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Introdução ao Direito e Direito Laboral

Ano letivo 2022-2023

Para o estudo da matéria de Introdução ao Direito deverão ser estudadas as


páginas 7 a 27, 33 a 58, 75 a 103, 137 a 172 e 286 a 323 do manual «Noções
Fundamentais de Direito» de Manuel Fernandes Costa que está no Inforestudante.

1 - O Homem, a Sociedade e o Direito


Tópicos:
A Natureza social do homem

a) «O homem é um animal político»: Aristóteles;

b) a sociabilidade é inata ao Homem;

c) o mundo animal e o mundo cultural, produzido pelo homem; nomeadamente o


mundo institucional: o direito como uma instituição cultural

d) a necessidade do direito: a paz e a vida em comum exigem institucionalização


de regras.

2 – O Direito e outras ordens normativas (conjuntos coerentes de normas)

Coexistem com o Direito várias outras ordens normativas

Necessidade de existirem regras na vida em comum; necessidade de regulação de


comportamentos.

a) Normas de religião
âmbito subjetivo: os crentes; as regras de religião são também regras de conduta: os
mandamentos da lei cristã, ou do Corão, por exemplo.
Mas as sanções para quem não cumpre os preceitos da religião não podem utilizar o
Estado e os aparelhos repressivos públicos (polícias, tribunais, etc.): esta é – desde já

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se afirma – a característica que permite distinguir o ordenamento normativo jurídico dos
demais ordenamentos normativos.
O direito canónico católico também prevê penas: a excomunhão, por exemplo; ou o
conceito de pecado. De igual modo no Corão: existem ainda nos nossos dias Estados
religiosos muçulmanos, em que o poder político e o poder religioso se misturam, sem
que exista distinção entre Estado e Religião.

b) Normas de uso social ou de cortesia

Por exemplo, dar esmolas a pobres ou dar o lugar no autocarro a uma pessoa idosa ou
a uma senhora grávida.
São normas impessoais e coativas (ou seja, o seu desrespeito ativa um certo tipo de
coatividade social, de afetação do prestígio, da dignidade pessoal, implicando, quiçá,
marginalização).

Atenção: Há casos de usos que adquirem juridicidade (ou seja, valor de norma jurídica),
desde que como tal consagrados expressamente na lei: é, por exemplo, o caso dos usos
laborais (ex: remuneração em espécie, feriado no aniversário, gorjeta, etc.) que
assumem um papel importante como fonte específica do Direito do Trabalho, tal como
referido no artigo 1.º do Código do Trabalho. Ai se pode ler que «O contrato de trabalho
está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho,
assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé». Exemplos de
usos laborais: artigo 218.º, 234.º, 885.º, n.º 2, o Direito do Trabalho.

Efetivamente, este artigo do Código do Trabalho consagra expressamente a regra que


vem do Código Civil – artigo 3.º «Valor jurídico dos usos» que nos diz, no seu n.º 1, que
«os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis
(ou seja, valem como norma jurídica), quando a lei o determine».
Veja-se, por exemplo, o artigo 234.º: o valor concludente da conduta do declaratário por
força dos usos (ex: compras no supermercado sem qualquer contacto verbal).

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c) As normas de moral ou de ética
Podem ser considerados imperativos de consciência;
Podemos falar de uma moral geral e de deontologia profissional (regras específicas para
o comportamento de certos profissionais, normalmente os designados «profissionais
liberais» - médicos, advogados, psicólogos, arquitetos, etc.) e que estão frequentemente
elencadas em Códigos Deontológicos;

Contudo, se cotejarmos a Moral (ou Ética) com o Direito verificamos que há muitos
aspetos comuns:
o Direito, porque disciplina a ação humana, também tem em conta fatores internos da
pessoa, quer dizer, fatores psicológicos, que condicionam a sua atuação: a culpa, o
dolo, o temor, a reserva mental, a intenção, a boa fé são noções que remetem para
predisposições psicológicas das pessoas às quais a ordem jurídica – quer dizer, o
Direito – dá relevo: por exemplo: o intuito de enganar referido no artigo 240.º do Código
Civil1 (simulação) ou no artigo 244.º (reserva mental), declarações não sérias (245.º),
dolo (253.º), coação moral (255.º) e mesmo as situações de incapacidade acidental
(257.º). Veja-se também a culpa na formação dos contratos (227.º) ou a culpa na não
receção da declaração pelo destinatário (224.º).

Por outro lado, podemos encontrar, na vida jurídica, vários momentos em que a solução
justa de um conflito de interesses, ou o comportamento juridicamente correto dos
sujeitos jurídicos, ou mesmo dos operadores judiciais, terá uma base de justiça moral
(ex: dever de contraditório, presunção de inocência do arguido; proibição da
retroatividade, publicidade dos atos; prazos para a prática de atos ou para o exercício de
direitos, prazos de prescrição e de caducidade etc., etc.).

Conclusão: há uma grande coincidência de conteúdos entre as normas jurídicas e as


normas de moral, exs.: artigos 953.º e 2196:º, relativos à nulidade de disposições
testamentárias e de doações ao cúmplice de adultério; artigos 970.º, 974.º. relativos à
revogação da doação por ingratidão.

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Daqui em diante as normas referidas pertencem ao Código Civil. Onde assim não seja será feita a devida
menção.

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Como distinguir, então, as normas de direito das outras normas de conduta?

Distinção entre Direito e outras ordens normativas.

Afinal, o que permite distinguir a ordem normativa jurídica (o conjunto de normas


jurídicas que designamos, habitualmente, por Direito), dos demais conjuntos de normas
pelas quais as pessoas também regem a sua vida?

a) critério teleológico (teleos, em grego, significa o objetivo, o fim a atingir): um


primeiro critério é o que afirma que as normas jurídicas têm uma finalidade de natureza
social enquanto as demais normas têm finalidades de natureza pessoal: é um critério
insatisfatório pois que o inverso é verdade também, ou seja, o cumprimento de normas
de ética, moral, religião, também têm uma finalidade de permitir o estabelecimento de
boas relações entre as pessoas, de uma certa pacificação da sociedade.

b) O critério da exterioridade versus interioridade das normas respetivamente


jurídicas e dos demais ordenamentos. Este critério é também insuficiente: as normas de
moral não são apenas opções individuais; pelo contrário, também determinam que as
pessoas tenham certos comportamentos, os quais se refletem, de uma forma geral, na
vida em sociedade. O aspeto externo expressa-se em «fazer o bem» «de boas
intenções está o inferno cheio»; por seu lado, o Direito também valora o aspeto interno,
psicológico, do comportamento: veja-se o que se disse acima;

Nenhum destes critérios permite efetuar de forma determinante essa distinção: o único
critério que permite distinguir a norma jurídica das normas de outros ordenamentos
normativos é a coercibilidade da norma jurídica, ou seja, a violação da norma jurídica
tem como consequência uma sanção de um certo tipo específico: trata-se de uma
sanção que é aplicada pelo poder do Estado e dos outros entes públicos, pela força
pública.

(Noções Fundamentais de Direito; Manuel Fernandes Costa, pág. 18 e segts.)

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Os dois sentidos da palavra «Direito»

«Direito» em sentido objetivo: é o conjunto de normas que impõem condutas sociais e


cujo cumprimento é garantido pela coerção da força pública.
É esse, essencialmente, o objeto do nosso estudo.

Pode também utilizar-se a palavra «direito» em sentido subjetivo: é poder jurídico que
uma pessoa tem de livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento
positivo ou negativo ou de, por ato de livre vontade produzir determinados efeitos
jurídicos que se impõem a outra pessoa.

Para melhor explicar esta distinção é comum lembrar que, no direito inglês se utilizam
duas palavras diferentes, «law» e «right» a primeira para nos referirmos à ordem
jurídica, ou seja, ao Direito em sentido objetivo, ao conjunto de todas as normas
jurídicas, e o segundo para se referir a cada um dos vários poderes jurídicos subjetivo
que cada pessoa tem.

Analisemos, de novo, a noção de direito subjetivo:


1 - poder reconhecido pela ordem jurídica (direito em sentido objetivo),
2 - de exigir ou pretender (obrigações naturais, mera pretensão de cumprimento: artigo
402.º do CC) de outra pessoa um determinado comportamento positivo (facere) ou
negativo (non facere)
3 - ou de, por ato de livre vontade, (integrado, ou não, por ato de autoridade pública -
decisão judicial), produzir efeitos jurídicos que inevitavelmente se impõem a outra
pessoa: direito potestativo).

Pode dizer-se que os direitos subjetivos (em sentido amplo) incluem direitos subjetivos
em sentido estrito e direitos subjetivos potestativos

Os direitos subjetivos em sentido estrito são os direitos reais (domínio), os direitos de


crédito (prestação) e os direitos de personalidade. Ao direito subjetivo em sentido estrito
corresponde um dever jurídico.

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Os direitos subjetivos potestativos são poderes de produzir efeitos jurídicos na esfera
jurídica de outrem (constituição de servidão de passagem, resolução de contrato de
trabalho), sem que essa pessoa possa opor-se, sem depender da vontade de aceitação
dessa pessoa.
Ao direito potestativo corresponde uma situação de sujeição (o sujeito passivo nada
pode fazer contra o exercício pelo sujeito ativo desse tipo de direito).
(Os direitos potestativos podem ser constitutivos: cria-se uma nova relação jurídica (ex:
servidão de passagem: 1550.º; comunhão forçada em paredes confinantes: 1370.º;
direitos de preferência: 1380.º, 1409.º, 1499.º, 1535.º e 1555.º), modificativos: pedido
de separação de bens (1767.º), mudança da servidão (1568.º) ou extintivos: pedido de
divórcio (1773.º); resolução de contrato (ex. 1047.º CC), denúncia do arrendamento
(1055.º), revogação do mandato (1170.º);

Por exemplo, no direito do trabalho a resolução do contrato (pelo trabalhador – 394.º CT


– ou pelo empregador – despedimento – 351.º - está sujeito a condicionamentos e
pressupostos legais, que se explicam pela importância social da relação laboral…).

Embora muitas vezes tratadas como direitos subjetivos, as faculdades (ou poderes jurídicos «stricto sensu») não são direitos
subjetivos porque não existe uma contraparte vinculada a um dever jurídico): faculdade de testar, faculdade de contratar, etc.

Devemos referir igualmente os poderes-deveres ou poderes funcionais (direitos subjetivos especiais na medida em que são direitos-
deveres, ou seja, quem os têm está obrigado a usá-los)
Por exemplo, o poder-paternal; as responsabilidades parentais, a tutela e o poder de direção do empregador no âmbito da relação do

contrato de trabalho.

Caraterísticas do Direito (em sentido objetivo)

a) necessidade/socialidade/alteridade: já acima nos referimos ao Direito (ordem


jurídica) como um elemento necessário das sociedades humanas: não há vida em
sociedade sem normas jurídicas, ou seja, sem Direito. Por isso se diz que o Direito é
necessário.

b) imperatividade; (graus de imperatividade): a imperatividade do direito significa


que da norma jurídica, no sentido de que os comandos normativos jurídicos, não podem
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ser de adesão facultativa; as pessoas não podem decidir se cumprem ou não as normas
jurídicas consoante lhes apeteça ou não.

Contudo, como estudaremos, por vezes a ordem jurídica permite que as pessoas, nas
suas relações, estabeleçam regras próprias, pontuais, em contratos que entre elas
celebrem, desde que essas regras não sejam contrárias às regras estabelecidas na lei.
Por exemplo, no direito do trabalho, quando trabalhador e empregador celebram um
contrato, podem estabelecer por acordo entre eles regras que se aplicam à sua relação
laboral: o salário, o horário, o conteúdo da atividade do trabalhador, o local de trabalho,
a progressão na carreira, os benefícios, etc… desde que respeitem as normas legais
sobre essas matérias: veja-se o n.º 4 do artigo 3.º do Código do Trabalho.

Assim, em muitas situações, o Direito define normas supletivas da vontade das partes,
ou seja, essas normas apenas se aplicam no caso de as partes envolvidas nesse
determinado tipo de relação jurídica não tiverem estabelecido regras específicas pelas
quais se propõem reger a sua relação. Veja-se, por exemplo, no Código Civil, os artigos
784.º, 772.º CC; 1717.º, 878.º.

c) coercibilidade: como vimos, ao incumprimento de uma norma jurídica


corresponde uma sanção. Contudo, na verdade, a maioria das pessoas cumpre as
normas jurídicas e não é necessário aplicar qualquer sanção: a aplicação da sanção é
apenas potencial, é uma ameaça para as pessoas cumprirem as normas;

d) estatalidade:
As normas jurídicas são produzidas por órgãos do Estado. Os principais atos normativos
são as leis, produzidas pela Assembleia da República e os Decretos-Leis, produzidos
pelo Governo.
(como atos normativos devemos referir igualmente os Decretos-Legislativos Regionais,
produzidos pelas Assembleias Regionais, órgãos das Regiões Autónomas (Açores e
Madeira) com poderes legislativos. Vide, a este respeito, o artigo 112.º da Constituição
da República Portuguesa.
Esta característica do Direito merece os desenvolvimentos que se seguem.

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O Direito e o Estado
O Estado é a forma de Organização Política de uma comunidade. Portugal é um
Estado. Nos termos do artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa de ora em
diante designada «CRP») Portugal é um Estado-de-Direito democrático.

A Política
Em qualquer comunidade humana se colocam problemas de «poder». O exercício do
poder numa sociedade é o pressuposto do fenómeno político.
As decisões tomadas em nome de todos, e a todos impostas, pressupõem organização;
pressupõem poder/autoridade.

Esses órgãos de autoridade pública impõem comportamentos, quer através da emissão


de normas, quer através de decisões concretas.
Um aspeto muito importante do exercício do poder é a sua legitimação, quer dizer, a
atribuição de poder a determinados sujeitos dentro de uma sociedade tem de ter o
acordo de todos, porque todos reconhecem que é necessário e que é bom que o poder
esteja nas mãos de alguns, escolhidos.
Como veremos, a própria obediência e o respeito pelo poder por parte dos destinatários
desse poder pressupõe que o reconheçam como legítimo, como válido.

A forma de legitimação do poder é o reconhecimento, pelos seus destinatários, de que o


seu exercício é funcionalizado ao «bem comum»: é o que se designa por finalidade
social do poder político.

Os fins ou objetivos do poder são os da sociedade global (sociedade «política») e não os


de grupos ou sociedades primárias (sindicatos, associações, etc.) dentro dessa
sociedade.

A noção de poder público pressupõe, por isso, a garantia de independência em


relação a valores ou fins exteriores (religiosos, económicos, culturais, etc.).

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O «bem comum» é o elemento agregador – coesão social- de todos os membros da
sociedade; porque é um «projeto coletivo» consegue o «consenso social» que é, afinal,
a legitimação do poder.

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO e do PODER PÚBLICO


De forma resumida, procuraremos dar uma ideia das grandes fases da evolução histórica da Organização
do Poder Político ou da «Administração Pública».
Utiliza-se, aqui, a expressão «Administração Pública» num sentido muito amplo, significando todas as
formas de organização política em vista da realização dos interesses de uma certa comunidade.

OS ELEMENTOS DO ESTADO

Como elementos estruturantes do conceito de Estado é usual apontar-se o território, o


povo e a soberania. Vejamos:

a) O TERRITÓRIO
O território é um espaço fechado mas não tem que ser contínuo (há vários Estados que
contêm arquipélagos, como é o caso de Portugal). O território é demarcado por uma
linha, fechada e fixa, que é a linha de fronteira. Estas têm na sua formação vicissitudes
históricas e que assenta num reconhecimento internacional e no acordo entre Estados
vizinhos. Muitas vezes as linhas de fronteira seguem linhas de demarcação natural.
Porém, na base da demarcação territorial está o princípio da efetividade: o Estado tem
de exercer efetivo domínio sobre o seu território, obtendo, em simultâneo, o
reconhecimento internacional.
Nos Estados litorais a linha de costa não é a linha de fronteira: no território inclui-se,
ainda, o mar territorial. O mar territorial evoluiu das 3 milhas (distância do tiro de canhão,
no direito internacional público clássico) às 12 milhas atuais.
Ao território pertence ainda a plataforma continental que é o subsolo até ao talude
continental, geralmente até aos 200 metros de profundidade fora do mar territorial.
Hoje assume muita importância, nos Estados litorais, a Zona Económica Exclusiva (ZEE)
até às 200 milhas; trata-se das águas marítimas sujeitas a um aproveitamento
económico exclusivo. Portugal é dos Estados que, proporcionalmente, tem uma maior
ZEE.

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O território é a base do poder; é o espaço geográfico delimitado onde se exerce o poder
do Estado. Delimita o âmbito espacial da ordem jurídica de um Estado.
O Direito de um certo Estado só se aplica num determinado território e aplica-se, em
exclusivo, nesse território.
Este princípio da territorialidade do Direito significa que as normas de um Estado se
aplicam a todas as pessoas e coisas situadas no seu território. Não significa uma
necessária reciprocidade entre nacionais e estrangeiros (há certos direitos,
designadamente de participação política e de voto, que só aos nacionais pertencem, e
certos deveres (serviço militar obrigatório, quando exista) que só àqueles cabem.
Por outro lado, no território só o poder do Estado se exerce, e de mais nenhuma
autoridade externa. Porém, também esta faceta do princípio da territorialidade comporta
exceções, pois o Estado pode comprometer-se em pactos internacionais que conduzam
ao estacionamento de tropas, ou a bases aéreas, ou ainda, no plano diplomático, à
localização de funcionários diplomáticos.
Um aspeto que, atualmente, leva, necessariamente, a questionar a extensão do princípio
da territorialidade estadual é a pertença a organizações internacionais, como a União
Europeia.
O Direito da União Europeia implica que o território nacional seja concebido como
território da União, no qual o Direito da União tem primado sobre o Direito nacional.
Pode afirmar-se, é claro, que o poder das organizações internacionais no território
nacional e sobre os cidadãos nacionais é um poder consentido e que um Estado-
membro, ou Estado-parte, pode sempre retirar-se dessas organizações internacionais.
Todavia, o mundo do «juridicamente possível» nem sempre corresponde ao que é, na
prática, viável.

b) O POVO
Elemento do Estado é também a comunidade (conjunto de pessoas singulares,
cidadãos) organizada politicamente: existe para o povo e por causa do povo.
Para alguns, o Povo é a população do Estado, no sentido de os «residentes» no
território. Talvez mais preciso seja dizer os nacionais (aqueles que detém a
«nacionalidade» do respetivo Estado) pois que há muitas pessoas que residem em
Estados mas não são nacionais desses Estados.
Em geral, de entre os residentes, apenas aos nacionais estão reservados certos direitos
– direitos de plena cidadania e participação política (designadamente de votar e de ser

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eleito). No fundo, tal significa que só os nacionais podem «dispor» dos destinos do
Estado.
É certo, mais uma vez o recordamos, que hoje, em relação aos cidadãos da União
Europeia existe uma cidadania europeia, quer dizer, um conjunto de direitos que são
oponíveis por qualquer cidadão de um Estado-Membro da União a qualquer outro
Estado-Membro ou a uma instituição da União.
Ora, o vínculo relevante, para a determinação do «povo» de um Estado é, pois, o da
nacionalidade.
A este respeito, tradicionalmente, os direitos nacionais elaboram as suas normas nesta
matéria conjugando dois critérios: o ius soli e o ius sanguinis. De acordo com o primeiro
critério a nacionalidade é atribuída a quem nasce no território do Estado; de acordo com
o segundo tal estatuto é reconhecido a quem é filho de um nacional do Estado.
A adoção de um ou de outro critério, ou dos dois de forma mitigada, obedece a
estratégias políticas: um país de imigração que queira assimilar os imigrantes adota o
critério do ius soli; mas se quiser dificultar essa assimilação adota o critério do ius
sanguinis, tal como um país de emigração que pretenda manter o seu potencial humano.
O nosso país admite a plurinacionalidade; a lei impede que se retire a nacionalidade; um
português só deixa de o ser se tiver outra nacionalidade e declarar que não quer
continuar a ser português (artigo 8.º da Lei 37/81, 3 de Outubro, alterada pela Lei
Orgânica n.º 2/2018, de 05/07, pela Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29/07, pela Lei Orgânica
n.º 8/2015, de 22/06, pela Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29/07, pela Lei n.º 43/2013, de
03/07, pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04, pela Lei Orgânica n.º 1/2004, de 15/01,
pela DL n.º 322-A/2001, de 14/12 e pela Lei n.º 25/94, de 19/08).

Deve, ainda, salientar-se que o conceito de Nação - conjunto de indivíduos unidos por sentimento de comunidade, língua, história,
cultura – distingue-se do conceito de Povo como elemento humano do Estado. Trata-se de um conceito de ordem cultural que, muito
frequentemente, não coincide com o conceito de Povo: há Estados que integram mais do que uma Nação: e.g., a Rússia, a Bélgica;
assim como se pode encontrar nações divididas por mais do que um Estado: alemães antes da unificação, bascos, etc.
A comunidade internacional tende a reconhecer o princípio das nacionalidades ou princípio do Estado-Nação, com o sentido de que
a cada Nação deve corresponder um Estado. Este princípio está na base da autodeterminação dos povos (nações) que se tem

manifestado de forma intensa desde o fim da 2ª Guerra Mundial.

Uma realidade que merece referência é a das minorias nacionais (e.g., tiroleses do sul na Itália, bascos e catalães, casos de vários
países em África, curdos, ciganos) que são merecedoras de respeito e direito de participação, mesmo em Estados democráticos,

onde vigora a regra das decisões maioritárias.

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c) SOBERANIA
A Soberania é o poder unificado e homogéneo, que resulta do processo de
concentração do poder acima referido. É um poder supremo, no plano interno, porque
não depende de ninguém para fazer e impor as leis pelas quais, num determinado
território, um povo se há-de reger. Num plano externo é um poder independente.
A teoria da soberania do Estado é desenvolvida por Jean Bodin nos «Six Livres de la
Republique» de 1576. Foi, por esse autor, nessa época histórica, apresentado como um
poder sobre todos os súbditos, e que não está condicionado pelas leis, nem por
elementos externos. Tratou-se de uma teoria desenvolvida para fundamentar a
autonomia do rei relativamente ao Papa, do poder político em relação ao poder religioso.
Importa compreender que a teoria da soberania de Jean Bodin está historicamente
situada e se alicerçava, ainda, numa certa personalização do poder do monarca, e
serviu de base às teorias «absolutistas» (vide infra).
Contudo, aperfeiçoada a teoria da soberania, e reportada à forma de organização
política institucional que é o Estado atual, traduz-se ela em duas notas fundamentais:
Significa, por um lado, num plano interno, que o Estado detém a «competência das
competências», ou seja, a autoridade máxima para definir, dentro do seu território, as
competências dos seus vários órgãos, quer dizer, para se auto-organizar. E este poder
de auto-organização revela-se na prerrogativa de se dotar de um Constituição, uma Lei
Fundamental, que se impõe a todos os poderes internos e que define a extensão destes
e, em simultâneo, os limites de cada um. O «poder constituinte» representa, assim, no
plano interno, a expressão da soberania.
Num plano externo, relativo a poderes externos ao Estado, a soberania significa o
reconhecimento de um poder originário do Estado, não dependente e não delegado por
qualquer poder externo superior.

A «unidade de poder» do Estado está, nos dias de hoje, num Estado-de-Direito


Constitucional, distribuída por vários órgãos.

Entende-se, todavia, que esta ideia de «poder único» do Estado é compatível com a
«divisão de poderes», ou seja, com a separação de funções de soberania entre vários
«órgãos de soberania»: função legislativa, executiva e judicial e órgãos legislativos,
executivos e judiciais (divisão horizontal).

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Essa mesma «unidade de poder» é, igualmente, compatível com uma divisão vertical
de poderes, como, por exemplo, entre poder central e poderes regionais e/ou locais, ou
entre governo federal e governos federados (nos Estados federais).

Adiante-se, ainda, que o reconhecimento da soberania dos Estados não significa que
esta não encontre limites.

Encontra limites de facto, quer dizer, o poder do Estado está limitado, por exemplo,
pelas suas capacidades económicas, pelo seu poderio militar ou tecnológico, ou mesmo
pelos valores éticos da comunidade que lhe serve de base, e que o impedem de
desenvolver plenamente opções, estratégias ou atribuições que pudesse, em abstrato,
assumir.
Por outro lado, o Estado encontra-se comprometido em relações internacionais, pactos,
relações de interdependência, que fazem com que o seu poder, na prática, esteja
sempre limitado, em maior ou menor medida, pelos poderes dos outros Estados.

No plano jurídico a soberania exerce-se nos termos definidos na Constituição: um


Estado-de-Direito é, antes de mais, um Estado em que o poder supremo está limitado
por esse texto jurídico fundamental.

Todavia, se falamos de soberania como um poder supremo e uma «competência das


competências», tal significa reconhecer que, no limite, as auto-vinculações a que se
submete o poder soberano são derrogáveis: uma Constituição é sempre revisível; o
poder constituinte soberano pode, a qualquer altura, mudar «as regras do jogo». Foi o
que aconteceu nas «revoluções» ou nas situações de «ditadura», de que a segunda
metade do século XX nos deu tantos e tão tristes exemplos.
É por essa razão que hoje se defende que existem limites suprapositivos, ou seja,
condicionamentos ao exercício da soberania dos Estados, que estão acima de qualquer
texto legal, que constituem uma espécie de «direito natural» ou de «princípios jurídicos
fundamentais» os quais, em última instância, radicam na ideia fundamental de
«dignidade da pessoa humana».

Essa ideia fundamental exprime-se, hoje, em vários textos de origem internacional de


cariz vinculativo que estabelecem, defendem e promovem os «direitos humanos».

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Trata-se, é certo, de convenções internacionais, baseadas no compromisso voluntário
dos Estados de se limitarem nos seus poderes internos para respeitarem as normas
destes Tratados. Representam uma compressão da soberania que se impõe ao próprio
poder constituinte, ou seja, as próprias normas das Constituições dos Estados devem
sempre respeitar os direitos humanos, nas várias vertentes que estes apresentem.

A CONSTITUIÇÃO
A Constituição é o modo como cada Estado se acha «constituído» ou «formatado».
Ao documento jurídico, dotado de um particular formalismo, que traduz, de forma
expressa, através de um conjunto de normas jurídicas fundamentais, a unidade de
sentido que é o Estado (conjunto de todos aqueles elementos referidos), definindo os
princípios basilares da sua organização e o estatuto dos membros dessa comunidade,
chama-se Constituição «escrita» ou Constituição «jurídica».
A Constituição escrita surge, historicamente, como um instrumento de controlo do poder
absoluto.
Na consagração, numa norma escrita fundamental, da «separação dos poderes»
radicava a garantia da liberdade dos cidadãos perante quem exercesse o poder nesse
Estado.
Há que explicar que, como vimos atrás, a partir do momento em que, num plano
histórico, podemos falar do surgimento do Estado enquanto forma de organização
política, devemos, consequentemente, falar de Constituição de um Estado, no sentido de
amálgama uniformizadora dos três elementos que acima referimos.
Porém, só a partir do último quartel do séc. XVII é que se desenvolveu o movimento
político no sentido de se produzir uma «Constituição escrita», como forma de
salvaguarda das liberdades individuais face ao poder.
A constituição é, hoje, um parâmetro de legalidade – leia-se de «constitucionalidade» -
da legislação (poder legislativo) e da atuação dos titulares dos órgãos de governo de um
Estado (poder executivo).
No plano da maior ou menor abertura à mudança social pode dizer-se que uma
constituição de um Estado é mais rígida ou mais flexível quanto mais difícil ou mais fácil
seja introduzir alterações ao seu texto.
É preciso explicar que uma Constituição de um Estado, sendo a Lei Fundamental do seu
funcionamento, não deve poder ser modificada tão facilmente como qualquer outra
lei. São impostos condicionalismos específicos à sua alteração, por exemplo, em termos

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de prazos, de processo de revisão, de exigência de uma maioria parlamentar alargada.
(284.º a 289.º da CRP) Por outro lado, são ainda impostos limites materiais, ou seja,
certas matérias que não podem ser alteradas, que constituem como que o «núcleo
duro» da Constituição. Por isso a CRP é apontada como uma constituição semi-rígida;
(rígida, semi-rígida, flexível).

AS FUNÇÕES DO ESTADO
As funções do Estado são atividades típicas desenvolvidas pelo Estado para
prossecução dos fins essenciais da comunidade (Fins do Estado).
É usual na doutrina uma classificação das funções do Estado segundo o critério da sua
relação com a Constituição.
Certas funções representam uma execução direta da Constituição, ou seja, da
determinação dos fins do Estado feita no texto da lei Fundamental: estas são
designadas por funções de 1.º grau e são a função legislativa e a função política.
Outras funções vêm o seu conteúdo determinado indiretamente pela Constituição, na
medida em que, entre elas e esta se interpõe a lei, ou seja, a função legislativa. Estas
são designadas por funções de 2.º grau e são a função administrativa e a função
judicial. Realmente, no exercício destas funções os titulares dos órgãos delas
incumbidos estão vinculados pelas Constituição mas também pela legislação ordinária.

Função legislativa
A função legislativa representa a criação de normas ordenadoras da atividade de
entidades públicas e privadas. É uma atividade caracterizada pela generalidade e pela
abstração, ou seja, destina-se a todas as pessoas e define normas com base em
categorias de destinatários. Não se aplica a casos concretos mas a casos-tipo,
desenhados a partir de características comuns. É uma função inovadora no sentido de
que inova, ou seja, cria a disciplina primária, inicial, de todos os quadros de relações
jurídicas (apenas limitada pela Constituição).

