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Cadernos MAGIS – Responsabilidade Civil

Sumário

RESPONSABILIDADE CIVIL................................................................................................................. 4
1. Conceitos iniciais ..................................................................................................................... 4

1.1. Responsabilidade contratual e extracontratual................................................................... 4

1.2. Abuso de direito ............................................................................................................... 6

2. Elementos da responsabilidade civil extracontratual ou pressupostos do dever de indenizar


8

2.1. Conduta humana.............................................................................................................. 8

2.2. Nexo de causalidade........................................................................................................ 11

2.3. Dano ou prejuízo ............................................................................................................ 14

3. Classificação da responsabilidade quanto à culpa ................................................................ 25

3.1. Responsabilidade subjetiva ........................................................................................... 25

3.2. Responsabilidade objetiva ............................................................................................. 25

4. Causas excludentes da responsabilidade civil ....................................................................... 28

4.1. Estado de necessidade e legítima defesa ....................................................................... 29

4.2. Exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal ............................... 30

4.3. Excludentes do nexo de causalidade.............................................................................. 31

4.4. Responsabilidade pressuposta ....................................................................................... 36

5. Responsabilidade pelo fato da coisa e do animal .................................................................. 37

5.1. Responsabilidade pelo fato do animal ........................................................................... 37

5.2. Responsabilidade pelo fato da coisa .............................................................................. 38

6. Responsabilidade por ato de terceiro .................................................................................... 39

6.1. Noções gerais ................................................................................................................. 39

6.2. Hipóteses de responsabilidade objetiva por fato de terceiro ......................................... 41

7. Responsabilidade civil do transportador .............................................................................. 44

7.1. Transporte de pessoas (Art. 734, CC) ............................................................................ 44

7.2. Transporte de coisas (Art. 750, CC) ............................................................................... 45

8. Responsabilidade civil na jurisprudência brasileira ............................................................. 46

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8.1. Responsabilidade civil médica ....................................................................................... 46

8.2. Responsabilidade do advogado...................................................................................... 48

8.3. Responsabilidade das locadoras de veículos ................................................................. 48

8.4. Responsabilidade pelo transporte de mera cortesia (carona) ....................................... 48

8.5. Responsabilidade civil do transportador aeronáutico ................................................... 50

8.6. Responsabilidade civil dos condomínios ....................................................................... 50

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Mensagem Cadernos Magis:


Olá Concurseiro, fico feliz que você tenha chegado a esse material, ou que esse material tenha
chegado até você!
Ele é o meu material de uso pessoal para o estudo e confio nele para minha preparação para o
concurso da Magistratura Estadual (embora acredite que pode ajudar bastante para MPE e Defensoria
Pública).
A elaboração dos cadernos passa por uma mistura de várias fontes, principalmente as aulas que
assisti.
Entretanto, utilizei muitos outros materiais para compor a versão final desse caderno, de modo a
compilar ideias importantes que por ventura foram cobradas em provas ou não exauridas em aula, sendo
possível que faltem algumas referências a todas as obras ou materiais.
Dito isso, e no intuito de fazer justiça à fonte correta, se por qualquer motivo alguém queira
reivindicar qualquer crédito nesse material peço a gentileza de enviar uma mensagem no direct do
instagram @cadernosmagis e terei prazer de incluir a referência no local indicado ou se for o caso retirar
a parte relativa do material disponibilizado.
Lembro sempre que o intuito de disponibilizar esse material é favorecer a comunidade de
Concurseiros que arduamente se dedicam para obter a almejada aprovação, de modo que não busco
qualquer lucro ou reconhecimento pessoal e muito menos prejudicar de qualquer forma outros produtores
de conteúdo.
Espero que o material seja útil e possa ajudar nessa dura caminhada!
Espalhem a palavra!
Abraços e bons estudos!

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RESPONSABILIDADE CIVIL

1. Conceitos iniciais
Segundo José de Aguiar Dias, toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade.
Ocorre que a responsabilidade jurídica é um conceito muito amplo, abrangendo a responsabilidade do
Estado, a responsabilidade penal, etc. Será objeto de estudo neste tópico apenas a responsabilidade civil.
A responsabilidade civil, espécie de responsabilidade jurídica, deriva da transgressão de uma norma
jurídica preexistente, impondo ao causador do dano a consequente obrigação de indenizar.
Vigora, no âmbito da responsabilidade civil, o princípio do neminem laedere, cultuado pelos autores
mais tradicionais, segundo o qual a ninguém é dado causar prejuízo a outrem, sob pena de reparação
integral à vítima. Portanto, o conceito de responsabilidade civil se inspira nesse dogma, porque, se a
ninguém é dado causar prejuízo a outrem, o comportamento danoso que viole norma jurídica preexistente
vai impor ao agente a obrigação de indenizar.

1.1. Responsabilidade contratual e extracontratual

Do princípio do neminem laedere e do próprio conceito de responsabilidade civil decorre uma


primeira classificação da responsabilidade civil, baseada na modalidade de norma jurídica violada.
Em termos ontológicos, a responsabilidade civil é una, decorrendo da violação de norma jurídica
preexistente. Mas, em termos de metodologia e até didáticos ou de sistematização legal, costuma-se dividir
a responsabilidade em um primeiro critério classificatório: responsabilidade civil contratual e
extracontratual.
Portanto, a depender da norma jurídica violada, a responsabilidade civil poderá ser: i) contratual,
quando a norma preexistente violada derivar de um contrato; e ii) extracontratual ou aquiliana, quando a
norma preexistente violada derivar da própria lei.

1.1.1. Responsabilidade civil contratual ou negocial:

É aquela relacionada ao inadimplemento de uma obrigação contratual (arts. 389, 390 e 391, CC), foi
objeto de estudo nos tópicos relativos à teoria geral dos contratos e contratos em espécie.
Em resumo, Flávio Tartuce leciona que o art. 389 trata do descumprimento da obrigação positiva
(dar e fazer). O art. 390, do descumprimento da obrigação negativa (não fazer). O art. 391 do atual Código
Privado consagra o princípio da responsabilidade patrimonial, prevendo que pelo inadimplemento de
uma obrigação respondem todos os bens do devedor.

1.1.2. Responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana1:

1 A expressão decorre de uma lei romana (“Lex aquilia de damno”) que supostamente introduziu, no século III
a.C., a responsabilidade civil por atos faltosos no sistema romano.
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Inicialente, anota-se que no Código Civil de 1916, a responsabilidade civil extracontratual estava
baseada em um único conceito - ato lícito (art. 159, CC/1916). O Código Civil de 2002 trouxe também o
abuso de direito.
Assim, a responsabilidade aquiliana é aquela baseada nos conceitos de ato ilícito (art. 186, CC) e de
abuso de direito (art. 187, CC).
Nesse sentido, necessária então, o estudo individual de ambos alicerces da responsabilidade no atual
cenário, quais sejam, ato ilícito e abuso de direito dessa forma:
a) Ato ilícito (Art. 186, CC)
A regra geral da responsabilidade civil está prevista no artigo 186 do Código Civil, que define o ato
ilícito. A redação desse dispositivo, por inspiração do Código Civil da França, consagra uma ilicitude
subjetiva (baseada na culpa ou no dolo):

Art. 186, CC: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e2
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Nota-se que o dispositivo prevê o ato ilícito puro ou indenizante3, que diz respeito à
responsabilidade civil.
Nas lições de Flávio Tartuce o ato ilícito é o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica,
violando direitos e causando prejuízos a outrem. Diante da sua ocorrência, a norma jurídica cria o
dever de reparar o dano, o que justifica o fato de ser o ato ilícito fonte do direito obrigacional.
Nesse sentido, é possível afirmar que sem dano não há ilícito civil, nem dever de indenizar,
a teor do previsto no Art. 927, “caput”, CC.
Finalmente, segundo Flávio Tartuce o Art. 186 adotou o modelo culposo de
responsabilidade subjetiva: o disposto faz referência ao dolo (ação ou omissão voluntária) e também
a culpa (negligência ou imprudência).
b) Abuso de (do) direito (art. 187, CC)

Art. 187, CC: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”.

Trata-se de um ilícito equiparado ou impuro4, tal conclusão decorre da dicção legal “também comete
ato ilícito...”. Para a configuração do abuso de dirieto adota-se a teoria dos direitos subjetivos ou
teoria dos atos emulativos, “o meu direito termina onde começa o seu direito”.

