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Direito Comercial II

Regente Luís Menezes Leitão

Raquel Castro Guerreiro &


Mariana Valério Sobreiro
2021/2022

Índice
TIPOS DE SOCIEDADES COMERCIAIS .............................................................................................. 4
PRINCÍPIOS GERAIS DAS SOCIEDADES .......................................................................................... 15
AUTONOMIA PRIVADA E PROPRIEDADE .................................................................................................... 15
BOA-FÉ E TUTELA DA CONFIANÇA ........................................................................................................... 16
A IGUALDADE E A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ................................................................................................. 17
AUTONOMIA FUNCIONAL E PATRIMONIAL E A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE ............................................ 17
PUBLICIDADE E TRANSPARÊNCIA ............................................................................................................ 18
PREVENÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSES .............................................................................................. 18
ELEMENTOS DAS SOCIEDADES ...................................................................................................... 19
GENERALIDADES – PLURALIDADE DE SÓCIOS............................................................................................ 19
SOCIEDADES UNIPESSOAIS .................................................................................................................... 20
E SOCIEDADES SEM SÓCIOS?.................................................................................................................. 21
O PATRIMÓNIO.................................................................................................................................... 22
O OBJETO .......................................................................................................................................... 23
O ELEMENTO FORMAL – A TIPICIDADE ..................................................................................................... 24
PERSONALIDADE COLETIVA ........................................................................................................... 26
SOCIEDADES CIVIS PURAS .............................................................................................................. 27
NOÇÃO E ELEMENTOS ........................................................................................................................... 28
O CONTRATO, A FORMA E AS SUAS ALTERAÇÕES......................................................................................... 28
PERSONALIDADE COLETIVA DAS SOCIEDADES ........................................................................... 29
CAPACIDADE DE GOZO DAS SOCIEDADES .................................................................................... 29
O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE ............................................................................................................ 29
O PROBLEMA DOS ATOS GRATUITOS E DAS GARANTIAS ................................................................................ 30
PRESTAÇÕES ASSISTENCIAIS ................................................................................................................... 31
AS LIMITAÇÕES ESPECÍFICAS: NATURAIS, LEGAIS E ESTATUTÁRIAS ................................................................ 31
O EXERCÍCIO DE ATIVIDADES COMERCIAIS POR NÃO-SOCIEDADES ................................................................ 32
CAPACIDADE DE EXERCÍCIO E RESPONSABILIDADE DAS SOCIEDADES .................................. 33
A CAPACIDADE DE EXERCÍCIO ................................................................................................................ 33
OS REPRESENTANTES DAS SOCIEDADES .................................................................................................... 33
A TUTELA DE TERCEIROS ....................................................................................................................... 34
RESPONSABILIDADE DAS PESSOAS COLETIVAS ........................................................................................... 34
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DAS SOCIEDADES .................................................... 35
GRUPOS DE CASOS TÍPICOS.................................................................................................................... 35
TEORIAS EXPLICATIVAS ......................................................................................................................... 36
CONTRATO DE SOCIEDADE ............................................................................................................. 38
CELEBRAÇÃO FORMA E NATUREZA ......................................................................................................... 38
Celebração – contrato, pacto social e estatutos .................................................................................. 38
As partes – cônjuges e menores ....................................................................................................... 39
Forma ............................................................................................................................................ 40
Natureza ........................................................................................................................................ 41
Constituição por negócio não contratual ........................................................................................... 43
Constituição por diploma legal e por decisão judicial ......................................................................... 43
CONTEÚDO ......................................................................................................................................... 43
Elementos gerais ............................................................................................................................ 43
A interpretação e a integração do contrato ........................................................................................ 44

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A firma .......................................................................................................................................... 46
Objeto – a aquisição de participações ............................................................................................... 47
Sede e as formas locais de representação .......................................................................................... 48
Capital Social ................................................................................................................................. 48
Duração ......................................................................................................................................... 49
Vantagens, retribuições e indemnizações .......................................................................................... 49
PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS SOCIEDADES............................................................................... 50
FASES NECESSÁRIAS E NEGÓCIOS EVENTUAIS ............................................................................................ 50
SITUAÇÕES PRÉ-SOCIETÁRIAS: A TRADIÇÃO DA SOCIEDADE IRREGULAR ........................................................ 51
SOCIEDADES IRREGULARES POR INCOMPLETUDE ..................................................................... 52
SOCIEDADE MATERIAL E SOCIEDADE APARENTE ........................................................................................ 53
A PRÉ-SOCIEDADE ANTES DO CONTRATO .................................................................................................. 54
A PRÉ-SOCIEDADE DEPOIS DO CONTRATO E ANTES DO REGISTO ................................................................... 54
CAPACIDADE DAS SOCIEDADES IRREGULARES ........................................................................................... 57
NATUREZA .......................................................................................................................................... 58
SOCIEDADES IRREGULARES POR INVALIDADE ............................................................................ 58
PRINCÍPIOS GERAIS .............................................................................................................................. 58
OS EFEITOS DA INVALIDADE................................................................................................................... 60
ESPECIFICIDADES DAS SOCIEDADES DE PESSOAS ....................................................................................... 61
ESPECIFICIDADES DAS SOCIEDADES DE CAPITAIS ...................................................................................... 62
REGISTO COMERCIAL E AS SOCIEDADES ...................................................................................... 63
PRINCÍPIOS ......................................................................................................................................... 63
EFEITOS DO REGISTO............................................................................................................................ 63
ATOS SOCIETÁRIOS SUJEITOS A REGISTO .................................................................................................. 64
EFEITO CONDICIONANTE DE EFICÁCIA PLENA ........................................................................................... 65
EFICÁCIA DO REGISTO .......................................................................................................................... 66
PUBLICAÇÕES E OUTRAS FORMALIDADES ................................................................................... 66
SITUAÇÃO JURÍDICA DOS SÓCIOS .................................................................................................. 67
ASPETOS GERAIS ................................................................................................................................. 67
A LÓGICA DA APROPRIAÇÃO PRIVADA ...................................................................................................... 67
DIREITOS ESPECIAIS ............................................................................................................................. 68
CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS E DEVERES DOS SÓCIOS........................................................... 69
DIREITOS DOS SÓCIOS .......................................................................................................................... 69
DEVERES DOS SÓCIOS ........................................................................................................................... 70
ENTRADAS, LUCROS E PERDAS E DEFESA DO CAPITAL .............................................................. 70
OBRIGAÇÃO DE ENTRADA...................................................................................................................... 70
REGIME GERAL DAS ENTRADAS ............................................................................................................... 71
ENTRADAS EM ESPÉCIE ......................................................................................................................... 72
ENTRADAS EM ESPÉCIE ......................................................................................................................... 73
DIREITOS DOS CREDORES ...................................................................................................................... 74
PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E NAS PERDAS ............................................................................................... 74
PARTICIPAÇÃO NAS PERDAS ................................................................................................................. 74
PROIBIÇÃO DOS PACTOS LEONINOS -ART.22º/3 ....................................................................................... 75
CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA E DEFESA DO CAPITAL ................................................................. 75
CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA – CAPITAIS PRÓPRIOS E ALHEIOS ...................................................................... 75
DISTRIBUIÇÃO DE BENS AOS SÓCIOS ........................................................................................................ 76
LUCROS E RESERVAS NÃO DISTRIBUÍVEIS .................................................................................................. 80

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MANUTENÇÃO DAS RESERVAS LEGAIS ...................................................................................................... 82


FORMAS DE FINANCIAMENTO DA SOCIEDADE COMERCIAL ........................................................................... 82
Prestações complementares ............................................................................................................. 83
Prestações acessórias ...................................................................................................................... 83
Suprimentos ................................................................................................................................... 84
PERDA DE METADE DO CAPITAL SOCIAL ...................................................................................... 86
GENERALIDADES ................................................................................................................................. 86
CONSEQUÊNCIAS ................................................................................................................................. 87
ACORDOS PARASSOCIAIS ................................................................................................................. 87
MODALIDADES, SINDICATOS DE VOTO E GARANTIAS ................................................................................... 87
EXCLUSÃO DA ADMINISTRAÇÃO E DA FISCALIZAÇÃO................................................................................... 89
OUTRAS RESTRIÇÕES ............................................................................................................................ 89
OS ACORDOS PARASSOCIAIS NA PRÁTICA SOCIETÁRIA PORTUGUESA .............................................................. 89
DIREITO À INFORMAÇÃO................................................................................................................. 90
A INFORMAÇÃO EM DIREITO .................................................................................................................. 90
TIPOS DE INFORMAÇÃO CONSOANTE O ACESSO ......................................................................................... 92
REGIME DO DIREITO À INFORMAÇÃO ....................................................................................................... 93
ABUSO .............................................................................................................................................. 95
GARANTIA ......................................................................................................................................... 95
DELIBERAÇÕES SOCIAIS ................................................................................................................. 96
A ADMINISTRAÇÃO DAS SOCIEDADES ......................................................................................... 111
GESTÃO E REPRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 111
OS DEVERES FUNDAMENTAIS DOS ADMINISTRADORES .............................................................................. 115
O GOVERNO DAS SOCIEDADES .............................................................................................................. 119
A SITUAÇÃO JURÍDICA DOS ADMINISTRADORES........................................................................................ 120
A CONSTITUIÇÃO E O TERMO DA SITUAÇÃO DE ADMINISTRADOR ................................................................. 122
A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES ........................................................................................ 128
A responsabilidade para com a sociedade ....................................................................................... 130
A responsabilidade para com os credores e os terceiros .................................................................... 136
A FISCALIZAÇÃO DAS SOCIEDADES ............................................................................................. 138
A MODIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES ............................................................................................. 142
AS ALTERAÇÕES DO CONTRATO ............................................................................................................ 142
A FUSÃO DAS SOCIEDADES................................................................................................................... 144
A CISÃO DAS SOCIEDADES.................................................................................................................... 145
TRANSFORMAÇÃO DE SOCIEDADES ............................................................................................ 146
DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO DAS SOCIEDADES ......................................................................... 147
DISSOLUÇÃO DAS SOCIEDADES ............................................................................................................. 147
LIQUIDAÇÃO ..................................................................................................................................... 150

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Tipos de sociedades comerciais

1. Princípio da tipicidade

Sentido
Consiste na obrigatoriedade de adoção de um dos tipos previstos na lei (art. 1º/3 CSC),
sendo eles:
 Sociedade em nome coletivo (Firma: E Companhia);
 Sociedade por quotas (Firma: LDA.);
 Sociedade anónima (Firma: S.A);
 Sociedade em comandita simples;
 Sociedade em comandita por ações
O princípio da tipicidade constitui uma restrição ao princípio da autonomia privada. Mas
só restringe uma das facetas da autonomia privada. O art. 1º/3 CSC deixa pois intacta a liberdade
de contratar em sentido estrito e a liberdade de escolha da(s) contraparte(s) no contrato. E
observando um tipo e respeitando as normas de caráter imperativo que o regulam, as partes podem
conformar livremente o conteúdo do contrato de sociedade, sendo que esse espaço de liberdade
varia muito consoante o tipo de sociedade em causa.
O princípio da tipicidade impõe-se às sociedades cujo objeto consiste apenas na prática de
atos de comércio e também às sociedades que tenham um objeto misto, isto é, que se dediquem
tanto à prática de atos de comércio quanto à prática de atos não comerciais- é o que resulta a
contrario do art. 1º/4 CSC.
Mas dentre as sociedades cujo objeto seja comercial, o princípio da tipicidade só abrange
as sociedades que tenham por fonte um negócio jurídico.
A sociedade comercial, nascendo, em regra, de um contrato, pode, todavia, ter por fonte
um negócio jurídico unilateral. É o caso das sociedades unipessoais por quotas e das sociedades
anónimas unipessoais. Em relação a estas, não estando em questão a liberdade contratual- porque
não se trata de um contrato-, não deixa de se impor a mesma obrigatoriedade de respeito pelos
tipos previstos na lei.

Justificação
Razões que procuram justificar o princípio da tipicidade:
 Porque o legislador quis tutelar a segurança jurídica, em especial os interesses de
terceiros que contratam com a sociedade. Tais interesses de terceiros far-se-ão sentir de
modo mais vincado naquelas sociedades em que os sócios não respondem pessoal e
ilimitadamente pelas dívidas da sociedade (chamadas de responsabilidade limitada), como
são a sociedade por quotas e a sociedade anónima. Em tais sociedades, à limitação, para
os sócios, do risco inerente ao exercício de uma atividade económica corresponde, para os
terceiros/ credores, um aumento do seu risco de incumprimento das obrigações da
sociedade. Compreende-se, pois, que o legislador só conceda aos sócios o benefício da
limitação da responsabilidade mediante a observância por estes de um figurino (de um
tipo) cujo regime está pré-fixado na lei, sendo, por isso, conhecido de todos;

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 Interesse dos próprios sócios, especialmente dos ditos sócios-minoritários nas


sociedades anónimas e nas sociedades em comandita por ações. O afastamento da
possibilidade de constituição de sociedades atípicas importa, para os sócios, um acréscimo
de segurança e de certeza na sua relação jurídica com a sociedade;
 Interesse público: existe um benefício geral e difuso decorrente da consagração deste
princípio na medida em que as sociedades são instrumentos fundamentais da economia
dos nossos dias e na medida em que o princípio da tipicidade torna a sua intervenção no
tráfico jurídico muito mais estável e certa.

2. Caracterização dos tipos legais societários


Elementos fulcrais para definição de cada tipo de sociedade:
 Natureza da responsabilidade assumida pelos sócios- essência do tipo:
• A responsabilidade pessoal e ilimitada constituiria a essência do tipo sociedade em
nome coletivo (art. 175º/1);
• A responsabilidade solidária dos sócios pela realização das entradas
convencionadas no contrato seria o cerne do tipo sociedade por quotas (art.
197º/1);
• A responsabilidade limitada ao valor da entrada, a par da divisão do capital social
em ações, definiria o tipo sociedade anónima (art. 271º);
• A existência simultânea de sócios responsáveis apenas pela realização da sua
entrada de par com sócios responsáveis nos mesmos termos dos sócios da
sociedade em nome coletivo constituiria a sociedade em comandita por ações- caso
as participações dos primeiros sócios (sócios comanditários) se representassem em
ações-, ou uma sociedade em comandita simples- se não houvesse essas mesmas
ações (art. 465ºº, nºs 1 e 3).

 Estrutura organizatória (definida na lei para cada um dos tipos): equilíbrio interno de cada
sociedade.

2.1 Responsabilidade dos sócios perante a sociedade e perante os credores sociais


SOCIDADES EM NOME COLETIVO:
→ Responsabilidade pessoal e ilimitada;
→ Sócios respondem perante a sociedade na sua obrigação de entrada, bem como, perante os
credores da sociedade pelas dívidas desta;
→ A responsabilidade pelas dívidas é subsidiária- credores sociais só podem exigir o
cumprimento aos sócios após esgotado o património da sociedade- mas é solidária entre
os sócios- o que se traduz na possibilidade de os credores da sociedade exigirem de
qualquer dos sócios a totalidade da dívida (art. 175º/1);
→ A responsabilidade cominada pelo art. 175º/1 não impende apenas sobre os sócios da
sociedade, mas também, ainda que a título excecional, sobre quem, não sendo embora
sócio, inclua o seu nome ou firma na firma social (art. 177º/2).

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SOCIEDADE POR QUOTAS:


→ “Os sócios são solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no
contrato social”, mas “só o património social responde para com os credores pelas dívidas
da sociedade” (art. 197º, nº 1 e 3);
→ Responsabilidade solidária dos sócios pela realização das entradas convencionadas no
contrato- os sócios assumem uma responsabilidade que ultrapassa a realização da sua
própria entrada uma vez que respondem, perante a sociedade, pela realização das entradas
dos seus consórcios;
→ Responsabilidade limitada perante os credores da sociedade- não assumem
responsabilidade perante os credores da sociedade.
NOTA: responsabilidade limitada ao valor da soma de todas as entradas e não da sua própria
entrada.
→ O art. 198º/1 permite, contudo, que por estipulação contratual um ou mais sócios
respondam também perante os credores sociais até determinado montante. Assim, algum
ou alguns sócios, além de responderem perante a sociedade- responsabilidade essa que o
contrato nunca poderá afastar- ainda poderão estar obrigados a responder perante os
credores da sociedade. No entanto, ao invés do que vimos suceder quando aos sócios das
sociedades em nome coletivo, a assunção de responsabilidade pelas dívidas da sociedade
por quotas terá de cingir-se a um “determinado montante”- nunca será ilimitada.
→ O contrato, quando disponha sobre a responsabilidade do sócio por dívidas da sociedade,
poderá ainda regular a natureza dessa responsabilidade- subsidiária ou solidária com a
sociedade (198º/1)-, assim como poderá afastar o direito (supletivo) de regresso do sócio
que pagar dívidas sociais (198º/3).
NOTA: perante a possibilidade aberta pelo art. 198º/1, não se pode dizer que a
irresponsabilidade dos sócios perante credores sociais sejam uma característica essencial da
sociedade por quotas (embora seja a regra), mas já se pode dizer que a limitação da
responsabilidade é um elemento nuclear deste tipo de sociedade.

SOCIEDADES ANÓNIMAS:
→ A mais de não responderem pelas dívidas da sociedade, só respondem pelas suas próprias
entradas e já não pelas obrigações assumidas pelos seus consórcios- afastando-se, deste
modo, das sociedades por quotas (art. 271º);
→ Cada acionista tem a sua responsabilidade duplamente limitada:
• Externamente: porque não responde perante os credores da sociedade, pelas
dívidas;
• Internamente: porque não responde, perante a sociedade, por nenhuma dívida
além da sua própria obrigação de entrada.

SOCIEDADES EM COMANDITA SIMPLES


→ Neste tipo de sociedades existem 2 grupos de sócios (art. 465º/1):
• Sócios comanditados: aqueles que assumem uma responsabilidade igual à dos
sócios das sociedades em nome coletivo;
• Sócios comanditários: aqueles que respondem apenas pela sua entrada

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→ Sociedades de tipo misto ou híbrido, por pôr em destaque a ideia de reunião, na mesma
sociedade, de sócios de responsabilidade limitada com sócios de responsabilidade
limitada.

SOCIEDADES EM COMANDITA POR AÇÕES:


→ A responsabilidade assumida pelos sócios neste tipo de sociedade assemelha-se àquela
assumida nas sociedades em comandita simples (art. 465º/1). As diferenças entre os 2 tipos
não se encontram nesta sede.

2.2 Transmissão de participações sociais entre vivos


A transmissão de uma participação social implica a substituição de sócios na sociedade,
isto é, a saída de um e a entrada de outro. Existem interesses antagónicos: por um lado, o interesse
do sócio que pretende transmitir a sua participação (liberdade) e, por outro lado, o interesse dos
restantes sócios da sociedade.
A solução encontrada difere do tipo de sociedade pois a medida ou a intensidade desses
interesses também não é a mesma em todos os tipos: compreende-se que o interesse em impedir
a entrada de estranhos seja muito mais intenso numa sociedade em nome coletivo do que numa
sociedade anónima, assim como é visível que o interesse do sócio em poder vender, sem
necessidade do consentimento de alguém, a sua participação será muito mais relevante numa
sociedade anónima do que naquela outra sociedade em nome coletivo.

SOCIEDADE EM NOME COLETIVO


→ Art. 182º/1: “a parte de um sócio só pode ser transmitida, por ato entre vivos, com o
expresso consentimento dos restantes sócios”;
→ O regime encontra a sua justificação na gravidade das consequências que poderiam advir,
para aqueles sócios, da entrada de um estranho (indesejado) na sociedade, uma vez que
este teria direito a integrar a gerência (art. 191º/1), aí dispondo de poderes iguais e
independentes para administrar e representar a sociedade (art. 193º/1), ao que poderia
acrescentar o risco da sua insolvência e o concomitante incumprimento da sua obrigação
de pagamento das dívidas sociais;
→ O sócio a quem seja recusado o consentimento para a transmissão da sua participação
poderá, cumpridos os requisitos do art. 185º/1/a), exonerar-se da sociedade, recebendo
então o valor da sua parte, calculado nos termos do art. 105º/2.

SOCIEDADE POR QUOTAS:


→ Art. 228º/2: “a cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não
for consentida por esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes
e descendentes ou entre sócios” (nestes últimos casos a cessão é livre) + art. 242º-A-
necessária promoção do registo;
→ Cabe destacar, desde já, 2 diferenças relativamente ao regime das sociedades em nome
coletivo: em certos casos a cessão é livre, e quando a cessão não é livre, o consentimento

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deve ser dado pela sociedade e não pelos sócios (basta uma deliberação tomada por
maioria);
→ O regime do 228º/2 pode ser amplamente derrogado no contrato de sociedade:
• O contrato pode proibir a cessão de quotas (art. 229º/1);
• O contrato, em vez de proibir a cessão, poderá reduzir os casos em que ela é livre-
passando, por exemplo, a exigir-se o consentimento da sociedade mesmo nas
transmissões entre sócios (art. 229º/3);
• O contrato de sociedade poderá, ao invés, dispensar o consentimento da sociedade
para as situações em que ele seria necessário (art. 229º/2);
• Por outro lado, relativamente aos casos em que se exija o consentimento da
sociedade, o contrato poderá estipular, por exemplo, que a deliberação seja tomada
por uma maioria qualificada, e não apenas por maioria simples.
→ Não obstante o regime supletivo para a cessão de quotas atender, em larga medida, ao
interesse dos sócios subsistentes- uma vez que só em casos contados é que se dispensa o
consentimento da sociedade-, o facto é que o legislador não desatendeu ao interesse
daquele sócio a quem é recusado o consentimento para transmitir a sua quota. Com efeito,
o art. 231º/1 impõe à sociedade que, a par da recusa do consentimento, apresente ao sócio-
que o seja há mais de 3 anos- uma proposta de amortização ou de aquisição da sua quota,
sob pena de a cessão de tornar livre (art. 2131º/2/a). vale por isto dizer que o sócio a quem
seja recusado o consentimento terá sempre a possibilidade de realizar, ao menos
parcialmente, o seu interesse, deixando de ser sócio e recebendo uma contrapartida
monetária por isso.

SOCIEDADES ANÓNIMAS:
→ A transmissão de ações é, em princípio, livre, podendo, no entanto, o contrato de sociedade
limitar- mas nunca excluir- a transmissão de ações nominativas- e já não de ações ao
portador (art. 328º/1). A limitação pode traduzir-se ou na necessidade de consentimento
da sociedade para a transmissão (art. 328º/2/a) ou na subordinação a “determinados
requisitos, subjetivos ou objetivos, que estejam de acordo com o interesse social” (art.
328º/2/c). Em qualquer caso, as limitações hão-de constar dos próprios títulos de ações,
sob pena de serem inoponíveis a adquirentes de boa fé (art. 328º/4);
→ Nos apertados casos em que o legislador admitiu que o contrato sobrelevasse o interesse
dos sócios subsistentes (ou da sociedade) em impedir a transmissão de ações, impôs, ainda
assim, a tutela do interesse do sócio que pretende transmitir a sua participação social.
Assim, a sociedade deverá conceder ou recusar o consentimento no prazo máximo de 60
dias (art. 329º/3/a), sob pena de a transmissão se tornar livre (art. 329º/3/b); caso recuse
licitamente a transmissão, a sociedade deverá fazer adquirir as ações nas condições de
preço e pagamento do negócio para que foi solicitada ou, tratando-se de transmissão a
título gratuito, adquiri-las pelo valor real (art. 329º/3/c).

SOCIEDADES EM COMANDITA:
→ O regime previsto para a transmissão das participações dos sócios comanditados, tanto das
sociedades em comandita simples quanto das sociedades em comandita por ações, é o da

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necessidade de deliberação dos sócios, sob pena de ineficácia da transmissão, a não ser
que o contrato disponha diversamente (art. 469º/1);
→ Transmissão das participações dos sócios comanditários:
• Sociedades em comandita simples: submete-se a transmissão ao regime vigente
para as sociedades por quotas (art. 475º);
• Sociedades em comandita por ações: aplica-se o regime da transmissão das ações
das sociedades anónimas (art. 478º).

2.3 Estrutura organizatória


Coutinho de Abreu: “órgãos sociais são centros institucionalizados de poderes funcionais
a exercer por pessoa ou pessoas com o objetivo de formar e/ou exprimir a vontade juridicamente
imputável à sociedade”.

SOCIEDADES EM NOME COLETIVO


→ Poder supremo na coletividade de sócios (ou assembleia de sócios). Pertencem a este órgão
todos os sócios da sociedade, a quem compete deliberar sobre todos os “assuntos
constantes da lei ou contrato”, sendo “necessariamente objeto de deliberação dos sócios a
apreciação do relatório de gestão e dos documentos de prestação de contas, a aplicação
dos resultados, a resolução sobre a proposição, transação ou desistência de ações da
sociedade contra sócios ou gerentes, a nomeação de gerentes de comércio e o
consentimento referido no art. 180º/1” (art. 189º/3). Às deliberações dos sócios e à
convocação e funcionamento das assembleias gerais aplica-se o disposto para as
sociedades por quotas em tudo quanto a lei ou o contrato não dispuserem diferentemente
(art. 189º/1);
→ Aos gerentes cabe a administração e a representação da sociedade (art. 192º/1). Salvo
disposição do contrato em sentido contrário, são gerentes todos os sócios (191º/1), mas
estes podem, por unanimidade, designar não sócios para o cargo (191º/2). Todos os
gerentes têm poderes iguais e separados para administrar e representar a sociedade (art.
193º).

SOCIEDADE POR QUOTAS


→ órgão coletividade dos sócios, composto por todos os sócios. O órgão delibera
unanimemente por escrito, art 54, pode decidir mediante deliberação tomada em assembleia geral,
ou por voto escrito, 274, nº1.
→ O legislador atribui a este órgão um conjunto mínimo de competências, que não podem ser
remetidas para outro órgão, artº 264, nº1, a par com um círculo de competências supletivas, que
só não caberão aos sócios, caso o contrato as transfira para outro órgão, Artº 264, nº2
→ A sociedade está ainda dotada de uma gerência, composta por pessoas singulares com
capacidade jurídica plena que podem ser ou não sócias, artº 252, nº1, designadas no contrato de
sociedade ou eleitas posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato
outra forma de designação, Artº 252, nº2

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→A este órgão compete administrar e representar a sociedade, Artº259. A gerência quando


seja composta por várias pessoas, há-de funcionar conjuntamente por minoria, a não ser que o
contrato de sociedade estipule diversamente, Artº261.
→A sociedade pode sempre ter um órgão, o conselho fiscal, se o contrato de sociedade assim
o dispuser, Art 262. Contudo, certas sociedades por quotas devem ter um conselho fiscal ou
designar um revisor oficial de contas, sempre que em dois anos consecutivos for ultrapassado dois
dos seguintes três limites:
a-Total do balanço 1500000
b- Total das vendas líquidas e outros proveitos, 3000000
c- Número de trabalhadores, empregados em média durante o exercício-50
Existindo um conselho fiscal, ser-lhe-á aplicável o disposto nos art 413 e ss.

→ Nos termos do art. 252º, a sociedade é administrada e representada por um ou mais


gerentes. Quando haja vários gerentes e salvo cláusula no contrato em sentido diverso, os
respetivos poderes são exercidos conjuntamente, considerando-se válidas as deliberações que
reúnam os votos da maioria e a sociedade vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela
maioria dos gerentes ou por ela ratificados (art. 261º/1).
- Existe o órgão coletividade dos sócios composto por todos os sócios. – Legislador atribui a
este órgão um conjunto mínimo de competências, que não podem ser remetidas para outro órgão,
art 264, nº1.
- A sociedade está ainda dotada de uma gerência, composta por uma ou mais pessoas
singulares com capacidade jurídica plena, que podem ser ou não sócias, art 252, nº1. A este órgão
comete administrar e representar a sociedade, artº252, 259º. A gerência quando composta por
várias pessoas, gerência plural, há-de funcionar conjuntamente por maioria, a não ser que o
contrato de sociedade estipule diversamente, art261.

SOCIEDADE ANÓNIMA
Nos termos do art. 278º, a sociedade anónima é administrada por um conselho de
administração. Passou, com decreto-lei nº76 A/2006 de 29 março a poder estruturar-se segundo 3
modalidades distintas (em todas as 3 modalidades existe a coletividade de sócios que se compõe
por sócios, ainda que não tenha exatamente as mesmas competências em todas as estruturas
admitidas por lei.
- As coletividades de sócios compõem-se de sócios, ainda que não a integrem,
necessariamente, todos os sócios:
● Pode haver ações preferenciais sem voto e o contrato afastar os seus titulares da
participação na assembleia
● Pode exigir que o sócio detenha um número mínima de ações para poder participar na
assembleia, art379, nº2 e 384, nº2 a)
- O Sócio na sociedade anónima detém menos poderes do que nas sociedades em nome
coletivo e nas sociedades por quotas, uma vez que não podem deliberar, fora dos casos previstos
na lei, sobre matérias de gestão da sociedade, a não ser que o órgão de administração formule um
pedido para esse efeito, art 373, nº3.

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- O círculo de competência da assembleia geral da sociedade anónima, podendo ser mais ou


menos amplo consoante o estipulado no contrato, art 373, nº2, nunca pode ser tão extenso quanto
numa sociedade por quotas ou em nome coletivo.
A administração da sociedade pode obedecer a 3 estruturas distintas, art 278:
1. Doutrina monista, a administração é entregue a um só órgão- conselho de administração,
278, nº1 e 390 e ss.
2. Doutrina dualista- administração compete ao conselho geral e de supervisão + conselho
de administração executivo, 424 e ss
3. Compete a um conselho de administração, art 278, nº1 b), tal como sucede na estrutura
monista. Mas, nesta nova estrutura, que alguns autores designam de anglo-saxónica, o
conselho de administração integra um outro órgão, de fiscalização, designado de comissão
de auditoria, que é composto por uma parte dos membros do conselho de administração.
Assim, os membros da comissão de auditoria, que é um órgão de fiscalização da sociedade,
são, simultaneamente, administradores membros do conselho de administração.Este
conselho de administração é composto pelo número de membros fixado no contrato que
podem ser acionistas ou não, mas sempre pessoas singulares dotadas de capacidade
jurídica plena, art 390, nº1 e 3. Apenas nas sociedades anónimas cujo capital social não
exceda os 200000 é que a administração pode ser confiada a um só administrador, art 390,
nº2. Após a reforma de 2006, o legislador abandonou a exigência de que o conselho de
administração fosse composto por um número ímpar de membros.
Assim, o conselho, de acordo com a estrutura monista pode ser composto por qualquer
número plural de membros, o que possibilita a composição por dois administradores.
Quando o órgão seja composto por um número par de membros passa a ser obrigatória a
atribuição de voto de qualidade do presidente, art 395, nº3 a).
Administradores podem ser designados no contrato de sociedade ou eleitos pela
assembleia geral ou constitutiva, 391, nº1.
O conselho funciona colegialmente por maioria, art 410, considerando-se a sociedade
vinculada pelos negócios celebrados pela maioria dos seus administradores, art 408, nº1.
Conselho pode delegar num ou mais administradores ou numa comissão executiva a gestão
corrente da sociedade, 407, nº3, ficando tais administradores-delegados, caso o contrato
preveja, com poderes de representação da sociedade, 408, nº2. Como podemos concluir, as
competências do conselho de administração são muito amplas, art 406.
De acordo com a estrutura dualista, o regime do conselho geral e de supervisão foi objeto
de uma ampla remodelação pela reforma de 2006.Deixou de impor um número ímpar de membros,
Artº 434, nº1, exigindo agora que este órgão seja composto por um número superior àquele que
integrar o conselho de administração executivo da mesma sociedade.
-Abandonou-se a exigência de que o conselho geral e de supervisão tivesse de ser composto
por acionistas.
-O conselho geral e de supervisão funciona colegialmente por maioria, cabendo-lhes amplas
competências de fiscalização e de supervisão da atuação da atividade da sociedade.
-Com a reforma de 2006, o conselho geral e de supervisão deixou de ter competência para
aprovar o relatório e as contas da sociedade- competência que constituía um traço típico da
estrutura dualista- á luz da lei vigente pertence á assembleia geral, art 376, nº1 a).

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-Outra importante alteração respeita à possibilidade de a designação dos membros do outro


órgão de administração poder ser transferida, por cláusula do contrato de sociedade, para a
assembleia geral, art 441 a) e 425, nº1.
-A par do conselho geral e de supervisão, existe na estrutura dualista outro órgão de
administração agora designado conselho de administração executivo. Este órgão é composto por
um número livre de membros, fixado no contrato de sociedade, Artº 424, nº1, mas só as sociedades
com capital social não superior a 200 000 poderão ter um único administrador. É designado pelo
conselho geral e de supervisão ou pela assembleia geral, se o contrato assim o dispuser. Compete
gerir as atividades da sociedade, bem como representá-la.
A nova estrutura organizatória designada por alguma doutrina de anglo-saxónica, não se
distingue da estrutura monista no que toca à função de administrar, que compete ao mesmo órgão,
o conselho de administração. Este órgão, tanto numa estrutura como noutra pode delegar em
alguns dos seus membros os seus poderes de gestão.
Assim, o modelo anglo-saxónico foi construído sobre o modelo monista, do qual difere
apenas na parte em que destaca do conselho de administração, comissão de auditoria, a quem
compete genericamente fiscalizar a atividade da administração da sociedade. Mas mantem-se
idêntico tanto o quadro de competências, como o estatuto individual dos administradores, como
ainda o funcionamento do conselho de administração, órgão comum às duas estruturas. -Esta
identidade suscita inúmeros problemas, pois afigura-se dificilmente compaginável a conceção de
administração da estrutura monista com o conselho de administração da estrutura anglo-saxónica.
-Nas sociedades anónimas de estrutura monista, a fiscalização deverá seguir uma de duas
modalidades: conselho fiscal ou fiscal único, art 278, nº1 a) e 413, nº1 a) ou um conselho fiscal e
um revisor oficial de contas, que não poderá ser membro daquele órgão, 413, nº1 b). As sociedades
podem optar livremente por uma ou por outra estrutura de fiscalização, exceto nos casos previstos
noa art 413, nº2 a), em que é obrigatória a adoção do segundo referido.
-Nas sociedades anónimas de estrutura dualista, a fiscalização compete a um revisor oficial
de contas designada pela assembleia geral, sob proposta do conselho geral e de supervisão.
-Nas sociedades anónimas com estrutura dita anglo-saxónica, a fiscalização compete à
comissão de auditoria e a um revisor oficial de contas. A comissão de auditoria é um órgão
novo, constituído por membros do conselho de administração. Na sua composição, a comissão
de auditoria é uma espécie de sub-rogação, que deriva do conselho de administração. É
composta por um mínimo de 3 membros que são designados pela assembleia geral, quando
esta elege os administradores. Assim, será possível, em teoria que a maioria dos membros do
conselho de administração pertença à comissão de auditoria, pois a lei impõe uma relação
entre o número de membros da comissão de auditoria e o número de membros do conselho de
administração.

SOCIEDADE EM COMANDITA SIMPLES E POR AÇÕES:


Estes dois tipos de sociedades aplicam-se, por remissão dos artº 474 e 478, respetivamente,
as disposições relativas às sociedades em nome coletivo e ás sociedades anónimas, em tudo o que
não for contrariado pelo disposto em normas específicas dueles depois tipos. Assim, só a gerência
destas sociedades difere do regime subsidiário que o legislador lhes mandar aplicar. A gerência,
só pode, salvo estipulação em contrário, ser composta por sócios comanditados, Artº 470.

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Os vários órgãos de que já falamos podem ser ordenados em diferentes espécies, consoante o
critério de distinção:
Número de membros
Existem:
→ órgãos singulares, ex. administrador único e fiscal único;
→ órgãos plurais, ex. conselho de administração e conselho fiscal.
Poderes Funcionais ou Competências
→ Órgãos deliberativos, também chamados internos, uma vez que as suas decisões só
produzem efeitos no interior da sociedade-Ex. Coletividade de sócios;
→ Órgãos representativos, também designados executivos ou externos, que são aqueles que
representam a sociedade perante terceiros, de que são Ex. Gerência da sociedade por
quotas + conselho de administração e o conselho de administração executivo da sociedade
anónima;
→ órgãos fiscalizadores ou controladores como o conselho fiscal, a comissão de auditoria e
o revisor oficial de contas.
Modo de funcionamento
→ Órgãos disjuntos-cada membro tem poderes separados dos restantes membros;
→ Órgãos conjuntos que decidem mediante o concurso da vontade de vários dos seus
membros (minoria, maioria ou unanimidade) expressa sem necessidade de uma reunião,
Ex.com a sociedade por quotas;
→ Órgãos colegiais em que a decisão é tomada em reunião dos membros do órgão que
concorrem para a decisão através do seu voto, Ex. coletividade de sócios dos vários tipos
de sociedade; conselho de administração; conselho de administração executivo; conselho
geral e de supervisão; comissão de auditoria e conselho fiscal.

2.4 Número mínimo de sócios


O nº mínimo de sócios de uma sociedade comercial é dois (art. 7º/2). Mas existem
exceções a esta regra: tanto por ser exigido um nº superior (é o que ocorre com as sociedades
anónimas e em comandita por ações), como por se dispensar aquele mínimo (como sucede com
as sociedades por quotas unipessoais e as sociedades anónimas unipessoais).
Nas sociedades anónimas requer-se um nº mínimo de 5 sócios para a sua constituição (art.
273º/1), a não ser que se trate de sociedade “em que o Estado, diretamente ou por intermédio de
empresas públicas ou outras entidades equiparadas por lei para esse efeito, fique a deter a maioria
do capital, as quais podem constituir-se apenas com dois sócios” (art. 273º/2).
Para as sociedades em comandita por ações, o art. 479º prescreve o nº mínimo de 5 sócios
comanditários. Daqui decorre que estas sociedades hão-de formar-se, pelo menos, com 6 sócios-
5 comanditários e 1 comanditado.
A par destas exceções em que se exige mais de 2 sócios para se constituir uma sociedade,
outras há, em sentido oposto, em que esse nº mínimo é dispensado. Assim sucede nas sociedades
unipessoais por quotas (art. 270º-A), em que uma só pessoa, singular ou coletiva, constitui uma
sociedade de que fica sendo o sócio.

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Também a sociedade anónima poderá nascer por negócio jurídico unilateral nos termos do
art. 488º/1. Contudo, e ao invés do que vimos suceder nas sociedades unipessoais por quotas, não
é qualquer pessoa singular ou coletiva que pode celebrar o negócio que pode celebrar o negócio
jurídico de constituição desta sociedade anónima: só as sociedades por quotas, anónimas ou em
comandita podem beneficiar da exceção prevista naquele art. 488º/1, como decorre do art. 481º/1,
e assim constituírem uma sociedade anónima unipessoal.

3. Tipos doutrinais de sociedades comerciais

→ Sociedades de pessoas: caracterizam-se por uma decisiva importância da pessoa dos sócios
no exercício da atividade social, e têm na sociedade em nome coletivo o seu protótipo.
Este cariz personalístico (importância de cada sócio) reflete-se em muitos aspetos do seu
regime:
• Transmissão de participações socias inter vivos só pode ocorrer mediante expresso
consentimento dos restantes sócios (art. 182º/1);
• Em regra, a transmissão social não se transmite aos sucessores do sócio falecido,
a não ser que os sócios sobrevivos deliberem diferentemente ou o contrato de
sociedade derrogue aquele regime (art. 184º, nºs 1 e 2);
• A participação social não é um bem livremente executável, pelo que os credores
do sócio apenas poderão executar a “quota de liquidação” (art. 183º);
• O sócio pode ser excluído da sociedade em termos relativamente amplos, sempre
que o seu comportamento, enquanto sócio e/ou gerente, constitua grave violação
dos seus deveres ou sempre que a situação pessoal em que se encontre prejudique
(ou possa prejudicar) a sociedade (art. 186º/1);
• Ao sócio inere, em princípio, a qualidade de gerente (art. 191º/1);
• A necessidade de uma deliberação tomada por unanimidade dos sócios para a
alteração do contrato de sociedade (art. 194º)

→ Sociedades de capitais: o que importa já não é tanto a pessoa do sócio, mas sim a sua
“participação de capital” ou o seu contributo patrimonial- e não pessoal- para o exercício
da atividade societária. Como paradigma da sociedade de capitais encontra-se a sociedade
anónima, como se pode ver nos traços do seu regime:
• Regra da liberdade de transmissão de ações- só derrogável em casos contados (art.
328º);
• O distanciamento do sócio da gestão da sociedade- gestão que não tem que ser
entregue aos sócios (arts. 390º e 424º) e, em regra, até é confiada a não-sócios;
• As alterações do contrato decididas por maioria e não por unanimidade (art.
386º/2), etc.
É mais difícil enquadrar a sociedade por quotas nesta classificação. Esta dificuldade resulta
do facto de o regime legal destas sociedades ser muito flexível, tendo o legislador optado por
atribuir caráter meramente supletivo a muitas das normas que regulam tais sociedades. Assim,
fazendo uso desse amplo espaço de conformação no contrato, os sócios podem conferir à
sociedade por quotas um caráter eminentemente capitalístico- ex. fixando a liberdade da

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transmissão inter vivos e mortis causa das participações sociais, adotando uma firma-
denominação etc- ou, ao invés, vincadamente personalístico- ex. reforçando a necessidade de
consentimento para a transmissão de quotas ou até excluindo a sua transmissibilidade (arts. 228º
e 229º), fixando um direito de amortização a favor da sociedade no caso de penhora de quota (art.
239º/2, in fine), exigindo a qualidade de sócio para o desempenho do cargo de gerente (art. 252º),
adotando uma firma-nome (art. 200º), etc. Significa isto que, em concreto, uma sociedade por
quotas tanto pode pertencer à categoria das sociedades de pessoas quanto àquela das sociedades
de capitais, tudo dependendo da opção feita pelos sócios. Contudo, pode afirmar-se que o modelo,
em abstrato, seguido pelo legislador foi o da sociedade por quotas personalística. Quer isto dizer
que, não afastando os sócios o regime supletivo fixado no CSC, a sociedade por quotas apresentar-
se-á como uma sociedade de pessoas.

Qual a utilidade desta distinção?


→ Utilidade didática: a distinção ajuda a explicar múltiplos aspetos do regime jurídico de
cada tipo societário;
→ Em sede de interpretação e de integração da própria lei;
→ Em sede de interpretação e de integração de (cada) contrato de sociedade.
Assim, claro que é na sociedade por quotas que a classificação tem maior relevância
prática (porque tanto se pode inserir num ou noutro pólo de classificação). Mas mesmo nas
sociedades em nome coletivo (sociedades de pessoas) e nas sociedades anónimas (sociedades de
capitais) podem existir elementos desviantes ao seu paradigma: basta pensar nas sociedades
anónimas fechadas ou familiares (em que se restringe a transmissão de ações, se constitui a firma
com o nome dos sócios etc.), ou nas sociedades em nome coletivo em que o contrato tenha
admitido o desempenho do cargo de gerente por um não-sócio, ou a livre transmissão das
participações sociais por morte do sócio, etc.

Princípios Gerais das Sociedades

Autonomia privada e propriedade

As atuais sociedades são entes de Direito privado. Em regra e por defeito, elas derivam de
contratos livremente celebrados entre entidades que se posicionam num plano de igualdade. Esses
contratos elegem o tipo de sociedade pretendido e o seu funcionamento, com direitos e deveres
para os sócios.
Uma vez constituídas, as sociedades podem fazer quanto lhes não seja proibido. E assim será
quer no plano interno, quer no externo.

A autonomia privada conhece vários níveis de delimitação:


→ Os limites gerais dos negócios jurídicos: lei, bons costumes e ordem pública; trata-se
de uma realidade de ordem geral e que emerge no art. 56/1 al. d) a propósito de
deliberações nulas;

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→ Os limites induzidos dos vetores profundos de ordem jurídica, expressos pela regra da
boa-fé; eles ocorrem, por exemplo, no art. 58/1 al. b), ainda que implicitamente, no
campo das deliberações abusivas;
→ Os limites derivados de regras injuntivas dirigidas às sociedades, em geral;
→ Os limites próprios dos tipos societários considerados.

O direito das sociedades postula que se reconheça, com efetividade, a propriedade privada, no
sentido da intangibilidade dos direitos patrimoniais privados. As posições dos particulares, tais
como as das sociedades, só podem ser sacrificadas com a aquiescência dos próprios ou nos termos
de lei equilibrada e atribuidora de compensações satisfatórias, como resulta da Constituição.

Boa-fé e tutela da confiança

A boa-fé exprime, em cada situação concreta, os valores fundamentais da ordem jurídica.


Podemos considerar que, aos diversos problemas solucionados pelo direito, não se aplicam,
propriamente, normas isoladas: antes todo o sistema é chamado a depor. A boa-fé opera, por
vezes, através de princípios mediantes. Destes, o mais significativo é o da tutela da confiança.
A tutela da confiança opera em defesa das representações legítimas de continuidade que os
diversos operadores jurídicos sempre colocam nas múltiplas ocorrências em que assentem a sua
atividade.

A boa-fé e a tutela da confiança operam através de cláusulas gerais. Designadamente, elas


delimitam o campo das deliberações, vedando todas as que impliquem abuso do direito. Operam
ainda, em numerosos dispositivos destinados a proteger terceiros que entrem em contacto com a
sociedade e que, sem culpa, desconheçam aspetos em pertença.

Sem preocupações de exaustividade, vamos referir:


→ A invalidade proveniente dos vícios elencados no art. 52/3 não pode ser oposta a
terceiro de boa-fé;
→ A declaração de nulidade ou a anulação de deliberações sociais não prejudica os
direitos adquiridos de boa-fé por terceiros – art. 61/2; e
→ A nulidade da fusão só pode ser declarada em certos termos – art. 117/1.

O direito das sociedades comerciais, pelos vetores especiais que o animam, é um direito
marcadamente formal. Nesses termos, preponderam os processos exteriores, as concordâncias de
esquemas e a normalização das condutas. Trata-se de um dado inevitável, num setor marcado pelo
predomínio económico dos interesses e pela necessidade de proteger, com segurança, o tráfego
jurídico.
Este vetor deve ser amenizado pela consideração dos valores subjacentes: a tutela de terceiros
que aceitem as manifestações exteriores só se justifica quando estejam de boa-fé, ou seja: quando,
sem culpa, ignorem os óbices em presença.

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Ainda como manifestação geral da boa-fé e da tutela da confiança temos deveres de lealdade:
entre sócios e entre estes e os administradores. A realidade societária exige que as pessoas possam
confiar umas nas outras, pelo menos funcionalmente. Deste vetor derivam várias aplicações,
designadamente através das regras gerais do abuso de direito. Estão em causa limitações ao direito
de voto e atuações dos administradores.

A igualdade e a justiça distributiva

No direito das sociedades, surge referido o princípio da igualdade ou do igual tratamento, em


especial no campo das sociedades anónimas. Trata-se de um tópico argumentativo poderoso, mas
que, à reflexão, levanta dúvidas: a igualdade é uma exigência perante o Estado, que não deve
coartar a livre escolha dos particulares.

A igualdade não deve ser tomada em termos diretos e imediatos: nem mesmo nas sociedades
anónimas. Na própria assembleia geral, temos, lado a lado, acionistas com um voto e acionistas
com milhões de votos. A informação dispensada pode depender do capital detido: determinadas
informações são prestadas apenas aos detentores de certas percentagens. Exige-se ainda,
percentagens mínimas para pedir a convocação da assembleia ou para fazer propostas. Além disso,
a lei admite ações com direitos especiais (golden shares), os quais permitem bloquear certas
decisões, pela simples vontade dos seus detentores.

Autonomia funcional e patrimonial e a limitação da responsabilidade

As sociedades funcionam em modo coletivo, isto é, as regras básicas não se dirigem


diretamente a seres humanos – os únicos que podem entender e dar execução a comandos ético-
jurídicos – mas a entes coletivos. Apenas subsequentemente através de novos jogos de normas e
de institutos, se torna possível determinar o concreto papel dos destinatários últimos das normas
em presença. O modo coletivo implica, na generalidade dos casos, a personalidade coletiva.

Consequência direta do modo coletivo em que funciona o direito das sociedades é a existência
de autonomia funcional e patrimonial. Assim:
→ As sociedades prosseguem fins próprios e detêm objetos formalmente seus; além disso,
dispõem de esquemas destinados à elaboração de uma vontade que lhes é imputada;
→ As sociedades dispõem de um património próprio, o qual, preferencial ou mesmo
exclusivamente, responde pelas suas dívidas. Tudo isto pode comodamente ser
expresso com recurso à ideia da sociedade como sujeito de Direito ou como centro
próprio de imputação de normas jurídicas.

As sociedades implicam uma limitação do risco ou da responsabilidade das pessoas nelas


envolvidas. A autonomia patrimonial leva a que os sócios não respondam direta e imediatamente
pelas dividas sociais – arts. 997/2 e 3 do CC e 175/1 do CSC – ou não respondam, de todo – art.
197/1 e 271 do CSC.

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No primeiro grupo teremos sociedades ditas de responsabilidade ilimitada; no segundo, de


responsabilidade limitada. O dto. das sociedades permite, assim, o desenvolvimento de
empreendimentos com a limitação do risco por eles comportado.

A limitação da responsabilidade é decisiva no plano dos administradores das sociedades.


Estes, salvo se violarem as regras que lhes são aplicáveis, não respondem pelas decisões que
tomem no exercício das suas funções. Tais decisões são imputáveis às próprias sociedades: uma
dissociação de consequências profundas, que o direito procura, em certos casos controlar.

Publicidade e transparência

As sociedades representam, no espaço jurídico, poderosos agentes económicos. Em regra, elas


dão forma jurídica a empresas. Estas, pelo seu número e, por vezes, pela sua dimensão, estão
presentes em praticamente todas as transações.
Compete ao direito, em nome do papel que lhe cabe exercer sobre a economia, controlar essa
realidade. As dimensões daí resultantes permitem apontar dois princípios do dto. das sociedades:
a publicidade e a transparência.

A publicidade concretiza-se através do registo comercial e das publicações obrigatórias. Em


síntese, adiantamos que as sociedades adquirem personalidade pena pela inscrição no registo (art.
5). Alguns aspetos mais relevantes a elas relativos estão igualmente sujeitos a registo. A lei prevê
publicações obrigatórias que deem conta das suas vicissitudes e de algumas das suas iniciativas.
Na falta de publicidade, certos atos são inoponíveis a terceiros de boa-fé. As sociedades são
realidades abstratas e a sua publicidade torna-se decisiva para o exterior.
A transparência manifesta-se na frente interna. As sociedades são geridas pelos
administradores. Estes podem ter interesses próprios: há que seguir as regras claras, que permitam
conhecer e controlar as opções feitas. Esta dimensão deve ser conjugada com a reserva requerida
pelos negócios.
A transparência opera no plano da informação e da supervisão, quando existe. Mais do que
regras substantivas, uma vez que não cabe, ao Direito, fixar os negócios ideais ou, sequer,
preferíveis, a transparência exige um procedimento formalmente correto. A multiplicação de
códigos de boa governança dá corpo a esta dimensão.

Prevenção de conflitos de interesses

O atual direito das sociedades é muito sensível aos conflitos de interesses, isto é, a situações
nas quais as vantagens dos administradores e outros responsáveis e das sociedades sejam – ou
possam ser – opostos.
Num mundo de bens escassos, os benefícios de um são os prejuízos de outro. No campo
societário, esse conflito não é admissível: os interesses das sociedades prevalecem, sempre, sobre
os das pessoas que as sirvam.