Função política
A função política é também uma função de 1.º grau. O seu conteúdo é mais difícil de
concretizar uma vez que não lhe corresponde uma categoria homogénea de atos.
Será o conjunto de atos concretos, praticados por órgãos constitucionais, quando atuam
no uso de poderes conferidos diretamente pela Constituição e obedecendo apenas às

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determinações desta. Por exemplo, o veto de um diploma, a convocação de eleições, a
dissolução do parlamento, a declaração de guerra, etc. 

Função administrativa
A função administrativa é uma função de 2.º grau. É a função típica do Estado-
Administração e inclui atividade jurídica da Administração (regulamentos, atos
administrativos e contratos administrativos) e a atividade técnica da Administração (aqui
se incluem as ações materiais ou concretas, como a construção de estradas, o
abastecimento de água, prestação de cuidados de saúde, etc.).
A atividade jurídica da Administração, tripartida entre o regulamento, o ato administrativo
e o contrato administrativo, tem, no primeiro caso, um alcance geral e abstrato, tal como
sucede com a legislação, mas é produzida por órgãos administrativos, não por órgãos
legislativos, e terá sempre de respeitar a legislação (em regra para desenvolver
tornando-a aplicável). Já no caso do ato e do contrato, a atividade administrativa,
sempre em obediência à Constituição e à legislação, tem um alcance concreto, visa uma
situação determinada.

Função jurisdicional
Finalmente, como função de 2.º grau, temos a função jurisdicional.
Esta função, desempenhada pelos tribunais, visa a resolução de questões de direito, de
conflitos entre posições jurídicas, seja entre particulares (pessoas singulares ou
coletivas de direito privado) seja entre particulares e entidades públicas, seja mesmo
entre entidades públicas.

ALGUNS PRINCÍPIOS GERAIS DE ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO NO ESTADO PORTUGUÊS

O PRÍNCIPIO DA UNIDADE DO ESTADO


No artigo 3.º, n.º 1, da CRP pode ler-se que a «a soberania é una e indivisível» ou seja, no Estado português há apenas um só poder
soberano. Todos os atos do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais e de quaisquer outras entidades públicas, não
são válidos se não forem conformes com a Constituição.
Como já se deixou referido acima, a unicidade da soberania do Estado não é afetada pela autonomia político-administrativa das
regiões autónomas. Isso é afirmado pelo artigo 225.º, n.º 3, da CRP.
Como já vimos, também não é pelo facto de o território nacional ser descontínuo, sendo composto por plataforma continental e
arquipélagos, que deixa de ser considerado um só território. Leia-se, a esse propósito, o artigo 5.º da CRP.
Também o Povo português, que constitui o elemento humano do Estado, é um só povo, com uma só cidadania (é o que decorre do
artigo 4.º e 108.º da CRP). Merece citação integral o artigo 108.º da CRP: «O poder político pertence ao povo e é exercido nos
termos da Constituição».

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Porém, é o artigo 6.º da CRP que faz a súmula de todas estas considerações, afirmando, expressamente, o princípio do Estado
Unitário.
Como veremos também o poder soberano é exercido pelos órgãos de soberania que são, nos termos do artigo 110.º da CRP, o
Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.

O PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA


Como é fácil de compreender, nos modelos políticos das sociedades modernas não é possível a participação direta das pessoas nas
decisões políticas.
Como, de resto, não o é nas associações, nas sociedades, nos clubes, nas agremiações do mais variado género.
Pela simples razão de que, por razões práticas, é impossível, dada a quantidade, a complexidade técnica, a frequência, com que se
tem de tomar decisões, que não é possível consultar, ou de alguma forma fazer participar, todos os membros da coletividade.
Ora, esta constatação prática da impossibilidade de todos participarem em todas as decisões leva ao abandono de formas de
democracia direta (com exceção, como veremos, do referendo) e à necessidade de escolha de representantes para o exercício do
poder. Nisto reside o princípio da democracia representativa.
Nas sociedades democráticas, o exercício dos poderes políticos assenta na escolha de representantes através do processo mais
comum que é a eleição.
Há, é certo, outros processos de designação dos titulares, como a hereditariedade dinástica ou a cooptação, mas, para que
estejamos perante um Estado democrático, é necessário que um tal processo coexista com o processo eleitoral (veja-se as
monarquias parlamentares europeias) o qual deve ter um lugar central e proeminente.
Em Portugal, os órgãos de soberania que participam no exercício do poder político (que podem praticar atos incluídos naquela
função que referimos como função política) são eleitos: é eleito o Presidente da República (121.º CRP), os deputados à Assembleia
da República (149.º) os quais, por sua vez, determinam a escolha do Governo (187.º e 190.º).
Já os juízes dos Tribunais são titulares de órgãos de soberania que não são eleitos (constituem uma magistratura independente e
imparcial, artigo 216.º) mas o certo é que também não exercem poderes políticos.

O PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA


A consagração do princípio da representatividade não deve reduzir a democracia ao exercício do direito de voto, de quatro em quatro
anos, permanecendo o povo afastado dos assuntos da governação entre as datas das eleições.
Os cidadãos não participam na vida política apenas através do sufrágio, mas também através das «demais formas previstas na
Constituição» (10.º, 48.º, e 109.º).
Deve existir uma relação permanente entre governantes e governados e a democracia exige uma participação direta e ativa dos
cidadãos na vida política.
Esta participação faz-se de várias formas:
Em primeiro lugar através do exercício dos direitos cívicos e político
Por outro lado, uma forma muito importante de participação na vida política dá-se através dos partidos políticos. A tal ponto que o n.º
2 do artigo 10.º refere que os partidos concorrem para a organização e expressão da vontade popular.
Os partidos participam nos órgãos colegiais eletivos, de acordo com a sua representatividade e é-lhes reservado o monopólio da
apresentação de candidaturas para a Assembleia da República e para as Assembleias Legislativas Regionais.
Os partidos têm um papel decisivo na formação do Governo (187.º) na medida em que o Presidente da República deve ouvir os
partidos com representação parlamentar antes de nomear o Primeiro-Ministro. E também no Conselho de Estado (142.º) e no
Tribunal Constitucional (222.º).

O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES


Este princípio determina que as diversas funções do Estado devem estar distribuídas por órgãos diferentes, separados e autónomos
entre si, de forma que a soberania não esteja concentrada numa só pessoa ou entidade.
Como vimos, historicamente, esta ideia surge como reação ao absolutismo político, assente na ideia de que «le pouvoir arrête le
pouvoir».
Nos dias de hoje o princípio foi consagrado na sua dimensão organizatória tripartida, assente na divisão entre função legislativa,
executiva e judicial.
É considerado um dos princípios fundamentais da democracia, sendo negado, obviamente, nos regimes totalitários.

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Enquanto princípio de organização sofreu, ao longo dos tempos, uma evolução.
Por um lado, foi-se assistindo a uma complexificação das relações funcionais entre órgãos, através de uma crescente
interdependência entre órgãos: a mesma função cabe ao Parlamento e ao Governo; ou as decisões tomadas por certos órgãos
necessitam da colaboração de outros órgãos (promulgação das leis pelo Presidente).
Por outro lado, a divisão de poderes é hoje concebível num plano vertical, no sentido de que os poderes públicos não devem estar
concentrados nos órgãos de topo do Estado, mas devem caber a outros órgãos, autónomos e independentes, em regra mais
próximos das populações: é o que resulta dos fenómenos, já aludidos, de regionalização e de descentralização administrativa.
Na Constituição portuguesa, resulta do artigo 110º que está consagrada uma pluralidade de órgãos de soberania que devem
observar, entre si, a separação e a interdependência, tal como estabelecidas na Constituição.
Nos artigos 225.º e 235.º está consagrada a separação vertical de poderes.

OS PODERES LEGISLATIVOS NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA


É muito importante conhecer os vários tipos de atos normativos previstos no nosso
sistema constitucional, com relevo, entre esses, para os atos legislativos, ou seja, os
atos normativos produzidos pelos órgãos com poder legislativo, de acordo com uma
tramitação prevista na Constituição e com respeito por uma divisão de áreas de
competência material.

A HIERARQUIA DAS NORMAS JURÍDICAS


Uma primeira ideia que devemos ter em conta é a de que o sistema normativo se pode,
e deve, conceber, graficamente, como uma pirâmide; é a usualmente designada
«pirâmide normativa». Pretende-se, dessa forma, figurar a existência de uma
hierarquia entre as normas jurídicas e, simultaneamente, a ideia de que há um conjunto
restrito de normas das quais dependem, ou decorrem, todas as outras.
As normas jurídicas proveem de uma variedade de fontes orgânicas (órgãos) e tratam
dos mais variados assuntos. Consoante o órgão autor e a matéria tratada pelas normas
jurídicas, assim varia a sua «importância» hierárquica.
Na verdade, podemos ter, além da Constituição (Lei Fundamental), Tratados
internacionais, leis da AR, decretos-leis do Governo, regulamentos e diretivas da
União Europeia, decretos legislativos regionais, regulamentos da Administração
Central ou Local.
No topo da «pirâmide» normativa está a Constituição: as suas normas e princípios
constituem a base da formação e a garantia da coerência de todo o ordenamento.
Temos, em seguida, um segundo nível (que se pode designar por nível legal) onde
encontramos todos os atos legislativos e normas equiparadas: (tratados
internacionais e normas da União Europeia).

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Para a correta apreensão das relações entre estas várias normas devemos ter em conta
o artigo 112.º da CRP, mas também o seu artigo 8.º.
Mesmo dentro deste nível podemos encontrar relações de prevalência, por exemplo, as
leis de valor reforçado, leis orgânicas, leis de bases ou leis de autorização têm
prevalência sobre os decretos-leis) e normas de valor equiparado (tratados e normas da
união Europeia).
Tal o que decorre do artigo 112.º, n.º 2, «as leis e os decretos-leis tem igual valor, sem
prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso
de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes
jurídicos».
Temos, depois, o nível das normas administrativas. Como já vimos acima, os órgãos
administrativos têm a competência para produzir normas, incluídas em atos normativos
designados por regulamentos. Tanto o Governo, como os demais órgãos da
administração pública têm esse poder. Os regulamentos são a forma de atuação
normativa da administração pública (a par do ato administrativo e do contrato público).
Portugal é Estado-Membro da União Europeia. Daqui decorre que as normas de Direito
da União Europeia obrigam o Estado, ou seja, vinculam que o poder legislativo quer o
poder executivo nacional.

No Direito da União Europeia distingue-se um nível primário que é composto pelas


normas dos próprios Tratados e um nível secundário, no qual encontramos as normas
produzidas pelas instituições da União Europeia: são eles os regulamentos da UE e as
diretivas.
A propósito do Direito da União Europeia a questão que se coloca é a da posição
hierárquica a ocupar pelas suas normas na «pirâmide» normativa nacional, porquanto
admitir que tal posição é superior à da Constituição seria considerar hipotecada a
soberania nacional. Contudo, uma vez que compromisso da adesão de um Estado à
União é o de se envolver na criação de um mercado único, onde primam as liberdades
de circulação, estabelecimento, de concorrência sem constrições protecionistas, tem
entendido o Tribunal de Justiça da União Europeia que, em caso de conflito entre
normas da união e normas nacionais, sejam elas de que hierarquia forem, devem
prevalecer as normas da união: é o Princípio do primado. Assim, para evitar conflitos, o
que ocorre é que os Estados procuram antecipar-se, procedendo às revisões das suas
Constituições para evitar conflitos. Foi o que aconteceu em Portugal com a aprovação

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do Tratado de Maastricht e as regras sobre a criação da moeda única e do Sistema
Europeu de Bancos Centrais.

FONTES DO DIREITO

A questão subjacente a este título remete-nos para as seguintes perguntas: ao longo da


história, e em cada país, onde podemos encontrar as normas jurídicas, quem produz as
normas jurídicas, o que origina as normas jurídicas e de que forma são produzidas as
normas jurídicas.
Cabe, por isso, dizer que se pode falar dos vários sentidos da expressão fontes do
direito:
a) sentido instrumental;
b) sentido orgânico;
c) sentido material;
d) sentido formal;

Em sentido instrumental, a expressão fontes do direito refere-se aos documentos, aos


códigos, aos jornais oficiais (por exemplo, em Portugal é o Diário da República) mesmo
em suporte informático – Diário da República Eletrónico – ou outras bases de
informação normativa, associadas a Institutos Públicos, a Ministérios, a Autarquias
Locais, os Boletins municipais, etc. São, pois, os instrumentos que utilizamos para tomar
conhecimento das normas jurídicas.

Em sentido material diz-se fonte de Direito qualquer acontecimentos de ordem política,


económica, social, cultural, etc., que tenha dado origem à produção de normas: por
exemplo, a epidemia da Covid 19 originou uma vasta produção normativa visando impor
comportamentos e restrições e, por outro lado, dando apoios económicos e subsídios a
empresas, etc., etc. O desenvolvimento dos meios de comunicação informática levou ao
desenvolvimento de legislação sobre comércio eletrónico ou sobre proteção de dados
pessoais informatizados.

Em sentido orgânico a expressão fontes do Direito refere-se aos órgãos que produzem
normas: referimo-nos, antes de mais, à Assembleia da República, órgão principal de
produção normativa no nosso país, que produz as Leis da Assembleia da República, ao

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Governo, que produz os Decretos-Leis, às Assembleias Legislativas Regionais, mas
também a qualquer Ministro, que produz normas no âmbito das suas competências, sob
a forma genérica de regulamentos, aos órgãos municipais (Assembleias Municipais e
Câmara Municipais) mas também das freguesias, e a qualquer entidade da
administração pública que, através dos seus órgãos, produz normas jurídicas, de cariz
regulamentar (os Institutos Públicos, como o IPC, por exemplo, ou o ISCAC...), os
órgãos da União Europeia com competência de produção normativa: Comissão
Europeia, Conselho e Parlamento Europeu e demais órgãos europeus (agências).

Finalmente, falamos de fontes em sentido formal, ou seja, as formas pelas quais são
criadas normas jurídicas.
A principal e hoje absolutamente predominante no direito português e nos sistemas
jurídicos ditos continentais (da Europa continental, por oposição aos países anglo-
saxónicos) é a Lei.

De acordo com o n.º 2 do artigo 1.º do Código Civil consideram-se lei «todas as
disposições genéricas provinda dos órgãos estaduais competentes».
Trata-se de uma definição ampla que engloba todos os tipos de atos normativos – atos
jurídicos públicos que contém normas jurídicas – produzidos por qualquer órgão com
competência para tal, como atrás dissemos. Podemos dizer que é lei, no sentido amplo
que aqui utilizamos, qualquer ato normativo, tal como a esses atos se refere o artigo
112.º da CRP.

Veremos que a palavra Lei é também utilizada significando um determinado tipo de ato
legislativo (ato legislativo é um ato normativo com força de lei, de acordo com o artigo
112.º da CRP): aquele que é produzido pela Assembleia da República: Leis da
Assembleia da República.
Resumindo:
Sentidos da palavra «lei»
1.º sentido (mais amplo e usado mais habitualmente)
artigo 1.º, n.º2 do CC (todas as disposições genéricas emitidas por órgão estadual
competente = atos normativos = atos que contém normas jurídicas) = todos os atos
previstos no artigo 112.º da CRP, ou seja, incluindo todas as normas de cariz
regulamentar, ou seja, quer atos contento normas constantes de atos normativos

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produzidos no exercício da função legislativa quer os atos normativos produzidos no
exercício não da função legislativa mas da função administrativa do Estado (Decs.
Regulamentares, Decretos, Despachos, Decretos Conjuntos, Regulamentos vários,
Portarias, Posturas, etc…)
2.º sentido (alcance médio)
Apenas Atos legislativos (112.º, n.º 1, CRP), ou seja, Leis da AR, Decs.Leis do Governo
e Dec.-Legislativos Regionais
3.º sentido (mais restrito)
Apenas a Lei da AR

Justifica-se, neste momento, a análise da Lei sobre publicação, identificação e formulário


dos diplomas – Lei n.º 74/98, de 11/11,
https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_print_articulado.php?
tabela=leis&artigo_id=&nid=1302&nversao=&tabela=leis
Neste momento, a referência a este diploma justifica-se para ilustrar com exemplo de
atos normativos, ou «lei» no sentido amplo que aqui utilizamos.

Outra fonte de Direito em sentido formal é a jurisprudência.

Trata-se das decisões dos tribunais. Em países como a Inglaterra ou os EUA a


jurisprudência é, efetivamente, uma fonte de Direito, uma fez que o conteúdo das
decisões dos tribunais superiores (os Supremos Tribunais) vincula todas as pessoas em
relação a assunto em causa e à forma como decidiram um determinado diferente. Diz-se
que têm força de precedente ou seja, passam a ter que ser seguidas pelos tribunais em
decisões sobre assuntos idênticos que posteriormente lhes sejam submetidos para
decisão.
Contudo, no nosso país, bem como nos demais países da Europa (sistema jurídico
continental) a jurisprudência não é fonte de Direito.

A CRP proíbe expressamente essa possibilidade ao afirmar, no n.º 5 do artigo 112.º que
«nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativo ou conferir a atos de outra
natureza (sentenças judiciais, por exemplo) o poder de, com eficácia externa (ou seja,

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com força vinculativa sobre todas as pessoas) interpretar, integrar, suspender ou
revogar qualquer dos seus preceitos».

Por isso, o artigo 2.º do Código Civil foi julgado inconstitucional e retirado do texto legal;
isto porque os assentos eram acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que resolviam,
com força obrigatória geral, ou seja com força de norma jurídica, um conflito de
jurisprudência (quer dizer, uma discórdia, existente entre os tribunais superiores, entre
duas forma de interpretar uma norma jurídica e de, consequentemente, decidir os casos
sujeitos a tribunal para os quais tal norma fosse convocada)

Na verdade, as decisões dos juízes devem aplicar a lei, essa sim é a fonte de normas
jurídicas. Admitir que os tribunais podem criar atos normativos, ou dar interpretações de
atos normativos que se tornem obrigatórias para todos, seria admitir a violação do
princípio da divisão de poderes, princípio fundamental do Estado moderno e de todas as
Constituições dos países democráticos. Diz a CRP, nos seus artigos 2.º e 111.º refere-
se, expressamente, à separação dos poderes (embora, também, à sua
interdependência).
Se assim é comumente aceite, todavia não deixa de ser verdade que se suscitam as
seguintes questões:
a) muitas vezes, os juízes veem-se confrontados com uma ausência de norma jurídica
para aplicar a um caso que lhes seja submetido para julgar; trata-se de o que se designa
por lacuna. Ora, nesses casos, o juiz pode criar uma norma ad hoc fazendo-o, contudo,
com respeito pelo «espírito do sistema». Mas, como se compreende, não se trata de
uma norma de alcance geral, não se trata de uma verdadeira norma jurídica, mas sim, e
ainda, de uma decisão judicial.
b) por outro lado, ainda hoje o Supremo Tribunal de Justiça pode ser chamado a tirar
acórdãos de uniformização de jurisprudência. De acordo com os artigos 688.º e segts.
do Código de Processo Civil «as partes podem interpor recurso para o pleno das
secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em
contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da
mesma legislação. Não se trata, obviamente, de assentos, porque tal seria
inconstitucional. São, contudo, acórdãos de grande importância prática, uma vez que
estabilizam o entendimento que, de acordo com o tribunal de mais elevada hierarquia do
nosso sistema judiciário se deve ter sobre a interpretação e aplicação de uma

23
determinada norma. Contudo, tal entendimento, apesar de consagrado pelo STJ, não
tem força vinculativa geral, ou seja, não obriga todas as pessoas e todas as entidades,
nomeadamente todos os tribunais, a respeitarem-na. De qualquer forma é imperioso
reconhecer uma grande importância destes acórdãos para a prática jurídica

c) Outro aspeto que poderá levar a questionar a importância da jurisprudência no nosso


sistema jurídico é o que decorre do âmbito de aplicação e da importância material, dos
acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia. É que, de acordo com o Tratado
sobre o Funcionamento da União Europeia e dos princípios jurídicos que dele emanam,
designadamente o princípio da cooperação e o da boa-fé, os acórdãos do TJUE tirados
no âmbito dos processos de reenvio prejudicial, nos quais se interpretem normas de
direito da UE, devem, efetivamente ser considerados vinculativos por todas as pessoas
e em todas as situações em que se suscite a aplicação dessas normas de DUE. Tal
permite-nos avançar que, apesar do que se disse sobre a jurisprudência não ser fonte
de direito no nosso sistema jurídico, do facto de Portugal ser Estado-membro da União
Europeia decorre a necessária importância que temos que atribuir à jurisprudência,
como fonte de Direito da União Europeia e, consequentemente, porque este deve
considerar-se direito nacional, como fonte de direito a ter em consideração na nossa
ordem jurídica.

Outra fonte de Direito de que habitualmente se fala é a Doutrina. Trata-se dos estudos e
opiniões de jurisconsultos, professores de Direito e especialistas sobre questões
jurídicas. Não é, atualmente, fonte de Direito. Mas foi no passado, designadamente no
tempo dos romanos, em que os jurisconsultos decidiam litígios e as suas opiniões eram
seguidas por todos. Apesar de não ser fonte de Direito, devemos ter em conta que as
opiniões dos professores de Direito, dos especialistas e estudiosos são tidas em conta, e
claramente influenciam as decisões dos juízes e as opções dos práticos do Direito
(advogados, solicitadores, etc.).

Finalmente, merece referência outra fonte de Direito em sentido formal que é o


Costume.
Trata-se do processo de criação de normas que hoje, nas sociedades atuais, raramente
se encontra, mas é a forma mais antiga de formação de normas jurídicas. Consiste
numa prática, numa regra de comportamento, num hábito de fazer as coisas ou de

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resolver os problemas que é seguido por todos numa dada comunidade com a
convicção, por parte dos elementos dessa comunidade, de que estão efetivamente
obrigados a segui-lo. Assim, o Costume é composto por dois elementos: o corpus, que é
a prática reiterada e tradicional (a palavra tradição vem do latim tradere, que significa
trazer, … do passado para a atualidade…) e o animus que é a convicção de
obrigatoriedade associada a essa prática.
No nosso sistema jurídico, o Costume não é hoje fonte de Direito: a lei é uma forma
muito mais ágil e rápido de intervir e introduzir modificações no sistema jurídico e que
garante que as normas em vigor num dado país correspondem aos anseios das suas
populações e são por ela aceites (vide supra o que se disse sobre a legitimação). Hoje,
como vimos, um Estado-de-Direito-Democrático exige que as normas em vigor sejam
produzidas por órgãos de soberania, para tanto constitucionalmente legitimados.

Todavia, o nosso direito, em muitos dos seus ramos – e, como veremos, especialmente
no Direito do Trabalho – admite que se reconheça valor normativo aos usos. O artigo 3.º
do CC estabelece que «os usos que não forem contrários aos princípios da boa-fé são
juridicamente atendíveis quando a lei o determine».

Para a nossa disciplina, que incide especialmente no Direito do Trabalho, é muito


importante recordar o artigo 1.º do Código do Trabalho, que se refere especialmente aos
usos laborais.
No Código Civil encontramos muitas referências a usos: artigos 234.º, 560.º, n.º 2, 763.º,
777.º, 885.º, 919.º, 920.º, 921.º, 924.º, 925.º, 937.º, 940.º, 1037.º, 1039.º, 1081.º, 1122.º,
1128.º, 1158.º, 1163.º, 1167.º, 1323.º, 1422.º, 1682.º, 1718.º, 2110.º, 2326.º.

Por outro lado, vemos no Código Civil referências a «costumes», exemplo, no artigo
777.º do CC os «costumes da terra» nos privilégios creditórios sobre a dívida das
despesas de funeral do devedor, o artigo 1400.º do CC refere-se a costumes na divisão
das águas ou, o artigo 1401.º a costumes abolidos. Veja-se ainda o artigo 1718.º sobre
os regimes de bens no casamento.
Note-se que, quer os usos quer os costumes não são Costume: esta palavra designa
uma fonte de Direito que em tempos foi predominante; aquelas expressões referem-se a
práticas habituais e tradicionais que as pessoas seguem, mas sem a convicção de
obrigatoriedade, pois essa obrigatoriedade de seguir o costume vem apenas do facto de

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a lei permitir que tais usos e costumes sejam seguidos como normas jurídicas: ou seja, a
verdadeira fonte de Direito, de normatividade e de obrigatoriedade de respeitar uma
«norma», mesmo sendo uma norma «costumeira» ou «usual», é a Lei.

Também não se pode confundir «costumes» com «bons costumes» artigo 271.º, 280.º,
281.º, 334.º, 340.º, 465.º, 967.º, 1083.º, 1422.º por exemplo, que é uma expressão que
se refere a comportamentos eticamente corretos.

Vamos agora aprofundar algumas ideias relativas à fonte de Direito «Lei» que é, nos
nossos dias e nas sociedades atuais, a fonte de Direito por excelência.

A TIPICIDADE DOS ATOS LEGISLATIVOS


Vale no nosso sistema jurídico o princípio da tipicidade dos atos legislativos: ou seja, só
têm força de lei os atos que a Constituição expressamente qualifica como atos
legislativos. Este princípio encontra-se plasmado no artigo 112.º, nºs 1 e 5 da CRP.

Daqui resulta a inadmissibilidade do referendo legislativo (ou seja, o povo poder exercer
diretamente o poder de legislar) embora seja possível o referendo sobre questões que
devam ser objeto de intervenção legislativa da Assembleia da República ou do Governo
– 115.º, n.º 3).

Por outro lado, como vimos, através de acórdão do Tribunal Constitucional foi declarada
a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 2.º do Código Civil que
previa os assentos, ou seja, acórdãos de fixação de jurisprudência com força obrigatória
geral.

No nosso ordenamento jurídico há uma pluralidade de fontes, em sentido orgânico, quer


dizer, são várias as entidades que podem produzir normas jurídicas.
Por um lado, ao lado do ordenamento normativo nacional, e em plena compatibilidade
com este, temos os decretos legislativos regionais como leis especiais em «matéria de
interesse específico» das regiões. A harmonia do regime jurídico nacional está, todavia,
garantida uma vez que se verifica a subordinação dos atos legislativos regionais aos
princípios fundamentais das leis e dos decretos-leis, pois estes têm âmbito nacional, e à
Constituição.

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Por outro lado, como vimos atrás, existe, no nosso país, um dualismo legislativo: quer a
Assembleia da República quer o Governo podem legislar.

A tradição dos poderes legislativos do Governo, no nosso país, confere ao nosso sistema uma característica pouco comum nos
modelos de organização política europeus. Na verdade, a regra é a competência quase exclusiva dos Parlamentos, ficando os
Governos, geralmente, com uma competência subordinada de desenvolver legislação produzida pelos Parlamentos ou então de
legislar quando para tal autorizado.
Porém, desde 1945 que o Governo tem um poder legislativo amplo. E se tal consagração se explicava pelo tipo de regime autoritário
em que se vivia, hoje, a sua manutenção explica-se pelas dificuldades de o Parlamento emitir toda a legislação necessária ao
funcionamento do «Estado Social», em especial na área do Direito Tributário e Financeiro. Além do mais, o Governo tem,
igualmente, legitimidade democrática, embora indireta, o que é mais um argumento a favor dos seus poderes legislativos.

Verifica-se, no entanto, no nosso sistema, um predomínio do Parlamento, que se exprime nos seguintes aspetos principais:

a) existência de um vasto conjunto de matérias reservadas, de forma absoluta (exclusiva) (164º) ou relativa (não exclusiva) (165º) à
Assembleia da República; ou seja, sobre tal elenco de matérias (consultem-se os referidos artigos) o Governo só pode legislar se
para tanto for autorizado (lei de autorização).
b) Por outro lado, a Assembleia tem uma competência legislativa genérica (à exceção da organização do Governo – 198º);
c) A Assembleia pode controlar a legislação emanada do Governo (suspendendo, alterando ou revogando os decretos-leis) através
do mecanismo da apreciação parlamentar.
d) A Assembleia da República pode obrigar o PR a promulgar as suas leis mesmo quando este discorde politicamente delas;
e) A AR pode condicionar a legislação do Governo emitindo de leis de valor reforçado e leis de bases que o Governo deverá
respeitar quando intervenha sobre aquelas matérias;

Podem determinar-se 4 setores de competência legislativa:


a área de competência absoluta da AR (164.º);
a da competência relativa da AR (165.º), (autorização ao Governo)
a área da competência exclusiva do Governo (198.º, n.º 2); (organização do Governo)
a área de matéria concorrente, ou seja, uma área onde quer a AR quer o Governo podem intervir à vontade (161º al. c) e 198º, nº1
al. a).

De todas estas áreas as que mais relevo têm para a vida da comunidade política são as duas áreas reservadas à AR.

Por conseguinte, a violação desta compartimentação, quer dizer, a intervenção legislativa de um órgão em matéria de competência
do outro constitui uma inconstitucionalidade orgânica (ou inconstitucionalidade material se há ato autorizativo da AR ao Governo para
legislar em matéria de reserva absoluta).