2 Onde está escrito “e” no art. 186, no Código de 1916 (art. 159) estava “ou”. Significado: “ato ilícito civil =
violação de um direito (dever) + dano”. Essa é a principal mudança na conceituação do ilícito civil, confrontando-se
os dois códigos.
3 Na classificação de Pontes de Miranda, existe também o ilícito nulificante (que gera a nulidade do negócio

jurídico, art. 166, inc. II, CC) e o ilícito caducificante (relacionado à perda de direitos, como ocorre na perda do poder
familiar).
4 Tem com fundamento o conceito de Limongi França: o abuso de direito é ilícito quanto ao seu conteúdo e

ilícito quanto às suas consequências (ilícito impuro), de modo que a ilicitude está na forma de execução do ato, sendo
que é a abusividade que conduz à ilicitude.
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Assim, a noção de ato ilícito é ampliada, para considerar como precursor da responsabilidade civil
aquele ato praticado em exercício irregular de direitos, ou seja, o ato é originariamente lícito, mas foi
exercido fora dos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé objetiva ou pelos bons
costumes.
Em resumo, trata-se do exercício irregular ou imoderado de um direito, presente quando o sujeito
excede manifestamente três parâmetros (cláusulas gerais):
i. Função social ou econômica de um direito.
ii. Boa-fé.
iii. Bons costumes
Obs.: Para os fins de responsabilidade civil, o abuso de direito exige dano (art. 927, caput, CC). Para
outros fins, não, ex. concessão de tutela inibitória, por exemplo (art. 497, §único, CPC).
Obs.: Segundo a doutrina majoritária, abuso de direito não exige culpa. Isso porque o art. 187, CC,
adotou o modelo de responsabilidade objetiva, não se cogitando dolo ou culpa, bastando a conduta
irregular. (Enunciado n. 37, I - Jornada de Direito Civil5).

1.2. Abuso de direito

O conceito de abuso de direito, para Rubens Limongi França, é o seguinte: “O abuso de direito é lícito
quanto ao conteúdo e ilícito quanto às consequências.” Ou seja, a ilicitude está na forma de execução do
ato.
Segundo entendimento majoritário, a responsabilidade no abuso de direito é objetiva (Pablo Stolze,
Maria Helena Diniz, Cristiano Chaves, Gustavo Tepedino). Nesse sentido, o Enunciado nº 37, da I Jornada
de Direito Civil: a responsabilidade decorrente do abuso de direito independe de culpa e fundamenta-se
somente no critério objetivo-finalístico.

Enunciado 37 – Art. 187: A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e
fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.

O artigo 187 nitidamente afasta as noções de culpa e dolo para optar pelo elemento finalístico ou
teleológico na caracterização do abuso. Não importa, portanto, a culpa ou dolo daquele que comete abuso
de direito. O que importa é observar se o titular do direito extrapolou limites da função social, da boa-fé
etc., e não verificar qual a sua intenção (até porque se trata de algo de difícil aferição):

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Veja que o legislador não menciona voluntariedade ou negligência, pois a caracterização do abuso é
objetiva. Há muitos anos, na França, um sujeito se incomodava com os balões que passavam sobre a sua

Enunciado 37, I JDC. “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e
5

fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.”.


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propriedade. Assim, ele colocou grandes hastes bem altas para estourá-los. Entendeu a doutrina que ele
estava exercendo um direito (de propriedade) de forma abusiva.
O principal exemplo de abuso de direito no direito civil é o abuso no exercício do uso da propriedade,
chamado também de “ato emulativo” (art. 1.228, § 2º, do CC). Exemplos: perturbação do sossego e saúde
alheios no direito de vizinhança, excesso de barulho no apartamento, uso anormal da propriedade (art.
1.227 do CC, direitos de vizinhança).
Por ocasião do estudo dos Direitos Reais, deve-se atentar para a aparente colidência ou conflito entre
o artigo 187 do CC e o § 2º do art. 1.228 do CC, que, ao definir o abuso do direito de propriedade,
desastradamente consagra uma ilicitude subjetiva, na medida em que exige da vítima a prova da intenção
de prejudicar (o dolo). Mas como provar a intenção de prejudicar? Essa regra beira o absurdo, eis que o
direito de propriedade é justamente a modalidade de direito mais passível de abuso. Para Pablo, foi um
escorrego do legislador:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder
de quem quer que injustamente a possua ou detenha. (...)

§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam
animados pela intenção de prejudicar outrem.

Essa parte final do § 2º conflita com o art. 187 que, ao definir precisa e objetivamente o abuso de
direito, dispensa a prova da intenção de prejudicar (dizendo que comete abuso de direito o titular que, ao
exercê-lo, desvirtua a finalidade do direito).
Por ser o art. 187 uma cláusula geral, Pablo defende que a parte final do § 2º deve ser desconsiderada.
Do contrário, bastaria ao proprietário alegar que não tinha a intenção de lesar para afastar sua
responsabilidade. Isso, entretanto, deve ser devidamente fundamentado em prova aberta.
O infeliz § 2º baseia-se no art. 833 do Código Civil italiano. Entretanto, a própria doutrina italiana
já afastou essa ideia de que, para que haja abuso do direito de propriedade, deveria estar demonstrada a
intenção de prejudicar alguém.
Vale lembrar, por fim, que as situações de supressio e surrectio não caracterizam abuso de direito
(art. 330 do CC). Supressio e surrectio são desdobramentos da própria regra proibitiva do venire contra
factum proprium, segundo o princípio da confiança.

Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente
ao previsto no contrato [supressio: perda de um direito em razão do seu não exercício].

Como se sabe, o venire contra factum proprium, veda o comportamento contraditório e as noções
de supressio e surrectio assentam-se nessa base. Essa ideia proíbe que, ao longo do tempo, a pessoa
assuma comportamentos contraditórios.
A supressio se caracteriza quando determinado direito ou faculdade permanece inerte ao longo do
tempo, gerando para a outra parte, via surrectio, a consolidação de um direito correspondente (exemplo:
art. 330 do CC).

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Se a parte tem um direito contra a outra e pode exercê-lo, mas não o faz, sendo que a parte contrária
exerce direito que a ela é correspondente, consolida-se esse direito correspondente. Exemplo: se o contrato
diz que o pagamento deve ser feito na cidade de Campinas, mas a parte efetua todo mês o pagamento em
Araçatuba, e o credor o recebe, consolida-se o direito de pagar em Araçatuba e não em Campinas.
Consolida-se uma situação contrária favorável, que faz com que a outra parte perca o seu direito, que era
exigir o pagamento em Campinas.
No REsp 1.245.712/MT, o STJ discute situação relacionada ao abuso do direito de propositura de
uma ação. O ordenamento jurídico brasileiro traz dois tipos de atos ilícitos: subjetivo e objetivo. O ato
ilícito objetivo, previsto no art. 187 do CC, é apelidado de abuso do direito. O abuso do direito e ato ilícito
objetivo, pois em seu âmago não está presente o elemento culpa. Fundamenta-se na boa-fé objetiva, na
confiança. O STJ consagra a regra segundo a qual a responsabilidade civil eventualmente decorrente do
abuso do direito será objetiva.
O STJ, nessa perspectiva, imputou responsabilidade civil objetiva a um advogado que ajuizou ação
de execução de honorários de sucumbência não só contra a sociedade limitada que exclusivamente
constava como sucumbente no título judicial, mas também, sem qualquer justificativa, contra seus sócios
dirigentes, os quais tiveram valores de sua conta bancária bloqueados sem aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica. Determinou o pagamento de indenização a títulos de danos
morais e materiais aos sócios. É preciso pontuar que não era caso de desconsideração da personalidade
jurídica.

2. Elementos da responsabilidade civil extracontratual ou


pressupostos do dever de indenizar
Há três elementos fundamentais para a caracterização de qualquer tipo de responsabilidade civil:
conduta humana, nexo de causalidade e dano ou prejuízo.

2.1. Conduta humana

A conduta humana traduz o próprio comportamento humano marcado pela voluntariedade, seja
comissivo, seja omissivo.
Segundo Martinho Garcez Neto, já houve tempo na antiguidade em que se admitia o ajuizamento de
demandas contra animais. Hoje, toda responsabilidade civil pressupõe uma conduta humana marcada pela
voluntariedade. Voluntariedade não está relacionada relaciona à culpa ou ao dolo, mas à vontade
consciente no agir. Uma mera ação instintiva ou involuntária não caracteriza a conduta.
Uma pessoa que tenha crise episódica de sonambulismo ou hipnose não pode ser responsabilizada,
em virtude da ausência deste primeiro requisito (veja que o sonambulismo crônico não está incluído, na
medida em que previsível). Um sujeito com micro-hemorragia capilar que espirre sangue em determinado

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quadro, manchando-o, comete um ato reflexo, não podendo ser responsabilizado, pela ausência de
conduta.
Em regra, a pessoa responde por ato próprio, entretanto, a lei informa algumas exceções: Ato de
terceiro (arts. 932 e 933, CC), Fato do animal (art. 936, CC), Fato da coisa (arts. 937 e 938, CC), Produto
ou serviço (CDC).Sendo que todas as exceções são hipóteses de responsabilidade objetiva e serão estudadas
oportunamente.
Ademais, é importante frisar que conduta humana pode se dar por ação (“culpa in comittendo”), é a
regra. Ou por omissão (“culpa in omittendo”), em hipóteses excepcionais.
Segundo Flávio Tartuce na omissão, para que o agente responda, é necessário provar:
i. Que o ato deveria ser praticado (omissão genérica). Exemplo: omissão de socorro.
ii. A omissão em si (omissão específica).
O qualificativo “ilícito” não é necessário à conduta. O ato ilícito é regra geral de responsabilidade,
mas não é absoluta. O elemento necessário a toda e qualquer forma de responsabilidade civil é a conduta
humana, e não a conduta humana ilícita. Pode haver responsabilidade civil decorrente de ato lícito.
Com efeito, embora não seja regra, autores como Garcez Neto, Von Thur e Paulo Lôbo lembram que,
excepcionalmente, pode haver responsabilidade civil decorrente de ato lícito. Exemplo é a desapropriação,
um ato estatal lícito que gera a responsabilidade civil do Estado. Outro é o da passagem forçada (art. 1.285,
caput, do CC), que tem natureza jurídica de direito de vizinhança (propter rem) e dá o direito ao
proprietário do imóvel encravado de exigir o ato de passagem, pelo qual ele indeniza o que tem de suportá-
la, pelo dano causado:

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento
de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se
necessário. (...)