Reflexo deste princípio são as proibições de concorrência dos administradores às sociedades


respetivas e as regras restritivas referentes aos negócios que eles celebrem com elas. Diversas
medidas no plano da fiscalização visão, por seu turno, prevenir ou equacionar conflitos deste tipo.

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Tais regras, para serem eficazes, visão os titulares últimos das posições societárias e, ainda, os
familiares próximos de todos os envolvidos.

Elementos das Sociedades

Generalidades – pluralidade de sócios

O Código não dá uma definição de sociedade comercial. O seu art. 1/2 aponta para a noção
geral, desde que com o objeto especial (“... a prática de atos de comércio...”) e com uma forma
específica (“... e adotem o tipo de...”). A noção será a civil, tal como emerge do art. 980 do CC.

Segundo uma enumeração tradicional, as pessoas coletivas compreenderiam os seguintes


elementos:
→ Pessoal: traduz o fator humano subjacente à pessoa considerada;
→ Patrimonial: reporta-se ao conjunto de bens que a sirvam;
→ Teleológico: exprime a finalidade do ente coletivo; e
→ Formal: corresponde à concreta configuração ou organização revestida pela entidade
em jogo.

O art. 980 do CC relativo às sociedades comuns, prevê a intervenção de “duas ou mais


pessoas”. A sociedade seria, assim, uma pessoa coletiva de base associativa, à qual corresponderia
necessariamente uma pluralidade de sócios, dando corpo a essa regra, o art. 7/2.

O nº 3 deste mm preceito legal esclarece que, para o efeito indicado, contam com uma só parte
as pessoas cuja participação social for adquirida em regime de contitularidade. Quanto à exigência
de um número de sócios superior a dois: o art. 273/1 indica, para as sociedades anónimas, o
mínimo de 5 sócios, salvo quando a lei o dispense. E a dispensa ocorre, segundo o nº 2 desse
artigo, perante sociedades em que o Estado, “... diretamente ou por intermédio de empresas
públicas ou outras entidades equiparadas por lei para esse efeito...” fique a deter a maioria do
capital. Nessa altura, bastarão 2 sócios. Este preceito contradiz o art. 142/1 al. a), que prevalece.

A pluralidade de sócios surge no art. 9/1 al. a), segundo o qual devem constar do contrato “de
qualquer tipo de sociedade”, os nomes ou firmas de todos os sócios fundadores. E ainda como
decorrência patrimonial da pluralidade de sócios, tempos a apontar:
→ As decisões das sociedades são tomadas por deliberação – art. 53 e ss;
→ Para tanto, há que seguir regras específicas de convocação – art. 56/1 al a) – e de
informação – art. 58/1 al. c);
→ As diversas sociedades preveem uma assembleia geral equivalente ao coletivo dos
sócios – art. 189/1, 248/1 e 373/1 –, sendo o modelo básico constituído pelas
assembleias gerais das sociedades anónimas. Os sócios podem, em princípio, ser
pessoas singulares ou coletivas, como se infere do art. 9/1 al. a), quando refere
“nomes” ou “firmas”. Há, todavia, que lidar com regras específicas para certos tipos
societários.

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A exigência de um elemento pessoal traduzido na pluralidade de sócios radica na ideia da


societas como contrato e no desenvolvimento da sociedade como ente autónomo, irredutível a
uma realidade humana singular.
Ontologicamente, o “sócio” único não poderia contratar consigo próprio, enquanto a
“sociedade” de um só sócio não se distinguiria do próprio património deste.

Sociedades Unipessoais

A pluralidade de sócios nem sempre se verifica. Assim, pode suceder mercê de elementos
naturais (a morte) ou de fenómenos jurídicos (a exoneração): uma sociedade vai perdendo os seus
sócios, ao ponto de ficar apenas com um.
A solução imediata seria passar-se logo à dissolução da sociedade. A lei entendeu, todavia,
que nessa eventualidade, seria mais indicado conceder um prazo para que a situação de pluralidade
fosse reconstituída.

O art. 142 mostra que, durante um período temporalmente limitado, a sociedade subsiste sem
pluralidade de sócios. As próprias sociedades civis puras, nos termos do art. 1007 al. d) do CC,
podem manter-se durante 6 meses, como sociedades unipessoais: tal o prazo dado pela lei para se
reconstituir a pluralidade de sócios. Tratando-se do Estado (ou entidade equiparada), a lei é ainda
mais generosa: admite que a unipessoalidade se mantenha sem limites temporais.

A admissibilidade teórica de sociedades unipessoais foi adquirida, aos poucos, pela doutrina.
Na base ocorre a consideração de interesses justos e legítimos. Mas joga ainda a deslocação do
centro de gravidade das sociedades comerciais – elas evoluíram de um acordo entre pessoas para
a montagem de uma organização autónoma das vicissitudes pessoais.
Ou seja:
→ num primeiro momento, a sociedade traduzia, efetivamente, uma congregação de
esforços humanos, implicando necessária e logicamente mais de uma pessoa;
→ num segundo momento, ela passou a exprimir, apenas, um esquema de organização
técnica de gestão.

Consumada a evolução, tanto dá que haja pluralidade de sócios. Podemos ir mais longe,
conquanto que desenvolvida para reunir uma pluralidade de pessoas, a sociedade comercial deu
lugar a sistemas de administração de bens patrimoniais e a uma cultura própria que valem por si.
Por isso, se tornam possíveis sociedades puramente familiares, maxime entre cônjuges (art. 8/1),
mesmo quando seja manifesto que existem interesses e valores únicos. No limite a pluralidade é
dispensável.

A existência de sociedades unipessoais começou por ser tolerada a título excecional e


transitório: 6 meses nas sociedades civis puras e 12 nas comerciais, para permitir a reconstituição
da pluralidade.
Ainda aí, com uma precaução elementar: o sócio único responde ilimitadamente pelas
obrigações sociais contraídas no período posterior à concentração de quotas ou de ações quando

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se prove que, nesse período, não foram observados os preceitos da lei que estabelecem a afetação
do património da sociedade ao cumprimento das respetivas obrigações – art. 84/1. Essa situação
de unipessoalidade foi admitida em círculos mais extensos, acabando por se assumir como
situação natural e, até, definitiva.

No campo dos grupos, a lei admite que uma sociedade possa constituir uma sociedade anónima
e cujas ações ela seja, inicialmente, a única titular- art. 488/1.
O advérbio “inicialmente” poderia sugerir que a situação do domínio total é meramente
transitória, mas não:
→ O domínio total superveniente vem tratado no art. 489 em moldes que não deixam
dúvidas quanto à sua subsistência; designadamente, o nº 4 prevê o fim da relação de
grupo sem prescrever, propriamente, qualquer esquema a que isso conduza;
→ As aquisições potestativas, previstas no art. 490, seja por iniciativa dos sócios que
alcancem os 90% podendo provocar a compra das posições dos sócios livres (nº3), seja
por iniciativa destes últimos, levando a maioria a adquirir as suas posições (nº 5),
conduzem – ou podem discutir –, à unipessoalidade. Na hipótese de unipessoalidade,
nos grupos, a lei prevê mecanismos que tutelam os valores societários em presença.

Assim, por força do art. 491:


→ A sociedade dominante responde para com os credores da dominada, nos termos do
art. 501;
→ A sociedade dominante responde para com a dominada pelas perdas desta, por via do
art. 502;
→ A sociedade dominante tem o poder de dar instruções – art. 503;
→ Os administradores da sociedade dominante têm deveres e responsabilidades
diretamente perante a sociedade dominada – art. 504.

As sociedades por quotas unipessoais distinguem-se das sociedades comuns pluripessoais,


mas que, por qualquer razão incidental, tenham, momentaneamente, um único sócio.
Quanto a estas últimas, a lei concede um prazo para a correção da situação, sujeitando-a, ainda,
a um regime de cautela. Já as unipessoais “oficiais”: são admitidas, com publicidade e sem
problema de maior. E pelo meio, também em unipessoalidade, ficam determinadas sociedades
integradas e grupos e dotados de leis especiais.

E sociedades sem sócios?

As sociedades têm 2 grandes parâmetros subjacentes:


→ A cooperação; e
→ A organização.

Os fenómenos das ações próprias e das sociedades unipessoais traduzem uma marcha para a
absolutização dos níveis organizacionais, em detrimento do elemento “cooperação” o que é dizer,

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do fator pessoal. A coroar essa eventualidade teríamos as sociedades sem sócios, também ditas
sociedades de ninguém.

No dto. português, o problema só de poderia colocar em face das sociedades por quotas. Estas,
na constituição, devem ter, pelo menos, dois sócios, admitindo-se ainda, a unipessoalidade (art.
7/2). Mas supervenientemente, podem perder os sócios e isso numa de 5 circunstâncias:
→ Pela exclusão dos sócios por não-realização das entradas (art. 204/2);
→ Pela aquisição, pela sociedade, de todas as quotas (art. 220);
→ Pela amortização de todas as quotas (art. 232);
→ Pela exoneração dos sócios (art. 240);
→ Pela sua exclusão (art. 241).

Independentemente da via para se chegar à ausência de sócios, temos, na doutrina portuguesa,


duas teorias:
→ Essa situação não é viável, uma vez que os sócios devem conservar, pelo menos uma
quota do valor mínimo exigível (1€) – Paulo Olavo Cunha;
→ Ele é transitoriamente possível: pelo art. 142/1 al. a), haveria o prazo de um ano para
a sociedade recuperar o nº mínimo de sócios exigido por lei – Coutinho de Abreu.

Menezes Cordeiro: este tema surge como uma área de exercício jurídico: não tem tido alcance
prático. Isto dito, salientamos que, em Direito das Sociedades, é permitido o que não for proibido.
De facto, nas sociedades por quotas, não se exige um nº mínimo de sócios, ao contrário do que
sucede nas anónimas (art. 273/1). Para estas funciona o disposto no art. 142/1 al. a).
Se por qualquer das 5 vicissitudes acima enumeradas, uma sociedade perder os seus sócios
todos, não há qualquer extinção automática. Quando muito, quedaria o prazo de um ano para
reconstruir o elemento pessoal. Não cabe invocar um princípio cogente relativo a esse elemento:
admitidas as sociedades unipessoais, foi dado o passo decisivo no sentido da suficiência de uma
organização. A partir daqui tudo está em saber se, não havendo sócios, o funcionamento da
sociedade inda é possível.
À partida, aplicar-se-ia o regime das sociedades unipessoais, bastando imputar aos gerentes
os poderes do sócio único. Aí mandam os estatutos. Se estes facultarem essa transposição, temos
a sociedade sem sócios limitada (SSS Lda), apta a funcionar como uma pequena fundação. Essa
teria a vantagem, relativamente às fundações civis, de ser simples, de se adaptar a pequenas
causas, de ter capacidade para criar riqueza e de dispensar os entraves burocráticos que as
paralisem.
No caso da extinção, os estatutos disporiam sobre destino dos bens. Nada dizendo, apelar-se-
ia, por analogia, ao regime das fundações. Temos aqui, uma figura disponível, capaz de, em certa
medida, colmatar a ausência de um regime explícito para os trusts.

O Património

No contrato de sociedade civil, as partes – os sócios – ficam obrigados a contribuir com bens
ou com serviços para o exercício em comum de certa atividade que não seja de mera fruição – art.

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980 do CC. Há, assim, uma entrada de bens para a sociedade – art. 981/1. As “coisas sociais” têm
um determinado regime de uso – 989 – e pelas dívidas sociais respondem a própria sociedade e
os sócios, pessoal e solidariamente – art. 997/1.
Todavia, o sócio demandado pode exigir a prévia execução do património social. Dissolvida
a sociedade procede-se à liquidação do seu património – art. 1010.

As sociedades comerciais não são definidas. Todavia, não oferecerá dúvidas a aplicabilidade
da ideia geral do art. 980 do CC: a contribuição com bens ou serviços para a atividade comum
estará sempre presente. As sociedades comerciais têm a capacidade necessária para prosseguir o
seu fim – art. 6/1 – enquanto, segundo o art. 20, todo o sócio está obrigado “a entrar para a
sociedade com bens suscetíveis de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja permitido,
com indústria.

A obrigação de entrada vem regulada com algum pormenor (art. 25 e ss), ficando a sociedade
a dispor de bens (art. 31 e 32). Havendo dissolução da sociedade, passa-se à liquidação que irá
dar destino aos seus bens – ao seu património (art. 146 e ss).
Tal como nas sociedades civis puras, as sociedades comerciais têm um património ou conjunto
de bens unificado em função de certos fatores.

Diversos preceitos permitem, em especiais condições, o diferimento de entradas ou de parte


delas (art. 202/2 e 277/2). Todavia, a sociedade adquire o direito (de crédito) às entradas, pelo que
esse elemento integrará sempre o acervo patrimonial.
O património é, assim, um elemento efetivo das sociedades comerciais.

Ele constitui um elemento estrutural e de fácil perceção. A sociedade representa uma


organização humana, com objetivos patrimoniais. Por isso, ela deve dispor de bens e direitos
afetos aos seus fins, o que é dizer: de um património.
E esse património responderá pelas dívidas da sociedade. Não há sociedades sem obrigações
de entrada e, portanto: sem um património daí resultante. É certo que, mercê das múltiplas
vicissitudes que assolem uma sociedade, poderá, in concreto, não haver bens no ativo social, mas
tal situação não é normal.

O Objeto

A sociedade civil pura visa o “exercício em comum de certa atividade económica”, segundo
o art. 980 do CC.
Trata-se de um fator teleológico do ente societário, numa ideia que podemos ainda exprimir
falando no “objeto” ou no “fim” social.
A sociedade visa obter lucros – art. 980 do CC e art. 21/1 al. a) do CSC. Mesmo quando não
suceda, toda a atividade societária está articulada em função dessa realidade. A obtenção de lucros
é, todavia, o objeto mediato ou final de qualquer sociedade. Para alem dele, cada ente societário
terá um fim ou objeto imediato: a concreta atividade económica a que se irá dedicar.

O objeto da sociedade deve constar obrigatoriamente dos seus estatutos – art. 9/1 al. d). E ele
deve manter-se durante toda a vida da sociedade: basta ver que a sua realização completa ou a sua

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ilicitude superveniente constituem casos de dissolução imediata dos entes societários – art. 141
al, c) e d). Este aspeto é importante e em vários níveis: técnicos e significativo-ideológicos.
→ Num plano técnico, o objeto da sociedade deve ser corretamente redigido em língua
portuguesa – art. 14/1; o nº 2 desse preceito explicita que estão em causa as atividades
a exercer pela sociedade. Tal objeto (ou fim) irá determinar a própria capacidade da
sociedade – art. 6/1. O objeto da sociedade condiciona as delibrações dos sócios, sob
pena de violação dos próprios estatutos sociais e baliza a atuação dos administradores.
→ Num plano significativo-ideológico, devemos ter sempre presente que, em termos
jurídicos, apenas o ser humano é um fim, em si mesmo: existe por existir e, apenas por
isso, deve ser tutelado pelo Direito.

Uma sociedade só existe porque tem um fim, ao serviço de seres humanos. A não ter um objeto
(exterior), nenhuma razão existe para a subsistência da sociedade.

O objeto das sociedades comerciais deve traduzir-se na prática de atos de comércio: é o que
resulta, de resto, do art. 1/2. Não basta, para que haja sociedade comercial que se procurem lucros,
através de uma atividade para tanto adequada.
Há que fazê-lo em “modo comercial”. Mas sempre se pode considerar que uma atividade
lucrativa, levada a cabo por uma sociedade comercial é, pelo menos, subjetivamente comercial.

O objeto da sociedade pode abranger:


→ Uma ou mais atividades principais: exprimem o objeto essencial da sociedade;
o Atividade típica, isto é regulada na lei e designada por uma locução que, de
imediato, traduza a atuação em jogo.
o Atividade maior ou menor, descrita por locuções adequadas capazes de
exprimir o escopo do ente societário.
→ Atividades secundárias: é consignada nos estatutos sociais, embora subordinante.
Seria o caso de se fixar, como escopo social de “indústria e comércio de conservas”,
bem como sua “embalagem”: esta última é uma atividade secundária, fazendo sentido
perante a primeira. Quando as atividades principais se tornam impossíveis, as
secundárias deixam de fazer sentido. O problema pode ser prevenido inscrevendo-se,
nos estatutos a título, também principal, as possíveis atividades secundárias ou
encontrando um objeto suficientemente amplo para tudo abranger;
→ Atividades acessórias: não estão especificadas nos estatutos. Todavia, elas incluem-
se no objeto social, como exigência das boas regras da interpretação, à luz da boa-fé.
O termo “acessório” não deve ser tomado como manifestando uma menor importância
das atuações envolvidas. No fundo, qualquer atividade principal só se pode concretizar
através de toda uma teia de atividades acessórias, que lhe deem corpo. Ex: qualquer
sociedade com um objeto económico fica, automaticamente, habilitada a contratar os
necessários trabalhadores e a contrair as operações de crédito convenientes.

O elemento formal – a tipicidade

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A sociedade comercial deve assumir uma das formas previstas no próprio CSC. A civil
quedar-se-á pelo disposto no art. 980 do CC.

A tipicidade das sociedades tem diversas implicações. Ela conduz:


→ A um numerus clausus de sociedades: não são possíveis esquemas societários não
previstos na lei;
→ A uma natureza delimitativa de cada tipo: recorda que, as regras próprias de cada
tipo não podem ser afastadas pela autonomia privada. De outro modo, a tipicidade
seria aparente ou exemplificativa. O saber do universo das normas legais, quais as
interpretadoras do tipo e quais as dispensáveis é, depois, uma questão de interpretação;
→ À limitação da analogia: não é possível recorrer à analogia para constituir tipos
diferentes dos previstos na lei. Uma situação considerada ou cai no tipo e não há lacuna
ou cai fora dele e, então, não sendo comercial, não tem de procurar solução à luz do
dto das sociedades. Outra manifestação deste corolário da tipicidade aflora no art. 2,
in fine – na parte em que manda atender aos “princípios informadores do tipo adotado”
como fator de conformação no recurso ao direito subsidiário;

Qual é a finalidade da tipicidade societária? Quais os motivos justificadores deste estado


de coisas?
→ Interesse público, que exigiria conhecer os entes coletivos atuantes;
→ Na proteção dos sócios que, assim, não poderiam ser levados a aceitar expressivas
compressões dos seus direitos;
→ Na tutela dos credores, que mais facilmente mediriam os riscos das suas operações;
→ Na normalização das decisões;
→ Na defesa das relações materiais entre os intervenientes.

Os valores em jogo são suficientemente flexíveis para não exigir uma tipicidade fechada. O
modelo legal pode ser tomado como um contrato-quadro, com um considerável espaço para a
conformação contratual das sociedades.
Perante cada tipo de sociedade concretamente em jogo, há que indagar até onde vai a
autonomia das partes. Tendencialmente, as regras são imperativas quando estejam em jogo
razões de mercado ou de tutela de terceiros ou sócios débeis; nos restantes casos, a autonomia
privada recupera a primazia.
As sociedades de pessoas (Sociedades civis puras e sociedades em nome coletivo) são as que
oferecem tipos mais aberto. A liberdade contratual assumiria, aí, um papel vincado, sob a
sindicância da boa-fé. Na escolha que façam do tipo social a adotar, cabe às partes poderar os
diversos vetores em presença – aspetos fiscais, organizatórios, de responsabilidade patrimonial,
relativos à prestação de contas e ao balanço, referentes à administração e à estrutura do capital e
da sua captação, atinentes ao marketing (imagem da empresa) e ao reconhecimento no estrangeiro.

Desrespeito pelos limites impostos

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Se se tratar de uma sociedade congeminada pelas partes, que não possa integrar um tipo
societário comercial e que não esteja registada, resta concluir pela sua natureza não-comercial. A
licitude da situação seria, depois, aferida à luz do direito civil: este nos diria se se poderia tratar
de uma sociedade civil ou se estaríamos perante uma realidade diversa.
Se estiverem em causa elementos de uma sociedade qualificável como “comercial”, mas ainda
não registada, teremos de verificar se é possível, com recurso Às regras de redução ou da
conversão dos negócios jurídicos, fazer desaparecer a solução desviante: isso feito, a sociedade é
comercial.
Estando a sociedade registada e tratando-se de uma sociedade de capitais, segue-se o regime
do art. 42.

Perguntar-se-á até onde vão as exigências da tipicidade?


→ são normas imperativas: no sentido em que se jogam normas que, a serem afastadas pela
vontade das partes, conduziriam já a um tipo societário diverso. Mas nem todas as normas
imperativas estarão em causa. Com efeito, há normas que devem ser respeitadas pelas partes mas
que, pu por serem comuns a todos os tipos sociais ou por se reportarem a aspetos muito
particulares do tipo considerado, não integram, propriamente o tipo societário.

O tipo societário é composto por normas que têm a ver com os pontos seguintes:
→ A conformação da firma: A conformação da firma é decisiva. Basta vê-la ou ouvi-la
para, de imediato, qualquer interessado ficar inteirado do tipo de sociedade em jogo;
→ O regime da responsabilidade por dívidas: expresso pela firma. O comércio jurídico
e a confiança suscitada pela sociedade disso dependem; e
→ As regras básicas atinentes às participações sociais.

Personalidade Coletiva

A pessoa de direito deve surgir como uma realidade independente, ela é sistemática, ela deve
abranger pessoas singulares e coletivas, ela deve dar azo a conceitos dogmaticamente
operacionais, ela pode aproveitar as diversas teorias historicamente ocorridas.
Quando em direito, se fala na personalidade coletiva, pretende-se, quando não se teorize,
exprimir um regime jurídico-positivo.

A pessoa coletiva é, antes de mais, um determinado regime, a aplicar aos seres humanos
implicados. Estes podem ser destinatários diretos de normas; mas podem-no ser, também,
indiretamente, assim como podem receber normas transformadoras pela presença de normas,
agrupadas em torno da ideia de “pessoa coletiva”. No caso de uma pessoa de tipo corporacional,
os direitos da “corporação” são os direitos dos seus membros. Simplesmente, trata-se de direitos
que eles detêm de modo diferente do dos seus direitos individuais.

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Uma “pessoa” é considerar a presença de uma entidade destinatária de normas jurídicas e


portanto: capaz de ser titular de direitos subjetivos ou de se encontrar adstrita a obrigações. A
afirmação da personalidade será, pois, a consideração de que o ente visado pode autodeterminar-
se, no espaço de legitimidade conferido pelos direitos de que seja titular, e deve agir, no campo
das suas adstrições. O modo porque vão ser exercidos os direitos e cumpridas as obrigações já
não é esclarecido pela afirmação sumária da personalidade: isso dependerá de múltiplas outras
normas jurídicas, cuja aplicabilidade, no entanto, postula a personalidade e deriva dela.

Qualquer norma de conduta – permissiva ou de imposição – será, sempre, em última análise,


acatada por seres humanos conscientes, o que é dizer, por pessoas singulares capazes.
Assim, dizer que uma sociedade deve pagar os seus impostos é significar que os seus
administradores o devem fazer, com fundos societários; aplicar-lhe uma multa pelo não
pagamento equivale a retirar, dos fundos societários e em detrimento dos sócios e dos credores da
sociedade, a importância correspondente à sanção.
Em direito, a pessoa é sempre um centro de imputação de normas jurídicas, isto é: um pólo de
direitos subjetivos, que lhe cabem e de obrigações que lhe competem. A pessoa é singular, quando
esse centro corresponda a um ser humano; é coletiva em todos os outros casos.

A definição apresentada é sistemática, técnica e funcional: permite, numa fórmula sintética, a


articulação da personalidade com o direito subjetivo e os demais níveis da ordem jurídica. É,
ainda, unitária. Pergunta-se se não apresentará em excessivo plano de formalismo, reduzindo a
personalidade a um expediente técnico próximo das correntes normativistas e analíticas.
Não é viável induzir uma definição plausível da pessoa coletiva que mantenha uma referência
a um qualquer substrato. Além disso, o mapa das diversas pessoas coletivas possíveis, desde o
Estado até às discutíveis sociedades civis puras, é tão vasto e diversificado que só à custa da
abstração se tornaria possível encontrar um esquema que tudo abranja.

Sociedades Civis Puras

Podemos apresentar as sociedades civis puras não como um mero tipo societário entre outros,
mas como um tipo básico, isto é: um tipo menos estrito e no qual afloram vetores que iremos
encontrar em todo o direito das sociedades.

As sociedades civis puras têm a sua sede normativa no CC. E de alguma forma podemos
considerar que o CC veio:
→ Simplificar a ideia de sociedade – foram supridas as sociedades. Universais e as
familiares, enquanto a parceria foi retirada deste universo; a parceria agrícola proibida,
foi aproximada do arrendamento rural, enquanto a parceria pecuária deu azo a um
contrato autónomo, próximo da locação – arts. 1121 a 1128;
→ Aperfeiçoar a dimensão organizativa da sociedade;
→ Regular com cuidado as relações com 3ºs; e
→ Balizar os temas da extinção e da liquidação.

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No conjunto, as sociedades do CC, surgem como entes autónomos perfeitamente definidos. O


contrato de sociedade não está configurado para reger uma associação ocasional entre duas
pessoas, com fins económicos.

Noção e elementos

Art. 980.
Esta noção deixa transparecer um contrato oneroso, embora as prestações não sejam
recíprocas: todos devem efetuá-las, suportando o inerente esforço; todavia, as partes não recebem,
propriamente, as prestações efetuadas pelos outros. Tais prestações vão, efetivamente, integrar o
património ou acervo social.

De acordo com a noção legal, é possível apurar a presença de 3 elementos:


→ As contribuições das partes;
→ Um exercício em comum;
→ O fim da repartição dos lucros.

Um quarto elemento e, de certo modo, prévio, seria a intenção de formar a sociedade. A sua
análise, todavia, reconduz a affectio à própria vontade contratual de formar a sociedade, isto é, à
intensão de concluir o contrato aqui em causa.

Quanto às contribuições das partes, admite a lei que as mesmas consistam em bens ou serviços.
Podemos ir mais longe: a contribuição poderá residir numa qualquer vantagem de tipo patrimonial
como, por exemplo, a concessão de uma garantia.
As contribuições podem não ser imediatas. A própria lei refere “... se obrigam a contribuir...”:
poderão fazê-lo no futuro ou, até, apenas eventualmente, já que a lei admite obrigações
condicionadas, cum puerit (quando o credor puder cumprir) e dependentes de interpelação. É de
admitir que a contribuição de um sócio possa consistir, simplesmente, na inclusão do seu nome
na sociedade.
Tal inclusão pode, mesmo in concreto, representar o bem social mais considerável. Resta
recordar que o direito ao nome se inscreve no campo dos direitos de personalidade patrimoniais.
A atuação das partes deve obedecer aos requisitos do art. 280 do CC: ser física e legalmente
possível, conforme a lei, determinável e consentânea com a ordem pública e os bons costumes.

A concluir os elementos legais, surge-nos o objetivo de repartição dos lucros da sociedade.


Este elemento tem um alcance parcialmente injuntivo, na medida em que, o art. 994 proíbe os
pactos leoninos.
De acordo com a atual tendência de permitir sociedades non profit, propendemos para uma
aceção muito lata de lucros: poderão não consistir numa imediata perceção de vantagens, pelos
sócios, antes procurando beneficiar terceiros. Lembre-se, de resto, que sempre se poderia construir
uma sociedade a favor de terceiro – art. 443 e ss do CC.

O contrato, a forma e as suas alterações

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O art. 980 apresenta a sociedade civil pura como um contrato. Todavia, o regime subsequente
pode aplicar-se sem a efetiva conclusão de um contrato de sociedade (civil).

O art. 981/1 do CC, determina que o contrato de sociedade não esteja sujeito a forma especial,
à exceção da que for exigida pela natureza dos bens com que os sócios entrem para a sociedade.
Subjacente à lei está, pois, a ideia de que, pelo contrato de sociedade, os sócios vão dispor dos
bens que constituam o objeto das suas contribuições.

O art. 981/2 é gerido por um favor negotti muito vincado, estabelecendo especiais hipóteses
de conversão ou de redução, no caso de inobservância da prescrição legal de forma.
A inobservância da forma legal, dá azo à nulidade – art. 220 do CC – e não à anulabilidade.

Uma vez celebrado, o contrato de sociedade pode alterar-se. Assim sucede com qualquer
contrato, desde que as partes estejam de acordo.

Personalidade Coletiva das Sociedades

Perante o art. 5, a personalidade coletiva das sociedades comerciais parece não oferecer
dúvidas – todas tem personalidade.

A doutrina atual distingue entre autonomia patrimonial e personalidade jurídica: na primeira,


a lei opera no âmbito objetivo da sociedade; na segunda, fá-lo, também, no âmbito subjetivo.
Apenas as sociedades de capitais – as anónimas e as de responsabilidade limitada ou por quotas –
teriam personalidade; as de pessoas – as simples e as em nome coletivo – não a teriam.

Capacidade de Gozo das Sociedades

O princípio da especialidade

As pessoas têm capacidade jurídica: será a concreta medida de direitos e de obrigações de que
sejam suscetíveis. No que toca às pessoas singulares, essa capacidade – ou capacidade de gozo –
é plena: elas podem ser titulares da generalidade dos direitos admitidos pelo ordenamento e podem
ficar adstritas à generalidade dos deveres que a ordem em causa conheça.
Já quanto a pessoas coletivas, uma orientação entre nós, pretende que a sua capacidade seria
limitada pelo princípio da especialidade: ela (apenas) abrangeria os direitos e obrigações
necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, segundo a fórmula do art. 6/1, retomada
no art. 160 do CC.
A ideia do princípio da especialidade teve uma dupla origem: a doutrina ultra vires anglo-
saxónica e as restrições continentais aos bens de mão-morta.

Com o passar do tempo, generalizou-se o sistema de reconhecimento automático da


personalidade coletiva: reunidos os requisitos legais e procedendo-se às diligências requeridas, a
personalidade coletiva surge, de acordo com a iniciativa privada. Não há, por esta via, nenhum

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limite estrutural: nas margens legais, podem os interessados eleger os fins que entenderem, os
quais podem ser prosseguidos por todos os meios ilícitos.

O princípio da especialidade, como elemento limitador da capacidade jurídica das pessoas


coletivas, tende, assim, a ser abandonado. Deve sublinhar-se que ele não pertencia ao acervo
clássico do Direito das sociedades comerciais.

O problema dos atos gratuitos e das garantias

O campo de eleição para as restrições à capacidade de gozo dos entes coletivos é o dos atos
gratuitos, que poderiam ser contrários aos fins da pessoa coletiva, particularmente se ela fosse
uma sociedade.
A doutrina tende a abandonar tais construções. Desde logo, ficam de fora os donativos
conformes com os usos sociais: nem são havidos como doações – art. 940/2.
O art. 6/2 do CSC, também considera não serem contrárias ao fim da sociedade “as
liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as
condições da própria sociedade.

E a doação pura ficará fora da capacidade de uma sociedade?


MC: nenhuma razão se visualiza para considerar as doações fora a capacidade de qualquer
pessoa coletiva, mesmo tratando-se de uma sociedade. O denominado princípio da especialidade
não restringe, hoje, a capacidade das pessoas coletivas – tal como emerge do art. 160/1, ele diz-
nos, no fundo, que todos os direitos e obrigações são, salvo as exceções abaixo referidas,
acessíveis às pessoas coletivas

Coutinho de Abreu: defende que estes atos são nulos, salvo as exceções do art. 6/2.

Subproblema relevante é o da prestação de garantias a terceiros. Tal prestação poderia


sugerir como um favor e, portanto, como um ato gratuito, que iria depauperar o património do
garante, à custa dos sócios e dos credores. Mas pode ser uma atividade lucrativa: pense-se nos
bancos, que prestam garantias a troco de comissões. O art. 6/3 dispõe sobre as garantias. Fê-lo,
porém, usando uma linguagem desnecessariamente qualificativa.
→ Menezes Cordeiro: a parte puramente qualificativa não vincula o intérprete-aplicador. De
acordo com as regras de interpretação, o art. 6/3 proibiu, pura e simplesmente, as sociedades de
prestar garantias, salvo nas condições que ela própria prevê. São elas:
→ Justificado interesse próprio da sociedade garante;
→ Sociedade em relação de domínio ou de grupo;

Estas exceções são de tal ordem que acabam por consumir a regra. O “justificado interesse
próprio” é definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos: estamos no dto. privado. Ora,
é evidente que, quando se presta uma garantia – altura em que todos pensam que a operação vai
correr bem ou que, pelo menos, tudo é recuperável –, é facílimo invocar interesse próprio
justificado. A jurisprudência alarga, mesmo, a ideia de interesse, explicando que ele pode ser

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“indireto”. Ex: um estabelecimento comercial, que garanta certas dívidas dentro de uma política
de boas relações com os moradores da zona.
Quanto às relações de domínio ou de grupo: surgem fáceis, sobretudo aplicando a regra dos
“grupos de facto”1. Os tribunais, servidos por uma bateria de doutrinadores, têm tido a maior
dificuldade em validar garantias, invocando ainda a posição de terceiros de boa-fé. Além disso,
consideram que o ónus da prova da inexistência de interesse próprio da sociedade recai sobre
quem pretende a invalidação. Resta concluir que a proibição do art. 6/3 acaba por funcional,
apenas, perante situações escandalosas e, ainda aí, havendo má-fé dos 3ºs beneficiários.
Resta concluir, que a proibição do art. 6/3 acaba por funcionar, apenas, perante situações
escandalosas e, ainda aí, havendo má-fé dos 3ºs beneficiários. A responsabilização dos
administradores terá de servir de contrapeso.

Prestações assistenciais

Pergunta-se perante a delimitação da capacidade das sociedades, se estas podem assumir


obrigações de natureza assistencial. Particularmente candente será o saber se elas têm capacidade
suficiente para atribuir prestações de reforma aos seus antigos administradores.
À partida, a matéria assistencial deve ser gerida por organismos especializados: públicos ou
privados.

Todavia, o CSC, fundamentalmente para legitimar as pensões pagas por instituições de crédito
e por outras grandes empresas, permite, no seu art. 402/1, que o contrato de sociedade anónima
possa estabelecer um regime de reforma por velhice ou invalidez dos administradores. O nº 2
explicita que é também possível a assunção, pela sociedade, de complementos de reforma.

A reforma a cargo da sociedade não contradiz a sua natureza lucrativa. Todavia, ela deve estar
prevista no próprio contrato de sociedade: não pode ser criada, ex novo, pela assembleia geral. E
é ainda a assembleia geral que deve aprovar o competente regulamento (art. 402/4).

As limitações específicas: naturais, legais e estatutárias

Segundo o final do art. 6/1, excetuam-se ao âmbito da capacidade de gozo das pessoas
coletivas os direitos e obrigações “inseparáveis da personalidade singular”. Trata-se,
fundamentalmente:
→ De situações jurídicas familiares ou sucessórias que, pela sua natureza, visam apenas
pessoas singulares;
→ De situações de personalidade, também centradas nas pessoas singulares – o dto. à
vida e à integridade física, o direito à saúde ou o direito ao sono;
→ De situações patrimoniais, mas que pressupõem a intervenção de uma pessoa singular:
a qualidade de trabalhador subordinado, por ex;

1
Grupos de factos – são grupos nos quais há uma relação de domínio; estes surgem por oposição aos
grupos de direito – em que apenas há uma relação de grupo.

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→ Diversas situações de dto. público, também destinadas a comtemplar pessoas


singulares: o direito ao voto em eleições públicas, como ex.

A violação de limitações impostas pela natureza das coisas implica a nulidade do negócio, por
impossibilidade legal – art. 280/1, do CC – atingindo as inerentes deliberações sociais por via do
art. 56/1 al. c), abaixo analisado.

As limitações legais à capacidade de gozo das pessoas coletivas, referidas no art. 6/1, in medio,
têm uma natureza profundamente diferente da das impostas pela natureza das coisas.
A referência feita no art. 6/1 a “... direitos e obrigações vedados por lei...” é, tal como o
princípio da especialidade, herdeira das antigas leis de desamortização, que visavam prevenir a
acumulação de bens de mão morta: mas herdeira tardia.

A inobservância das limitações legais à possibilidade de prática, pelas pessoas coletivas, de


certos atos, conduz, em princípio, à nulidade do ato por violação de lei expressa (art. 294) ou por
ilicitude (art. 280/1): não por incapacidade.

Como terceira categoria de limitações específicas à atuação de sociedades temos as


estatutárias. Os estatutos podem limitar, pela positiva, a atuação da sociedade a que respeitem,
restringindo-a à prática de certos atos, ou, pela negativa, vedar-lhe a prática de determinados atos.
As competentes disposições estatutárias limitam a capacidade de gozo da pessoa
coletiva? À partida, seguramente não. A capacidade de gozo é uma medida que acompanha,
automática e necessariamente, a personalidade jurídica. Apenas a lei, seja pela técnica positiva
das “pessoas rudimentares”, seja pela negativa das proibições específicas, pode reduzir o campo
de ação das sociedades ou das pessoas coletivas em geral. As limitações estatutárias são, assim,
meras regras de conduta internas. Elas adstringem os órgãos da pessoa coletiva a não praticar os
atos vedados, sem, contudo, limitarem a capacidade da sociedade. É, de resto, essa a solução do
art. 6/4 do CSC, cuja generalização às diversas pessoas coletivas não nos parece suscitar quaisquer
dúvidas ou dificuldades. A violação a esses limites estatutários poderia conduzir à invalidade das
inerentes deliberações sociais, em termos a ponderar caso a caso.
O mesmo regime deve ser aplicado às limitações deliberativas, isto é: às limitações que
deliberações internas da própria pessoa coletiva ponham à prática, por ela, de certos atos. O
desrespeito por tais deliberações responsabiliza o seu autor: a capacidade da pessoa coletiva
mantém-se, porém, intacta.

O exercício de atividades comerciais por não-sociedades

As sociedades, dado o seu fim lucrativo, podem, obviamente, desenvolver atividades


comerciais. Já as pessoas coletivas regidas pelo CC, mais propriamente as associações e as
fundações, não têm por fim o lucro: dos associados, no primeiro caso (art. 157) e, em geral, no
segundo (art. 188/1).

O fundamento jurídico do exercício de atividades comerciais por parte das associações e


fundações está, simplesmente, na sua capacidade jurídica tendencialmente plena: abrange tudo o

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que for necessário e conveniente para a prossecução dos seus fins, na linguagem do art. 160/1.
Ora, quaisquer fins são convenientemente servidos com a obtenção de meios materiais que lhe
possam ser afetos. Sucede, porém, que o exercício de várias atividades sensíveis está
regulamentado: exigindo-se, designadamente, que a pessoa que a elas se dedique assuma a forma
de sociedade anónima (caso dos bancos). Deparamos, nessa altura, com uma restrição legal
expressa.

Capacidade de Exercício e Responsabilidade das Sociedades

A capacidade de exercício

No tocante às pessoas singulares, a capacidade de exercício dá-nos a medida dos direitos e das
obrigações que elas possam exercer pessoal e livremente. A regra é a da plena capacidade de
exercício: quem tiver direitos, deve poder exercê-los, por definição, pessoal e livremente. As
únicas exceções derivam da natureza das coisas: têm a ver com a situação dos menores e dos
maiores acompanhados.

Numa visão muito elementar, as pessoas coletivas seriam assimiladas a menores: incapazes,
pela natureza, de praticar pessoal e livremente os diversos atos, elas teriam de ser representadas.
Não é assim.
A categoria da capacidade de exercício só é aplicável às pessoas singulares. As pessoas
coletivas movem-se num universo diferente, tecido sobre normas e princípios jurídicos. Aí, não
faz sentido falar em incapacidades naturais, que possam ferir certas pessoas. As pessoas coletivas
– e, com elas, as sociedades – são tão-só capazes, nos termos que acima deixámos expressos, e
com limites legais.

Os representantes das sociedades

As sociedades comerciais são representadas pelos administradores respetivos. Trata-se de uma


regra constante do art. 996/1 do CC e dos arts. 192/1, 252/1 e 405/2 do CSC. Tratar-se-á de uma
verdadeira representação?
→ A resposta é claramente negativa. Estamos perante uma representação orgânica, que só
num plano muito imediato e empírico tem a ver com a verdadeira representação (a representação
voluntária) ou com a representação legal (a que permite suprir as incapacidades dos menores e
maiores acompanhados).

Com efeito, nas sociedades, joga-se apenas uma articulação coerente de regras. Está, aqui, em
jogo um problema de organização. Esta exige que a pessoa coletiva se autodetermine e se
manifeste para o exterior.
Para tanto, ela disporá de meios: os seus órgãos. Os titulares dos órgãos agem: o que façam,
ope legis, é imputado à pessoa coletiva. É a representação orgânica. A representação orgânica não
é “representação” em sentido próprio. Apenas se usa essa expressão pela semelhança envolvida
com a representação voluntária.

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A tutela de terceiros

As regras referentes à orgânica das sociedades acabam por se refletir nos poderes de
representação dos seus administradores. Tais regras podem variar: em função do tipo social, dos
estatutos e do próprio direito nacional em causa. Nessas circunstâncias, o comércio internacional
e a própria liberdade de estabelecimento podem ser afetados. Perante uma sociedade – e,
particularmente, em situações internacionais – nunca se saberia, precisamente, com que orgânica
se lida e, daí, qual a concreta extensão dos poderes dos administradores.

Arts. 8 e 9 da Diretriz 2017/1132, 14 de julho:


→ As eventuais irregularidades registadas na designação de representantes das
sociedades são inoponíveis a 3ºs, salvo se a sociedade provar que estes as conheciam;
→ As sociedades vinculam-se perante 3ºs pelos atos praticados pelos seus órgãos, mesmo
quando alheios ao objeto social, exceto se for excedido o que a lei atribuir ou permita
atribuir a esses órgãos; e
→ As limitações estatutárias aos poderes dos órgãos, bem como as derivadas de
deliberações, são sempre inoponíveis a 3ºs, mesmo quando publicadas.

Estas regras constam do dto. português, embora em termos sistematicamente repartidos. Desde
logo, a designação dos administradores está sujeita a registo comercial – art. 3/1 al. m) do CRC.
Quando o competente registo seja declarado nulo, são protegidos os direitos entretanto adquiridos
por 3º, a título oneroso de boa-fé (art. 22/4): trata-se de uma manifestação de publicidade positiva.
Quanto à existência de limitações induzidas do fim, do objeto ou dos estatutos, e que já
ponderámos a propósito da capacidade propriamente dita (ou de gozo) das sociedades, opera o
art. 6/4: eles não limitam a capacidade da sociedade e, no que aqui releva: o âmbito da
representação (orgânica) dos titulares dos seus órgãos.

Para desencadearem os efeitos próprios da representação, basta que o administrador pratique


um ato invocando essa sua qualidade e o estar a agir em nome e por conta da sociedade.

Não se requer qualquer autorização, para que surja a imputação dos atos à sociedade. Assiste-
se, aqui, a uma total primazia dos interesses dos 3ºs, que não tem paralelo na representação
voluntária. Fica sempre ressalvada a hipótese de má-fé do 3º. A “ma-fé” é, aqui, o conhecimento
da falta de poderes orgânicos de representação ou a violação de um dever elementar de indagação
de tais deveres.
Assim e em regra: as sociedades obrigam-se com duas assinaturas. Surgindo apenas uma, fácil
é verificar se, in casu, o pacto estabeleceu um esquema de vinculação por, apenas, um dos
administradores ou, até, se estamos perante um administrador único. A falsa invocação da
qualidade de administrador, não havendo registo, não permite a imputação à sociedade.

Responsabilidade das pessoas coletivas

Art. 165 + art. 998/1 do CC + art. 6/5 do CSC.

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A responsabilidade do comitente consta do art. 500, enquanto a do representante deriva do art.


800, ambos do CC. Adiantamos que estas fórmulas e remissões não são satisfatórias: revelam uma
área em que a doutrina da personalidade coletiva está, ainda, incompleta.
Todavia, se forem bem interpretadas, poderemos colocar o dto. civil português dentro doa
atuais parâmetros da responsabilidade civil das pessoas coletivas.

O sentido da responsabilidade do comitente veio a originar várias teorias, acabando a doutrina


por se fixar na do risco: o comitente, por beneficiar de condutas alheias, deveria, também, correr
o risco de elas se revelarem danosas: responderia, pois, objetivamente, isto é: mesmo sem culpa.

A solução de responsabilizar as pessoas coletivas, em termos aquilianos, pelos atos dos seus
representantes e através do esquema da imputação ao comitente, não era satisfatória: nem em
termos jurídico-científicos, nem em termos práticos.

Perante o teor literal dos arts. 165 e 998/1 do CC, reforçado para mais, pelo art. 6/5 do CSC,
que fala em “quem legalmente a represente”, alguma doutrina tem sido levada a pensar que, para
efeitos de responsabilidade civil aquiliana, a pessoa coletiva é um “comitente”, sendo o titular do
órgão um “comissário”, de modo a aplicar o art. 500.
Menezes Cordeiro: há que procurar uma solução alternativa. A pessoa coletiva é uma pessoa.
Logo, ela pode integrar, de modo direto, “aquele que com dolo ou mera culpa...”, referido no art.
483 do CC. A culpa como juízo de censura é-lhe diretamente aplicável: nada tem a ver, na
conceção atual, com situações de índole psicológica. O art. 165 do CC, não tem a ver com a
responsabilidade das pessoas coletivas por atos dos seus órgãos: antes dos seus representantes,
eventualmente, constituídos para determinados efeitos, dos seus agentes e dos seus mandatários.
E aí já fará sentido apelar para a imputação ao comitente.

Desconsideração da Personalidade das Sociedades

Grupos de casos típicos

O levantamento da personalidade trata-se de um instituto surgido a posteriori para sistematizar


e explicar diversas soluções concretas, estabelecidas para resolver problemas reais, postos pela
personalidade jurídica. Na sua origem encontramos uma multiplicidade de casos concretos.

Existem várias formas de agrupar os casos concretos:


→ Confusão de esferas jurídicas;
→ A subcapitalização;
→ O atentado a terceiros e o abuso da personalidade.

A confusão de esferas jurídicas verifica-se quando, por inobservância de certas regras


societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objetivas, não fique clara, na prática a
separação entre o património da sociedade e o dos sócios ou sócio.
Estes casos reportam-se, sobretudo, às chamadas sociedades unipessoais.

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Verifica-se subcapitalização relevante, para efeitos do levantamento da personalidade,


sempre que uma sociedade tenha sido constituída com um capital insuficiente. A insuficiência é
aferida em função do seu próprio objeto ou da sua atuação surgindo, assim, como tecnicamente
abusiva. Para efeitos de levantamento, cumpre distinguir entre subcapitalização nominal e a
material.
Na nominal, a sociedade considerada tem um capital formalmente insuficiente para o objeto
ou para os atos a que se destina. Todavia, ela pode acudir com capitais alheios.
Na subcapitalização material, há uma efetiva insuficiência de fundos próprios ou alheios. Em
rigor, esta apenas releva, para efeitos de levantamento, quando o problema não seja resolvido com
recurso a uma norma de direito estrito.

O atentado a terceiros verifica-se sempre que a personalidade coletiva seja usada, de modo
ilícito ou abusivo, para os prejudicar. Como resulta da própria fórmula encontrada, não basta uma
ocorrência de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa coletiva: para haver levantamento
será antes necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais,
incluindo a ética dos negócios. Sub-hipótese particular é a do recurso a “testas de ferro”, numa
situação que autorizaria a procurar o real sujeito das situações criadas.

O abuso do instituto da personalidade coletiva é uma situação de abuso de direito ou de


exercício inadmissível de posições jurídicas, verificada a propósito da atuação do visado, através
de uma pessoa coletiva. No fundo, o comportamento que suscita a penetração vai caracterizar-se
por atentar contra a confiança legítima (venire contra factum proprium, suprecio ou surrectio) ou
por defrontar a regra da primazia da materialidade subjacente.
É certo que todos os outros casos de levantamento traduzem, em última instância, situações
de abuso; neste, porém, há uma relativa inorganicidade do grupo, que deixa, mais diretamente, a
manifestação de levantamento, perante a atuação inadmissível.

Teorias Explicativas

Apuradas as constelações de casos a propósito dos quais se tem suscitado o problema do


levantamento, cumpre analisar diversas explicações para ele apresentadas. Existem várias
sistematizações possíveis, sendo de salientar:
→ Teoria subjetiva: a autonomia da pessoa coletiva deveria ser afastada quando
houvesse um abuso da sua forma jurídica, com vista a fins não permitidos. Na
determinação dos tais “fins” ou “escopos” não permitidos, haveria que lidar com a
situação objetiva e, ainda, com a intenção do próprio agente – o levantamento exigiria
um abuso consciente da pessoa coletiva, não bastando, em princípio, a não obtenção
do escopo objetivo de uma norma ou de um negócio.
o Esta teoria tem sido rejeitada. Efetivamente, a utilização puramente objetiva de
uma pessoa coletiva fora dos limites sistemáticos da sua função seria, só por
si, já abusiva. Além disso, a exigência do elemento subjetivo específico iria
provocar insondáveis dificuldades de prova. Deveremos ainda atentar na
concreta solução pretendida com o levantamento considerado. Se se tratar,
simplesmente, de fazer responder o património do sócio por dívidas da
sociedade – e, portanto: de fazer cessar pontualmente o privilégio da

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responsabilidade limitada – não se requer qualquer culpa subjetiva. Pelo


contrário, visando-se responsabilidade civil por atos ilícitos ou pelo
incumprimento das obrigações, a culpa é requerida.
→ Teoria objetiva: resulta, à partida, da rejeição de elementos subjetivos para fazer atuar
o levantamento. Perante o abuso intencional da pessoa coletiva, pode não ser difícil
suceder que se mantenha pura e simplesmente a realidade escondida pelo sujeito. A
jurisprudência não fez depender a penetração nas forças existentes por detrás da pessoa
coletiva de um abuso intencional da figura jurídica da pessoa coletiva.
Numa primeira fase, tudo é feito depender das más intenções do agente. Conquistado
o instituto, este é objetivado, passando a depender da pura contrariedade ao
ordenamento. Abandonada a intenção, o levantamento exigiria a ponderação dos
institutos em jogo. Quando, contra a intencionalidade normativa, eles fossem afastados
pela invocação da personalidade, esta deveria ser levantada. As orientações
objetivistas dizem-se assim, também institucionais, tendo obtido múltiplas adesões.
Desde o momento em que tudo dependa da articulação entre os institutos em jogo, o
levantamento vai exigir a cuidada interpretação das regras em presença. As diversas
manifestações terão de ser estudadas.
o Devem reter-se dois reparos: com elas, o levantamento deixa de constituir uma
“pena” para quem manipule o ordenamento e a personalidade coletiva.
Todavia, perante elas, o levantamento tende a perder autonomia, seja
institucional, seja no plano da sua justificação.
→ Teoria da aplicação das normas: visava constituir uma alternativa às teorias
subjetivistas. Segundo esta orientação o levantamento não traduziria, propriamente,
um problema geral da personalidade coletiva – tratar-se-ia, antes, de uma questão de
aplicação das diversas normas jurídicas. Quando, particularmente por via do seu
escopo, elas tivessem uma pretensão de aplicação absoluta ou visassem atingir a
realidade subjacente à própria pessoa coletiva, aplicar-se-iam. O detrimento das regras
da personalidade seria uma mera consequência daí decorrente.
o É em rigor uma teoria objetiva, tendo bastante êxito. Também ela segue um
movimento habitual nos institutos que nascem sob a égide da boa-fé ou dos
princípios gerais que remetem para o sistema – numa primeira fase, eles
bastam-se com essas remissões; subsequentemente eles ganham em precisão
dogmática, abandonando as áreas determinadas donde proveem; tornam-se
direito estrito.
o A teoria da aplicação das normas não deve, porém, levar a esquecer que a
personalidade coletiva tem valores próprios, não sendo um mero jogo de
(outras) normas: visa limitar a responsabilidade e funcionalizar patrimónios
autónomos.
→ Teorias negativistas: negam, direta ou indiretamente, a autonomia ao levantamento
da personalidade, enquanto instituto. O levantamento lidaria com proposições vagas,
conduzindo à insegurança. Assim, haveria antes que determinar os deveres concretos
que, em certos casos, incidam sobre os membros das pessoas coletivas. No limite
apenas poderíamos responsabilizar os dirigentes ou administradores das pessoas
coletivas, por falta de diligência.