O PROCEDIMENTO LEGISLATIVO
Apenas por tópicos, com remissão para as disposições da Constituição, recordamos
aqui as fases da formação da Lei da AR e do Decreto-Lei do Governo. No caso da Lei,
são as seguintes as fases da produção legislativa:

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a)Iniciativa (167º CRP), que pode ser uma proposta de lei do Governo ou um projeto de
lei de um grupo de deputados, de um grupo parlamentar ou mesmo grupos de cidadãos
eleitores (Lei n.º 17/2003, de 4 de junho (Iniciativa legislativa de cidadãos), alterada pela   Lei Orgânica n.º
1/2016, de 01 de Agosto (hoje, bastam 20.000 eleitores) (ver matérias excluídas de possível iniciativa: artigos 3.º e 4.º)

b) fase constitutiva: discussão e votação na generalidade; discussão e votação na


especialidade, votação final global (168º);

c) Fase de controlo: promulgação ou veto pelo PR (136º e 137º); referenda


governamental da promulgação (140º e 134º, al. b)

d)Fase integrativa de eficácia; publicação no Diário da República Eletrónico (DRE) (a


data desta é a que releva para a determinação da data de entrada em vigor do ato
legislativo) (134º, al. b) e 119º nº1 al. c) e nº2);

Quanto à formação do Decreto-Lei a CRP apenas regula a aprovação – em Conselho de


Ministros (art. 200.º, n.º 1, alínea d) - sendo as fases de controlo e integração de eficácia
iguais ao regime determinado para a Lei.

Os regulamentos
Contudo, a maior parte das normas jurídicas em vigor no nosso país estão contidas em atos normativos designados Regulamentos.
É importante esclarecer que os Regulamentos, nas suas mais variadas formas, não são atos normativos que resultem do exercício
da função legislativa mas sim da função administrativa.
Ou seja, são editados por órgãos públicos que tenham competências administrativas, o que vale por dizer, todos as entidades da
administração pública podem produzir regulamentos (seja apenas regulamentos internos - aqueles que se aplicam apenas dentro
dessa entidade – seja também regulamentos externos – aqueles que produzem efeitos em relação a pessoas fora dessa entidade
pública).

É que, para que seja possível aplicar um ato legislativo no «mundo real» é necessário criar normas mais detalhadas que o
possibilitem. Por exemplo, um Decreto-lei cria um subsídio para apoiar as pessoas que ficaram desempregadas com a epidemia
Covid-19. Contudo, para se saber em que termos concretos é que se pode aceder a esse subsídio, a que entidade se deve dirigir o
interessado, como fazer o requerimento, que documentos juntar, como calcular o montante do subsídio, etc., etc. tem de se criar
outras normas mais detalhadas que permitam à administração pública satisfazer os direitos e exigir o cumprimento do deveres dos
cidadãos e a estes exercer os seus direitos e cumprir os respetivos deveres.

Hierarquicamente os regulamentos estão sempre subordinados ao ato legislativo que regulamentam: é o que dispõe o n.º 7 do
artigo 112.º «os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência
subjetiva e objetiva para a sua emissão».

Como vimos já na Lei n.º 74/98, de 11/11, os regulamentos podem revestir várias formas, designadamente Decreto-regulamentar do
Governo, Resolução do conselho de Ministros, Portaria, Despacho Normativo.
Mas também as autarquias locais e quaisquer entidades públicas podem ter competência regulamentar.

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Também no exercício da função administrativa as entidades públicas adotam atos administrativos (como estudarão em Direito
Administrativo). Estes distinguem-se dos regulamentos porquanto estes comungam das características essências das normas
jurídicas, ou seja, são gerais (aplicam-se a todas as pessoas nessa situação) e abstratos (o seu enunciado não permite identifica
qualquer situação concreta) enquanto os atos administrativos são decisões individuais (o destinatário é conhecido) e concretas (as
características do caso concreto são conhecidas).

As normas jurídicas no tempo. Início e termo de vigência das normas (caducidade


e revogação). Sucessão de normas jurídicas sobre a mesma matéria.

Como vimos, depois de publicado no DRE o ato legislativo entra em vigor. Quer dizer
que a partir dessa data inicia-se a sua vigência, ou seja, o seu conteúdo normativo tem
de ser respeitado por todos os destinatários, ou seja, por toda a população do país.

Diz o artigo 2.º da Lei da Publicação, Identificação e Formulário dos Diplomas – Lei n.º
74/98 de 11/11 (vide supra), que «os atos legislativos e os outros atos de conteúdo
genérico entram vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da
vigência verificar-se no próprio dia da publicação.»

«Na falta de fixação do dia, os diplomas (…) entram em vigor em todo o território
nacional e no estrangeiro no 5.º dia após publicação» afirma o n.º 2 daquele artigo.

E o n.º 4 dispõe que aquele prazo se começa a contra desde o dia seguinte ao da
publicação do diploma do DRE. Nesse sentido também o n.º 2 do artigo 1.º dessa Lei
quando dispõe que a data de um diploma é a da sua publicação, sendo a data da
publicação a data do dia em que o diploma se torna disponível no sítio da Internet regido
pela INCM, S.A., ou seja, o Diário da República Eletrónico (DRE) 2.

Tenha-se em atenção que, na maioria dos casos, as leis não entram em vigor no dia
seguinte ao da sua publicação: pelo contrário, em regra preveem que a entrada em
vigor seja só uns tempos depois (que podem ser alguns dias ou, por vezes, meses) para
que as leis sejam lidas e as suas implicações bem analisadas pelos seus potenciais
2
Não esquecer de que, no que toca ao Direito da União Europeia, os atos normativos relevantes – Regulamentos
e Diretivas, designadamente - são publicados no Jornal Oficial da União Europeia.

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destinatários. Esse período entre a publicação e o início da vigência designa-se período
de vacatio legis.

O conceito de vigência obriga-nos a constatar que as leis valem durante um certo


período demarcado na linha do tempo. Antes da sua publicação elas não existem
enquanto atos normativos operantes e, depois de cessar a sua vigência, desaparecem
do sistema jurídico.
Tal significa que, desde o Código de Hamurabi da Mesopotâmia e da Lei das XII Tábuas
dos Romanos ou, até às Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, passando por
todas as leis que em tempos estiveram em vigor no nosso território, como o Código Civil
de 1867, houve muitas normas jurídicas que vigoraram – quer dizer, que foram direito
positivo (esta expressão advém da palavra latina positum, que significa, posto,
colocado em vigor) mas que hoje não são direito vigente, ou seja, já não são
aplicáveis.

Ora, a sucessão de normas sobre os mesmos aspetos da vida de uma comunidade


é algo que ocorre diariamente. Os órgãos com poder legislativo vão quase diariamente
criando novas normas, tentando definir critérios de solução para conflitos entre as
pessoas, protegendo interesses que a sociedade considera importantes (o ambiente, o
sigilo relativo aos dados pessoas, a saúde… veja-se a vastidão de regras novas que
foram criadas para lidar com a epidemia da Covid-19).

Por isso, muitas vezes a entrada em vigor de novas leis implica que essas normas
substituem outras, expressamente (através de revogação expressa) ou tacitamente,
(através de revogação tácita). É o que está previsto no artigo 7.º, n.º 2, CC.

Outra forma de cessar a vigência de uma norma é a caducidade: esta ocorre, quer
porque a realidade que se destina a regular deixa de existir (ex.: normas sobre a
administração dos territórios ultramarinos sob administração portuguesa até a sua
independência, normas sobre os poderes do Banco de Portugal até à criação do Banco
Central Europeu, normas sobre os funcionários alfandegários até à abolição de
fronteiras em consequência da adesão de Portugal à CEE), quer porque a própria lei
expressamente refere que se destina a ter vigência temporária (ex: normas apenas

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aplicáveis durante a epidemia Covid-19, ou durante a realização do campeonato
europeu de futebol em 2004, por exemplo).

O n.º 4 do artigo 7.º dispõe que a revogação de uma lei que tenha revogado outra não
implica o renascimento dessa outra lei que tinha sido revogada: chama-se a esse
fenómeno repristinação. Tal pode acontecer, porém, quando seja essa a intenção
inequívoca do legislador (em regra quando tal seja expressamente previsto na lei
revogatória). Uma situação parecida é a que ocorre quando a lei revogatória é declarada
inconstitucional.

Há que alertar para o problema dos critérios de resolução de conflitos entre normas . Se
uma mesma questão, um mesmo problema da vida das pessoas, é tratado por duas
normas de forma diferente, ambas em vigor num dado momento histórico, afinal qual se
aplica?
Por exemplo, um Decreto-Lei dispõe que a circulação de comboio exige a posse de um
título adquirido previamente online. Um regulamento do Ministro dos Transportes dispõe
que para se viajar de comboio tem de se comprar obrigatoriamente o bilhete nas
bilheteiras da estação do local de partida. Parece haver uma contradição.
Qual das normas se aplica?
Para resolver problemas de conflitos de normas usam-se vários critérios. O primeiro
critério é o da posição hierárquica das normas ou da superioridade. Como vimos as
normas têm diferentes posições hierárquicas consoante a forma do diploma em que
estão incluídas: se for uma norma constante de um Decreto-lei, trata-se de um ato
legislativo que prevalece sobre um ato regulamentar (é o caso no exemplo). Trata-se do
critério da superioridade ou da posição hierárquica: norma superior derroga norma
inferior.

Mas se ambas as normas constarem de atos legislativos: por exemplo uma Lei da AR e
um Decreto-Lei (que têm, nos termos do artigo 112.º CRP, igual valor)?
Então prevalece a mais recente: trata-se do critério da posteridade: norma posterior
derroga norma anterior.

Refere-se, habitualmente, ainda o critério da especialidade: norma especial derroga


(prevalece sobre a) norma geral. Por exemplo, duas normas sobre o mesmo aspeto e

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conteúdos diferentes, uma constante de uma lei sobre os trabalhadores da função
pública em geral e outra sobre a carreira de um corpo especial de funcionários: os
médicos ou os enfermeiros. Então prevalece a norma constante do diploma que trata
especificamente sobre as carreiras dos médicos ou dos enfermeiros, se no caso se
estiver perante um problema relativo a um médico ou a um enfermeiro.

Regulamentos

O DIREITO, O ESTADO E A SOCIEDADE

Litigiosidade, característica da sociedade humana.

O Estado legislador e o Estado aplicador da Lei.

Ninguém pode fazer justiça pelas próprias mãos. (artigo 1.º do CPC)

Ler: Artigo 20.º, n.º 2, CRP.


Princípio geral: «a todo o direito corresponde uma ação». A Constituição estabelece uma garantia de acesso aos tribunais: o direito
à justiça.

Princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (20.º CRP)


Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais – artigo 6.º - direito a um processo equitativo e em
prazo razoável

A Organização Judicial

CRP
Normas da CRP: 202.º/1 CRP e ss – 205.º (analisar).
– artigo 209.º e segts.

Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013, 26/8

Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) – Lei n.º 13/2002, 19/2 (v. artigo 144.º da Lei n.º 62/2013, 26/8).

[Tribunal de Contas – 149.º, Tribunais arbitrais (Lei n.º 31/86, 29/8) – 150.º e Julgados de Paz – 151.º da Lei n.º 62/2013, 26/8].

Lei dos Julgados de Paz – Lei n.º 78/2001, 13/6

Tribunal Constitucional – Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15/11)

Estatuto do Provedor de Justiça – Lei n.º 9/91, 9/4.

Os Tribunais Judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal. Possuem competência residual.

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Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais («judiciais») – Dec.-Lei 49/2014, 27/3 (início de vigência a 1/09/2014 –
regulamenta a Lei 62/2013, 26/8, Lei da Organização do Sistema judiciário).
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2075&tabela=leis

(Já a organização dos Tribunas Administrativos e Fiscais está no ETAF, Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: Lei
13/2002, 19/2, última atualização: DL n.º 214-G/2015, de 02/10)

Lei 62/2013, 26/8, Lei da Organização do Sistema judiciário: Resumo


http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_print_articulado.php?tabela=leis&artigo_id=&nid=1974&nversao=&tabela=leis

Vinte e três comarcas: sede, área de competência territorial, composição

Cada comarca tem um tribunal judicial de 1ª instância (área coincide com o distrito – com exceção de Lisboa/Lisboa Oeste e
Porto/Porto Este)

As comarcas integram:
1 - Secções de instância central
2 - Secções de instância local (estas podem incluir secções de proximidade)

1 - Secções de instância central


a) Causas de valor superior a 50.000 euros (secção cível)
b) Causas crime da competência do tribunal coletivo ou do tribunal de júri (secção penal)
c) Pode incluir secções de competência especializada (v. exemplos na LOSJ).
Juízos de:
Cível
criminal
Família e menores
Comércio
Execução de Penas
Instrução criminal
Trabalho

2 - Secções de instância local


a) secções de competência genérica (Secções mistas ou Secções de competência especializada cível/criminal)
b) Secções de proximidade

a) Competências da secção de competência genérica

Preparação e julgamento de processos relativos a causas não atribuídas à instância central ou a tribunal de competência territorial
alargada
Ainda: instrução criminal; decisão de pronúncia; funções jurisdicionais no inquérito onde não haja instância criminal local).
Ainda; competência de execução (se outro tribunal não for competente), julgamento de recursos de decisões de entidades
administrativas em processos de contra-ordenações (salvo se atribuídas a secção de competência especializada da instância central
ou tribunal de competência territorial alargada).
Algumas seções de competência genérica da instância local desdobram-se em seções cíveis e seções criminais
Estas podem desdobrar-se em secções de pequena criminalidade (causas de processo sumário, abreviado e sumaríssimo e
recursos de decisões de autoridades administrativas com aplicação de coima igual ou inferior a 15.000 euros (independentemente de
sanção acessória).

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b) Secções de proximidade

Prestam informações gerais, recebem documentos e articulados; audições vídeo-conferência, nalguns casos asseguram a realização
de julgamentos (mapa VI).

Tribunais de competência territorial alargada


a) Propriedade intelectual, b) concorrência, regulação e supervisão, c) marítimo, d) execução de penas, central e instrução criminal:
são competentes em 1 ou mais comarcas – conhecem das matérias legalmente atribuídas (independentemente da forma de
processo)

Ministério Público
O Ministério Público (ler o artigo 219.º da CRP).

DIAP (Departamento de Ação e Investigação Penal) – em cada comarca – organização do Ministério Público: Estatuto do Ministério
Público

Tribunais de 2ª instância, designados «Tribunais da Relação» - Lisboa, Coimbra, Évora, Porto, Guimarães e o Supremo
Tribunal de Justiça

Ramos do direito

A expressão «ramos do direito» ao aludir a uma comparação do Direito a uma árvore,


pretende explicar que no enorme conjunto de todas as normas em vigor podemos
estabelecer, por razões de estudo e análise, mas também para melhor compreender a
sua aplicação às situações da vida real, grupos, quer dizer, ramos. As normas são, pois,
agregadas de acordo com o «tema» a que dizem respeito. Porém, esse agrupamento
em ramos tem o seu fundamento. Vejamos

Antes de mais estabelece-se uma distinção entre ramos de Direito público e ramos de
Direito privado. O que significa? Quer dizer que há normas jurídicas que se aplicam ao
público em geral e outras apenas entre certas pessoas, em relações privadas. Não é
isso. Todas as normas jurídicas são públicas, no sentido de que são criadas por órgãos
públicos e aplicáveis a todas as pessoas que estejam dentro das fronteiras do nosso
país.

Embora existam vários critérios para estabelecer tal distinção (critério da natureza dos
interesses, critério da qualidade dos sujeitos e critério da posição dos sujeitos) o critério
hoje mais aceite como o mais capaz para explicar esta distinção é este último, o critério
da posição dos sujeitos. O que significa?

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Este critério permite afirmar que são normas de direito público aquelas que se aplicam
às relações jurídicas em que esteja envolvida uma entidade pública (o Estado, uma
autarquia local, um Instituto Público, por exemplo) e em que esta entidade utilize o seu
poder público, o seu poder de autoridade, (o seu ius imperii) no âmbito desse relação
jurídica que estabelece, normalmente, com uma entidade privada (uma pessoa singular
ou coletiva). Ou seja, são normas de direito público aquelas que se aplicam às relações
jurídicas em que um ente público esteja numa posição se superioridade.

É claro que, para compreendermos melhor esta explicação necessário se torna saber o
que é uma relação jurídica, o que é uma pessoa singular ou uma pessoa coletiva, o que
é o Estado, ou outro ente público etc.

Podemos, pois, a título de exemplo, referir os seguintes ramos do Direito:

Direito Público:
a) Direito Internacional Público: relações internacionais; entre entidades coletivas com
reconhecimento internacional (e mesmo indivíduos);
Questão da sua juridicidade: os gentlemen agreement. Falta de entidade coerciva
externa. (tem como fontes o costume internacional; acordos internacionais; atos de
organizações internacionais). (Referência ao Direito da União Europeia, que foi já objeto
de desenvolvimento). Outros ramos de Direito Público são o Direito Constitucional, o
Direito Administrativo, o Direito Penal, o Direito Contra-ordenacional, o Direito Fiscal, o
Direito dos Registos e do Notariado, os vários Direitos Processuais (civil, penal,
administrativo, laboral, constitucional, tratam dos tipos de ações: declarativas e
executivas; Merecem referência alguns princípios do direito processual: do dispositivo
(as partes dispõe do processo); do contraditório; da imediação; oralidade, da economia
processual, da livre apreciação das provas, da celeridade processual; da justiça material.
Princípios do processo penal: in dubio pro reo; non bis in idem.

Ramos do Direito Privado


O essencial do direito privado encontra-se no Código Civil. É, pois, o que se designa por
Direito Civil. Neste domínio encontramos matérias que constituem os 4 ramos principais
do direito privado: o Direito das Obrigações (dentro do qual podemos salientar um sub-
ramo constituído pelo Direito dos Contratos), o Direito das Coisas, também designado

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Direitos Reais (de res, que em latim significa coisa) o Direito da Família e o Direitos das
Sucessões. Também o Direito Comercial o sub-ramo Direito das Sociedades
Comerciais, são ramos do Direito Privado.
Também o Direito de Conflitos (ex.: artigos 25.º a 65.º), também designado Direito
internacional Privado, o Direito Marítimo, o Direito dos Transportes, são ramos de Direito
Privado.
Outros ramos do Direito são mais recentes e a sua qualificação poderá ser objeto ainda
de discórdia doutrinal: o Direito do Ambiente e o Direito da Informática.

Quanto ao Direito Laboral, ou Direito do Trabalho, é essencialmente um ramo do Direito


Privado uma vez que grande parte das suas normas visam aplicar-se a relações
paritárias, ou seja, entre entidades privadas (trabalhadores e empregadores) que,
nenhum deles, está, a priori, numa posição de superioridade autoritária.
Contudo, esta ideia tem que ser contrabalançada com certos aspetos de sinal contrário.
Por um lado, sabemos que o mundo do trabalho também inclui os trabalhadores em
funções públicas que estão envolvidos em relações jurídico-laborais com entidades
públicas caracterizadas por uma certa autoridade pública resultante do interesse público
das suas atividades; por isso são objeto de uma legislação à parte, a qual deve ser
considerada, essencialmente, de natureza pública.
Por outro lado, o próprio Código do Trabalho contém muitas normas eminentemente
públicas, impositivas de certos comportamentos dos particulares (dos trabalhadores e
dos empregadores) em relação às entidades públicas (obrigações de informação e
comunicação à ACT, de registos, etc., etc.) cujo incumprimento mobiliza o direito contra-
ordenacional laboral que é. E ainda tudo o que respeita à participação das entidades
públicas (Ministério do Trabalho, Autoridade para as Condições do Trabalho, Comissão
para a Igualdade, etc.) nas relações laborais: quer na contratação individual, quer na
contratação coletiva (artigos 414.º e segts.), no domínio da Segurança e Saúde no
Trabalho, no domínio da aplicação das Contra-Ordenações; o domínio da Inspeção pela
ACT.
Por isso, uma parte da doutrina diz que o Direito do Trabalho é um direito misto .

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A RELAÇÃO JURÍDICA

O direito pressupõe relações sociais; quer dizer, o Direito, através das suas normas, visa regular as relações entre os sujeitos que
interagem numa sociedade, atribuindo direitos e deveres aos vários sujeitos das relações jurídicas, consoante ocupem nessas
relações, uma posição de sujeito ativo (titular do direito) ou de sujeito passivo (titular do dever): ex: relações jurídicas entre o
senhorio e o inquilino, entre o comprador e o vendedor, entre o empregador e o trabalhador.

Os elementos de qualquer relação jurídica são:

a) Os sujeitos (ativo e passivo) (recorde-se que podem existir, numa mesma relação jurídica, vários sujeitos ativos e/ou vários
sujeitos passivos (e.g. os vários condóminos de um prédio em relação com o administrador; os vários herdeiros de um imóvel em
relação a um comprador, ou os cônjuges que compram, ou que vendem, a sua casa, etc.). Como iremos ver os sujeitos das
relações jurídicas podem ser pessoas singulares ou pessoas coletivas. Até é possível um trabalhador ter um contrato de trabalho
com vários empregadores ao mesmo tempo, como previsto no artigo 101.º do Código do Trabalho.

b) O objeto: ou seja, aquilo sobre que incidem os poderes do sujeito ativo: podem ser pessoas (direitos de personalidade, direitos pessoais nas
relações de família) coisas (direitos reais, quer dizer, por exemplo, direito de propriedade sobre um carro, ou sobre uma casa, ou sobre
qualquer outra coisa) ou ainda prestações (aqui o objeto da relação jurídica, ou seja, aquilo sobre que incide o direito do credor é um
comportamento ou conduta do devedor: quando arrendamos um quarto a dona da casa obriga-se a disponibilizar-nos o quarto, permitir que
o ocupemos e que aí vivamos: o objeto da relação jurídica é este comportamento da dona da casa nos facultar o uso do quarto…; quando
compramos um bolo num café estabelecemos uma relação jurídica com o dono do café através da qual ele se obriga a dar-nos o bolo, ou
seja, adquirimos o direito a que ele nos dê o bolo: o objeto da relação jurídica, ou seja, desse contrato, não é o bolo, é o dever do dono do
café, dar-nos o bolo (é claro que aqui adquirimos, simultaneamente, a propriedade sobre o bolo: mas o sujeito passivo deste nosso direito
de propriedade sobre o bolo não é apenas o dono do café… mas todas as outras pessoas, que passam a ter uma obrigação passiva
universal de respeitar a nossa propriedade sobre o bolo, como vimos atrás quando estudámos os direitos subjetivos).

Por outro lado, não nos podemos esquecer do dever de pagar o bolo… é que nessa relação jurídica (contrato de compra e venda de bolo)
nós também assumimos a posição de sujeitos passivos de uma obrigação; qual? Entregar ao dono do café a quantia monetária
correspondente ao bolo…

Iremos estudar, em Direito do Trabalho, um tipo especial de relação jurídica que é a relação jurídica laboral, aquela que conecta duas
pessoas (trabalhador e empregador) que têm, uma em relação à outra, direitos e deveres, - uma se compromete a prestar a sua atividade
(o trabalhador) e outra se compromete a pagar o salário (empregador), - e tem a sua origem num contrato de trabalho (o facto que dá
origem aos direitos e às obrigações que constituem essa relação jurídica).

c) O facto, ou seja, o acontecimento, que pode ser natural ou humano, do qual nasce da relação jurídica: No nosso exemplo do bolo o facto
jurídico é um contrato, também designado negócio jurídico bilateral como iremos ver. Mas pode ser um facto natural: a queda de uma árvore
pode provocar danos no automóvel que estava estacionado por baixo e fazer nascer uma relação jurídica de responsabilidade civil por
danos entre o dono do carro e o dono ou responsável pela manutenção da árvore; a morte origina o nascimento de direitos sucessórios na
esfera jurídica dos herdeiros.

d) Finalmente temos a garantia. Este elemento da relação jurídica corresponde ao conjunto de meios (essencialmente judiciais, ou seja, os
tribunais) a que pode recorrer o credor para obrigar o devedor a cumprir o seu dever. E, se este não cumprir, pode, ainda com recurso aos
tribunais, conseguir a apreensão de bens do devedor para, com a sua venda coerciva, obter o dinheiro devido ou então uma quantia que o
compense pelo não cumprimento da obrigação pelo devedor.

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Os sujeitos jurídicos. Personalidade e Capacidade Jurídica.

Os Sujeitos jurídicos são as entidades que podem ser titulares de direitos e obrigações jurídicas, ou seja, de se envolverem em relações
jurídicas.

São sujeitos de direito as pessoas singulares e as pessoas coletivas.

A Personalidade Jurídica (artigo 66.º para as pessoas singulares) traduz-se precisamente na suscetibilidade de ser titular de direitos e se
estar adstrito a obrigações.

Á Personalidade Jurídica é inerente a Capacidade Jurídica ou a Capacidade de Gozo de direitos (art. 67º CC).

Fala-se de Capacidade Jurídica para exprimir a aptidão para ser titular de um círculo, com mais ou menos restrições, de relações jurídicas –
a este conjunto de relações jurídicas em que um sujeito está envolvido ao longo da sua existência, e do qual resultam direitos e deveres
designa-se esfera jurídica.

Capacidade jurídica: é a possibilidade de se ser sujeito de direitos e obrigações (art. 67º CC): “ as pessoas podem se sujeitos de quaisquer
relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário: nisto consiste na sua Capacidade Jurídica”.
A Capacidade Jurídica divide-se em Capacidade de Gozo de direitos, que é a possibilidade de ser titular de direitos e deveres e
Capacidade de Exercício de direitos, que consiste na possibilidade de exercer por si só, pessoal e livremente, um conjunto de direitos e
deveres de que se é titular.

Enquanto a Capacidade de Gozo decorre automaticamente da personalidade jurídica a Capacidade de Exercício é a possibilidade concreta
de certa pessoa poder exercer efetivamente os direitos ou cumprir as obrigações que lhe cabem enquanto sujeito. Uma pessoa pode ter
Capacidade de Gozo em relação a um determinado direito mas não ter Capacidade de Exercício desse direito.

Se uma pessoa tem incapacidade de exercício de direitos, não pode exercer os seus direitos pessoalmente. No entanto, já é possível que
outra pessoa venha a exercer esses direitos em conjunto com o incapaz, ou em substituição deste.

A personalidade (ou seja, ser-se uma pessoa), nos termos do art. 66º/1 CC, adquire-se no momento do nascimento completo e com vida
(no caso das pessoas singulares, também designadas pessoas naturais).

Para o Direito Português adquire-se Personalidade Jurídica quando há vida, independentemente do tempo que se está vivo. A duração não
tem importância para a Personalidade Jurídica.

Termo da personalidade jurídica

A Morte: nos termos do art. 68º/1 CC, a personalidade cessa com a morte. No momento da morte, a pessoa perde, assim, os direitos e
deveres da sua esfera jurídica, extinguindo-se os de natureza pessoal e transmitindo-se para seus sucessores mortis causa os de natureza
patrimonial. Mas, os direitos de personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respetivo titular (art. 71º/1 CC).

O que são os direitos de personalidade? são certos direitos que todas as pessoas têm apenas por serem pessoas, em consequência do seu
nascimento: direito ao nome, imagem, honra, integridade física, etc.

Qualquer pessoa jurídica é titular de alguns direitos e obrigações. Mesmo que, no domínio patrimonial lhe não pertençam quaisquer direitos
(ou seja, não ser proprietário de qualquer bem) – o que é praticamente inconcebível – sempre a pessoa é titular de um certo número de
direitos absolutos, que se impõem ao respeito de todos os outros, incidindo sobre os vários modos de ser físicos ou morais da sua
personalidade. São chamados direitos de personalidade (art. 70º seg. CC).

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São direitos gerais, extra patrimoniais e absolutos: é o caso do direito à vida, à proteção da integridade física, ao nome; à honra, à imagem,
ao sigilo das comunicações; à reserva da vida privada, etc.

São gerais: todas as pessoas os têm; são absolutos, porque gozam de proteção perante todos os outros cidadãos; são não patrimoniais,
porque são direitos insuscetíveis de avaliação em dinheiro; são indisponíveis, porque não se pode renunciar ao direito de personalidade, (se
o fizer esse ato é nulo, nos termos do art. 81º/1 CC); são intransmissíveis, quer por vida, quer por morte.

A Capacidade de Exercício, é a idoneidade para atuar juridicamente, exercendo direitos ou cumprindo deveres, por ato próprio e exclusivo
ou mediante um representante voluntário (procurador), isto é, um representante escolhido pelo próprio representado.

A pessoa, dotada da Capacidade de Exercício de direitos, age pessoalmente, isto é, não carece de ser substituída por um representante
legal, e age autonomamente, isto é, não carece de consentimento, anterior ou posterior ao ato, de outra pessoa.

Quando esta capacidade de atuar pessoalmente e autonomamente falta, estamos perante a Incapacidade de Exercício de direitos; é o caso
da menoridade (122.º e segts) e da situação do maior acompanhado (138.º e segts). Nestes casos torna-se necessário indicar um
representante legal para praticar, em sua substituição, todos, ou uma parte, dos atos jurídicos que essa pessoa necessite, para exercer
direitos ou para cumprir deveres.

A Menoridade
A incapacidade dos menores começa com o seu nascimento e cessa aos dezoito anos (122.º CC)

A partir dos 14 anos deve atender-se à vontade do menor na resolução dos assuntos do seu interesse (art. 1901º/2 CC) e, aos dezasseis
anos, verifica-se o alargamento da Capacidade de Gozo e de exercício do menor (arts. 1850º. 1856º, 127º/1-a CC): A incapacidade do
menor também pode cessar através da emancipação, esta faz cessar a incapacidade mas não a condição de menor (arts. 133º, 1649º CC).
Em Portugal a emancipação só é feita através do casamento (arts. 132º, 1601º CC) a partir dos 16 anos momento em que o menor pode
casar.

Como veremos, desde que esteja a estudar ou a receber formação, o menor com mais de 16 anos pode celebrar contrato de trabalho –
artigo 66.º do Código de Trabalho – a menos que os titulares do poder paternal se oponham.