2.1.1. Culpa latu sensu ou em sentido amplo

Segundo parte da doutrina a conduta humana e a culpa podem ser fundidas como um só elemento
subjetivo da responsabilidade civil, entretanto, conforme acima, Flávio Tartuce prefere dividir para fins
didáticos.

Desse modo, quando se fala em responsabilidade com ou sem culpa, leva-se em conta a culpa em
sentido amplo ou a culpa genérica (culpa lato sensu), que engloba o dolo e a culpa estrita (stricto sensu).

2.1.1.1. Dolo: ação ou omissão voluntária (ato intencional).


O dolo constitui uma violação intencional do dever jurídico com o objetivo de prejudicar outrem.
Trata-se da ação ou omissão voluntária mencionada no art. 186 do CC.
Para o Direito Civil, havendo dolo ou culpa grave, os efeitos são os mesmos, aplicando-se a reparação
integral dos danos (art. 944, caput, CC), dessde modo, presente o dolo do agente, em regra, não se pode
falar em culpa concorrente da vítima ou de terceiro, a gerar a redução por equidade da indenização.
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Flávio Tartuce ensina que o dolo, na responsabilidade civil, merece o mesmo tratamento da culpa
grave ou gravíssima. A conclusão, de que o dolo equivale à culpa grave, vem do brocardo latino culpa lata
dolo aequiparatur, originário do Direito Romano.
Ademais, para o Direito Civil, são irrelevantes os conceitos intermediários como preterdoloso e dolo
eventual.

2.1.1.2. Culpa “stricto sensu” ou em sentido estrito:


A culpa em sentido estrito é a violação de um dever objetivo de cuidado, preexistente e relacionada
a três padrões de conduta:
a) Imprudência: falta de cuidado + ação (CC, art. 186).
b) Negligência: falta de cuidado + omissão (CC, art. 186).
c) Imperícia: falta de qualificação para o exercício de uma atribuição (CC, art. 951).
Obs.: Em relação à responsabilidade dos profissionais (Art. 951, CC) são necessárias algumas
considerações:
Em regra, essa responsabilidade civil é subjetiva, pois assumem obrigação de meio. Como exceção,
a tese de Demongue6 – muito aplicada pelo STJ. Segundo ela, se o profissional liberal assumir obrigação
de resultado, terá culpa presumida7 ou responsabilidade objetiva – exemplo: médico cirurgião plástico
estético.
Na doutrina nacional, Sérgio Cavalieri Filho apresenta três elementos na caracterização da culpa: a)
a conduta voluntária com resultado involuntário; b) a previsão ou previsibilidade; e c) a falta de cuidado,
cautela, diligência e atenção.

2.1.1.2.1. Classificação da culpa no direito civil

Conforme já ressaltado acima, ao Direito Civil não importa se o autor agiu com dolo ou culpa, sendo
a consequência inicial a mesma, qual seja, a imputação do dever de reparação do dano ou indenização dos
prejuízos. Entretanto, é pertinente estudar as principais classificações da culpa stricto sensu, cuja análise
impacta diretamente na redução equitativa da indenização, conforme consagra a melhor doutrina.
i. Quanto à sua presunção, surgem três modalidades de culpa:
a) Culpa in vigilando – há uma quebra do dever legal de vigilância como era o caso, por exemplo,
da responsabilidade do pai pelo filho, do tutor pelo tutelado, do curador pelo curatelado, do dono
de hotel pelo hóspede e do educador pelo educando.
b) Culpa in eligendo – culpa decorrente da escolha ou eleição feita pela pessoa a ser
responsabilizada, como no caso da responsabilidade do patrão por ato de seu empregado.

6 Tese de Demogue, nascida na França e mais adotada por aqui: Havendo obrigação de resultado, ou haverá

culpa presumida ou haverá responsabilidade objetiva.


7 Na culpa presumida, a responsabilidade é com culpa (subjetiva) e se o agente causador do dano provar que

não teve culpa, não responde. Na responsabilidade objetiva a responsabilidade é sem culpa (objetiva), de
modo que se o réu provar que não teve culpa, ele responde. Para não responder, deve provar uma
excludente de nexo de causalidade.
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c) Culpa in custodiendo – a presunção da culpa decorreria da falta de cuidado em se guardar uma


coisa ou animal.
Alerta Flávio Tartuce que essas três modalidades, no Código Civil de 2002, passaram a ser de
responsabilidade objetiva, conforme artigos 932, 933 e 936. Portanto, elas foram banidas do sistema
como sendo casos de responsabilidade por culpa presumida.
Rememora-se que na culpa presumida, a responsabilidade é com culpa (subjetiva) e se o agente
causador do dano provar que não teve culpa, não responde. Na responsabilidade objetiva a
responsabilidade é sem culpa (objetiva), de modo que se o réu provar que não teve culpa, ele
responde. Para não responder, deve provar uma excludente de nexo de causalidade.
ii. Quanto ao grau da culpa (Art. 944 e 945, CC)
a) Culpa “lata” (grave): reparação integral dos danos.
O agente até que não queria o resultado, mas agiu com tamanha culpa de tal forma que parecia que
o quisesse.
b) Culpa “leve” (intermediária): redução equitativa da indenização.
É a culpa intermediária, situação em que a conduta se desenvolve sem a atenção normalmente
devida. Utiliza-se como padrão a pessoa humana comum (culpa in abstrato).
c) Culpa “levíssima” (menor grau): redução equitativa da indenização (maior).
Trata-se da situação em que o fato só teria sido evitado mediante o emprego de cautelas
extraordinárias ou de especial habilidade. Entretanto, segundo as regras do Direito Civil, responde-se
inclusive pela culpa levíssima, porque a indenização se tem em vista à extensão do dano.
Em resuno, havendo contribuição causal da vítima (CC, art. 945), a indenização deve ser reduzida,
quando houver culpa concorrente, fato concorrente ou ainda risco concorrente da vítima, conforme
Enunciado 459, V JDC8.
Obs.: Em complemento á interessante a leitura do Enunciado 630, VIII JDC9.

2.2. Nexo de causalidade10

Inicialmente estuda-se aqui o elemento imaterial da responsabilidade. É uma relação de


causa e efeito entre a conduta e o dano, nas clássicas palagras de Aguiar Dias.

8 Enunciado 459, V JDC. “A conduta da vítima pode ser fator atenuante do nexo de causalidade na
responsabilidade civil objetiva.”
9 Enunciado 630, VIII. “Art. 945: Culpas não se compensam. Para os efeitos do art. 945 do Código Civil, cabe
observar os seguintes critérios: (i) há diminuição do quantum da reparação do dano causado quando, ao lado da
conduta do lesante, verifica-se ação ou omissão do próprio lesado da qual resulta o dano, ou o seu agravamento,
desde que (ii) reportadas ambas as condutas a um mesmo fato, ou ao mesmo fundamento de imputação, conquanto
possam ser simultâneas ou sucessivas, devendo-se considerar o percentual causal do agir de cada um.”
10 Recomenda-se a leitura do editorial nº 15, do site de Pablo, que fala de uma teoria de nexo de causalidade

específica e pouco comentada (thin skull rule). Recomenda-se, também, a leitura do editorial nº 24, sobre o método
bifásico da indenização por dano moral.