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Posição do prof. Menezes Cordeiro:


O levantamento da personalidade coletiva, surge, à primeira vista, com um conteúdo
diversificado. Na verdade, os desenvolvimentos anteriores permitem descobrir, no seu seio:
→ Situações de violação não aparente de normas jurídicas: a pretexto da personalidade
coletiva, são descuradas normas de contabilidade, de separação de patrimónios ou de
clareza nas alienações;
→ Situações de violação de normas indeterminadas ou de princípios: as pessoas que têm
a seu cargo a administração de pessoas coletivas agem sem a diligência legalmente
requerida para tais funções;
→ Situações de violação de direitos alheios ou de normas destinadas a proteger interesses
alheios sob invocação da existência de pessoa coletiva;
→ Situações de emulação nas quais, sem razões justificativas, alguém usa uma pessoa
coletiva para causar prejuízos a terceiros;
→ Situações de violação da confiança ou de atentado às valorações subjacentes, através
de uma pessoa coletiva;
→ Situações em que as pessoas coletivas são usadas fora dos objetivos que levaram as
normas constituintes respetivas a estabelecê-las;
→ Situações em que jogos de pessoas coletivas são montados ou atuados para além dos
princípios básicos do sistema.

Perante a apontada diversidade, seria vão procurar uma noção explicita de levantamento ou
indagar, para ele, uma natureza unitária e autónoma.

O levantamento traduz uma delimitação negativa da personalidade coletiva por exigência do


sistema ou, se se quiser: ele exprime situações nas quais, mercê de vetores sistemáticos
concretamente mais ponderosos, as normas que firmam a personalidade coletiva são substituídas
por outras normas.
Contrato de Sociedade

Celebração Forma e Natureza

Celebração – contrato, pacto social e estatutos

O contrato de sociedade é um contrato nominado e típico: além de dispor de nomen iuris, ele
vem regulado na lei civil – art. 980 do CC – e na lei comercial – art. 7 e ss do CSC.

O contrato de sociedade é, ainda, um negócio jurídico. De acordo com o sistema adotado,


verifica-se que se trata de um ato marcado pela liberdade de celebração e pela liberdade de
estipulação: as partes podem não só optar por celebrar, ou não, o contrato de sociedade como,
fazendo-o, têm a liberdade de nele apor as cláusulas que entenderem.
De entre os elementos que estão na sua disponibilidade conta-se a escolha do tipo societário.
Efetuando-a, incorrem nos limites injuntivos que o enformem.

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Uma parcela apreciável das regras legais relativas a sociedades tem natureza meramente
supletiva: pode ser afastada por vontade das partes. A prática mostra, todavia, contratos bastante
circunspectos, pelos quais as partes se limitam a consignar os elementos voluntários necessários
– denominação ou firma, sócios, capital social, partes sociais, sede e tipo – e uma ou outra cláusula
que considerem mais relevante. Tudo o resto cai no regime legal.

O contrato de sociedade não é considerado um negócio corrente. Assim, a sua celebração é,


em regra, precedida de negociações efetivas – salvo, naturalmente, quando a sociedade tenha
natureza unilateral.
Sucede, porém, que a sociedade encobre, por vezes, uma mera ordenação de interesses
familiares, tendo, como partes, os cônjuges e os filhos menores. Quando isso ocorra não haverá,
em regra, negociações, já que os interesses não são contrapostos.

Um contrato de sociedade pode, ainda, ocorrer através de uma oferta ao público. A situações
paradigmática é a da constituição de uma sociedade anónima com apelo à subscrição pública e
que vem regulada nos arts. 279 a 283 do CSC e no art. 168 do CVM.
Prevê-se, aí, todo um procedimento algo complexo, que irá desembocar numa assembleia
constitutiva (art. 281); apenas depois é formalizado o contrato de sociedade (art. 283).
O regime apresenta desvios em relação a uma comum oferta ao público, o que se explica mercê
dos especiais valores em jogo. A matéria compete ao estudo especial das sociedades anónimas e
ao dto. mobiliário.

Na sua configuração, o contrato de sociedade permite, muitas vezes, distinguir duas áreas:
→ A do contrato propriamente dito, na qual as partes se identificam, declinando
elementos comprovativos, estado civil, profissão e residência e manifestam a intenção
de constituir uma sociedade; e
→ A do pacto social ou estatutos, nos quais as partes, normalmente em moldes
articulados, disciplinam a nova entidade.

Quando se decorra a escritura pública, esta segunda parte pode constar de documento anexo,
dispensando-se a sua leitura.
Tecnicamente os estatutos ou pacto social são parte integrante do contrato, embora possam
apresentar especialidades interpretativas. O CSC fala, de modo predominante, em contrato de
sociedade para designar os estatutos. Trata-se de uma opção linguística destinada a melhor
corporizar as opções contratualistas dos seus autores.

As partes – cônjuges e menores

A figura visualizada, em moldes típicos, foi a da sociedade instituída por contrato. Donde a
referência, já estranhada do art. 7/2: tem de haver duas partes. Quando as partes estabeleçam, ab
initio, uma posição ou participação social em regime de contitularidade, as pessoas assim
envolvidas valem apenas como uma única parte.

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Podem ser partes em contratos de sociedade não apenas pessoas singulares, mas, ainda,
pessoas coletivas. É o que resulta da lata capacidade de gozo que é hoje reconhecida às pessoas
coletivas. O próprio Estado pode ser parte em sociedades: e fá-lo com alguma frequência.
Há mesmo sociedades que só podem exercer a sua atividade através de outras sociedades cujas
participações detenham: é o que sucede com as sociedades gestoras de participações sociais
(SGPS).
Também as pessoas rudimentares podem constituir sociedades, desde que estas, em função do
objeto ou de outras circunstâncias se possam reconduzir à janela da personalidade que lhes seja
reconhecida.

O problema da constituição de uma sociedade, particularmente, comercial, entre cônjuges,


levantava clássicos problemas que o art. 8/1 veio resolver.

Os menores também podem ser partes em contratos de sociedade. E poderão fazê-lo pessoal
e livremente sempre que a sociedade em vista esteja ao seu alcance, perante o art. 127 do CC.
De facto, não é viável, a priori, excluir do campo dos atos facultados pessoal e livremente ao
menor, a celebração de uma sociedade. Fora isso, os menores poderão celebrar contratos de
sociedade, através dos pais, como representantes legais. Será, todavia, necessária a autorização do
tribunal para entrarem nas sociedades em nome coletivo ou em comandita simples ou por ações:
art. 1889/1 al. d). O óbice reside, aí, nos riscos derivados da ilimitação da responsabilidade.
Tratando-se de menor sob tutela, a entrada em qualquer sociedade deve ser autorizada, visto o
disposto no art. 1938/1 al. a), b) e d) do CC.
Este regime é aplicável, com as necessárias adaptações ao maior acompanhado, tendo em
conta o que conste de competente sentença (art. 145/2 do CC).

Forma

O contrato de sociedade comercial é um contrato formal – art. 7/1. Requer forma escrita com
reconhecimento presencial das assinaturas dos subscritores, salvo se forma mais solene for exigida
para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade.
Pelo contrário, a sociedade civil é consensual: apenas está sujeita a escritura pública quando
a natureza dos bens a transferir para a sociedade assim o exija (art. 981 do CC) ou quando se
pretenda assumir personalidade jurídica plena (art. 158/1 e 157 do CC).

Se percorrermos os contratos próprios das sociedades comerciais, deparamos com as


exigências de forma seguintes:
→ Acordos parassociais: art. 17 não contém qualquer exigência de forma; em regra são
celebrados por escrito;
→ A aquisição de bens a acionistas por sociedades anónimas ou em comandita por ações
deve ser reduzida a escrito – art. 29/4;
→ A alteração do contrato de sociedade deve ser reduzida a escrito – art. 85/3; o aumento
de capital e outras alterações – art. 88 e 93/1, 274, 370/1 e 456/5 – devem, também,
ser objeto de declaração escrita;

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→ A fusão de sociedades segue a forma exigida para a transmissão de bens das sociedades
incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade – art. 106 – numa regra
aplicável à cisão – art. 120;
→ A dissolução de sociedade não depende de forma especial, quando tenha sido
deliberada em assembleia geral – art. 145/1;
→ O contrato de subordinação exige forma escrita – art. 468.

No tocante aos diversos contratos de sociedade, não são retomados os requisitos de forma,
dado o alcance geral do art. 7/1; apenas são referidos aspetos atinentes ao conteúdo dos contratos:
art. 176, 199, 272 e 466, relativos, respetivamente, a sociedades em nome coletivo, por quotas,
anónimas e em comandita.

No domínio da transmissão de partes sociais, a lei exige forma escrita:


→ Para a transferência das partes de um sócio em sociedade em nome coletivo – art.
182/2;
→ Para a transferência de quotas – art. 228/1;

A transformação de uma sociedade por quotas em sociedade unipessoal exige documento


particular quando, da sociedade, não façam parte bens cuja transmissão exija essa forma solene –
art. 270-A/3.
Uma regra similar funciona para a constituição originária de uma sociedade unipessoal – art.
7/1.
O contrato de suprimento não está sujeito a qualquer forma, o mesmo sucedendo com outros
negócios de adiantamento de fundos pelo sócio à sociedade ou com convenções de diferimento
de créditos de sócios – art. 243/6.
Tratando-se de negócio entre o sócio único e a sociedade unipessoal, deve ser observada a
forma escrita, quando outra não esteja prescrita para o negócio em jogo – art. 270-F/2.

Natureza

De acordo com diversa doutrina, não seria seguro que o denominado “contrato de sociedade”
surja, efetivamente, como um contrato. Num contrato comum, as declarações de vontade das
partes são contrapostas, de tal modo que cada uma delas dá o que a outra quer, aceitando o que
esta tenha para oferecer em troca. Pelo contrário, no contrato de sociedade: as diversas declarações
de vontade são idênticas e confluentes.
Além disso, nos contratos comuns, os efeitos produzem-se, como é de esperar, nas esferas
jurídicas dos intervenientes. De modo diverso, no contrato de sociedade, surge uma nova e terceira
entidade – a própria sociedade constituída.
Para complicar, é admitida a constituição de sociedades por ato unilateral.

Tudo isto obrigaria a uma evidência: o ato constitutivo da sociedade teria uma natureza
específica, não contratual. Como contraprova: ao contrário do que sucederia em qualquer contrato
comum, em que o número de partes é decisivo e depende do figurino visualizado, na sociedade

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isso seria secundário: poderia, mesmo, cais para a unidade, como ocorre nas sociedades
unipessoais.

Guilherme Moreira: nos contratos há sempre pessoas determinadas que por eles ficam
adstritas a certas prestações e cujas vontades, manifestando-se em direções opostas, se encontram,
formando-se um vínculo jurídico em virtude desse acordo. Quando todas as vontades se
manifestam na mesma direção, não se formando um vinculo jurídico entre as pessoas que
manifestam essa vontade, não haverá contrato, sempre que, dada uma declaração de vontade pela
qual se constitua uma obrigação para com qualquer pessoa, o direito desta não tenha a sua causa
numa manifestação da sua vontade que coopere juntamente com a declaração de vontade de quem
se constitue nessa obrigação nestes casos haverá um negócio jurídico unilateral e não bilateral.

José Tavares: contra pronuncia-se, explicando que o “conceito moderno de contrato” abrange
o ato coletivo e a união.

Ferrer Correia: vem defender a natureza contratual da constituição de sociedades. Explica,


designadamente, que as declarações que integram o contrato de sociedade não são meramente
paralelas, tendentes à formação do novo ente, uma vez que produz, também, relações entre as
partes celebrantes.

Fernando Olavo: acolhe e reforça esta ideia. Aquando da celebração de um contrato de


sociedade, as partes podem ter interesses contrapostos, estaremos perfeitamente na figura do
contrato.

Menezes Cordeiro: a atual tendência de trabalhar com o conceito amplo de contrato, capaz
de abranger todos os atos plurilaterais, tem levado à rejeição da doutrina de Guilherme Moreira.
A orientação em causa teve, de resto, o cuidado de afeiçoar a lei: o CSC refere, de modo contínuo,
“contrato”. Ponto assente – a natureza negocial da constituição de uma sociedade.
Este aspeto é importante porque, além de acentuar as liberdades de celebração e de estipulação
aqui presentes, como vimos, traduz, ab initio, a colocação das sociedades na área do dto. privado
e da livre iniciativa económica e social. Para além disso, porém, o contrato de sociedade tem
especificidades: não é um contrato comum.

Desde logo, ele é indispensável. A sociedade pode constituir-se por ato unilateral, no sentido
clássico de ter um único declarante. É o que sucede nas hoje pacíficas sociedades inicialmente
unipessoais. Além disso, pode resultar da dinâmica de uma sociedade preexistente: o caso da cisão
será um bom exemplo.
De seguida, o regime do contrato de sociedade não coincide com o dos contratos comuns. A
invalidade resultante de vício da vontade ou de usura, por exemplo – é independentemente do
registo – não oponível erga omnes, mas apenas, aos demais sócios – art. 41/2, 2ª parte. Outras
invalidades são sanáveis por (meras) deliberações maioritárias – art. 42/2 e 43/2. À reflexão: a
presença de uma concreta vontade, na conclusão de um contrato de sociedade, tem a virtualidade
de fazer passar o seu autor a sócio; não a de fazer surgir a própria sociedade em si. E quem adquira
uma participação social não se torna, propriamente, parte no primitivo contrato de sociedade.

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Finalmente, um pacto social não regula, simplesmente, um delimitado círculo de interesses


entre as partes que o concluam; ele antes fixa – ou pode fixar – um quadro normativo capaz de
regular múltiplas situações subsequentes.

Constituição por negócio não contratual

O CSC prefigura o contrato como o esquema normal de constituição das sociedades, numa
valoração básica tomada pelo CC. Ele próprio previa, contudo, outros modos de constituição de
sociedades. Assim:
→ A constituição por fusão, cisão ou transformação – art. 7/4 e 97 e ss: há de facto, uma
constituição derivada, uma vez que, as novas sociedades resultam de transformação
das anteriores. O motor da constituição é, aqui, desempenhado por uma ou mais
deliberações sociais. Esclareça-se que, na hipótese de fusão, não há propriamente um
“contrato” entre as administrações das sociedades preexistentes: estas limitam-se a
excetuar o que fora deliberado pelas assembleias gerais das sociedades envolvidas, não
tendo liberdade de celebração nem de estipulação. Por isso, as regras que se aplicam à
fusão são as previstas para esse instituto e não as da contratação;
→ A constituição de sociedade anónima com apelo a subscrição pública – art. 279 e ss;
→ A constituição originária de sociedade anónimas – art. 488/1;

Constituição por diploma legal e por decisão judicial

Encontramos sociedades constituídas por DL do Governo, a que podemos acrescentar as


hipóteses de lei da Assembleia da República ou de diploma regional.
Encontramos ainda, a hipótese de constituição de sociedades por decisão judicial. Ela pode
ocorrer no domínio de planos de insolvência, adotados nos termos dos arts. 209 e ss do CIRE,
com homologação pelo juiz.

Às sociedades instituídas por diploma legal ou por decisão judicial passa a aplicar-se, uma vez
constituídas, o regime comum das sociedades. E, designadamente: poderão os seus estatutos ser
modificados por deliberação a tanto dirigida, da assembleia geral e que observe os requisitos
estabelecidos para esse tipo de ocorrência. No caso de diploma legal, pode haver restrições,
designadamente quanto à livre circulação das ações.

Conteúdo

Elementos gerais

Em rigor, o conteúdo de um contrato traduz a regulação jurídica por ele introduzida, no âmbito
delimitado pelas partes. Nas sociedades comerciais, a locução abrange ainda elementos que, não
sendo em si regulativos, se tornam essenciais para depreender o regime fixado pelo contrato.
O CSC no seu art. 9 elenca os elementos essenciais que devem constar no contrato de qualquer
tipo de sociedade.

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Diversos preceitos complementam o conteúdo do contrato, a propósito dos vários tipos


sociais: art. 176, quanto às sociedades em nome coletivo; art. 199, quanto às sociedades por
quotas; art. 272 quanto às sociedades anónimas; e art. 446, quanto às sociedades em comandita.

O art. 9 contém elementos necessários: a sua eventual ausência conduziria à invalidade do


contrato, nos termos do art. 42/1, que especifica:
→ A falta do mínimo de dois sócios fundadores, salvo quando a lei permita a constituição
unipessoal;
→ A falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como
do valor da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta.

O art. 42/2 distingue, destes vícios, os sanáveis por deliberação dos sócios, tomada nos termos
prescritos para a alteração do contrato: a falta de firma, de sede ou do valor da entrada de algum
sócio ou de prestações realizadas por conta desta.
A contrário, a falta do objeto ou do capital seriam insuscetíveis de sanação. Apesar do silêncio
da lei, a não indicação do tipo de sociedade, quando insuprível com recurso a elementos
contratuais, deve ser considerada, também, insanável: todo o processo de constituição teria de ser
retomado desde o início.

Menezes Cordeiro: os elementos em causa poderão constar implícita ou explicitamente do


contrato, nos termos gerais. Pensamos, todavia, que deverão surgir com suficiente clareza, mesmo
perante terceiros.
A tal propósito, pergunta-se se não seria aplicável, ao contrato de sociedade, o dispositivo do
art. 238 do CC, designadamente quando admite que, de negócios formais, possa resultar um
sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento.
A resposta é negativa: no contrato de sociedade, caímos precisamente na parte final do art.
238/2: as “razões determinantes da forma do negócio...” opõem-se a essa validade.

A interpretação e a integração do contrato

O contrato de sociedade coloca questões próprias e, de certo modo, autónomas de


interpretação. De facto, e logo à partida verifica-se que, mesmo admitindo as conceções
contratualistas, a sociedade não pode ser considerada como um contrato comum.
Ele não é eficaz inter partes ou apenas inter partes: originando, pelo registo, um ente coletivo
personalizado, ele vem produzir efeitos erga omnes.
Designadamente:
→ Efeitos perante os novos sócios;
→ Efeitos perante terceiros estranhos;
→ Efeitos perante os credores da sociedade.

Se o contrato de sociedade fosse interpretado segundo as regras negociais comuns, poderia


haver que dar primazia à “vontade real das partes”, prevista no art. 236/2 do CC, com a daí
resultante irrelevância da falsa demonstrativo.

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Mais: sendo formal, o contrato de sociedade poderia, nas condições do art. 238/2 do CC, dar
lugar a um sentido sem o mínimo de correspondência com o seu texto. E também a integração
procuraria, segundo o art. 239 do CC, uma vontade hipotética das partes, que poderiam já nada
ter a ver com a sociedade em que se pusesse o problema. As tais regras comuns poderiam conduzir
a que um terceiro, tendo contactado com uma sociedade, deparasse, quanto aos estatutos, com um
“sentido” de todo inexcogitável.
Este simples enunciado de problemas mostra logo que o “contrato” de sociedade, porquanto
incluindo os estatutos, não pode ser interpretado como um contrato comum.

Menezes Cordeiro: as regras de interpretação negocial vertidas nos arts. 236 do CC,
pressupõem, fundamentalmente, um diálogo negocial a dois. Locuções como “declaratário real”,
“comportamento do declarante”, “vontade real” (art. 236) e “vontade real das partes (art. 238/2)
compreendem-se num mundo bidimensional: seriam impraticáveis em contratos plurilaterais, em
que, provavelmente, cada declarante pensou em algo diverso. Além disso, regras como a do
equilíbrio das prestações (art. 237) têm a ver com contratos comutativos. Logo à partida, todas
estas regras surgem impraticáveis em contratos de organização, como sucede com o de sociedade.
Tanto basta para que se possa proclamar: a interpretação dos pactos sociais é
fundamentalmente objetiva, devendo seguir o prescrito para a interpretação da lei – art. 9 do CC,
com as inevitáveis alterações. Também a integração deverá seguir o prescrito no art. 10 desse
Código, em vez de apelar a uma vontade hipotética das partes.

Apenas cumpre fazer duas cedências aos princípios gerais de interpretação e integração:
→ O da presença de cláusulas extrassocietárias: corresponde a um último reduto das
pretensas cláusulas meramente obrigacionais. Sustentamos que estas devem ter o
mesmo tratamento das organizacionais. Todavia, pode suceder que, num contrato de
sociedade, haja sido inserida, ao abrigo da liberdade contratual (art. 405/1 do CC),
alguma cláusula que com o contrato de sociedade nada tenha a ver. Nessa altura, ela
seguiria os cânones interpretativos negociais comuns;
→ O da proibição de venire contra factum proprium: deriva da boa-fé. In concreto
não pode uma parte adotar uma atuação societária assente numa pretensa interpretação
subjetiva do pacto, convencer outrem da excelência da conduta e, depois, prevalecer-
se da interpretação objetiva. A proibição de comportamentos contraditórios obrigaria,
no limite, o responsável a indemnizar os danos assim causados.

Uma orientação paralela deverá prevalecer no tocante à integração de lacunas. O art. 239 do
CC, faz apelo à vontade hipotética das partes.
Ora, o contrato de sociedade, uma vez instituído o novo ente coletivo liberta-se dos seus
celebrantes iniciais. Além disso, é oponível a terceiros, os quais devem poder prever as linhas de
integração de lacunas.
Tanto basta para abandonar uma integração de tipo supletivo. Perante a lacuna estatutária,
queda recorrer à lei das sociedades comerciais; na falta desta, caberá seguir as vias subsidiárias
do art. 2 e, no limite, as regras do art. 10 do CC.

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A firma

O art. 10 contém diversas regras relativas à firma das sociedades comerciais. Quanto às
denominações das sociedades civis puras, haverá que recorrer ao RNCP.

De acordo com as regras gerais do dto. comercial, a firma obedece aos seguintes princípios:
→ Autonomia privada: a escolha da firma compete ao interessado, ainda que com os
limites do art. 32/4 al. a), b), c) e d) do RNCP;
→ Obrigatoriedade e normalização: os comerciantes devem adotar certa firma a qual
deve ter expressão verbal, suscetível de comunicação oral e escrita, em carateres
latinos; além disso, quando tenha significado, deve ser expressa em língua portuguesa
correta;
→ Verdade e exclusividade: quando tenha significado, deve retratar a realidade a que se
reporte ou, pelo menos não deve induzir em erro; além disso, deve ser própria do ente
a que se refira;
→ Estabilidade: a firma não muda com a alteração dos titulares do estabelecimento;
→ Novidade: a firma deve ser distinta de outras já registadas ou notoriamente
conhecidas.

Estes princípios, constantes dos arts. 32 e ss do RNCP, devem aplicar-se às sociedades


comerciais cumulativamente com as regras do art. 10 do CSC.

➔ Firmas de comerciantes individuais:


A firma de comerciante individual (pessoa singular) tem de ser composta pelo seu nome –
“completo ou abreviado, conforme seja necessário para identificação da pessoa”, não podendo,
em regra, a abreviação reduzir-se a um só vocábulo.
O nome completo ou abreviado, pode ser antecedido de expressões ou siglas “correspondentes
a títulos académicos, profissionais ou nobiliárquicos” a que o comerciante tenha direito. E pode
ainda o comerciante aditar o seu nome (completo ou abreviado) “alcunha ou expressão alusiva à
atividade exercida”.

➔ Firmas de sociedades comerciais:


De acordo com o art. 177/1 do CSC, a firma das sociedades em nome coletivo deve ser
composta, ou pelo nome (completo ou abreviado) ou firma de todos os sócios, ou pelo nome
(completo ou abreviado) ou firma de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso, e
“companhia” ou qualquer outro que indique a existência de outros sócios.
Além destes elementos a firma destas “sociedades de pessoas” pode ainda conter (apesar do
artigo não dizer) expressão alusiva ao objeto social, bem como siglas, iniciais, expressões de
fantasia ou composições.

Segundo o art. 200/1 do CSC, a firma das sociedades por quotas deve ser formada, com ou
sem sigla ou pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios, ou por uma denominação

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particular, ou pela reunião de ambos esses elementos. Em qualquer caso, a firma conterá o
aditamento “limitada” ou “Lda”.

O que dissemos acerca da firma das sociedades por quotas vale quase integralmente para a
firma das sociedades anónimas – art. 200/1 e 275/1 do CSC. A grande diferença é a expressão
“sociedade anónima” ou pela abreviatura “S.A”.

A firma das sociedades em comandita deve ser composta pelo nome ou firma de um, algum
ou todos os sócios comanditados (sócios de responsabilidade ilimitada) e o aditamento “em
comandita” ou “& comandita” (nas sociedades em comandita simples), em “comandita por ações”
ou “& comandita por ações” (nas sociedades em comandita por ações) – art. 467/1.
Juntamente com os nomes e/ou firmas referidos, a firma das sociedades em comandita pode
ainda integrar expressões alusivas ao objeto social, bem como siglas, expressões de fantasia, etc.

Objeto – a aquisição de participações

O objeto da sociedade – ou objeto mediato, para quem queira chamar objeto ao conteúdo – é
constituído pelas atividades a desenvolver pelo ente coletivo. O art. 11 tem diversas regras a tanto
respeitantes.
O objeto da sociedade deve constar de indicação corretamente redigida em língua portuguesa.
O contrato de sociedade deve ser celebrado por escrito, com reconhecimento presencial de
assinaturas – art. 7/1.

Como objeto devem ser indicadas as atividades que os sócios se proponham para a sociedade
– art. 11/2. A lei permite que o contrato indique uma série de atividades não efetivas; segundo o
nº 3, compete depois aos sócios, de entre as atividades elencadas no objeto social, escolher aquela
ou aquelas que a sociedade efetivamente exercerá, bem como deliberar sobre a suspensão ou a
cessação de uma atividade que venha sendo exercida – nº 3. A prática, vai assim, no sentido de
alongar o objeto da sociedade com toda uma série de hipóteses de atuação.

Questão controversa era a da aquisição, pela sociedade, de participações sociais noutras


sociedades, a qual teria de ser facultada pelo pacto social.
Resolvendo dúvidas o art. 11/4 a 6, veio dispor:
→ A aquisição de participações em sociedade de responsabilidade limitada cujo objeto
seja igual aquele que a sociedade está exercendo – entenda-se: não depende de
autorização no contrato de sociedade nem de deliberação dos sócios, salvo cláusula
em contrário;
→ A aquisição de participações em sociedade de responsabilidade ilimitada pode ser
autorizada livre ou condicionalmente, pelo contrato social;
→ De igual modo, tal autorização pode reportar-se à aquisição de participações em
sociedades com objeto diferente do efetivamente exercido, em sociedades reguladas
por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas. Finalmente, o art.
11/6 permite que a questão de uma carteira de títulos pertencente à sociedade possa
constituir o objeto dela.

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O grande papel do objeto poderia residir na delimitação da capacidade da sociedade, em


virtude do princípio da especialidade. Todavia, este princípio encontra-se hoje, superado: ele não
limita já essa capacidade.
O objeto da sociedade, tem, assim, a ver primordialmente com o funcionamento da própria
sociedade e com a responsabilidade dos titulares dos seus órgãos.

Sede e as formas locais de representação

A sede é um dos elementos essenciais do contrato de sociedade – art. 9/1 al. e). Segundo o art.
11/1, a sede da sociedade deve ser estabelecida em local concretamente definido.
Na falta de indicação da sede, ocorre, no caso de sociedades por quotas, anónimas ou em
comandita por ações registadas, a nulidade – art. 42/1 al. b) – ainda que sanável, - nº 2. Não se
pode assim, apelar diretamente ao art. 159 do CC que permite, na falta de designação estatutária,
recorrer ao lugar em que funcione normalmente a administração principal.

O art. 12/2 permite que, salvo disposição em contrário no contrato, a administração possa
deslocar a sede dentro do território nacional. A partir daí, a mudança de sede exige alteração dos
estatutos. O nº 3 desse preceito dispõe que a sede constitua o domicílio da sociedade, sem prejuízo
de se estabelecer domicílio especial para determinados negócios.

O art. 13/1 prevê formas locais de representação

Capital Social

Art. 9/1.
Em termos materiais, o capital de uma sociedade equivale ao conjunto das entradas a que os
diversos sócios se obrigaram ou irão obrigar. Podem antecipar algumas distinções, neste domínio,
sendo certo que as diversas categorias são dominadas pelas sociedades anónimas. Assim:
→ O capital social diz-se subscrito ou a subscrever, consoante as pessoas interessadas se
tenham, já vinculado ou não às inerentes entradas;
→ O capital considera-se realizado ou não realizado em função de terem sido ou não
concretizadas as entregas à sociedade dos valores que ele postule;
→ O capital é realizado em dinheiro ou em espécie consoante o tipo de entradas a que dê
azo.

Em termos contabilísticos, o capital exprime uma cifra ideal que representa as entradas
estatutárias, surgindo colo tal, nos diversos instrumentos de prestação de contas. Ele poderá já
mada mais ter a ver nem com o real património da sociedade em jogo, expresso pela relação
ativo/passivo, nem com o valor de mercado da mesma sociedade, dependente da sua aptidão para
os negócios e fixado segundo as regras da oferta e da procura.

Nas sociedades em nome coletivo, podem ocorrer sócios de indústria, isto é, sócios adstritos
a prestações de facere, por oposição a obrigações de entrega, em dinheiro ou em bens. O valor da

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contribuição em indústria não é computado no capital social – art. 178/1. Resulta, daí, que nas
sociedades em nome coletivo em que todos os sócios contribuam apenas com indústria, não há
indicação de capital social – art. 9/1 al. f). De facto, a ideia do capital social como expressão de
bens penhoráveis prevalece.

O capital social vem a ser apresentado por fatores que traduzem os quinhões dos sócios.

Devemos ainda contar com outras noções de capital social:


→ Capital contabilístico: cifra que consta do balanço, como passivo, correspondente às
entradas realizadas dos sócios; quando por realizar, surgem no ativo;
→ Capital estatutário ou nominal: valor inserido nos estatutos e que traduz, de modo
abstrato e formal, o conjunto das entradas dos sócios;
→ Capital real ou financeiro: expressão dos denominados capitais próprios ou valores
de que a sociedade disponha, como seus;
→ Capital económico: imagem da capacidade produtiva da sociedade, enquanto empresa
ou conjunto de empresas.

Duração

A sociedade dura por tempo indeterminado – art. 15/1. Às partes cabe, no pacto social, fixar
uma duração determinada para a sociedade, altura em que ela só pode ser aumentada por
deliberação tomada antes de o prazo ter terminado – art. 15/2. De outra forma, esse mesmo
preceito manda aplicar as regras referentes ao regresso à atividade, previstas no art. 161.
A fixação da duração de uma sociedade, pode ainda, ser feita por remissão para termo certo –
por tantos anos ou até tal data – ou para um fator certus na incertus quando: até à morte de tal
sócio. Estas considerações permitem também condicionar a duração da sociedade – a não
confundir com a sociedade condicional: durará até que ocorra determinado facto certus na incertus
quando.

Fixada uma duração para certa sociedade, surge um elemento objetivo suscetível de concitar
a confiança de terceiros. A súbita alteração desse elemento pode suscitar danos, diretos ou
indiretos. Donde a preocupação legal de só permitir a alteração desse ponto antes de o prazo de
duração em causa ter sido alcançado.

Vantagens, retribuições e indemnizações

O art. 16 acrescenta ao rol de elementos do contrato de sociedade, ainda um fator eventual: a


indicação de vantagens, indemnizações e retribuições.
O elenco desse preceito é o seguinte:
→ Vantagens concedidas a sócios;
→ O montante global por esta devido a sócios ou a terceiros, a título de indemnização;

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→ Idem, a título de retribuição de serviços prestados, excecionados os emolumentos e as


taxas de serviços oficiais e os honorários de profissionais em regime de atividade
liberal, tudo isso desde que em conexão com a constituição da sociedade.

A razão de tal indicação resulta do art. 16/2: trata-se de conseguir que as inerentes obrigações
sejam oponíveis à própria sociedade. Na falta de indicação, elas apenas serão oponíveis aos
fundadores.
Além disso, verifica-se que a sociedade só assume, de pleno direito, os direitos e obrigações
decorrentes dos negócios jurídicos referidos no art. 16/1, com o registo definitivo do contrato –
art. 19/1 al. a).

Processo de Formação das Sociedades

Fases necessárias e negócios eventuais

No caso do contrato de sociedade, há sempre um prévio processo de formação. A lei prevê


fases necessárias que, por definição, se sucedem no tempo.
Uma sociedade pressupõe diversos ajustes, desde a firma à duração, passando pelo objeto,
pelo capital social, pela escolha dos sócios e pela redação dos estatutos; ora, é impossível que tudo
isso ocorra em termos imediatos. Pode mesmo suceder que o lançamento de uma nova sociedade
exija prévios acordos financeiros, angariações de meios materiais e humanos e convénios vários.
A demora na obtenção do registo definitivo leva, por vezes, os sócios a iniciar, de imediato,
uma atividade produtiva, atividade essa que só posteriormente poderá ser imputada, em termos
plenos e absolutos, à própria sociedade.

Por via dos dispositivos legais em vigor, particularmente dos arts. 7/1, 5, 18 e 167, podemos
dizer que, na formação de uma sociedade intervêm sempre as seguintes 3 fases:
→ Contrato escrito, com assinaturas presencialmente reconhecidas;
→ Registo;
→ Publicações obrigatórias.

Na presença de um registo prévio, previsto no art. 18/1 e, nos termos aí prescritos, anterior ao
contrato escrito, a sequência das fases necessárias será:
→ Registo prévio;
→ Contrato escrito;
→ Registo definitivo;
→ Publicações obrigatórias.

Na hipótese de registo prévio, parece claro que antes de requerer a inscrição pública, as partes
terão de celebrar previamente (e pelo menos), um duplo acordo:
→ Referente aos estatutos, uma vez que, o requerimento do registo prévio deve ser
instituído com “um projeto completo do contrato de sociedade”; e

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→ O referente à própria decisão de requerer o registo prévio em causa.

Para além das fases necessárias enunciadas, poderão ocorrer determinados negócios
eventuais:
→ Acordos de princípios: estes inserem-se na categoria de contratação mitigada,
particularmente importante no domínio comercial. Eles correspondem à formalização
de negociações, em regra complexas, visando estabilizar os patamares de consenso
alcançados. Os acordos de princípios podem conter obrigações a cargo das partes:
obrigações de procedimento, com relevo para um dever de prosseguir as negociações
e obrigações materiais, relativas à sociedade definitiva. Todos eles devem ser
honrados, sob cominação de responsabilidade civil.
→ Promessa de sociedade: quando a sociedade definitiva esteja suficientemente
prefigurada e as partes se obriguem, mutuamente, a celebrar o competente contrato.
De acordo com o dto. português, a promessa de sociedade está sujeita a simples forma
escrita.
o Poderá haver uma execução específica dessa promessa nos termos do art. 830
do CC? MC: sim, mas ficaria a depender da interpretação do próprio contrato-
promessa, de modo a verificar se as partes não terão recorrido à promessa
precisamente para se reservarem um direito de recesso ou de arrependimento;
e da natureza da sociedade prefigurada pelas partes.
o Na presença de um registo prévio, será possível, pela interpretação, detetar a
presença de uma promessa implícita, mormente quando todos os interessados
subscrevam o projeto de estatutos ou o requerimento de registo.
o Também as regras sobre a redução e a conversão dos negócios jurídicos são
úteis.
→ Negócios instrumentais preparatórios: promessas de subscrição de certa
percentagem de capital ou de todo o remanescente (tomada firme), promessas de
entrada com bens específicos, de cedência de instalações de apoio logístico e outras.
Tudo isto, em conjunto com a própria promessa preenche a categoria dos negócios de
vinculação, por oposição aos negócios de organização, que visam já pôr a funcionar a
futura sociedade. Eles devem ser cumpridos, sob pena de responsabilidade civil. Caso
a caso se verificará se é possível complementá-los com a execução específica ou com
sanções pecuniárias compulsórias.
→ Acordo de subscrição pública: art. 279. Tratando-se de “várias pessoas”, pressupõe-
se, entre elas, um contrato bastante, que defina o papel e as obrigações de cada um dos
intervenientes. Normalmente, o negócio aqui referido envolverá também uma
promessa de sociedade, uma vez que, os promotores – art. 279/3 – “... devem elaborar
o projeto completo de contrato de sociedade e requerer o seu registo provisório.
→ Acordo destinado a fazer funcionar a sociedade antes do registo definitivo.

Situações pré-societárias: a tradição da sociedade irregular

Arts. 36 – 41 do CSC.

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Os sócios podem, antes de completado o processo de constituição de uma sociedade, iniciar a


atividade visada por esta. Estamos no âmbito do dto. privado, onde é permitido tudo o que não for
proibido. Todavia, nessa eventualidade, o direito predispõe um regime que, em diversos pontos,
é menos favorável do que o aplicável às sociedades perfeitas. Usa-se por vezes, para nominar este
fenómeno, a locução: situações pré-societárias ou pré-sociedade, isto é, a realidade em
funcionamento, antes de completada, pelo registo, a constituição de uma sociedade.

Sociedades Irregulares por Incompletude

A noção de “sociedade irregular” não tem, no dto. vigente, consagração legal expressa. É certo
que o CSC, no art. 172, menciona a hipótese de o contrato de sociedade não ter sido celebrado
“na forma legal”, permitindo o art. 173/1 que o MP notifique “... por ofício a sociedade ou os
sócios para, em prazo razoável, regularizarem a situação”.
O nº 2 do mesmo preceito permite ainda que a situação das sociedades seja “regularizada” até
ao trânsito em julgado da sentença proferida na ação proposta pelo MP.

Também o art. 174/1 al. e), a propósito da contagem do prazo de 5 anos para a prescrição dos
direitos da sociedade contra os fundadores e a dos direitos destes contra aquela, manda que ela se
faça desde: a prática do ato em relação aos atos praticados em nome da sociedade irregular por
falta de forma ou de registo.

Procede a mesma consideração. O contrato vitimado por falta de forma é nulo, sem prejuízo
de poder produzir efeitos como ato diverso, se a lei o permitir ou prescrever. A falta de registo
impede a personalização plena. A referência a “sociedade irregular” foi apenas uma fórmula
cómoda, usada pelo legislador, para transmitir essas duas realidades e determinar um regime que,
com elas, nada tem a ver: a contagem de um prazo de prescrição.

Todavia, a doutrina e a jurisprudência, continuam a usar a expressão “sociedade irregular”


para cobrir:
→ A sociedade organizada e posta a funcionar independentemente de as partes terem
formalizado qualquer contrato de sociedade;
→ A sociedade formalizada por escritura pública, mas ainda não registada;
→ A sociedade já formalizada, mas cujo contrato seja inválido; será possível aqui
subdistinguir situações consoante haja ou não registo.

As situações a reconduzir às sociedades irregulares têm, em comum, duas importantes


circunstâncias:
→ A não conclusão do processo formativo, o qual pressupõe um acordo solene e o registo
definitivo;
→ A efetiva presença de uma organização societária em funcionamento, com relações
atuantes: quer entre os sócios interessados, quer com terceiros.

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Sociedade material e sociedade aparente

Art. 36 – Este preceito abrange duas situações bastante destintas:

→ A do nº 1, onde se prevê uma mera situação de sociedade material, sem a cobertura


de qualquer acordo entre as participantes;
o Situações que no campo da materialidade, correspondam a contribuições de
bens ou serviços, feitas por duas ou mais pessoas, para o exercício comum de
certa atividade económica, que transcenda a mera fruição, com o fim dos lucros
daí resultantes. Falta, todavia, para tais situações, qualquer contrato ou outro
título legitimador.
o Uma ideia ampla de sociedade meramente material abrangeria todas as
situações societárias a que faltasse ou um contrato válido ou o registo, mas que,
todavia, tivessem dado azo, no espaço jurídico, a uma organização de tipo
societário em efetivo funcionamento.
o Fica, pois, o sentido estrito, em que a sociedade material equivale à sociedade
aparente.

→ A do nº 2 que prefigura já um acordo tendente à constituição de uma sociedade


comercial, mas sem que se tenha celebrado o contrato escrito – sociedade aparente.
Se for acordada a constituição de uma sociedade antes da celebração do contrato as
partes iniciarem a competente atividade, tem aplicação o regime das sociedades civis.
o Poderíamos perante esta, fazer intervir as regras gerais da tutela da aparência,
particularmente no que tange a relações duradouras.
o MC: o legislador parece ter feito uma distinção radical:
▪ Uma aparência total de sociedade, em que os responsáveis nem
intenção têm de celebrar um contrato; aqui haveria uma
responsabilidade solidária (e, naturalmente, limitada) entre os
participantes; e
▪ Uma situação em que tal intenção já existira, e se aplicavam as regras
das sociedades civis.
Repare-se que num caso como noutro, eles apenas estão convictos da existência
da sociedade, sendo-lhes inacessível o facto de os “sócios” terem ou não a
intenção de celebrar, no futuro, um contrato que, então, faltava. Ora, o regime
das sociedades civil é mais adequado e pode assegurar superiores níveis de
tutela: basta ver que, perante o regime da sociedade civil, os credores “sociais”
têm uma situação de privilégio, perante os bens da “sociedade” e em relação
aos credores pessoais dos “sócios” – art. 999 do CC. Além disso, está sempre
assegurada a responsabilidade pessoal e solidária dos “sócios”, pelas dívidas
da sociedade – art. 997/1 – ainda que com benefício de excussão – nº 2.
Também não oferecerá dúvidas a necessidade de fazer intervir outros
elementos próprios da tutela da aparência ou da confiança das pessoas que
adiram. Assim, a confiança deve ser objetivamente justificada; e os confiantes
a tutelar devem estar de boa-fé.

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O art. 31/1 aplica-se às situações antes da entrada em vigor do CSC – art. 534. Ficam, todavia,
ressalvados os efeitos anteriormente produzidos.

A pré-sociedade antes do contrato

Art. 36/2.
Cumpre esclarecer que situações deste tipo podem ocorrer com alguma frequência. A
negociação de uma sociedade é obra da autonomia privada. Conseguido um acordo, inicia-se um
processo burocrático que, até há pouco tempo, demorava meses.

Que tipo de acordo exige a primeira parte do art. 36/1?


→ Dados os valores em presença – a adequada proteção de terceiros e uma justa regulação
entre as partes – bastará um acordo muito simples e incipiente. Designadamente, a lei não exige
uma promessa de celebração do contrato de sociedade definitivo.

Este acordo não deveria, pelo menos, incluir os elementos requeridos pelo contrato civil de
sociedade que se irá aplicar?
→ de facto, terá de haver um minimum de elementos, para se poder identificar a própria
situação. Mas isso implicará, simplesmente, a indicação das partes e a determinação da atividade
comum em causa. Quanto ao resto, resulta da lei.

A sociedade resultante da aplicação do final do art. 36/2 é civil ou comercial?


→ comercial não pode ser: o art. 1/2 formaliza essa categoria, não se encarando a mínima
vantagem em inobservar as inerentes valorações que são importantes. Aliás, bem pode acontecer
que se tenha “acordado” na constituição de uma sociedade comercial e que se inicie, desde logo,
uma atuação comum sem que se tenha sequer e ainda, optado por um concreto tipo de sociedade.
Havendo elemento suficientes para se poder falar em sociedade, ela será civil. Isto não impede,
todavia, que a situação globalmente considerada seja comercial, tal como comerciais serão os atos
praticados pelos intervenientes, em nome e por conta da “sociedade”.

A pré-sociedade depois do contrato e antes do registo

RELAÇÕES INTERNAS

O CSC veio, depois, prever a pré-sociedade subsequente ao contrato, mas anterior ao registo.
Repare-se: havendo contrato, as relações entre os sócios, sejam pessoais, sejam patrimoniais, estão
precisadas. O único óbice resulta da falta de personalidade jurídica (plena) a qual, nos termos do
art. 5, apenas surge com o registo definitivo.

A lei estabelece um sistema para este tipo de pré-sociedade que assenta, fundamentalmente,
em distinguir relações entre sócios (art. 37) e relações com terceiros (art. 38 a 40).
No tocante às relações entre os sócios são aplicáveis:

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→ As regras previstas no próprio contrato e as legais (correspondentes ao respetivo tipo),


com as adaptações necessárias e salvo as que pressupunham o contrato definitivo
registado – art. 37/1;
→ Em qualquer caso, a transmissão inter vivos de posições sociais e as modificações do
contrato social requerem, sempre, o consentimento unanime de todos – nº 2.

Qual o porquê da ressalva da transmissão inter vivos, das posições sociais e da modificação
do contrato social?
→ De acordo com a lógica da lei, a personalidade (plena) surge apenas com o registo. Até lá,
haverá um mero contrato que, pelas regras gerais – art. 406/1 do CC – só por mútuo consentimento
pode ser modificado. Há valores de fundo em jogo: as partes aceitaram ingressar numa sociedade
com certos parceiros e em face de determinado clausulado: um desejo a respeitar, mesmo que a
posteriori e mercê das vicissitudes da própria sociedade, uma vez constituída, possa haver
modificações.
Mas, além disso, também há razões societárias:
→ Os sócios podem ser responsáveis pelas dívidas contraídas antes do registo e de acordo
com esquemas que variam consoante a sociedade; admitir exonerações ou alterações
por maioria poderia prejudicar os credores e os próprios sócios minoritários;
→ Tornar-se-ia muito difícil fixar o preciso momento da eficácia das exonerações ou
modificações; poderia, aliás, haver vários momentos a considerar, consoante o
momento em que os factos modificativos ou exonerativos chegassem ao conhecimento
dos interessados; e
→ A medida serve como esquema compulsório destinado a efetivar a realização do
registo; recorde-se que um esquema paralelo opera perante o registo predial: os prédios
não inscritos em nome do alienante não podem ser vendidos.

RELAÇÕES EXTERNAS NAS SOCIEDADES DE PESSOAS

→ Sociedades em nome coletivo: pelos negócios realizados em seu nome, depois da


escritura e antes do registo, com o acordo expresso ou tácito dos diversos sócios –
acordo esse que se presume – respondem, solidária e ilimitadamente, todos eles – art.
38/1. Caso não tenham sido autorizados por todos os sócios, respondem apenas aqueles
que os tenham realizado ou autorizado – nº 2.

O que entender por “responder”?


→ “Responder” é aqui, usado no sentido de alguém ser convocado em termos de
responsabilidade patrimonial. Os próprios negócios celebrados em nome das pré-sociedades
visadas devem ser cumpridos por estas – ou nem haveria negócios. E se o não forem, a pré-
sociedade incorre nas consequências do incumprimento.
Havendo que passar à fase da execução patrimonial: responderá a própria sociedade, com os
bens que porventura já tenha e respondem os sócios que tenham celebrado ou autorizado os
negócios em causa: salvo ilisão: todos.

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A lei não refere o beneficium excussionis, nem mesmo quando todos os sócios tenham
autorizado a operação. Lacuna?
→ parece que não. Uma vez que, a própria lei, logo no preceito imediatamente anterior, manda
aplicar às sociedades que girem sem contrato, o regime das sociedades civil, não se compreenderia
que, havendo contrato, as regras se tornassem mais desfavoráveis para os sócios ou – pior – menos
societárias.
Vamos, pois, sustentar que a “responsabilidade solidária e ilimitada” referida no art. 38/1,
segue o regime do art. 997/1 e 2 do CC incluindo, designadamente, o benefício da prévia excussão
do património social.

As cláusulas que limitem objetiva ou subjetivamente os poderes de representação só são


oponíveis aos terceiros que se prove conhecerem-nas aquando da celebração dos contratos
respetivos – art. 38/3. Trata-se da solução que corresponde às regras gerais.

→ Sociedades em comandita simples: art. 39.


o Pelos negócios celebrados em nome da sociedade, com o acordo de todos os
sócios comanditados (o qual se presume), respondem todos eles, pessoal e
solidariamente – nº 1;
o Nos mesmo termos responde o sócio comanditário que tenha consentido no
início da atividade social, salvo se provar que, o credor conhecia a sua
qualidade – nº 2;
o Se os negócios celebrados não tiverem sido autorizados por todos os sócios
comanditados (ilidindo-se, pois, a presunção), respondem apenas os que os
realizarem ou aprovarem – nº 3;
o As cláusulas que limitem objetiva e subjetivamente os poderes de
representação só são oponíveis aos terceiros que se prove conhecerem-nas,
aquando da contratação.
o No tocante ao sentido da responsabilidade aplicam-se as regras acima apuradas
quanto às sociedades em nome coletivo.

RELAÇÕES EXTERNAS NAS SOCIEDADES DE CAPITAIS

As relações com terceiros, das sociedades por quotas, anónimas ou em comandita por ações,
já celebradas por escritura pública, mas ainda não registadas, obedecem à regra seguinte: pelos
negócios celebrados em seu nome respondem ilimitada e solidariamente todos os que intervenham
no negócio em representação da sociedade em causa, bem como os sócios que o autorizem; os
restantes sócios respondem apenas até às importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas
das importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de reservas – art. 40/1.
A responsabilidade em causa já não opera se os negócios forem expressamente condicionados
ao registo da sociedade e à assunção por esta, dos respetivos efeitos – nº 2.

Não seria justo e sistematicamente adequado fazer intervir, em primeiro lugar, o fundo comum
da sociedade?
→ O próprio art. 36/2 a tanto conduziria.

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Independentemente disso, não deveria a própria pré-sociedade responder também pelas


dívidas em seu nome contraídas?
→ Uma sensibilidade jurídico-científica responde positivamente a ambas as questões: afinal,
seria esse o regime das sociedades civis puras. Todavia, uma resposta mais cabal exige uma
explicação histórica e comparativa. Na verdade, o registo definitivo de uma sociedade comercial
não se limita a atribuir-lhe a personalidade jurídica plena. Tem ainda o efeito de provocar a
assunção, pela sociedade, dos negócios anteriores ao próprio registo, nos termos prescritos pelo
art. 19.
Tomado à letra, este preceito implicaria:
→ Que a própria pré-sociedade de capitais, já formalizada em contrato, mas ainda não
registada não ficasse obrigada pelos negócios celebrados em seu nome, durante este
período;
→ Que tais negócios apenas respeitassem a quem, no negócio, tivesse agido em
representação;
→ Que, com o registo, eles fossem assumidos pela sociedade. Semelhante orientação
poria em grave crise todo o papel das pré-sociedades, além de representar uma
disfuncionalidade pronunciada.

Art. 40/1. Nos negócios celebrados pelos seus representantes, os que agiram nessa
representação e os que autorizem tais negócios respondem por eles, solidária e ilimitadamente. O
art. 40/1 acrescenta ainda, no fim, que os restantes sócios respondem até à importância das
entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias que tenham recebido a título de lucros
ou de distribuição de reservas.
A responsabilidade dos representantes e dos sócios que tenham autorizado os negócios não
isenta o património social da responsabilidade principal. Além disso, mercê do art. 997/1 e 2 do
CC, os representantes e sócios demandados dispõem do beneficium excussionis.
Resta acrescentar que tudo isto é supletivo: cessa se os negócios forem expressamente
condicionados ao registo da sociedade e à assunção por esta dos respetivos efeitos – art. 40/2.
Pode-se ainda admitir que seja pactuado o afastamento deste regime: se necessário, sob invocação
do art. 602 do CC.