Limites à Incapacidade de Exercício do menor (1) art. 123º CC, regime da incapacidade exercício genérica não é absoluto porque nos
termos do art. 127º CC, prevê várias exceções; (2) pode perfilhar aos 16 anos, pode exercer o poder paternal em tudo o que não envolva a
representação dos filhos e Administração de bens dos mesmos (arts. 1850º e 1913º CC - interpretação a contrario - arts 1878º, 1881º CC).

Outra forma de incapacidade de exercício é o acompanhamento: incapacidade jurídica de pessoas maiores que, por razões de saúde,
deficiência ou por comportamento estão impossibilitados de exercer pessoal e conscientemente os seus direitos ou de cumprir os seus
deveres (138.º).

O acompanhamento é decidido pelo tribunal (139.º) e visa assegurar o bem-estar do acompanhado e o exercício dos seus direitos e o
cumprimento dos seus deveres (140.º).

O domicílio das pessoas singulares


O conceito de Domicílio voluntário geral coincide com o lugar da residência habitual (art. 82º CC).

Não se trata do local onde a pessoa se encontra em cada momento, isto é, não coincide com o paradeiro, cuja noção se pode descortinar
no art. 82º/2 CC.
Mas, uma pessoa pode ter mais que uma residência habitual? O art. 82º/1 CC, diz que a pessoa que residir alternadamente em diversos
lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles. Assim uma pessoa pode ter mais de um domicílio, se tem duas ou mais residências
habituais.

39
A residência pode ser ocasional se a pessoa vive com alguma permanência, mas temporária, ou ocasionalmente, num certo local. A
residência ocasional, não faz surgir um domicílio, embora na falta de domicílio de uma pessoa, funcione como seu equivalente (art. 82º/2
CC).
Em regra, o estabelecimento do domicílio, bem como o seu termo, resultam de um ato voluntário.
Além do domicílio voluntário geral, a lei reconhece um domicílio profissional e um domicílio eletivo: O domicílio profissional (art. 83º CC),
verifica-se para as pessoas que exercem uma profissão e é relevante para as relações que a esta se referem, localizando-se no lugar onde
a profissão é exercida (contrato de trabalho). O domicílio eletivo (art. 84º CC), é um domicílio particular, estipulado, por escrito, para
determinados negócios jurídicos. As partes convencionam que, para todos os efeitos jurídicos, se têm por domiciliadas ou em certo local,
diferente do seu domicílio geral ou profissional (também contrato de trabalho).

O domicílio legal ou necessário, é um domicílio fixado por lei, portanto independentemente da vontade da pessoa.
O Domicílio legal dos menores e maiores acompanhados (art. 85º CC.) Caso os pais sejam casados (ou unidos de fato), o menor tem
domicílio no lugar de residência da família (art. 85º/1 - art. 1673º CC, residência de família); Caso não exista residência de família, o menor
tem domicílio, o do progenitor que exerça o poder paternal (art. 85º/1 CC);
Caso o menor esteja entregue a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência, o menor tem como domicilio o do
progenitor que exerce o poder paternal (art. 85/2 CC); Caso de tutela, o menor tem como domicilio o do tutor (art. 85º/3 CC); No caso de
maior acompanhado, o domicílio é o do acompanhante ou aquele que a sentença tiver determinado (art. 85º/3).

Qual a importância do domicílio? Funciona como critério geral de competência para a prática de atos jurídicos; Ex. a conservatória
competente para a prática de certos atos jurídicos; Ex. para o cumprimento de obrigações, arts 772º e 774º CC; para a fixação do tribunal
competente para a propositura da ação; local para a abertura da sucessão, art. 2031º CC.

Nas pessoas coletivas não se fala de domicílio mas de sede: artigo 159.º CC – é o local como tal referido nos estatutos ou, na falta desta
referência, o local em que funciona normalmente a administração principal.

Pessoas coletivas

São organizações constituídas por uma coletividade de pessoas (associações ou sociedades) ou por uma massa de bens (fundações),
dirigidos à realização de interesses comuns ou coletivos, às quais a ordem jurídica atribui a Personalidade Jurídica.

O Direito atribui a essas entidades personalidade jurídica e, consequentemente, a suscetibilidade de ser titular de direitos e obrigações,
constituindo assim centros autónomos de relações jurídicas.

Há, duas espécies fundamentais de Pessoas Coletivas: as Pessoas coletivas de substrato pessoal (ex: associações e sociedades) e as
pessoas coletivas de substrato patrimonial (fundações).

As Pessoas coletivas de substrato pessoal, têm um substrato integrado por um agrupamento de pessoas singulares que visam um interesse
comum.

As Fundações, têm um substrato integrado por um conjunto de bens adstrito pelo fundador a um escopo ou interesse de natureza social. O
fundador pode fixar, com a atribuição patrimonial a favor da nova Fundação, as diretivas ou normas de regulamentação do ente fundacional
da sua existência, funcionamento e destino.

A função economico-social do instituto da personalidade coletiva liga-se à realização de interesses comuns ou coletivos, de carácter
duradouro. Alguns desses interesses são duradouros, excedendo a vida dos homens ou, em todo o caso, justificando a criação de uma
organização estável.

Elemento Teleológico: a Pessoa Coletiva deve prosseguir uma certa finalidade: aquela que foi a causa determinante da formação da
coletividade social ou da dotação fundacional.

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Elemento Intencional: trata-se da intenção de constituir uma nova pessoa jurídica, distinta dos associados, do fundador ou dos beneficiários.
A existência deste elemento radica na circunstância de a constituição de uma Pessoa Coletiva ter na origem um negócio jurídico: o ato da
constituição nas Associações (art. 167º CC), o contrato de sociedade para as sociedades (art. 980º CC) e o ato de instituição nas
Fundações (art. 186º CC). Ora nos negócios jurídicos os efeitos determinados pela ordem jurídica dependem da existência e do conteúdo
de uma vontade correspondente.

Elemento organizatório: a Pessoa Coletiva é uma organização destinada a introduzir na pluralidade de pessoas e de bens existente uma
ordenação unificadora, através da atribuição a órgãos internos de poderes necessários para o exercício dos direitos que têm na sua esfera
jurídica.

Classificação legal das pessoas coletivas

Associações, Fundações e Sociedades:


Estes três tipos de pessoas coletivas encontram a sua regulação no Código Civil. O artigo art. 157º dispõe que todas as normas do Capítulo
II, que aí tem início, e vai até ao artigo 197.º se aplicam às Associações (167.º e segts.) e às Fundações (185.º e segts.) e, quando a
analogia se justifique, também às sociedades; este último tipo de pessoa coletiva encontra-se regulado no artigo 980.º como «contrato de
sociedade».
Diz o artigo 980.º CC: «contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o
exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa
atividade».

As Associações e sociedades são Pessoas Coletivas de tipo corporativo, ou seja, juntam pessoas singulares formando um corpo único e
por isso distinguem-se das Fundações. Por outro lado, as Associações e Fundações, integram uma mesma categoria oposta às sociedades,
porque estas visam fins económicos e aquelas não.

Ora, as designadas Sociedades civis simples são aquelas que não têm por objeto a prática de atos comerciais e estão sujeitas ao regime do
Código Civil. Aplicam-se-lhes as disposições do art. 980º seg. CC. Estas sociedades civis simples, distinguem-se das sociedades civis sob
forma comercial (que veremos abaixo), dada a forma que revestem, que está relacionada com a sua organização formal.

Sociedades Comerciais
Há um tipo especial de sociedades que são as sociedades comerciais.
Este tipo caracteriza-se pelo objeto, que é a prática de atos de comércio e adote um dos diversos tipos regulados no código das sociedades
comerciais (CSC). A sua caracterização faz-se em, função do seu objeto e da sua organização formal.

Podem revestir cinco formas: Sociedades em nome coletivo: Sociedades em Comandita Sociedade por quotas de responsabilidade limitada
e Sociedades anónimas e Sociedades unipessoais por quotas

Sociedades civis sob forma comercial

Acontece que aquelas sociedades de que acima falámos, e que se encontram reguladas no artigo 980.º do CC, e que não têm como
objetivo desenvolver uma atividade comercial, pode também ser constituídas de acordo com as formas de sociedades comerciais previstas
no CSC. Caracterizam-se pela circunstância de não terem por objeto a prática de atos de comércio nem o exercício de quaisquer atividades
previstas no Código Comercial. No entanto, a lei comercial portuguesa admite a possibilidade dessas sociedades civis adotarem as formas
comerciais para efeito da sua organização.
Neste caso, passam a chamar-se sociedades civis sob forma comercial e ficam, sujeitas às disposições do Código das Sociedades
Comerciais. No entanto, não ficam sujeitas a um conjunto de obrigações específicas das sociedades comerciais.

A constituição de uma pessoa coletiva


Tem de se ter em atenção os requisitos e formalidades comuns à constituição da Pessoa Coletiva.

Requisitos:

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A existência do substrato: ou seja de um conjunto de pessoas ou existência de um conjunto de bens (património) organizados, por forma a
assegurarem a prossecução de certos fins tutelados pelo Direito.
A personalidade coletiva assenta numa realidade social que implica a reunião de pessoas determinadas, pessoas essas que prosseguem
um certo fim que lhes é comum e que também, criam um património que é determinado à realização de certos objetivos coletivos, que
essas pessoas entendem como socialmente relevantes.

A celebração de um negócio jurídico. Negócio esse que se manifesta numa vontade adequada à realização dos objetivos a que as referidas
pessoas se propuseram.

À formação das Associações referem-se os arts. 167º e 168º CC. A primeira destas disposições, no seu n.º 1, refere-se ao chamado ato de
constituição da associação, enunciando as especificações que o mesmo deve conter; o n.º 2 refere-se aos chamados estatutos.
O ato de constituição da associação, os estatutos e as suas alterações estão sujeitos a exigências de forma e publicidade.
Devem constar de escritura pública, verificando-se, em casos de inobservância desta exigência, a sanção correspondente ao vício de
forma: nulidade.
Devem, além disso, o ato de constituição e os estatutos ser publicados no Diário da República, só pena de ineficácia em relação a terceiros,
cabendo oficiosamente ao notário remeter o respetivo extrato para a publicação, bem como à autoridade administrativa (Registo Nacional
das Pessoas Coletivas) e ao Ministério Público o ato de constituição e estatutos, bem como a alteração destes (art. 168º/2 CC).

Note-se que a falta de escritura pública, provocando a nulidade do ato de constituição e dos estatutos, impede o reconhecimento da
associação, a qual se definirá, por falta deste requisito legal, (art. 158º CC), como associação sem Personalidade Jurídica (art. 195º e
segs.).

Nas fundações é pressuposto o ato de instituição: 185.º, n.º 2 CC

A formação do substrato da sociedade civil pressupõe um contrato de sociedade (980.º) O mesmo para as sociedades comerciais, de
acordo com as normas do Código das Sociedades Comerciais) seguindo, quanto ao resto, uma tramitação idêntica à acima referida para as
associações.

Órgãos

Á semelhança de uma pessoa natural, em que existem órgãos, braços, olhos, coração, cabeça, etc, que lhe permitem exercer os seus
direitos e cumprir as suas obrigações, também nas pessoas coletivas existem órgãos (que, na prática, são grupos de pessoas singulares)
que exercem um conjunto de poderes organizados e ordenados com vista à prossecução de um certo fim, através dos quais se procede à
formulação e manifestação da vontade da Pessoa Coletiva, sendo assim que a Pessoa Coletiva consegue exteriorizar a sua vontade
(coletiva).

Cada órgão é o instrumento jurídico através do qual se organizam as vontades individuais que formam e manifestam a vontade coletiva e
final da pessoa coletiva.

É o centro de imputação de poderes funcionais com vista à formação e manifestação da vontade juridicamente imputável à Pessoa Coletiva,
para o exercício de direitos e para o cumprimento das obrigações que lhe cabem.

Não tem todos os poderes e nem todos os direitos que cabem à Pessoa Singular, só tem Capacidade de Exercício para aquilo que lhe é
especificamente imposto.

A cada órgão são atribuídos poderes específicos segundo uma certa organização interna, que envolve a determinação das pessoas que os
vão exercer. Os titulares dos órgãos são as pessoas singulares que são os suportes funcionais atribuídos a cada órgão. Os órgãos podem
ser singulares (Presidente) e colegiais (assembleia, conselho fiscal, direção, etc.).

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As pessoas coletivas têm plena capacidade de exercício mas esta é específica para os seus fins (art. 160º CC) – princípio da
especialidade

O art. 160º CC, delimita o âmbito da capacidade das Pessoas Coletivas a partir de um elemento positivo e de um elemento negativo:
Elemento positivo (art. 160º/1 CC): a Capacidade da Pessoa Coletiva compreende todos os direitos e obrigações necessários, e
convenientes à prossecução dos seus fins. Elemento negativo (art. 160º/2 CC): exclui dessa Capacidade os direitos e obrigações que são
vedados por lei à personalidade coletiva, visto serem inseparáveis da personalidade de singular.

A Capacidade de Gozo das Pessoas Coletivas, abrange direitos de natureza patrimonial, essencialmente, mas não estão vedados às
Pessoas Coletivas direitos de natureza não patrimonial, ex.: direito ao bom-nome, à honra, distinções honoríficas, direitos de propriedade
industrial.

Inclusive, há Pessoa Coletivas a quem estão conferidos também certos direitos políticos, por exemplo, os partidos políticos.

Pessoas coletivas de direito público e pessoas coletivas de direito privado

São pessoas de Direito Público, aquelas que se encontram vinculadas e cooperam com o Estado num conjunto de funções públicas
específicas.

São de Direito Público as Pessoas Coletivas que desfrutam do chamado ius imperi (poder público de autoridade), correspondendo-lhe
portanto quaisquer direitos de poder público, quaisquer funções próprias da autoridade estadual; são de Direito Privado todas as outras.
O que é o poder público? É, como vimos já atrás, a possibilidade de, por via normativa ou através de determinações concretas (atos
administrativos), emitir comandos vinculativos, executáveis pela força, sendo caso disso, contra aqueles a quem são dirigidos.
Exemplos: Institutos Públicos, Associações Públicas, Autarquias locais; Empresas Públicas, O Estado, as Regiões Autónomas, o ISCAC,
etc

O FACTO JURÍDICO E O ATO JURÍDICO


Como vimos atrás, além dos sujeitos a Relação Jurídica possui ainda outro elemento constitutivo: o facto, ou seja, o acontecimento com
relevo jurídico ao qual a ordem jurídica reconhece o poder de criar, de modificar ou de extingui uma relação jurídica.

Noção de facto jurídico: É todo o ato humano ou acontecimento natural juridicamente relevante, ou seja, produz efeitos jurídicos.

A constituição de uma relação jurídica depende sempre de um evento, evento esse a que o Direito reconhece relevância como fonte de
efeitos jurídicos.
A criação de efeitos jurídicos resulta de os factos se enquadrarem em situações abstratas que estão previstas nas normas jurídicas: assim,
se o facto está previsto numa norma, aplica-se essa norma.
Ou seja, os factos jurídicos constituam a caracterização das situações que sob forma hipotética a norma faz depender a produção de efeitos
de Direito (facti species).

Classificação dos factos jurídicos

A primeira classificação dos factos jurídicos é entre factos jurídicos voluntários ou atos jurídicos, (resultam da vontade como elemento
juridicamente relevante, são manifestação ou atuação de uma vontade; são ações humanas tratadas pelo direito enquanto manifestação de
vontade) e factos jurídicos involuntários ou naturais, são estranhos a qualquer processo volitivo – ou porque resultam de causas de
ordem natural ou porque a sua eventual voluntariedade não tem relevância jurídica.

(Efetivamente, há factos não voluntários, porque a vontade do homem não é determinante nem na sua produção nem nos efeitos que lhes
são correspondentes (o nascimento, a morte, a destruição de um objeto, uma chuvada, a queda de uma árvore, o decurso do tempo, a
vizinhança, a localização dos bens …).

43
O NEGÓCIO JURÍDICO
O principal facto jurídico voluntário ou ato jurídico é o negócio jurídico.

Os negócios jurídicos são atos jurídicos (factos voluntários) constituídos por uma ou mais declarações de vontade, dirigidas à realização de
certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob tutela do direito, determinado o ordenamento jurídico produção dos efeitos jurídicos
conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes.

É o instrumento principal de realização do princípio da autonomia da vontade ou autonomia privada (405.º CC).
O negócio jurídico decorre de um conjunto de atos individuais que são manifestações de uma intenção caracteriza-se sempre pela liberdade
de estipulação.
Os negócios jurídicos são unilaterais ou bilaterais (contratos)

O Código Civil contém uma regulamentação geral do negócio jurídico, abrangendo assim as duas modalidades. O critério classificativo é o
do número e modo de articulação das declarações integradoras do negócio.

Nos negócios unilaterais, há uma declaração de vontade ou várias declarações, mas paralelas formando um só grupo (ex.: a promessa
pública ou o testamento).

Nos contratos ou negócios bilaterais, há duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergentes, ajustando-se na
sua comum pretensão de reduzir resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte.
Cada uma das declarações (proposta e aceitação) é emitida em vista do acordo.

Contratos sinalagmáticos: emergem de obrigações recíprocas para ambas as partes, sendo deste exemplo o contrato de compra e venda
ou contrato de empreitada ou contrato de trabalho, que estudaremos detalhadamente nesta cadeira.
Contratos não sinalagmáticos: as obrigações emergentes vinculam só uma das partes, sendo deste exemplo o mútuo ou as doações.

Diz-se que o contrato sinalagmático decorre de obrigações interdependentes, porque existem entre as obrigações um vínculo mútuo que se
diz sinalagma: o exemplo do contrato de trabalho
A importância da distinção entre sinalagmáticos e não sinalagmáticos, reside no fato de os contratos do primeiro tipo terem um regime
especial de características próprias: a) Exceção de não cumprimento: segundo esta exceção, a falta de cumprimento de uma das
obrigações, sendo comum o tempo de cumprimento, ou ainda perdendo o contraente relapso ou benefício do prazo, justifica ainda o não
cumprimento pela parte contrária (art. 428º CC); ou a b) Condição resolutiva tácita: é um instituto que confere a uma das partes a faculdade
de resolver o negócio, com fundamento na falta de cumprimento da outra parte (art. 801º/1 e 808º CC). No contrato de trabalho, como
veremos, apenas esta segunda possibilidade é admitida.
É o que se passa, em regra, no contrato de trabalho.

Negócios consensuais ou não solenes e negócios formais ou solenes. A importância da forma no mundo do Direito. (a matéria relativa à
forma dos negócios foi já abordada na parte introdutória do curso, a propósito da prevalência da ideia de segurança sobre a ideia de justiça
enquanto dois princípios fundamentais do Direito).

Os negócios formais ou solenes, são aqueles para os quais a lei prescreve a necessidade da observância de determinada forma, o
acatamento de determinado formalismo ou de determinadas solenidades. Os negócios não solenes (consensuais, tratando-se de contratos),
são os que podem ser celebrados por quaisquer meios declarativos aptos a exteriorizar a vontade negocial, a lei não impõe uma
determinada roupagem exterior para o negócio.

Quando o negócio é formal, as partes não podem realizar o negócio através de qualquer comportamento declarativo; a declaração negocial
deve, nos negócios formais, realizar-se através de certo tipo de comportamento declarativo imposto por lei. Hoje o formalismo é exigido
apenas para certos negócios jurídicos, é uniforme, traduzindo-se praticamente na exigência de documento escrito (sob várias formas:
simples, autenticado, escritura pública).

44
Contudo, o princípio geral do Código Civil em matéria de formalismo negocial é o princípio da liberdade declarativa ou liberdade de forma ou
consensualidade (art. 219º CC). Quando, nos casos excecionais em que a lei prescrever uma certa forma, esta não for observada, a
declaração negocial é nula.

Como estudarão, as formas principais para os negócios jurídicos formais são o documento particular simples, o documento particular
autenticado (DPA) e a escritura pública.

Deveremos também ter em conta a obrigação de registar o negócio para que a sua eficácia seja plena, que se verifica em relação a muitos
negócios.
Como veremos, em regra, o contrato de trabalho não está sujeito a forma. Porém, certas formas específicas de contrato de trabalho apenas
são válidas se celebradas por escrito.

Estrutura do negócio jurídico: elementos essenciais da estrutura do negócio jurídico:

·        A Vontade;
·        A Declaração;
·        A Causa.

A vontade é, nesta estrutura, o elemento interno do negócio jurídico, sendo que é um elemento (interno) psicológico e por isso subjetivo.

A declaração, é um elemento externo, pelo que configura uma situação objetiva.

Declaração negocial é o verdadeiro elemento criador do negócio jurídico: O Código Civil regula a declaração negocial nos arts. 217º e
segs. trata-se de um verdadeiro elemento do negócio, uma realidade componente ou constitutiva da estrutura do negócio.

A capacidade de gozo ou de exercício e a legitimidade são apenas pressupostos ou requisitos de validade, importando a sua falta uma
invalidade.

A idoneidade do objeto negocial é, igualmente, um pressuposto ou requisito de validade, pois a sua falta implica a nulidade do negócio.

Diversamente, a declaração negocial é um elemento verdadeiramente estrutural do negócio jurídico, conduzindo a sua falta à inexistência
material do negócio.

Conceito de declaração negocial

Pode definir-se, declaração negocial como o comportamento que, exteriormente observado cria a aparência de exteriorização de um certo
conteúdo de vontade negocial, caracterizando, depois a vontade negocial como a intenção de realizar certos efeitos práticos como ânimo
de que sejam juridicamente tutelados ou vinculantes. A declaração pretende ser o instrumento de exteriorização da vontade psicológica do
declarante.

A essência do negócio, expressa no Código Civil (arts. 257º, 147º, 136º…), não está numa intenção psicológica (vontade), nem num meio
de a exteriorizar, mas num comportamento objetivo, exteriorizado, de transmissão dessa vontade.

Como veremos, quando analisarmos o Contrato de Trabalho, apesar de não ser, na maior parte das vezes, exigida a forma escrita para a
existência de contrato de trabalho, a vontade das partes, do trabalhador e do empregador, devem exteriorizar-se de alguma forma: por
exemplo, o trabalhador comparecendo no local de trabalho e exercendo a sua atividade, o empregador disponibilizando equipamentos e
materiais, dando ordens, pagando o salário, etc.

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DIREITO DO TRABALHO
Para alguns conceitos: https://dre.pt/web/guest/lexionario/-/dj/search/3?
djq=direito+do+trabalho (Lexionário de Direito do Trabalho do DRE).

Para acompanhar o estudo desta parte da Disciplina têm ao vosso dispor no


Inforestudante as Lições de Direito do Trabalho do Professor Monteiro
Fernandes (numa edição relativamente atualizada, de 2014): onde os
apontamentos que aqui vos deixo vos pareçam pouco esclarecedores deverão
ler esse Manual, procurando no índice a respetiva matéria. Como será indicado
no devido lugar, devem ler, pelo menos, os § 50 a 57 desse Manual.

1. Introdução

O Objeto do Direito do Trabalho.


Este ramo do Direito trata das normas que regem a relação jurídica que resulta de um
contrato de trabalho.

46
Como podemos ler nos artigos 11.º do Código do Trabalho e artigo 1152.º do Código
Civil, o trabalho desenvolvido no âmbito de um contrato de trabalho é uma atividade
remunerada e subordinada (não livre) aos poderes de direção de uma das partes
nesse contrato: o empregador.

O Direito do Trabalho só se aplica à atividade profissional regulada por contrato de


trabalho.

Contudo a intervenção do Estado legislador sobre a realidade social constituída por


este tipo de relações jurídicas (contratos de trabalho) alarga-se a uma variedade
muito grande de matérias para além das relações individuais de trabalho: normas
sobre as relações coletivas de trabalho e sobre as condições de trabalho (higiene e
segurança no trabalho, por exemplo).

No CT encontraremos normas de aplicação genérica a todos os contratos de trabalho


e normas específicas sobre determinados tipos de contrato de trabalho (a termo,
teletrabalho, comissão de serviço, trabalho temporário, etc).

Vimos atrás que a autonomia privada na forma de liberdade de contratar e de definir o


conteúdo dos contratos é um elemento essencial da vida em sociedade. No campo
das relações de trabalho assiste-se a uma grande intervenção do legislador
produzindo normas, movido por imperativos sociais, que devem necessariamente ser
respeitadas no exercício daquela liberdade, condicionando-a e limitando-a.

O contrato de trabalho é um contrato típico: tal decorre do facto de a lei, nos artigos
1152.º do CC e art.º 11.º do CT nos dar a noção de contrato de trabalho: quer isto
dizer que corresponde a um modelo, a um tipo de contrato, cujas características se
encontram previstas na lei.
Não quer isto, contudo, significar que não subsista um grande espaço de liberdade de
definição do conteúdo dos contratos de trabalho que se celebrem: o CT não prevê
todos os aspetos dos contratos a celebrar; todavia, como estudaremos, são
muitíssimos os aspetos do contrato que são objeto de definição legal.

47
Não se enquadra no âmbito do «Direito do Trabalho» o designado direito da «função
pública»: este sub-ramo do Direito refere-se àquele domínio do direito que trata das
relações jurídicas do Estado e outros entes púbicos com os seus trabalhadores,
designados, atualmente, trabalhadores em funções públicas. Atualmente o estatuto
desses trabalhadores encontra-se regulado na Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, Lei
Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Note-se que, no seu artigo 4.º, este diploma remete para o Código de Trabalho para
um conjunto vasto de matérias, aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas
com as necessárias adaptações:
https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?
nid=2171&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=

2. Fontes do Direito do Trabalho

Devemos começar por recordar, no sentido formal que adotámos quando estudámos, a
única fonte de Direito aceite no nosso sistema jurídico é a «Lei».

Como vimos, no conceito de «Lei», entendido de forma ampla (vide artigo 1.º, n.º 2, do
CC) engloba qualquer disposição genérica provinda de órgão estadual competente.
Estudámos que o elenco das leis, neste sentido amplo, engloba, de acordo com o artigo
112.º da CRP, os atos legislativos e os outros atos normativos (como os regulamentos).
Por outro lado, é muito importante ter em conta que vigoram em Portugal «leis» - quer
dizer, normas jurídicas - produzidas fora país, em instâncias internacionais. De acordo
com o artigo 8.º da CRP, vigoram na ordem jurídica interna: a) normas e princípios de
direito internacional geral ou comum, b) normas constantes de convenções
internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas, c) normas emanadas de órgãos
competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte e ainda, como
vimos desenvolvidamente, d) as normas emanadas das instituições da União Europeia.

É pois nesse sentido formal de disposição normativa de alcance genérico adotada por
órgão (nacional ou internacional) para tal competente que utilizamos, neste contexto, a

48
expressão fonte de direito no contexto que agora vamos estudar, ou seja, no âmbito do
Direito do Trabalho.

Desde já recordamos, todavia, que, tal como já alertámos antes, o Direito do Trabalho é
porventura o ramo do direito português em que mais relevo têm «os usos» enquanto
práticas habituais com poder vinculativo.
Contudo, essa força vinculativa dos usos, sempre que se recorra à sua aplicação,
advém de a legislação (neste caso o Código do Trabalho) tal admitir expressamente. De
resto, o próprio CT se refere expressamente aos usos laborais, logo no artigo 1.º,
qualificando-os como «fontes específicas» do Direito do Trabalho.

a) Fonte geral:
Assim, em decorrência do que acima explicámos, começamos por falar da fonte do
Direito do Trabalho que também é fonte dos outros ramos do direito: a «Lei».

No conceito de «Lei», e no que respeita ao Direito do Trabalho, vamos referir-nos às


normas da Constituição da República Portuguesa (CRP), às Normas de Direito
Internacional Público, às normas do Direito da União Europeia, aos demais atos
legislativos (aqui designados por «legislação ordinária»).

1.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) e o Direito do Trabalho

Encontramos na Constituição da República várias normas sobre direito do trabalho: No


capítulo relativo aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores temos os artigos
53.º a 57.º.
Devemos ter em conta que o artigo 17.º CRP afirma que o regime dos direitos,
liberdades e garantias se aplica a todos os direitos, liberdades e garantias enunciados
no Título II. Esse regime encontra-se plasmado nos artigos 18.º a 22.º
Esta matéria será objeto de estudo na disciplina de Direito Constitucional. Realça-se, em
especial, aplicabilidade direta e vinculação de entidades públicas e privadas (art. 18.º
CRP), ou seja, os trabalhadores podem exigir e defender a aplicação dos direitos,
liberdades e garantias dos trabalhadores diretamente perante os seus empregadores.

49
Além disso, na CRP encontramos um Título III da Parte I com dois artigos relativos a
direitos e deveres económicos que se referem ao mundo do direito do trabalho: o artigo
58.º («Direito ao Trabalho») e o artigo 59.º («Direitos dos Trabalhadores»).

Na CRP podemos encontrar normas de diferente natureza: temos normas precetivas:


proibição de despedimento sem justa causa (art. 53.º), igualdade na retribuição (59.º, n.º
1. al. a), direito a férias periódicas pagas, (59.º, n.º1, al. d), ou seja, normas que impõe
condutas ao Estado e aos privados, e normas programáticas: direito ao trabalho (58.º);
direito a salário digno (59.º, n.º1,al. a), que são indicações ao legislador para que, na
medida das possibilidades, se procure assegurar esses direitos.

Outra nota importante refere-se ao facto de os direitos dos trabalhadores, comissões de


trabalhadores e sindicatos constarem como limites materiais de revisão da Constituição
(art. 288.º, c).

2.
Normas de direito internacional público:

- Convencional (Convenções internacionais) - ONU: Declaração Universal dos Direitos


do Homem (1948, em Portugal desde 1978) arts. 23.º e 24º; Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos (1976), art. 8.º; Pacto Internacional sobre Direitos Económicos,
Sociais e Culturais (1976, P1978) arts. 6.º a 10.º.