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Nessa linha de raciocínio, Sérgio Cavalieri Filho ensina que “Trata-se de noção aparentemente fácil,
mas que, na prática, enseja algumas perplexidades (...). O conceito de nexo causal não é jurídico; decorre
das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”.
Com intuito didático, Flávio Tartuce ensina que, como elemento imaterial ou espiritual que é, pode-
se imaginar o nexo de causalidade tal qual um cano virtual, que liga os elementos da conduta e do dano.
Dessa forma:
i. Na responsabilidade subjetiva o nexo de causalidade é formado pela culpa genérica ou lato
sensu, que inclui o dolo e a culpa estrita (art. 186 do CC).
ii. Na responsabilidade objetiva o nexo de causalidade é formado pela conduta, cumulada com
a previsão legal de responsabilização sem culpa ou pela atividade de risco (art. 927, parágrafo
único, do CC).
A regra do nexo de causalidade não é meramente jurídica, mas física (relação da causalidade, ação e
reação) e espiritual (“aqui se faz, aqui se paga”). O ato de soltar objeto gerará queda, por conta da
gravidade, e ocasionará eventualmente um dano.
O direito se preocupa com esse nexo, na medida em que, para haver responsabilidade civil, deve
haver esse “liame que une o agente ao prejuízo por ele causado”. A matéria foi desenvolvida em direito
penal, e a teoria geral do nexo de causalidade pode ser transplantada para o campo civil, na medida em
que as teorias são as mesmas.
Dentre aquelas teorias, não há consenso acerca da que explica o nexo de causalidade no direito civil.
De todos os elementos da responsabilidade, o nexo é o mais difícil11.

2.2.1. Teorias quanto ao nexto de causalidade

Fundamentalmente, três teorias se digladiam para explicar o nexo de causalidade: i) a teoria da


equivalência de condições (conditio sine qua non); ii) a teoria da causalidade adequada; e iii) a teoria da
causalidade direta e imediata.
i. Teoria da equivalência das condições ou do histórico dos antecedentes:
Desenvolvida pelo filósofo Von Buri, a teoria da equivalência das condições sustenta não haver
diferença entre os antecedentes fáticos do resultado danoso, de maneira que tudo aquilo que concorra para
o resultado é considerado causa. Assim, a teoria afirma que todos os fatos relativos ao evento danoso geram
a responsabilidade civil.
Essa teoria foi se aperfeiçoando ao longo dos anos, sobretudo no direito penal à luz da imputação
objetiva, mas, em sua concepção pura, todo antecedente que concorre para o resultado é causa, de modo
que não é adotada em qualquer hipótese no direio civil.

11 Acerca desse tema, ver o texto de Gustavo Tepedino, intitulado “Notas sobre o nexo de causalidade” (RTDC
de junho/01).

12
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A grande crítica que se faz é que ela pode chegar a uma espiral de condições infinitas e soluções
absurdas. A compra da arma que dá o tiro também é causa da morte. Assim, aquele que fabrica ou vende
a arma também dá causa ao resultado.
Até no campo do direito penal, todavia, essa teoria não é entendida de forma pura, sofrendo
amadurecimento e ponderações pela teoria da imputação objetiva.
A teoria da equivalência das condições não é predominante em direito civil. Ela não conta com
simpatia dos civilistas, mesmo com as ponderações da imputação objetiva, do risco criado.
ii. Teoria do dano direto e imediato ou teoria da interrupção do nexo causal:
Havendo violação do direito por parte do credor ou do terceiro, haverá interrupção do nexo causal
com a consequente irresponsabilidade do suposto agente. Desse modo, somente devem ser reparados os
danos quedecorrem como efeitos necessários da conduta do agente.
iii. Teoria da causalidade adequada:
Foi desenvolvida por Von Kries, pela qual se deve identificar, na presença de uma possível causa,
aquela que, de forma potencial, gerou o evento dano. Por esta teoria, somente o fato relevante ao evento
danoso gera a responsabilidade civil, devendo a indenização ser adequada aos fatos que a envolvem,
mormente nas hipóteses de concorrência de causas.
A teoria da causalidade adequada é mais refinada. Para ela, causa não é qualquer antecedente fático
que concorra para o resultado, mas, lembra Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil), somente
aquele antecedente fático adequado ou abstratamente idôneo à consecução do resultado.
A simples compra da arma não é a causa adequada à morte de alguém. É, todavia, o tiro na cabeça
de alguém. A causa adequada exige a investigação, dentre os antecedentes fáticos, o adequado ao resultado,
segundo um juízo de probabilidade.
Ex.: o cidadão está no aeroporto e tem vontade terrível de ir ao banheiro. Após se trancar no
banheiro, passa um infeliz que, vendo o outro com a calça arriada, bota Durepox na fechadura. O cidadão,
preso, perde o voo das 14 horas e só pega o das 17. O voo das 17 cai e ele morre. O rapaz que trancou o
sujeito no banheiro, para a primeira teoria, poderia ser responsabilizado pela morte, enquanto que para a
segunda não, pois trancar alguém no banheiro, pelas regras de experiência, não é causa de morte de
alguém.
A segunda e a terceira teorias são muito próximas. Tanto que é comum verificar julgadores trocando
uma pela outra. Quer se faça um raciocínio por uma, quer se faça por outra, pode-se chegar ao mesmo
resultado. Existem, entretanto, nuances distintivas. A terceira teoria tem dicção conceitual mais clara, para
Pablo.
Para a teoria da causalidade direta, defendida por autores como Gustavo Tepedino e Carlos Roberto
Gonçalves, causa é o comportamento antecedente que determina o resultado como uma consequência sua,
direta e imediata.

13
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Dizer se uma causa é adequada ou não é algo carregado de subjetivismo. A terceira teoria quer algo
mais objetivo. Ela não exige a análise da adequação da causa, mas uma relação de necessariedade entre a
causa e o resultado. Dar um soco em alguém não é necessariamente causa de morte, se esse alguém, que
vai ao hospital após o soco, morre em decorrência de acidente automobilístico.
Na prática, não é simples diferenciar ambas as teorias. Pablo, que defendia a segunda teoria, mudou
seu pensamento, para passar a defender a terceira. Ele considera que, com a teoria da causalidade
adequada, é mais fácil investigar o nexo, na medida em que ela evita o jogo abstrato de tentar analisar a
adequação da causa.
Pablo arrisca dizer, da extensa pesquisa feita por ele, que a maioria da doutrina brasileira (ex.:
Cavalieri Filho), na linha de autores franceses como Carbonnier, Mazeaud-Tunc, prefere a teoria da
causalidade adequada, contra a opinião de juristas como Tepedino e Gonçalves.
O dispositivo que serve de base ao nexo causal no CC é o art. 403. Pablo entende que ele reforça a
terceira teoria, ao falar em “efeito direto e imediato”, muito embora haja controvérsia a esse respeito12:

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos
efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

Flávio Tartuce assevera que essa teoria consta dos arts. 944 e 945 CC, e tem prevalecido na doutrina
como adotada pelo Direito Civil, vide Enunciado n. 47 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil13, e os
atuais julgados dos Tribunais Superiores.

2.3. Dano ou prejuízo

2.3.1. Conceito

É o elemento objetivo da responsabilidade civil, traduz uma lesão a um interesse jurídico tutelado,
material ou moral. É a perda ou prejuízo que a parte sofreu

Para Pablo, o prejuízo é um elemento da responsabilidade civil. Ainda que eventualmente seja
presumido, somente haverá responsabilidade civil se ele estiver presente. Não se indeniza o mero
aborrecimento.

2.3.2. Requisitos

Não é qualquer dano que enseja indenização. Para que o dano seja indenizável, alguns requisitos
devem estar presentes:
i) violação a um interesse jurídico, material ou moral:
A dor do fim do afeto não traduz dano indenizável, por não representar violação a interesse jurídico.
Todavia, se com o fim do relacionamento houver violação a direito da personalidade, haverá dano

12 A decisão proferida no REsp 686.208/RJ é mais bem explicada pela teoria da causalidade direta e imediata.
13Enunciado 47, I JDC. “O art. 945 do novo Código Civil, que não encontra correspondente no Código Civil de
1916, não exclui a aplicação da teoria da causalidade adequada.”.
14
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indenizável. A dor do fim do afeto é muito mais intensa, por exemplo, que ter o nome indevidamente
inscrito no SPC. Mas a inscrição indevida gerará a indenização; a dor do fim do afeto não.
ii) subsistência do dano:
Subsistência do dano como requisito significa que, se o dano já foi reparado, compensado,
recomposto, não há o que indenizar.
iii) certeza do dano:
Não se indeniza o dano incerto, abstrato ou hipotético. Mesmo o dano moral tem de ser certo.

2.3.3. Espécies de dano

Inicialmente salienta Flávio Tartuce no atual cenário da responsabilidade civil existe uma tendência
de ampliação ao rol de categorias autônomas de eventuais danos passiveis de indenização de modo que a
matéria encontra a seguinde divisão na realidade jurídica nacional:
i. Danos clássicos ou tradicionais – Danos materiais e danos morais.
ii. Danos novos ou contemporâneos – Danos estéticos, danos morais coletivos, danos
sociais e danos por perda de uma chance. Para alguns autores, essas categorias entrariam
em dano moral, ou seja, não seriam categorias separadas.