Capacidade das sociedades irregulares

Os dados legais são os seguintes:


→ Pode ser iniciada a atividade social antes do contrato, seguindo-se, então, o regime
próprio das sociedades civis – art. 36/2;
→ Podem ser realizados “negócios” por conta das sociedades em nome coletivo – art.
38/1; esta tem representantes; um sistema semelhante funciona para as comanditas
simples – art. 39/1 e 4;
→ Podem ser realizados “negócios” em nome das sociedades de capitais, agindo, certas
pessoas, em representação delas – art. 40/1;
→ Ainda essas mesmas sociedades, sempre antes do registo, podem distribuir lucros e
reservas – art. 40/1 in fine.

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Os preceitos referidos bastam para concluir que as sociedades, particularmente as pré-


sociedades, dispõem de uma capacidade geral similar à que compete às próprias sociedades
definitivas.
O especial óbice reside na responsabilidade de quem pratique os inerentes atos. Essa
capacidade ampla não causa qualquer surpresa: o mesmo sucede com as sociedades civis puras,
que não dependem da forma especial nem de registo e com as próprias “associações não
personalizadas”, previstas nos arts. 195 e ss do CC. Esta capacidade de princípio não obsta a que,
caso a caso, se verifique o exato alcance do ato que lhe seja imputado.

Na concretização da sua capacidade, a sociedade irregular desfruta da representação orgânica.


Esta será levada a cabo por qualquer dos seus promotores, no caso do art. 36/2 ou pelos órgãos
competentes já previstos nos seus estatutos, nas hipóteses dos arts. 38 a 40. Apesar desta latitude
dada pelo direito privado, deve ter-se presente que as pré-sociedades dão lugar a constrangimentos
fiscais e, porventura, bancários. Além disso, diversos negócios formais vão, na prática, estar-lhes
vedados, por razões de prática notarial. Recomenda-se, pois, como regra, a rápida conclusão do
processo.

Natureza

Menezes Cordeiro: As sociedades irregulares retiram a sua jurídica-positividade da vontade


das partes. Nos diversos casos surpreendemos acordos tanto a destinados, ainda que completados
pela tutela da aparência: esta, ligada à proteção da confiança, segue ainda que por analogia, o
regime negocial.
As sociedades irregulares, que o sejam por incompletude são, em todo o caso, verdadeiras
sociedades, assentes em equivalentes contratos de sociedade. Tais contratos, por razões endógenas
(falta do contrato formal) ou exógenas (falta do registo) não equivalem aos modelos finais
legalmente fixados. Não deixam de ser contratos. De categoria inferior? Não propriamente: apenas
diferente.
As sociedades são verdadeiras e próprias sociedades, ainda que diversas do figurino elencado
no art. 1/2.

Sociedades Irregulares por Invalidade

Princípios gerais

Os princípios gerais relativos à ineficácia dos negócios jurídicos são de elaboração civil. Como
pano de fundo, temos a seguinte regra: o negócio jurídico que, por razões extrínsecas
(impossibilidade, indeterminabilidade, ilicitude ou contrariedade à lei ou aos bons costumes) ou
intrínsecas (vício na formação ou na exteriorização) não produza efeitos ou, pelo menos, todos os
efeitos que, por lei, ele deveria produzir, é ineficaz.
Dentro da ineficácia, a categoria a reter é a da invalidade. Dentro da invalidade e quando a lei
não disponha de outro modo, o vício concretizado é o da nulidade.
Todas estas regras são aplicáveis ao contrato de sociedade, antes de ter ocorrido o registo.
Segundo o art. 41/1, 1ª parte, enquanto o contrato não estiver registado, “... a invalidade co

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contrato ou de uma das declarações negociais rege-se pelas disposições aplicáveis em negócios
jurídicos nulos ou anuláveis”.
Apenas com duas especificidades:
→ As invalidades (nulidade declarada ou anulação pronunciada) envolvem a liquidação
da sociedade – art. 41/1 2ª parte;
→ A invalidade resultante de incapacidade é oponível, também a terceiros – art. 41/2.

No domínio das sociedades comerciais, operam regras diversas das comuns. A nulidade pura
e simples iria comprometer todos os atos já praticados pela sociedade em jogo, desamparando os
terceiros e pondo em risco a própria confiança que a comunidade deve dispensar ao fenómeno
societário. Por isso, encontramos aqui todo um conjunto de regras destinadas a minimizar a
invalidade das sociedades comerciais e as consequências dessa invalidade, quando ela seja
inevitável. → é o favor societatis.

O favor societatis exprime-se, na lei portuguesa, em 7 vetores:


→ Na limitação dos fundamentos de nulidade;
→ Na introdução de prazos para invocação dessa nulidade;
→ Na presença de esquemas destinados a sanar as invalidades;
→ Na delimitação da legitimidade para invocar a nulidade;
→ Na limitação dos efeitos da anulabilidade, perante as partes;
→ Numa certa inoponibilidade das invalidades a terceiros;
→ Na presença de um regime especial, no tocante à execução das consequências da
nulidade.

Em princípio a nulidade pode ser invocada a todo o tempo, e por qualquer interessado. Mas
perante o contrato de sociedade, já não é assim:
→ Desde logo, antes de intentar a ação, há que interpelar a sociedade para sanar o vício,
quando este seja sanável; só 90 dias após a interpelação se pode propor a ação;
→ A ação deve ser intentada no prazo de 3 anos a contar do registo, salvo tratando-se do
MP – art. 44/1 e 2; quer isto dizer que, passado esse prazo, o direito de a propor caduca;
→ Ela pode ser iniciada por qualquer membro da administração, do conselho fiscal ou do
conselho geral e da supervisão da sociedade ou por qualquer terceiro “... que tenha um
interesse relevante e sério na procedência da ação...”.
De notar ainda, a presença de deveres acessórios, destinados a conter danos.

Há ainda verdadeiros deveres legais de informar, segundo o art. 44/3. Os membros da


administração devem comunicar, no mais breve prazo, aos sócios de responsabilidade ilimitada e
aos sócios de sociedades por quotas, a proposição da ação de declaração de nulidade. Entenda-se,
para que o preceito seja útil: independentemente de quem tenha proposto a ação.
Tratando-se de sociedades anónimas, a comunicação deve ser feita ao conselho fiscal ou ao
conselho geral e de vigilância, consoante o tipo de sociedade anónima em causa – art. 44/3, in
fine. Este dever visa facultar o conhecimento da ação dentro da sociedade, permitindo, aos
interessados, tomar as medidas que entenderem e, no limite: iniciar o processo de sanação do

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vício. A sua omissão presume-se culposa – art. 799/1 do CC e obriga o prevaricador a indemnizar
o lesado por todos os danos causados. Dado o teor do art. 44, ele aplica-se, claramente, a todos os
tipos de sociedades comerciais.

A anulabilidade tem, nos termos do art. 287/1 do CC, requisitos especiais de funcionamento.
Na prática, ela equivale a uma “impugnabilidade”: coloca nas mãos do interessado um direito
potestativo temporário de provocar o colapso do negócio. Todavia, sempre segundo o direito
comum, uma vez atuada, ela tem efeitos similares aos da declaração de nulidade.
Aqui intervém o favor societatis:
→ Nas sociedades de capitais, certos fundamentos de anulabilidade operam (apenas)
como justas causas de exoneração dos sócios atingidos; quanto à incapacidade: ela
gera uma anulabilidade limitada ao incapaz – art. 45/1 e 2;
→ Nas sociedades de pessoas, a invalidade por determinados fundamentos provoca
anulabilidade apenas perante o atingido, salvo na impossibilidade de redução prevista
no art. 292 do CC – art. 46;
→ Em qualquer dos casos, o sócio que obtenha a anulação do contrato, nos termos dos
arts. 45/2 ou 46, tem o direito de rever o que prestou e não pode ser obrigado a
completar a sua entrada, mas “... se a anulação se fundar em vício da vontade ou usura,
não ficará liberto, em face de terceiros, da responsabilidade que por lei lhe competir
quanto às obrigações da sociedade anteriores ao registo da ação ou da sentença” – art.
47; o disposto nos arts. 45 a 47 vale, com as adaptações necessárias, se o “... sócio
incapaz ou aquele cujo consentimento foi viciado...” ingressar posteriormente na
sociedade – art. 48;
→ A anulabilidade pode ver o seu prazo encurtado, através do dispositivo no art. 49:
qualquer interessado pode notificar o impugnante para que anule ou confirme o
negócio; perante a notificação, tem o notificado 180 das para intentar a ação, sob pena
de o vício se considerar sanado;
→ Quanto aos efeitos: eles podem ser substituídos pela homologação judicial das
medidas, requeridas pela sociedade ou por um dos sócios, e que se mostrem adequadas,
para satisfazer o interesse do autor “... em ordem a evitar a consequência jurídica a que
a ação se destine” – art. 50/1.

Os efeitos da invalidade

Art. 52 – a invalidação do contrato de sociedade determina “... a entrada da sociedade em


liquidação, nos termos do art. 165, devendo esse efeito ser mencionado na sentença”.

A liquidação, regulada nos arts. 146 e ss, é o conjunto das operações que, dissolvida uma
sociedade, permitem o pagamento dos credores sociais e a repartição do remanescente pelos
sócios, nos termos acordados ou legais.
A invalidação de uma sociedade não pode saldar-se pelas restituições que, normalmente,
acompanham as comuns declarações de nulidade ou anulação. O simples facto de poder haver
relações com terceiros, traduzidas na existência de credores sociais ou de devedores à sociedade

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e a possibilidade de se desenvolverem, ainda negócios pendentes, obriga a uma série de operações


ditas “de liquidação”. Há um claro paralelo com a dissolução, o que justifica a remissão legal.

A liquidação por nulidade ou anulação da sociedade tem, todavia, especificidades em relação


à liquidação comum – art. 165.
Além disso, qualquer sócio, credor da sociedade ou credor de sócio de responsabilidade
ilimitada, pode requerer a liquidação judicial, antes de ter sido iniciada a liquidação pelos sócios,
ou a continuação judicial da liquidação iniciada, se esta não tiver terminado no prazo legal.
Toda esta matéria deve ser confrontada com o regime geral da liquidação das sociedades.

O legislador sentiu a necessidade de se ocupar dos negócios concluídos anteriormente em


nome da sociedade. A regra básica é a de que esses negócios não são afetados, na sua eficácia,
pela declaração de nulidade ou anulação do contrato social – art. 52/1.
Há que interpretá-lo de modo estrito, permitindo a introdução de duas delimitações:
→ É necessário que o próprio negócio anteriormente concluído com a sociedade não
incorra em nenhum fundamento de invalidade;
→ Exigindo-se, ainda, que o terceiro protegido esteja de boa-fé, no sentido geral:
desconhecer, sem culpa, o vício que afeta a sociedade.
Este entendimento pode ser perturbado pelo art. 52/3.

Quanto à lógica da tutela de terceiros, explica o art. 52/4: a invalidade não exonera os sócios
da realização das suas entradas nem da responsabilidade pessoal e solidária que, por lei e perante
terceiros, eventualmente lhes incumba: um aspeto a delucidar na liquidação, cabendo aos
liquidatários cobrar, aos sócios remissos, as importâncias em falta.
Naturalmente, cessará responsabilidade quando se esteja perante um “sócio” cuja
incapacidade tenha sido causa de anulação do contrato ou quando ela venha a ser oposta, por vida
de exceção, às sociedades, aos outros sócios ou a terceiros – art. 52/5.

Especificidades das sociedades de pessoas

Estas ficam de fora da diretriz 2017/1132.

Art. 43/1 – os “vícios do título constitutivo” correspondem aos fundamentos de invalidade na


1ª diretriz, para atingir as sociedades de capitais e que o art. 42/1 verteu para a ordem interna: art.
43/2, que acrescenta ainda a falta de menção do nome ou firma de algum dos sócios de
responsabilidade ilimitada.

Os vícios que atinjam o “titulo constitutivo” – e que a lei ilustra referindo “a falta ou nulidade
da indicação da firma, da sede, do objeto e do capital social da sociedade, bem como do valor da
entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta” – podem ser sanáveis por
deliberações dos sócios, tomadas nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração
do contrato – art. 43/3. De facto: são alterações do contrato.

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Quanto à segunda categoria de vícios – isto é, segundo o art. 43/1, “... as causas gerais de
invalidade dos negócios jurídicos, segundo a lei civil” – o código isola, expressamente o que
considera “vícios da vontade e incapacidade”, enumerado o art. 46: o erro, o dolo, a coação, a
usura e a incapacidade.
Para o seguinte:
→ A invalidade daí resultante só opera em relação ao contraente que sofra o erro ou a
usura ou que seja incapaz – 1ª parte;
→ Podendo, todavia, o negócio ser anulado no seu todo (“quanto a todos os sócios”) se,
perante o art. 292 do CC, não for possível a sua redução à participações dos outros.

Impõem-se dois reparos:


→ Em primeiro lugar, o regime do art. 46 acaba por ser o da redução, previsto no art. 292
do CC, conquanto que expresso em termos invertidos. Repare-se: a invalidade de uma
das declarações envolve a de todo o negócio, salvo a redução; esta consiste, aqui, na
“eliminação” de um dos sócios, possível desde que não se mostre que a sociedade não
seria concluída sem ele.
→ Em segundo lugar, quid iuris quanto aos vícios gerais não referidos no art. 46?

Nas sociedades de pessoas, os diversos vícios que possam atingir o contrato constitutivo
respetivo dão azo às competentes invalidades; porém, quando toquem, apenas num dos sócios (ou
mais), os contratos atingidos são recuperáveis pela redução, quando possível – art. 292 do CC.
Pela mesma ordem de ideias, poderemos recuperar sociedades dissimuladas (art. 241) e
“construir” sociedades por conversão (art. 293 do CC).

Especificidades das sociedades de capitais

No tocante às sociedades por quotas, anónimas ou em comandita por ações, operado o registo
definitivo, apenas se admite a declaração de nulidade do correspondente contrato, por algum dos
fundamentos referidos nos arts. 42/1.
Tais sociedades não podem ser anuladas sob nenhum fundamento. Tão-pouco pode ser
suscitada a hipótese de “inexistências”, que não são admitidas, como vício autónomo, pelo dto.
civil português.
A sequência do art. 42/1 é taxativa.

O art. 42/2 considera sanáveis “... por deliberação dos sócios, tomada nos termos estabelecidos
para as deliberações sobre alteração do contrato...”, alguns dos vícios elencados como relevantes:
a falta ou nulidade da firma e de sede da sociedade, bem como do valor da entra de algum sócio
e das prestações realizadas por conta desta. Quanto a estas prestações: não têm de constar do ato
constitutivo e, em regra, nem constarão.

O art. 45/1 elenca determinados vícios da vontade – o erro, o dolo, a coação e a usura – a que
acrescenta a incapacidade. Pois bem, tais eventualidades, não podem determinar a anulabilidade
de sociedades de capitais, visto o art. 42/1.

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Constituiriam, todavia, justa causa de exoneração do sócio atingido, desde que se verifiquem
as circunstâncias da anulabilidade. Tratando-se de incapacidade, teremos uma anulabilidade
relativa apenas ao incapaz – art. 45/2.

Cabem aqui dois reparos:


→ O regime limitador das consequências da anulabilidade abre a regra geral da redução
dos contratos societários com invalidades;
→ Ficam sem referência legal os outros vícios: a simulação parcial, a simulação relativa,
falta de consciência da declaração, coação física e incapacidade acidental; desta feita
compete, caso a caso, verificar se tais vícios, podem, por analogia, constituir justa
causa de exoneração. Apenas o excesso de construtivismo legal levou a tais
complicações, perfeitamente dispensáveis.

Registo Comercial e as Sociedades

Princípios

O registo comercial está especialmente vocacionado para as sociedades. De todo o lodo, ele
obedece a princípios gerais, que cumpre recordar. São eles:
→ Princípio da instância: o registo comercial efetua-se a pedido dos interessados.
Apenas haverá registos oficiosos nos casos previstos na lei – art. 28 do CRCom;
→ Princípio da obrigatoriedade: a inscrição de certos factos referidos no art. 15 do
CRCom é imperativa, sob pena de coimas (direta); os diversos factos sujeitos a registo
só produzem efeitos perante terceiros, depois da inscrição – art. 14/1 – ou da
publicação – nº 2 do CRCom (indireta);
→ Princípio da legalidade: art. 47 do CRCom.

Efeitos do registo

O registo comercial assenta na atividade de um serviço publico expressamente destinado a


publicitar, junto do público interessado, a ocorrência de atos comerciais.
Publicitados tais atos, todos sabem, de antemão, que deles decorrerão situações jurídicas
inevitáveis. Trata-se de um produto especialmente credível: há fé pública.
Além disso, o registo é – ou tende ser – obrigatório: nem sequer queda, em particular, um
juízo de idoneidade ou de conveniência.

O primeiro efeito é o presuntivo. Segundo o art. 11 do CRCom: o registo por transcrição


definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos preciso termos em que é
definida.

O segundo é o da prevalência do registo mais antigo: havendo, com referência às mesmas


quotas ou partes sociais, inscrições ou pedidos incompatíveis de inscrições, prevalece o primeiro

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inscrito, nos termos do art. 12 do CRCom. Como se vê trata-se de um efeito que releva, apenas,
para as sociedades comerciais.

O efeito constitutivo diz-nos, em síntese que, contrariando o vetor da imediata produção de


efeitos por contrato – art. 406/1 do CC – as leis impõem, por vezes, a ocorrência de um registo,
para que determinados atos produzam todos os efeitos que se destinam a produzir.
Tal ocorreria, designadamente, no tocante às sociedades comerciais.

Finalmente, temos um efeito indutor de eficácia, que se manifesta em duas proposições:


→ A publicidade negativa: o ato sujeito a registo e não registado não produz os seus
efeitos ou todos os seus efeitos;
→ A publicidade positiva: o ato indevida ou incorretamente registado pode produzir
efeitos, tal como emerja da aparência registal.

Atos societários sujeitos a registo

À partida o registo teria um efeito constitutivo primordial, no seio do dto. das sociedades –
art. 5.
Tal preceito deixa de fora todas as constituições que não operem por contrato e que, de todo
o modo, não poderão deixar de ser registadas. Além disso e como vimos, a pré-sociedade já é uma
sociedade, mau grado a falta do registo.

Cumpre começar por revelar os atos societários sujeitos a registo. Segundo o CRCom, estão
supeitos a registo, logo pelo art. 3, 21 grupos de atos relativos a sociedades comerciais e civis sob
a forma comercial, que poderemos ordenar da seguinte forma:
→ O contrato de sociedade e, em geral, as suas modificações;
→ A transformação, cisão, fusão, dissolução e liquidação das sociedades;
→ As transmissões de partes sociais ou de quotas e as operações a elas relativas;
→ A deliberação de amortização, conversão ou remição de ações e a emissão de
obrigações;
→ A designação e a cessação de funções dos administradores, dos fiscalizadores e do
secretário, salvo determinadas exceções;
→ Determinadas relações de grupo entre sociedades;
→ A prestação de contas.

Deve assinalar-se que estão sujeitos a registo comercial a generalidade dos atos relevantes e
relativos a cooperativas (art. 4 do CRCom), a empresas públicas (art. 5), a agrupamentos
complementares de empresas (art. 6), a agrupamentos europeus de interesse económico (art. 7) a
estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada (art. 8).

Estão ainda sujeitas a registo as ações que tenham como fim, principal ou acessório, declarar,
fazer reconhecer, constituir, modificar ou extinguir qualquer dos direitos referidos nos arts. 3 a 8
– art. 9 al. b) – e ainda:

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→ As ações de declaração de nulidade ou anulação dos contratos de sociedade – al. c);


→ As ações de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais, bem como
dos procedimentos cautelares de suspensão destas – al. e);
→ As decisões finais obtidas nesses processos – al. h);
→ Diversas ações do domínio da insolvência – al. i) a n).

Acrescenta o art. 10, entre “outros factos sujeitos a registo”:


→ A criação, a alteração e o encerramento de representações permanentes de sociedades
ou entidades equivalentes – al. c);
→ A prestação de contas de sociedades com sede no estrangeiro e representação
permanente em Portugal – al. d).

Deve frisar-se que todo este esquema é reforçado pelo art. 15/1 do CRCom: este preceito
considera obrigatório o registo da generalidade dos atos societários a ele sujeitos.

Quanto ao CSC, cumpre relevar:


→ Art. 5: as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da
data de registo definitivo do contrato;
→ Art. 112: os efeitos da fusão dão-se com a sua inscrição no registo comercial;
→ Art. 120: o mesmo quanto à cisão;
→ Art. 160/2: o mesmo quanto à extinção.

Não conseguimos, todavia, montar um sistema coerente de registo, para mais constitutivo:
desde logo, porque os atos acima mencionados acabam por produzir diversos (e importantes)
efeitos, mesmo antes do registo, com especial relevo para o contrato de sociedade; de seguida,
porque os atos manifestamente equivalentes aos transcritos – com a modificação ou a
transformação das sociedades – não dependem, formalmente, do registo – art. 88 a 140-A/1.

Efeito condicionante de eficácia plena

Não se torna difícil imputar às diversas inscrições de atos societários uma eficácia constitutiva
e isso mesmo quando, vocabularmente, a lei aponte – ou pareça apontar – para essa dimensão.
Assim:
→ Quanto ao registo do contrato de sociedade – art. 5: o contrato, uma vez celebrado,
produz a generalidade dos seus efeitos, seja inter partes, seja perante terceiros: arts.
37, 38, 39 e 40; no fundo, a grande consequência da falta de registo tem a ver com a
não-limitação da responsabilidade dos sócios;
→ Quanto ao registo da fusão – art. 112: a extinção das sociedades incorporadas ou
fundidas e a transmutação das posições societárias operam na data do registo, pela
evidente necessidade de fixar uma fronteira a quo e ad quem; todavia, antes do registo,
temos toda uma série de efeitos, que se desencadeiam com a elaboração do projeto de
fusão – art. 98 – e que se desenvolvem numa série de procedimentos subsequentes –
art. 99 e ss; tudo isto é aplicável á cisão – art. 120;

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→ Também o registo da extinção – art. 160/2 – visa fixar uma data segura para a
ocorrência ou para o seu encerramento; o processo a ela conducente.

No caso dos registos “constitutivos” previstos do CSC, a conclusão impõe-se: não são
verdadeiras hipóteses de registo constitutivo. Caso a caso será necessário verificar quais os efeitos
a eles associados. Como fundo genérico, podemos adiantar que os atos sujeitos a esse registo
produzem efeitos antes e independentemente dele. Mas não todos os efeitos que, segundo o dto.
vigente e a natureza das coisas, eles deveriam produzir.
O registo surge, assim, como uma condicionante da sua eficácia plena, ligando-se, enquanto
especificidade, ao efeito indutor de eficácia que resulta da publicidade registal: negativa e
positiva.

Este efeito condicionante de eficácia plena tem uma particularidade que justifica a sua
manutenção como efeito autónomo. Ao contrário do que sucede com a comum publicidade
indutora de eficácia, não temos aqui, uma mera inoponibilidade a terceiros de boa-fé; antes
ocorrem diversos efeitos especialmente contemplados pelas normas em presença e que devem ser
apurados caso a caso. A possibilidade de fazer, nessa base, uma teorização do fenómeno
dependerá dos regimes aplicáveis.

Eficácia do registo

O art. 5 associa-lhe a personalidade jurídica e a existência como sociedade. Este preceito perde
importância, uma vez que, a sociedade devidamente constituída por contrato assinado e ainda não
registada opera como um centro próprio de imputação de regras, dispondo de capacidade jurídica.

Publicações e Outras Formalidades

No tocante a sociedades comerciais à generalidade dos atos que se lhe reportem, a lei não se
contenta com a publicidade emergente do registo comercial. Prevê, ainda, publicações
obrigatórias, a efetuar em sítio da internet de acesso público.
Tais publicações vêm reportadas, por remissão, no art. 70/1 do CRCom, acabando por
abranger a generalidade das situações relativas a sociedades de capitais.
A publicação é oficiosa: segundo o art. 71/1 do CRCom, deve o conservador promover as
publicações imediatamente e as expensas do interessado.
As modalidades de publicações e o seu teor resultam do art. 72 do mesmo diploma.

As regras apontadas podem ser facilitadas através da notificação direta dos atos, feitas pela
sociedade aos terceiros potencialmente interessados ou perante os quais tenha interesse em fazer
valer os atos sujeitos a registo. Nessa altura, os terceiros notificados não poderão invocar a falta
de publicações – art. 168/2 – e a fortiori, o não terem podido tomar conhecimento – era. 168/3.
A própria falta do registo poderá ser suprida, desde que, pela notificação fique aprovado o
conhecimento do terceiro e, daí, a sua “má-fé”. Basta, para tanto, uma interpretação conjunta e
capaz dos arts. 14/1 e 22/4 do CRCom.

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Pode ainda suceder que as sociedades a constituir estejam dependentes de outras autorizações
prévias: é o que sucede com as instituições de crédito e com as companhias de seguradoras. O
respetivo documento comprovativo vai ser exigido pelo notário. Ou então pelo conservador do
registo comercial – art. 35/1 do CRCom.
Isto sem contar com a supervisão, dotada de significativos e apetrechados documentos. A
ordem jurídico-comercial apresenta-se com excelentes garantias de legalidade.

Situação Jurídica dos Sócios

Aspetos Gerais

O primeiro objetivo de uma sociedade seja o de servir os interesses das pessoas que nela se
tenham organizado ou que ela tenha aderido, o que quer dizer: os interesses dos diversos sócios.
Para além disso, as sociedades podem exprimir a ordenação jurídica de empresas:
circunstância que pode levar o Estado a intervir, protegendo, orientando ou dificultando a vida o
ente coletivo em jogo.
As sociedades são pessoas coletivas, traduzem um modo coletivo de ordenação da
comunidade. Nelas o dto abdica de dirigir diretamente os seus comandos a seres humanos. Antes
opta por imputar deveres e direitos a organizações humanas de tal modo que, através da interação
de numerosas outras normas que dão corpo às pessoas coletivas, se venham a consubstanciar, na
comunidade, as valorações pretendidas pelo ordenamento.

À partida, os sócios corresponderiam às pessoas que celebraram o contrato de sociedade, dado


lugar à organização dele derivada e ingressando, nela, com a posição que tenha sido acordada. A
lógica das organizações privadas, leva, todavia, a que estas se soltem, na sua vida e nas suas
vicissitudes, das amarras contratuais que lhes deram origem.
Assim, a qualidade de sócio passa a ser expressa pela titularidade de inerente posição. Essa
titularidade pode ser original – quando o próprio sócio considerado tenha participado na
celebração do contrato constitutivo – ou pode ser adquirida: na hipótese de o interessado ter vindo,
por alguma das vias em dto. conhecidas, a sub-ingressar na posição considerada.
Ainda como vicissitude, podem ocorrer modificações ou transformações no ente coletivo
considerado, de tal modo que a situação do sócio já não corresponda à inicial.

A lógica da apropriação privada

As posições jurídicas dos sócios assumem uma configuração nuclear, presente nas diversas
posições societárias. Além disso, elas podem conter elementos periféricos, de presença mais ou
menos contante. Por fim, são compagináveis fatores eventuais, ocasionalmente presentes.
Perante esta diversidade, cumpre perguntar pelas fontes: isto é, pelos factos suscetíveis de
influenciar a concreta composição dos direitos dos sócios.

As posições jurídicas dos sócios incorporam direitos e deveres de pessoas. Trata-se, ainda que
não exclusivamente, de direitos patrimoniais privados. Tais direitos, uma vez constituídos, não

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podem ser arbitrariamente suprimidos: nem mesmo por lei, sob pena de violação do art. 62/1da
CRP (propriedade privada).

Direitos especiais

A matéria dos direitos especiais consta do art. 24. Infere-se desse preceito que os direitos
especiais são direitos de “qualquer sócio”, inseridos no contrato de sociedade e que – salvo
disposição legal ou estipulação contratual expressa em contrário – não podem ser suprimidos ou
coartados sem o consentimento do respetivo titular – nº 1 e 5.

O CSC refere, no art. 24, a categoria dos direitos especiais dos sócios em termos gerais. Não
concretiza que precisos tipos de direitos poderiam estar em causa.
Com base na jurisprudência portuguesa, podemos apontar os seguintes exemplos:
→ Direito de vincular uma sociedade por quotas, em juízo ou fora dele, apenas com a
assinatura do beneficiário;
→ Direito de exercer atividade concorrente com a da sociedade;
→ Direito de dividir ou de alienar a sua quota sem as autorizações exigidas aos demais;
→ Direito à gerência, altura em que a destituição só poderia operar com base em justa
causa e por via judicial.

Os direitos especiais são intuitu personae: estabelecidos em função de um concreto titular,


eles não são transmissíveis a 3ºs, em conjunto com a respetiva quota. Não vemos, porém, razão
para que uma cláusula expressa não possa facultar essa possibilidade: art. 24/3.
Quando os estatutos atribuam certa posição a uma pessoa, será questão de interpretação o
saber se se trata de um verdadeiro direito especial, sujeito ao regime do art. 24 ou se antes se
verifica uma mera designação em pacto social.
Na verdade, não basta a atribuição de um direito, é necessária uma atribuição especial.
Recomenda-se, pois, que sendo esse o caso, se diga expressamente que o direito é especial ou –
melhor – que o mesmo só pode ser suprimido com o consentimento do seu titular.

O art. 24/2, 3 e 4 fixa, depois, regras para as sociedades em nome coletivo, por quotas e
anónimas. Nos termos seguintes:
→ Sociedades em nome coletivo: os direitos especiais são intransmissíveis, salvo
cláusula em contrário;
→ Sociedades por quotas: os direitos especiais patrimoniais são transmissíveis e
intransmissíveis os restantes, salvo cláusula em contrário;
→ Sociedades anónimas: os direitos especiais são atribuídos a categorias de ações,
transmitindo-se com estas.

Aflora a natureza essencialmente transmissível das ações. Na mesma lógica, o art. 24/6,
reportando-se ao consentimento a dar pelo próprio para a supressão ou a limitação dos seus

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direitos especiais, estabelece que, nas sociedades anónimas, ele seja dado por deliberação tomada
em assembleia especial dos acionistas titulares de ações da respetiva categoria.

Finalmente, já se discutiu, entre nós, se os direitos especiais podem assistir a todos os sócios,
com exceção das sociedades anónimas onde, por imposição legal, há que lidar com categorias de
ações.
Os direitos especiais são-no não por pertencerem apenas a alguém, mas por pressuporem, em
si, um regime especial, isto é: diferente do comum. Ora assim sendo, não há problemas em que
todos os sócios sejam titulares de direitos de que só possam ser despojados com o seu próprio
assentimento e seguindo-se os outros traços do regime legal.

Classificação dos Direitos e Deveres dos Sócios

Direitos dos Sócios

→ Direito abstrato: é uma posição favorável, protegida pelo direito e que, verificando-
se determinadas ocorrências, permitirá ao sócio ver surgir um direito concreto
correspondente. Surge como uma espectativa, em relação a um bem final futuro:
pressupõe um processo no termo do qual esse bem poderá surgir. Trata-se de uma
espectativa juridicamente tutelada – diversos procedimentos instrumentais estão
previstos e devem ser respeitados, sob cominações jurídicas. Além disso, pressupõe
ou implica determinados direitos instrumentais, também suscetíveis de efetivação.
→ Direito concreto: será o produto da concretização de uma prévia posição favorável,
que assista ao sócio.

O direito abstrato será um verdadeiro direito subjetivo?


→ À primeira vista, a resposta deveria ser negativa: o direito subjetivo pressupõe sempre um
bem concreto, será uma permissão normativa específica de aproveitamento e um bem. Esta não
resulta, todavia, de meras fórmulas deônticas. É fundamental ter presente que o direito subjetivo
corresponde a uma categoria compreensiva e não a uma fórmula analítica.
Os diversos direitos subjetivos surgem-nos com uma configuração que nos é dada pela
evolução histórico-dogmática e pelos condicionamentos linguísticos.
Por isso, pode suceder que um dto subjetivo (ex: o de propriedade), quando ponderado lógica
e racionalmente, venha a apresentar, no seu interior, “subdireitos”, faculdades, poderes,
expectativas e outras realidades ativas e, ainda, obrigações, encargos e deveres diversos. Não
deixa de corresponder à definição proposta, com a dimensão existencial própria das realidades
humanas.
Considera-se assim, que os direitos abstratos dos sócios são verdadeiros direitos.

→ Direitos patrimoniais: têm um conteúdo suscetível de avaliação pecuniária.


→ Direitos participativos: têm a ver com a possibilidade, reconhecida aos sócios, de
ingressar no modo coletivo de gestão dos interesses, inserindo-se na organização social
e atuando nos esquemas de cooperação por ela previstos. Podem ser repartidos, de
acordo com o art. 21/1 al. b), c) e d), em:

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o Direito de participar nas deliberações dos sócios;


o Direito a obter informações sobre a vida da sociedade;
o Direito a ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização.

Os direitos patrimoniais e os participativos dos sócios não esgotam o teor do estado de sócio.
Os sócios encontram-se, ainda, emersos numa teia de direitos e de deveres mútuos. Além disso,
surgem tutelas indiretas e diversas outras posições ativas. Vamos referir:
→ Direitos parassociais: são aqueles que advenham nos termos do art. 17. Trata-se de
posições pessoais obtidas por força dos acordos em causa, mas apenas devido à
qualidade de sócio e no âmbito do status deste.
→ Direito à lealdade: tem a ver com as relações dos sócios entre si e destes para com a
sociedade. A proibição de concorrência equivale a uma concretização desse vetor; há,
todavia, outras, num campo de útil aplicação da boa-fé objetiva.
→ Direito ao respeito do estado de sócio: é uma qualidade pessoal do sujeito que deve
ser respeitada. Impedir um sócio de falar numa assembleia geral poderá representar
uma violação dos seus direitos participativos e um atentado à integridade moral.
Temos aqui um nível relevante no direito das modernas sociedades, que não pode ser
esquecido.

Deveres dos sócios

Os sócios incorrem em situações passivas. À partida, elas serão apenas duas, referidas no art.
20:
→ Obrigação de entrada: art. 25 e ss, implicando diversas modalidades e formulas de
concretização.
→ Sujeição às perdas: tem um duplo alcance:
o De representar a frustração de contrapartidas esperadas pelas entradas;
o De traduzir o funcionamento das regras de responsabilidade dos sócios. Art.
175/1, 192/1 e 271.

Em certos tipos societários, o contrato de sociedade pode impor aos sócios – ou a alguns deles
– a obrigação de efetuar prestações, além das entradas – arts. 209 e 287. Necessário é, então, que
o contrato fixe os elementos essenciais da obrigação e especifique se as prestações devem ser
efetuadas onerosa ou gratuitamente. Trata-se de prestações acessórias. Distinta é a figura das
prestações suplementares – art. 210. Estas devem ser permitidas pelo contrato de sociedade,
dependendo, depois, de deliberação dos sócios – nº 1. Têm sempre dinheiro por objeto – nº 2 –
devendo ver as suas coordenadas definidas no contrato.

Entradas, Lucros e Perdas e Defesa do Capital

Obrigação de Entrada

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A obrigação de entrada corresponde a um dever essencial dos sócios. Sem ela, a sociedade
não terá meios para poder desempenhar a sua atividade; paralelamente, os sócios não terão título
de legitimidade para recolher lucros e para pretender intervir na vida da sociedade.
A entrada pode consistir em diversas realidades patrimoniais ou, pelo menos, com alcance
patrimonial. Assim, encontramos:
→ Entradas em dinheiro: corresponde à assunção de uma obrigação pecuniária;
→ Entradas em espécie: equivale às entregas “... de bens diferentes de dinheiro...”, nas
palavras do art. 28/1. A lei não põe restrições, exigindo, designadamente, que se trate
de bens materiais ou de bem facilmente realizáveis. Apenas se infere do art. 20 al. a)
que tais bens devem ser suscetíveis de penhora;
→ Entradas em indústria: trata-se de serviços humanos não subordinados.

O tipo de entrada é definido no contrato de sociedade, nos termos do art. 9 al. g) e h), quer
quantitativamente quer qualitativamente. A entrada tem, ainda, uma dupla apresentação, traduzida
em indicações de valor. Cumpre distinguir:
→ Valor nominal: é o da participação social a qual ela corresponda, pode ser uma parte
social, uma quota ou uma ação, consoante esteja em causa uma sociedade em nome
coletivo, por quotas ou anónima. O art. 25/1 apenas estabelece que o valor nominal
não pode exceder o valor da entrada, entenda-se, o valor real.
→ Valor real: este é o que corresponde à cifra em dinheiro, em que ela se traduza quando
pecuniária ou ao valor dos bens que implique, quando em espécie.

A obrigação de entrada é, à partida, uma obrigação comum em que, como devedor, surge o
sócio e, como credor, a própria sociedade. Essa obrigação pode ser cumprida de imediato ou
diferidamente, consoante o tipo de sociedade em jogo. Por isso, o art. 9/1 al. g), distingue por
quinta de capital, natureza de entrada e pagamento efetuado por conta de cada quota.

Regime geral das entradas

A obrigação de entrada obedece, em geral, às regras civis.


Quanto ao seu montante, as entradas não podem ter um valor inferior ao da participação
nominal (parte, quota ou ações) atribuída ao sócio. Poderá, eventualmente, ser superior.

Quanto ao momento do cumprimento da obrigação de entrada, ela deve ser realizada no


momento da outorga da escritura, salvo quando o contrato preveja o diferimento das entradas em
dinheiro e a lei o permita, o que sucede:
→ Nas sociedades por quotas até metade das entradas em dinheiro, mas o quantitativo
global dos pagamentos feitos por conta delas, juntamente com a soma dos valores
nominais das quotas correspondentes às entradas em espécie, deve perfazer o capital
mínimo fixado na lei – art. 202/2 – o qual é hoje, de 5.000€ - art. 201.
→ Nas sociedades anónimas pode ser diferida a realização de 70% do valor nominal das
ações, mas não o pagamento do prémio de emissão, quando previsto – art. 277/2.

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Para as entradas em espécie não há diferimentos, assim como os não haverá para as sociedades
em nome coletivo.
Quanto à forma do cumprimento das obrigações de entrada em dinheiro, a lei apenas
regula quanto às sociedades por quotas – art. 202/3 – e às sociedades anónimas – art. 277/3: a
soma das entradas em dinheiro já realizadas deve ser depositada em instituição de crédito, antes
de celebrado o contrato, numa conta aberta em nome da futura sociedade, devendo ser exibido ao
notário o comprovativo de tal depósito por ocasião da escritura.

Quanto às garantias da obrigação de entrada, cumpre salientar as seguintes precauções, que


se alcançam do art. 27:
→ São nulos os atos da administração e as deliberações dos sócios que liberem total ou
parcialmente os sócios da obrigação de efetuar entradas estipuladas, salvo redução do
capital – nº1;
→ A dação em cumprimento exige deliberação como alteração do contrato, seguindo-se
o preceituado quanto a entradas em espécie – nº 2;
→ Podem ser estabelecidas, no contrato, penalidades para a falta de cumprimento da
obrigação de entrada – nº 3; podem ocorrer hipóteses de pagamento de juros ou de
cláusulas penais;
→ Os lucros correspondentes a entradas em mora não podem ser pagos, mas podem ser
compensados com elas – nº 4; fora isso, a obrigação de entrada não pode extinguir-se
por compensação – nº 5;
→ A falta de uma prestação de entrada “... importa o vencimento de todas as demais
prestações em dívida pelo mesmo sócio, ainda que respeitem a outras partes, quotas
ou ações” – nº 6; trata-se de uma versão reforçada da perda do benefício do prazo,
prescrita no art. 781 do CC.
Entradas em espécie

As entradas podem ser em espécie, isto é: traduzir-se na transferência para a sociedade, de


direitos patrimoniais, suscetíveis de penhora e que não se traduzam em dinheiro. Falamos em
“direitos”: pode estar em causa qualquer situação diferente do direito de propriedade, por ex, o
direito ao uso e fruição, direitos sobre bens imateriais, tais como patentes ou técnicas de saber
fazer (know-how). O art. 28/1 refere “... bens diferentes de dinheiro...”. Trata-se de uma fórmula
excessivamente empírica para exprimir a ideia dos referidos direitos patrimoniais.
O dinheiro é de fácil avaliação: basta ver o montante, em função do princípio do nominalismo.
Já a espécie pode ter valores subjetivos. Repare-se que não basta, aqui, revelar o valor que, por
acordo os sócios lhe queiram atribuir: a sociedade tem um património objetivo, que interessa à
comunidade e, em especial, aos credores.
Por isso, o Direito preocupa-se com o conhecimento do valor exato dos “bens”, procurando
que seja devidamente determinado.
O art. 28 prevê, com pormenor, a preparação de um relatório elaborado por um revisor oficiar
de contas (ROC), devidamente distanciado e que avalie, objetivamente, os bens, explicando os
critérios usados e declarando formalmente se o valor atinge o valor nominal indicado pelos sócios
– nº 3 al. d).
Ao relatório em causa deve ser dada especial publicidade – art. 28/5 e 6.

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Objetivos do relatório do ROC:


➔ Proteção do interesse da sociedade;
➔ Proteção dos credores sociais, assegurando o princípio da exata formação do capital
social;
➔ Proteção dos futuros adquirentes de posições sociais.

Questão das entradas em espécie dissimuladas (art. 29º CSC)

Exemplo: a sociedade adquiriu a Diana e Edmundo um camião frigorífico em segunda mão


por € 40.000, de que ambos eram titulares em compropriedade. Segundo os boatos, no entanto,
teria sido possível comprar um camião comparável apenas por € 15.000
- Formalmente, em dinheiro- mas, no fundo, está-se a fugir ao controlo pelo ROC.
O regime do art.29º visa evitar fraudes nas entradas dos sócios pelo que, sob pena de
ineficácia, a aquisição de bens deve ser aprovada por deliberações dos sócios, precedida de
verificação do valor dos bens nos termos do art.28º, e cumpridos os requisitos do art.29º
- Paulo Tarso Domingues- isto evita que os sócios realizem uma entrada em espécie, sem
cumprir o regime imperativo e rigoroso das entradas em espécie, nomeadamente a
avaliação pelo ROC- daí falar-se em entradas em espécie dissimuladas.

Entradas em espécie

Prestação de serviços humanos não subordinados, senão seria trabalho o que estaria sujeito a
diversa disciplina jurídica.
- Entradas de execução continuada
- O sócio de indústria fica vinculado a partir do contrato social, mas, o cumprimento da
obrigação prolonga-se no tempo.
Entradas em indústria não são possíveis em sociedades de capital- SQ pelo 202º/1 e SA pelo
277º/1
- Atendendo ao seu conteúdo e projeção temporal, são de difícil avaliação
- Apesar de o capital social ser uma cifra contabilística, é uma realidade normativa que tem
de ser acompanhada de uma outra realidade – da variação patrimonial positiva na esfera
da sociedade.
- Não há uma imediata e integral liberação das entradas.
- Impossível garantir e assegurar o cumprimento destas entradas dada a sua
impraticabilidade de execução especifica
- Ex.- quem se obrigou a cozinhar pode dizer que não quer cozinhar mais: como poderão
obrigá-lo? Não podem.

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Assim, trata-se de entradas em dinheiro quando tenham natureza pecuniária, em espécie


quando traduzam a entrega de uma coisa de outro tipo, em indústria quando equivalham a uma
prestação.

Direitos dos credores

A efetivação das entradas interessa à sociedade: ela carece de meios materiais para poder levar
a cabo os fins a que se destina. Mas interessa, ainda, aos credores da sociedade, uma vez que
releva para a cobertura patrimonial dos seus direitos.
O art. 30/1 veio, assim, referenciar dois direitos dos mesmos credores:
→ O de exercer os direitos da sociedade relativos às entradas não realizadas, a partir do
momento em que se tornem exigíveis – al. a);
→ O de promover judicialmente essas entradas, mesmo antes de se tornarem exigíveis,
desde que isso seja necessário para a conservação ou a satisfação dos seus direitos.
Trata-se, no fundo, de uma concretização da ação sub-rogatória, prevista no art. 606
do CC.

O art. 30/2 prevê que a sociedade possa obstar ao pedido desses credores “... satisfazendo-lhes
os seus créditos com juros de mora, quando vencidos, ou mediante o desconto correspondente à
antecipação, quando por vencer, e com as despesas acrescidas”.
Preceito em rigor dispensável, já que o pagamento pode ser feito por terceiro (art. 767/1 do
CC) e antecipado pelo devedor (art. 779 do CC). De todo o modo, facilita a referência ao
“desconto” e às “despesas”.

Participação nos lucros e nas perdas

art.980º “a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade” + art.21º/1/a) “quinhoar


nos lucros”
Todo o sócio tem direito a quinhoar nos lucros-art.21º/1/a)- isto é, cada sócio tem o poder de
exigir parte dos lucros (em regra, na proporção do valor da respetiva participação no capital social:
art.22º/1), quando os mesmos sejam (ou tenham de ser) distribuídos.
- Não quer dizer que, quando haja lucros distribuíveis, cada sócio pode exigir da
sociedade, a todo o tempo, o seu quinhão ou quota parte na totalidade desses lucros.
- Só pode exigi-lo se e quando os lucros forem (ou devam ser) distribuídos
(normalmente por força da deliberação dos sócios) e tendo em conta a medida da
distribuição.
É por isso comum na doutrina contrapor:
- Direito abstrato aos lucros – direito de quinhoar nos lucros, enquanto direito integrante
da participação social
- Direito concreto aos lucros – direito de crédito à quota-parte dos lucros distribuídos.

Participação nas perdas

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Traduz-se em quinhoarem nas perdas que se registem, na medida da respetiva


responsabilidade social consoante o tipo societário envolvido- com exceção dos sócios de
indústria-20º/b)
- Assim, os sócios de capital estão todos obrigados a participar nas perdas devendo em
princípio fazê-lo na proporção dos valores nominais das suas participações (22º/1).
- Qualquer clausula em contrário, é nula (22º/3)
Em que termos e em que medida participa o socio obrigatoriamente nas perdas da sociedade?
- A resposta é simples: sócio de responsabilidade limitada participa nas perdas na medida
em que, uma vez dissolvida a sociedade, não seja, no âmbito da liquidação, reembolsado
da totalidade do capital que realizou inicialmente ou durante a vida da sociedade.
- Assim, a sua participação nas perdas é, nestes tipos sociais, em regra limitado ao
capital realizado.
COUTINHO DE ABREU: a “obrigação” de quinhoar nas perdas da sociedade não é
obrigação por dívidas sociais, não é responsabilidade para com os credores da sociedade. perdas
sociais não é o mesmo que dívidas sociais, participar nas perdas da sociedade não é o mesmo
que responder perante os credores da sociedade. O preceito é aplicável a todos os tipos
societários e é sabido que só os sócios das sociedades em nome coletivo e os sócios
comanditados respondem para com credores sociais.
- O que tal “obrigação” significa é que todo o sócio corre o risco de perder (total ou
parcialmente) o investimento feito como contrapartida da aquisição da participação social:
a nenhum sócio pode ser assegurado que, quando saia da sociedade e seja necessário fixar
o valor (de liquidação) da sua participação social, ou quando a sociedade seja extinta,
obterá o reembolso (integral ou parcial) da entrada ou investimentos efetuados.

Proibição dos pactos leoninos -art.22º/3

Estes envolvem um misto de renúncia antecipada aos direitos e de doação do que (ainda) não
se tem. Se alguém quiser dar lucros ou arcar com prejuízos, só poderá fazê-lo na altura concreta
em que ocorram e com eficácia limitada aos valores efetivo em jogo
Doutrina tem entendido que um contrato de sociedade com um pacto leonino deve ser
reduzido-art.292º CC).
- MC- discorda- o negócio é uno e distorcido em toda a sua conceção, podendo apenas ser
salvo por conversão - art.293º/CC

Constituição Financeira e Defesa do Capital

Constituição financeira – capitais próprios e alheios

→ Capitais próprios: abrangem designadamente


o O capital social, correspondente à soma do valor nominal das ações subscritas
ou de um valor fixo, se estiverem em causa ações sem valor nominal;

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o As reservas de ágio ou de prémio de emissão, correspondentes à soma do


sobrevalor por que, com referência ao valor nominal, as ações tenham sido
colocadas;
o O montante de outras prestações feitas pelos acionistas;
o As reservas livres, constituídas por lucros não distribuídos e para elas
encaminhados;
o A reserva legal imposta por lei; e
o Outras reservas.
→ Capitais alheios:
o Obrigações;
o Opções convertible bonds;
o Títulos de participação nos lucros e outros empréstimos.

No tocante aos capitais próprios, há que lidar com as regras gerais derivadas da escrituração
mercantil e da prestação de contas e, ainda, com regras especialmente prescritas para este aspeto
da vida societária. O direito toma diversas medidas destinadas a proteger o capital social. Elas
visam a defesa dos terceiros, particularmente quando credores e, ainda, a tutela das próprias
sociedades, dos sócios e do comércio em geral.

Distribuição de bens aos sócios

Consequência direta da personalização das sociedades é a separação patrimonial: os bens da


sociedade não se confundem com os dos sócios. Mau grado essa lógica, os sócios têm, no seu
conjunto, o controlo da sociedade. Poderão entender, dentro da sua autonomia privada, que a
sociedade não necessita de determinados bens ou que, de todo o modo, eles melhor ficariam nas
mãos dos diversos sócios.

Não poderão deliberar uma distribuição, mais ou menos importante, de bens aos sócios?
→ A resposta à luz do dto. privado, seria tendencialmente positiva. Todavia, dois óbides
podem ser invocados:
→ O interesse dos credores da sociedade;
→ A própria confiança do público na estabilidade dos entes coletivos.

Nas sociedades de capitais, cuja responsabilidade é limitada, não é indiferente, aos credores,
a consistência do património da sociedade e os bens que, no mesmo se encontrem. O direito
procurará acautelar esta vertente.
Além disso, deve haver, na comunidade, uma confiança generalizada na estabilidade dos entes
coletivos. Não se compreenderia que os bens circulassem, sem mais, entre a sociedade e os sócios.
Mesmo quando nada obste a tal circulação, compreende-se que se fixem formalidades e instâncias
de controlo que dignifiquem as sociedades e a todos tranquilizem.

O art. 32/1 contém uma norma básica para a tutela dos credores que se resume em não poderem
ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta for inferior à soma

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do capital e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse
inferior a esta soma em consequência da distribuição.

O nº 2 deste preceito visou uma adaptação às atuais regras contabilísticas. Esta norma pretende
que apenas possam ser distribuídos aos sócios valores que, tecnicamente se devam considerar
lucros.
Em princípio, no que a situação líquida ultrapasse o capital e as reservas nãos distribuíveis, há
“lucro”. Como as dívidas são encontradas na situação líquida, a posição dos credores fica
assegurada. Na hipótese de o próprio capital ser considerado excessivo: queda a solução da
redução do capital: equivale a uma modificação do contrato – art. 85 e ss – com regras próprias –
art. 94 e ss.

