícios e abstenções que podem criar
conflito entre dever e interesses numa ponta e 3 na outra ponta pessoas ou representantes
legais que podem escolher entre o cumprimento e a sanção.
1 + 2 = direito penal.
1 + 3 =direito civil.
Entretanto, não se deve igualar o aspecto interno a obrigações a sentimentos
psicológicos (embora possam as compor), embora a pressão social séria reforce tais
sentimentos. Por exemplo, o caloteiro contumaz não se sente pressionado e, nem por isso,
deixa de ter obrigações jurídicas não cumpridas.
Também não se trata as regras de meros cálculos de previsão sobre a pressão
social. Deve-se distinguir o aspecto interno e externo do direito para a compressão.
Exemplo 3:
Observador com ânimo do ponto de vista do aspecto externo: não concorda
com as regras de determinado grupo social, cumpre-as com reserva mental para não se
incomodar, mas apenas se contenta em observa-las em termos de constatação de
probabilidade de consequências ruins. Terá chance de acertar as suas previsões, mas nunca
compreenderá as regras em si, pois não compreende a regra como elemento da vida social.
O sinal vermelho de semáforo será visto como mero sinal de que as pessoas devem parar,
assumindo padrões de comportamento. Para ele é algo mecânico, como dizer que nuvens
são sinal de que vai chover. Alguém do ponto de vista interno encara o sinal vermelho não
como um sinal para os outros pararem, mas para ele também parar. Dessa forma o grupo
entende o seu comportamento do ponto de vista interno.
O ponto de vista externo apenas descreve padrões de conta em razão de
probabilidades, mas é incapaz de descrever o modo pelo qual as regras funcionam como
regras relativamente às vidas daqueles que são normalmente a maioria da sociedade. Para
eles (do pondo de vista interno), a violação de regras não é apenas uma predição de reações
hostis, mas uma razão para a hostilidade, por isso aceitam e cooperam voluntariamente na
manutenção das regras.
Naturalmente os adeptos do ponto de vista externo (que veem regras como
possibilidade de castigo) podem entrar em tensão com os adeptos do ponto de vista interno
nas sociedades. Qualquer teoria que deseja de fato explicar a complexidade do direito deve
levar em consideração ambos os pontos de vista.

3. Elementos do direito
Imagine-se uma sociedade dita primitiva sem poder legislativo, sem tribunais
ou funcionários de qualquer espécie. Há estudos que comprovam de fato a existência de
tais sociedades. Tais estudos descrevem em detalhe sociedades cujo único meio de controle
social é a atitude geral do grupo para com os padrões de comportamento, que como aquilo
que consideramos como obrigações.
Uma estrutura social desse porte normalmente é estruturada no costume, mas
costume no sentido de regras primárias de obrigação, as cumprem inicialmente algumas
condições como a proibição do uso livre de violência, furto e fraude (“as mais óbvias
certezas acerca da natureza humana e do mundo em que vivemos”), que os humanos estão
tentados, mas que devem reprimir se quiserem viver em comunidade. Tais regras de fato
sempre estão presentes nas comunidades primitivas, assim como outras regras que impõem
deveres positivos de práticas de serviços em favor da comunidade.
Naturamente os adeptos do ponto de vista interno neste estágio são maioria
em relação aos adeptos do ponto de vista externo, pois do contrário tais comunidades não
existiriam de forma alguma, já que se, assim não fosse, a pressão social seria
demasiadamente pequena contra estes.
Incerteza. Inicialmente as regras primárias são suficientes, mas se aproximam
de nossas regras de etiqueta. Contudo trazem em si a dúvida acerca da real natureza e
extensão delas. Entretanto, como só há regras primárias de obrigações, não há processo
para reconhecimento do texto para definir a sua certeza, assim como não há a pessoa com
autoridade apta a sua definição.