2.3.3.1. Danos patrimoniais ou materiais

Nas palavras de Flávio Tartuce os danos patrimoniais ou materiais constituem prejuízos ou perdas
que atingem o patrimônio corpóreo de alguém e encontram previsão nos Art. 402 a 404, CC.
Ademais, conforme previsão dos arts. 186 e 403 do Código Civil não cabe reparação de dano
hipotético ou eventual, necessitando tais danos de prova efetiva, em regra.

2.3.3.1.1. Classificação dos danos materiais

O art. 402 do CC, prevê a classificação dos danos materiais:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem,
além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

i. Danos emergentes ou danos positivos – o que efetivamente se perdeu.


Trata-se do prejuízo já suportado pela vítima do dano, é o dano pretérito. Como exemplo típico, pode
ser citado o estrago do automóvel, no caso de um acidente de trânsito.
Flávio Tartuce ilustra com outro exemplo, a regra do art. 948, I, do CC, para os casos de homicídio,
devendo os familiares da vítima ser reembolsados pelo pagamento das despesas com o tratamento do
morto, seu funeral e o luto da família.
i. Lucros cessantes ou danos negativos – o que razoavelmente se deixou de lucrar.

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É a frustração de um lucro No caso de acidente de trânsito, poderá pleitear lucros cessantes o taxista,
que deixou de receber valores com tal evento, fazendo-se o cálculo dos lucros cessantes de acordo com a
tabela fornecida pelo sindicato da classe e o tempo de impossibilidade de trabalho14.
Novamente, sobre os lucros cessantes, cite-se, no caso de homicídio, a prestação dos alimentos
indenizatórios, ressarcitórios ou indenitários, devidos aos dependentes do falecido, mencionada no art.
948, inc. II, do CC15.
Obs.: Segundo já decidiu o STJ16, o cálculo deve englobar 2/3 do salário da vítima por mês + 13º
salário + férias + FGTS (se tinha carteira assinada), multiplicado pelo número de anos até o limite de vida
provável, conforme tabela do IBGE (75/76 anos) .

2.3.3.2. Danos Morais

2.3.3.2.1. Evolução histórica

O reconhecimento do dano moral não é algo que ocorreu de uma hora para a outra. Em um primeiro
momento, o dano moral não teve reconhecimento jurídico (Zulmira Pires de Lima, Boletim da Faculdade
de Direito de Coimbra).
Ao longo da história brasileira, posto o Código Civil de 1916 não proibisse a reparação por dano moral
(Arruda Alvim, em uma de suas palestras), foi somente com a Constituição da República de 1988,
especialmente o art. 5º, V e X, que o dano moral passou a ser efetivamente reconhecido, admitindo-se a
sua autonomia jurídica em face do dano material (Yussef Said Cahali, em “O Dano Moral”):

Art. 5º (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem; (...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)

Com efeito, o dano moral só adquiriu autonomia jurídica no Brasil após a CR/88. Antes dela, era
difícil encontrar decisões determinando a reparação autônoma dos danos morais. As decisões que havia
só previam a indenização moral ligada a um dano material.
Vale acrescentar que o CC/02, em seu art. 186, expressamente admite o dano moral como categoria
autônoma:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

14 (TJSP, Apelação Cível 1.001.485-0/2, São Paulo, 35.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Artur Marques,
28.08.2006, v.u., Voto 11.954).
15 "Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das

despesas com o tratamento da vítima, seu funeral (enterro, cremação, caixão) e o luto da família (missa de sétimo
dia). II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da
vida da vítima (o parâmetro é a expectativa de vida do IBGE – atualmente 75/76 anos)".
16 (REsp 698443/ SP, Relator Ministro JORGE SCARTEZZINI, Quarta Turma, julgado em 01/03/2005, DJ

28/03/2005).
16
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2.3.3.2.2. Conceito

Dano moral é, na lição de Limongi França, a lesão a direito da personalidade. Aquele que sofre dano
à imagem, honra, sigilo etc. sofre dano à personalidade.
Por ocasião do estudo da parte geral, foi analisada a questão relativa ao dano moral à pessoa jurídica
(Súmula 227 do STJ):

Súmula 227 - A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Os danos morais da pessoa jurídica só atingem a sua honra objetiva (reputação), e não a sua
honra subjetiva (autoestima). Lembrando que honra objetiva é o que os outros pensam do sujeito, honra
subjetiva é o que o sujeito pensa de si.
Flávio Tartuce assevera que que não há, no dano moral, uma finalidade de acréscimo patrimonial
para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados17.
Ademais, é importante salientar que no dano moral não há necessidade de sentimentos
humanos desagradáveis como dor, tristeza, amargura e depressão (Enunciado 445 da V Jornada de
Direito Civil18).
Finalmente, é de se rememorar que os danos morais não se confundem com os meros
aborrecimentos que a pessoa sofre no cotidiano. (Enunciado 159 da III Jornada de Direito Civil19).

2.3.3.2.3. Natureza jurídica do dano moral

A jurisprudência busca sempre criar critérios para coibir a indústria da reparação por dano moral
existente no Brasil. Todavia, por outro lado, não é justo que haja a reparação ínfima a determinados danos
morais.
Juristas como Agostinho Alvim observaram que a reparação por dano moral se desenvolveu ao longo
do século XX partindo dos juízes que tiveram longa experiência na advocacia, e não por juízes de carreira.
A primeira finalidade da indenização por danos morais é a compensação da vítima. Ou seja, em
primeiro plano, é indiscutível que a reparação por dano moral tenha uma natureza compensatória.
Todavia, por influência do direito norte-americano (punitive damages), lembra Salomão Reseda, em sua
obra “A Função Social do Dano Moral”, que a indenização por dano moral também teria uma função
punitiva ou pedagógica, visando a desestimular o ofensor, especialmente em ilícitos graves ou reincidentes.
Em concurso, deve-se sustentar a natureza compensatória dos danos morais, em decorrência da
lesão ao direito da personalidade. Ocorre que, em 1947, Boris Starck publicou obra observando que a
indenização civil não poderia ter apenas essa função, mas a de pena privada, de desestímulo. O direito

17 Tal dedução justifica a não incidência de imposto de renda sobre o valor recebido a título de indenização por

dano moral, o que foi consolidado pela Súmula 498 do Superior Tribunal de Justiça.
18 Enunciado 445, V JDC: “O dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de

sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento.”.


19 Enunciado 159, III JDC: “O dano moral, assim compreendido todo dano extrapatrimonial, não se caracteriza

quando há mero aborrecimento inerente a prejuízo material.”


17
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norte-americano desenvolveu muito essa teoria do desestímulo. Lá, a decisão judicial fixa a compenstory
damage e a punitive damage.
Nos EUA, buscam-se critérios para evitar o superdimensionamento das teorias por eles criadas. No
Brasil, há problemas diversos. Em casos graves e de grande incidência, a tutela individual pátria não é
suficiente para evitar que as grandes empresas violem direitos do consumidor. Para elas, muitas vezes é
mais vantajoso responder às demandas iniciais que rever seus setores de atendimento ao cliente ou suas
linhas de montagem. As verbas punitivas têm essa função de evitar que os problemas se repitam,
notadamente nesses casos graves e de grande incidência.
O juiz não pode olvidar essa teoria, portanto, segundo a qual o dano moral tem caráter punitivo-
pedagógico. Isso porque existe também uma função social na responsabilidade civil.
No Brasil, não há lei a respeito do tema, mas deveria haver. Para Pablo, numa visão acadêmica, se o
juiz aplicasse a teoria do desestímulo, a verba maior (não reparatória), ainda que no campo da tutela
individual, não deveria ir à vítima, mas a um fundo especial, como ocorre nas ações civis públicas.
Na prática, apesar de não haver lei disciplinando a teoria do desestímulo, vez por outra a tese é
invocada pela jurisprudência para majorar a indenização devida (REsp 860.705/DF e REsp 965.500/ES).
O Enunciado 379 da IV Jornada e o Projeto de Reforma do CC, em sua redação original,
expressamente acatam a teoria pedagógica do desestímulo. A jurisprudência, entretanto, ainda é tímida.
Vez por outra ela invoca a teoria para majorar a indenização, que vai para a própria vítima:

Enunciado nº 379 - Art. 944: O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer
a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil.