- OIT: Recomendações e Convenções.


https://www.dgert.gov.pt/relacoes-de-trabalho/publicacoes/publicacoes-oit.

- Conselho da Europa: Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950, P1978)


liberdade sindical (art. 11.º) e Carta Social Europeia;

3.
Direito da União Europeia

50
- Uma das «quatro liberdades»: liberdade de circulação dos trabalhadores 42.º Tratado
da União Europeia (TUE); arts. 125.º; 127.º, art. 136.º a 139.º, 141.º a 146.º e 151.º a
161.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE); Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia;

Deverá consultar-se a página web: https://ec.europa.eu/social/main.jsp?


catId=157&langId=pt

Devemos recordar os regulamentos e as diretivas como tipos de atos de natureza


legislativa produzidos pelas instâncias da União Europeia e que são diretamente
aplicáveis nas ordens jurídicas dos Estados-Membros. Por outro lado, como vimos, os
Regulamentos têm efeito direito e as Diretivas poderão, em determinados casos, ter
efeito direto vertical (ou seja, enquanto produtoras de direitos dos cidadãos faces aos
poderes públicos dos seus Estados-Membros).

Recorde-se, ilustrativamente, que o artigo 2.º do Código do Trabalho dispõe:


«Transposição de diretivas comunitárias» (…) (ler o artigo)

São igualmente muito relevantes dos Regulamentos n.º 883/2004 e 987/2009 sobre
coordenação dos sistemas de segurança social, alterados pelo Regulamento (CE) n.º
988/2009, pelo Regulamento da Comissão (UE) n.º 1244/2010, pelo Regulamento (UE)
n.º 465/2012 e pelo Regulamento da Comissão (UE) n.º 1224/2012.

4.
As leis ordinárias
O principal diploma em matéria de Direito do Trabalho é a Lei n.º 77/2009, de 12/2 que
institui o Código do Trabalho bem como a Lei n.º 105/2009, de 14/09 que
Regulamenta e altera o Código do Trabalho.

Para aceder a toda a legislação em matéria de Direito do Trabalho deve consultar-se a


página https://www.dgert.gov.pt/ e também
https://www.act.gov.pt/(pt-PT)/Legislacao/LegislacaoNacional/Paginas/default.aspx
Código do Trabalho 

51
Retribuição mínima mensal garantida
Informação sobre a atividade social da empresa  - Relatório Único
 Contratos de Trabalho com Regime Especial
Trabalho doméstico
Porteiros de prédios urbanos
Trabalho no domicílio
Profissionais de espetáculos
Trabalho portuário
Trabalho a bordo das embarcações de pesca
Trabalho aéreo
Praticante desportivo e contrato de formação desportiva   
Trabalho marítimo 
 
Regulamentação Social em Setores de Atividade Específicos
Transportes rodoviários
Transportes ferroviários
Agências privadas de colocação / Empresas de trabalho temporário
 

Legislação Complementar de Trabalho


Certificados para exercício de atividade noutro estado membro das Comunidade
Europeias
Igualdade e não discriminação
Trabalho de estrangeiros
Profissões regulamentadas
Estágios profissionais
Regime processual aplicável às contraordenações laborais e da segurança
social 
Parentalidade
Desemprego
Destacamento de trabalhadores  no âmbito de uma prestação de serviços 
Legislação de Segurança e Saúde no Trabalho (SST)
Enquadramento legal de SST
Enquadramento legal de SST (Administração Pública)
Proteção especial de SST de grupos específicos de trabalhadores
Acidentes de trabalho e doenças profissionais
Estatísticas de sinistralidade laboral
Certificação profissional de Técnico e Técnico Superior de Segurança e Saúde
no Trabalho
Licenciamento industrial
Locais de trabalho
Agentes biológicos 
Agentes físicos 
                 Radiações ionizantes
                 Radiações óticas
                 Ruído
                 Vibrações

52
                 Dispositivos médicos corto-perfurantes
                 Campos eletromagnéticos
Agentes químicos
                 Enquadramento geral
                 Reach “Registration, evaluation and authorization of chemicals"
                 Rotulagem de produtos químicos
                 Amianto
                 Atmosferas explosivas
            Equipamentos de trabalho
            Segurança de máquinas novas
            Segurança de máquinas usadas
            Equipamentos de proteção individual
            Equipamentos dotados de visor
            Movimentação manual de cargas
            Sinalização de segurança
            Prevenção de acidentes tecnológicos graves
            Regulamentação de SST em setores de atividade específicos
                 Construção civil
                 Comércio e serviços
                 Indústria
                 Minas e pedreiras
                 Pesca

A competência legislativa em matéria de Direito do Trabalho é reserva relativa da AR


(165.º, n.º1, b) CRP, porquanto é uma matéria inserida no domínio dos direitos,
liberdades e garantias dos trabalhadores (artigos 53.º e segts, CRP) e no domínio dos
direitos e deveres económicos (artigo 58.º e 59.º CRP).

Importante: Deve fazer-se referência ao processo especial de elaboração da legislação


em matéria de direito do trabalho: recorde-se o direito de participação das comissões de
trabalhadores e associações sindicais (54.º, n.º 5, al. d) e 56.º, n.º 2, al. a) CRP
regulamentado nos artigos 469.º e segts do CT «Participação na elaboração da
legislação do trabalho».

O artigo 469.º contém uma curiosa definição do que se deve enquadrar na noção de
«legislação do trabalho»: toda a legislação que diga respeito ao contrato de trabalho, ao
direito coletivo do trabalho, à segurança e saúde no trabalho, a acidentes de trabalho e
doenças profissionais, à formação profissional, ao processo judicial do trabalho e ainda a
ratificação de convenções da OIT.

53
Iremos estudar que as disposições legais podem, se delas não resultar o contrário, ser
afastadas por disposições contratuais mais favoráveis ao trabalhador (artigo 3.º, n.º4 do
CT). Trata-se de uma disposição muito relevante pois nos dá conta de que neste
domínio é dado às partes, apesar de tudo, um grande espaço de conformação do
conteúdo do contrato.

Acrescente-se ainda que, comparando o n.º 1 com o n.º 3 do art. 4.º parece que as
normas legais (se delas não resultar o contrário) podem ser afastadas por normas
convencionais, mesmo menos favoráveis. Entende-se que resultando de um acordo
entre sindicatos e empregadores a menor «favorabilidade» é aceite pelos trabalhadores:
ver artigo 476.º CT.

b) Fontes específicas. Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho


(IRCT) e os usos laborais

1. Instrumentos de regulamentação coletiva

- Art. 2.º, n.º 1, CT. Análise

- IRCT negociais: convenção coletiva, acordo de adesão e decisão de arbitragem


voluntária (art. 2.º, n.º 2).

- IRCT não negociais: portaria de extensão, portaria de condições de trabalho e


decisão de arbitragem obrigatória e necessária (2.º, n.º 5 CT).

- Os IRCT devem ser publicadas no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) (remissão


para as regras de entrada em vigor das leis), mas as portarias de extensão e as
portarias de condições de trabalho são publicados no Diário da República (art. 519.º, n.º
2).

54
Convenção coletiva: acordo escrito entre associações sindicais e empregadores ou
associações de empregadores (arts. 485.º e segts)

Âmbito pessoal de aplicação: princípio da filiação (496.º): «A convenção coletiva obriga


o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrantes,
bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical
celebrante».

As convenções coletivas podem ser contratos coletivos (convenções entre associações


sindicais e associações de empregadores); acordos coletivos (convenções entre
associações sindicais e vários empregadores) e acordos de empresa (convenções entre
associações sindicais e um empregador/uma empresa) art. 2.º, n.º 3.

As convenções coletivas têm uma natureza mista: têm um conteúdo contratual (contém
cláusulas contratuais pois a sua geração resulta de um acordo de vontades entre as
duas partes) e um conteúdo normativo (pois essas cláusulas constituem normas jurídico-
laborais a aplicar a todos os contratos individuais de trabalho relativos a trabalhadores
abrangidos por essas convenções. O conteúdo das convenções coletivas tem de ser
respeitado pelos contratos de trabalho, embora estes possam estabelecer condições
mais favoráveis, a menos que a convenção diga o contrário.

As condições estabelecidas nas convenções impõem-se aos contratos existentes e aos


que se celebrarem depois da sua entrada em vigor (496.º e segts) e impõem-se mesmo
às disposições legais não imperativas (4.º, n.º 1).

Acordo de adesão: acordo celebrado entre uma entidade que pretende ser parte numa
convenção coletiva ou numa decisão arbitral e os signatários desse IRCT que a esta
entidade se contraporiam na negociação daquele IRCT. (504.º) Na adesão não há
negociação.

Decisão de arbitragem voluntária: deferem a resolução de questões que resultem da


celebração, revisão, integração ou interpretação de convenções (506.º ss) acatando o
resultado.

55
Os IRCT não negociais são subsidiários (3.º). Estes são aqueles que resultam de uma
intervenção direta da autoridade pública – Ministério cometente.

- A portaria de extensão (514.º a 516.º ss): O Ministro estende âmbito pessoal de


convenções ou de decisões arbitrais quando circunstâncias económicas e sociais o
justifiquem: pressupõe identidade ou afinidade de sectores de atividade e de profissão
dos trabalhadores e dos empregadores.

- Portaria de condições de trabalho (517.º ss.): pressupõe inexistência de associações


sindicais ou de empregadores e justificando-se por condições económicas e sociais: o
Ministro da área laboral e da tutela da área da atividade definem as condições de
trabalho (Reg. Independente)

- Decisão de arbitragem obrigatória (508.º e 509.º ss) só sendo impossível a arbitragem


voluntária: equivale a uma convenção coletiva e decisão de arbitragem necessária
(510.º).

A questão da fiscalização da constitucionalidade das normas – cláusulas das


convenções coletivas: a jurisprudência maioritária do TC foi durante muito tempo no
sentido de que não são normas mas cláusulas contratuais e por isso não estão sujeitas
a fiscalização pelo Tribunal Constitucional (Ac. 224/2005). Contudo, em acórdão mais
recente – 174/2008 – o TC já admita essa fiscalização. Parece ser esta última a posição
da doutrina que vai buscar argumentos à interpretação no n.º 4 do artigo 56.º CRP.

2. Usos laborais

Usos da empresa, (dispensa no aniversário), usos da profissão (gorjetas 260.º, n.º3).


São meios de integração ou complemento do contrato.
Prevalece o sentido do artigo 3.º do CC, ou seja, não podem ser contrários à boa-fé e
tem que existir lei que os determine.
Vejam-se, a título de exemplo, os arts. 197º/2-a) (interrupções de trabalho
compreendidas no tempo de trabalho), 154º/3-b) (subsídio de refeição dos trabalhadores

56
a tempo parcial), 258º/1 (composição da retribuição), 260º/1-a) (ajudas de custo),
260º/3-a) (gratificações), 278º/1 (periodicidade do pagamento da retribuição).
Outro exemplo: numa determinada empresa nunca se marcaram férias entre Maio e
Outubro: nada está escrito; é apenas a prática da empresa, desde a sua fundação, uma
vez que se dedica ao turismo (hotel).

3. A hierarquia das fontes


O Direito Internacional e o Direito Europeu (primário e derivado) e a Constituição da
República Portuguesa estão no topo da hierarquia normativa laboral.
A Lei e os IRCT estão num segundo nível, tendo de observar as normas constitucionais
e internacionais e europeias.
As normas dos IRCT podem prevalecer sobre normas legais desde que sejam mais
favoráveis aos trabalhadores.

Os artigos 481.º e segts referem-se à concorrência entre IRCT dispondo normas sobre a
resolução de conflitos nos casos de ser aplicável mais do que um IRCT.

Ao mesmo nível dos IRCT estão os usos laborais: como vimos, ambos são fontes
específicas do Direito do Trabalho (artigo 1.º).

As normas contratuais são cláusulas elaboradas no âmbito da autonomia privada, não


são normas jurídicas. Têm, pois, que respeitar todas as demais normas aplicáveis.

Atenção: o artigo 3.º, n.º 1, admite que os IRCT derroguem a lei (disposições do Código
do Trabalho, designadamente). Esta possibilidade genérica sofre uma constrição no n.º
3 desse artigo 3.º, no qual se elencam matérias em que os IRCT só podem derrogar a lei
num sentido mais favorável.
Da leitura conjugada dos n.ºs 1 e 3 desse artigo 3.º resulta, então, que, fora das
matérias aí elencadas, os IRCT podem derrogar a lei mesmo num sentido menos
favorável.

[os tópicos 4, 5, 6 e 7 não foram lecionados este ano letivo]

8. O Contrato de Trabalho

57
O Código Civil já prevê, desde 1967, ano da sua entrada em vigor, o contrato de
trabalho como contrato típico.

O artigo 1152.º CC refere-se ao contrato de trabalho como «aquele pelo qual uma
pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a
outra pessoa, sob a autoridade e direção desta».
O artigo 1153.º CC acrescenta que «o contrato de trabalho está sujeito a legislação
especial». Ora, essa legislação especial é, nomeadamente, o Código do Trabalho.

Note-se que o Código do Trabalho data apenas de 2003, pelo que a remissão do artigo
1153.º CC, até essa data, era para toda a legislação do trabalho aplicável aos contratos
de trabalho.

Também o artigo 11.º do Código do Trabalho contém uma definição de contrato de


trabalho: «é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a
prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a
autoridade destas». Comparando as duas definições podemos concluir que são
praticamente idênticas.
É, pois, um contrato típico.

9. Elementos essenciais do contrato de trabalho:


Dos artigos citados resulta que são elementos essenciais do contrato de trabalho – ou
seja, elementos que, se não estiverem presentes, nos permitem concluir que não
estamos perante um contrato de trabalho – os seguintes:

a) atividade humana: uma das partes no contrato compromete-se a uma prestação de


facto positivo – uma atividade laboral. Trata-se do que se designa uma obrigação de
meios e não uma obrigação de resultado.
b) retribuição: existe um nexo sinalagmático, uma ligação de correspetividade, entre a
prestação da atividade e a remuneração a que o trabalhador tem direito (258.º CT). A
prestação deve ser pecuniária, ou, sendo parcialmente pecuniária, ser avaliável em
dinheiro (259.º CT). Deve tratar-se de uma prestação periódica e duradoura. Sobre as

58
características da remuneração iremos desenvolver mais à frente algumas
considerações.
c) Subordinação jurídica: o trabalhador fica sob a autoridade e direção do empregador
(ou de alguém em quem este delegue esse poder pois, como veremos, nas empresas o
poder de direção normalmente é exercido por um superior hierárquico do trabalhador,
um chefe de equipa ou de setor, etc.). O poder de direção é essencial para a
concretização da atividade, ou seja, alguém tem que dar ordens ao trabalhador, quer
dizer, tem que lhe dizer o que tem de fazer: o poder de direção pressupõe o dever de
obediência. Inclui igualmente o poder disciplinar sempre que exista uma violação pelo
trabalhador dos seus deveres.

10. Características do Contrato de Trabalho

1 – Contrato oneroso:
Como vimos, um contrato é um negócio jurídico bilateral em que convergem duas
declarações de vontade de conteúdo oposto. Trata-se de um contrato que não é
gratuito, ou seja, nenhuma das partes oferece a sua prestação; pelo contrário, cada
prestação, ou seja, aquilo que cada parte – trabalhador e empregador – dá à outra tem
valor: a atividade do trabalhador e a remuneração dessa atividade pelo empregador.

2 – Contrato sinalagmático:
Diz-se sinalagmático o contrato em que ambas as prestações principais são
reciprocamente a razão de ser da outra, quer dizer, o empregador paga o salário porque
o trabalhador presta a sua atividade; este trabalha para receber a remuneração. Há pois
correspetividade das obrigações principais (trabalho e salário).

Há, porém, situações em que não há atividade MAS o salário continua a ser devido
(faltas justificadas, feriados, férias). Tal é assim por intervenção do legislador, cujas
preocupações sociais determinam que assim é por motivos sociais.

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3 – (pode ser um) Contrato de adesão
Um contrato de adesão é aquele em que uma das partes adere, ou seja, aceita sem
negociação, a proposta da outra parte. Acontece muitas vezes que o trabalhador limita-
se a aceitar o que a entidade empregadora lhe propõe como condições: seja em
formulário geral de contratação seja em regulamento interno da empresa: artigos 104.º e
105.º CT.

4 - Contrato duradouro
Há contratos duradouros e contratos de execução instantânea. Nestes, as prestações
das duas partes esgotam-se num determinado momento, e o contrato deixa de existir: é
o normal nos contratos de consumo (com ressalva das obrigações de garantia do bom
funcionamento do bem). Quando se compra um café no bar, ou se faz compras no
supermercado. Todavia, o contrato de trabalho, tal como o arrendamento ou o
casamento, são contratos destinados a perdurar no tempo, mantendo-se os deveres das
partes durante esse tempo.

Esta característica que afeta o regime jurídico do contrato, por exemplo, no que toca aos
efeitos da invalidade (mantém-se os efeitos passados), à suspensão contratual (só a
execução de um contrato que perdura no tempo é que pode ser suspensa), no relevo da
antiguidade, (o tempo de contrato de cada trabalhador pode ter efeitos no salário, na
ordem de despedimento no caso de despedimento coletivo).

5 – Será um contrato intuitu personae?

A expressão latina acima significa que o contrato é celebrado com aquele trabalhador
em virtude das suas características pessoais, ou seja, por ele ser quem é, em virtude
das suas características pessoais, dos seus conhecimentos técnicos, das suas
habilitações, etc. Mas, … será assim?
Hoje há muitos postos de trabalho que podem ser desempenhados por qualquer
trabalhador; quanto mais indiferenciado em termos habilitacionais o trabalhador for, mais
concorrência ele tem para ocupar um determinado posto.
É certo que a prestação do trabalho é pessoal; ou seja, o trabalhador não se pode fazer
substituir, (salvo consentimento do empregador). Mas será infungível? Se ele sair, não
haverá logo outro para o seu lugar, sem que a empresa se ressinta da saída dele?

60
O que equivale a perguntar: o contrato de trabalho é um negócio fiduciário (fidúcia =
confiança)? Assenta, como elemento essencial, na confiança especial do empregador
no trabalhador: em regra não. Na verdade, nas grandes empresas, um trabalhador é um
entre centenas, que tem apenas contacto com as suas chefias diretas.

6 - O contrato de trabalho é um contrato não formal (em regra). Significa que basta
acordo de vontades, mesmo verbal para que o contrato se considere perfeito: é o que
nos diz o artigo 110.º CT, lido em conjugação com o artigo 219.ºCC.

Porém, há muitos tipos de contratos que só são válidos se forem celebrados por escrito
(contrato de trabalho celebrado com trabalhador estrangeiro ou apátrida (artigo 5.º), o
contrato de trabalho com pluralidade de empregadores (101.º) promessa de contrato de
trabalho (103.º) contrato a termo, certo e incerto (135.º, 141.º; 147.º); Alteração da
duração do trabalho a tempo parcial (155.º), contrato de trabalho intermitente (158.º),
contrato para exercício de cargo ou funções em comissão de serviço (162.º), contrato
para prestação subordinada de teletrabalho (166.º); contrato de utilização de trabalho
temporário e o contrato de trabalho temporário e o contrato de trabalho por tempo
indeterminado para cedência temporária (177.º; 181.º, 183.º).

Deverá ter-se em atenção, para estes casos, o regime previsto para os casos de
exigência de forma (220.º do Código Civil) e regime de invalidade (121.º e segts. do CT).
Consta dos artigo 106.º que o empregador deve informar o trabalhador sobre «aspetos
relevantes do contrato de trabalho» e o artigo 107.º dispõe que a informação prevista no
artigo anterior deve ser prestada por escrito, podendo constar de um ou de vários
documentos, assinados pelo empregador (n.º 1). Quando a informação seja prestada
através de mais de um documento, um deles deve conter os elementos referidos nas
alíneas a) a d), h) e i) do n.º 3 do artigo anterior (n.º 2).

Ora, o artigo 106.º diz que «O empregador deve prestar ao trabalhador, pelo menos, as
seguintes informações:
a) A respetiva identificação, nomeadamente, sendo sociedade, a existência de uma
relação de coligação societária, de participações recíprocas, de domínio ou de grupo,
bem como a sede ou domicílio;

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b) O local de trabalho ou, não havendo um fixo ou predominante, a indicação de que o
trabalho é prestado em várias localizações;
c) A categoria do trabalhador ou a descrição sumária das funções correspondentes;
d) A data de celebração do contrato e a do início dos seus efeitos;
e) A duração previsível do contrato, se este for celebrado a termo;
f) A duração das férias ou o critério para a sua determinação;
g) Os prazos de aviso prévio a observar pelo empregador e pelo trabalhador para a
cessação do contrato, ou o critério para a sua determinação;
h) O valor e a periodicidade da retribuição;
i) O período normal de trabalho diário e semanal, especificando os casos em que é
definido em termos médios;
j) O número da apólice de seguro de acidentes de trabalho e a identificação da entidade
seguradora;
l) O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, se houver.
m) A identificação do fundo de compensação do trabalho ou de mecanismo equivalente,
bem como do fundo de garantia de compensação do trabalho, previstos em legislação
específica.
4 - A informação sobre os elementos referidos nas alíneas f) a i) do número anterior
pode ser substituída pela referência às disposições pertinentes da lei, do instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho aplicável ou do regulamento interno de empresa.
(…)»
Da leitura conjugada destas duas normas (106.º e 107.º) decorre que, apesar de não
estar sujeito a forma escrita, a celebração do contrato implica que, no início da relação
jurídico-laboral o empregador transmita, por escrito, ao trabalhador um conjunto de
informações muito vasto, o que, na prática, equivale à função da forma escrita do
contrato e visa proteger os mesmos interesses de certeza jurídica.

11. Distinção entre Contrato de Trabalho e Contrato de prestação de serviço


(1154.º CC)

Deve começar por analisar-se os artigos 1152.º e 1154.º CC. Ao primeiro já nos
referimos; o segundo refere-se ao «contrato de prestação de serviço», que é aquele em
que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho

62
intelectual ou manual, com ou sem retribuição. O código civil refere-se a vários tipos de
contrato de prestação de serviço: mandato, avença, empreitada, depósito.
O artigo 1156.º dispõe que as disposições sobre o mandato (1157.º a 1185.º) são
aplicadas às prestações de serviço atípicas.

Ora, esta problemática – da distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação


de serviço – é muito pertinente porque assistimos, na realidade, ao despenho de
atividades por conta de outrem a coberto de contratos de prestação de serviço.

Contudo, estes dois tipos de contratos têm os seguintes elementos distintivos:


a) Quanto à retribuição: «mediante retribuição»/«com ou sem retribuição»
b) Quanto ao conteúdo da obrigação: o trabalhador compromete-se a uma atividade; o
prestador de serviços compromete-se a obter um resultado final.
c) Instruções do credor: no contrato de trabalho há «autoridade e direção» por parte do
empregador sobre o trabalhador. Na prestação de serviços há liberdade de ação por
parte do prestador.

Dito isto, deve acrescentar-se o seguinte: não há nenhuma atividade, pela sua natureza,
que esteja excluída de um ou outro tipo de contrato. Todas as atividades podem ser
prestadas no âmbito de um contrato de trabalho ou no âmbito de um contrato de
prestação de serviço. Então qual é o problema? É que, a coberto de um contrato de
prestação de serviço podemos ter, afinal, uma atividade laboral com horário certo, com
poder de direção do «beneficiário da atividade», leia-se, do empregador, sem descontos
obrigatórios para a segurança social, sem a segurança que resulta do facto de um
trabalhador não poder ser despedido sem motivo, enquanto um contrato de prestação de
serviço pode ser resolvido (conceito de resolução: cessação) sem qualquer limitação.
Estamos pois, frequentemente, perante um problema da fraude à lei: simulação
contratual: falsos recibos verdes.

Mas isso quer dizer que os contratos de prestação de serviço são ilegais? Não, só serão
ilegais se não forem verdadeiras prestações de serviço mas sim contratos de trabalho
«disfarçados» de prestação de serviço.

63
Com a preocupação de facilitar a destrinça o legislador estabeleceu uma «presunção
de laboralidade» no artigo 12.º do Código do Trabalho.

O que são presunções? São ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um
facto desconhecido. Assim, a referida norma contém um conjunto de factos: se pelo
menos dois deles se verificarem então presume-se que a relação jurídica constitui um
contrato de trabalho.
Significa que, se o prestador da atividade (leia-se: o trabalhador) quiser demonstrar, por
que lhe é conveniente – para não ser mandado embora, para ter descontos para a
segurança social, ter outros direitos como trabalhador – que o seu contrato é um
contrato de trabalho, basta-lhe provar dois dos factos do artigo 12.º; por exemplo: presta
a atividade e o local pertencente ao beneficiário (al. a) e tem horário de trabalho (al. c).
Se o fizer, então passa a ser o beneficiário da atividade a ter de demonstrar que, apesar
disso, há outras características da relação jurídica que não se verificam: o beneficiário
não dá ordens, os equipamentos e materiais pertencem ao prestador, o pagamento é
efetuado apenas quando a atividade termina ou atinge um certo número de bens
produzidos, etc.

Se se tratar de uma falsa prestação de serviço, um falso «recibo verde», com costuma
dizer-se, o empregador está sujeito a um processo contra-ordenacional, porquanto
constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de
atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de
contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado
(artigo 12.º, n.º 2). Ver, a esse propósito, os artigos 548.º e segts. do CT.

Em conexão com esta norma devem referir-se os artigos 186.º-K a 186.º-R do Código de
Processo do Trabalho que estabelecem uma ação especial para reconhecimento da
existência de contrato de trabalho, à qual podem recorrer os prestadores de atividade
laboral que queiram ser reconhecidos como «trabalhadores».

12. A celebração do contrato de trabalho

Neste capítulo devemos ter presente o que estudámos sobre os elementos do negócios
jurídico, designadamente no que respeita à capacidade para celebrar um tal contrato.

64
Vejamos: antes de mais devemos partir da assunção de que as partes, quando celebram
um contrato, têm ampla liberdade para, por um lado, celebrar esse contrato (quando e
como quiserem) e para fixar o conteúdo desse contrato (liberdade de estipulação:
estipular significa estabelecer cláusulas contratuais). Leia-se o artigo 405.º CC.

Contudo, como já vimos, quando nos referimos à natureza pública vs privada do Direito
do Trabalho, esta liberdade está bastante condicionada por normas legais e
convencionais (constantes de convenções coletivas) que impõe certos conteúdos
mínimos: quanto ao salário, ao horário, às férias, ao regime de faltas, etc.).

Ora, de acordo com o Código do Trabalho, pode celebrar contratos de trabalho quem
tiver capacidade jurídica nos termos do Código Civil. É o que nos diz o artigo 13.º CT.

Como vimos, não têm essa capacidade os menores e os maiores acompanhados. No


caso destes últimos valem as disposições do Código Civil que nos dizem que a sentença
judicial que determinar o acompanhamento define os termos e as limitações o exercício
da capacidade jurídica, quer para celebrar contratos, designadamente contrato de
trabalho, quer para cumprir as obrigações decorrentes desse contrato.

Já quanto aos menores encontramos no Código do Trabalho normas específicas.


O art. 66.º impõe que o menor – para poder trabalhar - tenha a escolaridade obrigatória
realizada 9.º ano (exceções art. 68.º, n.º 3) e a idade mínima 16 anos (artigo 68.º, n.º 2);
capacidade física e psíquica:
«1 - Só pode ser admitido a prestar trabalho o menor que tenha completado a idade
mínima de admissão, tenha concluído a escolaridade obrigatória ou esteja matriculado e
a frequentar o nível secundário de educação e disponha de capacidades físicas e
psíquicas adequadas ao posto de trabalho.
2 - A idade mínima de admissão para prestar trabalho é de 16 anos».

Tenhamos em conta que «poder trabalhar» é uma coisa, poder o menor «celebrar o
próprio contrato de trabalho» é outra.

65
Diz o artigo 70.º: «1 - É válido o contrato de trabalho celebrado por menor que tenha
completado 16 anos de idade e tenha concluído a escolaridade obrigatória ou esteja
matriculado e a frequentar o nível secundário de educação, salvo oposição escrita dos
seus representantes legais.
2 - O contrato celebrado por menor que não tenha completado 16 anos de idade, não
tenha concluído a escolaridade obrigatória ou não esteja matriculado e a frequentar o
nível secundário de educação só é válido mediante autorização escrita dos seus
representantes legais».

No artigo 70.º, n.º 3, temos ainda uma norma importante: «O menor tem capacidade
para receber a retribuição, salvo oposição escrita dos seus representantes legais».

Outra questão que se coloca quanto à celebração de um contrato de trabalho é a de


saber se uma pessoa pode celebrar um contrato de trabalho quando já tem um: é a
questão do pluriemprego e das suas limitações (resultantes da lei, de IRCT ou do
contrato de trabalho existente) podem suscitar questões de legitimidade.
Não olvidar que qualquer trabalhador pode ter mais do que um contrato de trabalho… se
tem ou não condições para cumprir devidamente cada um deles essa é outra questão
(que se prende, designadamente, com questões relacionadas com a proibição de
concorrência e de respeito pelo dever de repouso).