Caráter estático das regras. O único processo de transformação das regras
estará ligado ao longo e lento processo de crescimento da comunidade, através dos quais os
padrões de conduta tornaram-se inicialmente hábitos, facultativos, transformando-se em
costumes, obrigatórios. Nas infrações ocorre o contrário, os desvios de conduta são tratados
inicialmente com severidade, depois passam a ser tolerados até passarem despercebidos.
A dinâmica (eliminação de regras antigas ou introdução de novas regras) das
regras não poderá de outra forma acompanhar as mutações dessa sociedade, pois tais
dependem uma espécie diferente de regra da qual tal comunidade dispõe. Em casos
extremos, não poderiam tais regras ser modificadas, o que é quase impossível, recaindo
assim a escolha da regra sobre a escolha individual dos seus membros.
Ineficácia. A pressão social difusa para a manutenção das regras acabaria se
tornando insuficiente. As discussões sobre se determinada regra teria sido violada ou não
levariam a inúmeras disputas, exceto nas sociedades muito pequenas. Assim, as punições
sobre determinadas violações consistentes em castigos físicos ficariam a cargo dos próprios
privados ofendidos ou ao grupo em geral. A vingança e a auto-defesa geraria, por óbvio,
perda de tempo, o que pode ser grave, tanto que algumas sociedade solucionaram tais
problemas mais rápido do que outras conforme a história, instituindo instância especial
para tanto, substituindo os privados em si.
O remédio para cada uma desses defeitos seria a adoção de regras
secundárias para complementar o funcionamento das próprias regras primárias. Cada
passo de adoção de cada uma dessas regras diferentes seria a passagem gradual do mundo
pré-jurídico para o mundo jurídico. Cada um desses remédios ajudará a solucionar um dos
defeitos e tais remédios em conjunto com as regras primárias transformam-se num sistema
jurídico.
As regras secundárias, assim, estão ligadas e dependem das regras primárias,
desempenhando cada uma em sua função, que em conjunto, formam, com as regras
primárias, o efeito destas ser determinadas de forma concludente, ou ser criadas, eliminadas
a alteradas, bem como o fato de violação sobre elas ser determinada de forma indubitável.
São elas:
Regras de reconhecimento (remédio para incerteza). Estas regras em seus
aspectos especificarão e indicação afirmativa e concludente sobre determinada regra que
deve ser apoiada pela pressão social que ela exerce. Pode tomar diversas formas, das mais
simples até as mais complexas. As mais simples são constar num documento escrito, estar
num monumento público etc. Tais formas são graduais em complexidade, mas todas
possuem a autoridade para a adequação da eliminação da dúvida acerca da existência das
regras primárias, por isso a escrita. Em sistemas mais complexos, tais regras assumem
formas mais complexas como a legislação por certo grupo de pessoas ou por certas
decisões de outras pessoas (relação com decisões judiciais). Quando mais de uma forma de
regra de reconhecimento surge, naturalmente há necessidade de resolver problemas de
conflito entre regras primárias, chegando-se por meio da noção de
superioridade/inferioridade à ordenação do sistema que passa a ser unificado, passando à
noção de sistema jurídico.
Assim, a ideia de identificação de determinada regra como constante do rol de
regras passa a ideia de validade.
Regras de alteração (remédio para a estática). A forma mais simples de
resolver este problema é atribuir a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos o poder de
introduzir novas regras primárias e eliminar regras antigas, o que não vem acompanhado de
ameaças. Podem ser simples ou complexas: poderes podem ser isentos de restrições ou
limitados de várias maneiras; as regras podem, além de definir as pessoas autorizadas a
legislar, definir as circunstâncias por meio do processo que tais pessoas atuam para tal fim.
Naturalmente haverá ligação estreita entre regras de alteração e regras de reconhecimento,
porque a partir do momento que as regras de alteração existem, as regras de
reconhecimento devem atribuir uma referência à legislação como aspecto identificador de
regras primárias. Normalmente, a promulgação será suficiente para atribuir tal aspecto de
identificação das regras, embora não seja comum a legislação como única forma de
produção de regras.