O Projeto de Reforma do CC vai ainda além: ele prevê alteração para dizer que a indenização servirá
para indenizar a vítima e desestimular o ofensor. Por mais que a doutrina abrace o desestímulo, há a
necessidade de previsão legal para ampliar a aplicação da teoria.
No REsp 1.258.389/PB, o STJ discutiu a questão da indenização por danos morais a pessoa jurídica.
Em verdade, essa discussão brota do art. 52 do CC, que estabelece que a pessoa jurídica não dispõe de
direitos da personalidade, mas merece a proteção que deles decorre. Os direitos da personalidade trazem
consigo um atributo de elasticidade, pois embora não sejam aplicáveis às pessoas jurídicas, a proteção que
deles decorre as alcança. O STJ solidificou o entendimento de que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral
(Súmula 227 do STJ). Trata-se de resguardar a credibilidade mercadológica ou a reputação negocial da
empresa, que poderiam ser paulatinamente fragmentadas por violações de sua imagem. Contudo, o STJ
entendeu que essa proteção não alcança a pessoa jurídica de direito público, que não tem direito à
indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem. Isso porque a estrutura e a
finalidade da pessoa jurídica de direito público são diferentes da pessoa jurídica de direito privado. São
circunstancias diferentes, portanto, o mesmo cenário não se verifica.

2.3.3.2.4. Classificações do dano moral

18
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2.3.3.2.4.1. Quanto ao sentido da categoria:

i. Dano moral próprio (dano moral in natura): relacionado com aquilo que a pessoa sente (Ex.:
dor, tristeza, amargura, depressão etc.).
ii. Dano moral impróprio (ou lato sensu): Lesão a direito da personalidade (não precisa de
sentimento humano desagradável).

2.3.3.2.4.2. Quanto à necessidade de prova

i. Dano moral subjetivo: é aquele que necessita ser provado


Ex.: Dano moral da pessoa jurídica, em regra, segundo jurisprudência do STJ, tem que ser provado
(REsp 1.564.955/SP)
ii. Dano moral objetivo ou in re ipsa: É aquele que dispensa prova em juízo, ou seja, traduz um
prejuízo presumido.
Ex.1: Morte de pessoa da família - Art. 948 do CC;
Ex.2: Uso indevido de imagem com fins econômicos ou comerciais – Súmula 403, STJ:

Súmula 403, STJ: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem
de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”.

2.3.3.2.4.3. Quanto à pessoa atingida

i. Dano moral direto: é aquele que atinge a própria pessoa, a sua honra subjetiva (autoestima)
ou objetiva (repercussão social da honra).
Como exemplo, podem ser citados os crimes contra a honra, que geram a responsabilidade civil
daquele que os pratica, nos termos do art. 953 do Código Civil.
ii. Dano indireto, reflexo ou “em ricochete”: é o dano atinge uma pessoa ou coisa e repercute em
outra pessoa, como uma bala que ricocheteia.
Desenvolvido também na França e reconhecido pelo STJ, dano reflexo ou em ricochete é aquele
sofrido pela vítima indireta ligada à vítima direta do ilícito causado (ver REsp 1.208.949/MG). Ex.: o pai é
vítima de assassinato. O pai é a vítima direta, mas o filho sofre também o dano (reflexo ou em ricochete).
Obs.: segundo parte da doutrina a expressão “danos indiretos” caracteriza situação diversa. É a
hipótese em que a mesma vítima sofre um dano imediato e outros danos indiretos ou sucessivos. Ex.: o
cavalo, comprado por R$ 10.000,00, está doente. Além de comprar animal doente (dano direto), o cavalo
infectou três éguas do comprador (danos indiretos).

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Obs.: Parcela da doutrina define ainda o dano bumerangue como aquele em que a vítima, titular do
direito a indenização, reage ilicitamente, causando um indevido dano de retorno ao seu agressor20. É uma
inversão de polos: quem é vítima se torna agressor, e vice versa. O sujeito ativo torna-se sujeito passivo,
numa relação de reciprocidade.

2.3.3.2.5. Prazo prescricional para a indenização por danos morais

O prazo prescricional para se pleitear a reparação por danos morais é de três anos (art. 206, § 3º, V,
do CC) ou de cinco anos (art. 27 do CDC), conforme o caso:

Art. 206. Prescreve: (...)

§ 3º Em três anos: (...)

V - a pretensão de reparação civil;

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do
serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do
dano e de sua autoria. (...)

2.3.3.2.6. Quantificação do dano moral

Em teoria, há dois sistemas de quantificação do dano moral: sistema do tarifamento legal e sistema
livre ou do arbitramento judicial.

2.3.3.2.6.1. Sistema do tarifamento legal

Inspirado na antiga Lei de Imprensa, o sistema do tarifamento legal propugna que a própria lei
estabeleça um tabelamento prévio das indenizações devidas por dano moral.
Esse sistema pretende que a lei previamente tabele a indenização por dano moral. Para Pablo, ainda
que haja abusos, essa não é a melhor solução, Flávio Tartuce entende que o tabelamento por dano moral
viola a cláusula geral de tutela da pessoa humana, retirada do art. 1.º, inc. III, da CF/1988.
Este sistema já foi considerado inconstitucional pelo STJ, quanto do julgamento do tarifamento
realizado pela Lei de Imprensa.

2.3.3.2.6.2. Sistema livre ou do arbitramento judicial

O sistema livre ou do arbitramento judicial, ainda que passível de críticas e merecendo


aprimoramento é defendido por autores como Ronaldo Andrade e Carlos Alberto Bittar, e consiste na
busca do valor indenizatório (quantum debeatur) através do juízo equânime do magistrado.
Assim, não se admite que o juiz fixe a indenização sem critério algum, uma vez que o sistema não dá
ao juiz completa liberdade.

20 Em “A função social do dano moral”, página 152, edição de 2009, Ed. Conceito.

20
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Nesse sentido, o STJ adota critérios para balizar a atuação do magistrado na averiguação do quantum
debeatur:
i. Extensão do dano (Art. 944, caput, CC)
ii. Grau de culpa do agente e contribuição causal da vítima (Art. 944, p.u, e 945 CC).
iii. Condições dos envolvidos (sociais; culturais; econômicas; psicológicas do agente e da vítima)
– Sem previsão na lei.
iv. Caráter pedagógico, educativo ou até punitivo da indenização (caráter de desestímulo) –
EUA: punitive damages - Sem previsão na lei.
v. Vedação do enriquecimento sem causa da vítima e da ruína do ofensor - Sem previsão na lei.
Em complemento aos critérios, tem sido utilizado o denominado método bifásico21, pelo qual, dentro
do sistema do arbitramento judicial, o juiz inicialmente busca um valor básico de indenização,
tomando como referência casos semelhantes na jurisprudência, extrai uma média, para, em
seguida, majorar ou minorar o valor segundo as peculiaridades do caso concreto.
Obs.: Flávio Tartuce entende que o citado modelo bifásico parece trazer um equívoco de
redundância, uma vez que tais elementos acabam entrando tanto no primeiro quanto no segundo
momento da atribuição do quantum, assim em verdade o modelo bifásico é unifásico.

2.3.3.2.7. Dano moral no STJ

No que se refere aos danos morais, deve-se atentar, especialmente, às seguintes Súmulas do STJ:

Súmula 420 - Incabível, em embargos de divergência, discutir o valor de indenização por danos morais.

Súmula 402 - O contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa
de exclusão.

Súmula 388 - A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.

Súmula 387 - É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.

Súmula 385 - Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano
moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.

Súmula 370 - Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.

Súmula 362 - A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do
arbitramento.

Súmula 281 - A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.

Súmula 227 - A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Súmula 37 - São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

21 Expressão cunhada pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino na obra “Princípio da reparação integral dos
danos”.
21
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A Súmula 387 do STJ permite a cumulação de danos moral e estético. Uma atriz que tem a face
queimada por um fotógrafo tem de receber pelos danos materiais (gastos com tratamento), morais
(constrangimento pelo rosto queimado) e o estético (prejuízo à sua imagem plástica).
Segundo a Súmula 385, negativado o nome do sujeito indevidamente por uma segunda dívida, caso
o nome dele já estivesse sujo por dívida legítima, ele tem o direito de cancelar o segundo registro, mas não
à reparação por dano moral. Pablo não concorda com esse entendimento. Para ele, o dano moral tem
natureza reparatória e punitiva.
Jurisprudencia em teses STJ - Tese 2) “A simples aquisição do produto considerado impróprio para
o consumo, em virtude da presença de corpo estranho, sem que se tenha ingerido o seu conteúdo, não
revela o sofrimento capaz de ensejar indenização por danos morais.”.
Jurisprudencia em teses STJ - Tese 3) “A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em
seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda
que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao
direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.”.
Finalmente, salienta-se que é possível constatar que em situações de desgastes que geram o
esgotamento emocional dos consumidores por culpa exclusiva dos fornecedores, que os forçam a
permanecer longos e constantes perídios para tentar desfazer erros cometidos pelos próprios prestadores
de serviço, como por exemplo em atendimento nas Call Centers, filas de bancos/lotéricas, levar repetidas
vezes o produto para a manutenção, situações estas que se repetem dia após dia, configura
apropriação/extorsão indevida e ilícita do tempo livre, dando ensejo a indenização por danos morais22.