A coerência do sistema é, depois, assegurada por um conveniente processo de distribuição de


bens. Consta ele do art. 31, traduzindo-se, essencialmente, no seguinte:
→ A distribuição de bens (salvo a hipótese de distribuição antecipada de lucros e outros
casos previstos na lei) depende de deliberação dos sócios – nº 1;
→ Mesmo quando tomada, tal deliberação não deve ser executada pelos administradores
quando tenham fundadas razões para crer: que alterações ocorridas no património
social tomariam a distribuição ilícita perante o art. 32, que, de todo o modo, violem os
arts. 32 e 33 ou que assentou em contas inadequadas – nº 2; quando optem pela
execução, os administradores devem requerer inquérito judicial;
→ A distribuição também não terá lugar após a citação da sociedade “... para a ação de
invalidade de deliberação de aprovação do balanço ou de distribuição de reservas ou
lucros de exercício...” – nº 4 – sendo os autores de tal ação responsáveis,
solidariamente, pelos prejuízos que causem aos outros sócios, quando litiguem
temerariamente ou de má-fé – nº 5.

Os bens indevidamente recebidos pelos sócios devem ser restituídos à sociedade: tal o sentido
geral do art. 34. Todavia, fica protegida a posição dos sócios de boa-fé – art. 34/1 – sendo o todo
aplicável aos transmissários dos direitos dos sócios – nº 2.
Os credores podem propor a ação para a restituição, à sociedade, das importâncias em causa
tendo ainda ação contra os administradores – art. 34/3.
O nº 4 regula o ónus da prova, enquanto o nº 5 alarga o dispositivo da restituição a “... qualquer
facto que faça beneficiar o património das referidas pessoas dos valores indevidamente
atribuídos”.
Temos aqui manifestações do instituto da repetição do indevido – art. 476 do CC.

Diferentes noções de lucros

1. Lucro final ou de liquidação – lucro que se apura no termo da sociedade quando esta se
liquida e que consiste no excesso do património social liquido sobre a cifra do capital social
- Lucro Final = Património Social Líquido – Capital Social
2. Lucro de balanço, lucro periódico ou distribuível

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Representa o acréscimo patrimonial gerado e acumulado pela sociedade desde o inicio da sua
atividade até determinada data- a data a que se reporta a elaboração do balanço- e traduz o valor
total dos lucros que podem ser distribuíveis pelos sócios
Resulta assim da diferença entre o a património liquido da sociedade e a soma do capital e das
reservas indisponíveis- reservas legais e estatutárias
Para a determinação deste lucro há que atender- para além do capital social que não pode ser
devolvido aos sócios- as reservas indistribuívieis, que são aquelas que a lei ou o contrato de
sociedade não permite que sejam distribuídas aos sócios- por se destinarem a prossecução de
determinados fins estabelecidos pela lei ou pelo pacto.
- Lucro de balanço= Património social liquido- /Capital Social+Reservas indisponíveis/
Noção de lucro do balanço é a noção operatória para efeitos da determinação do limite da
distribuição de bens aos sócios, sendo a que está subjacente ao art.32º

4. Lucro de exercício

Lucro do exercício- acréscimo patrimonial ou diferença positiva que se verifica entre o inicio
do exercício social e o respetivo encerramento- basicamente, diferença entre receitas e custos do
ano passado.
- Ou seja, quando o valor do património liquido da sociedade é, no final do ano económico
e em resultado da sua atividade, superior ao que existia no inicio
- Lucro de Exercício = Património social liquido no final do exercício – Património
social líquido no inicio do exercício
- Esta noção de lucro não é a que está subjacente no art.32º
- Noção de lucro de exercício é a que releva para efeito do regime do art.33º e de
constituição da reserva legal-arts.218º e 295º- e da determinação- nos termos do art.217º
a 294º- da parcela do lucro a que os sócios têm direito por força da lei
2. Necessário ver se o lucro é distribuível

Veja-se que nem todos os lucros do exercício, mesmo que o resultado do mesmo seja positivo,
são distribuíveis- art.33º
- Os lucros de exercício devem em primeiro lugar cobrir os prejuízos transitados e a
formação das reservas- só podendo ser distribuído o valor remanescente-art.33º/1
- CSC consagra regime inderrogável de cobertura dos prejuízos da sociedade, devendo
os lucros de exercício ser necessariamente afetados a tal finalidade
- Verificar ainda se este resultado é superior a capital social + reservas (arts.33º e 32º).
Podem distribuir lucros, nos termos do art.32º, se a situação líquida da sociedade após a
distribuição for superior à soma do capital social mais as reservas.2

2 Processo nas sociedades anónimas: 1º Administração fecha as contas e envia para o ROC 2º ROC vai fechar a certificação
legal de contas + parecer de órgão de fiscalização (arts.446º e 420º/1 g)). 3º Tal é disponibilizado aos sócios como informação
preparatória da AG (art.289º) 4º Depois de os sócios serem convocados, têm um prazo de 30 para a realização da AG (art.376º).

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Regime do art.32º não impede que ainda que num determinado ano uma sociedade não tenha
gerado lucro, que proceda a distribuía de dividendos, desde que o lucro do balanço-lucros
acumulados em anos anteriores- o permita.
Isto é, os sócios podem, em qualquer outra altura, proceder a uma repartição de bens, desde
que, a mesma se contenha dentro dos limites do art.32º
- Quando pretendam distribuir bens, em momento diferente da aprovação de contas do
exercício, para que apenas sejam distribuídos lucros e se respeite o principio da
intangibilidade do capital, esta tem de se fundar num balanco especial, que não deverá
ter mais de três meses relativamente a data a deliberação
- Em todo o caso, o órgão de administração não deverá executar esta deliberação
extraordinária de repartição de bens, quando tenha fundadas razoes para crer que ilícita
ou tem irregularidades-art.321º/2
Inversamente, mesmo que a sociedade tenha gerado lucros num determinado exercício- isto é
ainda que haja lucros de exercício- poderá não ser possível proceder a sua repartição, desde que
ela não disponha de lucro de balanço
- Pode acontecer o lucro de exercício ser positivo, mas o lucro de balanço ser negativo e
não há distribuição
Função de tutela dos credores- os credores, sabendo de que os sócios só podem obter bens da
sociedade por distribuição de lucros, satisfazem-se em saber que os sócios não podem retirar
licitamente bens da sociedade enquanto o ativo desta não superar a soma do capital social e das
reservas legais indisponíveis
- Nesta medida, o montante do capital social garante-lhes que não pode haver distribuição
de bens que ponha em causa esse valor.
Competência de execução da deliberação é dos gerentes ou administradores- se não
cumprirem, podem ser sancionados penalmente, para além da responsabilidade civil que possa ter
lugar-art.79º
- No entanto existem exceções- em que se permite que não tenham que executar esta
deliberação, como proteção da intangibilidade do capital social
Critério da possibilidade de distribuição é meramente contabilístico e em caso de violação dos
limites à distribuição, as consequências são:
- nulidade da deliberação (art. 56º/1/d);
- não deve ser executada pelos administradores (art. 32º/2/b);
- há obrigação de restituição, mas, a confiança dos sócios de boa fé é protegida, não
havendo lugar a repetição (art.34º);
- há lugar a eventual responsabilidade civil dos administradores (art. 72º) e
responsabilidade penal (art.514º)
Principio da intangibilidade do capital social- fundos destinados a cobrir o capital social não
podem ser distribuídos pelos sócios
- Isto não significa e não evita que o valor do património liquido possa descer abaixo da
cifra do capital, em virtude, por ex. das perdas sofridas pela sociedade
O principio não visa proteger os 3º credores contra a erosão do capital social resultante da
atividade empresarial da sociedade

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- Quer é impedir que o património liquido da sociedade desça abaixo da cifra do capital
social em virtude da atribuição de bens aos sócios- enquanto sócios e não enquanto
terceiros
O que se visa é apenas permitir a distribuição aos sócios dos lucros da sociedade, impedindo
que lhe seja devolvido o fundo patrimonial que, com vínculo de indisponibilidade, eles ali
colocaram destinado a exploração da empresa societária
Postula que valores entregues pelos sócios destinados à cobertura do capital não podem
retomar ao patrimónios destes
- Trata-se de um fundo patrimonial posto em comum para o exercício da atividade social e
que não pode ser desafetado dos fins e funções para que foi constituído, salvo e caso de
liquidação da sociedade ou redução de capital
Assim, impede-se que o património líquido- ativos-passivos- desça, por virtude da atribuição
de bens aos sócios, abaixo do capital social- regime consagrado pelo art.32º
- Isto é, do capital social real- ou seja, a fração ideal do ativo de valor idêntico a cifra do
capital social nominal, que não poderá ser beliscada ou diminuída, por virtude de
atribuição de bens aos sócios
Não sendo possível a distribuição se o capital social for inferior, ou tornar-se inferior em
virtude da distribuição, ao valor correspondente a soma do capital social e das reservas
indisponíveis
- Reservas indisponíveis são as reservas legais-art.295º e 296º- e as reservas estatutárias,
que são as que a lei ou o pacto social não permitem distribuir
Ratio do art.32º- permitir apenas a distribuição aos sócios de bens que constituam lucros da
sociedade- ou seja, não impede a distribuição de lucros, porque na situação configurada o que
acontece é que não há lucro, sendo, por isso, proibida a distribuição de bens aos sócios
Estabelece como teto, o valor máximo de bens que pode ser distribuído pelos sócios e que se
designa por lucro de balanço/lucro distribuível

Lucros e reservas não distribuíveis

A tutela do capital social encontra, no CSC, um tratamento em duas partes:


→ Na parte geral, isto é, em sede de regras aplicáveis a todas as sociedades;
→ Na parte especial, relativa às sociedades anónimas, constando de normas que são
também mandadas aplicar às sociedades por quotas.

O art. 33/1 proíbe a distribuição de lucros do exercício que mostrem necessários para cobrir
prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas obrigatórias, por lei ou pelos
estatutos.
A lei não define “lucros de exercício”, sendo de presumir que recorre ao sentido comum dessa
expressão. Por outro lado, a proibição reporta-se a “lucros ... necessários para cobrir prejuízos
transitados ou para formar ou reconstituir reservas ...”. A contrario cabe distribuição de lucros
quando os prejuízos transitados possam, legalmente, ser cobertos de outra forma. Ex: a sociedade

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ter constituído uma reserva facultativa destinada, precisamente, a enfrentar determinados


prejuízos previsíveis, ocorrendo estes, a sua cobertura está assegurada; os lucros podem ser
distribuídos, nos termos legais.

A solução apontada aflora no art. 33/2. Veda-se aí, a distribuição de lucros do exercício,
enquanto as despesas de constituição, de investigação e de desenvolvimento não estiverem
completamente amortizadas.
Trata-se de despesas de lançamento de sociedade, se ainda não estiverem cobertas, não há, em
bom rigor, “lucros” a referenciar.

Todavia, a proibição cessa, se o montante das reservas livres e dos resultados transitados for,
pelo menos, igual ao dessas despesas não amortizadas. O legislador pretende, de facto, que certas
despesas não sejam deixadas a descoberto, a pretexto de distribuição de lucros. A proibição já não
faz sentido, quando existam esquemas reais e efetivos que assegurem a pretendida cobertura. O
dto das sociedades deve traduzir o império da verdade económica e funcional: não uma área de
formalismo.

O art. 33/3 proíbe a distribuição das chamadas reservas ocultas. Duas razões depõem nesse
sentido:
→ Sendo ocultas, as reservas escapam ao conhecimento e ao controlo dos sócios e de
credores; a sua distribuição surgiria como uma pura disposição do património social;
→ Não constando da contabilidade, as reservas ocultas põem em crise a verdade do
balanço e da prestação de contas, mais se agravando essa situação com a sua
distribuição.

Este preceito tem ainda um papel importante: a contrario, diz-nos que podem ser distribuídas
as reservas cuja existência e cujo montante figurem, expressamente, no balanço. E, a fortiori, elas
poderão ser usadas para, por ex, cobrir prejuízos transitados.

Finalmente, o art. 33/4 traduz um afloramento do princípio da verdade e da transparência,


havendo distribuição de reservas, seja em que termos for, a deliberação deve mencioná-lo, de
modo expresso.

O art. 33/1 refere a hipótese de haver reservas impostas por lei – encontra-se no art. 295 a
imposição de tal reserva.
O regime da reserva legal é ainda completado pelo art. 296.

O art. 295/3 explica, com diversos pontos, em que consistem os ágios referidos na al. a):
englobam, designadamente, o chamado prémio de emissão das ações.

As reservas em causa ficam sujeitas a todo o regime legal ou apenas a parte dele? Se for a
todo o regime legal, as reserva facultativas elencadas no art. 295/2 só ficariam congeladas até à
concorrência de 1/5 do capital social; se for parte do regime, ficariam congeladas sem limite de
montante.

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→ A questão nem deveria pôr-se, se a lei remete para o regime legal é para todo.

Manutenção das reservas legais

O art. 295/2 do CSC quando sujeita ao regime da reserva legal determinadas reservas livres,
designadamente as constituídas pelos prémios de emissão de ações, fá-lo apenas nos limites do
1/5 do capital social e isso se essa parcela não estiver já coberta pela reserva legal e na medida em
que isso (não) suceda. E tal sucede por várias razões

→ Elemento gramatical: art. 295/1 sujeita determinadas reservas livres ao regime da


reserva legal, não distingue, logo é todo o regime;
→ Elemento sintático: o art. 295/1 indica os primeiros e mais impressivos traços do
regime da reserva legal: o modo de constituição e o montante;
→ Elemento sistemático: todo o sistema do código aponta para um regime de mínimos,
os quais são ultrapassados por expressa disposição estatutária. Alcançados esses
mínimos, a própria reserva legal excedentária fica disponível.

Neste ponto, a globalidade do sistema, com apoio na autonomia priva e no espaço de liberdade
que necessariamente aflora nas sociedades comerciais, sempre existiria a solução que
propugnamos. A hipótese inversa, por contrariedade ao sistema e a valores fundamentais,
suscitaria, inclusive, problemas de (in)constitucionalidade, a prevenir pela interpretação.

Formas de financiamento da sociedade comercial

A sociedade pode ser financiada por meio de:

➔ Capital próprio: meios financeiros fornecidos à sociedade pelos próprios sócios. Como
fazer em momento superveniente? Por intermédio de aumento de capital social. Ou então
indiretamente- modo de financiar a sociedade com o decorrer do tempo.
➔ Capital alheio (terceiros a financiar a sociedade).

Características fundamentais destas 3 figuras e consequências de regime e identificar se o


capital é próprio ou alheio- se tem ou não de ser restituído a quem o providenciou.

o Prestações acessórias: têm de estar no contrato de sociedade- 209º/1; 287º/1. Caráter


supletivo, não sendo obrigatório estabelecer.
o Prestações suplementares: têm de estar no contrato de sociedade- 210º. Caráter
supletivo.
o Suprimentos: a resposta a se tem de estar no contrato de sociedade é depende- é como se
constitui esta obrigação. Caráter supletivo.
O que distingue cada uma destas?

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- são todas supletivas logo não pode ser por aí

Prestações complementares

Não se encontram estabelecidas nas SA, só nas SPQ- 210º a 213º- estas não vencem juros
e não se aufere remuneração; têm de ser feitas em dinheiro. É como se fosse para o fundo perdido-
não espero como sócio que o mesmo me seja devolvido e não recebo nenhum pagamento da
sociedade- sem juros por prestar esta retribuição suplementar. Tem de estar prevista no contrato
e regime do seu incumprimento tem como consequências a do art. 213º- pode inclusive, no limite,
excluir o sócio perante o seu incumprimento. Caráter notório a nível pessoal de uma prestação
suplementar. Se não fizer a prestação suplementar no prazo acordado- 204º- devo avisar o sócio
que ou paga ou fica sujeito a exclusão.
Ratio: proteger o capital social; art. 213º/1- submetem-se também ao princípio da
intangibilidade do capital- do art. 32º- Isto também tem de ocorrer com as prestações
suplementares ex vis art. 213º/1.
Na insolvência não pode haver reembolso das prestações suplementares. Exigibilidade e
reembolso- art. 211º; 213º. No fundo, concedo dinheiro à minha sociedade com capital próprio
que pode nunca vir a ser ressarcida- estou interessada em investir na minha sociedade.
Prestações suplementares- art. 211º SPQ- e aplica-se às sociedades anónimas? Pode este modo
de financiamento da sociedade aplicar-se no caso das SA?
DEBATE DOUTRINÁRIO:
→ MENEZES CORDEIRO: não faz sentido fazer aplicar este regime às sociedades anónimas
porque se incumprir sou expulso da sociedade- faz sentido numa SA? Não, consequência
demasiado gravosa.
ARGUMENTOS:
- inadequadas a aplicar este regime às SA devido à gravidade das consequências;
- tipos societário muito distintos com regras muito diferentes: não faz sentido aplicar
a priori;
- possibilidade de poder exigir colide com anonimato das participações sociais;
- trata-se de uma norma excecional (art. 11º CC), não suscetível de aplicação
analógica.
→ Quem diz que sim - autonomia privada e podem ter qualquer conteúdo.

Prestações acessórias

Têm de ser expressamente estabelecidas no contrato de sociedade. De acordo com o contrato


de sociedade, podem ser gratuitas ou onerosas; podem ser bens fungíveis ou de facto- art. 287º-
pode ser paga independentemente da existência de lucros de exercício- não se submete à regra da
conservação do capital. Diferente assim das prestações suplementares. Falta de cumprimento dos
sócios não afeta a condição do sócio como tal, a não ser que o contrato disponha expressamente.
Aqui tudo depende do que estiver contratualmente previsto e por isso é debatido na doutrina se
se trata de um capital próprio ou alheio.

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Prestações acessórias- facere ou non facere; onerosas ou gratuitas dependendo do


convencionado, depende do contrato- 209º/1 e 287º; na restituição depende do que for
convencionado; não dependente da situação financeira da sociedade; exclusão em caso de
incumprimento só pode existir se convencionada- arts. 209º/4 e 287º/4.

Prestações acessórias (SA Prestações


e SQ) suplementares (só
permitidas nas SQ)
Fonte Contrato de sociedade Contrato de sociedade com
(209º/1 e 287º/1) os requisitos do 210º e
deliberação social que fixa
o montante exigível e
prazo da prestação – 211º;
a deliberação só pode
acontecer após o
cumprimento da
obrigação de entrada de
todos os sócios.
Objeto A lei não limita o objeto: Só em dinheiro
podem ser prestações de
dare, facere ou non facere
Remuneração Podem ser onerosas ou Sempre gratuitas (210º/5)
gratuitas
Restituição Aplica-se o regime Só pode haver restituição
convencionado pelas se a situação líquida não
partes for inferior à soma do
capital e da reserva legal
(32º)
Incumprimento Incumprimento das Regime do incumprimento
obrigações. Só pode haver da obrigação de entrada
exclusão se for (212º que remete para o
convencionada – 209º/4 204º e 205º)

Suprimentos

243º/4 e 245º
Contrato pelo qual O SÓCIO empresta À SOCIEDADE dinheiro ou outra coisa fungível-
objeto do contrato. Obrigação de restituição daquilo que foi prestado, como existe no mútuo
normal.
2 géneros de contratos possíveis de suprimento:

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Apresenta duas modalidades:


- Empréstimo de dinheiro ou outra coisa fungível
- Diferimento de crédito- difere o vencimento de um crédito seu sobre ela e a favor dela
Características essenciais deste contrato são:
- 1. Qualidade das partes – dum lado a sociedade e do outro o sócio
- Quem é parte no contrato de suprimento é um sócio, que proporciona à sociedade bens
substitutivos de novas entradas para satisfação imediata das necessidades sociais não
passageiras e para satisfação mediata dos seus interesses enquanto sócio
- Tem fortes preocupações de tutela dos interesses dos credores sociais.
- 2. Caráter de permanência do crédito do sócio relativamente à sociedade – essencial para
a qualificação do contrato como suprimento, devido à função destes que é a de suprir
insuficiências do capital social, substituindo novas entradas do capital
- Se não tiver esta característica é mero empréstimo e não um contrato de suprimento
(segue regime geral e não este regime societário)
- Distingue-se do mútuo comum porque representa um contributo permanente ou
pelo menos prolongado do sócio para com a sociedade, em que detenha uma
posição
- Art.243º/2/3 fixa índices de permanência:
- articulação de um prazo de reembolso superior a um ano
- não exigência de reembolso devido pela sociedade durante um ano
- Estes índices são presunções legais, embora ilidíveis pelos sócios mediante
prova em contrário- art.243º/4 2ª parte
Art.243º/6- não há necessidade de haver forma escrita do contrato de suprimento, ou seja, o
contrato de suprimento não tem de constar do contrato de sociedade nem ser sujeito a deliberação
dos sócios
Art.245º- enumera várias regras que se destinam a acautelar os interesses dos credores sociais
- Art.245º/2- credores por suprimentos não podem requerer, por esses créditos, a
insolvência da sociedade
- Art.245º/3- prioridade ou preferência dos credores sociais por créditos que não sejam de
suprimentos relativamente aos credores por suprimentos quando a sociedade entre em
liquidação
- Art.245º/5- sendo a sociedade declarada em situação de insolvência, podem ser
resolvidos em benefício da massa insolvente os reembolsos de suprimentos efetuados no
ano anterior à data do início do processo de insolvência
O sócio neste tipo de investimento continua a atuar como financiador interno e não como
financiador externo, já que tem um envolvimento no projeto empresarial e não está a pensar na
qualidade de um credor
Questiona-se se é possível a sua aplicação para as sociedades anónimas
Raúl Ventura- admite a aplicação analógica, quando se deva entender que a posição do
accionista-credor é de “titularidade de ações com fins verdadeiramente societários” (e não de
“titularidade de ações como simples meio de colocação de capitais”
- Apenas são suprimentos aqueles que correspondem a empréstimos realizados por
acionistas que são detentores de uma participação social mínima

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- O nível mínimo de participação que exprime a “titularidade com fins verdadeiramente


societários” é o de 10% do capital social (com base no uso de tal percentagem feito
nos arts.392 e 418)
- A aplicação do regime dos suprimentos às sociedades em nome coletivo deve ser
rejeitada- com base em a responsabilidade ilimitada dos sócios precludir a necessidade
de proteção dos credores que fundamenta o regime dos suprimentos
MENEZES CORDEIRO- considera que este critério é demasiado rígido e fixo- prefere um
critério de acionista médio
- Haverá suprimento quando a entrega do dinheiro opera em situações nas quais o
acionista ordenado, o bom acionista, faria uma contribuição de capital, e não um mero
mútuo civil.
- Só a partir da verificação dessa analogia iuris será legitimo aplicar o art.243º/2/3 às
sociedades anónimas.
- Acionista ordenado- acionista medianamente diligente e alinhado com o interesse da
sociedade

Os créditos de suprimento são créditos subordinados- são pagos no final, depois dos créditos
comuns.
Discute-se se os suprimentos são capital próprio ou alheio. A doutrina, em virtude das
suas especialidades, classifica como capital próprio.
Critério entre capital próprio e alheio: não é só ser sócio ou não; tem que ver também com
expetativa de restituição ou não.

Perda de Metade do Capital Social

Generalidades

O art. 35 dispõe sobre a eventualidade da perda de metade do capital social das sociedades
comerciais.
As “contas de exercício” são as previstas no art. 65/1, com referência a cada exercício anual.
As contas intercalares situam-se entre as contas de exercício, podendo ser requeridas por lei
especial ou pelos estatutos ou, ainda, derivar de mera prática interna.

Este preceito prevê ainda a hipótese de “fundadas razões” levarem a admitir as tais perdas
graves. As “fundadas razões” serão, aquelas que se imponham ao gestor normal, colocado na
posição do gestor real. Para serem “fundadas” elas deverão, de todo o modo, arrancar de umas
quaisquer contas anteriores. Ex: hipótese de as contas de exercício mostrarem uma situação muito
próxima da fronteira, havendo, depois, um manifesto período de atuação em perda.

O art. 35/2 veio esclarecer que se considera “estar perdida metade do capital social quando o
capital próprio da sociedade for igual ou inferior a metade do capital social”.

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Os capitais próprios abrangem, além do capital social, as reservas de ágio, as prestações dos
acionistas, a reserva legal, as reservas livres e outras rubricas. Na lógica da lei, haverá que lhe
subtrair o passivo. Todavia, não é pacífico, entre os peritos, o exato alcance desse capital e,
designadamente, se abrange expectativas de negócio e reavaliações. Em situações de fronteira e
no silêncio do legislador, tudo dependerá das técnicas contabilísticas utilizadas.

Consequências

Art. 35/1 2ª parte.

A dissolução por deliberação dos sócios opera nos termos do art. 141/1 al. b). a redução do
capital social deve observar os arts. 94 e ss. Note-se que a convocatória terá de conter os elementos
aí especificados. Tratando-se, como se trata, de cobrir as perdas, ficaria dispensada a autorização
judicial (art. 95/3).
A ressalva do capital mínimo (art. 96) sempre teria aplicação, sendo dispensável o final da al.
b),
Quanto à “realização de entradas”: a competente deliberação especificará que tipo de
prestações está em jogo e qual o ritmo da sua realização, dentro dos fins da lei.

Quid iuris se os administradores não executarem o art. 35?


→ o atual art. 35 pode operar como fonte de deveres legais, para efeitos de responsabilidade
civil dos administradores para com a sociedade (art. 72/1) e para com os credores sociais (art. 78).
Perante a fórmula restritiva do art. 79/1, ao restringir-se aos danos diretos, queda, como via de
responsabilidade perante sócios e terceiros, o apelo às normas de proteção (art. 483/1 do CC).

Acordos Parassociais

Art. 17 – admite os acordos parassociais, no entanto, o nº 1 apenas lhes confere uma eficácia
obrigacional: produzem efeitos entre os sócios intervenientes e, na sua base, não podem ser
impugnados atos da sociedade ou de sócios para com a sociedade. Retira-se ainda que a execução
específica não é possível nestes acordos.

Menezes Cordeiro: o legislador do art. 17 não foi feliz. A sanha tradutora e a subserviência
perante os textos comunitários têm impedido a gestação de um pensamento jurídico nacional.

Modalidades, sindicatos de voto e garantias

→ Acordos referentes ao regime das participações sociais: podem regular os mais


diversos aspetos a elas relativos. Particularmente em causa estará o regime da sua
transição, sendo de relevar:
o Proibições de alienação: absolutas, temporárias ou fora de um determinado
círculo de pessoas – normalmente, as que hajam subscrito o acordo;
o Direitos de preferência mútuos, com regulações mais ou menos explícitas,
sobre o seu exercício;
o Direitos de opção, na compra e venda das participações sociais;

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o Obrigações de subscrição de determinados aumentos de capital;


o Obrigações instrumentais, quanto ao manuseio de ações ou dos títulos que as
apresentem.
→ Acordos relativos ao exercício do direito de voto: podem implicar 3 grandes tipos
o As partes predeterminam, no próprio acordo, o sentido do voto, em termos
concretos: na reunião A votar-se-á a proposta B;
o As partes obrigam-se a uma concertação futura, relativa a determinado tipo de
assuntos; fica entendido que eles não serão aprovados se, ambas (ou todas) não
estiverem de acordo; é a concertação por unanimidade;
o As partes obrigam-se a reunir em separado, antes de qualquer assembleia geral,
de modo a concertar o voto; aí poderá prevalecer a opinião da maioria, ficando
a minoria obrigada a votar com ela.
→ Acordos relativos à organização da sociedade: implicam um misto de regime das
participações e de sindicato de voto. Temos também as mais diversas hipóteses:
o As partes adotam um plano para a empresa e comprometem-se a pô-lo em
prática: ficam implicadas votações concertadas em assembleia geral,
indicações ou eleições de administradores de confiança e, até, influências
extrassocietárias;
o As partes repartem os órgãos societários, posto isso, votam todas, de modo
concertado;
o As partes obrigam se a investir, aumentando o capital e subscrevendo-o;
o Etc.

Existem ainda os acordos omnilaterais. Trata-se de acordos subscritos por todos os sócios e
que assumiriam um especial relevo quando incompatíveis com os estatutos. Nessa eventualidade,
que não poderia atingir os interesses de terceiros, haveria como que uma “desconsideração” da
personalidade, para efeitos internos.
Os omnilaterais, como acordos, são para cumprir: o dto das sociedades é dominado pela
autonomia privada. Não podem contrariar regras imperativas nem defraudar normas formais. O
sócio que invoque a sua invalidade pode incorrer em venire contra factum proprium.

Acontece que as partes prevejam a obrigação de confidencialidade: não dão a conhecer a


existência do acordo. O art. 19 do CVM obriga à comunicação e à publicação dos pactos relativos
às sociedades abertas. Mas não de todos: apenas os que visem “... adquirir, manter ou reforçar
uma participação qualificada em sociedade aberta ou assegura o frustrar o êxito da OPA...”, torna-
se assim, operação de engenharia jurídica ladear esses âmbitos.
Além disso, fica o campo das sociedades não abertas para o proliferar de pactos secretos: só
se tornam, em regra, públicos, quando se discuta a sua violação.

MC: não se vê inconveniente em que haja confidencialidade nos negócios dentro dos limites
da lei. Estes devem ser ressalvados em qualquer contrato. A violação da confidencialidade obriga
a indemnizar.

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Os acordos parassociais são, por vezes, dotados de garantias poderosas. Ex: cláusulas penais.
Também é frequente a inserção de convenções de arbitragem: pretende.se uma justiça rápida e
eficaz: é evidente que um processo de anos para discutir um acordo parassocial nada tem a ver
com a realidade das sociedades e da vida económica.

Exclusão da administração e da fiscalização

O art. 17, para além de admitir os acordos parassociais, impondo a sua relatividade, contém
determinadas restrições. Assim, o seu nº 2 é lapidar dizendo que os acordos parassociais não
podem respeitar “... à conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de
administração ou fiscalização”. A administração e a fiscalização ficam fora do universo aberto
aos acordos parassociais. Quando muito, poderíamos admitir que o acordo visasse aspetos que,
sendo da competência da assembleia geral, pudessem refletir-se na administração e fiscalização:
e poucos serão, no caso das sociedades anónimas, visto o art. 373/3.

A razão dogmática do art. 17/2 parece clara. As sociedades comerciais submetem-se a um


princípio de tipicidade – art. 1/3 do CSC. As sociedades regem-se pelo pacto social – art. 9 –
sujeito a escritura pública – art. 7/1 – e adquirem personalidade pelo seu registo art. 5.
Assim ficam acautelados os interesses dos sócios, de terceiros e de toda a comunidade. As
alterações ao pacto passam, novamente, pelo crivo da escritura e do registo, com diversas
instâncias de fiscalização.
Admitir acordos parassociais com incidência na administração e na fiscalização equivaleria a
permitir uma organização diferente da do pacto social. A tipicidade societária perderia sentido,
uma vez que, a verdadeira orgânica seria parassocial. Além disso, seriam iludidos todos os
preceitos relativos ao pacto social e às suas alterações: escritura, registo e diversas fiscalizações.

Outras restrições

O art. 17/3 veio, nas suas als. a) e b), proibir os acordos segundo os quais o sócio deveria votar
seguindo sempre as instruções dos órgãos sociais ou aprovando sempre as propostas por eles
feitas. No fundo, os sócios delegariam os sus votos, materialmente, nos órgãos sociais, os quais
tomariam as decisões substantivas.

O art. 17/3 al. c), proíbe os acordos pelos quais alguém se comprometa a votar (ou a não votar)
em certo sentido, mediante vantagens especiais. Trata-se da proibição da chamada “compra” de
votos.
O preceito justifica-se pela necessidade de fazer corresponder o risco à detenção do capital.
De outro modo, a autocontenção subjacente às sociedades modernas perder-se-ia.

Os acordos parassociais na prática societária portuguesa

Os acordos parassociais têm uma grande importância prática, particularmente a nível de


grandes empresas. Assumem várias funções, embora com especificidades nacionais. Vamos
apontar 3 motivos, os quais jogam muitas vezes, em conjunto:

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→ Reprivatizações: dirigiram-se, em geral, ou a pequenos investidores praticamente


interessados apenas em mais-valias esperadas ou a grupos descapitalizados de
potenciais gestores.
→ Franqueza económico-financeira de muitos participantes: decorre da debilidade do
mercado mobiliário, torna-se difícil captar para a bolsa as pequenas poupanças, numa
dificuldade que a burocracia reinante se encarregou de agravar. Também aqui a
associação dos interessados pode ser compensadora.
→ Recomposição mobiliária: pode requerer novas aquisições, permutas e alienações
programadas, os acordos parassociais dão corpo a tudo isso.

Na prática das empresas surgem, muitas vezes, acordos parassociais à margem do escrito
esquema do art. 17. Os desvios mais comuns são os seguintes:
→ Acordos parassociais que incluem cláusulas que nada têm a ver com a sociedade em
jogo. Ex: as partes obrigam-se a adquirir outras empresas, a trocar participações de
terceiras sociedades, a não concorrer contra a sociedade e outras;
→ Acordos parassociais em que intervêm não-sócios, normalmente para adquirirem
opções de compra ou para as mais variadas combinações relacionadas com a sociedade
em jogo;
→ Acordos parassociais subscritos, também, pela própria sociedade cujos sócios se
concertam.

Deve ficar bem claro que estamos no dto. privado. A liberdade contratual prevista no art. 405
do CC tem, aqui, direta aplicação.
Nada impede as partes de celebrar contratos mistos, que incluam elementos parassociais e,
ainda, outros elementos típicos de outros contratos, bem como elementos totalmente originais. Os
acordos parassociais atípicos não podem, de novo algum, ser invalidados.

Direito à Informação

A informação em direito

Art. 21/1 al. c). Inclui entre os direitos dos sócios, o de obter informações sobre a vida da
sociedade, nos termos da lei e do contrato.
Poderemos conceber sociedades muito simples, em que os diversos sócios acompanhem, no
momento, o desenrolar das atuações societárias, atuações essas que, para mais, se reduziriam a
operações de tipo material sobre coisas corpóreas. Em regra, porém, isso não ocorre. O sócio,
mesmo interessado, não pode acompanhar, ponto por ponto, o que faz a “sua” sociedade. Além
disso, esta envolve-se numa teia de obrigações e de direitos, para com terceiros, que não são
percetíveis pelos sentidos.

Quanto à base jurídico-positiva, os deveres de informação podem resultar:


→ De regras indeterminadas: no primeiro caso ocorrem institutos carecidos de
concretização, por ex, o dever de informar pré-contratual, assente na boa-fé (art. 227/1

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do CC) ou o dever de informar na pendência do contrato, derivado da mesma bona


fides (art. 762/2 do CC);
→ De regras estritas: temos prescrições de informação que definem deveres à partida
(mais) densos.
o Regras estritas comuns: cobrem a generalidade indeterminada de situações
hipotéticas – art. 573 e ss do CC;
o Regras estritas especiais: impõe-se mercê de normas jurídicas destinadas a
contemplar situações regulativas próprias de setores delimitados.

A fonte, será aqui o facto jurídico que dê azo ao dever de informação. Na origem encontra-
se, inevitavelmente, um direito duvidoso, quanto à existência ou ao teor e alguém em posição de
esclarecer.
Quem saiba tudo não carece de informação, assim como quem não saiba, não pode informar.
Temos, porém, uma contraposição interessante:
→ O facto específico: corresponderá a uma precisa eventualidade que gere o dever de
informar. Ex: ocorrência de negociações pré-contratuais;
→ O status: é uma qualidade geral do sujeito que o habilita a colher informações. Neste
caso, o beneficiário poderá ficar isento de provar os concretos elementos que
fundariam o direito à informação. Ex: é o que acontece com o sócio.

No tocante ao conteúdo, o dever de informação poderá assumir as mais variadas feições:


→ Deveres de informação substanciais: o obrigado está adstrito a veicular a verdade
que conheça, descrevendo-a de modo compreensível e explícito;
→ Deveres de informação formais: compete tão só, ao obrigado, transmitir elementos
prefixados ou, se se quiser, “informação codificada”.

No tocante à determinação do dever de informar, cumpre contrapor:


→ Autodeterminação: cabe ao próprio obrigado, à medida que a situação progrida,
fixando os termos a informar e a matéria a que eles respeitem; no limite só ele estará
em condições de poder precisar o universo sobre que deverá recair a informação;
→ Heterodeterminação: compete ao interessado definir a matéria sobre que deseja ser
informado. Ex: art. 290/1.

Finalmente, quanto à inserção sistemática, a informação pode tomar corpo:


→ Em prestações principais;
→ Em prestações secundárias;
→ Em deveres acessórios.
Esta classificação articula-se, ainda, com a contraposição dos deveres de informar em
contratuais e legais. Perante um vínculo destinado a informar, seja ele contratual ou legal, a
informação integra a prestação principal.

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Tipos de informação consoante o acesso

Nem sempre os assuntos relativos às sociedades podem, ad nutum, ser dados a conhecer a
todos os sócios. Basta ver que a sociedade poderá ser detentora de segredos vitais: científicos,
tecnológicos, estratégicos, comerciais ou pessoais.
Por outro lado, a qualidade de sócio pode ser totalmente circunstancial ou passageira: bastará
adquirir, em bolsa, uma ação. Por isso, o dto. procura fixar círculos ou âmbitos de acessibilidade
de informações societárias, consoante as pessoas que a elas tenham acesso.

Podemos adiantar a existência de 4 círculos de matéria informativa societária, ordenados


em função do acesso que a eles se tenha:
→ Informação pública: é disponibilizada a todos os interessados, sócios ou não sócios.
Ela resulta do registo comercial e das publicações obrigatórias. Poderá ainda, ser
disponibilizada ao balcão de sociedades que tenham estabelecimentos abertos ao
público e nos quais se transacionem valores que tenham a ver com a própria sociedade,
ou produtos para os quais certas características da sociedade possam ter relevo.
→ Informação reservada: é a que assiste aos sócios, devendo ser colhida nos termos da
lei e do contrato, nas palavras do art. 21/1 al. c). Tendencialmente, ela deveria assistir
a todos os sócios; porém, a extrema dispersão do capital de certas sociedades
anónimas, que poderia colocar algumas dezenas de milhares de pessoas em condições
de pedir informações, com grandes custos para a própria sociedade, levou a limitar,
nas anónimas, alguma informação reservada, aos detentores de 1% do capital social –
art. 288/1.
→ Informação qualificada: assiste apenas a sócios que detenham posições mais
consideráveis no capital da sociedade: participações ditas qualificadas. Ex: é o que
sucede com as sociedades anónimas, onde, para aceder a certos elementos, se requerem
10% do capital social agrupado (art. 291) ou com as sociedades por quotas, onde, em
princípio, todas as participações são consideradas para este efeito, qualificadas (art.
214).
→ Informação secreta: pura e simplesmente, não pode ser disponibilizada aos sócios.
Trata-se, fundamentalmente, de informação sujeita a sigilo profissional ou de
informação que, a ser divulgada, poderia prejudicar os sócios ou a própria sociedade.

O art. 288, relativo ao direito mínimo à informação, no âmbito das sociedades anónimas,
indica, no seu nº 1, o seguinte objeto da informação, acessível aos acionistas que tenham, pelo
menos, ações representativas de 1% do capital social.

O art. 289, quanto a informações preparatórias da assembleia geral, vem acrescentar como
objeto da informação, durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral.
O nº 2 acrescenta ainda, ao rol de elementos a disponibilizar aos acionistas, na sede da
sociedade, os requerimentos de inclusão de assunto na ordem do dia.

Finalmente, o art. 290 permite, no nº 1, que o acionista requeira, em assembleia geral, que lhe
sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas, que lhe facultem formar uma

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opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberações. De outro modo, a deliberação


poderá ser anulável – nº 3.

A grande questão que se coloca é a de saber se a enumeração legal de elementos, aqui


exemplificada com as sociedades anónimas, sobre que deva recair a informação, é taxativa ou
se, a eles, há que acrescentar todos os outros suscetíveis de integrar a “vida da sociedade”?!
→ a jurisprudência entende que, os elementos indicados pela lei como objeto de informação
são taxativos.

A lei dá um direito reforçado de informação quando estejam em causa elementos capazes de


responsabilizar os administradores (art. 214/, in medio) ou estes, nos membros do conselho fiscal
ou os do conselho geral (art. 291/2). Mesmo então, há que ressalvar dois casos:
→ O de, pelo conteúdo do pedido ou por outras circunstâncias, ser patente não ser esse o
fim visado pelo pedido de informação; e
→ O de tratar de informação secreta.

O art. 291/4 parece fazer ceder a informação secreta perante a invocação de se tratar de efetivar
a responsabilidade dos administradores ou de outros titulares de órgãos. Tem de ser interpretado
restritivamente,
O segredo profissional não pode ceder a não ser em casos previstos na lei e com intervenção
do juiz, pense-se no segredo bancário ou dos seguros.
Além disso, temos de lidar com a intimidade da vida privada, que pode estar envolvida e que
deve ser respeitada. Por outro lado, o valor “responsabilidade dos administradores” deve ser
ponderado quando conflitue com o prejuízo da sociedade ou dos sócios.

Por último, a assembleia geral só pode deliberar sobre matérias de gestão da sociedade a
pedido do órgão de administração – art. 373/3. Quer isto dizer que ela opera mais como um fórum
de discussão e de descompressão do que como um lugar onde se joguem verdadeiras opções
societárias: nas sociedades anónimas e por quotas que, delas se aproximem.
A informação altamente especializada não tem, em regra, aí, qualquer interesse. Quanto às
informações qualificadas, a realidade mostra que são aí frequentes conflitos de interesses. Os 10%
de acionistas que pretendem aceder aos “assuntos da sociedade” são, muitas vezes, elementos de
grupos concorrentes, que obtiveram na bolsa ou em processos de reprivatização, as participações
que invocam.
Nestas condições, pensa-se que a informação pode ser negada, ao abrigo da cláusula do maior
perigo. A lei deve ser fonte de justiça: não de gratuita litigiosidade entre os operadores privados.

Regime do direito à informação

O escopo do direito à informação articula-se com as duas grandes dimensões das sociedades:
→ A da colaboração: os sócios só poderão produzir trabalho útil, em prol da sociedade
e no seu âmbito, se tiverem conhecimento do que se lhes exige e do que é útil. A
informação surge como condição prévia necessária de qualquer colaboração. Trata-se
de um aspeto que predomina nas sociedades de pessoas. Nas sociedades de capitais,

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poder-se-ia considerar que a informação aos sócios seria dispensável. Feita a aportação
de capital, caberia aos sócios entregar a gestão a especialistas, abstendo-se de os
incomodar com perguntas.
→ A da organização: justifica a informação aos sócios. Esta opera como:
o Pressuposto do voto em assembleia geral: há que providenciar para um
conteúdo efetivo. Não faz sentido votar sem saber o que se faz, atribuído o
voto, há que disponibilizar toda a informação necessária, útil e legitimadora
para o seu exercício.
o Meio de legitimação dos investimentos e do mercado: uma boa informação
levará os sócios a investir com segurança, quer inicialmente, quer em futuros
aumentos de capital. Além disso, permite-lhes avaliar corretamente as suas
participações, base de subsequentes decisões de venda adequadas ou de (novas)
aquisições. Todo o mercado depende disto.
o Forma de fiscalização da administração: a fiscalização da administração
exige informações capazes, este aspeto é importante, uma vez que o moderno
dto. das sociedades abandona, aos particulares, o acompanhamento e a
fiscalização dos respetivos organismos.
o Tutela das minorias: exige o conhecimento da vida das sociedades. Trata-se
de uma dimensão importante, para manter a atratividade das sociedades. O
mercado também depende disso.

Os sujeitos da obrigação de informa são, respetivamente, os sócios e a própria sociedade. Para


o efeito, o sócio pode-se fazer representar, nos termos gerais: não há aqui, qualquer direito
pessoalíssimo, que apenas em pessoa se possa exercer.
Os estatutos não podem limitar a presentação em assembleia geral, segundo a atual redação
do art. 380, isso vale, ipso iure, para o exercício do direito à informação em assembleia. Fora isso,
há que aplicar as regras gerais, extensivas, naturalmente, ao exercício do direito à informação, nas
sociedades por quotas – art. 214.
Além dos sócios, o art. 293 atribui também o direito à informação ao representante comum
dos obrigacionistas, ao usufrutuário e ao credor pignoratício, quando lhe caiba exercer o dto. de
voto.
Além disso, haverá sempre um direito à informação, por parte de quaisquer interessados, nos
termos do art. 573 do CC.

O objeto da obrigação é a informação em jogo: autodeterminada ou heterodeterminada,


substancial ou formal, aberta ou reservada, conforme as circunstâncias. A obrigação pode ser
cumprida oralmente ou por escrito quando a lei o preveja e como tal seja pedida (art. 14/1). A
regra básica é, sempre, a da não sujeição das declarações a qualquer forma solene, salvo
quando a lei o determine (art. 219 CC). Admitimos que os estatutos possam impor outras formas
mais solenes – designadamente a escrita – para a prestação de certas informações.

O direito à informação é, em princípio, irrenunciável e inderrogável. Não pode haver


renúncias prévias ao seu exercício (art. 809 do CC). Possível é, sim, o seu não exercício in
concreto e, dentro dos limites dos bons costumes e ordem pública, a assunção, subsequente, do

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dever de não o exercer. Também não pode haver derrogações: quer pelos estatutos, quer por
deliberação social. O art. 214/2 admite que o pacto social regulamente o direito à informação,
desde que não ponha em causa o seu exercício efetivo ou o seu âmbito.
O direito a informação não se constitui quando impossível; cessa, ainda, por impossibilidade
superveniente e, em especial, pela perda da informação solicitada. Pode, ainda, ser concretamente
inexigível: pense-se em pedidos maciços de informação em plena assembleia, com catálogos ou
listas intermináveis. Ele extingue-se, nos termos gerais, pelo cumprimento e por renúncia.
Também podemos configurar a sua cessação pela publicitação geral do elemento solicitado.

Abuso

Além dos casos acima apontados em que o exercício do direito à informação é legalmente
vedado, podemos apontar a possibilidade de o bloquear por abuso ou por violação da lealdade.
No fundamental e perante o Direito português, estarão em causa as seguintes sub-hipóteses:
→ Venire contra factum proprium – ocorre quando o sócio tenha, com credibilidade,
inculcado na sociedade a convicção de que não iria exercer o seu direito e, depois, o
exerça, provocando danos.
→ Tu quoque – configura-se quando a informação decorra de um ilícito perpetrado pelo
sócio interessado o qual, assim, nada mais faria do que aproveitar o malefício próprio.
→ Desequilíbrio no exercício – temos desequilíbrio: o sócio, para uma vantagem mínima,
pede elementos que irão provocar um esforço máximo à sociedade.

Ocorre aqui perguntar se o direito à informação é meramente instrumental ou puramente


funcional.
→ A eventual opção por este último termo indigitaria nova hipótese de abuso: a de um pedido
de informação fora do escopo legítimo. Mas não: o Direito português configura a informação
como um elemento a se: autónomo de quaisquer concretas finalidades. Estas só relevam pela
negativa, quando se pretenda usar a informação para fins estranhos à sociedade ou para prejudicar
terceiros. E assim substancializamos a informação. Parte integrante do status de sócio, ela dá
corpo à propriedade privada, à livre iniciativa económica e à própria liberdade de associação. Vale
por si. Não é instrumental.

Garantia

O direito à informação é rodeado de diversas garantias:


→ Desde logo, temos sanções penais: o art. 518 sanciona a recusa ilícita de informações,
enquanto o art. 519o penaliza o autor de informações falsas.
→ De seguida, temos a anulabilidade das deliberações sociais, causada pela recusa
injustificada de informações (arts. 58/1 al. c) e 290/2).
→ Também se nos afigura aplicável o esquema geral do incumprimento das
obrigações, com as indemnizações conexas: danos patrimoniais e não patrimoniais.
Embora o direito à informação se inscreva num status essencialmente patrimonial, ele
envolve uma dimensão pessoal. O sócio a quem, para mais em público, seja recusada
informação pertinente vê atingida a sua honra e o seu direito de participar, ativamente,

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em iniciativas que lhe competem. Este aspeto deve ser contemplado, até porque,
muitas vezes, não se documentarão danos patrimoniais.
→ Certas informações dispõem de garantias específicas. A não apresentação do relatório
de gestão das contas de exercício e dos demais documentos de contas dá azo ao
inquérito previsto no art. 67/1. O juiz, ouvidos os administradores, poderá então
adotar uma das medidas previstas no nº 2 desse preceito.
o Este inquérito não se confunde com o inquérito judicial previsto nos arts. 216
e 292 do CSC e regulado nos arts. 1048 do CPC. O inquérito judicial surge
como um procedimento complicado e pesado, a usar, somente quando
necessário. Feito o pedido, o juiz tem um lato poder, no tocante à concretização
das medidas a aplicar. Fundamentalmente, ele pode determinar que seja
prestada a informação em falta ou fixar prazo para a apresentação das contas
(art. 1049o CPC). Pode optar pelo inquérito à sociedade, fixando os pontos que
a diligência deve abranger e nomeando perito ou peritos para a investigação
(art. 1049/2 do CPC). São possíveis medidas cautelares (art. 1050 do CPC).
→ Finalmente, o art. 292/2 do CSC prevê medidas draconianas.

Deliberações sociais

A deliberação é uma proposição imputada à decisão de um conjunto de pessoas singulares


ou seres humanos. Colocada nestes termos, a deliberação assenta em pressupostos de legitimidade
e assume, ela própria, uma dimensão legitimadora.

Tipos de deliberações: primazia da deliberação em assembleia geral

Na base de uma forte componente doutrinária, o CSC veio prever um capítulo geral- IV-
sobre o que chama deliberações dos sócios- arts. 53º a 63º, onde se ocupa:
o De deliberações sociais e alguns dos seus aspetos- 53º a 55º;
o Da invalidade das deliberações- 56º a 59º;
o De aspetos processuais ligados a essa invalidade e das suas consequências- 60º a 62º;
o Das atas- 63º.
Além dos preceitos gerais descritos, temos ainda regras específicas para as deliberações no
âmbito das sociedades em nome coletivo (189º a 193º), das sociedades por quotas (246º a 251º),
das sociedades anónimas (373º a 389º) e das sociedades em comandita (472º), retomando, muitas
vezes, fórmulas gerais.
“Deliberações dos sócios”: os sócios podem deliberar não só em assembleia, mas também,
noutros casos, diretamente, sem reunião. Os sócios emitem declarações de vontade; maxime:
votam. A deliberação é do órgão a que pertençam, sendo imputável à sociedade.
O art. 53º/1 CSC parece impor uma regra de tipicidade, no tocante às “formas” de deliberações
dos sócios: só podem ser tomadas por algum dos modos admitidos por lei para cada tipo de
sociedade. Diferente da “forma” no sentido técnico que o termo assume no Direito privado-
mantém-se uma regra de liberdade: os sócios poderão deliberar, conforme o ajustado, por escrito,

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de braço levantado etc. Quando muito, admitimos que os estatutos fixem regras, nesse domínio.
Não o fazendo, a forma da deliberação será fixada por deliberações dos sócios ou pro decisão do
presidente da mesa da assembleia (384º/8). Art. 53º/2: as disposições legais ou estatutárias
relativas a deliberações de assembleia geral aplicam-se aos correspondentes órgãos dos diversos
tipos, salvo solução (interpretativa) diversa.
Resulta do disposto no art. 54º/1 a possibilidade de dois grandes tipos de procedimento, para
efeitos de deliberação social:
1) A deliberação em assembleia;
2) A deliberação por escrito.