A legitimidade distingue-se da capacidade, porque enquanto esta se refere a uma


possibilidade genérica de celebrar contratos, designadamente contratos de trabalho, a
primeira refere-se a uma possibilidade concreta de celebrar, num determinado contexto,
um determinado contrato de trabalho.
Por exemplo, se já se tem um contrato de trabalho pode, num contexto específico, não
se ter legitimidade para celebrar um (outro) contrato de trabalho.
Ou, por exemplo, se não se tem carta de condução não se pode celebrar um contrato de
trabalho como motorista, mas já se pode celebrar um qualquer outro contrato de trabalho
(desde que se tenha habilitações para tal, obviamente…).

Diz o artigo 117.º «Sempre que o exercício de determinada atividade se encontre


legalmente condicionado à posse de título profissional, designadamente carteira
profissional, a sua falta determina a nulidade do contrato».

66
Ainda a propósito da celebração do contrato devemos recordar que a atividade e a
finalidade do contrato têm de ser lícitas, quer dizer, respeitadoras da lei; … não podem
ser ilegais, sob pena de o contrato ser nulo: é o que acontece ao contrato de um
trabalhador para trabalhar numa prensa de falsificação de notas, ou para realizar
transporte de mercadorias proibidas (drogas, quadros roubados, etc.).
A questão da ilicitude do objeto ou fim do contrato está prevista no artigo 280.º CC e tem
ainda como consequência a perda a favor do IGFSS das vantagens auferidas pela parte
que conhecia a ilicitude (proceda-se à análise do artigo 124.º CT).

Uma outra questão muito importante que se coloca no momento da celebração do


contrato é a que respeita à igualdade e não discriminação na escolha do trabalhador
pelo empregador; Pode uma mulher ser discriminada no acesso à profissão de operário
da construção civil? E um homem impedido de ser educador de infância?

Nos artigos 23.º e segts. do CT encontramos a matéria relativa à igualdade e não


discriminação no emprego, mas também no acesso ao emprego – artigo 24.º CT.

Na linha do artigo 13.º da CRP, o CT, no artigo 24.º dispõe: o «trabalhador ou candidato
a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao
acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de
trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer
direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade,
sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação
económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de
trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça,
território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação
sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.
… e acrescenta o n.º 2, no que respeita ao momento da celebração do contrato (que é o
que aqui estamos a analisar)
«2 - O direito referido no número anterior respeita, designadamente:
a) A critérios de seleção e a condições de contratação, em qualquer sector de atividade
e a todos os níveis hierárquicos;
(…).»

67
A prática de ato discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-
lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos
gerais de direito (artigo 28.º).

Quanto ao processo de formação de um contrato de trabalho o Código contém ainda


uma norma importante: o artigo 102.º refere que «quem negoceia com outrem para a
conclusão de um contrato de trabalho deve, tanto nos preliminares como na formação
dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos
culposamente causados», designadamente, por exemplo, quando o empregador não
adotar a forma escrita no contrato quando tal seja obrigatório.

A este propósito recordemos ainda que, muito frequentemente, não existe qualquer
negociação das condições do contrato; o empregador faz uma proposta de trabalho mas
remete todos os aspetos relacionados com o contrato (trabalho a desempenhar, o
salário, horário, local, e todas os demais direitos e obrigações) por remissão para
regulamento interno da empresa (104.º) ou para IRCT (pressuposto no artigo 105.º).
Presume-se a aceitação tácita pelo trabalhador caso se não oponha por escrito nos 21
dias seguintes ao conhecimento.
Note-se ainda que, em relação a qualquer cláusula do contrato sobre um «aspeto
essencial» deste que não tenha sido negociada especificamente, ou que se aplique por
remissão para regulamento interno ou para IRCT 3, aplica-se o regime das cláusulas
contratuais gerais: é o que dispõe o artigo 105.º.

Trata-se de um regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, (alterado pelos
DL n.º 220/95, de 31/8, Rectif. n.º 114-B/95, de 31/8, DL n.º 249/99, de 7/7, DL n.º
323/2001, de 17/12e Lei n.º 32/2021, de 27/5)
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_print_articulado.php?
tabela=leis&artigo_id=&nid=837&nversao=&tabela=leis
No preâmbulo desse diploma pode ler-se as seguintes considerações explicativas das
preocupações do legislador: «As sociedades técnicas e industrializadas da atualidade
introduziram, contudo, alterações de vulto nos parâmetros tradicionais da liberdade
contratual. A negociação privada, assente no postulado da igualdade formal das partes,
não corresponde muitas vezes, ou mesmo via de regra, ao concreto da vida. Para além
3
Apesar de o artigo 3.º do DL 446/83 excecionar da aplicação do seu conteúdo as cláusulas dos irct.

68
do seu nível atomístico, a contratação reveste-se de vetores coletivos que o direito deve
tomar em conta. O comércio jurídico massificou-se: continuamente, as pessoas
celebram contratos não precedidos de qualquer fase negociatória. A prática jurídico-
económica racionalizou-se e especializou-se: as grandes empresas uniformizam os seus
contratos, de modo a acelerar as operações necessárias à colocação dos produtos e a
planificar, nos diferentes aspetos, as vantagens e as adscrições que lhes advêm do
tráfico jurídico.
O fenómeno das cláusulas contratuais gerais fez, em suma, a sua aparição, estendendo-
se aos domínios mais diversos. São elaborados, com graus de minúcia variáveis,
modelos negociais a que pessoas indeterminadas se limitam a aderir, sem possibilidade
de discussão ou de introdução de modificações. Daí que a liberdade contratual se cinja,
de facto, ao dilema da aceitação ou rejeição desses esquemas predispostos
unilateralmente por entidades sem autoridade pública, mas que desempenham na vida
dos particulares um papel do maior relevo».

Ainda no âmbito da celebração do contrato de trabalho é usual mencionar-se a


possibilidade de ser celebrado não um contrato de trabalho mas um contrato-promessa
de trabalho. De acordo com o artigo 410.º CC: «À convenção pela qual alguém se
obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato
prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se
devam considerar extensivas ao contrato-promessa». O artigo 103.º CT dispõe sobre o
contrato-promessa de trabalho, impondo a forma escrita – o que significa uma forma
mais solene que o contrato definitivo se este não estiver sujeito a forma.

Devem estar identificadas as duas partes e não apenas do promitente se apenas for
uma parte a prometer ou promitentes (103.º, n.º 1, al. a). Do conteúdo tem de constar a
vontade inequívoca de celebrar contrato definitivo a atividade a prestar e correspondente
retribuição.
Não se aplicam, por exemplo, as disposições sobre a efetiva prestação de trabalho ou
sobre a remuneração, cuja vigência depende da celebração do contrato definitivo.

Na fase da formação do contrato, e ainda motivado pelo dever de atuar de acordo com
os ditames da boa-fé, existe um dever mútuo de informação sobre aspetos relevantes do
contrato e da prestação de trabalho.

69
Já acima nos referimos ao conteúdo do 106.º CT e à importância das informações
elencadas no seu n.º 3 (e que devem ser prestadas por escrito, como manda o artigo
107.º).
Todavia, não podemos esquecer que, de acordo com o n.º 2 do artigo 106.º, também o
trabalhador deve informar o empregador sobre aspetos relevantes para a prestação da
atividade laboral: se é crente de uma determinada religião que o impeça de realizar
certas tarefas ou o obrigue a certas paragens durante o dia de trabalho ou implique um
dia de descanso diferente do estabelecido para os demais trabalhadores, se é portador
de alguma deficiência ou doença. Na doutrina discute-se se, quanto aos aspetos
relativos à saúde, ou, por exemplo, se a candidata a trabalhadora se encontra grávida,
existe ou não esse dever de informar o empregador na altura da celebração do contrato.
Entende-se que, quando tal seja relevante para as concretas funções a que se
candidata, porque, por exemplo, trabalhará com agentes tóxicos ou patogénicos, existe
esse dever (embora o pedido de informação deva ser explicado por escrito e a
informação prestada a médico – artigo 17.º a 19.º CT) (esta questão está, como
veremos, relacionada com os deveres de sigilo quanto a aspetos de saúde do
trabalhador e quanto à não-discriminação em função do género no acesso ao emprego).
Relacionar com o que se dirá abaixo sobre a possibilidade de o empregador exigir certo
tipo de informações pessoais e a necessidade de proteção de dados pessoais.
Coloca-se também a questão de saber se é lícito o fornecimento, pelo trabalhador, de
informações erradas ou falsas sobre matérias que o empregador não possa perguntar.
Parece-nos que não, por força do dever de agir de boa-fé na formação do contrato.

O empregador tem um direito de entrevistar o candidato e de perguntar sobre aptidões e


habilitações e ainda o de sujeitar os candidatos a testes psicotécnicos para efeitos da
celebração do contrato e, antes disso, para eventual seleção do/dos trabalhador/es a
ser/em contratado/s.

Uma questão que se coloca é a de saber se esta sujeição a testes psicotécnicos pode
ser utilizada em relação a trabalhadores já com contrato, com vista a confirmar a posse
das suas capacidades, eventualmente em vista de um processo de despedimento por
inadaptação, por exemplo. Falaremos disto mais à frente.

70
13. O período experimental.

Entre os artigos 111.º e 114.º o CT dispõe sobre o período experimental.

Este período corresponde ao período inicial de execução do contrato de trabalho,


durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.

O empregador observa se o trabalhador corresponde ao que espera dele para o


exercício da atividade em causa.
Mas também o trabalhador aprecia se o trabalho que lhe é proposto é do seu agrado.
Ambas as partes estão «a experimentar».

Todavia, como bem se compreende, o período experimental é «mais perigoso» para o


trabalhador, normalmente mais dependente economicamente do contrato de trabalho.
Todavia, as duas partes devem agir de modo a permitir que se possa apreçar o
interesse na manutenção do contrato, agindo de boa-fé.

Não é necessário o contrato prevê-lo: decorre da lei, seja o contrato de duração


indeterminada (112.º) ou a termo (112, n.º 2.º): mas pode ser excluído (ou reduzido)
por acordo escrito das partes (111, n.º 3.º).

O que o período experimental tem de «perigoso» para o trabalhador é que, salvo acordo
escrito em contrário, qualquer das partes – e, portanto, o empregador - pode denunciar o
contrato, sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não
havendo direito a indemnização. (tendo o período experimental durado mais de 60 dias,
a denúncia do contrato por parte do empregador depende de aviso prévio de sete dias e
tendo durado mais de 120 dias, a denúncia do contrato por parte do empregador
depende de aviso prévio de 15 dias).

Iremos estudar mais à frente que a resolução do contrato de trabalho pelo empregador exige justa causa
(351.º) (despedimento por causa subjetiva) ou confere ao trabalhador direito a ser indemnização
(resolução por causas objetivas: despedimento coletivo, por inadaptação e por extinção de posto de
trabalho).

71
Se não for dado o pré-aviso a denúncia é ilícita porque não se pode invocar a denúncia
ao abrigo do período experimental., e, então, deveria ter havido procedimento disciplinar
com vista ao despedimento (382.º, n.º 1 e 329.º CT).

O período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador


(e não da data da celebração do contrato, que pode ser anterior), compreendendo ação
de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da
duração daquele período; não contam os dias de faltas, mesmo que justificadas, de
licença e de dispensa, bem como de suspensão do contrato. (113.º). É contado de forma
contínua, ou seja, abrange os dias de descanso semanal e os feriados.

É ilícito o despedimento durante o p.e. com base em motivos políticos, ideológicos,


religiosos, etc. ou com intuitos discriminatórios (embora possa ser difícil para o
trabalhador provar…).
A denúncia pode ser feita oralmente e não está sujeita a procedimento, embora haja
quem defenda que, se tiver na sua base motivos disciplinares deve ser antecedido de
processo disciplinar, com as devidas garantias de defesa do trabalhador.
Vários autores alertam para as situações de abuso de direito (334.º CC) no exercício da
denúncia: deve corresponder a uma efetiva e fundamentada desadequação do
trabalhador, e não ser um aproveitamento do período experimental para ter um
verdadeiro «contrato a termo».
Os sindicatos alertam para que o período experimental, mesmo o de duração mais curta
para a generalidade dos trabalhadores – 90 dias – pode ser utlizado como um «contrato
a termo certo» sem as exigências formais deste tipo de contrato, configurando uma
distorção da função do período experimental e da sua teleologia.

14. Os Direitos fundamentais do trabalhador e os seus limites

O tópico que aqui se aborda diz respeito à aplicação dos direitos fundamentais – matéria
constante, em termos genéricos, dos artigos integrantes da Parte I da CRP - aos
trabalhadores, que são, como vimos «aquelas pessoas que desenvolvem uma atividade
profissional a coberto de um contrato de trabalho».

72
Nos artigos 14.º a 22.º do CT temos normas que visam a tutela da personalidade do
trabalhador. A ideia é esta: a celebração de um contrato de trabalho implica uma
autolimitação dos direitos de personalidade; quer dizer, ao celebrar um contrato de
trabalho o trabalhador fica sujeito às ordens e ao poder de direção do empregador, às
normas dos regulamentos internos da empresa, ao poder disciplinar, etc.; sofre uma
necessária limitação à sua liberdade, mas que ele aceita.
Apesar disso, o trabalhador é uma pessoa com direitos que têm de ser respeitados pelo
empregador (e pelos colegas de trabalho e pelos clientes da empresa).

- Direito à integridade física e moral: 25.º CRP e 15.º CT. Referência aos artigos 15.º
quanto à segurança física e 29.º quanto ao assédio.

- Liberdade de expressão: artigo 14.º CT (e art. 37.º da CRP): «É reconhecida, no


âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião,
com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as
pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa. Pode
fazer críticas e sugestões sobre a gestão da empresa, ou sobre questões gerais. Esta
liberdade não pode ser limitada, nem quando o trabalhador está fora da empresa.
Existem, contudo, dois limites: os direitos de personalidade da outra parte (respeito
pelos direitos de pessoas singulares: colegas, clientes e empregadores – e de pessoas
coletivas – a empresa) e a não afetação do normal funcionamento da empresa (críticas à
gestão em público podem prejudicar a clientela).

A doutrina alerta para que, em empresas ideológicas ou de tendência (partidos políticos,


clubes, associações, instituições religiosas) poderá ser de admitir a exigência do
respeito pela ideologia ou tendência específica dessa empresa, onde tal se justifique:
num colégio católico só católicos podem ser contratados… para dar aulas de religião ou
história e filosofia católicas; num clube de futebol ou num partido, é normal que se exija
aos trabalhadores que sejam filiados no partido ou inscritos no clube…).

Entre os aspetos incluídos no direito à reserva da intimidade da vida privada estão quer
o acesso, quer a divulgação de aspetos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes
(ou seja, … também do empregador), nomeadamente relacionados com a vida familiar,

73
afetiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas
(artigo 16.º).
A recolha de dados pessoais pelo empregador tem pois de respeitar o artigo 16.º, n.º 1,
(esfera privada) e n.º 2 (esfera íntima); admite-se a cedência voluntária dos dados (81.º,
n.º 2 CC); controlo da utilização dos dados pelo trabalhador (17.º, n.º3).

Aqui se inclui igualmente a proibição da devassa dos aspetos privados da vida do


trabalhador (a vigilância de comunicações dos trabalhadores; averiguação da vida do
trabalhador fora do trabalho – haverá limites, claro, como os casos em que a profissão o
exija: praticantes desportivos, por exemplo).

A questão do controlo do correio eletrónico coloca-se aqui: os empregadores podem


estabelecer regras quanto à utilização da internet; mas não podem, em princípio,
controlar as mensagens de email dos trabalhadores. O artigo 22.º diz: «O trabalhador
goza do direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das
mensagens de natureza pessoal e acesso a informação de carácter não profissional que
envie, receba ou consulte, nomeadamente através do correio eletrónico. O disposto no
número anterior não prejudica o poder de o empregador estabelecer regras de utilização
dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio eletrónico».
É também possível o registo dos números de telefone de destino de chamadas
efetuadas pelos trabalhadores (279.º, n.º 2, al. e) para descontar nos salários o valor das
chamadas que não tenham justificação profissional (e mesmo para efeitos disciplinares,
se tal uso for proibido).

Quer o artigo 18.º, n.º 1 (dados biométricos), quer o artigo 21.º, n.º 1 (utilização de meios
de vigilância a distância) preveem, respetivamente, a sujeição das bases de dados
biométricos ao dever de notificação à Comissão Nacional de Proteção de Dados e a
obrigação de obter a autorização prévia da CNPD. Esta última obrigação parece
contradizer o Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27 de Abril que não impõe um tal
dever.
A Lei 58/2019 de 8/8 executa as obrigações normativas impostas pelo Regulamento da
UE.4 https://www.ucp.pt/pt-pt/catolicainstitucional/protecao-de-dados-pessoais
4
No seu artigo 28.º da Lei 58/2021 Relações laborais, dispõe «1 — O empregador pode tratar os dados pessoais
dos seus trabalhadores para as finalidades e com os limites definidos no Código do Trabalho e respetiva legislação
complementar ou noutros regimes setoriais, com as especificidades estabelecidas no presente artigo. 2 — O

74
Ainda em matéria de tratamento de dados a lei admite que sejam recolhidos e tratados
dados relativos à filiação sindical (492, n.º 3, CT) desde que utilizados para cobrança por
retenção na fonte e entrega de quotas sindicais.

Entre as várias liberdades que devem ser respeitadas estão a liberdade de escolha da
apresentação e vestuário – o que conduz, por exemplo, à proibição de imposição de
uniforme não justificado.
Mas há, obviamente, justificações para a imposição de certo tipo de vestuário ou regras
de vestuário: exceções baseadas em regras de higiene e segurança; regras de distinção
em relação aos clientes; vestuário que afete a «imagem da empresa» pode ser proibido;
normalmente tal acontece nas empresas com atendimento ao público: bancos, hotéis,
etc..

E também a liberdade de religião (41.º CRP); um muçulmano que se recusa a cortar


carne de porco num talho, pode ser despedido? Deverá existir equilíbrio entre liberdade
individual com os interesses da empresa no que respeita à utilização de símbolos, às
interrupções para oração; etc.:

É claro que, à semelhança do Estado, que é laico e separado de qualquer igreja,


também uma empresa pode definir, por regulamento, de forma expressa, clara e
transmitida a todos os trabalhadores antes do início do contrato de trabalho, uma política
interna de proibição de qualquer manifestação, por parte dos trabalhadores, dentro ou
fora da empresa, de condutas ou símbolos religiosos. Por exemplo, pode proibir o uso
do véu muçulmano ou de uma cruz visível dentro das instalações ou, mesmo fora delas,
durante o período de trabalho, quando em representação do empregador.

número anterior abrange igualmente o tratamento efetuado por subcontratante ou contabilista certificado em nome
do empregador, para fins de gestão das relações laborais, desde que realizado ao abrigo de um contrato de
prestação de serviços e sujeito a iguais garantias de sigilo. 3 — Salvo norma legal em contrário, o consentimento
do trabalhador não constitui requisito de legitimidade do tratamento dos seus dados pessoais: a) Se do tratamento
resultar uma vantagem jurídica ou económica para o trabalhador; ou b) Se esse tratamento estiver abrangido pelo
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do RGPD. 4 — As imagens gravadas e outros dados pessoais
registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos
termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal. 5 —
Nos casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser
utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do
processo penal. 6 — O tratamento de dados biométricos dos trabalhadores só é considerado legítimo para controlo
de assiduidade e para controlo de acessos às instalações do empregador, devendo assegurar- -se que apenas se
utilizem representações dos dados biométricos e que o respetivo processo de recolha não permita a
reversibilidade dos referidos dados.»

75
Mas fará sentido proibir essas vestes se a trabalhadora é, por exemplo, operadora de
call center? (sem contacto com qualquer pessoa externa à empresa…)

Veja-se a Lei da Liberdade Religiosa, Lei n.º 16/2001, de 22/6


http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_print_articulado.php?
tabela=leis&artigo_id=806A0014&nid=806&nversao=&tabela=leis, em especial o artigo
14.º

À semelhança do que consta no referido artigo 41.º da CRP, no seu n.º 5, também as
questões relacionadas com a «objeção de consciência» se podem colocar no âmbito
específico do contrato de trabalho. Poderão verificar-se circunstâncias da execução do
contrato que violem a consciência do trabalhador: caso de recusa a participar nas
encomendas de armas para o Iraque por parte de uma judia, porque o Iraque utilizava as
armas para bombardear Israel (acórdão de tribunal alemão).

E poderá um trabalhador recusar participar na montagem de um palco – adjudicada à


empresa para a qual trabalha - num comício da comunidade LGBT, por não concordar
com essas orientações sexuais? ou a construir uma praça de touros, por não concordar
com touradas? Pode um médico recusar-se a fazer um aborto, por razões de
consciência? (artigo 6.º da Lei 16/2007, de 17 de abril) ou a recusar receitar
medicamentos contracetivos por razões de consciência?
A CRP permite a concessão do estatuto de objetor de consciência, nos termos a definir
na lei. No que às relações de trabalho diz respeito, poderá o artigo 15.º, que se refere à
proteção da integridade moral do trabalhador, servir de base às situações de recusa na
prestação de trabalho a que nos referimos?

Outra questão respeita ao direito à imagem. Consagrado no artigo 79.º CC: a imagem de
uma pessoa não pode ser exposta ou reproduzida sem o consentimento dela. O
empregador não pode recolher nem utilizar imagens dos trabalhadores sem
consentimento destes.

Com esta questão relaciona-se a utilização de meios de eletrónicos de captação de


imagens nas instalações da empresa. Tal é proibido se tiver como fim controlar o
desempenho dos trabalhadores, mas esses meios podem ser necessários por razões de

76
proteção e trabalhador ou de segurança das instalações: o empregador deve informar o
trabalhador da sua utilização (art. 20.º).

Para terminar este ponto devemos recordar que o trabalhador pode opor-se a
ordens/pedidos ou comportamentos do empregador que sejam contrários aos seus
direitos ou garantias (128.º. n.º 1, alínea e).
Para o efeito, se for necessário recorrer aos tribunais, dispõe, designadamente, do
Procedimento cautelar comum (32.º do Código de Processo do Trabalho – CPT), do
Processo especial para tutela dos direitos de personalidade do trabalhador
(especialmente os previstos nos artigos 14.º a 22.º do CT) (artigos 186.º-D a 186.º-F
CPT) e ainda o Processo especial relativo à igualdade e à não discriminação em função
do sexo: 186.º - G a 186.º - I (Conexionar com os artigos 30.º a 32.º do CT).

15. Igualdade de Tratamento. Proibição de discriminação

Na linha das ideias que referimos no ponto anterior, há que referir o princípio da
igualdade de tratamento entre os trabalhadores e da proibição de discriminação.
O art. 25.º CT explica: «1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação,
direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo
anterior.
2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado em fator de discriminação que
constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade
profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua
execução, devendo o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.
3 - São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que
sejam necessárias e apropriadas à realização de um objetivo legítimo, designadamente
de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional.
4 - As disposições legais ou de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que
justifiquem os comportamentos referidos no número anterior devem ser avaliadas
periodicamente e revistas se deixarem de se justificar.
5 - Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação
a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença
de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.

77
6 - O disposto no número anterior é designadamente aplicável em caso de invocação de
qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho ou à formação profissional ou nas
condições de trabalho, nomeadamente por motivo de dispensa para consulta pré-natal,
proteção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licenças
por parentalidade ou faltas para assistência a menores.
7 - É inválido o ato de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de
rejeição ou submissão a ato discriminatório».

Recorde-se que o artigo 23.º dispõe que para efeitos do presente Código, considera-se:
a) Discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma
pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou
venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente
neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação,
numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa
disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os
meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo
empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e
quantidade;
d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do
mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou
experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às
condições em que o trabalho é efectuado.
2 - Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade
prejudicar alguém em razão de um fator de discriminação. 5
5
«Algumas empresas afirmam que só pode entrar nas suas instalações quem provar estar vacinado e usar
máscara nas áreas comuns, clientes e trabalhadores incluídos. Mais avisaram que os trabalhadores que não o
façam estão obrigados a ficar em teletrabalho. Têm-se levantado muitas questões sobre as consequências da
pandemia nas relações de trabalho. No acesso ao emprego, e por que a vacina não é (ainda) obrigatória, será
fundamento para não contratar alguém que não esteja vacinado? Podem colocar-se questões aos candidatos
sobre os seus contactos, deslocações, estado de saúde, do próprio e/ou familiares. Ter ou não tomado a vacina
será uma pergunta que vai ser colocada. São questões de saúde do trabalhador, informação privada
especialmente protegida, mas que pode ser comprimida ao abrigo de um interesse legítimo da entidade
empregadora em prevenir o contágio da doença nas suas instalações. Na pendência da execução do contrato de
trabalho existem ainda outras questões e interesses a ponderar. Desde logo, e para além da alínea c) do n.º 1.º do
artigo 59.º da Constituição garantir o direito à prestação do trabalho em condições higiene, segurança e saúde,
existe o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, que impõe ao empregador o dever de
assegurar condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho, identificando os riscos
previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço. O mesmo regime determina ao
trabalhador a obrigação de cumprir com as prescrições de segurança e saúde no trabalho estabelecidas nas

78
-A discriminação indireta é pois a que resulta do tratamento igual de situações
diferentes, quer dizer, de dois trabalhadores diferentes (diferença em qualquer aspeto
relativo a esse trabalhador que, obviamente, justifique que o tratamento igual tenha
como efeito prático concreto uma discriminação, ou seja, um prejuízo, uma dificuldade,
para um desses trabalhadores: dar prémios iguais de produção mas a alguns
trabalhadores disponibilizar equipamentos, instrumentos e máquinas piores, que
produzem menos ou com maior dificuldade, colocar um trabalhador com uma deficiência
motora a fazer funções em igualdade de condições com um trabalhador sem essa
deficiência).

Em especial, os artigos 30.º e 31.º referem-se a um específico fator potencialmente


discriminatório: o género do trabalhador/a:
Artigo 30.º: «1 - a exclusão ou restrição de acesso de candidato a emprego ou
trabalhador em razão do sexo a determinada atividade ou à formação profissional
exigida para ter acesso a essa atividade constitui discriminação em função do sexo.
2 - O anúncio de oferta de emprego e outra forma de publicidade ligada à pré-selecção
ou ao recrutamento não pode conter, direta ou indiretamente, qualquer restrição,
especificação ou preferência baseada no sexo.
3 - Em ação de formação profissional dirigida a profissão exercida predominantemente
por trabalhadores de um dos sexos deve ser dada, sempre que se justifique, preferência
a trabalhadores do sexo com menor representação, bem como, sendo apropriado, a
trabalhador com escolaridade reduzida, sem qualificação ou responsável por família
monoparental ou no caso de licença parental ou adoção. (…)».

disposições legais e nas instruções determinadas com esse fim pelo empregador, bem como o dever de zelar pela
sua própria saúde e a das outras pessoas que possam ser afetadas pelas suas ações ou omissões no trabalho. O
vírus SARSCoV-2 (que provocou o surto de COVID-19) foi incluído na lista de agentes biológicos
reconhecidamente infeciosos para o ser humano, com o propósito de garantir uma proteção adequada e contínua
da segurança e saúde dos trabalhadores no trabalho, uma vez que este pode causar doenças humanas graves na
população infetada, apresentando, em especial, um risco grave para os trabalhadores mais velhos e para os que
têm patologias ou doenças crónicas subjacentes. Lembremos que existem decisões judiciais a considerar que
empresas não protegeram devidamente os fumadores passivos da exposição involuntária do fumo do tabaco, o
que é obviamente prejudicial para a saúde e segurança destes. Mesmo em casos em as empresas tinham zonas
ventiladas específicas para os fumadores ativos, considerou-se que a relação de proximidade entre os
trabalhadores não permitia extinguir os efeitos do tabaco, prejudicando a saúde e a qualidade de trabalho dos não
fumadores. Em consequência, estes resolveram os seus contratos, alegando justa causa, e a empresa teve de
lhes pagar uma indemnização» (Paulo Almeida, in «As Beiras», julho de 2021)

79
Artigo 31.º - «1 - Os trabalhadores têm direito à igualdade de condições de trabalho, em
particular quanto à retribuição, devendo os elementos que a determinam não conter
qualquer discriminação fundada no sexo.
2 - A igualdade de retribuição implica que, para trabalho igual ou de valor igual:
a) Qualquer modalidade de retribuição variável, nomeadamente a paga à tarefa, seja
estabelecida na base da mesma unidade de medida;
b) A retribuição calculada em função do tempo de trabalho seja a mesma.
3- As diferenças de retribuição não constituem discriminação quando assentes em
critérios objetivos, comuns a homens e mulheres, nomeadamente, baseados em mérito,
produtividade, assiduidade ou antiguidade.
4 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as licenças, faltas ou dispensas
relativas à proteção na parentalidade não podem fundamentar diferenças na retribuição
dos trabalhadores.
5 - Os sistemas de descrição de tarefas e de avaliação de funções devem assentar em
critérios objetivos comuns a homens e mulheres, de forma a excluir qualquer
discriminação baseada no sexo».

O artigo 29.º refere-se a uma situação diferente da discriminação, mas que se pode
englobar num conceito amplo do dever de tratar todos os trabalhadores em condições
de igualdade: o assédio
«1- É proibida a prática de assédio.
2 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em
fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio
emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou
constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo,
hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
3 - Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma
verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito referido no número anterior.
4 - A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o
disposto no artigo anterior.
5 - A prática de assédio constitui contraordenação muito grave, sem prejuízo da eventual
responsabilidade penal prevista nos termos da lei.
6 - O denunciante e as testemunhas por si indicadas não podem ser sancionados
disciplinarmente, a menos que atuem com dolo, com base em declarações ou factos

80
constantes dos autos de processo, judicial ou contraordenacional, desencadeado por
assédio até decisão final, transitada em julgado, sem prejuízo do exercício do direito ao
contraditório».