2.3.3.3. Danos estéticos

Conforme leciona Flávio Tartuce, os danos estéticos são tratados atualmente tanto pela doutrina
quanto pela jurisprudência como uma modalidade separada de dano extrapatrimonial, o que está de
acordo com a tendência de reconhecimento dos novos danos, como visto acima.
Assim, o dano estético admite cumulação com eventuais danos emergentes, lucros cessantes, danos
morais (sentimento desagradável que sofreu e pela própria lesão que sofreu à imagem) e, eventualmente,
perda da chance.
Nessa esteira, para o STJ, o dano estético seria a terceira modalidade de dano por duas razões
principais:
i. Porque haveria uma lesão a mais à pessoa natural23;
ii. Porque o art. 5º, V da CF dispõe sobre o dano à imagem de forma separada do dano moral.
Segundo a Professora Teresa Ancona Lopes o dano estético é aquele relacionado a uma alteração
morfológica da pessoa natural

22 (STJ, REsp 1.218.497/MT, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/09/2012,
DJe 17/09/2012).
23 Geralmente, o STJ utiliza os mesmos critérios do dano moral, dobrando o valor

22
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Na lição clássica da Maria Helena Diniz o dano estético é aquele que causa um “enfeiamento da
pessoa”
Salienta-se que basta a pessoa ter sofrido uma “transformação” para que o referido dano esteja
caracterizado, de modo que não precisa estar necessariamente apararente (dano interno).
Ademais, é possível a elaboração de uma perícia médica, a fim de determinar a extensão do dano
sofrido, e fixando-se a partir daí o quantum indenitário.
Finalmente Flávio Tartuce, citanto o professor Enéas Matos apresenta os seguintes critérios que
devem ser levados em conta na quantificação dos danos estéticos: a) o grau de avaliação do dano estético
pelo médico perito, conforme os parâmetros por último expostos; b) grau de culpa das partes; c) posição
cultural e socioeconômica das partes; d) reincidência do ofensor; e) punição e exemplaridade, se cabível;
e f) independência do valor arbitrado a título de dano moral.

2.3.3.4. Danos morais coletivos


O dano moral coletivo surge como outro candidato dentro da ideia de ampliação dos danos
reparáveis e segundo Flávio Tartuce pode ser denominado como o dano que atinge, ao mesmo tempo,
vários direitos da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis (danos morais somados ou
acrescidos), que envolvem interesses individuais homogêneos e interesses coletivos em sentido estrito.
O Código de Defesa do Consumidor admite expressamente a reparação dos danos morais coletivos,
mencionando-os no seu art. 6.º, VI.
Ex.: Caso das “Pílulas de Farinha”. STJ – Resp. 866.636/SP24 - Foram indenizadas as mulheres que
tomaram a pílula Microvlar sem o composto ativo e engravidaram. Nota-se que há um grupo determinado
de pessoas que sofreram o prejuízo.

2.3.3.5. Danos morais sociais


O art. 6º, VI, CDC, há danos morais coletivos e danos sociais ou difusos (cumuláveis). Toda a
sociedade é atingida.
Envolvem interesses difusos, em que as vítimas são indeterminadas. Por esta razão, a indenização
não vai para as vítimas, mas sim para um fundo de proteção de acordo com o direito lesado ou para uma
instituição de caridade a critério do juiz. Nos danos morais coletivos, a indenização vai para as vítimas.
Estudioso do tema, o Prof. Antônio Junqueira de Azevedo conceitua os danos sociais como aqueles
que causam um rebaixamento no nível de vida da coletividade, e que decorrem de condutas socialmente
reprováveis.

24 Obs.: Interessante notar que nesse julgado o STJ rejeitou a tese da empresa sobre a “teoria do evento

abençoado” no sentido de que ter filho não causa dano moral, pois se trata de um evento abençoado. Contudo, a
Ministra Nancy disse que, na verdade, o dano moral não é pelo filho, mas sim pela frustração ao planejamento. A
mulher que toma pílula planeja não engravidar. A empresa frustrou esse planejamento.
23
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Obs.: Danos morais coletivos X danos morais sociais25:

Danos morais coletivos Danos sociais ou difusos

Atingem vários direitos da personalidade Causam um rebaixamento no nível de vida da


coletividade

Direitos individuais homogêneos ou coletivos em Direitos difusos – vítimas indeterminadas.


sentido estrito – vítimas determinadas ou Toda a sociedade é vítima da conduta.
determináveis.

Indenização é destinada para as próprias vítimas Indenização para um fundo de proteção ou


instituição de caridade

2.3.3.6. Danos por perda de uma chance

A “teoria da perda de uma chance”, de origem francesa, desenvolvida por autores como Sérgio Novais
Dias e Fernando Gaburri, admitida pelo próprio STJ 26, relativiza o requisito da certeza do dano, na medida
em que admite que a vítima seja indenizada pela perda de uma provável situação ou direito que lhe seria
conferido.
Nesse sentido, responsabiliza o autor de danos que decorrem da frustração de uma expectativa ou
da perda de uma oportunidade, a qual, possivelmente, ocorreria em circunstâncias normais
Vale dizer, a perda de uma chance pode ser indenizável por afastar uma expectativa favorável ao
lesado (Fernando Gaburri).
Dano emergente é o dano efetivo sofrido. Lucro cessante é o valor que o sujeito razoavelmente
perceberia, se o dano não tivesse ocorrido. Silvio Venosa lembra que, para muitos autores, a perda de uma
chance é uma categoria especial de dano, que não se confunde com o dano emergente (efetivo) e nem com
o lucro cessante, conforme estabelecido no Enunciado 444, V JDC27.
É uma categoria especial, pois se indeniza a vítima por uma expectativa provável de percepção de
uma vantagem, nesse sentido, é necessário que a chance seja séria e real, não ficando adstrita a
percentuais apriorísticos.

25 Tartuce, Flávio. Manual de direito civil : volume único / Flávio Tartuce. – 9. Ed. Ver, atual. E ampl. – Rio de
Janeiro: Forense; Sã Paulo: MÉTODO, 2019. P.
26 A teoria da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil

ocasionada por erro médico na hipótese em que o erro tenha reduzido possibilidades concretas e reais de cura de
paciente que venha a falecer em razão da doença tratada de maneira inadequada pelo médico. (REsp 1.254.141-PR,
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012.)
27 Enunciado 444, V JDC: “A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos

extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a
natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.”

24
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Em corrente objetivista, Sérgio Savi leciona que a perda da chance estará caracterizada quando a
probabilidade da oportunidade for superior a 50% (cinquenta por cento).

2.3.3.6.1. Perda de uma chance e a jurisprudência

i. Condenação de advogados que perdem prazos de seus clientes pela perda da chance de vitória
judicial. (STJ, Ag. Reg. no Ag 932.446/RS).
ii. Perda da chance de cura do paciente, pelo emprego de uma técnica malsucedida pelo
profissional da área de saúde (STJ, REsp. 1.254.141/PR).

iii. Investidor indenizado pelo banco que vendeu ações sem sua autorização (REsp
1.540.153/RS):

3. Classificação da responsabilidade quanto à culpa


3.1. Responsabilidade subjetiva

Segundo entendimento majoritário, a reponsabilidade civil subjetiva constitui ainda a regra geral,
pela aplicação da teoria da culpa. O autor da ação tem o ônus de provar a culpa lato sensu do réu.
Quando se fala em culpa lato sensu fala-se em dolo, culpa e culpa stricto sensu.
Para alguns doutrinadores, o CC/02 adotou um sistema dualista, na medida em que convivem
responsabilidade subjetiva e objetiva, sem que a primeira seja a regra. Nesse sentido, Gustavo Tepedino,
Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, Cláudio Bueno de Godoi e Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery.
Contudo, para concurso, esse entendimento não é adotado.
Quando se tem uma ação de responsabilidade civil, no aspecto processual, ela funciona como uma
“corrida com duas barreiras”. Para que o autor obtenha êxito, é necessária a comprovação da culpa e do
dano. Portanto, regra geral, há dois ônus para o autor: i) comprovar a culpa; e ii) comprovar o dano sofrido.
Quando a responsabilidade for objetiva, não será necessária a comprovação da primeira barreira. O
dano pode ser presumido em algumas situações, hipóteses em que não será necessário comprová-lo. Mas,
em regra, para que o autor da ação de responsabilidade civil obtenha provimento, será necessária a
comprovação da culpa e do dano.

3.2. Responsabilidade objetiva

O século XX foi marcado por profundas mudanças na vida das pessoas. Viver em sociedade é
arriscado. Percebendo isso, a doutrina francesa passou a entender que a responsabilidade não poderia
mais se basear exclusivamente na culpa. Não seria justo que se imputasse a prova da culpa à vítima nos
casos em que o causador do dano houvesse aumentado o risco da produção do resultado.
O atual sistema de responsabilidade civil, portanto, acompanhando a mutação social e a evolução
jurídica ao longo do século XX, consagrou o sistema de responsabilidade baseada na culpa (subjetiva) e
também a responsabilidade objetiva, baseada no risco.