As regras de alteração de igual forma atribuem poder aos indivíduos para
alterarem as suas posições iniciais em relação às regras primárias para usufruírem das
vantagens que o direito pode lhes proporcionar. Assim, a celebração de contratos,
testamentos e demais negócios jurídicos acontecem mediante expressões objetivas iguais às
citadas por Kelsen quanto aos indivíduos levantando-se em determinado ambiente para
votarem uma lei. Logo, são poderes legislativos limitados por indivíduos.
Regras de julgamento (remédio para ineficácia). São regras destinadas à
determinação por indivíduos investidos de autoridade para declararem se alguma regra
primária de fato foi violada. Além de definirem as pessoas que vão julgar, definirão o
processo como tal determinação será alcançada. Embora possam ser reforçadas por regras
primárias como dever aos indivíduos de julgar, em verdade atribuem poderes a tais
indivíduos, gerando, assim, um estatuto especial às declarações judiciais. Como as
anteriores, essas regras definem um conjunto importante de conceitos jurídicos. Nesse caso,
juiz, tribunal, jurisdição e sentença. Na verdade, as regras de julgamento estão ligadas a
outras regras secundárias, especialmente às regras de reconhecimento, mas de forma
incompleta e imperfeita. Isso porque as regras que definem se regras primárias foram
violadas significa que tais declarações também sob o aspecto da autoridade devem ser
reconhecidas como integrantes de regras primárias, transformando-se assim em fontes do
direito. Essas regras de reconhecimento das regras primárias dessas decisões serão
imperfeitas, porque tais decisões dependem de uma inferência da incidência da regra
primária a um fato determinado, do que prescinde a regra primária do legislador. Logo, a
confiança nas decisões judiciais vai flutuar de acordo com a perícia do intérprete e de
acordo com harmonização das decisões em conjunto.
A maior parte dos sistemas evoluiu para juízes não limitados a decidirem
sobre regras primárias, assumindo, por meio de novas regras secundárias, as funções de
centralização de pressão social sobre o cumprimento dos castigos, por meio de sanções
aplicadas por eles ou por meio de determinação a outros funcionários, sendo, assim,
proibidos parcialmente os privados de se utilizarem de castigos físicos ou de auto-defesa
violenta.
A combinação das regras primárias e secundários é o coração do centro do
sistema normativo e um instrumento poderoso para entender diversos conceitos que têm
intrigado juristas através da história. Não se necessita ir tão longe para buscar as respostas.
A maior parte das obscuridades e distorções que rodeiam os conceitos
jurídicos dizem respeito à compreensão do âmbito interno, isto é, dizem respeito a não se
limitarem a predizer o comportamento conforme a regra, mas de usar as regras como
padrões de apreciação do comportamento próprio e dos demais.
Compreendendo a implicação entre regras primárias e secundárias,
compreendem-se os conceitos de legislação, jurisdição, validade, poderes jurídicos
públicos e privados etc. Há uma tendência de tentar explicar o direito a partir de
exclusivamente predição, mas isso apenas reflete ao seu aspecto externo. Para de fato
compreender o direito, deve-se entender de que os modos diversos de criação do direito
pelo legislador, pelo julgador e pelos poderes privados ou oficiais estão relacionados com
as regras secundárias. A combinação de regras primárias e secundárias explica o centro do
direito, mas não iluminam todos os problemas do direito em toda a sua complexidade. A
partir do afastamento do centro, outros elementos serão acrescentados ao direito.