Trata-se da criação de um ambiente hostil ao trabalhador; recorde-se que existe assédio


também quando esse ambiente é criado por qualquer outro trabalhador (mesmo colega
ou subordinado) ou por cliente, desde que haja uma situação de poder. Confere direito a
indemnização (26.º) e constitui contra-ordenação muito grave (642.º, n.º 1).
Como decorre da norma transcrita, hoje o legislador também tem atenção ao designado
«assédio moral» ou «mobbing»: consiste na perseguição a um trabalhador através do
exercício de violência psicológica com o objetivo de levar o trabalhador a abandonar o
trabalho.

A proibição do assédio está ainda expressamente prevista entre os deveres do


empregador (artigo 127.º) quer no sentido de não exercer assédio sobre o/a
trabalhador/a quer impondo a obrigação de desencadear procedimento disciplinar
quando tome conhecimento de comportamentos configuráveis como assédio.

16. Deveres do trabalhador

O artigo 126.º do CT refere-se aos deveres gerais de ambas as partes na execução do


contrato de trabalho: agir de boa fé, no exercício dos seus direitos e no cumprimento das
respetivas obrigações, colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na
promoção humana, profissional e social do trabalhador.

No âmbito do contrato de trabalho vamos agora focar-nos nos deveres do trabalhador.

O trabalhador tem um dever principal: este é o dever de realizar a atividade para que
foi contratado. O artigo 115.º refere do contrato de trabalho consta um acordo das partes
quanto à   atividade para que o trabalhador é contratado.

Todavia, como já vimos atrás, é ao empregador que cabe o poder de determinar a


atividade do trabalhador (se este não está de acordo com a atividade proposta no

81
contrato de trabalho então não aceita esse contrato; se aceita, compromete-se a
desempenhar essa atividade. Essa atividade é determinada pelo empregador e pode ser
feita por remissão para categoria de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho
ou de regulamento interno de empresa (como já referimos a propósito dos contratos de
adesão).

Como estudaremos, todo o Capítulo II do CT, artigos 193.º a 257.º se refere à prestação
do trabalho;

Tenhamos em conta o empregador pode atribuir ao trabalhador não apenas funções


correspondentes à atividade para que foi contratado (118.º) mas também funções afins
(correspondentes ao mesmo grupo ou carreira profissional) – é o que se designa por
polivalência funcional (118.º, n.ºs 2 e 3).
Pode ler-se no artigo 118.º que o trabalhador «deve, em princípio, exercer funções
correspondentes à atividade para que se encontra contratado, devendo o empregador
atribuir-lhe, no âmbito da referida atividade, as funções mais adequadas às suas
aptidões e qualificação profissional».

A atividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional
de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou regulamento interno de
empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para
as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização
profissional; consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as
funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.

Sempre que o exercício de funções acessórias exigir especial qualificação, o


trabalhador tem direito a formação profissional não inferior a dez horas anuais.

Não preenche os requisitos da polivalência funcional, a determinação que implique que o


trabalhador deixe de desempenhar a essência das funções da categoria profissional
contratada e passe a exercer outras “ex novo” e de modo exclusivo.

Só são acessórias as funções que ocupem, no horário de trabalho, parte e menos tempo
do que a função principal, nunca a podendo substituir integralmente.

82
Fora deste quadro, ocorre uma modificação ilícita do contrato, por violação do princípio
geral pacta sunt servanda (art.º 406.º n.º 1 do CC).

Se as novas tarefas atribuídas pela empregadora ao trabalhador se compreenderem no


objeto do contrato (ou seja, na categoria profissional para que foi contratado), a
licitude da respetiva ordem deve encontrar-se no instituto da polivalência funcional (art.º
118.º, n.os 1 e 2 do CT); se o excederem, tal terá que ser feito no da mobilidade funcional
(art.º 120.º do CT).

Efetivamente, diferente do exercício de funções afins ou funcionalmente ligadas é o


exercício temporário de funções não compreendidas na atividade contratada, nas
situações da mobilidade funcional reguladas no artigo 120.º do Código. Trata-se de
mobilidade funcional e já não de polivalência funcional.

O artigo 120.º dispõe sobre os requisitos para a mobilidade funcional, também


designada ius variandi (ou seja, direito do empregador introduzir alterações,
temporariamente, no conteúdo da das atividades para que contratou o trabalhador).
Mas se se tratar de determinação de uma nova tarefa que implique uma substancial
modificação da categoria profissional do trabalhador, sem a indicação da duração
previsível que permita entender como “temporária” a ordem de alteração de funções
transmitida, então não é mobilidade funcional 6 e deverá ser feito um novo contrato ou
adenda ao contrato.

6
O trabalhador desde a sua admissão, 22.7.1991, estava na categoria de  operador de enforma e
desenforma e nessa categoria executava as funções de transporte de louça nos respetivos carros de transporte,
do sector de vidragem para o sector dos fornos, afim de esta ser cozida. (factos provados sob os n°s 5 e 7). A
partir de 28.11.2016 a entidade patronal ordenou ao trabalhador que executasse novas funções no sector dos
fornos que consistiam em rebarbar placas refratárias, funções que tal como refere as doutas alegações do
recorrente, correspondem à categoria de rebarbador, categoria que face ao CCT está enquadrada no grupo 9,
inferior à categoria para que foi contratado. (grupo 7-operador de enforma e desenforma).

A ordem dada ao Autor, que tinha a categoria de serralheiro civil, para exercer funções na secção de decapagem,
é ilícita uma vez que não integrava nenhuma das referidas situações em que é possível a alteração funcional,
podendo o A. deixar de a acatar, visto ser contrária ao seu direito de exercer uma atividade correspondente à
categoria que lhe tinha sido atribuída.

Uma trabalhadora foi admitida ao serviço da Empregadora no dia 29/08/2002 para sob a sua autoridade, direção e
fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de Auxiliar (Serviços Gerais), no Lar (…). A
partir de 30/08/2013, a trabalhadora transitou para a categoria profissional de Ajudante de Ação Direta. Essa
ordem resultava no exercício exclusivo de funções pela trabalhadora correspondentes a uma categoria conexa
com a que lhe correspondia e que, por conseguinte, como atrás referimos, se é verdade que tal lhe podia ser
exigido se lhe fosse mantido o exercício maioritário das funções da sua categoria contratada já o mesmo não
acontecia com o abandono destas e o exercício exclusivo daquelas.

83
O artigo 267.º prevê, em matéria de remuneração, que o trabalhador que exerça funções
a que se refere o n.º 2 do artigo 118.º, ainda que a título acessório, tem direito à
retribuição mais elevada que lhes corresponda, enquanto tal exercício se mantiver. Tem
igualmente direito, como vimos, à formação necessária para adquirir especiais
qualificações para as novas funções (118.º, n.º 4) (sobre Formação profissional e
formação contínua vide artigos 130.º a 134.º CT).

Outro tópico:

Além do dever principal – desempenhar com zelo a atividade para que foi contratado – o
trabalhador está vinculado a deveres acessórios do dever principal: ou seja, deveres
que estão ligados ao dever principal, sem o cumprimento dos quais o próprio dever
principal não se encontra devidamente cumprido.

Entre os deveres do trabalhador devem distinguir-se os a) acessórios integrantes da


prestação principal [prestação do trabalho] e os b) acessórios independentes da
prestação principal. Na segunda categoria incluem-se aqueles deveres do trabalhador
que não dependem da prestação do trabalho, pelo que se mantêm nas situações de não
prestação de trabalho e nas situações de suspensão do contrato de trabalho 

a) Deveres acessórios da prestação principal que estão integrados


no dever principal de prestar a atividade contratada:

Comecemos pelo dever de obediência.


Como vimos, um elemento de caracterização do contrato de trabalho é o poder do
empregador dar ordens. A esse poder corresponde um dever: o dever de obediência às
ordens do empregador (e de qualquer superior hierárquico do trabalhador) e às normas
dos regulamentos internos da empresa; pode ler-se no artigo 128.º, n.º 1, al. e) que é
dever do trabalhador «cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a
execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que
não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias». O n.º 2 desse artigo acrescenta

84
que o dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como
de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem
atribuídos.
O trabalhador pode recusar-se a cumprir ordem a que não deva obediência, nos termos
da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 128.º. Se lhe for aplicada sanção disciplinar por
essa razão, essa é considerada abusiva.

Contudo, como podemos ver no artigo 351.º, se a desobediência às ordens dadas por
responsáveis hierarquicamente superiores for ilegítima tal comportamento é considerado
justa causa de despedimento7.

Considera-se, porém desobediência legítima a que vise salvaguardar: direitos e


garantias do trabalhador (14.º e ss. e 129.º) a autonomia técnica e deontológica dos
trabalhadores (116.º) e o respeito pela legalidade (o trabalhador tem o dever de se
recusar a cumprir ordens que implicam prática de atos ilegais).

Outros deveres diretamente associados ao dever principal são o dever de


assiduidade e o dever de pontualidade (128,º, n.º 1, al. b); assiduidade significa
comparecer ao trabalho todos os dias; pontualidade significa comparecer à hora em
que, de acordo com o horário de trabalho que lhe tenha sido atribuído, deve iniciar a sua
prestação de trabalho.
A violação do dever de assiduidade implica a aplicação do regime de faltas (art. 248.º e
ss).

Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a


atividade durante o período normal de trabalho diário (248.º, n.º 1).
Em caso de ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período normal de
trabalho diário, os respetivos tempos são adicionados para determinação da falta
(mesmo que sejam alguns minutos). (248.º, n.º 2)

7
Acórdão STJ 2845/13.2TTLSB.L1.S1: O trabalhador, que exerce funções de vendedor de equipamentos, que não
cumpre uma ordem dada pelo empregador, sem qualquer justificação, apesar de lhe terem sido feitas várias
insistências, para proceder à elaboração diária de um relatório das atividades por si desenvolvidas,
nomeadamente, contendo a informação de visitas a clientes, estado dos processos pendentes, novos clientes e
prospeção de mercado que andasse a fazer, viola o dever de obediência, a que está adstrito, nos termos do art.º
128.º, n.º 1, alínea e), do Código do Trabalho.

85
Este cálculo é feito tanto para efeitos de verificação do cumprimento do dever de
assiduidade, ou seja, para, somando estas ausências, chegar a faltas de dias de
trabalho, como para efeitos de pontualidade, uma vez que significam chegadas
atrasadas ao início do período de trabalho ou após pausa.

Acentua-se a importância não apenas da assiduidade do trabalhador … como também


da sua pontualidade (i.e. da sua chegada ao local de trabalho à hora fixada para o início
da sua atividade). Ao estabelecer o dever de pontualidade, a lei acautela as
perturbações que podem decorrer para o funcionamento da organização do empregador
da chegada tardia do trabalho ao local de trabalho. 8

As faltas podem, porém, ser justificadas, o que significa que o seu carácter ilícito não se
verifica: ou seja, apesar de não haver assiduidade considera-se que o dever de
assiduidade não foi violado (249.º, n.º 2).

Violação do dever de pontualidade permite ao empregador recusar a prestação do


trabalho durante parte ou todo o período normal de trabalho, se o atraso for superior a
30 ou a 60 minutos (256.º, n.º 4).

Nos termos do artigo 351.º (este artigo trata, como vimos, dos motivos de despedimento
por justa causa), n.º 2, g), se as faltas injustificadas prejudicarem ou puserem em risco
gravemente a empresa ou, independentemente disso, ultrapassarem 5 faltas seguidas
ou 10 interpoladas por ano civil, são justa causa de despedimento.
O controlo da assiduidade e da pontualidade dos trabalhadores é um direito do
empregador, que este pode começar a exercer em qualquer momento.

Do artigo 248.º ao artigo 257.º do Código do Trabalho contém a SUBSECÇÃO XI


dedicada ao regime das faltas.
Para além das faltas autorizadas ou aprovadas pelo empregador (249.º, n.º 2, al. j), só
são faltas justificadas:
as dadas, durante 15 dias seguidos, por altura do casamento; por falecimento de
cônjuge, parente ou afim, nos termos do artigo 251.º; para prestação de prova em

8
Maria do Rosário Palma Ramalho, em “Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina,
2ª Edição, 2008, págs. 368 e segts.

86
estabelecimento de ensino, nos termos do artigo 91.º; por impossibilidade de prestar
trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de
prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente
assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal; para prestação de
assistência inadiável e imprescindível a filho, a neto ou a membro do agregado familiar
de trabalhador, nos termos dos artigos 49.º, 50.º ou 252.º, respetivamente; para
acompanhamento de grávida que se desloque a unidade hospitalar localizada fora da
ilha de residência para realização de parto; por deslocação a estabelecimento de ensino
de responsável pela educação de menor por motivo da situação educativa deste, pelo
tempo estritamente necessário, até quatro horas por trimestre, por cada um; a falta dada
por trabalhador eleito para estrutura de representação coletiva dos trabalhadores, nos
termos do artigo 409.º e a dada por candidato a cargo público, nos termos da
correspondente lei eleitoral ou ainda aquelas que sejam autorizadas por outra legislação.
Todas as outras são consideradas faltas injustificadas.
As disposições relativas aos motivos justificativos de faltas e à sua duração não podem
ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por contrato de
trabalho9.
Mesmo que a priori a falta possa ser considerada justificada, esta só é efetivamente
justificada se for comunicada nos termos do artigo 253.º: quando previsível, é
comunicada ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo, com a
antecedência mínima de cinco dias. Se tal antecedência não puder ser respeitada, a
comunicação ao empregador é feita logo que possível 10.

O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao


trabalhador prova de facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável
(artigo 254.º). No que respeita à ausência por doença, para além das disposições do
artigo 254.º do CT é necessário ter em conta o procedimento específico de verificação
de doença, previsto nos artigos 17.º a 24.º da Lei 105/2009, 14/9, que implica a
intervenção das comissões de verificação da incapacidade temporária (CVIT) da
segurança social da área da residência habitual do trabalhador.

9
Menos nos casos de faltas para deslocação a estabelecimento de ensino de responsável pela educação de
menor por motivo da situação educativa deste, pelo tempo estritamente necessário que poderá ser por um período
maior do que 4 horas por trimestre.
10
A apresentação tardia de atestado médico comprovando a doença do funcionário, muito embora não consiga
excluir a injustificação da falta, afasta o requisito da culpa relativamente à infração disciplinar por falta de
assiduidade, pelo que não pode servir de suporte àquela punição

87
De acordo com o artigo 255.º a falta justificada não afeta qualquer direito do trabalhador,
salvo o direito à retribuição, nos casos referidos a seguir (previstos no artigo 255.º, n.º 2)
Quer dizer, apesar de implicarem o desconto na retribuição esta falta conta, para todos
os efeitos (duração do contrato, antiguidade, etc.) como prestação efetiva de trabalho.

Descontam na retribuição as seguintes faltas justificadas: por motivo de doença, desde


que o trabalhador beneficie de um regime de segurança social de proteção na doença (o
que normalmente é o caso porque os descontos para a segurança social são
obrigatórios e dão direito a essa proteção na doença – subsídio de doença);

por motivo de acidente no trabalho, desde que o trabalhador tenha direito a qualquer
subsídio ou seguro (idem);

as faltas até 15 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso
de doença ou acidente, a cônjuge ou pessoa que viva em união de facto ou economia
comum com o trabalhador, parente ou afim na linha reta ascendente ou no 2.º grau da
linha colateral (252.º; atenção, aqui não se incluem as faltas para assistência a filhos ou
netos, artigos 49.º e 50.º, que também descontam na retribuição, nos termos do artigo
65.º).

Também as faltas previstas nas alíneas f) e k) do n.º 2 do artigo 249.º quando excedam
30 dias por ano, implicam a perda da retribuição, apesar de justificadas.

Também a falta autorizada (a autorização é o acordo do empregador antes de ser dada


a falta) ou aprovada (a aprovação é o acordo do empregador depois de ser dada a falta)
pelo empregador implica a perda de retribuição. Se o empregador quiser…

Quanto às faltas para assistência a filho ou a neto dispõem os artigos 49.º e 50.º o
trabalhador pode faltar ao trabalho para prestar assistência inadiável e imprescindível,
em caso de doença ou acidente, a filho menor de 12 anos ou, independentemente da
idade, a filho com deficiência ou doença crónica, até 30 dias por ano ou durante todo o
período de eventual hospitalização.

88
O trabalhador pode faltar ao trabalho até 15 dias por ano para prestar assistência
inadiável e imprescindível em caso de doença ou acidente a filho com 12 ou mais anos
de idade que, no caso de ser maior, faça parte do seu agregado familiar.
Os avós podem faltar até 30 dias consecutivos, a seguir ao nascimento de neto que
consigo viva em comunhão de mesa e habitação e que seja filho de adolescente com
idade inferior a 16 anos. Se houver dois titulares do direito, há apenas lugar a um
período de faltas, a gozar por um deles, ou por ambos em tempo parcial ou em períodos
sucessivos, conforme decisão conjunta. O trabalhador pode também faltar, em
substituição dos progenitores, para prestar assistência inadiável e imprescindível, em
caso de doença ou acidente, a neto menor ou, independentemente da idade, com
deficiência ou doença crónica.
Estas faltas não determinam perda de quaisquer direitos, salvo quanto à retribuição, e
são consideradas como prestação efetiva de trabalho (artigo 65.º).

Fora das situações acima descritas a falta considera-se injustificada. Quais os efeitos de
uma falta injustificada?

A falta injustificada constitui violação do dever de assiduidade e determina perda da


retribuição correspondente ao período de ausência, que não é contado na antiguidade
do trabalhador.

256.º - A falta injustificada a um ou meio período normal de trabalho diário,


imediatamente anterior ou posterior a dia ou meio dia de descanso ou a feriado, constitui
infração grave. (punição das faltas para «colar» ao fim-de-semana).

O período de ausência a considerar para esses efeitos abrange os dias (sábado e


domingo) ou meios-dias (sábado) de descanso ou feriados imediatamente anteriores ou
posteriores ao dia de falta. Por exemplo, se dá falta injustificada na sexta-feira, mesmo
que só à tarde, perde o meio dia e ainda dois dias (sábado e domingo) de retribuição e
antiguidade (256.º, n.º 2 e 3). O mesmo se falta à segunda-feira.

No caso de apresentação de trabalhador com atraso injustificado (256.º, n.º 4):

89
a) Sendo superior a sessenta minutos e para início do trabalho diário, o empregador
pode não aceitar a prestação de trabalho durante todo o período normal de trabalho (o
que significa que o trabalhador tem falta o dia todo);
b) Sendo superior a trinta minutos, o empregador pode não aceitar a prestação de
trabalho durante essa parte do período normal de trabalho.
Se o empregador não exercer esse seu direito potestativo de recusa, já o atraso não
poderá corresponder a uma falta mas, ainda assim, nada impede que aquele vá
adicionando os sucessivos atrasos até perfazerem o período diário de trabalho (248.º,
n.º 2).
O trabalhador pode pedir a substituição da perda de retribuição por motivo de falta por
renúncia a dias de férias em igual número, até ao permitido pelo n.º 5 do artigo 238.º (ou
seja, tem de fazer, pelo menos, 20 dias úteis de férias) mediante declaração expressa
do trabalhador comunicada ao empregador, ou por prestação de trabalho em acréscimo
ao período normal, dentro dos limites previstos no artigo 204.º (ou seja, no máximo mais
4 horas por dia) desde que o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho o
permita.

Dever de zelo e de diligência na realização do trabalho

Trata-se de um dever previsto no artigo 128.º, n.º 1, al. c), do CT.


Implica, em termos genéricos, que qualquer trabalhador tem de atuar com brio
profissional que significa um desempenho das suas funções com a diligência de um
profissional médio, de um bom pai de família (bonus pater familiae – direito romano =
cidadão normal, comum) (artigo. 487.º, n.º 2, do CC).

Por isso, a violação deste dever só no contexto específico de cada situação pode ser
apreciada, atendendo às circunstâncias de cada caso.

A falta, culposa, de diligência pode, pois, originar um procedimento disciplinar por


violação culposa de dever pelo trabalhador e a consequente eventual aplicação de uma
sanção disciplinar (328.º).

O elenco das sanções disciplinares consta do artigo 328.º do CT

90
Se representar «desinteresse repetido pelo cumprimento com a diligência devida, das
obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja
confiado» pode determinar justa causa de despedimento (351.º, n.º 2, al. d) (verificadas
que sejam os demais requisitos para esta forma de cessação do contrato de trabalho).

Se constituir uma redução anormal de produtividade pode originar despedimento por


justa causa (artigo 351.º, n.º 2, al. m) ou, cessão do contrato de trabalho por inadaptação
(374.º, n.º 1, al. a) (mais abaixo falaremos sobre esta forma de despedimento por causa
objetiva).
Exemplo tirado da jurisprudência:
«o comportamento de uma Auxiliar de Ação Educativa, que, numa creche, desfere uma
palmada no rabo de uma criança de três anos que suja a roupa de cocó, antes de
chegar à sanita, não é possível ser visto numa “perspetiva formativa”. Pelo contrário,
esse comportamento da autora, no exercício das suas funções, em relação à criança
que tinha o dever jurídico de vigiar, cuidar, ajudar e garantir a sua segurança,
consubstancia um comportamento ilícito e altamente censurável, violador dos seus
deveres de realizar com zelo e diligência o trabalho para que foi contratada».

Outro exemplo retirado da jurisprudência:


«Estrelar um ovo e preparar uma salada sem atentar devidamente no estado do material
ou produto utilizados ou no resultado final de tais operações culinárias, permitindo que
sejam encaminhados para os clientes da Ré alimentos excessivamente cozinhados,
sujos ou com mau aspeto e, por isso, insuscetíveis de serem comercializados nessas
condições (muito embora e em rigor só a salada tenha sido servida aos clientes) traduz-
se em atuações pouco profissionais e violadoras dos deveres de zelo e diligência do
Autor, com o inerente prejuízo para o bom nome e imagem comercial da Ré e os
eventuais custos económicos (compensação dos clientes queixosos)».
«As condutas descritas no ponto anterior não possuem, contudo, uma ilicitude e uma
censurabilidade tais que, não obstante o passado disciplinar do trabalhador (duas
sanções de suspensão por 5 dias com perda de retribuição em 2009 e 2010) e face aos
13 anos de antiguidade, à sua progressão dentro da empresa (de copeiro a cozinheiro
de 1.ª) e à circunstância de, em geral, ter sempre tido um bom desempenho profissional,

91
impliquem o despedimento do mesmo com invocação de justa causa como a única
sanção juridicamente adequada à punição dos referidos comportamentos».

Outro dever é o de promover a melhoria da produtividade na empresa (128.º, n.º 1. al.


h).
O trabalhador deve adotar ou recomendar as medidas necessárias para melhorar a
produtividade (dever positivo). É difícil descortinar como se deteta a violação deste
dever, em que termos pode ser sancionado. Ocorre o exemplo de o trabalhador
incentivar os colegas a desleixarem o trabalho (dever negativo)
Não olvidar que na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na
obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social
do trabalhador (126.º, n.º 2).

a) Deveres acessórios não integrados na prestação principal

Sobre o trabalhador impendem outros deveres que, não estando exatamente integrados
na prestação do dever principal – a atividade laboral – são acessórios desta e integram-
se no dever geral de o trabalhador atuar de boa fé.

Efetivamente, como já vimos acima, há deveres do trabalhador que não dependem da


prestação do trabalho, pelo que se mantêm nas situações de não prestação de trabalho
e nas situações de suspensão do contrato de trabalho.

Já atrás nos referimos aos deveres mútuos de informação, quer na fase da celebração
do contrato quer durante a sua execução (vide supra 106.º, n.º 2 CT).

Por exemplo, o trabalhador tem o dever de informar o empregador sobre o estado de


realização das tarefas; o nível de produção obtida; sobre propostas de melhoria de
produtividade; sobre descobertas no âmbito da sua investigação; sobre modelos
patenteáveis (propriedade industrial – já atrás nos referimos a este aspeto e ao facto de
estas descobertas e direitos de propriedade industrial pertencerem ao empregador e não
ao trabalhador, apesar de terem sido «produzida» pelo trabalhador).

92
O artigo 109.º, n.º 3, com a epígrafe «Atualização de informação» dispõe que o
trabalhador deve prestar ao empregador informação sobre todas as alterações
relevantes para a prestação da atividade laboral, no prazo de 30 dias: por exemplo dever
de informar o empregador sobre doença ou lesão corporal, ou necessidade de ausência
para qualquer efeito previsível, por exemplo, uma intervenção cirúrgica, o cumprimento
de deveres legais, etc.

A doutrina elenca também vários outros deveres no âmbito genérico de deveres


acessórios de proteção.

Por exemplo,
o dever de tratar com urbanidade o empregador, colegas, superiores hierárquicos e
terceiros (128.º, n.º 1, al. a);
o dever de custódia dos instrumentos de trabalho (128.º, n.º 1, al. g) e
o dever de promoção e prevenção da higiene e segurança no trabalho (128.º, n.º 1, al. i)
e j).
o dever de lealdade (128.º, n.º 1, al. f)

Resulta do artigo 128.º, n.º 1, al. a) que o dever de respeito, não se confundindo com o
dever de urbanidade, tem aqui uma dimensão múltipla, pois que é direcionada quer para
os superiores hierárquicos, quer para os colegas de trabalho, quer ainda, também, para
terceiros que se relacionem com a empresa, dependendo a sua concretização de uma

93
multiplicidade de fatores que caracterizem a situação do trabalhador no próprio contexto
específico de cada relação de trabalho1112.
De acordo com o artigo 128.º, n.º 1, alínea g) do Código do Trabalho, o trabalhador
deve velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho
que lhe forem confiados pelo empregado.

Podem ser indicados diversos exemplos relativos a esse dever de custódia, como o
vendedor ou eletricista de uma empresa que utiliza um veículo automóvel da empresa
para as suas deslocações durante o horário de trabalho ou um operário de uma
sapataria que utiliza os instrumentos facultados pela sua empresa para proceder aos
consertos de calçado. O trabalhador funciona, assim, como depositário desses bens
(artigo 1185.º e ss. do Código Civil), sendo que os contornos desse dever de custódia
dependerão de um conjunto de fatores (como, por exemplo, a natureza do trabalho

11
«(…) provando-se que o Comandante, seu superior hierárquico, se limitou a confrontar o Autor/trabalhador com
uma sua recusa de efetuar um serviço de emergência médica (ponto 4.º da factualidade), atuação essa desse
Comandante que não há razões para não termos por legítima, o comportamento posterior do Autor, tendo como
destinatário o Comandante, com a agravante de o ter sido num tom de voz alto e exaltado – de tal modo que foram
ouvidas pelo Segundo Comandante, coordenador de serviços, e pela Adjunta de Comando que se encontravam na
sala ao lado do gabinete –, ao responder àquele “não fiz nem tinha que fazer” e ao proferir as expressões: “o
senhor não manda em mim” e “fale-me baixo” – ameaçando-o ainda de seguida – “vou fazer queixa de si ao
Comandante distrital, está a ouvir? (…) Isto não fica assim” – (factos 5.º a 7.º da factualidade provada), com a
agravante de ao sair depois do gabinete do Comandante apresentar um ar de riso e provocador (facto provado
8.º), é sem dúvidas objetivamente passível – o sentido das expressões utilizadas pelo Autor/trabalhador, que
servem de fundamento ao despedimento, não pode ser valorizado abstratamente e sim, diversamente, nas
circunstâncias concretas em que foram proferidas, ou seja de acordo com um padrão objetivo e não, pois, de
harmonia com uma qualquer sensibilidade particularmente requintada, revelada pelo destinatário –, para além aliás
de colocar desde logo em causa a autoridade e poder de direção devidas ao mencionado Comandante, na
especial relação e organização que caraterizam a atividade da Ré, como ainda, sem dúvidas, de ofender o
respeito que àquele é devido, referindo-se adequadamente na sentença que em geral “qualquer trabalhador deve
tratar o empregador, superiores hierárquicos e demais colegas com respeito e consideração”, a própria atividade e
especificidade da Ré, com uma organização hierarquizada, em que o Comandante assume especial destaque,
mais impõem a necessidade de serem acatadas as suas ordens e, naturalmente, de se respeitar a sua pessoa,
não sendo aceitáveis, nesse específico contexto, atuações, por atos ou palavras, que sejam ofensivos da sua
dignidade
12
No dia 13-4-2016, na hora do almoço, a autora perguntou à chefe de linha, se a colega D. havia chegado mais
cedo e, tendo aquela dito que sim, a arguida disse “aqui há coisa”, suscitando a dúvida sobre o comportamento da
colega e fazendo crer que essa situação podia estar na origem de alguma irregularidade. No mesmo dia, pelas
16h38, antes da hora de saída de pessoal, pelas 16h40, a autora, sem se identificar, fez uma denúncia ao vigilante
(segurança privada) da Prossegur, da portaria, a partir do telefone interno, a dar conhecimento de que uma
trabalhadora levava sapatos escondidos num saco. Na denúncia fez uma descrição pormenorizada da pessoa a
controlar, à saída, como sendo uma trabalhadora com uma motorizada scooter estacionada no parque dos
motociclos, junto à portaria. Face à denúncia efetuada, o vigilante pediu às pessoas que se dirigiam para as
motorizadas que autorizassem a revista dos sacos. A autora aproximou-se do vigilante, bateu-lhe nas costas e
apontou para a colega D.. O vigilante pediu então à trabalhadora D. para abrir o seu saco, não tendo sido
encontrados nenhuns sapatos. A trabalhadora D. manifestou a sua indignação, quando ambos viram que a autora
presenciava tudo, numa pose de gozo com a situação. A autora, há cerca de um mês atrás, ameaçou todas as
colegas de trabalho e a chefe de linha, em voz alta, que havia de colocar sapatos da empresa nos seus sacos para
serem “apanhadas” na portaria, tendo as mesmas ficado com medo de que a autora consumasse a ameaça e o
mal, para serem despedidas, o que as trazia aterrorizadas Por causa dessas ameaças, desde então, as colegas
de trabalho passaram a vistoriar os seus próprios sacos para confirmarem que não levavam sapatos, ou outros
objetos da empresa, que as pudessem incriminar por furto. A autora sabia que a suspeita que imputou à colega
não era verdadeira.