O processo deliberativo

A deliberação exige uma coordenação entre diversas pessoas, Podemos falar num processo
deliberativo: um conjunto de atos concatenados para a obtenção de um fim: a própria deliberação.
A propósito das sociedades anónimas temos:
1) Uma convocatória cabal;
2) Uma reunião de assembleia, com presidência, secretariado, verificação de presenças e ata;
3) Uma ou mais propostas;
4) Um debate;
5) Uma votação, com escrutínio e proclamação do resultado;
6) A elaboração da ata.
A convocatória cabal dependerá das circunstâncias, do órgão e do tipo de sociedade em causa.
Ela deverá ser dirigida a todas as pessoas que tenham o direito de participar na assembleia,
indicando o local, a hora e a ordem de trabalhos. Deverá ainda ser assinada pela pessoa com
competência para a convocação. Nalguns casos, a convocatória deve ser publicada (377º/2),
podendo bastar-se com esse tipo de comunicação.
Posto isto, terá de decorrer uma reunião em termos ordeiros: mesa (presidência e secretariado),
verificação das presenças (pode, eventualmente, haver representações) e realizada a ata;
fundamental para provar qualquer deliberação em assembleia- art. 63º/1, 1º parte.
Na reunião em causa terão se surgir propostas, as quais cairão na matéria da ordem do dia:
apenas sobre propostas se poderá formar a aquiescência ou a rejeição dos sócios. Havendo
propostas, é normal abrir-se um debate. Aliás, é esse o momento por vezes indicado para pedidos
de informação (art. 290º). Todavia, o debate poderá ser dispensado.
Depois temos a votação: normalmente por maioria do capital representado. Poder-se-á, porém,
exigir alguma maioria qualificada ou, até, a unanimidade. A deliberação corresponderá à proposta
aprovada. A “aprovação com modificações” é, na realidade, a aprovação de uma proposta
modificada em relação a uma outra, inicialmente apresentada. Feita a votação, haverá que contar
os votos, com as necessárias adaptações: o voto é real: não pessoal; depende do capital detido ou
representado por cada votante (exceto, supletivamente, nas SNC- 190º/1). Finalmente, o resultado
é proclamado, constando da ata- 63º/1/1º parte.

Tipos de deliberações

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1. Deliberação em assembleia geral regularmente convocada: regras de cada tipo de


sociedade relativamente à convocatória para saber nulidades procedimentais. EX. SA-
375º- momento; 377º; conteúdo da convocatória- 377º/5
2. Deliberação em assembleia universal: art. 54º/1- trata-se de assembleias gerais que reúnam
ser observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos
manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado
assunto. A assembleia universal dispensa o esquema das convocatórias. Esta assembleia
não tem ordem do dia: só pode deliberar (ainda que por maioria) sobre assuntos que todos
os sócios tenham concordado pôr à apreciação do coletivo societário. Depois de montada
e em funcionamento, com o acordo de todos quanto à ordem do dia, ela pode funcionar
por simples maioria, nos termos gerais;
3. Deliberação unânime por escrito: a deliberação pode ser tomada por escrito,
independentemente da reunião dos sócios em assembleia. O art. 54º/1 admite este tipo de
procedimento, desde que haja aprovação por unanimidade. Há que fazer uma interpretação
atualista. Ex. reunião por teleconferência trata-se de uma verdadeira assembleia. Na
deliberação por escrito os sócios prescindem da troca de opiniões e de argumentos e da
obtenção de novas informações. Vão emitindo as vontades respetivas em separado e
podendo ocorrer lapsos de tempo relevantes entre eles;
4. Deliberação por voto escrito: não existe nas sociedades anónimas; só nas sociedades por
quotas e em nome coletivo. Art. 247º. Aprovadas pelo maioria dos votos emitidos 250º/3.

A ata

Noção e conteúdo mínimo

No processo tendente à tomada de deliberações, a ata assume um papel importante. Diz-se,


em geral, ata o documento de onde conste o relato, mais ou menos pormenorizado, do decurso de
uma reunião. Tratando-se de deliberações dos sócios, a ata reportar-se-á à assembleia. Art. 63º +
art. 388º (SA).

O art. 63º/2 regula o conteúdo mínimo da ata:


a) A identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião;
b) O nome do presidente e, se houver, dos secretários;
c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais,
quotas ou ações de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de
presenças, que deve ser anexa à ata;
d) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à ata;
e) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia;
f) O teor das deliberações tomadas;
g) Os resultados das votações;
h) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.
A ata é um documento escrito. É o que se infere dos próprios requisitos acima transcritos, da
exigência de assinaturas (63º/3) e de deverem “… ser lavradas no respetivo livro ou em folhas
soltas…”. A mera gravação ou vídeo da reunião não vale como ata. As atas devem ser lavradas

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“no respetivo livro” ou em folhas soltas (63º/4, 1º parte). Deve ser lavrada uma ata por reunião
(388º/1).
A ata deve ser assinada por todos os sócios que tomarem parte na assembleia (63º/3, 1º parte).
No caso das SE, onde isso não seria praticável, a ata é assinada pelo presidente da mesa e pelo
secretário (388º/2). Aos prevaricadores cabe, como pena, multa até 120 dias (521º). Quando algum
sócio, podendo assinar, o não faça, deve a sociedade notificá-lo judicialmente para que, em prazo
não inferior a 8 dias, assine; quando mantenha a negativa, a ata terá o valor probatório “comum”,
desde que esteja assinada pela maioria dos sócios que tomaram parte na assembleia, sem prejuízo
do direito dos que a não assinaram de invocarem, em juízo, a sua falsidade (63º/3). De acordo
com o 63º/8, nenhum sócio tem o dever de assinar atos que não estejam consignados no respetivo
livro ou nas folhas soltas, devidamente numeradas e rubricadas.

Forma solene e aprovação

As atas podem ser lavradas por notário, mais precisamente, através de instrumento avulso.
Assim sucederá, segundo o art. 63º/6 quando:
1) Quando a lei o determine;
2) Quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere;
3) Quando, em escrito dirigido à administração e entregue em sede social com 5 dias úteis de
antecedência, algum sócio o requeira, suportando, então, as despesas notariais
Permitindo a lei escolher a forma notarial da ata, a escolha cabe a quem presidir à reunião:
motu próprio ou a requerimento de alguns sócios; pode ainda a assembleia deliberar nesse sentido
(art. 63º/6).
Muitas vezes procede-se, na sessão seguinte à da reunião que lhe deu azo, à aprovação da ata.
O art. 388º/3, a propósito das SA, fixa uma norma que nos parece generalizável (MC): a
assembleia pode determinar que a ata seja submetida à sua aprovação, antes de assinada- para
contestação ou controlo de fidelidade do texto da ata.
Função: a ata tem uma função probatória forte- meio exclusivo de prova. O art. 63º/1 retoma,
efetivamente e em termos práticos, a jurisprudência tradicional, que retirava eficácia às
deliberações não reduzidas a atas.

Natureza

Numa assembleia de sócios podem participar muitas pessoas. Por vezes haverá diversas
opiniões, opiniões essas que poderão, ou não, implicar votos diferentes. Com frequência, pessoas
votam uma mesma proposta dando-lhe alcances diferentes. Por isso, torna-se difícil, perguntando
às pessoas, mesmo partindo do princípio de que são todas honestas e apenas dizem a verdade,
descobrir, afinal, o que se passou numa assembleia.
Passado algum tempo, as dificuldades aumentam: a memória humana é falaciosa e só retém
ou o que impressiona, ou o que convém. Tudo isto leva a que, no interesse dos participantes, se
deva fixar em documento oficial o que se discutiu e, sobretudo, o que se decidiu. A partir daí, só
vale o que constar do documento em causa.

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Em relação a terceiros, estes podem ter um interesse legítimo em conhecer o que foi
deliberado. Aí, só um sistema da ata ajuda, e a ata em questão terá de ter uma especial estabilidade:
quando não assim seja, o terceiro poderia ser surpreendido, em momento subsequente, por
alterações menos unânimes, introduzidas pelos sócios, em nome de uma verdade histórica que
não é, necessariamente, a verdade jurídica.
Estas considerações são suficientes para afastar escolhas de tipo mais solto, segundo as quais
a ata seria um mero documento particular, a apreciar livremente pelo juiz (PINTO FURTADO).
Por certo que o juiz pode ser convencido, por qualquer meio ponderoso, de que a ata é falsa. Mas
para tanto, haverá razões sérias e, sobretudo, tem de apurar-se, afinal, o que se passou na
assembleia questionada. Na dúvida, a ata prevalece.
E não havendo, de todo, ata? Nessa altura, a deliberação está incompleta. Embora a fase da
manifestação da vontade social se baste com a votação e o seu apuramento, ela tem de ser
formalizada e exteriorizada. Aí se mostra o papel da ata.
A lei admite atas sem os requisitos legais e, designadamente, as atas constantes de documentos
particulares avulsos (art. 63º/7). Estas atas, mesmo quando assinadas por todos os sócios que
participaram na assembleia, constituem (mero) princípio de prova.

Conclui-se, pois:
→ Que a ata visa completar a deliberação;
→ Que se trata de uma formalidade ad probationem: condiciona a prova da deliberação;
→ Que, na sua falta, a deliberação não é eficaz;
→ Que pode ser afastada por falsidade sem que, para o efeito, o Direito limite os meios de
prova.
A ata é, assim, uma formalidade destinada a completar o processo deliberativo. Faltando
requisitos legais, há que recorrer à lei, para verificar o seu valor.
Em certos casos, a lei dispensa a ata, pelo menos para determinados fins: segundo o art. 59º/4,
a proposição da ação de anulação não depende de apresentação da respetiva ata; mas se o sócio
invocar impossibilidade de a obter, o juiz mandará as pessoas que, nos termos da lei, a devam
assinar, para a apresentarem no tribunal, em prazo a fixar até 60 dias: a instância suspende-se até
essa apresentação.
Como se vê, o legislador pretendeu não bloquear a ação de anulação por falta de ata; todavia,
esta mantém o seu poder probatório especial, uma vez que o processo aguarda. E se não houver
ata ou, de todo, ela não for exibida? Aí o juiz deverá concluir que não houve deliberação,
decretando-o. Na falta de deliberação, não pode haver anulação. Este preceito é aplicável à ação
de nulidade: não se percebe porque não foi, antes, colocado no art. 60º.
Em discutível técnica, o legislador aproveitou para, a propósito da ação de anulação, fixar ou
recordar certos aspetos atinentes à ata: art. 59º/5 e 6. Assim:
o Para apresentação da ação em juízo, bastará que ela seja assinada por todos os sócios
votantes no sentido que fez vencimento (art. 63º/3);
o Tendo o voto sido secreto, considera-se que não votaram no sentido que fez vencimento
apenas aqueles sócios que, na própria assembleia, ou perante notário, nos cinco dias
seguintes à assembleia tenham feito consignar que votaram contra a deliberação tomada.
Esta regra é aplicável noutras situações.

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Finalmente, a deliberação constante de ata goza de proteção; declarada nula ou anulada a


competente deliberação, não pode a sentença prejudicar os direitos adquiridos de boa fé por
terceiros, com fundamento em atos praticados em execução da deliberação (art. 62º/2). A ata
registada goza ainda da proteção conferida pelo registo comercial: positiva e negativa.

Invalidades e ineficácia

A matéria das ineficácias das deliberações sociais encontra-se regulada nos arts. 55º a 62º
CSC. 3 vícios: ineficácia em sentido estrito, nulidade e anulabilidade. Regra é a anulabilidade-
art. 58º/1/a).
• Ineficácia em sentido estrito: deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exige
consentimento de um sócio, mas foi tomada sem a sua vontade expressa ou tácita- art.
55º. Porquê? Porque em questões que se prendem com por ex. direitos sociais dos sócios,
estes não podem ser derrogáveis sem o conhecimento do mesmo- art. 24º, 1, 5 e 6. Se se
prescindir do consentimento deste sócio, a deliberação não pode ter qualquer tipo de
consequências do ponto de vista jurídico. É ineficaz. Efeitos da deliberação ficam
paralisados até esse sócio dar o seu acordo, se der; por razões extrínsecas, não produzem
efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que se destinariam a comportar.
- Questão: no caso de direitos especiais dos sócios também se podia resolver a situação por
outras vias: nulidade pelo 56º/1/c); anulabilidade pelo 58º/1/a). No entanto, o art. 55º tem o efeito
de retirar as situações nele previstas do regime comum, sujeitando-as à ineficácia;
- A previsão do art. 55º visa, unicamente, “… as deliberações tomadas sobre assunto para o
qual a lei exija o consentimento de determinado sócio…”. Não permite, todavia, inferir que existe
ineficácia (stricto sensu) apenas nesse caso. As regras gerais facultam, efetivamente, encontrar
outras situações de ineficácia, no campo das deliberações sociais. Ex. deliberações (ainda) não
reduzidas a ata: serão válidas, mas ineficazes, até que isso opere. O mesmo se poderá dizer das
deliberações sujeitas a registo comercial, enquanto não se mostrarem inscritas.

• Nulidade: observa-se o princípio da tipicidade. Nulidade nos casos previstos do art. 56º
(elenco taxativo). Existem 2 tipos de nulidades: nulidades procedimentais e nulidades
substanciais
- Nulidades procedimentais- a) e b)- deliberações surgidas no termo de processos em que
não foram observadas formalidades essenciais. A alínea a) explicita a assembleia geral não
convocada, salvo se tiverem estado presentes ou representados todos os sócios e a alínea b) o
equivalente vício, na hipótese de voto escrito. O que ocorre nas situações em que não está presente
um sócio, mas é certo que se ele estivesse não tinha alterado o sentido da deliberação? Mesmo
então, esta é nula segundo Menezes Cordeiro: trata-se da necessidade de respeitar um ritual
legitimador, sem o qual todo o edifício societário ficaria descaracterizado. O art. 56º/2 manda
aplicar o mesmo regime à assembleia em cuja base estejam determinados vícios da convocatória.
Sanáveis de acordo com o 56º/3.

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- Nulidades substanciais (ou de conteúdo) - c) e d)- existem à volta destas alíneas


discussões doutrinárias:

o Alínea c)
Deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberações dos sócios- a
este propósito, a doutrina pondera 2 teorias: teoria da incompetência e teoria da
impossibilidade.
Teoria da incompetência- o art. 56º/1 invalidaria atos estranhos à competência da
assembleia geral e ainda atos que interfiram com terceiros- opinião de Lobo Xavier, Raúl ventura,
Pedro Maia.
Contra isto e bem, na opinião de Menezes Cordeiro, pronuncia-se Pinto Furtado referindo
que a mera inobservância de regras internas não poderia ser tão grave que justifique a nulidade;
além disso, quando prejudicados terceiros ou quando atingidas reservas legais de competência,
cair-se-ia seja na ineficácia, seja na alínea d). Assim, o autor Pinto Furtado apresenta a teoria da
impossibilidade física: visa reconstruir, no quadro das nulidades das deliberações, o art. 280º CC.
Críticas (na opinião do prof. MC são menores do que as que se poderiam apontar à teoria da
incompetência):
1. Cinde as impossibilidades física e legal: ambas se integram, de facto, numa
área unitária redutível à conformação legal;
2. Causa embaraços, perante a figura da impossibilidade superveniente: uma
deliberação hoje válida pode ser amanhã nula e revalidar-se a seguir?
Inversamente: a deliberação nula pode validar-se se uma ocorrência
impensável a viabilizar?
3. Rema contra a atual corrente jurídico-civil: a possibilidade deixou de ser
requisito de validade da obrigação

Mas sobre tudo isto paira uma objeção mais societária: uma deliberação cujo conteúdo não
esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios não pode ser, simplesmente, uma deliberação
de conteúdo fisicamente impossível: isso atingiria todo e qualquer ato e não, somente, as
deliberações. A natureza reporta-se à índole do conteúdo questionado e não à bitola da
admissibilidade.
Feita esta precisão, pergunta-se: o que é que, sendo lícito e possível – quando não, funciona
a al. d) – não pode, todavia, e pela sua natureza, surgir como conteúdo de uma deliberação social?
De momento, só vemos uma resposta: o que, pelo seu teor, não caiba na capacidade da pessoa
coletiva considerada. Os próprios negócios celebrados fora da capacidade natural ou legal da
sociedade serão nulos, por impossibilidade legal ou por ilicitude. As deliberações que lhes estejam
na origem são-no, igualmente, por via do art. 56º/1 c).

o Alínea d)
1º parte do alínea d): reporta-se ao art. 280º/2 CC- bons costumes abrangem regras de
conduta familiar e sexual e ainda códigos deontológicos próprios de certos setores. Ex.

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distribuição de lucros- vender a uma irmã de um sócio; distingue-se bons costumes de ordem
pública- violação de princípios injuntivos gerais deverá confrontar-se com a 2º parte do 56º/1/d).
Assim, incorre na previsão da nulidade por atentado aos bons costumes, qualquer deliberação
social que: assuma um conteúdo sexual ou venha bulir com relações reservadas ao Direito da
família; atente contra deontologias profissionais: por exemplo, assembleias de sociedades de
advogados, de médicos ou de jornalistas que deliberem em sentido contrário ao do sigilo
profissional.
A jurisprudência portuguesa, mau grado a confusão de conceitos que advém da doutrina,
tem vindo, mesmo sem o assumir, a detetar uma deontologia comercial que deve presidir às
deliberações sociais, sob pena de nulidade. Assim:
a) É ofensiva dos bons costumes a deliberação de distribuir lucros por dois fundos e uma
conta nova, prosseguindo há vinte e cinco anos com uma prática de não distribuir lucros
aos sócios (STJ, 7 janeiro 1993);
b) Idem quanto à deliberação unânime de vender a uma irmã de um sócio o único imóvel da
sociedade por um preço muito inferior ao valor real (RPt 13 abril 1999- Afonso Correia);
c) Idem quanto à deliberação de trespassar um estabelecimento e vender terrenos por menos
de metade do seu valor real: «não realiza o fim social, choca o senso comum de justiça e
briga pois com a consciência social, mesmo quando considerada apenas no âmbito mais
restrito da ética dos negócios» (STJ 15 dezembro 2005).
2º parte da alínea d)- conteúdo contrário a preceitos inderrogáveis. O Direito das
sociedades é direito privado logo é tendencialmente supletivo: visa ocupar-se das matérias que os
interessados não quiseram regular diferentemente. Assim, não há nulidade por atentado à lei,
quando esta não seja imperativa. A natureza imperativa de um dispositivo pode impor-se
explicitamente ou implicitamente. No primeiro caso, o próprio preceito em jogo dirá “salvo
cláusula em contrário” (supletivo) ou “mau grado cláusula em contrário” (injuntivo), ou
expressões equivalentes. No segundo, o preceito é mudo, devendo ser dilucidado com recurso a
regras exógenas
O que é imperativo em sociedades comerciais? Ex. aquilo que é tentar contra o 31º/1;
normas que visem proteger interesses dos terceiros- ex. art. 25º relativamente ao valor nominal da
entrada- se violarmos isto e houver deliberação neste sentido é nulo; ou que viole o interesse dos
sócios e interesses da sociedade- 27º/2- violação de qualquer norma imperativa efetuada por
intermedio. O que não pode ser afastado.
Existe uma regra imperativa, segundo Menezes Cordeiro, quando:
→ integre a ordem pública: composta por vetores constituintes do sistema considerado e,
como tais, inderrogáveis. Além da ordem pública geral está aqui em jogo a ordem jurídica
societária, que integra, entre outros, os elementos necessários do contrato e os factos
integrativos dos tipos de sociedades.
→ concretize princípios injuntivos: desenvolvem-se em normas elas próprias injuntivas.
Podem naturalmente ser princípios societários: o voto não é dispensável nas SNC (190º/1),
em aplicação do princípio do art. 21º/1/b);
→ Institua ou defenda posições de terceiros: não podem, por fim, ser atingidas por
deliberações sociais. No limite, tal decorreria dos arts. 13º/1 e 62º/1 CRP.
A jurisprudência confirma as asserções acima produzidas, ainda que recorrendo, em certos
casos, a outras terminologias.

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Contrariedade indireta: Art. 56º/1/d) prevê ainda, quer em relação ao atentado aos bons
costumes, quer perante a violação de norma injuntiva, a hipótese de tal suceder em termos
indiretos. Usa a perífrase de a prevaricação ocorrer “por atos de outros órgãos que determine ou
permita”. Em bom rigor, porém, a deliberação que determine ou que permita que outro órgão
atente contra os bons costumes ou viole normas injuntivas é diretamente nula, nos mesmos e
precisos termos em que o seria a congénere mais frontal. Aliás: a deliberação, salvo quando
potestativa, não passa de uma abstração exarada em ata: os seus eventuais malefícios manifestar-
se-ão, mais tarde, a propósito da execução.
Tem interesse atentar no art. 58º/2: contém, fora do contexto, uma importante regra sobre
nulidades. Pode acontecer que um contrato de sociedade reproduza – particularmente nos estatutos
– regras legais injuntivas. Quando isso suceda, considera-se que, havendo violação, tais regras são
diretamente violadas e não (apenas), as contratuais. Com a consequência de se aplicar a nulidade
e não, como decorreria do final do art. 58º/1 a), a mera anulabilidade.
Consequências
A nulidade de uma deliberação pode ser invocada a todo o tempo e por qualquer
interessado (art. 286º CC, em termos confirmados pelo art. 59º/1 e 2 a contrario). Assim, ela faz
pairar grave incerteza sobre a sociedade, o que explica as restrições legais e o facto de, por defeito,
prevalecer a anulabilidade (art. 58º/1 a)).
Perante deliberações nulas, o art. 57º faculta a iniciativa do órgão de fiscalização. Em
síntese:
1- O órgão de fiscalização deve dar a conhecer aos sócios, em assembleia geral, a nulidade
de qualquer deliberação, para eles a renovarem, sendo possível, ou para promoverem a
declaração judicial respetiva (nº 1);
2- Se eles não a renovarem ou se a sociedade não for citada para a ação de nulidade no prazo
de dois meses, deve o órgão de fiscalização promover sem demora a declaração judicial
de nulidade em causa (nº 2);
3- O órgão de fiscalização deve então propor ao tribunal a nomeação de um sócio para
representar a sociedade (nº 3);
4- Nas sociedades sem órgãos de fiscalização, cabe o poder referido a qualquer gerente (nº
4).
O elenco das nulidades é taxativo- o que se discute é os conceitos indeterminados, não as
causas de nulidade.
Importa referir a natureza sanável das nulidades procedimentais e não das nulidades de
conteúdo. A sanação opera quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na
deliberação escrita deem, por escrito, o seu assentimento à deliberação – 56º/3. No vício de
substância, a sanação não é possível- haverá que repetir a deliberação, sem o vício de conteúdo
que a aflija, o que se retira do art. 62º/1 a contrario.

• Anulabilidade: o art. 58º/1/a) traduz a cláusula geral da invalidade das deliberações


sociais: havendo violação da lei- quando não caiba na nulidade- as deliberações em falta
são anuláveis. Sanção regra do regime de invalidades na matéria de deliberações. Porquê?
Princípio do aproveitamento do negócio jurídico. Se tudo fosse nulo qualquer interessado
podia invocar nulidade a todo o tempo e muitas deliberações iam ser impugnadas. Fazem
parte dos casos de anulabilidade:

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o Deliberações anti legais e anti estatutárias: o art. 58º/1/a) move-se entre dois
valores, aparentemente contraditórios: a necessidade de segurança jurídica, que
leva a restringir quanto possível a invalidade das deliberações sociais e a justiça,
que permite aos sócios vítimas de ilegalidade perpetradas pela AG fazer valer as
suas posições.
Vícios de forma: tratando-se de vícios de forma ou de omissão de formalidades, haverá
que seguir o art. 56º/1: as hipóteses neste inseridas geram nulidade; todas as outras, mera
anulabilidade. Exemplos de vícios de forma capazes de induzir anulabilidade: a convocação sem
a antecedência conveniente; a violação de normas imperativas de (mero) procedimento: tal o caso
do aumento de capital votado sem atingir a maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital
social; a convocação da assembleia por aviso postal, quando era exigível a publicação do
competente aviso no Diário da República, conduz a anulabilidade por ser vício meramente formal;
a falta, na convocatória, de referência à destituição do gerente, a qual ocorreu de modo não
unânime.
Vícios de substância: a nulidade das deliberações sociais ocorre sempre que elas defrontem
normas jurídicas injuntivas. Logicamente: haverá anulabilidade quando as normas atingidas sejam
dispositivas ou supletivas. “Supletividade” significa que a norma pode ser afastada pelo contrato
de sociedade: não por mera deliberação dos sócios, como expressamente resulta do art. 9º/3. A
referência a “lei” deve ser entendida em termos amplos: violação do Direito. Fica incluída a norma
legal expressa, o princípio, o conceito indeterminado e o Direito consuetudinário. Entre os
princípios societários cuja violação pode gerar anulabilidade temos, quando eficazes, o do igual
tratamento e o da lealdade. Entre nós, eles operam como manifestação da boa fé. O abuso de
direito, quando não seja consumido pelo art. 58º/1/b), pode ser sancionado através da alínea a) do
mesmo preceito Exemplos de anulabilidade por violação do conteúdo não imperativo dos
preceitos: a deliberação que, alterando os estatutos, crie direitos especiais dos sócios, sem ser por
unanimidade, é anulável; a deliberação respeitante à não distribuição dos lucros é, também,
anulável.
Violação dos estatutos: o art. 58º/1/a), in fine, prevê a anulabilidade pela violação do
contrato de sociedade; em regra: dos estatutos. Quando a “violação” seja decidida por
unanimidade, nenhum dos sócios a poderá impugnar, devendo-se então entender que o órgão de
fiscalização também não o pode fazer. Salvo a inoponibilidade eventualmente consubstanciada
perante terceiros, deverá então entender-se que os estatutos foram modificados, de modo informal,
pela unanimidade dos sócios. Só assim não será quando se defronte uma norma imperativa, altura
em que se seguirá a nulidade ex art. 56º/1/d), 2º parte.
A justificação para a invalidade é clara: tendo-se os sócios vinculado a determinado pacto,
não podem desviar-se dele a não ser em termos previstos nele próprio ou na lei. Salvo
unanimidade, a deliberação está em falta. Todavia, não há, pela lógica societária, razões para a
nulidade, uma vez que não se jogam regras injuntivas. As violações insignificantes não são causa
de anulabilidade. E não são causas de anulabilidade simples violações de acordos parassociais: a
sua eficácia é meramente obrigacional.
Ainda no tocante à violação dos estatutos, temos como exemplos de anulabilidade: a
omissão do envio de uma carta registada para convocar a AG- formalidade não essencial exigida

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pelos estatutos; a convocação de uma assembleia com acatamento das exigências diretamente
impostas por lei, mas omitindo-se as complementares decorrentes dos estatutos.

o Deliberações abusivas: 58º/b). Este artigo origina divergência jurisprudencial e


doutrinária. O que é essencial- este artigo traduz 2 situações fundamenais:
deliberações abusivas stricto sensu e deliberações emulativas
→ Deliberações abusivas stricto sensu- o que se pretende é atingir uma
vantagem especial, um proveito patrimonial por deliberação e por
consequência prejudico a sociedade e aos demais sócios. Traduzem uma
atuação fora da permissão jurídica em jogo. Não se trata de abuso de
direito mas, simplesmente, de falta de direito;
→ Deliberações emulativas- exercício do direito de voto pré ordenado a
causar prejuízos a sociedade. Eu uso a deliberação com o intuito de
prejudicar, já não de obter uma vantagem especial.
Estes tipos têm em comum o pressuposto subjetivo e o propósito objetivo- visa atingir um
determinado propósito, tenho um objetivo. Diferença: na primeira a intenção do sócio é atingir
uma vantagem social; outra- dano na esfera jurídica da sociedade ou outros sócios que não
votaram.
Os votos abusivos não provocam, apenas, a anulabilidade das deliberações que propiciem.
Elas obrigam, ainda, a indemnizar a sociedade e os outros sócios, pelos prejuízos que causem. O
art. 58º/3 prescreve, nessa altura, a solidariedade entre os votantes em abuso.

o Art. 58º/1/c): considera anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas
do fornecimento, ao sócio, de elementos mínimos de informação. O art. 58º/4
explicita os “elementos mínimos de informação”. São eles:
→ as menções do art. 377º/8; este preceito tem a ver com o aviso convocatório
de assembleias em sociedades anónimos, sendo aplicável às sociedades por
quotas, nos termos do art. 248º/1;
→ a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o
tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.
Em rigor, a violação das regras sobre informação prévia tem a ver com a inobservância
das normas de processo, caindo no art. 58º/1/a) do CSC.
Exemplos de jurisprudência: é anulável a deliberação destitutiva de gerente quando essa
eventualidade não conste da convocatória; é anulável a deliberação que aprove o relatório de
gestão da sociedade que não contenha todas as informações e a declaração de conformidade,
exigidas pelos arts. 65º e 66º.
O Prof. Menezes Cordeiro inclui neste elenco, situações de inobservância do direito à
informação que não se enquadrem, precisamente, no art. 58º/1/c) e 58º/4. Em rigor, elas cairiam
na alínea a) do nº1 desse preceito. Todavia, parece razoável proceder a uma unificação sistemática
da matéria.

A ação de anulação

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→ Legitimidade

Art. 59º CSC: regula os aspetos relativos à ação de anulação. A legitimidade para a ação
de anulação é conferida- 59º/1:
→ Ao órgão de fiscalização: a intervenção do órgão de fiscalização em questões de mera
anulabilidade obrigaria a repensar dogmaticamente este instituto: já não se trataria da
concessão ao sócio de um direito potestativo de impugnar a deliberação, mas antes de algo
mais profundo. O preceito deve assim ser entendido em termos restritivos: se todos os
sócios aprovarem uma deliberação anulável ou se o sócio prejudicado vier confirmá-la,
como explicar uma impugnação deduzida pelo órgão de fiscalização? A atuação do órgão
de fiscalização só se admite, mesmo perante a lei em vigor, quando a deliberação não tenha
sido integralmente adotada ou confirmada. Para além disso, há aqui um erro legislativo: a
anulabilidade fica na disponibilidade dos sócios, não se entendendo a concessão, aos
fiscalizadores, de poderes funcionais nesse domínio.
→ A qualquer sócio que não tenha votado no sentido do vencimento nem, posteriormente,
tenha aprovado a deliberação expressa ou tacitamente: surge de modo a prevenir o venire
contra factum proprium. O art. 59º/6 ocupa-se, a tal propósito, do voto secreto. Sendo esse
o caso, considera-se que não votaram no sentido que fez vencimento apenas aqueles sócios
que, na própria assembleia ou perante notário, nos 5 dias seguintes à assembleia, tenham
feito consignar que votaram contra a deliberação tomada. Quer isso dizer que, havendo
voto secreto, a deliberação tornar-se-á inimpugnável, se não tiver sido, por algum sócio,
seguido este procedimento. Ex. o sócio ofendido só tem legitimidade para questionar certa
deliberação na parte em que esta lhe não atribua os lucros que lhe caberiam: não toda a
deliberação.

→ Prazo
O prazo para intentar a ação de anulação é de 30 dias contados- art. 59º/2:
1) Da data em que foi encerrada a Assembleia Geral;
2) Do 3º dia subsequente à data do envio da ata da deliberação por voto escrito;
3) Da data em que o sócio tenha tido conhecimento da deliberação, se esta incidir
sobre assunto que não constava da convocatória.

A assembleia geral pode sofrer interrupções, desdobrando-se em várias sessões. Durando


a interrupção mais de quinze dias, permite o art. 59º/3 que a ação de anulação de deliberação
anterior à interrupção seja proposta nos 30 dias seguintes àquele em que ela tinha sido tomada.
Trata-se, porém, de uma possibilidade que fica na mão do interessado: este pode escolher deixar
seguir a assembleia até ao fim, antes de intentar a ação – poderá, assim, colher novos elementos
e fundamentar com mais eficácia a sua pretensão.

Na contagem dos prazos, há que ter o maior cuidado, evitando proposituras de última hora.
Eis algumas pretensões jurisprudenciais:

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→ O prazo de trinta dias tem natureza substantiva, aplicando-se-lhe, segundo o art. 298º/2
CC, o regime da caducidade (RPt 10 dezembro 1992);
→ Havendo irregularidades na convocatória, por aplicação analógica do art. 59º/2 c), o prazo
conta-se a partir do momento em que o sócio teve conhecimento da deliberação (STJ 18
novembro 1997);
→ A prova de já ter decorrido o prazo dos 3 dias incumbe à sociedade ré (RCb 29 setembro
1998);
→ O direito de pedir a suspensão da deliberação não se confunde com o de pedir a sua
anulação: as caducidades respetivas são diferentes (STJ 23 abril 2002).
Consequência importante da natureza do prazo de 30 dias é o facto de ele só ser impedido
pela prática tempestiva do ato em jogo, isto é: pela interposição da ação de anulação. Assim, a
simples interposição de um procedimento cautelar de suspensão de deliberação social não impede
o decurso de prazo do art. 59º/2 (STJ 11 março 1999). E se tal decurso se consumar, o próprio
procedimento cautelar irá naufragar por inutilidade superveniente da lide.

Disposições comuns à nulidade e à anulabilidade

→ Legitimidade

Arts. 60º, mas também 61º e 62º CSC.

O art. 60º/1 determina que tanto a ação de nulidade como a de anulação sejam propostas
contra a sociedade. Quer isto dizer que qualquer sociedade corre o risco, só por o ser, de ser
demandada em ações relativas às deliberações tomadas pelos seus sócios. Pergunta-se se as ações
de ineficácia ou de inexistência de deliberações sociais também são intentadas contra a sociedade.
A resposta é positiva, por interpretação extensiva ou por aplicação analógica do preceito em causa,
mas isso- naturalmente, na medida em que faça sentido admitir tais ações. A ineficácia paralisa a
deliberação: não tem de ser declarada. Se houver interesse em fazê-lo, a ação será meramente
declarativa. Quanto à inexistência: não deve ser considerada um vício autónomo. Assim, perante
a “ausência” de certa deliberação, só faria sentido uma ação de simples apreciação negativa.
Fatalmente: contra a própria sociedade.
Em qualquer dos casos impugnam-se deliberações e não (simples) votações. O voto, só
por si, não representa uma posição da sociedade. Além disso, não tem relevância (societária)
quando desinserido da deliberação que origine. O “vício” do voto comunica-se à deliberação,
quando se enquadre nas previsões de nulidade ou de anulabilidade.

→ Apensão e iniciativa do órgão de fiscalização

Pode acontecer que, perante uma deliberação social especialmente controversa surjam
diversas ações de invalidade. Por razões de racionalização processual e visando prevenir soluções
judiciais díspares, o art. 60º/2 determina a sua apensação.
As ações podem ser propostas pelo órgão de fiscalização ou, na sua falta, por qualquer
gerente (art. 57º/2). Explicam os tribunais que neste âmbito, o conselho fiscal tem personalidade

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judiciária para intentar ações, mas não para pedir a confirmação da sua validade. Tais ações podem
dar lugar a encargos. Tais encargos são suportados pela sociedade, mesmo que as ações sejam
julgadas improcedentes (art. 60º/3). Por aplicação dos princípios gerais, assim não deverá ser
quando haja condenação por litigância de má fé ou quando se verifique abuso do direito de ação.

→ Ações abusivas

As ações de anulação ou de declaração de nulidade de uma deliberação social podem ser


abusivas. Assim sucederá, nos termos gerais quando, por defrontar a confiança ou a materialidade
subjacente, elas se apresentem contrárias à boa-fé. A jurisprudência tem sancionado ocorrências
desse tipo. Ex. foi omitida, indevidamente, a exibição de determinados documentos, antes da AG;
todavia, verificou-se que o sócio impugnante exercera plenamente o seu direito à informação: a
sua pretensão é abusiva: contraria a materialidade subjacente.
Além das situações de abuso, podemos ainda computar as hipóteses de condenação do seu
autor como litigante de má-fé e de ele incorrer em responsabilidade civil por culpa in petendo.
Ambas as eventualidades devem ser reconduzidas aos princípios gerais que norteiam esses
institutos.

→ Eficácia do caso julgado

O art. 61º fixa a eficácia do caso julgado que se forme em ação de declaração de nulidade
ou de anulação da deliberação social. O nº1 reporta-se à eficácia interna; o nº2 à externa.
Pergunta-se se o juiz tem jurisdição de mérito ou apenas de legalidade. À partida, a
jurisdição será de mera legalidade. Desde logo porque o juiz apenas pode invalidar deliberações,
não as pode substituir por outros mais “oportunas”. Todavia, o juiz poderá ter de concretizar
conceitos indeterminados. Assim sucederá em três eventualidades: na de a própria ação de
invalidade ser abusiva; na de se jogar a violação da boa fé; na de estarem em causa votos abusivos.
Em suma: temos um contencioso de legalidade, mas no qual o mérito pode fazer a sua aparição.

• Eficácia interna: art. 61º/1- a sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é
eficaz contra e a favor de todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham
sido parte ou não tenham intervindo na ação. Duas delimitações: o caso julgado assim
formado não opera quando a causa de invalidação seja diversa; todavia, isso funciona para
causas de pedir diferentes e não para fundamentações distintas, uma vez que estas não são
cobertas pelo caso julgado.

• Eficácia externa: as sociedades constituem pessoas coletivas autónomas. Opõem-se, só


por si, erga omnes. As suas deliberações tendem, também, a contundir com terceiros.
Donde a necessidade de, aos casos julgados que se formem nesse âmbito, atribuir eficácia
perante terceiros ou eficácia externa. Art. 61º/1: “a declaração de nulidade ou a anulação
não prejudica os direitos adquiridos de boa fé por terceiros, com fundamento em atos
praticados em execução da deliberação; o conhecimento da nulidade ou da anulabilidade
exclui a boa fé”. O preceito visa tutelar a confiança de terceiros. As ações de declaração
de nulidade ou de anulação de deliberações sociais estão sujeitas a registo comercial- art.

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9º/e), do CRCom. Mas o registo da ação não impede a boa fé de terceiros. Falamos aqui
de boa fé na sua dimensão ética- ignorância desculpável.

A renovação de deliberações

→ Generalidades; a deliberação nula

O Direito das sociedades revela uma acentuada preocupação com as perturbações que a
pendência de ações de invalidade de deliberações sempre representa para os entes coletivos. A
essa luz, compreende-se o papel proeminente dado à anulabilidade e o estabelecimento de um
prazo curto para a sua propositura: 30 dias. Todavia: uma vez intentada, a ação de invalidação
poderá pender durante anos, com tudo o que isso representa de incerteza e de publicidade negativa
para a sociedade e os seus sócios.
O problema tem uma saída através da renovação da deliberação inválida, renovação essa
que poderá operar ad cautelam: afirmada a presença de certo vício e independentemente de se
aceitar tal asserção, poder-se-ia retomar a deliberação sem o ponto questionado.
A primeira previsão do art. 62º é a de uma deliberação nula por força do art. 56º/1 a) ou
b), isto é, inquinada por vício de procedimento grave. Compreende-se que possa ser tomada uma
segunda deliberação com o mesmo conteúdo, mas que corrija o óbice antes verificado. A essa
deliberação pode a assembleia atribuir eficácia retroativa, ressalvados os direitos de terceiros. Fica
claro que não se trata de uma convalidação ou de uma sanação da primeira deliberação; antes
ocorre uma segunda e própria deliberação, que visa produzir os mesmos efeitos jurídicos da
anterior, mas agora sem a pendência da invalidação.
A contrario sensu, não é possível renovar deliberações nulas por força do art. 56º/1 c) e
d): desta feita, o vício é substantivo; nova deliberação, para ser válida, teria forçosamente de ser
diferente da anterior.

→ A deliberação anulável

O art. 60º/2 prevê que: “a anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação
anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente”.
Assim, não se distinguem vícios formais e vícios substantivos. No entanto, há uma lógica
subjacente irrecusável: uma verdadeira renovação postula que a segunda deliberação tenha um
conteúdo idêntico ao da primeira, sob pena de lidarmos com algo de distinto, que se suceda no
tempo.
Ora um conteúdo idêntico e sem vícios só será compaginável com problemas de ordem
formal. Todavia, a indistinção da lei pode ser proveitosa: pode haver vícios substanciais que, em
nova deliberação, não mais possam ser invocados; basta, para tanto, a aprovação unânime dos
sócios.
Também aqui se pode atribuir eficácia retroativa, como se extrai da 2.ª parte do art. 62º/2,
que permite ao sócio, que nisso tenha um interesse atendível, obter a anulação da primeira
deliberação, relativamente ao período anterior ao da deliberação renovatória. A retroatividade já

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não será aplicável quando estejam em causa institutos de Direito Civil, como, por exemplo, uma
assembleia de condóminos.
O art. 62º/3 permite que a sociedade, ré numa ação de impugnação, requeira ao tribunal
um prazo para renovar a deliberação. O prazo a requerer deve ser razoável; todavia, o tribunal só
o concederá quando a deliberação em jogo for renovável. Encontramos, aqui, um novo elemento
de favor societatis.

A administração das sociedades

Gestão e representação

→ A administração como cerne do Direito das sociedades

As sociedades correspondem a um modo coletivo de funcionamento do Direito. Não se


tratam de uma pessoa humana, mas têm personalidade jurídica.
Em termos societários, a administração traduz:

1) Administração subjetiva: conjunto de pessoas que têm a seu cargo a função de administrar
uma sociedade; em certos casos poderá tratar-se de uma pessoa singular única
2) Administração objetiva: o ato ou o efeito de administrar essa mesma sociedade.

O que façam ou deixem de fazer as sociedades, nas mais diversas circunstâncias, lícita ou
ilicitamente, é obra dos administradores. O papel da administração das sociedades assume uma
dimensão considerável. Mas há que opor limites. Assim, as regras destinas às sociedades são, no
fundo, comandos dirigidos às administrações. As decisões societárias mais relevantes são-no dos
administradores. As sociedades sustentam e controlam a vida social e económica de Estados
industriais e pós-industriais.
A administração das sociedades constitui o cerne do Direito das Sociedades.

→ O problema dos interesses

Questão importante é a de saber se o administrador está ao serviço dos sócios ou da


sociedade ou, se se quiser: que interesses segue ou deve seguir. Deixaremos de parte as hipóteses
de, formalmente, o administrador estar ao seu próprio serviço ou de terceiros. É evidente que o
está- ou pode estar; todavia, quando tais atuações conflituem com normas destinadas à defesa da
sociedade ou dos sócios, estas prevalecem. Esta discussão entronca, com facilidade, numa outra:
a de saber se há interesses próprios da sociedade e se tais interesses são distintos dos dos sócios.

Em sentido subjetivo: o interesse traduz uma relação de apetência entre o sujeito


considerado e as realidades que ele entenda aptas para satisfazer as suas necessidades ou os seus
desejos.

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Em sentido objetivo: o interesse traduz a relação entre o sujeito com necessidades e os


bens aptos a satisfazê-las.
Estes conceitos são diferentes. Para um jogador compulsivo, o interesse (subjetivo) será o
de encontrar um casino onde passar a noite; em termos objetivos, o seu interesse seria ir para casa
descansar, com vista ao trabalho no dia seguinte. Eis o problema: se releva o interesse subjetivo,
caberá ao próprio “interessado” defini-lo; o Direito apenas fixará limites às atuações resultantes
das opções que ele faça. Se predominar o interesse objetivo, terá de haver alguém exterior que o
defina. Tal definição não poderá ser arbitrária- ou saímos do Direito: a explicitação do interesse
objetivo deverá ser feita por normas de conduta, dirigidas ao sujeito. No exemplo do jogador: é
proibida a permanência de jogadores compulsivos nos casinos, depois da meia-noite.

À pergunta: quem define os interesses?, Heck (que aprofundou este termo) só poderia
responder: ou o próprio, se estivermos em área de permissão ou o Direito, se assim não suceder.
A partir daqui, os “interesses” heckianos facultam uma interpretação melhorada de algumas
fontes, obrigando a, para além dos conceitos, indagar a teleologia das normas e as valorações
subjacentes. Agora o “interesse”, só por si e sem regras que o definam e mandem prosseguir, surge
como arrimo linguístico nada inovador e juridicamente inoperacional.

Algumas leis, incluindo o CC, utilizam o termo “interesse”. Aí, teremos de lhe atribuir um
sentido útil. Por exclusão, não está em causa o interesse subjetivo: este pode ser qualquer um,
conforme as pessoas, pelo que não tem operacionalidade dogmática. Queda uma saída objetiva,
sendo de eleger uma fórmula que possa ser usada pelo Direito. O Prof. Menezes Cordeiro, acolhe
a noção desenvolvida por Mota Pinto: uma realidade protegida por normas jurídicas as quais,
quando violadas, dão azo a um dano. Quando a Lei refira “interesses”, remete o intérprete-
aplicador para realidades juridicamente relevantes e que tenham a tutela jurídica. Mais
precisamente, ela visualiza: ou o conteúdo de um direito subjetivo ou a área acautelada por normas
de proteção. Com esta via, consegue-se aproveitar a remissão legal para interesses.

→ Ao serviço: dos sócios, da sociedade ou de terceiros?

O administrador serve os “interesses” da sociedade ou os sócios? Admitamos que sejam


os da sociedade: em sentido subjetivo, esses interesses terão de ser selecionados dentro dos órgãos
sociais, o que acabará por descambar na decisão dos sócios; em sentido objetivo, tais interesses
seriam escalonados pelo tribunal, de acordo com regras jurídicas; tais regras teriam de ser claras,
estritas e constitucionais, já que elas viriam cercear a livre iniciativa dos sócios. Admitindo agora
que o administrador sirva os “interesses” dos sócios: em sentido subjetivo, a sua definição caber-
lhes-ia; em sentido objetivo, surgem as tais regras injuntivas que se fundirão com as que definem
o “interesse objetivo” da própria sociedade. Confirma-se, assim, o círculo: no que a lei permita,
cabe aos sócios definir os “interesses” da sociedade e os seus próprios; fora isso, funcionará o
Direito objetivo. O problema resolve-se com a noção jurídica de interesse: o administrador deve
respeitar as posições protegidas pelo Direito (interesses); quer dos sócios, quer da sociedade.
A referência aos “interesses” da sociedade encobre uma outra questão e de maior
importância: deve o administrador atender, em cada momento, às indicações dos sócios ou, pelo
contrário, caber-lhe-á decidir com vista ao médio e ao longo prazo, de tal modo que o interesse

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objetivo da sociedade e dos sócios, definido na base do lucro, do crescimento ou do êxito


empresariais, prevaleça sobre quaisquer outas bitolas? A lei dá grande margem aos
administradores, particularmente no campo das sociedades anónimas: veja-se o art. 373º/3, que
veda à assembleia geral a interferência na gestão da sociedade, salvo se por iniciativa dos próprios
administradores. Tal margem destina-se, justamente, a permitir, aos administradores, pensarem
no tal médio e no longo prazo.
Isto dito, recoloca-se o tema: médio e longo prazo tendo em vista as vantagens sociais ou
as dos sócios? A sociedade é sempre um regime jurídico. Ela não sofre nem ri: apenas o ser
humano o pode fazer. Separar a sociedade dos sócios é má escolha. O administrador servirá, pois,
os sócios. Mas não enquanto pessoas singulares: antes enquanto partes que puseram a gestão dos
seus valores num modo coletivo de tutela e de proteção. Assim, podemos dizer que: os
administradores servem a sociedade, na qual os sócios têm um papel importante, mas não
exclusivo. E as vantagens dos sócios são prosseguidas em modo coletivo, o que é dizer: de acordo
com as regras societárias aplicáveis.

O art. 64º/1/b), que determina atender aos interesses da sociedade, dos sócios, dos
trabalhadores, dos clientes e dos credores, manda, no fundo, respeitar as regras que tutelam as
inerentes posições. Nem de outro modo poderia ser, pois os conflitos de “interesses” entre essas
entidades são tais que nenhum administrador poderia decidir fosse o que fosse.

→ Os poderes de gestão e de representação

Em termos jurídicos, os administradores têm dois poderes, de conteúdo muito vasto:

1) O poder de gerir ou de administrar;


2) O poder de representar.
O código não considerou esta matéria na parte geral. Recorrendo aos diversos tipos
societários, encontramos:
 Nas sociedades em nome coletivo, a administração e a representação da sociedade
competem aos gerentes- art. 192º/1;
 Nas sociedades por quotas, a sociedade é administradora e representada por um ou mais
gerentes- art. 252º/1;
 Nas sociedades anónimas de tipo latino, compete ao conselho de administração gerir as
atividades da sociedade e o conselho de administração tem exclusivos e plenos poderes de
representação da sociedade- art. 405º/1 e 2;
 Nas sociedades anónimas de tipo germânico, compete ao conselho de administração
executivo gerir as atividades da sociedade e o conselho de administração executivo tem
plenos poderes de representação da sociedade perante terceiro- art. 431º/1 e 2;

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 Nas sociedades em comandita, haverá que aplicaras regras das sociedades em nome
coletivo- art. 474º- ou anónimas- art. 478º- conforme se trate de comandita simples ou de
comandita por ações.

Gestão

O CSC não dá uma noção explícita de administração da sociedade. Nas sociedades em


nome coletivo, diz-se que a competência dos gerentes, tanto para administrar como para
representar a sociedade, deve ser sempre exercida dentro dos limites do objeto social- art. 192º/2;
nas sociedades por quotas, manda o art. 259º: os gerentes devem praticar os atos que forem
necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações
dos sócios; a propósito das sociedades anónimas, temos o art. 405º/1 que fala em gerir as
atividades da sociedade e o art. 406º que enumera os poderes de gestão: “compete ao conselho de
administração deliberar sobre qualquer assunto de administração da sociedade, nomeadamente”,
depois enumerando 13 pontos. A enumeração é exemplificativa como se comprova pelo facto de
o CSC acrescentar outros pontos: por exemplo, compete ao conselho de administração, em certos
casos, deliberar a emissão de obrigações- art. 350º/1.

As sociedades comerciais têm personalidade- art. 5º- e capacidade jurídica: esta


compreende “… os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do seu
fim…” - art. 6º/1. Diremos que a administração abrange o conjunto de atuações materiais e
jurídicas imputáveis a uma sociedade que não estejam, por lei, reservadas a outros órgãos. A
competência genérica e residual para agir, pela sociedade, cabe à administração: é o que se infere
dos arts. 259º e 405º/1. A prática jurídica e societária tem reservado a ideia de administração para
a atuação dos próprios administradores. Mas ela poderia ser alargada a “… outras pessoas a quem
sejam confiadas funções de administração” - art. 80º. Na prática, surgem como sinónimas as
locuções administração, gerência e gestão.
Tecnicamente, a administração é um direito potestativo: traduz a permissão normativa que
os administradores têm de decidir e de agir, em termos materiais e jurídicos, no âmbito dos direitos
e dos deveres da sociedade. Embora se trate de um direito, é um direito funcional ou fiduciário:
os administradores devem observar regras e agir na base da lealdade.