Comentários pessoais:
Kelsen na teoria pura do direito também fez menção às regras secundárias de
alteração e de reconhecimento ao relatar a situação dos indivíduos em situação objetiva
votando uma lei e dos órgãos aplicadores da lei. Kelsen também referiu que a validade da
norma decorria justamente do processo legislativo em si, logo do escalonamento das
normas, no sentido ascendente, (critério superiores/inferioridade), considerando que as
regras não existem sozinhas, cujo resultado é a formação de um sistema normativo. Os
valores dentro das normas jurídicas para Kelsen existiam, tanto que elas passavam valores
para os fatos que eram valorados “conforme a norma” ou “contrário à norma”. Entretanto,
Kelsen não conseguiu explicar de onde surgiam tais valores intranormas que eram
distribuídos e atribuídos aos fatos resultados da incidência das normas (subsunção), até
porque os afastou dos fatos da natureza por meio do princípio da imputação. A explicação
para os valores poderia entrar no sistema jurídico por meio da norma fundamental,
entretanto Kelsen fundamentou tal norma em algo transcendental, identificado como uma
função lógica destinada a fundamentar as demais regras de acordo com o entendimento de
que as normas superiores dão validade às inferiores. A norma fundamental de Kelsen tem a
função de negar a “poluição” de valores entrando por cima do sistema normativo.
De onde saiu o valor intranormas de Kelsen? O método do direito é puro, logo
não passa valores ao objeto de estudo, o princípio da imputação impede que tais valores
sejam introduzidos nas normas jurídicas, pois não pertencem à natureza e a norma
fundamental é uma figura lógica transcendental (nel-kantismo) que também não pertence à
natureza, a norma fundamental trancendental é figura lógica e transcendental, na verdade
metafísica. Ao que parece, os valores intranormas de Kelsen são extraídos do próprio
conceito de sistema normativo positivo em si. Pelo simples fato de ele existir, tem valor,
logo tem validade. Assim validade e existência se confundem, o que é perigoso. As normas
do dever ser não pertencem à natureza (Kelsen diz que a natureza é aspecto da realidade,
tanto que refere ao princípio da causalidade ao qual obedece, em juízo sintético). A
natureza de Kelsen em verdade é a moral. Assim, como consequência, todas as normas
possuem em si status de normas fundamentais, isto é, possuem valor lógico transcendental
somente. A norma fundamental em si sequer necessitaria existir, pois o sistema positivo
valida todas as normas, logo o próprio sistema normativo se auto-valida porque existe.
Hart chega mais próximo, mas não explica (deixa vago) o que é fundamento
de existência do âmbito interno do direito e suas consequências jurídicas fundamentais
(conceitos de validade, etc.) das regras secundárias em combinação com as regras
primárias.
Para Hart a validade existe em função da eficácia, tanto que as regras
secundárias de reconhecimento e de alteração existem para proporcionar valores mínimos
de eficácia, cuja plenitude é alcançada por meio da combinação delas entre si e com as
regras de julgamento e regras primárias, das quais todas dependem num sistema lógico bem
claro e definido.
Entretanto, e este é o ponto, qual o fundamento da norma fundamental (que
fundamenta as demais) de Kelsen e qual o fundamento (razão de existir) do âmbito interno
das regras primárias e secundárias de Hart? A função da norma de kelsen é “purificar” o
sistema normativo artificialmente. Hart parte de um conceito ético-moral de autocondução
das pessoas em obediência voluntária às regras (ponto de vista interno) como fundamento
de todo o sistema.
Logo, o positivismo de Kelsen está fundamentado valorativamente no próprio
sistema normativo, visto como “algo bom”, e o positivismo de Hart, embora este evite
esclarecer, está fundamentado nos valores éticos pessoais das pessoas em plano individual
e coletivo que obedecem voluntariamente às regras como “razão” primária de delas
existirem, logo tais valores-éticos fundamentam o âmbito interno das regras do direito de
Hart, não necessitando apelar a figuras lógicas e metafísicas como Kelsen.
Hart, por meio de primeiro exemplo, explica o âmbito externo individual da
norma vista como mera ameaça. No segundo exemplo, Hart, explica pressão social como
composição importante do âmbito interno das obrigações. Explica que perante o âmbito
externo, interpretam as regras como meros sentimentos de pressão ou cálculos de
consequências ruins. No terceiro exemplo, Hart explica a voluntariedade individual e
coletiva em cumprimento das regras pelos indivíduos como razão das regras em seu âmbito
interno.
Nome do aluno: Francisco Saldanha Lauenstein

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