94
prestado, a exclusividade na utilização desse bem, a intensidade desse uso, os usos
profissionais, etc.) (retirado do lexionário do DRE)

O dever do trabalhador de promoção e prevenção da higiene e segurança no trabalho


(128.º, n.º 1, al. i) e j) tem que ser conexionado como os “deveres do empregador”
revistos no artigo 127.º, que estabelece no seu nº 1, alínea f), que constitui obrigação
deste fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de
riscos de acidentes de trabalho.
Se tal formação não for dada – quando se revele necessária para acrescer à
formação «normal» que é exigida a um trabalhador com determinadas habilitações –
então é o empregador responsável pelas consequências dos comportamentos
violadores das regras de segurança.13
A violação deste dever surge relacionada, habitualmente, com um contexto de
acidente de trabalho.

Um outro dever acessório do trabalhador em relação ao empregador é o dever de


lealdade (128.º, n.º 1, al. f).
O “dever de lealdade”, assume frequentemente a feição de “dever de não
concorrência”. Viola este dever, por exemplo, o trabalhador que, «exercendo funções
numa empresa cuja atividade consiste na proteção vigilância e segurança de pessoas
e bens, faz segurança privada, fora do seu tempo de trabalho, em eventos, na
generalidade de cariz partidário, em congressos, campanhas, festas, jantares,
arruadas, etc,. Publicando fotos desses eventos na sua página do Facebook, onde
aparecia, em atitudes que intuem que está a fazer segurança privada, pratica
comportamentos potenciadores de desvio de clientela da empregadora», como tal
violadores do dever de não concorrência.

13
No dia 03.11.2017, quando exercia a sua atividade para a referida Ré, nas instalações desta e dentro do horário
de trabalho, foi atingido no pé direito pela roda de um empilhador, o que se deveu ao facto de a máquina não estar
dotada de sinalização sonora, nem luminosa, assim como por não lhe ter sido disponibilizado calçado de proteção
com biqueira de aço pela Ré, a qual também não avaliou os riscos decorrentes da falta de sensores no
empilhador. a Ré D…, Unipessoal, Lda, sufragou o entendimento que o sinistro se deveu ao facto de o Autor,
quando no exercício da sua atividade mediante a utilização de uma máquina de picking e tendo de pedir o auxílio
de uma colega que manobrava um empilhador, ter saído indevidamente da máquina. Mais referiu que o sinal
sonoro do empilhador apenas é acionado quando este se desloca no sentido dos “garfos”, movimento que não
estava em causa aquando do sinistro, assim como que a máquina nem sequer era de sua propriedade, inexistindo
qualquer indicação que não estivesse a funcionar corretamente. Não tendo o sinistro decorrido de qualquer seu
comportamento omissivo, mas antes da conduta negligente do Autor, deverá ser descaracterizado, ou a Ré
Companhia Seguradora condenada a suportar as consequências do sinistro por força do contrato de seguro de
acidentes de trabalho celebrado.

95
Outro exemplo retirado da jurisprudência»: «A apropriação dolosa, por parte do
trabalhador e em proveito próprio, de importâncias pecuniárias pertencentes à
entidade empregadora, configura violação grave do dever de lealdade, e integra o
conceito de justa causa para despedimento».

Assim, vários tipos de comportamento podem configurar uma violação deste dever de
lealdade: quebra do sigilo e não concorrência, furto de bens da empresa, utilização
dos instrumentos da empresa em proveito próprio, receção de ofertas de clientes para
tratamento preferencial, etc..
Todavia, não devemos olvidar que, a menos que tenha sido estipulada a
exclusividade, não é proibido o pluri-emprego, ou seja, o trabalhador pode ter mais do
que um contrato de trabalho. Todavia, por norma, sendo os períodos de trabalho de 8
horas (artigo 203.º e 210.º) e devendo o trabalhador cumprir a obrigação de
descanso, não sobra tempo para outro contrato de trabalho normal. Porém, se se
tratar de dois trabalhos a tempo parcial, por exemplo, tal já parece ser possível.

A obrigação de não-concorrência pode ir para além da duração da relação laboral se


tal for acordado (pacto de não concorrência: 136.º CT). Diz o artigo 136.º - «Pacto de
não concorrência» que é nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o
exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato. Contudo, é lícita a
limitação da atividade do trabalhador durante o período máximo de dois anos
subsequente à cessação do contrato de trabalho, nas seguintes condições: Constar
de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste;
tratar-se de atividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador; atribuir ao
trabalhador, durante o período de limitação da atividade, uma compensação que pode
ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas
avultadas com a sua formação profissional. Em caso de despedimento declarado
ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em ato ilícito
do empregador, a compensação referida é elevada até ao valor da retribuição base à
data da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a limitação da
atividade prevista na cláusula de não concorrência
. São deduzidas do montante da compensação referida as importâncias auferidas pelo
trabalhador no exercício de outra atividade profissional, iniciada após a cessação do

96
contrato de trabalho, dedução essa que pode esgotar a totalidade da compensação.
Tratando-se de trabalhador afeto ao exercício de atividade cuja natureza suponha
especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente
sensível no plano da concorrência, a limitação pode durar até três anos.

17. Deveres do empregador

O artigo 127.º refere-se aos deveres do empregador:

O empregador deve, nomeadamente:

a) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, afastando quaisquer


atos que possam afetar a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos,
intimidatórios, hostis ou humilhantes para o trabalhador, nomeadamente assédio;

b) Pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho;

c) Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral;


d) Contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador,
nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a
sua qualificação;

e) Respeitar a autonomia técnica do trabalhador que exerça atividade cuja


regulamentação ou deontologia profissional a exija;

f) Possibilitar o exercício de cargos em estruturas representativas dos trabalhadores;

g) Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a proteção da segurança e


saúde do trabalhador, devendo indemnizá-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de
trabalho;

h) Adotar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram


de lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho;

97
i) Fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos
de acidente ou doença;

j) Manter atualizado, em cada estabelecimento, o registo dos trabalhadores com


indicação de nome, datas de nascimento e admissão, modalidade de contrato, categoria,
promoções, retribuições, datas de início e termo das férias e faltas que impliquem perda
da retribuição ou diminuição de dias de férias.

k) Adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho,


sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores;

l) Instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas


situações de assédio no trabalho.
Na organização da atividade, o empregador deve observar o princípio geral da
adaptação do trabalho à pessoa, com vista nomeadamente a atenuar o trabalho
monótono ou cadenciado em função do tipo de atividade, e as exigências em matéria de
segurança e saúde, designadamente no que se refere a pausas durante o tempo de
trabalho.
O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a
conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal.
O empregador deve afixar nas instalações da empresa toda a informação sobre a
legislação referente ao direito de parentalidade ou, se for elaborado regulamento interno
a que alude o artigo 99.º, consagrar no mesmo toda essa legislação.
O empregador deve comunicar ao serviço com competência inspetiva do ministério
responsável pela área laboral a adesão ao fundo de compensação do trabalho ou a
mecanismo equivalente, previstos em legislação específica.
A alteração do elemento referido no número anterior deve ser comunicada no prazo de
30 dias.

Alguns comentários:

98
Como vimos já acima, o pagamento da retribuição configura-se como o sinalagma da
prestação de atividade (258.º CT) e é um elemento essencial para que se possa
considerar estar-se perante um contrato de trabalho.

O valor e a periodicidade do pagamento da remuneração devem ser comunicadas ao


trabalhador, de acordo com o artigo 106.º, n.º 3, al. h); essa comunicação deve ser
efetuada por escrito (ou por remissão para regulamento interno ou IRCT).
A não previsão, no contrato, da modalidade, montante e periodicidade da retribuição não
conduz à nulidade contratual, embora possa ser suprida judicialmente: art. 272.º CT.

Nos artigos 258.º a 280 temos as normas fundamentais do Código do Trabalho sobre
retribuição.
A retribuição é a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou
dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. A retribuição
compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta
ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie. (258.º)

A prestação retributiva não pecuniária (ou seja, em espécie) deve destinar-se à


satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família e não lhe pode
ser atribuído valor superior ao corrente na região. (259.º)
O valor das prestações retributivas não pecuniárias não pode exceder o da parte em
dinheiro, salvo o disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
(259.º, n.º 2)

Por exemplo, tem natureza de retribuição em espécie a atribuição ao trabalhador de um


ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, na atividade profissional, que este
também usava na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e
qualquer outra ausência ao serviço, com conhecimento e aceitação da entidade
patronal, suportando esta todos os encargos da manutenção, combustível, seguros e
impostos.
Outro exemplo, retirado da jurisprudência: «Estando provado que uma trabalhadora
doméstica tomava as suas refeições e dormia em casa da entidade patronal todos os
dias da semana, mesmo quando esta estava ausente para férias, devem qualificar-se

99
esse alojamento e alimentação da trabalhadora como uma prestação regular e periódica,
presumindo-se constituir retribuição».

Uma nota muito importante é esta: qualquer prestação do empregador ao trabalhador


presume-se constituir retribuição.

É importante ter em conta que sobre a retribuição recai o dever de o empregador (e


também o empregador) pagarem uma percentagem em descontos para a segurança
social; e também porque sobre a retribuição recaem obrigações de pagamento de
impostos (designadamente retenção mensal na fonte de uma percentagem do imposto
sobre o rendimento a pagar pelo trabalhador).
Essa presunção – como ponto de partida, tem de ser conjugada com o disposto no
artigo 260.º, que dispõe que NÂO se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas
de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por
deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo
quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte
que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se
devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador; O
disposto nesta alínea aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e
ao subsídio de refeição.
b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como
recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito
profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de
referência respetivos, não esteja antecipadamente garantido;
d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada
pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.

Contudo, essa exceção à presunção não se aplica em casos específicos: «o disposto


nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem,
ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem
àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os

100
usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no
respetivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam
carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante»

É importante ter em conta que, de acordo com o n.º 4 do artigo 260.º, à prestação
qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto
no Código, designadamente as previstas nos artigos 333.º a 336.º CT.

A retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte
certa e outra variável.
É certa a retribuição calculada em função de tempo de trabalho. (260.º, n.º 2)
determinada em função do número de horas de trabalho.

A retribuição variável e a mista (na componente variável) obedecem a um critério de


determinação do seu valor. Por exemplo, uma remuneração variável correspondente a
2% sobre o valor cobrado das vendas por este realizadas pelo trabalhador vendedor, ou
sujeita à angariação de novos clientes.

Não esquecer que o artigo 273.º impõe um valor de remuneração mensal mínima
garantida – rmmg - (salário mínimo), pelo que essa parte da remuneração, mesmo
calculada de forma variável, tem de estar garantida: ou seja, mesmo que, por aplicação
dos critérios de determinação do valor mensal da remuneração, num dado mês o
trabalhador fique abaixo da rmmg tem, pelo menos, de ganhar esse valor.

Quando não seja aplicável o respetivo critério, considera-se a média dos montantes das
prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução de
contrato que tenha durado menos tempo.
Caso o processo estabelecido no número anterior não seja praticável, o cálculo da
retribuição variável faz-se segundo o disposto em instrumento de regulamentação
coletiva de trabalho ou, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador (se for
intentada uma ação para determinação do valor da remuneração, nos termos do artigo
272.º CT).

101
O princípio da irredutibilidade da remuneração do trabalhador não impede o empregador
alterar, quer o quantitativo de algumas delas, quer proceder à sua supressão, nos casos
em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos desde que o
quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das parcelas retributivas)
resultante da alteração, não se revele inferior ao que resultaria do somatório das
parcelas retributivas anterior a essa alteração.

Por outro lado, a componente variável pode, de facto, variar ao longo dos meses, o que
implica que, para cálculo do subsídio de férias e de natal tenha de se efetuar a média
das comissões auferidas no ano de referência desses direitos.

Dispõe o artigo 262.º que «quando disposição legal, convencional ou contratual não
disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é
constituída pela retribuição base e diuturnidades.
Retribuição base, a prestação correspondente à atividade do trabalhador no período
normal de trabalho;
Diuturnidade é a prestação de natureza retributiva a que o trabalhador tenha direito com
fundamento na antiguidade.
São exemplos de prestações retributivas complementares ou acessórias os subsídios de
turno, os acréscimos por trabalho noturno e outras prestações que a contratação coletiva
associa a certas modalidades de horários de trabalho, o acréscimo devido pela
execução do trabalho em regime de isenção de horário, a remuneração por trabalho
suplementar, os complementos associados ao desempenho de determinadas funções de
chefia ou outras não compreendidas na categoria profissional e os prémios de
desempenho, de assiduidade, de produtividade e outros de natureza semelhante.
Também o subsídio de natal e de férias são prestações complementares e acessórias.

Apenas a retribuição base é tida em conta para o cálculo do valor de eventual


compensação em caso de extinção do contrato e da reforma, daí que os trabalhadores
prefiram um salário base maior ainda que à custa de um menor número de prestações
ditas complementares. O interesse do empregador é exatamente o oposto, o que
provoca muitas vezes tensões reivindicativas difíceis de superar

O subsídio de férias:

102
como exceção ao artigo 262.º, o artigo 264.º CT prevê que o trabalhador tem direito a
subsídio de férias, que, no cálculo do seu montante (ao contrário do subsídio de Natal),
integra, além da retribuição base, outras prestações retributivas que sejam contrapartida
do modo específico da execução do trabalho. O critério para aferir da integração no
conceito para este efeito, é que o pagamento se refira à própria prestação do trabalho,
às especificidades da execução deste, como as relativas à penosidade, horário
incómodo (suplementar, noturno, turnos…), isolamento, toxicidade, e outros, importando
fazer uma verificação caso a caso tendo em conta a especificidade da atividade.

Outra ideia, que já atrás referimos, é que nem sempre o pagamento de retribuição
corresponde a uma «contrapartida do trabalho»: pode haver casos de retribuição sem
trabalho: férias (264.º); feriados (269.º), algumas faltas justificadas (255.º); alguns casos
de suspensão do contrato de trabalho (309.º); e ainda os casos de suspensão preventiva
do trabalhador (329.º, n.º5). Apesar da ideia, veiculada desde o início da preleção desta
matéria, de que a retribuição é o sinalagma da atividade laboral prestada, é um facto que
razões sociais levaram o legislador, ao longo dos tempos, a ir impondo o pagamento da
retribuição em situações em que o trabalhador não está a trabalhar.

Foram igualmente razões sociais que levaram ao estabelecimento, na maioria dos


países, de um salário mínimo (entre nós designado retribuição mínima mensal garantida)
O artigo 273.º do CT dispõe que «é garantida aos trabalhadores uma retribuição mínima
mensal, seja qual for a modalidade praticada, cujo valor é determinado anualmente por
legislação específica, ouvida a Comissão Permanente de Concertação Social», e
acrescenta que «na determinação da retribuição mínima mensal garantida são
ponderados, entre outros fatores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento de
custo de vida e a evolução da produtividade, tendo em vista a sua adequação aos
critérios da política de rendimentos e preços. (…)»
O Decreto-Lei n.º 109-A/2020  que fixou o valor da retribuição mínima mensal garantida
em €665, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2021.
Consulte-se a página da DGERT (Direção-Geral do Emprego e das Relações de
Trabalho):https://www.dgert.gov.pt/retribuicao-minima-mensal-garantida-para-2021.

O Código admite a redução da retribuição mínima mensal garantida relacionada com o


tipo de trabalhador relativamente a: praticante, aprendiz, estagiário ou formando em

103
situação de formação certificada, 20 %; trabalhador com capacidade de trabalho
reduzida, a redução correspondente à diferença entre a capacidade plena para o
trabalho e o coeficiente de capacidade efetiva para a atividade contratada, se a
diferença for superior a 10 %, com o limite de 50 % (artigo 272.º).

Os artigos 277.º e 278.º dispõem sobre o local e o tempo do pagamento da retribuição.


Esta deve ser paga no local de trabalho ou noutro lugar que seja acordado, no caso de
não ser paga por (parte pecuniária da retribuição… poi pode existir uma parte em
espécie) por meio de cheque, vale postal ou depósito à ordem do trabalhador, (devendo
ser suportada pelo empregador a despesa feita com a conversão do título de crédito em
dinheiro ou o levantamento).
Caso a retribuição deva ser paga em lugar diverso do local de trabalho, o tempo que o
trabalhador gastar para receber a retribuição considera-se tempo de trabalho.

O crédito retributivo vence-se por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso
diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário.
A retribuição deve ser paga em dia útil, durante o período de trabalho ou imediatamente
a seguir a este.
Em caso de retribuição variável com período de cálculo superior a 15 dias, o trabalhador
pode exigir o pagamento em prestações quinzenais.
O montante da retribuição deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento
ou em dia útil anterior.

O artigo 129.º, nas alíneas n.º. als. h) e i) estabelece proibições das designadas
«práticas de recuperação», pelo empregador, da retribuição paga: aí se pode ler que é
proibido «h) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou serviços a ele próprio (ao
empregador) ou a pessoa por ele indicada; i) Explorar, com fim lucrativo, cantina,
refeitório, economato ou outro estabelecimento diretamente relacionado com o trabalho,
para fornecimento de bens ou prestação de serviços aos seus trabalhadores;» Por
exemplo, pagar aos trabalhadores em créditos, por exemplo, numa determinada loja ou
supermercado.

Direitos de autor, patentes e invenções:

104
O trabalhador não tem direitos sobre o resultado do seu trabalho: artigo 14.º do Código
de Direitos de Autor (n.º 3: a não referência ao nome do criador intelectual é presunção
de que os direitos cabem ao empregador) (ex: desenhos artísticos da fábrica da Vista
Alegre).
O artigo 59.º do Código da Propriedade Industrial (DL 36/2003) determina que a
invenção feita durante a execução de contrato de trabalho pertence ao empregador (ex.
circuitos informáticos integrados de empresa de computadores, etc.).

2.º Dever de ocupação efetiva


129.º, n.º 1, al. b).
Podem ocorrer motivos válidos de suspensão da prestação de trabalho – 329.º, n.º 5
(procedimento disciplinar).

3.º Dever de formação profissional


127.º, n.º 1, a. d); 130.º ss.

4.º Proteção da saúde e segurança do trabalhador


127.º, n.º 1, al. c), g).
Lei 102/2009, 10/9.

5.º - Proteção da personalidade do trabalhador


14.º e ss.
Aqui se inclui o dever previsto no artigo 127.º, n.º 1, a) e 127.º, n.º 1, c).

6.º - Respeito pela autonomia técnica do trabalhador.


127.º, n.º 1, al. e).
Relação com o artigo 116.º. Referência a algumas profissões vinculadas por regras
deontológicas.

8. Poderes do empregador

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Poder de direção
Artigo 97.º; corresponde ao dever de obediência (128, n.º 1, al. e)
O poder de direção não pode afetar as garantias do trabalhador (129.º), a sua autonomia
técnica (116.º), a sua categoria (118.º e 119-º) e o regime de mobilidade geográfica e
funcional (120.º e 194.º).

Poder regulamentar
Artigo 99.º.

Poder disciplinar
98.º
328.º (Ler infra)
Referência ao exercício dos poderes disciplinares do empregador por outros
trabalhadores, superiores hierárquicos do trabalhador visado (128.º, n.º 2).

9. Cessação do contrato de trabalho


(Neste tópico os alunos devem ler os § 50 a 57 – Manual de Direito do Trabalho de
Monteiro Fernandes – Inforestudante)

Princípios: a CRP: artigos 47.º e 53.º: princípios da liberdade de trabalho e profissão e


da segurança no emprego.
Proibição do despedimento (resolução do contrato pelo empregador) sem justa causa,
ou por motivos políticos ou ideológicos.

Imperatividade do regime:
Matéria fora da disponibilidade dos IRCT’s: 339.º CT
[com exceção dos aspetos referidos nos n.ºs 2 e 3]
Este regime também não pode ser afastado por contrato de trabalho.

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Modalidades de cessação: análise do artigo 340.º CT
a) Caducidade; (al. a) do 340.º CT).
b) Revogação (por vontade de ambas as partes)
c) despedimento: c) a f) do 340.º CT);
d) resolução por vontade do trabalhador al. g) 340.º)
e) denúncia pelo trabalhador al. h) 340.º

Caducidade
Art. 343.º CT
A caducidade do contrato de trabalho pode acontecer em virtude deste fatores:
a) Termo;
b) Impossibilidade superveniente absoluta e definitiva;
c) Reforma invalidez ou velhice

a) o contrato a termo, …. Naturalmente… 344.º e 345.º

b) impossibilidade superveniente (se a impossibilidade for originária o contrato é nulo:


401.º do CC): ex: falta de título profissional que seja condição; morte do trabalhador;

(atenção: a morte do empregador não implica necessariamente a caducidade: 346.º, n.º


1. Mas, 346.º, n.º 3, o encerramento de empresa conduz à caducidade).

Nestes casos o trabalhador tem direito à compensação devida em caso de


despedimento coletivo (pelo qual responde o património da empresa 346.º, n.º 5) (como
vimos nas microempresas não há procedimento de despedimento coletivo – 346.º, n.º 4).

Atenção: encerramento de estabelecimento não é encerramento da


empresa/empregador (atenção 194.º, n.º 1, al. a) transferência do trabalhador
(transferência coletiva).

A insolvência do empregador não acarreta necessariamente a cessação dos contratos


de trabalho. No caso de declaração judicial de insolvência os contratos mantém-se, mas
o administrador da insolvência tem o poder (direito potestativo) de fazer cessar os

107
contratos que não sejam necessários à manutenção do funcionamento da empresa,
antes do encerramento definitivo (347.º).

Cessem os contratos antes do encerramento ou na altura do encerramento deve sempre


ser seguido o procedimento de despedimento coletivo, (com as necessárias adaptações)
bem como as regras quanto à compensação. (347.º, n.º 3).

c) Reforma do trabalhador
Poderá continuar a trabalhar? Sim – 348.º, n.º 1 – transforma em contrato a termo, mas
não é necessário ser escrito; a caducidade do contrato a termo a que passa a estar
vinculado o trabalhador aposentado que continue a trabalhar não implica pagamento de
indemnização; a caducidade fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a
iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador: 348.º, n.º 2.
Estas regras aplicam-se também a trabalhador que chegue aos 70 anos sem pedir a
reforma.
E pode o trabalhador com mais de 70 anos celebrar um contrato com um novo
empregador?
Claro, senão seria discriminação em razão da idade.

Referir também casos de incapacidade definitiva para o trabalho e a reforma por


invalidez.

Extinção por mútuo acordo (designa-se revogação; v. artigo 406.º do CC)


349.º, n.º 1 CT
Verdadeiro consenso ou despedimento negociado?
(lembrar que podem existir pressões sobre o trabalhador para este dar o seu acordo).
Exigência de forma escrita: 349.º, n.º 2. Formalidade superior à que é exigida para o
próprio contrato (110.ºCT): visa-se proteger o trabalhador. O desrespeito por esta regra
implica a nulidade: artigo 220.º CC.

349.º, n.º 4: outros efeitos: ex. não concorrência: 136.º, n.º 2. al. a) do CT, ou
indemnização e forma do seu pagamento. 349.º, n.º 5: compensação de fim de contrato
(não é exigida por lei, mas é normal): Há uma presunção legal de que uma

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compensação pecuniária global integra todos os créditos do trabalhador vencidos à data
ou exigíveis em consequência da revogação. Pode, portanto, ir além desse valor, ou
ficar aquém…Mas a compensação pode discriminar os montantes: não tem que ser
global. Trata-se de uma presunção ilidível.

Art. 350.º: direito potestativo de pôr fim ao acordo.


Visa permitir ao trabalhador reagir contra a chantagem (acordo pré estabelecido que fica
na posse do empregador), mas também de cooling-off period.

Resolução do contrato (noção:342.º CC).

A - Despedimento por facto imputável ao trabalhador (despedimento por justa


causa).

Justa causa (noção): art. 351.º.


Nenhuma das alíneas é condição suficiente ou condição necessária.
Os requisitos legais de «impossibilidade prática de manutenção da relação jurídica» e
«gravidade» devem ser aferidas objetivamente (e não pela subjetividade do
empregador): 351.º, n.º 3; juízo casuístico.

Relembrar os deveres do trabalhador: (ver acima) designadamente os deveres


acessórios da prestação principal:
a) obediência: 128.º, nº1, al. e); desobediência: 351.º, n.º 2, al. a)
b) diligência: 128.º, nº1, al. c); desinteresse repetido: 351.º, n.º 2, al. d)
c) assiduidade e pontualidade: 128.º, n.º 1, al. b); 351.º, n.º 2, al. f) e g).
d) Lealdade: 128.º, n.º 1, al. f); lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa:
351.º, n.º 2, alínea e). Dever de não concorrência. Não impede o pluriemprego
e) Respeito, urbanidade e probidade: 128.º, n.º 1, al. a); várias alíneas do 351.º, n.º 2.
f) Custódia dos instrumentos de trabalho: 128.º, al. g); 342.º CT
g) Dever de produtividade: 128.º, al. h); 351.º, n.º 1, al. m).

As condutas extra-laborais e a justa causa de despedimento


Ausência de separação absoluta entre os estatutos de trabalhador e de pessoa. O
trabalhador tem direitos de pessoa (v. supra); a pessoa tem deveres de trabalhador.

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Os efeitos reflexos na relação laboral (mormente na imagem da empresa, e não só) dos
comportamentos extra-laborais do trabalhador. Se os excessos comportamentais do
trabalhador fora do emprego tiverem efeitos na sua prestação (redução de
produtividade, falta de assiduidade).

[PROCEDIMENTO DISCIPLINAR E DESPEDIMENTO

O despedimento com justa causa é uma sanção disciplinar pelo que é necessário um
procedimento disciplinar.

Princípio do contraditório (oportunidade de o trabalhador se defender antes de lhe ser


aplicada uma sanção disciplinar): trave mestra do procedimento disciplinar: 329.º, n.º 6.
Nota de culpa: 353.º, n.º 1, in fine.
(procedimento prévio de inquérito: 352.º)
Deve comunicar-se ao trabalhador a intenção de despedir (353.º, n.º 1). Poderá, a final,
não despedir; já o contrário não é possível: não pode despedir se não avisou dessa sua
intenção. (será ilícito o despedimento: 382.º, n.º 2, al. b).
Prazos: 329.º, n.ºs 1 e 2.
Defesa: 355.º, n.º 1
Prazo: 10 dias.
É um direito, não um ónus: o trabalhador pode decidir só se defender em tribunal,
perante a conclusão do procedimento disciplinar.
Instrução: diligências probatórias: as que o empregador quiser; não está obrigado a
atender ao requerimento do trabalhador; 356.º, n.º
1, CT. A instrução é facultativa (salvo nos casos previstos no artigo 356.º).
Intervenção da estrutura representativa dos trabalhadores:
Parecer não obrigatório nem vinculativo; o trabalhador pode comunicar ao empregador
qual a estrutura sindical que vai emitir o parecer (356, n.º 6).
Decisão:
357.º, n.º 1: 30 dias para decidir após receção do parecer (ou decorrido o prazo). Se não
tiver havido instrução a decisão não pode ser precipitada: só após 5 dias úteis. N.º 3.
Decisão fundamentada e escrita: 357.º, n.º 5.

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Não podem ser invocados factos que não constavam da nota de culpa (só se forem
atenuantes) 357.º, n.º 4.
Produz efeitos quando chega ao conhecimento do trabalhador.
Microempresa: 358.º LER]

B - DESPEDIMENTO POR CAUSAS OBJECTIVAS

a) despedimento coletivo;
b) despedimento por extinção do posto de trabalho;
c) despedimento por inadaptação (alguma subjetividade);

a) – Despedimento coletivo: art. 359.º, n.º 1. do CT.


Modalidade adequada para as situações de crise da empresa que impliquem
reestruturação/redimensionamento desta: v. n.º 2.
O elemento chave não é o n.º de trabalhadores, mas os motivos.
Procedimento: comunicação à estrutura representativa dos trabalhadores e negociação
(361.º e 362.º).
Intervenção de serviço competente do Ministério responsável (SS ou IAPMEI).
Aviso prévio: 363.º, n.º 1.

b) – Despedimento por extinção do posto de trabalho


367.º
Requisitos:
1) não se prende com conduta culposa de qualquer das partes;
2) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
3) não existam na empresa contratos a termo para tarefas correspondentes;
4) não seja aplicável o despedimento coletivo.

368.º, n.º 2 e n.º 3: regras para evitar que este tipo de despedimento afete um
«determinado» funcionário.
Extinção de «apenas» alguns postos de trabalho: critérios para escolha dos postos a
extinguir.

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c) – Despedimento por inadaptação.
373.º - 374.º
Requisitos cumulativos (375.º):
a) modificações nos seis meses anteriores no posto de trabalho;
b) tenha sido ministrada formação profissional adequada;
c) 30 dias de adaptação após a formação;
d) A inadaptação não decorra da falta de condições de segurança e saúde no trabalho
imputáveis ao empregador;

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