Representação

Ao lado do poder de administrar, o administrador tem, como segundo pilar da sua posição,
o de representar a sociedade. A representação é uniformemente atribuída aos gerentes- art. 192º/1
e 252º/1- ao conselho de administração- 405º/2- e ao conselho de administração executivo- 431º/2.
Trata-se do vínculo jurídico, de base legal, que permite imputar à pessoa coletiva os atos dos seus
órgãos e, para o caso: à sociedade, a atuação dos administradores. À partida, o âmbito dos poderes
de representação estaria delimitado pelo da própria administração. A tutela da confiança levou o
legislador português a estabelecer um esquema inverso: quando, no uso formal de poderes de
representação, o administrador ultrapassa o que lhe caberia, a imputação funciona: art. 6º/4: “…
não limitam a capacidade das sociedades…”. Conectada com a imputação de atos provenientes

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do vínculo de representação, surge a imputação, ao ente coletivo, de factos ilícitos. A lei- art. 6º/5-
não fala, aqui, em representação apenas remetendo para o regime da comissão.
A representação trata-se de um modo de exprimir os nexos de organicidade que imputam,
ao ser coletivo, a atuação dos titulares dos seus órgãos. Por isso, quando a lei fale em
“representantes” da sociedade, teremos de ver, pela interpretação, se estamos perante
representantes voluntários, constituídos nos termos do art. 262º CC, para a prática de certos atos
ou se, pelo contrário, estão em causa os verdadeiros e próprios administradores. Os efeitos de uma
ou de outra dessas possibilidades são distintos.
Em termos técnicos, também a representação dos administradores se apresenta como um
direito potestativo. Ela envolve a permissão de, agindo em nome e por conta da sociedade,
produzir efeitos jurídicos que se projetam imediata e automaticamente na esfera desta.
A representação orgânica tem, subjacente, a administração e as condições que a norteiam.

Os deveres fundamentais dos administradores

→ O art. 64º

Os administradores dispõem dos poderes básicos de gestão e de representação. Tais


poderes não devem ser exercidos arbitrariamente. O Direito não pode, todavia, descer a cada
situação, de modo a, aí, explicitar a forma do exercício. Prevê determinadas obrigações concretas
em alguns pontos e elabora grandes diretrizes. No cento do problema surge-nos o art. 64º-
“deveres fundamentais”.
Para reconstruir o art. 64º/1, terá de se proceder ao estudo das parcelas que o compõe:
1- A diligência de um gestor criterioso;
2- Os interesses da sociedade, dos sócios e dos trabalhadores;
3- Os deveres de lealdade;
4- Os deveres de cuidado;
5- O governo das sociedades.

→ A diligência de um gestor criterioso

Em sentido normativo, a diligência equivale ao grau de esforço exigível para determinar e


executar a conduta que integra o cumprimento de um dever. Trata-se de uma certa regra de
conduta, ou melhor: departe de uma regra de conduta, que deve ser determinada
independentemente de qualquer responsabilidade e, logo, de culpa. Aliás: a falta de diligência
pode ser dolosa e não meramente negligente. Assim, a bitola da negligência é uma regra de
conduta, mas incompleta: apenas em conjunto com outras normas, ela poderá ter um conteúdo útil

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preciso. Há que saber de que conduta se trata para, então, fixar o grau de esforço exigido na
atuação em jogo.
Assim, falamos do dever de diligência como quantum de esforço normativamente exigível,
aos administradores, no cumprimento dos seus deveres, o que fica fortalecido quando se passa ao
art. 64º CSC.

→ A atuação no interesse da sociedade

O inopinado acolhimento do texto do art. 10º/a) 2 1.ª parte, da proposta de 5.ª Diretriz, no
CSC, versão original, coloca problemas curiosos.
O termo “interesse” é ambíguo, não sendo dogmatizável. Quando muito, podemos adotar
uma noção objetiva e normativa, segundo a qual o interesse representa a porção de realidade
protegida e que, quando violada, dá lugar a um dano. Mas com isso perde-se um pouco do alcance
normativo do preceito.
O papel útil da referência a interesses da sociedade cifra-se em determinar que os
administradores, ao agir no âmbito das suas funções, o façam em prol dos sócios: mas em modo
coletivo. Não se trata, pois, de propugnar vantagens caso a caso, mas antes, numa panorâmica
possibilitada pelo conhecimento do cenário global, de defender, societariamente, as saídas mais
promissoras.
Na concretização do esforço exigível (da diligência), haverá que ter em conta as dimensões
sociais da sociedade. Ou seja: o universo dos administradores deveria atender, para além da
dimensão societária pura, também ao Direito do trabalho.

O sentido em 2006; crítica:

A atual alínea b) do art. 64º/1 CSC, aparentemente imaginada ex novo pelo legislador de
2006, não parece corresponder a conexões coerentes, perante qualquer Direito societário:
a) O legislador começou por subordinar o tema aos deveres de lealdade. Exigir lealdade no
interesse da sociedade e, ainda, atentando aos interesses (a longo prazo) dos sócios e,
ponderando os de outros sujeitos, entre os quais os trabalhadores, os clientes e os credores,
é permitir deslealdades sucessivas. Quem é leal a todos, particularmente havendo sujeitos
em conflito, acaba desleal perante toda gente.
b) Mantém-se uma referência aos interesses da sociedade. Ora, estes, segundo a doutrina
portuguesa dominante, já haviam sido reconduzidos aos interesses dos sócios. Acresce, in
casu, que os interesses da sociedade (dos sócios!) surgem ainda complementados:
o Atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios;
o Ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da
sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.

→ Os deveres de lealdade

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➔ Vertente positiva: todo o administrador deve sempre prosseguir o interesse da sociedade e


tem de atender aos interesses a longo do prazo dos sócios e dos stakeholders-
trabalhadores, credores e clientes;
➔ Vertente negativo: se tenho sempre de prosseguir o interesse da sociedade, não posso
prosseguir o meu próprio interesse. Não posso agir em conflito de interesses. Não posso
aproveitar-me do conhecimento que tenho ou da posição onde estou para exercer
concorrência para com a sociedade comercial
Ex. art. 398º/3 + 397º.

A. Atuações vedadas

A jurisprudência e a literatura permitem apontar diversas situações em que, por referência


à lealdade, surgem atuações proibidas aos administradores. Incluem-se, aqui, proibições legais
que, por razões sistemáticas e valorativas, fazem parte desta constelação problemática.
As duas proibições mais óbvias, muitas vezes sancionadas de modo expresso pelas leis
são:
o A proibição de concorrência;
o A proibição de divulgar segredos societários.

Para além disso, vamos encontrar:


o A proibição (ou severa restrição) de aceitar crédito da própria sociedade;
o A proibição e aproveitamento das oportunidades de negócio: o aproveitamento não pode
considerar-se legitimado com a mera autorização para a concorrência;
o A proibição de tomar decisões ou de colaborar nelas, quando se verifiquem situações de
conflito de interesses;
o A proibição ou a forte restrição no tocante a negócios a celebrar com a própria sociedade;
o A proibição de discriminação de acionistas, mantendo-se, pela positiva, um dever de
neutralidade;
o A proibição de empatar OPAs consideradas hostis;
o O dever de informar os negócios que faça com títulos da sociedade;
o Dever de legalidade.

De um modo geral, podemos dizer que estas proibições encontram uma base jurídico-
positivas, seja nas regras correspondentes disponíveis nos diversos diplomas, seja no princípio
geral da boa-fé. O seu recorte é simples: o administrador encabeça um vínculo material, que deve
respeitar. As exigências do sistema visam o aproveitamento desse vínculo com fins alheios às
situações consideradas. Designadamente: os fins pessoais do administrador ficarão sempre aquém
dos da sociedade.

B. Condutas devidas

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Na origem, a lealdade ganha conteúdo positivo mercê da própria aproximação ao sistema


e à boa fé, na vertente (segundo a terminologia do Prof. Menezes Cordeiro) da primazia da
materialidade subjacente. O dever de lealdade implica a prossecução efetiva de um escopo: não
meras atuações formais.
A doutrina e a jurisprudência têm feito precisões úteis:
o O administrador deve consagrar, à sua função, as energias necessárias, abstendo-se de
aceitar cargos laterais que esgotem as suas forças.
o Deve trabalhar colegialmente com os outros administradores.
o Na atuação dos administradores, está em causa uma gestão de bens alheios. Tal gestão
pressupõe uma especifica lealdade, à qual podemos conferir uma natureza fiduciária: todos
os poderes que lhes sejam concedidos devem ser exercidos não no seu próprio interesse,
mas por conta da sociedade.

O dever de lealdade não se confunde:


 Com o dever de diligência: este traduz a medida de esforço exigível aos administradores,
no cumprimento dos deveres que lhes incumbam;
 Com o dever de cuidado: este implica concretizações do dever geral de respeito, de modo
a evitar situações de responsabilidade aquiliana; normalmente fala-se em deveres de
prevenção do perigo.
A lealdade pressupõe a manutenção e a defesa da confiança; o exercício dos poderes de
administração e de representação é fiduciário, uma vez que assenta em bens alheios; e, finalmente,
na atuação leal, há que ter em conta os valores fundamentais do sistema.
Um ponto importante e evidente é que: a lealdade é-o para com a sociedade: não para
acionistas ou para stakeholders. Quanto a estes, talvez pudesse valer o dever de cuidado.

→ Os deveres de cuidado

Os deveres de cuidado “apareceram” com a reforma de 2006. Assim, o legislador de 2006,


ao referir os deveres de cuidado, especificou:
1) A disponibilidade;
2) A competência técnica;
3) O conhecimento da atividade da sociedade.
Trata-se de deveres que acompanham a atuação do administrador, prevenindo situações de
negligência, mas que apresentam um grau de abstração muito elevado.
Não parece fácil a ligação feita entre os deveres de cuidado, típicos do negligence law e a
bitola do gestor criterioso e ordenado, constante do final do art. 64º/1 a) CSC. Aparentemente,
esses dois elementos dizem o mesmo: um em linguagem anglo-saxónica e outro em termos
continentais. Também não se entende porque inserir, no art. 64º, um claro elemento de
responsabilidade civil: seria lógico colocar tal norma (a ser necessária) no art. 72º CSC.
Finalmente: a bitola da diligência, que antes acompanhava todos os deveres dos administradores,
parece agora confinada aos deveres de cuidado, o que não é brilhante.

→ Reconstrução do art. 64º

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Questão que se coloca: o art. 64º/1 compreende regras de responsabilidade civil ou normas
de conduta? Diretamente, pretende reger a atuação dos administradores ou fixar consequências no
caso de violação de (outras) normas? Esquecendo o negligence law, estamos perante normas de
conduta. Sistematicamente, o art. 65º está desligado dos preceitos relativos à responsabilidade dos
administradores. Os deveres de cuidado e de lealdade são mesmo normas de conduta. Quando
violadas, teremos de fazer apelo a outras regras- culpa, ilicitude, cano e causalidade, entre outras-
para determinar uma eventual responsabilidade civil.
Relativamente aos deveres de cuidado, estes reportam-se então à disponibilidade,
competência técnica e conhecimento da sociedade. Estes três elementos constituem outros tantos
deveres, que explicitam, em moldes não taxativos, o teor do tal “cuidado”. Ou seja: os
administradores devem gerir com cuidado, o que implica, designadamente, a disponibilidade, a
competência e o conhecimento.
Relativamente aos deveres de lealdade, tratam-se então de deveres fiduciários, que
recordam estar em causa a gestão de bens alheios. Os administradores são leais na medida em que
honrarem a confiança neles depositada. Ficam envolvidas as clássicas proibições já examinadas:
de concorrência, de aproveitamento dos negócios, de utilização de informações, de parcialidade e
outros. Ainda a mesma lealdade exige condutas materialmente conformes com o pretendido: não
meras conformações formais.
A lealdade que se impõe é-o, naturalmente: à sociedade o que é dizer, aos sócios, mas em
modo coletivo. As referências aos interesses de longo prazo dos sócios e aos dos stakeholders-
especialmente, trabalhadores, clientes e credores- só podem ser tomadas como uma necessidade
de observar as competentes regras. Para além delas, os administradores estão ao serviço da
sociedade. Quanto os sócios e aos interesses a curto e a longo prazo: teremos de fazer apelo às
regras (diversificadas) do governo das sociedades, para dispor de um quadro inteligível e,
eventualmente: de critérios de decisão. O art. 64º/1/b) nunca poderia resolver tal problema. A
referência legal vale, pois, como uma prevenção e como um novo apelo aos códigos de corporate
governance.
Quanto à bitola da negligência, apesar de desgraduada para o final do art. 64º/1/a),
conserva todo o seu relevo. Desde logo, em termos literais: “neste âmbito”- portanto: o âmbito
em que os administradores devem empregar a diligência de um gestor criterioso e ordenado-
reporta-se “às suas funções”: não apenas aos deveres de cuidado. O administrador deve ser
diligente na execução de todos os seus deveres e não, apenas, nos de cuidado.
A diligência, enquanto medida objetiva e normativa do esforço exigível, mantém-se como
uma regra de conduta incompleta: mas regra que dobra todas as outras, de modo a permitir apurar
a efetiva atuação exigida aos administradores.

O governo das sociedades

Corporate Governance pode abranger duas diferentes realidades:

a) A organização da sociedade: a corporate governance reportar-se-ia ao que chamamos a


administração e a fiscalização da sociedade. Ela abrangeria:
o A orgânica societária, suscetível de integrar diversos modelos; no caso das
sociedades anónimas, teríamos, à escolha os modelos referidos no art. 278º/1;

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o A ordenação interna do conselho de administração;


o A articulação com a assembleia geral;
o O modo de designação e de substituição dos administradores.

b) As regras aplicáveis ao funcionamento da sociedade: a corporate governance abarca:


o Os direitos e os deveres dos administradores;
o As regras de gestão e de representação;
o As regras de fiscalização;
o Os deveres atinentes às relações públicas.

A primeira- e, porventura, fundamental- subtileza do governo das sociedades reside na


não-separação entre essas duas vertentes.

A situação jurídica dos administradores

→ Inadequação do contratualismo puro

A doutrina portuguesa tem procurado, de um modo geral, reconduzir a situação jurídica


de administração a um contrato de administração ou outro similar. Esta orientação deve ser revista.
O Direito vigente mostra que a situação jurídica de administração pode ter alguma das seguintes
fontes: imanência à qualidade de sócio, designação inter partes no contrato de sociedade,
designação, a favor de terceiro, nesse mesmo contrato, designação pelos sócios ou por minorias
especiais, eleição pelo conselho geral e de supervisão, designação pelo Estado, substituição
automática, cooptação, designação pelo conselho fiscal ou designação judicial. Ocorrem critérios
legais, que limitam a autonomia privada. Apenas na hipótese de designação pelo conselho geral e
de supervisão se poderia configurar um contrato: em todos os outros casos, o único contrato que
nos surge é o de sociedade o qual, aliás, nem visa, de modo específico, designar administradores.

→ A administração como estado (“status”)

A situação jurídica de administração inclui-se no Direito privado: pertence ao Direito das


sociedades, ele próprio direito privado especial, globalmente marcado pela igualdade e pela
liberdade. Podemos ainda dizer que se trata de uma situação privada patrimonial. A situação
jurídica de administração é complexa e abrange um conjunto indiferenciado de direitos e deveres.
Estruturalmente, a situação jurídica de administração não pode deixar de ser qualificada
como absoluta, no sentido de não implicar uma relação jurídica. De facto, o administrador tem,
no essencial, os poderes de representar e de gerir que são, tecnicamente, posições potestativas e
como tal absolutas: não corporizam binómios de direitos-deveres. O núcleo absoluto da situação

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jurídica em causa, é, contudo, completado por múltiplas relações: o administrador tem direitos e
deveres, legais, estatutários, convencionais ou deliberados, que dão corpo à sua situação.
Resta considerar a situação jurídica de administração como uma realidade autónoma, de
cariz societário, com factos constitutivos múltiplos, privada, patrimonial, complexa,
compreensiva e nuclearmente absoluta. O seu conteúdo deriva da lei, dos estatutos e deliberações
sociais, podendo, ainda, ser conformado por contrato ou por decisões judiciais. Esta situação
jurídica coloca o administrador numa teia de direitos simples, de direitos funcionais e de deveres.
Trata-se de um status ou estado: qualidade ou prerrogativa que implica e condiciona a atribuição
de uma massa prévia de elementos juridicamente relevantes, incluindo deveres, direitos funcionais
e obrigações. Cabe ao Direito aplicável explicitar o conteúdo desse estado.

→ Os direitos dos administradores; a remuneração; a moderação

O primeiro direito do administrador será o direito à retribuição. Nos restantes tipos societários,
o papel de administrador, ainda que de modo não tão claro, mantém-se estritamente patrimonial.
A retribuição faz parte do seu conteúdo natural.
 O CSC presume remunerada a gerência das sociedades em nome coletivo – o montante da
remuneração é fixado por deliberação dos sócios (art. 192º/5 CSC).
 As sociedades por quotas merecem nesse domínio uma regulamentação mais complexa –
art. 255º CSC.
 Quanto às sociedades anónimas, vigora o art. 399º CSC. Um preceito similar (art. 429.º
CSC) dispõe sobre a remuneração dos administradores executivos: esta é fixada pelo
conselho geral e de supervisão ou, no caso de assim estar previsto no contrato de
sociedade, pela assembleia geral ou por uma comissão por esta nomeada.
A remuneração dos administradores, designadamente no caso das sociedades anónimas,
apresenta uma estrutura ainda mais complexa. Por razões de ordem social e fiscal, elas têm vindo
a assumir composições parcial e crescentemente não-monetárias. Acresce que, por vezes, o
desempenho de funções de administração numa sociedade implica o desempenho de funções
semelhantes, em empresas participadas, desempenho esse que é remunerado.
O exercício das funções de administração pode ainda facultar diversas regalias sociais.
Para além das regras gerais de segurança social, os administradores podem desfrutar de esquemas
específicos, previstos nos estatutos da sociedade ou em regulamentos a ele anexos (art. 402º CSC
a propósito das sociedades anónimas; este dispositivo pode ser estendido a outros tipos societários
– MC). A prática exemplifica esquemas de reforma, de subsídios de doença e de invalidez, seguros
profissionais, esquemas de apoio na aquisição de habitação e outros. Pois bem: todas as vantagens
patrimoniais dispensadas aos administrador nessa qualidade têm natureza retributiva. São, assim
de ter em conta, para a precisa definição dos seus direitos e jogam para o cálculo de hipotéticas
indemnizações, que os devam ter em causa.
O Direito vigente tem instrumentos para lidar com situações de excesso. Para além da
cláusula geral do abuso do direito, recorda-se o art. 255º/2 CSC, que permite a redução da
remuneração dos sócios gerentes, pelo tribunal, a requerimento de qualquer sócio, em processo
de inquérito judicial, quando forem gravemente desproporcionadas quer ao trabalho prestado,

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quer à situação da sociedade. Esta regra pode ser aplicada a outros tipos de sociedades por
analogia.

→ Os deveres dos administradores: quadro geral

De acordo com a fonte, os deveres dos administradores podem ser:


o Legais: provêm de preceitos legais;
o Estatutários: provêm do pacto social;
o Contratuais: provêm de contrato;
o Deliberativos – provêm de deliberação dos sócios ou do próprio conselho de
administração.
As normas em causa podem originar deveres fiscais, de segurança social, laborais,
cambiários, societários.

Muito importante é a contraposição entre:


o Deveres genéricos: resultam da mera existência de direitos alheios ou de normas de
proteção;
o Deveres específicos: têm a ver com obrigações legais, estatutárias ou convencionais.

Perante situações relativas, os deveres dos administradores podem equacionar-se em


deveres para com a sociedade, para com os credores desta, para com os sócios ou para com
terceiros. Tomados na sua configuração, os deveres poderão ser diretamente de conduta ou
redundar em meros deveres de diligência. De resto, a complexidade da situação permite aplicar
as diversas classificações de obrigações: há deveres solidários, deveres de meios e de resultado e
obrigações de facere, de dare e de pati. Em obediência aos conceitos usados para os explicitar, os
deveres dos administradores podem ser determinados ou indeterminados. Estes últimos, que
carecem em cada caso de atravessar um competente processo de concretização, abrangem, em
particular, deveres de cuidado, de lealdade e de informação.
Fica em aberto o saber se é possível imputar, aos administradores, a generalidade dos
deveres que assistam às sociedades e, ainda, toda uma série de deveres orgânicos, instrumentais e
funcionais.

A constituição e o termo da situação de administrador

→ A constituição

Esta matéria não é tratada na parte geral e, assim, somos obrigados a procurar regras nas
partes dedicadas aos diversos tipos societários. Essas regras correspondem, no essencial, a um
regime comum.

Quanto às SNC: o art. 191º estabelece, nos seus três primeiros números:

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o Não havendo estipulação em contrário e salvo o disposto no nº 3, são gerentes todos os


sócios, quer tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade
posteriormente;
o Por deliberação unânime dos sócios podem ser designadas gerentes pessoas estranhas à
sociedade;
o Uma pessoa coletiva sócia não pode ser gerente, mas, salvo proibição contratual, pode
nomear uma pessoa singular para, em nome próprio, exercer esse cargo.
Nas SNC, a posição de gerente é uma decorrência da de sócio: estamos próximos da
solução vigente, para as sociedades civis puras, nos termos do art. 985º/1 CC. O facto constitutivo
essencial e, supletivamente, predominante é o contrato de sociedade: a lei não prevê um contrato
de “gerência” autónomo. Quando a gerência recaia sobre um não-sócio, i facto constitutivo é a
própria deliberação dos sócios. Finalmente, prefigura-se ainda uma terceira situação: a da eficácia
conjunta do pacto social e de deliberação de entidade terceira, na hipótese da pessoa coletiva sócia.

Relativamente às sociedades por quotas- art. 252º:


o Aparentemente, verifica-se um distanciamento em relação à imanência da administração
aos sócios. Os gerentes são designados no pacto ou escolhidos, posteriormente, por
deliberação dos sócios, podendo ser estranhos;
o A gerência é sempre personalizada (veja-se o nº3) não sendo transmissível por morte
(n.º4);
o Faltando definitivamente os gerentes, todos os sócios assumem, por força da lei, os
poderes de gerência, até à designação de novos gerentes: art. 253º/1;
o O art. 253º/1 admite, finalmente, a nomeação judicial quando decorram 30 dias sobre a
falta de um gerente, não nominalmente designado, cuja intervenção seja, pelo contrato,
necessária para a representação da sociedade.

No tocante às sociedades anónimas, o Código prevê um esquema complexo de designação


dos administradores. Estes podem:

o Art. 391º/1: ser designados no contrato de sociedade ou eleitos pela assembleia, referindo
ainda (nº 5) a necessidade de aceitação, expressa ou tácita.
o O contrato de sociedade pode prever administradores eleitos, por certas minorias (art.
392º/1), havendo ainda e eventualmente, que contar com administradores por parte do
Estado (nº 11);
o Nas hipóteses de substituição prevista no art. 393º, pode haver, após a chamada de
suplentes, quando os haja, designações por cooptação ou, na falta desta, por deliberação
do conselho fiscal ou do conselho de auditoria (art. 393º/1 b) e c));
o O art. 394º prevê a nomeação judicial, quando decorram determinados períodos de tempo,
sem que tenha sido possível eleger o conselho de administração;
o O CSC admite ainda sociedades anónimas de modelo germânico: com conselho geral e de
supervisão e com conselho de administração executivo: de acordo com o art. 425º, os
administradores são designados ou no contrato de sociedade ou pelo conselho geral e de
supervisão ou, ainda, pela assembleia geral, se os estatutos assim o determinarem (nº 1)
podendo não ser acionistas (nº 6). O conselho geral e de supervisão providencia quanto à

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sua substituição (nº 4) podendo (art. 426º) haver nomeação judicial, por aplicação, com as
necessárias adaptações, das regras atinentes às sociedades de estrutura latina. Um tanto
contra a corrente do CSC, o art. 430º/3, na sua redação inicial, a propósito da destituição
sem justa causa do diretor, refere o contrato com ele celebrado.

Relativamente às sociedades em comandita: salvo se o contrato de sociedade permitir a


atribuição da gerência aos sócios comanditários, só os comanditados podem ser gerentes (art.
470º/1). Têm aplicação nas sociedades em comandita simples o dispositivo relativo às sociedades
em nome coletivo (art. 474º), e nas comanditas por ações as regras previstas para as sociedades
anónimas (art. 478º).
Finalmente, cumpre aludir a situações especiais, como as que envolvem a nomeação de
administradores por parte do Estado. Tais administradores, que ocupam por lei a precisa posição
orgânica e estatutária dos seus pares, designados pelos estatutos ou eleitos em assembleia geral,
como que completam uma rica panóplia de factos constitutivos da situação de administração.

→ O termo

A situação jurídica de administração não é, por natureza, perpétua: a vicissitude da sua


cessação está sempre no horizonte. Diversas formas de cessação das situações jurídicas têm aqui
aplicação, designadamente:

1. Caducidade: sobrevém por morte, interdição, incapacitação, inabilitação ou reforma do


administrador.
o Quanto à inabilitação, é de relevar a situação correspondente, por exemplo, à
cassação da carteira ou à não autorização de entidade competente para o
desempenho do lugar;
o Também há caducidade quando expire o prazo por que foi feita a designação- no
caso das sociedades anónimas, releva o prazo máximo de quatro anos, fixado no
art. 391º/3- prazo esse acrescido do lapso necessário, para que haja nova
designação (art. 391º/4: noutros termos, a caducidade opera aqui apenas quando
haja nova designação, mas não antes de decorrido o período dos quatro anos; se
este não for respeitado, temos, já a destituição);
o Outra hipótese de caducidade é a extinção da sociedade; a passagem do
administrador a liquidatário (art. 151º/1), puramente supletiva, representa, já, uma
posição qualitativamente diversa;
o Também podemos falar em caducidade, na hipótese de extinção do órgão ou do
lugar; aqui, a materialidade da situação subjacente poderá requerer a aplicação do
regime da destituição.

2. Revogação: corresponderia à cessação da situação jurídica de administração, por acordo


das partes. Porém, um verdadeiro acordo exigiria aqui que a constituição da situação fosse
contratual, o que é tudo menos seguro à luz do Direito português. Fica-nos a revogação

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unilateral, por decisão de entidade competente para a designação, numa posição duvidosa
por, de toda a forma, a designação criar direitos.

3. Resolução: sempre unilateral, exige fundamento e previsão legal. As exigências próprias


do Direito societário levaram a que, neste ponto, revogação e resolução tenham sido
fundidas numa figura própria e autónoma: a destituição dos administradores. A reforma
de 2006 introduziu alguma clarificação. A situação dispersiva aconselha uma prévia
recolha, a nível de fontes:
 Nas sociedades em nome coletivo (art. 191º/4 a 7 CSC) releva as seguintes
possibilidades:
➢ O sócio foi designado por cláusula especial do contrato de sociedade: só
pode ser destituído da gerência em ação intentada pela sociedade ou por
outro sócio, contra ele e contra a sociedade, com fundamento em justa
causa (art. 191º/4);
➢ O sócio é gerente por inerência à qualidade de sócio ou foi designado
gerente por deliberação dos sócios: só pode ser destituído da gerência por
deliberação dos sócios e com fundamento em justa causa, salvo se o
contrato de sociedade dispuser diferentemente (art. 191º/5);
➢ O gerente não é sócio: pode ser destituído por deliberação dos sócios,
independentemente de justa causa (art. 191º/6);
➢ A sociedade tem apenas dois sócios: a destituição de qualquer deles da
gerência, com fundamento sem justa causa, só pode ser decidida pelo
tribunal, em ação intentada pelo outro contra a sociedade

 Nas sociedades por quotas, o sistema de destituição tem a configuração


subsequente (artigo 257.º CSC):
➢ Em princípio, os sócios podem deliberar, a todo o tempo, a destituição dos
gerentes (art. 257º/1);
➢ o contrato de sociedade pode exigir, para o efeito, maioria qualificada, ou
exigir outros requisitos; porém, se a destituição se fundar em justa causa,
pode ser sempre deliberada por maioria simples (nº 2);
➢ Quando uma cláusula do contrato atribua a um sócio um direito especial à
gerência, requer-se o consentimento deste; podem, porém, os sócios
deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do
gerente por justa causa (nº 3);
➢ Existindo justa causa, qualquer sócio pode requerer a suspensão e a
destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade (nº 4);
➢ A sociedade tem apenas dois sócios: a destituição da gerência, com
fundamento em justa causa, só pode ser decidida pelo Tribunal, em ação
intentada pelo outro.

 Nas sociedades anónimas, deparamo-nos com o esquema seguinte:


a) De tipo latino (art. 403º):
➢ A assembleia geral pode deliberar, a todo o momento, a destituição de
qualquer membro do conselho de administração (art. 403º/1);

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➢ O administrador foi eleito de acordo com as regras especiais do art. 392º: a


deliberação sem justa causa não procede se contra ela tiverem votado
acionistas que representem pelo menos 20% do capital social (art. 403º/2);
➢ Enquanto não for convocada a assembleia geral para deliberar sobre o
assunto: um ou mais acionistas titulares de ações correspondentes, pelo
menos, a 10% do capital social podem requerer a destituição judicial de um
administrador, com fundamento em justa causa (art. 403º/3);
➢ O administrador é nomeado pelo Estado ou entidade equiparada: a
assembleia geral apenas pode, na apreciação anual da sociedade, manifestar
a sua desconfiança, em deliberação que deve ser transmitida ao ministro
competente (art. 403º/4);
➢ Constituem designadamente justa causa de destituição a violação grave dos
deveres do administrador e a sua inaptidão para o exercício normal das suas
funções (art. 404º/4);  Se a destituição não se fundar em justa causa, cabe
indemnização (art. 404º/5).

b) De tipo germânico (art. 430º):


➢ Os administradores podem ser destituídos, a todo o tempo, pelo
conselho geral e de supervisão ou pela assembleia geral, consoante o
órgão competente para a eleição (art. 430º/1);
➢ Aplicando-se, quanto à noção de justa causa e quanto às consequência
da sua inexistência o disposto para as sociedades de tipo latino.

4. Denúncia

→ A livre destituibilidade e a exigência de justa causa

O princípio da livre destituibilidade dos administradores é tradicional: provinha do Direito


francês e tinha expressa consagração, no revogado artigo 172.º CCom. O CSC conserva o
princípio da destituibilidade livre dos administradores. A justa causa apenas serve para decidir se
a destituição opera ou não com indemnização. Isto assente, verifica-se que a lei dá duas definições
próximas de justa causa de destituição:
o A propósito da sociedade por quotas, esta é definida (art. 257º/6) nestes termos:
“Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do
gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções.”;
o No tocante às sociedades anónimas (arts. 403º/4 e 430º/2) aparece uma noção semelhante,
mas em que incapacidade é substituída por ineptidão.

Temos, ainda, certos exemplos concretos de justa causa:


o Art. 254º/5: considera justa causa de destituição do gerente a violação da proibição da
concorrência;

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o Art. 447º/8: afirma como tal a falta culposa de cumprimento do disposto no n.º1 e 2 deste
art., relativos à publicidade de participações dos membros de órgãos de administração e
fiscalização.

Perante estas fórmulas, não restam dúvidas de que a justa causa implica a violação grave-
com dolo ou negligência grosseira- dos deveres do administrador. A “incapacidade para o
exercício normal” não é incapacitação: esta conduz à caducidade; trata-se, antes, da incompetência
profissional grave, a qual implica, sempre, um nível normativo e, daí: a violação, necessariamente
grave, dos deveres de estudo e de atualização exigíveis.
Em termos processuais, os factos relativos à existência de justa causa devem ser invocados
e provados pela sociedade que dela se queira prevalecer. É uma decorrência das regras gerais
sobre o ónus da prova. Os fundamentos da destituição devem constar da competente ata; único
meio de prova quanto ao deliberado.

→ A indemnização

O direito à indemnização eventualmente envolvido pela cessação do mandato dos


administradores, numa dogmática responsiva, dá-nos um auxiliar de entendimento da justa causa
e da própria destituição. Na vigência do CCom, o direito dos administradores destituídos, antes
do termo do mandato, a receber uma indemnização da sociedade, veio a ser reconhecido, na
doutrina e na jurisprudência. Para tanto, aduzia-se o seguinte argumento: o art. 172º CCom, a
propósito dos diretores das sociedades comerciais, falava em revogabilidade do mandato. Por seu
turno, o art. 245º CCom dispunha que: “A revogação e a renúncia do mandato, não justificadas,
dão causa, na falta de pena convencional, à indemnização de perdas e danos.”
Assim, embora se soubesse que o mandato dos administradores não era o mandato
comercial dos arts. 231º e ss. CCom, fazia-se a transposição da regra. A jurisprudência veio,
contudo, colocar a questão na dependência da natureza jurídica do vínculo que une os
administradores à sociedade:
 Se a posição dos administradores assentasse num vínculo unilateral, a sua
destituição não daria lugar a qualquer indemnização;
 Se, pelo contrário, ela fosse contratual, impor-se-ia a analogia com o mandato e,
daí, a indemnização, no caso de destituição sem justa causa.
Pode, pois, dizer-se que a predominância jurisprudencial ia no sentido de haver direito a
indemnização; toda a doutrina alinha, aliás, nesse sentido.
O Prof. Menezes Cordeiro entende que não é correto fazer derivar o direito a uma
indemnização da natureza do vínculo de administração. Para além da manifesta inversão que
consiste em retirar um regime de uma qualificação que deveria ser subsequente, fácil é constatar
que, quando aquele vínculo fosse unilateral, nem por isso deixaria de existir tal direito. Com
efeito, o ato unilateral deve ser respeitado pelo próprio; nada impede que ele dê lugar a direitos,
na esfera de terceiros, direitos esses que, sendo violados, abram as portas ao ressarcimento.
Quando destituídos, antes do termo e sem justa causa, os administradores das sociedades
anónimas têm direito a uma indemnização, seja qual for a natureza do vínculo que os una à
sociedade.

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Problema gravoso é o da pretensa limitação do montante das indemnizações. O art. 257º/7,


a propósito da indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa, acrescenta: “(…)
entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do
tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.
Havia, aqui, uma sugestão de que esse lapso de tempo condicionava a indemnização. Indo
ainda mais longe, o art. 403º/5 pretende limitar ad nutum a indemnização. Diz: “(…) sem que a
indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao
final do período para que foi eleito.”
Este preceito envolve um grave erro de Direito e surge claramente inconstitucional:
perante a responsabilidade por atos ilícitos, todos os danos devem ser ressarcidos; de outro modo,
estarmos a admitir o desrespeito pela propriedade privada, perante danos patrimoniais e a
desconsideração pela dignidade da pessoa, perante danos morais. A limitação às indemnizações
só é possível perante situações de responsabilidade objetiva. Ora, o legislador parece partir do
princípio que a destituição é sempre lícita, envolvendo responsabilidade objetiva (sem culpa),
faltando justa causa. Não é assim: a destituição sem justa causa é mesmo ilícita: o combinado é
para cumprir. O facto de não haver reintegrações não limita a indemnização.
Os limites aparentemente resultantes dos arts. 257º/7 e 403º/5 caem em terreno fértil. A
jurisprudência é muito restrita em indemnizações. Retemos os seguintes aspetos:
1) A indemnização traduz os lucros cessantes os quais, na falta de outros elementos,
correspondem ao que o administrador deixou de ganhar;
2) Não chega dizer que perdeu remunerações; o gerente destituído deve provar os danos;
3) À indemnização haveria que descontar o que o destituído foi ganhar alhures: uma
orientação que, sendo um apelo à preguiça, não podemos subscrever;
4) O montante previsto no art. 403º/5 é o máximo: uma tese que reputamos inconstitucional.
Desenha-se, no entanto, uma linha que, na opinião do Prof. Menezes Cordeiro, merece
total apoio: a que admite, ainda, o cômputo dos danos morais, que podem ser gravíssimos.

A responsabilidade dos administradores

O CSC compreende a matéria da responsabilidade civil pela constituição, administração e


fiscalização da sociedade. nos arts. 71º a 84º.
Dos preceitos aí presentes, logo se verifica que os arts. 80º a 84º não dizem respeito à
responsabilidade dos administradores, gerentes ou diretores e que os arts. 83º e 84º nem sequer
têm que ver com o instituto da responsabilidade civil. Os arts. 80º, 81º e 82º pendem-se com a
responsabilidade de “outras pessoas com funções de administração”, de membros dos órgãos de
fiscalização e dos revisores oficiais de contas, respetivamente. Os arts. 83º e 84º conytêm regras
não de responsabilidade civil, mas de responsabilidade patrimonial: verificadas as condições
legalmente previstas, os bens dos implicados respondem, independentemente de qualquer atuação.
Aflora aqui o instituto da responsabilidade patrimonial, cuja ligações com a responsabilidade civil
são, antes de mais, linguísticas. A sua inserção sistemática não tem justificação científica.
Este capítulo apresenta uma lógica interna:

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o Principia pela responsabilidade quanto à constituição (art. 71º) e passa depois à dos
membros da administração, portanto já no período de funcionamento normal da sociedade
(art. 72º);
o De seguida, fixa alguns aspetos dos termos dessa responsabilidade: solidariedade (art. 73º)
e cláusulas nulas (art. 74º);
o Versados esses aspetos substantivos, o CSC veio precisar diversos pontos processuais: a
ação social e os representantes especiais (arts. 75º e 76º) e a ação social dita (art. 77º).
Temos aqui situações de responsabilidade obrigacional, uma vez que estão em causa
violações de deveres (específicos) contratuais ou legais;
o Seguem-se situações de responsabilidade aquiliana: a responsabilidade perante os credores
sociais (art. 78º) e perante os sócios e terceiros (art. 79º);
o Os restantes preceitos desse Capítulo ocupam-se de questões já exteriores à temática
versada.

→ Responsabilidade por declarações prestadas com vista à constituição da sociedade

Os deveres dos fundadores, administradores, gerentes ou diretores de sociedades


comerciais, surgem, designadamente, no art. 71º CSC. Os diversos preceitos do Capítulo VII, aqui
em análise, pressupõem normas de conduta que, sendo violadas em determinadas circunstâncias,
conduzam à responsabilidade. Mas essas normas ficam subentendidas, pois fala-se apenas de
deveres legais ou contratuais (arts. 72º/1 e 78º/1).
O preceito do art. 71º/1 contém, na realidade, uma norma que obriga os visados a prestar
as referidas declarações, com exatidão e sem deficiência. Na ausência dessa norma, haveria que
encontrar uma saída delitual seja através do art. 483º/1 ou 485º/2, ambos do CC. A presença do
preceito em estudo simplifica a matéria e modifica-a, de facto, em substância. O referido dever
legal de exatidão e completude dá azo a uma obrigação legal específica; a sua violação envolve
uma linear responsabilidade obrigacional, com presunção de culpa, contra o prevaricador (arts.
798º e 799º/1 CC).
Outra norma de conduta resulta do nº 2 do mesmo art. 71º: na realidade, este preceito
pretendia excluir de responsabilidade os agentes de boa fé, na sua aceção subjetiva e ética. Mas
fazendo-o, ele acaba por comportar uma diretriz de relevo: ele impõe a todos os fundadores,
gerentes ou administradores, o dever legal e específico de se inteirarem do andamento e do teor
das indicações e declarações prestadas. De outra forma, já haverá culpa na ignorância.
O nº 3 do art. 71º comina também uma obrigação legal específica, a cargo dos fundadores,
de não causar danos, com as operações nele descritas. Aparece, depois, uma discutível exclusão
da responsabilidade nos casos de negligência simples. A interpretação deste passo terá de ser tão
restritiva quanto possível.
Finalmente, o art. 16º/2 ressalva ainda a responsabilidade dos fundadores na hipótese de
não fazerem exarar no contrato de sociedade as vantagens concedidas aos sócios em conexão com
a constituição, bem como o montante global por ela devida a sócios ou a terceiros. Nessa
eventualidade, tais direitos e acordos são ineficazes para com a sociedade, mas isso sem prejuízo
dos eventuais direitos contra os fundadores. Esses eventuais direitos têm precisamente a ver com
indemnizações.

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A responsabilidade para com a sociedade

→ Responsabilidade obrigacional

- Durante a constituição da sociedade: art. 71º CSC


- Depois da constituição da sociedade: art. 72º CSC

O art. 72º/1 contém uma previsão geral de responsabilidade obrigacional para com a
sociedade: os administradores respondem, para com esta, pelos danos que lhe causem com
preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. Trata-
se de uma simples concretização, porventura desnecessária, dos arts. 798º e 799º do CC. Com
efeito: estão em causa danos ilícitos; provocados pela inobservância de deveres específicos; com
presunção de culpa.

Classificação desta responsabilidade:


➔ Responsabilidade pessoal: o administrador é que está a incumprir um dever, por isso é ele
que é responsabilizado e não o órgão;
➔ Subjetiva: pressupõe culpa dos administradores;
➔ Interna;
➔ Obrigacional: resultante da violação de deveres legais ou contratuais da relação
estabelecida com a sociedade;
➔ Aplicam-se pressupostos do art. 798º- culpa presume-se: se eu for a tribunal, sou eu que
tenho ónus da prova de demonstrar que não existe culpa- art. 342º CC.

Entre os deveres específicos suscetíveis de, quando violados, causarem responsabilidade


dos administradores para com a sociedade temos:
a) Violação de cláusulas contratuais ou de deliberações sociais que fixem à sociedade
determinado objeto ou que proíbam a prática de certos atos (art. 6º/4);
b) Execução de deliberações relativas à distribuição de bens aos sócios, quando tais
deliberações sejam ilícitas ou enformem de vícios (art. 31º/2);
c) Não convocação ou não requerimento da assembleia geral, quando se esteja perante a
perda de metade do capital social (art. 35º/1);
d) Incumprimento do dever de relatar a gestão e de apresentar contas (art. 65º/1) ou de
proceder ao competentes depósitos (art. 70º);
e) nobservância do dever de declarar por escrito que, havendo aumento de capital, não têm
conhecimento de ter havido, entre o dia do balanço que servir de base à competente
deliberação e o dia da deliberação em si, um diminuição patrimonial que obste ao aumento
(art. 93º/1) ou, a fortiori, efetivação de uma declaração falsa.

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A violação dos deveres específicos envolve uma presunção de culpa: a ilicitude e a culpa
do inadimplemento são, em conjunto e globalmente, imputadas ao agente faltoso. Caberá a este
ilidir a presunção, seja demonstrando uma causa de justificação, seja provando um fundamento
de desculpabilidade.

Qual a medida de culpa ou a quantidade de esforço exigível aos administradores? Isto é,


o administrador obriga-se a administrar como?

No Direito civil, apela-se à bitola do bonus pater famílias: no Direito das sociedades vai-
se mais longe, remetendo-se para a “diligência do gestor criterioso e ordenado” (art. 64º/1 a)). Em
bom rigor, estes factos não têm a ver (apenas) com a culpa: antes com a própria conduta em si. A
explicação é fácil: estamos perante uma responsabilidade obrigacional em que culpa e ilicitude
surgem incindíveis. A bitola de diligência reporta-se ao conjunto.
Fica-nos, de seguida, o nexo de causalidade. Perante responsabilidade obrigacional, cabe
verificar qual era o bem representado pela prestação incumprida – tal bem traduz o quantum do
dano, eventualmente acrescido de danos colaterais ou de lucros cessantes. No domínio das
sociedades pode haver “danos em bola de neve”. A delimitação pressuposta pelo nexo causal
assenta na clara determinação do bem jurídico tutelado pela norma que se mostrou violada.
Apenas os danos provocados nesse bem são, em princípio, indemnizáveis.
O Prof. Menezes Cordeiro qualifica a obrigação de indemnizar como um direito
potestativo.

• O problema da atuação informada, isenta e racional


A aparente perturbação no quadro da responsabilidade resultou da introdução pela reforma de
2006, no artigo 72º/2 do business judgement rule. Pela sua inserção parece claro que tal “regra”
tem a ver com a responsabilidade obrigacional prevista no nº1. O 72º/1 fixa o princípio geral da
responsabilidade obrigacional dos administradores.
Este preceito, uma vez introduzido no Direito Português, que sentido vem ganhar?
Imagine-se que o legislador de 2006 tenha resistido à tentação de introduzir mais esse
sortilégio nosso Direito das Sociedades. E imagine-se ainda que, num caso concreto, um
administrador que tivesse causado danos à sociedade, por preterir os seus deveres legais ou
contratuais provava, em juízo:
1. Que tinha atuado em termos informados, isto é: com pleno conhecimento das realidades
(técnicas e jurídicas em jogo);
2. Que o fizera sem qualquer interesse pessoal, isto é: de modo isento e desinteressado;
3. E que agira seguindo critérios de racionalidade empresarial.
Haveria responsabilidade? A resposta seria negativa. Ao produzir tal prova, o administrador
estaria a ilidir a presunção de culpa. Nas circunstâncias apontadas, a conduta do administrador
tornar-se-ia desculpável. Repare-se que estão em causa apenas deveres para com a sociedade,
sendo de acentuar a observância dos critérios de racionalidade empresarial.
Os grandes dados da responsabilidade civil não estão na disponibilidade do legislador: mesmo
quando, iluminadamente, mexa nos institutos mais delicados do Direito das sociedades. Ao
introduzir o business judgement rule no Direito português, no preceito relativo à responsabilidade

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obrigacional dos administradores para com a sociedade, o legislador está a cortar as amarras com
outras experiências, mesmo quando dadoras. Assim,
1. No Direito americano, o business judgement rule veio delimitar os deveres genéricos do
administrador e, em especial, o dever de cuidado;
2. No Direito alemão, essa mesma regra veio restringir deveres legais específicos bem
delimitados – os introduzidos pela Lei da Transparência.
Compreende-se assim que, no caso americano, o rule delimite a culpa/ilicitude no conjunto: o
Common Law não faz essa a destrinça. E no Direito alemão temos uma delimitação das próprias
regras de conduta, pelo que fica afastada a ilicitude. Mas no Direito português, o caso é diverso.
O business judgement rule constitui uma específica via de exclusão de culpa.
Pais de Vasconcelos e Coutinho de Abreu/Elisabete Ramos vieram sustentar que o rule
implicaria uma exclusão da ilicitude, porque, quando aplicável, traduziria o respeito, por parte
dos administradores, dos deveres prescritos no artigo 64º. Tecnicamente, isso quereria dizer que,
perante um conflito de deveres proporcionados pelo artigo 64º e deveres com qualquer outra
origem, os primeiros prevaleceriam. De facto, é sabido que os administradores incorrem
facilmente em conflitos de deveres, o que obriga a uma cuidada ponderação entre eles, para se
ver, em concreto, qual prevalece. Mas – é regra que Menezes Cordeiro não vê como afastar – o
dever específico prevalece sobre o genérico. Admitir, em geral, que o administrador, posicionado
dentro do artigo 64º ficasse isento de cumprir quaisquer outros deveres para com a sociedade (pois
só assim se poderá afastar um juízo de ilicitude) é passo que não pode acompanhar. Será lícito
não pagar impostos para satisfazer fornecedores? A grande dificuldade denotada por estes (e
outros) autores em cindir a ilicitude da culpa advém ainda do seguinte: na responsabilidade
obrigacional, essas duas realidades interpenetram-se. Há, pois, que distinguir na base do ângulo
de abordagem. De facto e pelo entendimento de Menezes Cordeiro da responsabilidade
obrigacional, o business judgement rule funcionaria, entre nós, como exclusão de faute, isto é, de
culpa/ilicitude.
Seria completamente contrário a dados básicos do sistema admitir que o administrador
pudesse ficar isento dos seus deveres legais ou estatutários. É certo que o business judgement rule
só opera nas relações com a sociedade: ela nunca poderia isentar o administrador dos seus deveres
para com o fisco, os trabalhadores ou a segurança social, como é óbvio. Além disso, o rule exige
“critérios de racionalidade empresarial”. Tais critérios englobam sempre as vantagens de bem
cumprir a lei: os ganhos que se obtenham à margem desta jogam a prazo, contra a sociedade,
sendo alheios a uma boa gestão. O rule requer, ainda, uma compatibilização com o princípio da
colegialidade e com eventuais conflitos de interesses que se reportem a, apenas, algum ou alguns
administradores. Mas mesmo com estas delimitações: os deveres legais e estatutários, porventura
subsequentes à Lei de 2006, não de podem, de modo algum, considerar revogados pelo novo
artigo 72º/2 ou,, sequer, de incumprimento genericamente justificado. Apenas no caso concreto,
o apelo ao business judgment rule permitirá isentar o administrador do juízo de censura que, sobre
ele, iria incidir. Há exclusão de culpa/ilicitude ou, para quem insista na contraposição, em sede
contratual: de culpa.
Forma de desresponsabilizar o administrador dos atos lesivos que ele teve- importação
norte-americana. Os juízes não têm nada que ver com decisões empresariais.
Administrador pode vir dizer que agiu no âmbito da sua competência de gestão da sociedade,
que agiu na forma do 72º/2, ainda que tenha prejudicado a sociedade.

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Juiz vai dizer o quê? Não se vai meter em decisões de gestão- insindicabilidade judicial das
decisões. Juiz só diz isto é lícito ou não. Decisão empresarial pode ser correta ou não de acordo
com a condição económica da sociedade.
Princípio do 72º/2: atos de gestão não podem ser fiscalizados pelos tribunais. Não pode haver
uma confusão entre o mérito das decisões de gestão.
Assim eu protejo o administrador que consiga mostrar essas 3 coisas:
- atuar em termos informados
- livre de qualquer interesse pessoal: não pode haver uma violação do dever de lealdade
- segundo critérios de racionalidade empresarial.

→ Responsabilidade aquiliana

A lei não refere, de modo expresso, a hipótese de uma responsabilidade aquiliana dos
administradores para com a própria sociedade. Apenas o faz relativamente aos credores sociais,
aos sócios e a terceiros (art. 78º/1 e 79º): não há um vício obrigacional entre estes e a sociedade.
Todavia, essa responsabilidade é possível, nos termos gerais.
Assim sucederá, desde logo, nos casos em que o administrador atinja direitos absolutos da
sociedade (reais ou de personalidade, como exemplo), independentemente de deveres específicos
que lhe incumbam; nesses casos, responde nos termos do art. 483º/1 CC. Seguindo as regras
gerais, a responsabilidade aquiliana por violação de direitos subjetivos da sociedade deverá
efetivar-se através de outros administradores que representem a sociedade. Não estão em causa
situações jurídicas especificamente societárias, pelo que não faz sentido vir discutir o assunto em
assembleia geral.
De seguida, devemos contar com normas de proteção. Particularmente nos arts. 509º e ss.,
surgem diversas disposições penais que visam os administradores. Essas disposições penais
dobram, por vezes, as obrigações específicas que incumbem aos próprios administradores.
Noutros caso, elas surgem isoladas, visando proteger simplesmente os interesses da sociedade ou
de terceiros. A violação de tais normas obriga a indemnizar em termos aquilianos e por via do art.
483º/1 2.ª parte CC. Temos como exemplos:

o A falta de cobrança de entradas de capital (art. 509º);


o Aquisição ilícita de quotas ou ações (art. 510º);
o Amortização de quota não liberada (art. 511º);
o Amortização ilícita de quota dada em penhor ou objeto de usufruto (art. 512º).  Recusa
ilícita de informações (art. 518º) ou informações falsas (art. 519º);
o Violação ilícita das medidas a empreender perante a perda de metade do capital social (art.
523º);
o Irregularidades na emissão de títulos (art. 525º).
Em todos estes casos, não podemos falar em obrigações específicas no sentido civil do
termo. A sua violação não envolve presunção de culpa; a censura em que incorra o agente deve
ser especificamente alegada e demonstrada por quem queira uma sua responsabilização. Em
compensação, tais normas de proteção asseguram uma tutela aquiliana em caso de mera

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negligência (art. 483º/1 CC). A específica exigência do dolo só vale para as sanções penais (art.
527º/1 CSC).

→ Violação de deveres de cuidado; os deveres incompletos

Os deveres incompletos são, fundamentalmente, os que se inscrevem no art. 64º CSC.


Desse preceito, emergem os deveres de cuidado, os quais englobam:
o Deveres de disponibilidade;
o Deveres de competência técnica;
o Deveres de conhecimento da atividade da sociedade.
Todos esses deveres devem ser calibrados de acordo com as suas funções, operando sobre
o conjunto a bitola de esforço dada pela diligência do bom pai de família. Os deveres jurídicos
impõem condutas. Mas para tanto devem tais deveres comportar um conteúdo comunicativo útil;
de outro modo, o destinatário nem se aperceberá do que dele se pretende.
Faz todo o sentido dizer que os administradores devem revelar disponibilidade,
competência técnica e conhecimento da atividade da sociedade. Mas daí nenhum operador vai
retirar condutas concretas, em termos de dever ser. Quedam dois caminhos possíveis:
 Ou imaginar que os elencados deveres, genericamente ditos de cuidado, sofrem um
processo de autoconcretização;
 Ou entender que esses deveres só se concretizam em conjugação com outras normas.

Temos por mais útil o tratamento dos deveres de cuidado como normas parcelares ou
incompletas. Com este sentido:
a) Exige-se, em primeiro lugar, uma norma de conduta de onde emerja um qualquer dever, a
cargo dos administradores;
b) Apurado esse dever, a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da
sociedade serão úteis para o complementar e precisar.
Ninguém pode ser responsabilizado por, em abstrato, não ter disponibilidade, mas poderá
sê-lo se, perante determinado desempenho, se verificar que o administrador não organizou a sua
vida de modo a poder honrá-lo. Os deveres de cuidado operam assim como deveres incompletos:
só por si não são violáveis, em termos de responsabilidade civil, mas em conjunto com outras
normas, a violação torna-se possível, seguindo-se um regime operacional.

→ Violação de deveres de lealdade

Uma área delicada é a da eventual existência de responsabilidade, para com a sociedade,


perante a violação de deveres genéricos concretizados. A lógica da responsabilidade civil é
simples:
 Quando sejam violadas obrigações específicas, a situação é grave: o agente incorre numa
presunção de culpa/ilicitude;

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 Tratando-se de deveres genéricos (respeito por direitos absolutos) ou de normas de


proteção, a situação não é tão gravosa, estando em causa a liberdade do agente: este já não
incorre em presunção de culpa.
Põe-se a hipótese de uma “terceira via”: a da violação de deveres genéricos concretizados,
de tal modo que não chegue a operar tal presunção de culpa/ilicitude. Qual o papel dessa teoria
para o delucidar do art. 64.º CSC?
Os desenvolvimentos mais recentes, na área do Direito das obrigações, apontam para a
hipótese de vínculos obrigacionais sem deveres de prestação principais. Tais vínculos explicariam
situações de culpa in contrahendo, de deveres de atuação perante a nulidade ou a anulação de
contratos, de culpa post pactum finitum e outras. Esta é a solução preferível para o Prof. Menezes
Cordeiro, uma vez que reforça a responsabilidade civil: área em que os tribunais são demasiado
parcos.
A ideia das obrigações sem dever de prestar principal pode ser útil para enquadrar, em
termos de responsabilidade civil, parte do art. 64º CSC, tal como emergiu da reforma de 2006 –
quanto aos deveres de lealdade, estes devem, pela dogmática continental, ser reconduzidos a
concretizações societárias do princípio da boa-fé e das suas exigências. Tais concretizações
determinam que, em cada caso, sejam respeitados os valores fundamentais da ordem jurídica,
designadamente nas vertentes da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente.

Na concretização desses valores fundamentais, releva-se a enumeração do art. 64º/1 b).


Manda atender (e/ou ponderar) aos:
 Interesses de longo prazo dos sócios;
 Interesses dos outos sujeitos relevantes: trabalhadores, clientes e credores.

Ou seja, perante esse preceito (e, pelos princípios gerais), os administradores devem
respeitar as situações de confiança legítima e a materialidade subjacente que ocorram nas
exemplificadas dimensões. A prática documenta linhas de concretização, como os deveres de não
concorrência, de não aproveitamento das oportunidades de negócio surgidas para a sociedade e
outras.
Consoante as eventualidades, o dever (geral) de lealdade daria azo:
 A deveres acessórios de segurança, de tutela da confiança ou de informação;
 A verdadeiras prestações principais de facere ou de non facere.

→ Ações sociais

A efetivação da responsabilidade dos administradores perante a sociedade consegue-se


através das denominadas ações sociais: a matéria das ações consta dos arts. 75º, 76º e 77º, com a
seguinte lógica:
o Art. 75.º CSC ocupa-se da ação social intentada pela própria sociedade contra os
administradores (ut universi);
o Art. 76.º CSC prevê que, na hipótese de tal ação, possa haver representantes especiais da
sociedade, escolhidos por sócios;

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o Art. 77º CSC admite a ação social de grupo (ut singuli imprópria).

A ação social ut universi depende de uma deliberação da assembleia geral, tomada por
maioria simples (art. 75º/1 1.ª parte). Tal deliberação pode provir de prévio agendamento ou,
independentemente dele, em qualquer reunião que aprecie as contas de exercício (art. 75º/2 1.ª
parte). Nessa deliberação e nos termos gerais, não podem votar as pessoas cuja responsabilidade
esteja em causa (art. 75º/3). A ação deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da
deliberação da assembleia (art. 75º/1 2.ª parte) e, enquanto estiver pendente, não podem os
administradores voltar a ser designados (art. 75º/2 in fine). A ação social ut universis é intentada
pelos representantes da sociedade. Estes, de acordo com as regras comuns, são designados pela
administração a qual incluirá as pessoas que pretenda responsabilizar. Perante o melindre, que
pode traduzir conflitos de interesses, a lei prevê:
o Que os próprios sócios (leia-se: a sua maioria) possam designar representantes especiais
(art. 75º/1 parte final);
o Que o tribunal, a requerimento de sócios que detenham pelo menos 5% do capital social,
nomeie pessoa ou pessoas diferentes das que habitualmente representem a sociedade
quando os sócios (a maioria) não os tenham designado ou sempre que se justifique a sua
substituição (art. 76º/1).
Tais representantes podem pedir, da sociedade e no mesmo processo, o reembolso de
despesas e uma remuneração, fixada pelo tribunal (art. 76º/2). Todavia, caso a sociedade decaia
totalmente na ação, cabe à minoria que haja requerido a nomeação de representantes especiais
reembolsar a sociedade das custas e outras despesas.
A lei visa simplificar o sistema, permitindo ações sociais de grupo ou ut singuli impróprias
(art. 77º). Assim:
o Sócios que detenham 5% do capital social ou 2% quando de trate de ações cotadas podem
intentar a ação social (art. 73º/1 CSC);
o Podem, para o efeito, encarregar algum ou alguns dos sócios de os representar (art. 77º/2);
o A ação prossegue mesmo que algum ou alguns dos sócios, na pendência dela, percam essa
sua qualidade (art. 77º/3);
o A sociedade é chamada à causa pelos seus representantes (art. 77º/4);
o O réu pode pedir decisão prévia, quando os interessados visados não correspondam aos
defendidos por lei ou requerer que o autor preste caução (art. 77º/5).

A ação ut singuli faz sentido quando a própria sociedade, através da assembleia geral, não
intente a ação ut universi. Tem, nesta medida, natureza subsidiária. Apenas caberá ressalvar a
hipótese de se tratar de ações com diversos conteúdos ou causas de pedir, cabendo ao juiz arbitrar
ações concorrentes, designadamente da decisão prévia referida no art. 77º/5.

A responsabilidade para com os credores e os terceiros

→ A responsabilidade para com os credores

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A lei contempla uma expressa previsão de responsabilidade para com os credores sociais
nos termos do art. 78º: trata-se de uma previsão aquiliana, que transpõe para o plano societário o
final do art. 483º/1 CC, que se refere a danos patrimoniais puros: danos que não se refletem na
violação de um direito subjetivo (norma de proteção). Está em causa a violação culposa (com dolo
ou mera culpa) de normas de proteção.
O preceito só se entende à luz da lógica do Direito das sociedades. Na verdade, qualquer
inobservância culposa de normas de proteção conduz à responsabilidade aquiliana, desde que haja
danos. E os danos para os credores não emergem apenas de uma eventual insuficiência
patrimonial: poderíamos ainda computar delongas, incómodos, maiores despesas, danos à imagem
e, em geral, danos morais. Tudo isso é, porém, imputado à própria sociedade, mercê do nexo de
organicidade. É à sociedade, e não aos administradores, que cumpre indemnizar. O problema de
uma direta responsabilidade dos administradores só surge quando a culposa inobservância das
normas de proteção provoque uma insuficiência patrimonial.
Estamos fora de obrigações específicas, razão pela qual lidamos com uma
responsabilidade aquiliana, ainda que assente em normas de proteção. Dada a natureza dessas
normas, compreende-se o alcance do art. 78º/3: segundo esse preceito, o dever de indemnizar os
credores, a cargo dos administradores, não é excluído por quaisquer situações da sociedade:
renúncia, transação ou qualquer deliberação justificativa. Aos credores é ainda reconhecida a
possibilidade de agir em sub-rogação (art. 78º/2).

Que normas estão então em causa?


1. Normas relativas à realização do capital social – entradas;
2. Da intangibilidade do capital social – distribuição de bens a sócios.
Se o gerente não puser em causa nenhuma destas normas, não responde perante os
credores. Temos de ter em consideração que, sendo o projeto empresarial bem-sucedido, quem
beneficia são os sócios (não o gerente; sem prejuízo de este receber outras vantagens).

O artigo 78º/5 faz uma série de remissões para vários preceitos. Mais precisamente:
1. Para o 72º/2: business judgement rule;
2. Para o 72º/3: não responsabilidade dos administradores que não tenham participado nas
deliberações em jogo ou que a elas se tenham oposto;
3. Para o 72º/4: responsabilidade dos administradores que, podendo, não se tenham oposto;
4. Para o 72º/5: a responsabilidade para com a sociedade não tem lugar quando a ação ou
omissão do administrador assente em deliberação social, ainda que anulável: este preceito
contraria, aqui, o artigo 78º/3, a menos que se restrinja a sua aplicação à hipótese de o
artigo 78º/2;
5. Para o 72º/6: a responsabilidade não cessa por haver consentimento ou parecer favorável
do órgão e fiscalização; para o 73º: a solidariedade dos administradores responsáveis;
6. Para o 74º/1: nulidade das cláusulas de limitação ou de exclusão da responsabilidade
MENEZES CORDEIRO: perante este quadro, a remissão para o 72º/2 só pode advir de lapso.
Com efeito, não se entende como pode o business judgement rule alijar a responsabilidade dos
administradores para com os credores por violação culposa das normas destinadas a proteger esses
mesmos credores. Repare-se que as próprias cláusulas de exclusão são nulas (74º/1, ex vi 78º/5).
Admitir que o administrador possa, ilícita e culposamente, prejudicar os credores, violando

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normas de proteção, por agir livre, informada e empresarialmente, seria a mais completa selva. O
business judgement rule só é imaginável em relações administrador/sociedade: nunca fora desse
círculo. Perfilar-se-ia, de resto, uma inconstitucionalidade: por violação da propriedade privada
(62º/1) e da própria igualdade (13º/1 CRP). podemos ultrapassar o problema invocando uma
interpretação (fortemente) restritiva.

→ Responsabilidade para com os sócios e terceiros

A responsabilidade dos administradores para com os sócios e terceiros é remetida para o


regime geral da responsabilidade aquiliana/ delitual. Dispõe o art. 79º/1: “Os gerentes ou
administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos
que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções.”
À primeira vista, temos uma responsabilidade por violação de direitos absolutos ou por
inobservância de normas de proteção, nos termos do art. 483º/1 CC. Todavia, tal responsabilidade
sofre uma especial delimitação: apenas cobre os danos diretamente causados: é o caso de o
administrador lesar a integridade física do sócio/terceiro.
Pode acontecer que administradores, no exercício das suas funções, causem danos a sócios
e a terceiros. Estes terceiros englobam, designadamente, o Estado, os trabalhadores, os
fornecedores e stakeholders em geral e os próprios credores, agora por outra via. Quando isso
suceda, a sociedade é a responsável, mercê dos nexos de imputação orgânica. O administrador,
enquanto tal, não é incomodado.
Num desvio à lógica da personalidade coletiva, a Lei admite, porém que os
administradores sejam demandados quanto a danos que causem diretamente:
A responsabilidade é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma
intervenção de quaisquer outros eventos. Em termos valorativos, isso redundará:
o Ou em práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado;
o Ou em práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja inelutavelmente a verificação
do dano em causa.
Nestas condições, compreende-se que seja difícil a verificação da hipótese prevista no art.
79º/1 CSC. Logicamente: pois a assim não ser, de pouco valeria a própria ideia de personalidade
coletiva. Digamos que existe aqui uma hipótese de levantamento da personalidade ex lege.

A fiscalização das sociedades

A fiscalização exprime a ideia de constatar o efetivo cumprimento de determinadas regras.


Pressupõe, por parte de quem a leve a cabo, poderes de autoridade.
No Direito privado, a fiscalização adstringe-se ao seu núcleo estrito: o de observar, de
verificar e de acompanhar o estado de um determinada atuação. Sendo um poder conferido pelo
Direito, envolve a disponibilidade dos diversos meios instrumentais necessários para que possa
ser exercida com utilidade e eficácia. Designadamente:

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o Poder de aceder ao local e, aí, de fazer as observações necessárias: tirar medidas, fazer
testes e verificar os materiais, por exemplo;
o Poder de fazer perguntas, a responder com verdade: ao fiscalizado ou ao seu pessoal;
o O poder de conferir documentos pertinentes: planos, faturas, comprovativos e outros.

→ A fiscalização nas sociedades civis puras

No CC, o conteúdo da fiscalização é explicitado a propósito das sociedades. Segundo o


art. 988º: “Nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por cláusula do contrato, do direito de
obter dos administradores as informações que necessite sobre os negócios da sociedade, de
consultar os documentos a eles pertinentes e de exigir a prestação de contas.”
Este art. veio distinguir:
o O direito à informação;
o O direito de consulta de documentos;
o O direito à prestação de contas.
A fiscalização pode ser:
o Orgânica: os inerentes poderes são encabeçados por um órgão especializado;
o Inorgânica: o seu exercício cabe genericamente aos sócios, isolados ou em grupo.
Nas sociedades civis puras e nas sociedades comerciais mais simples, a fiscalização é
inorgânica. Pelo contrário, nas sociedades anónimas, ela dispõe de órgãos específicos, dotados de
regras próprias e de poderes autonomizados.

→ A fiscalização nas sociedades comerciais

O tema da fiscalização, pautado por sucessivas reformas, ditadas por crises sucessivas,
constituiu um dos motores da evolução do Direito das sociedades ao longo dos sécs. XIX e XX.
Parte significativa do tema da corporate governance tem que ver com a fiscalização.
Com a reforma de 2006, passámos a ter, em relação às SA:
 Sistema monista de tipo latino, com um conselho de administração e o conselho fiscal;
 Sistema monista de tipo anglo-saxónico, com a comissão de auditoria integrada no
conselho de administração;
 Sistema dualista, com um conselho de vigilância (ou conselho geral e de supervisão) e a
direção.
Teoricamente, as funções de fiscalização seriam, no primeiro caso, asseguradas pelo
conselho fiscal, revertendo, no segundo, para a comissão de auditoria e, no terceiro, para o
conselho de vigilância.
Menezes Cordeiro: a terceira opção parece a melhor, em termos de eficácia: o conselho
fiscal apresenta-se como uma instância exterior ao management, sem uma atuação permanente e,
através de diversos expedientes, possível de contornar; a comissão de auditoria opera paredes-
meias com a administração, podendo comprometer-se com ela. Já o conselho de vigilância,

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sempre em funções e podendo especializar os seus membros, de acordo com os pelouros da


sociedade, tem outras hipóteses, sobretudo quando a direção dependa dele.

→ Outras vias de fiscalização

o Fiscalização exercida por um corpo profissional independente, devidamente habilitado: o


dos revisores oficiais de contas;
o Fiscalização pelo Ministério Público, referida nos arts. 172º e 173º;
o Fiscalização levada a cabo pelas entidades de supervisão, nos âmbitos respetivos: Banco
de Portugal, Instituto de Seguros de Portugal e Comissão de Mercado dos Valores
Mobiliários.

→ A substância da fiscalização; a compliance

A fiscalização pode incidir sobre campos distintos. Tomando como ponto de partida a
competência conferida pela Lei aos órgãos de fiscalização (arts. 420º, 423º-F e 441º), podemos
distinguir as seguintes áreas:
o Legalidade estrita: observância pela administração das regras legais e estatutárias e com a
sua aplicação pelos diversos órgãos;
o Legalidade contabilística e patrimonial: implica a supervisão de todos os suportes de
contas e similares e a ponderação dos elementos apresentados pela administração, à luz da
realidade da empresa;
o Políticas contabilísticas e valorimétricas: são possíveis vários critérios de avaliação da
realidade, cabendo à sociedade escolher os concretamente mais adequados. Trata-se de
um domínio técnico, mas no qual jogam já opções político-empresariais próximas da
gestão;
o Sistemas de gestão de riscos, de controlo interno e de auditoria interna: próprios das
grandes sociedades. A sua montagem e o seu funcionamento requerem o domínio das leges
artis, isto é, o know how próprio da sociedade onde o problema se ponha. Compete,
também, formular juízos de oportunidade empresarial, no sentido mais amplo;
o Gestão lato sensu – as políticas da empresa são as mais convenientes? A efetivação de
certo investimento é oportuna? O pessoal está dimensionado às necessidades da empresa?
Levada ao extremo, a fiscalização poderia aproximar-se da própria gestão. Distingue-se
dela pelo ângulo de abordagem:
o Embora a gestão tenha de se preocupar, em permanência, com a legalidade e com a
regularidade do que faça, corrigindo os desvios, o seu papel é o de conduzir a atuação
empresarial, descobrindo oportunidades de negócio e incrementando as existentes;
o Já a fiscalização sindica as opções, assegurando a confiança exterior e corrigindo, no plano
interno, o que deva ser corrigido.

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A compliance (agir de acordo com uma regra/instrução) abrange o conjunto dos


procedimentos que:
i. Identifiquem as atuações devidas, derivadas de leis, regulamentos, contratos,
estratégias e opções políticas;
ii. Acompanhem o estado de execução;
iii. Avaliem os riscos e os custos potenciais do não cumprimento;
iv. Definam prioridades;
v. Preconizem corretivos para as falhas que ocorram.

A compliance é apontada como uma reação de defesa perante os riscos crescentes de


responsabilização que afetam as empresas e as administrações. Particularmente na Alemanha,
tomada como exemplo liderante de Direito continental europeu, ela funciona nos planos da
prevenção, localização e reação de quanto possa pôr em ação a responsabilidade da empresa e de
quem a sirva. Não substitui a fiscalização tradicional, entregue aos seus órgãos especializados.
Dá-lhe, todavia, uma coloração mais dinâmica e menos dogmatizada. Além disso, em torno das
boas práticas de compliance gera-se um conjunto de parâmetros aplicáveis fora do estrito campo
societário.

→ Responsabilidade dos fiscalizadores

A responsabilidade dos membros do órgão de fiscalização rege-se pelo disposto no artigo


81º/1 do CSC que opera uma remissão para as normas aplicáveis à responsabilidade dos
administradores.
Ademais, o nº 2 da disposição referida diz-nos que os membros do órgão de fiscalização
respondem solidariamente com os gerentes ou administradores perante a sociedade.
Aqui está em causa uma responsabilidade por culpa própria in vigilando (e não uma
responsabilidade por facto de outrem). Isto é, se os danos se tivessem verificado
independentemente do cumprimento das obrigações de vigilância, não existirá responsabilidade,
ou seja, exige-se um nexo causal entre a violação de obrigações de fiscalização e o dano.
Não obstante a remissão feita pelo art. 81º abranger aparentemente o art. 72º/2, podemos
colocar em dúvida a suscetibilidade de afastamento da responsabilidade de membros dos órgãos
de fiscalização através da BJR, na medida em que esta cláusula de exclusão de ilicitude pressupõe
que estejamos diante de deveres que implicam uma margem de liberdade de decisão.

Prestação de contas: art. 70º

Relatório de gestão- art. 66º: os gestores societários devem elaborar este documento
designado relatório de gestão, com um conteúdo mínimo legal-, que descreva e sintetize em
termos genéricos os principais aspetos da vida societária no decurso do exercício em apreço e que
mencione também os factos relevantes ocorridos desde o respetivo termo até à data da sua
conclusão. É um documento de prestação de contas que pretende relatar a situação da sociedade
relativamente a um determinado período da sua atividade, mais concretamente a um exercício
social, com a finalidade de a mesma ser conhecida dos sócios e dos demais stakeholders.

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A modificação das sociedades

As sociedades podem não se manter estáticas e dispõe de mecanismos para se adaptar,


evoluindo e modificando-se.
O CSC, após uma longa evolução, dá relevo aos temas da modificação e extinção das
sociedades, que são matérias que têm sofrido diversas alterações legislativas, muito por força do
direito europeu (mais de 10 diretivas têm sido emitidas nos últimos anos acerca desta matéria).
Esta matéria tem alguma prolixidade, uma vez que obriga a compatibilizar os interesses
dos sócios maioritários, que decidem, em princípio, as diversas operações, dos minoritários que
se lhes oponham e dos terceiros, credores da sociedade.
Os temas de fusões, cisões e transformações estão numa área sensível onde se movem
junto de interesses muito significativos para os quais a segurança jurídica é decisiva, a facilidade
com que seja possível realizar operações de concentração ou de recomposição empresariais
constitui um trunfo decisivo para os países que as comportem, devido ao grande relevo económico
das modificações das sociedades.

As alterações do contrato

→ Alterações em geral

No Direito das sociedades, utiliza-se “alteração” no sentido mais estreito de modificação


dos estatutos que não tenha eficácia subjetiva, reduzindo (fusão) ou ampliando (cisão) as pessoas
e que não conduza à adoção, por uma sociedade, de um tipo diverso do inicial. A possibilidade de
proceder a alterações no pacto social, que não ponham em crise a identidade da pessoa coletiva
em jogo foi alcançada, ao longo de uma evolução, legislativa e dogmática, complexa. O tema está
regulado nos arts. 85º a 96º, distinguindo-se entre alterações em geral, aumento do capital e
redução do capital.
A alteração do contrato de sociedade pode operar por modificação, supressão ou
aditamento de cláusulas. Ela só pode ser deliberada pelos sócios, salvo quando a lei permita,
cumulativamente, atribuir essa função a outro órgão (85º/1). Há que respeitar o tipo social em
jogo (nº2). Adotada a alteração, deve a mesma ser reduzida a escrito (85º/3), bastando, para isso,
a ata da deliberação, salvo se esta, a lei ou o pacto social exigirem outro documento.
O art. 86º ocupa-se da proteção dos sócios. Assim, só por unanimidade pode ser atribuído
efeito retroativo à alteração do contrato e, ainda então como é lógico, apenas nas relações entre
eles. Se a alteração impuser o aumento das prestações dos sócios, ela é ineficaz para os que, nele,
não tenham consentido (nº1 e nº2, respetivamente).

→ Aumento do capital

A deliberação de aumento de capital deve conter os requisitos elencados no art. 87º/1,


mencionando expressamente:
a) A modalidade do aumento do capital;

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b) O montante do aumento do capital;


c) O montante nominal das novas participações;
d) A natureza das novas entradas;
e) O ágio, se houver;
f) Os prazos dentro dos quais as entradas devem ser efetivadas, sem prejuízo do disposto no
art. 89º;
g) As pessoas que participarão nesse aumento.

Apesar da sua generalidade, este dispositivo aplica-se aos aumentos de capital por novas
entradas e não por incorporação de reservas: uma matéria tratada nos arts. 91º a 93º. O nº3 desse
preceito proíbe o aumento de capital na modalidade de novas entradas, enquanto não estiver
definitivamente registado um aumento anterior, nem estiverem vencidas todas as prestações de
capital, inicial ou proveniente de anterior aumento. Trata-se de uma medida destinada a prevenir
a capitalização artificial das sociedades.

As modalidades do aumento de capital abrangem:


o As novas entradas, seja de sócios, seja de terceiros que, assim, se tornam sócios;
o A incorporação de reservas, aproveitando o valor real do património da sociedade para
formalizar capital;
o A transformação de dívidas em capital, passando os credores a sócios.
Em termos internos, o capital considera-se aumentado e as participações constituídas a
partir da data da deliberação, se da respetiva ata constar quais as entradas já realizadas e que não
é exigida a realização de outras entradas (88º/1). Não constando essa referência, o capital
considera-se aumentado na data em que qualquer administrador faça, por escrito, uma declaração
equivalente (88º/2). Para efeitos exteriores, exige-se o registo (14º/1 CRCom).

O problema das entradas merece o art. 89º. Aplica-se, tendencialmente, o regime das
entradas aquando da constituição da sociedade (89º/1). Sendo a deliberação omissa quanto às
entradas em dinheiro que a lei permite diferir, são estas exigíveis a partir do registo definitivo do
aumento do capital (89º/2). A deliberação de aumento caduca ao fim de um ano se a declaração
referida no art. 88º/2 não puder ser outorgada nesse prazo, por falta de realização das entradas. O
art. 90º, relativo à fiscalização de todos estes elementos pelo notário, foi revogado pelo DL nº 76-
A/2006, de 29 de março. O aumento por incorporação de reservas obtém particulares cautelas
legislativas (art. 91º), regulando-se o aumento das participações dos sócios (92º) e prevendo-se
uma especial fiscalização (93º). O respeito pela realidade subjacente assim o exige.

→ A redução do capital

A redução do capital de uma sociedade, designadamente para libertar fundos para os


sócios, pode pôr em crise os direitos e as expetativas de terceiros. Compreendia-se que a lei a
rodeasse de cuidados vincados. Todavia, tais cuidados eram tantos que se impunha uma
simplificação. Ela foi levada a cabo pelo DL nº 8/2007, de 17 de janeiro. A convocatória da

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assembleia geral cuja ordem de trabalhos inclua a redução do capital deve ter as especificações
do art. 94º. Faltando, a deliberação é nula.
Hoje dispensa-se a autorização judicial: o novo art. 95º/1 apenas exige que a situação
líquida da sociedade exceda em 20% o novo capital, sob pena de a redução não poder ser
deliberada. A redução pode conduzir a um capital inferior ao mínimo legal, desde que fique
expressamente condicionada a um aumento igual ou superior a esse mínimo (95º/2): uma
denominada operação “acordeão”.
O art. 96º tutela os credores. Ele permite que no prazo de um mês após a publicação do
registo da redução de capital, qualquer credor requeira, no tribunal, que a distribuição de reservas
disponíveis ou de lucros disponíveis seja proibida ou limitada, durante um certo período (nº1). Os
nºs 2 e 3 tratam de questões envolvidas. O art. 1058º CPC regula esta oposição.

A fusão das sociedades

→ Introdução

A fusão das sociedades é uma forma jurídica- porventura a mais perfeita- que permite dar
corpo ao fenómeno da concentração económica. Em termos descritivos, pode dizer-se que, na
fusão, duas ou mais sociedades se juntam para formar uma só. Paralelamente, a cisão de
sociedades dá corpo à reestruturação descentralizada de uma sociedade inicial, facultando a
criação, na sua base de, pelo menos, duas sociedades. A fusão e a cisão colocam problemas
similares. Vamos considerar a fusão, matriz das regras a ambas aplicáveis.

Existe a contraposição entre duas modalidades básicas de fusão:


o Fusão por incorporação: uma sociedade preexistente mantém-se, absorvendo uma outra;
o Fusão por concentração: duas ou mais entidades preexistentes transferem as suas posições
jurídicas para uma entidade, criada a esse propósito.
Esta distinção surge, hoje, no art. 97º/4 CSC. Outras contraposições são possíveis: fusão
de sociedades dissolvidas: fusão de sociedades dissolvidas (97º/2), de cooperativas, internas e
internacionais e transfronteiriças.
→ Processo

A fusão dispõe, no CSC, de um processo minuciosamente regulado. Há que elaborar um


projeto de fusão (art. 98º), devidamente fiscalizado (99º) e sujeito a registo (100º/1). É então
convocada uma assembleia geral, com especial solenidade, para cada uma das sociedades
(100º/2). A assembleia, precedida por informações específicas (101º), decorre e delibera com
particulares requisitos (102º e 103º). Pode haver exonerações (105º). No caso de alguma das
sociedades possuir participação no capital de outra, não pode dispor de um nº de votos superior à
soma dos que competem a todos os outros sócios (104º/). Pode a lei ou o contrato atribuir ao sócio
que tenha votado contra o projeto de fusão o direito à exoneração, segundo o art. 105º. Feito o
registo, pode haver oposição dos credores, em termos judiciais (art. 101º-A e 101-D). A forma do
ato de fusão deve revestir a forma exigida para a transmissão dos bens das sociedades
incorporadas (106º/1).

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O CSC trata da eficácia da fusão a propósito dos efeitos do seu registo: este tem natureza
constitutiva. Assim, segundo o art. 112º,
Com a inscrição da fusão no registo comercial:
a) Extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade,
todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a
sociedade incorporante ou para a nova sociedade;
b) Os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova
sociedade.
O art. 113º ocupa-se da fusão sujeita a condição ou a termo: permite que, na sua pendência,
quando suspensivos e havendo alterações, a assembleia geral de qualquer das sociedades possa
requerer a “resolução ou modificação do contrato”. O art. 114º rege a responsabilidade dos
administradores e dos membros dos órgãos de fiscalização envolvidos na fusão, a efetivar nos
termos do art. 115º.

Natureza; o statuo viae

As teses tradicionais relativas à fusão de sociedade viam, nela, a extinção de uma


sociedade e a transmissão dos seus bens para o património de outra.
MENEZES CORDEIRO: a chamada fusão de sociedades comerciais é, na verdade, uma
transformação das mesmas: os pactos sociais respetivos são alterados, de modo que as diversas
entidades preexistentes passam a constituir uma só. Não se verifica, nas partes, uma vontade
tendente a promover uma extinção. O regime desta é, de resto, totalmente estranho à fusão.
Consequentemente, as situações jurídicas antes encabeçadas pelas sociedades envolvidas
mantêm-se, ao longo da vicissitude: no termo desta, elas vão surgir, com toda a naturalidade, na
entidade resultante da fusão, sem que qualquer alteração nelas se possa revelar.
A jurisprudência tem reconhecido essa natureza da fusão.

A cisão das sociedades

Diz-se cisão de uma sociedade a sua divisão em duas ou mais sociedades, dela derivadas.
A cisão opera como a contraface da fusão: implica uma fenomenologia pararela, só que inversa.
Temos, desta vez, uma transformação que dá azo a duas ou mais entidades. As situações jurídicas
antes encabeçadas pelo ente cindido mantêm-se totalmente inalteradas. Também aqui se poderia
falar numa manifestação de sucessão.

No seu art. 118º/1, o CSC distingue:


➔ Cisão-destaque ou cisão simples: a sociedade-mãe destaca parte do seu património e, com
ele, constitui outra sociedade. Há que observar os requisitos do art. 123º, atendentes ao
valor do património da sociedade cindida e ao seu capital social, só podendo ser destacados
o ativo e o passivo referidos no art. 124º;
➔ Cisão-dissolução: todo o património da sociedade a cindir é abrangido- art. 124º;
➔ Cisão-fusão: combina cisões com fusões.

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Em toda esta matéria, foi importante a 6º Diretriz das sociedades, precisamente relativa à
fusão e que foi transporta para o CSC.

O processo de cisão apresenta uma regulação minuciosa. A administração da sociedade a


cindir ou, tratando-se de cisão-fusão, as administrações das sociedades participantes, em conjunto,
devem elaborar um projeto de cisão de onde constem (119º): além dos demais elementos
necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto no aspeto
jurídico como no aspeto económico, os elementos elencados nas 15 alíneas desse preceito.
Há uma grande preocupação em não prejudicar os credores. Assim, a sociedade cindida
responde solidariamente pelas dívidas que, por força da cisão, tenham sido atribuídas à sociedade
incorporante ou à nova sociedade (122º). A cisão simples tem ainda requisitos relacionados com
essa problemática (123º), sendo regulados os ativo e passivo destacáveis (124º). A redução do
capital é uma consequência lógica da cisão. Quando, porém, vá mais longe do que o requerido por
esta, haverá que aplicar as regras próprias da redução, cumulativamente (125º). Por essa via
teremos figuras como a publicação de projetos e a possibilidade de oposição judicial dos credores.

Natureza

Tal como no caso da fusão e por razões paralelas, a cisão implica uma continuidade com
as autoridades envolvidas. Assim deve entender-se que opera uma verdadeira transformação entre
as entidades resultantes da cisão e a sua (ou suas) antecessora(s). O art. 121º dá corpo a esta ideia,
prescrevendo que a atribuição de dívidas da sociedade cindida à sociedade incorporante não
implique novação.

Transformação de sociedades

Em termos técnicos, a transformação de uma sociedade opera como uma mudança de


forma: uma sociedade constituída segundo um dos tipos legalmente permitidos adota a forma
correspondente a um tipo diferente. Importante é que não se verifique quebra de identidade entre
a sociedade considerada antes e depois da transformação.
Matéria regulada nos arts. 130º a 140º. A matéria principia por uma noção, que contrapõe
a transformação de sociedades comerciais em sociedades comerciais de tipo diverso e de
sociedades civis sob forma civil em sociedades comerciais (130º/ 1 e 2). A ideia de identidade
nota-se em 2 pontos:
➔ A transformação não implica dissolução, salvo se assim for deliberado (130º/3): altura em
que a transformação será imprópria;
➔ A sociedade derivada da transformação sucede automática e globalmente à anterior
(130º/6).

A transformação de sociedades constitui um ponto alto da sua adaptabilidade à mutuação


das circunstâncias. Um perfil evolutivo tradicional é-nos dado pela pequena empresa familiar, que
passa a sociedade em nome coletivo e, depois, à medida que vai acumulando êxito e capital, a
sociedade por quotas e a sociedade anónima. Todo o problema do legislador está em conjugar
essa necessidade vital com as cautelas requeridas pelo mercado.

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Impedimentos, processo e tutela dos sócios

• Impedimentos, processo e tutela dos vícios


O artigo 131º fixa impedimentos à transformação. Estes ocorrem:
1. Se o capital não estiver integralmente liberado ou se não estiverem totalmente realizadas
as entradas convencionadas:
2. Se o balanço mostrar que o património é inferior ao capital e à reserva legal somados;
3. Se se apurarem sócios com direitos especiais que não possam ser mantidos depois da
transformação;
4. Se, tratando-se de sociedade anónima, esta tiver emitido obrigações convertíveis em ações
ainda não totalmente reembolsadas ou convertidas.
Isto posto, cabe à administração organizar um relatório justificativo acompanhado do balanço
mais recente e do projeto de novos estatutos (132º/1). Têm aplicação os artigos 99º (fiscalização)
e 101º (consulta de documentos). Exige-se o quórum deliberativo do artigo 133º, devendo ser
deliberado, em separado (134º):
1. A aprovação do balanço ou da situação patrimonial;
2. A aprovação da transformação;
3. A aprovação dos novos estatutos.
A inobservância destes pontos e dos conexos gera nulidade.
O Código preocupa-se, depois, com a tutela dos sócios e dos credores. As participações,
nominais e na proporção devem ser mantidas, salvo acordo unânime (136º), podendo assistir-se à
exoneração de sócios discordantes (137º). Os credores obrigacionais mantêm as normas aplicáveis
(138º), conservando-se situações de responsabilidade limitada anteriores à transformação
(139º/1). Os direitos reais de gozo ou de garantia que incidiam sobre as participações anteriores
passam para as novas, dentro de um esquema de sub-rogação real (140º).

Dissolução e liquidação das sociedades

A dissolução das sociedades traduz o ato e o efeito da sua cessação. Ela pode corresponder a
situações materiais muito diversas. Assim, pode tratar-se:
1. Do desenrolar de um plano combinado desde o início: os sócios previram uma sociedade
temporalmente limitada, fixando-lhe um prazo;
2. De um acidente de percurso que inviabilize o funcionamento da sociedade, suprimindo-
lhe um dos seus elementos essenciais;
3. Da superveniência de uma situação de esgotamento das forças patrimoniais, gerando a
insolvência;
4. De uma operação de gestão, que leve os sócios a deter uma iniciativa, para a substituir por
outra.

Dissolução das sociedades

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2021/2022

Os casos de dissolução das sociedades vêm enumerados na lei: circunstância natural e


importante, uma vez que se trata de pôr termo a uma manifestação da autonomia privada, com
conteúdo patrimonial; ela não poderia ocorrer por simples arbítrio do Estado ou de qualquer outra
entidade sem cobertura legal. A lei, na sequencia da reforma de 2006, distingue entre casos de
dissolução imediata (141º) e casos de dissolução administrativa ou por deliberação dos sócios
(142º).
Estes preceitos devem ser comparados com o artigo 1007º do CC, relativo à dissolução das
sociedades civis puras e com o artigo 182º/1 do CC, referente à dissolução de associações.
Verifica-se uma flutuação de terminologia e, até, de soluções, que não pode ser explicada pela
natureza diferente das entidades em jogo o que mais se incrementou com a reforma de 2006.
Impõe-se, assim, um esforço suplementar, no tocante à codificação do Direito privado português.

DISSOLUÇÃO IMEDIATA
Temos os casos seguintes (141º/1):
1. O decurso do prazo fixado no contrato: trata-se de uma manifestação de autonomia
privada;
2. Por deliberação dos sócios; tomada com a percentagem requerida pelos estatutos ou, sendo
esse o caso, pela lei;
3. Pela realização completa do objeto social: uma figura difícil de distinguir da
impossibilidade superveniente prevista no artigo 142º/1 b), mas que, todavia, será de mais
fácil constatação, sobretudo perante sociedades com fins muito delimitados; por exemplo:
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4. Pela ilicitude superveniente do objeto social: desta feita, trata-se de uma impossibilidade
jurídica que o legislador estima mais facilmente comprovável do que a de facto, referida
no artigo 142º/1 b);
5. Pela declaração de insolvência da sociedade: a declaração de insolvência advém de
sentença; surgida esta, a dissolução opera de modo automático.
Esta matéria decorre das alíneas a) a e) do artigo 141º/1. Nos casos correspondentes às alíneas
a), c) e d), os sócios podem, por maioria simples, constatar a dissolução; outros interessados
podem promover a justificação notarial da dissolução ou o procedimento simplificado de
justificação (141º/2).

DISSOLUÇÃO ADMINISTRATIVA OU DE DELIBERAÇÃO


Neste âmbito, a dissolução pode ocorrer por uma de 4 vias:
1. Quando, por mais de um ano, o número de sócios for inferior ao legal, salvo se um deles
for uma pessoa coletiva pública ou entidade equiparada;
2. Quando a atividade que constitua o objeto social se torne, de facto, impossível;
3. Quando a sociedade não tenha exercido qualquer atividade não compreendida no objeto
social.
Nos casos referidos, cabe aos sócios, por maioria absoluta de votos expressos em assembleia,
dissolver a sociedade (142º/3). E como de facto, pode ser difícil distinguir estes casos dos de
dissolução imediata previstos no artigo 141º/1, o 142º/2 dispõe que, no silêncio d lei quanto ao
efeito de um caso de dissolução ou resultando de dúvidas do contrato, deve entender-se que a
solução não é imediata.

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• Aspetos processuais; o regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução


e de liquidação de entidades comerciais
A substituição, pela reforma de 2006, da dissolução judicial das sociedades por uma
dissolução administrativa, levou a uma série de alterações de natureza processual. O artigo 143º
prevê causas de dissolução oficiosa, a instaurar pelo serviço de registo competente.
Verifica-se uma interpenetração dos serviços do Estado: excelente em termos de
produtividade, eficiência e comodidade para as pessoas, mas sempre perigosa para a liberdade dos
cidadãos.
A dissolução da sociedade, quando deliberada pela assembleia geral, não depende de forma
especial (145º/1). A administração da sociedade ou os liquidatários devem requerer a inscrição da
dissolução, podendo ainda qualquer sócio fazê-lo, a expensas da sociedade.
O artigo 144º remete o regime do procedimento administrativo de dissolução para um diploma
próprio. tal diploma foi aprovado pelo artigo 1º/3 do DL nº 76-A/2006, de 29 de março, sendo
publicado em anexo a esse diploma. Trata-se de um articulado médio (30 artigos), arrumado em
3 secções:
Secção I: Disposições gerais (1º a 3º);
Secção II: Procedimento administrativo de dissolução (4º a 14º);
Secção III: Procedimento administrativo de liquidação (15º a 26º)
Secção IV: Procedimento especial de extinção imediata de entidades comerciais (27º a 30º)

Nas disposições gerais o legialador define o âmbito do diploma: ele visa “entidades
comerciais”, as quais abrangem (2º/1):
1. Sociedades comerciais;
2. Sociedades civis sob forma comercial;
3. Cooperativas;
4. Estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada.
São excetuadas, na medida da sua sujeição a regimes especiais, as instituições de crédito, as
sociedades financeiras e outras, dessas áreas (2º e 3º). Os atos de dissolução administrativa ficam
sem efeito se, no decurso do processo, for pedida a declaração de insolvência: seguir-se-á, então
o disposto no CIRE.
O processo administrativo de dissolução inicia-se pela apresentação, ao serviço de registo
competente, de um requerimento subscrito pela entidade comercial interessada ou por quem a ela
pertença (4º/1). Tal requerimento pode surgir quando a lei o permita e, ainda, nos oito casos
enunciados no mesmo preceito.
São retomadas as 4 causas do artigo 142º/1, completadas com “causas” respigadas do regime
das sociedades por quotas unipessoais (270ºC) e do das cooperativas. O requerimento deve ser
acompanhado por certos elementos (4º/2).
O processo pode ainda iniciar-se oficiosamente, sendo instaurado pelo conservador, quando a
lei o determine e nas oito hipóteses elencadas no artigo 5º.
A pendência é oficiosamente averbada (6º/1) ou cancelada, quando a dissolução seja
indeferida (6º/2).
No tocante à marcha do processo, temos a observar o seguinte:
1. Quando o pedido seja manifestamente improcedente ou faltem elementos documentais
básicos, o conservador deve indeferi-lo liminarmente;

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2. Determinadas pessoas diretamente interessadas são notificadas, com remessa de


elementos e dando-se-lhes um prazo de 10 dias para responder (8º);
3. A notificação deve conter determinadas especificidades, quando o procedimento seja
instaurado oficiosamente (9º);
4. As entidades comerciais podem indicar os liquidatários (10º);
5. Instruído o processo, o conservador toma uma decisão (11º).
A decisão do conservador pode ser judicialmente impugnada, no prazo de 10 dias a contar da
sua notificação (12º). A decisão é oficiosamente inscrita (13º), devendo ser eletronicamente
comunicada ao RNPC, à administração fiscal e à segurança social (14º).

Liquidação

Diz-se liquidação um conjunto de atos que visam pôr termo ao modo coletivo de
funcionamento de Direito, perante uma pessoa coletiva. em termos práticos a liquidação implica
o levantamento de todas as situações jurídicas relativas às sociedades em liquidação, a resolução
de todos os problemas pendentes que a possam envolver, a realização pecuniária (se for o caso)
dos seus bens, o pagamento de todas as dívidas e o apuramento do saldo final, a distribuir pelos
sócios.
Segundo o artigo 146º/1, a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, iniciando-
se o apontado progresso. Têm aplicação os artigos subsequentes do CSC, salvo a insolvência e a
liquidação judicial. Tem importância o artigo 146º/2: a sociedade em liquidação mantém a
personalidade jurídica, sendo-lhes aplicável, quando outra coisa se não prescreva e com as
necessárias adaptações, as regras referentes às sociedades não dissolvidas. Com as seguintes
particularidades (146º/3, 4 e 5):
1. A firma deve ser aditado “sociedade em liquidação” ou em “liquidação”;
2. O contrato pode remeter para a liquidação judicial, outro tanto poder fazer os sócios,
deliberando pela maioria necessária para alterar o contrato;
3. Em tudo o que não estiver previsto na Lei (logo: sem a contrariar), o controlo e os sócios
podem regulamentar a liquidação. O óbice a uma total liberdade dos sócios advém da
necessidade de proteção dos credores sociais.
Preveem-se duas fórmulas especiais de liquidação:
1. A partilha imediata;
2. A liquidação por transmissão global.
A transmissão imediata pode ser realizada pelos sócios, quando a sociedade não tenha dívidas
(147º/1); quanto às dívidas fiscais ainda não exigíveis responderão ilimitada e solidariamente todo
os sócios (147º/2). A liquidação por transmissão global, possível quando o contrato de sociedade
ou uma deliberação dos sócios a determine, consiste na transmissão de todo o património, ativo e
passivo, da sociedade para algum ou alguns dos sócios, inteirando-se os outros em dinheiro; deve,
porém, ser precedida de acordo escrito de todos os credores sociais (148º/1).
• Processo

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O CSC dispensa diversas regras de cariz processual ou procedimental. Como operações


preliminares de liquidação o artigo 149º fixa as seguintes:
1. Antes de iniciada, devem ser organizados e aprovados, nos termos da lei, os documentos
de prestação de contas, reportadas à data da dissolução;
2. A administração deve dar cumprimento a esse dispositivo nos 60 dias subsequentes à
dissolução; se não o fizer, esse dever cabe aos liquidatários;
3. A recusa de entrega aos liquidatários de todos os livros, documentos e haveres da
sociedade constitui impedimento ao exercício de cargo, para efeitos dos artigos 1500º e
1501º do CPC.
O processo de liquidação pode obrigar a resolver inúmeros problemas. Torna-se, assim,
potencialmente demorado. Visando controlar o fenómeno e pretendendo prevenir que se
prolongue o estado de letargia em que sempre se encontrarão os bens em partilha, o artigo 150º/1
fixa um prazo mínimo de dois anos para a liquidação, a contar da data de dissolução. Esse prazo
pode ser prorrogado pelos sócios, por tempo não superior a um ano (150º/2). Desrespeitados os
prazos, liquidação e partilha passam a ser feitas por via administrativa.
Uma atenção especial é dada aos liquidatários: administradores da sociedade em liquidação e
aos quais compete executar a generalidade dos atos incluídos no processo de liquidação.
O artigo 151º reporta-se ao “estado” de liquidatários. Sinteticamente, poderemos dizer que:
1. Salvo cláusula ou deliberação em contrário, os próprios administradores passam, com a
dissolução, a liquidatários;
2. Mesmo sem justa causa, podemos os sócios deliberar a sua destituição e nomeação de
outros, em acréscimo ou em substituição dos existentes;
3. O conselho fiscal, qualquer sócio ou qualquer credor podem requerer a sua destituição,
com base em justa causa;
4. Estas mesmas entidades podem, na falta de liquidatários, requerer a sua nomeação judicial;
5. As pessoas coletivas não podem ser nomeadas liquidatários, excetuando as sociedades de
advogados ou de revisores oficiais de contas;
6. Salvo cláusula ou deliberação em contrário, havendo mais que um liquidatário, tem cada
um dos poderes iguais e independentes para os atos de liquidação, exceto quanto à
alienação de bens, altura em que se exige a intervenção de, pelo menos, dois; esta fórmula
exprime os poderes de representação dos liquidatários;
7. A nomeação e a destituição dos liquidatários está sujeita a registo comercial;
8. Que as funções dos liquidatários terminam com a extinção da sociedade, salvo os artigos
162º a 164º (ações pendentes, passivo e ativo supervenientes);
9. Que a remuneração dos liquidatários é fixada pelos sócios e constitui encargo da
liquidação.
Isto dito: com as necessárias adaptações, os liquidatários têm os deveres, os poderes e a
responsabilidade próprios dos administradores (152º/1). Por deliberação dos sócios, o
liquidatários pode ser autorizado (152º/2) a continuar temporariamente a atividade social, a
contrair empréstimos necessários para a liquidação, a alienar em globo o património da sociedade
e a proceder ao trespasse do estabelecimento da sociedade. ele deve, por seu turno (152º/3),
ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os seus créditos,
reduzir a dinheiro o património residual, salvo a partilha em espécie e propor a partilha dos haveres
sociais.

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Salvo “falência” ou acordo entre a sociedade e o seu credor, a dissolução não torna exigíveis
as dívidas desta, mas os liquidatários podem antecipar o pagamento delas, mesmo quando os
prazos tenham sido estabelecidos em benefícios dos credores (153º/1). Os créditos devem ser
reclamados, mesmo quando os prazos tenham sido fixados em benefício da sociedade (153º/2),
caducando as cláusulas de deferimento das prestações, com as especificações mencionadas no
artigo 153º/3.
• Liquidação, partilha e eventualidades subsequentes
O passivo social deve ser liquidado, pagando-se todas as dívidas para as quais haja ativo social
(154º/1), se necessário recorrendo à consignação em depósito (154º/2) e caucionando-se, também
se necessário, as dívidas litigiosas (154º/3). Nos três primeiros meses de cada ano civil devem os
liquidatários apresentar contas da liquidação, acompanhadas por um relatório pormenorizado das
mesmas (155º/1): equivale ao relatório de gestão comum. Aplicam-se, aa estes elementos e com
as necessárias adaptações, as regras sobre a prestação e aprovação das contas (155º/2).
O ativo restante pode ser partilhado em espécie, observando-se as regras de repartição do
artigo 156º. Os liquidatários devem apresentar contas finais, acompanhadas por um relatório
completo da liquidação e por um projeto de partilha do ativo restante (157º/1), com as
especificações do artigo 157º/2, 3 e 4. Os liquidatários são responsáveis para com os credores
sociais quando, com culpa, indiquem falsamente que os direitos destes foram acautelados
(158º/1).
Os bens partilhados são entregues aos sócios com as formalidades aplicáveis (159º/1),
podendo haver consignação em depósito (159º/2). O encerramento da liquidação está sujeito a
registo, a requerer pelos liquidatários (160º/1). Com este registo, a sociedade considera-se extinta
(160º/2): preceito importante. A lei permite o regresso à atividade, nos termos do artigo 161º.
Podem manter-se ações pendentes (162º), regulando-se as hipóteses de superveniência de passivo
(163º) e de ativo (164º). O artigo 165º prevê a liquidação no caso de invalidade do contrato.
O Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de
Entidades Comerciais, de 2006, regula diversos aspetos processuais atinentes à liquidação. Esta
corre, efetivamente, perante a conservatória competente, seja a requerimento dos interessados,
seja oficiosamente (15º/1 e 5). Nos preceitos pertinentes (15º a 26º), podemos seguir a marcha do
processo.
• Procedimento especial de extinção imediata de entidades comerciais
O Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos prevê, por fim, um procedimento
especial de extinção imediata. Este procedimento funciona quando se verifiquem,
cumulativamente, os pressupostos seguintes (27º/1):
1. Deliberação unânime no sentido da extinção;
2. Declaração expressa, na competente ata, de não haver ativo ou passivo a liquidar.
Devem ser apresentados competentes documentos e pagos os encargos emolumentares (28º).
Surgindo o pedido e demais elementos, o conservador ou o oficial de registos em quem aquele
delegar poderes profere de imediato a declaração de dissolução e de encerramento da liquidação
da entidade em causa (29º/1). Proferida a decisão é, oficiosa e imediatamente, lavrado o registo
de dissolução e de encerramento de liquidação, sendo entregue, aos interessados, certidão gratuita
da inscrição realizada (29º/2). As comunicações às entidades interessadas (RNPC, finanças e
segurança social) são feitas, de imediato e eletronicamente pelo próprio serviço de registo.

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Uma dissolução comum, unanimemente pretendida e sem quaisquer problemas prolongava-


se por muto tempo. Era dispendiosa e ocupava inglórias horas de trabalho a todos os interessados.
A dissolução “na hora”, assim possibilitada, merece aplauso (Menezes Cordeiro).

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