25
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Não é, entretanto, qualquer atividade de risco que gera a responsabilidade objetiva, pois tudo na vida
envolve algum risco. Haverá responsabilização independentemente de culpa quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo causador do dano (em caráter habitual, segundo o jurista Roger
Aguiar), por sua natureza, envolve ou cria um risco para os direitos de outrem (ou seja, expõe a vítima
a uma probabilidade de dano maior do que outros membros da coletividade)28.
Se qualquer atividade de risco ensejasse a responsabilização objetiva, o fato de um sujeito guiar seu
carro em determinada rua faria com que essa ação, que gerou risco, transformasse a responsabilidade dele
em objetiva, pelos danos causados em virtude de eventual atropelamento. Isso porque aquela vítima não
está reiteradamente exposta pela atividade de risco do causador do dano.
Diverso é o caso em que a Petrobrás, ao construir seus dutos, exponha a risco uma senhora que reside
no pé do morro. Não se trata de uma atividade episódica da empresa, mas de uma atividade normalmente
desenvolvida que expõe aquela vítima a um risco maior do que outros membros da coletividade. Neste
caso, a senhora não será consumidora equiparada.
Vale acrescentar, ainda, lembrando Alvinio Lima (na tese “Da Culpa ao Risco”) que a
responsabilidade objetiva se justifica no próprio proveito que o agente causador do dano persegue ao criar
a situação de risco. Ou seja, a responsabilidade civil deve ser imposta às pessoas que, com sua atividade
reiterada, incrementam um risco para obter determinado proveito.
Como visto, a responsabilidade civil objetiva constitui exceção no sistema civil brasileiro, segundo
entendimento majoritário.
Representa a aplicação da teoria do risco, gerando responsabilidade civil sem culpa. Assim, nessas
hipóteses, o autor da ação não tem o ônus de provar a culpa do réu.
Nessa esteira, segundo Flávio Tartuce29 a responsabilidade objetiva independe de culpa e é fundada
na teoria do risco, em uma de suas modalidades, sendo as principais:
i. Teoria do risco administrativo: adotada nos casos de responsabilidade objetiva do Estado
(art. 37, § 6.º, da CF/1988).
ii. Teoria do risco criado: está presente nos casos em que o agente cria o risco, decorrente de
outra pessoa ou de uma coisa. Cite-se a previsão do art. 938 do CC, que trata da
responsabilidade do ocupante do prédio pelas coisas que dele caírem ou forem lançadas
(defenestramento).
iii. Teoria do risco da atividade (ou risco profissional): quando a atividade desempenhada cria
riscos a terceiros, o que pode se enquadrar na segunda parte do art. 927, parágrafo único, do
CC/2002.

28 Acerca do tema, ver a obra “Responsabilidade civil e atividade de risco”, de Roger Aguiar.
29Retirado de Tartuce, Flávio. Manual de direito civil : volume único / Flávio Tartuce. – 9. Ed. Ver, atual. E
ampl. – Rio de Janeiro: Forense; Sã Paulo: MÉTODO, 2019. P.
26
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iv. Teoria do risco-proveito: é adotada nas situações em que o risco decorre de uma atividade
lucrativa, ou seja, o agente retira um proveito do risco criado, como nos casos envolvendo os
riscos de um produto, relacionados com a responsabilidade objetiva decorrente do Código de
Defesa do Consumidor. Dentro da ideia de risco-proveito estão os riscos de desenvolvimento,
nos termos do Enunciado n. 43 do CJF/STJ. Exemplificando, deve uma empresa
farmacêutica responder por um novo produto que coloca no mercado e que ainda está em
fase de testes.
v. Teoria do risco integral: nessa hipótese não há excludente de nexo de causalidade ou de
responsabilidade civil a ser alegada, como nos casos de danos ambientais, segundo os autores
ambientalistas (art. 14, § 1.º, da Lei 6.938/1981). Anote-se que o entendimento pelo risco
integral para os danos ambientais é chancelado pelo Superior Tribunal de Justiça (ver, por
todos: REsp 1.114.398/PR, 2.ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 08.02.2012, DJe 16.02.2012.
Publicado no Informativo n. 490 do STJ).
Ademais, o art. 927, parágrafo único, do CC, em termos gerais, prevê essa modalidade de
responsabilidade civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados
em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem [atividade de risco].

O art. 927, parágrafo único, do CC prevê duas origens para a responsabilidade objetiva: i) a lei e ii)
atividade de risco.

3.2.1. Responsabilidade objetiva decorrente da lei

Um exemplo de lei que trata da responsabilidade objetiva é o CDC, no qual a responsabilidade


objetiva é a regra e a subjetiva é exceção (art. 14, § 4º: responsabilidade objetiva dos fornecedores e
prestadores de serviço). Pelo CDC, os profissionais liberais respondem mediante culpa (exceção).
Outra importante hipótese prevista em lei é a responsabilidade por danos ambientais, prevista no
art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). Segundo entendimento
majoritário, a legislação ambiental adotou a teoria do risco integral, que não admite excludentes de
responsabilidade civil.
Os principais casos de responsabilidade civil objetiva no CC/02 são o abuso de direito e a
responsabilidade civil objetiva indireta (responsabilidade por ato de terceiro), ambos já estudados
anteriormente.

3.2.2. Responsabilidade objetiva decorrente de atividade de risco

A atividade de risco traduz aquilo que a doutrina chama de “cláusula geral de responsabilidade
objetiva”. É preciso tomar cuidado com os conceitos de atividade e risco. Atividade é uma soma de atos

27
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coordenados, com finalidade específica. Esse conceito é de Tulio Ascarelli. Percebe-se que apenas um ato
isolado não traduz atividade.
Por sua vez, risco é uma iminência de dano ou de prejuízo. É uma situação acima da normalidade,
mas está abaixo do perigo. A lei não exige perigo, mas risco. Contudo, se houver perigo, haverá risco.
Exemplo: para uma fábrica de fogos de artifício, a responsabilidade decorre da lei, tendo em vista a Lei
Ambiental. Não decorre da atividade de risco, pois é hipótese já prevista em lei.
Há uma escala de risco: no primeiro patamar, há uma situação de normalidade; no segundo, situação
de risco; e no patamar mais elevado, a situação de perigo. Nos dois últimos patamares, aplica-se a
responsabilidade civil objetiva do art. 927, parágrafo único, do CC, a teor do Enunciado n. 448 – V Jornada
de Direito Civil30.
Os principais exemplos de aplicação da cláusula geral de responsabilidade objetiva no direito
brasileiro são os seguintes:
i) acidentes de trabalho em que o empregador submete o empregado a uma atividade de risco
(julgado do TST envolvendo “motoboy”):
O art. 927, parágrafo único, do CC, mitiga a regra da responsabilidade subjetiva do empregador (art.
7º, XXVIII, da CR). Este é um exemplo consolidado. É também o que estabelece o Enunciado 377 da
Jornada de Direito Civil.

Enunciado 377 – Art. 927: O art. 7º, inc. XXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação
do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco.

ii) polêmica a respeito da aplicação do art. 927, parágrafo único, do CC para ambientes virtuais,
principalmente para sites de relacionamento e redes sociais:
Debate-se se nos ambientes virtuais (principalmente nos sites de relacionamento) haveria ambiente
de risco para lesão a direitos da personalidade. Há julgados em vários TJ’s entendendo que sim. Contudo,
o STJ responde que não, dizendo que a empresa que mantém o site só responde se não retirar o conteúdo
após solicitação da vítima. Isso demonstra que a responsabilidade seria subjetiva, ou seja, deve-se
demonstrar a culpa, que a empresa não retirou o conteúdo, mesmo após o pedido da vítima (REsp
118.6616/MG, da lavra da Min. Nancy Andrighi).

4. Causas excludentes da responsabilidade civil


Em geral, as causas excludentes da responsabilidade civil são alegadas pelo réu em defesa, para não
indenizar. Em razão disso, quando há o ajuizamento de uma demanda de responsabilidade, o próprio réu
é que tem de prová-las.

30 Enunciado n. 448 – V Jornada de Direito Civil: “A regra do art. 927, parágrafo único, segunda parte, do CC

aplica- se sempre que a atividade normalmente desenvolvida, mesmo sem defeito e não essencialmente perigosa,
induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem. São critérios de avaliação desse risco,
entre outros, a estatística, a prova técnica e as máximas de experiência”.
28
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4.1. Estado de necessidade e legítima defesa

Na forma do art. 188, I, primeira parte, e II, do Código Civil, tanto o estado de necessidade como a
legítima defesa excluem a ilicitude do ato e, por consequência, a própria responsabilidade civil:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem
absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Pela letra da lei, portanto, quem atua em estado de necessidade agressivo e legítima defesa não
cometeria ato ilícito. Sucede que, excepcionalmente, nos termos dos arts. 929 e 930 do CC, por
“solidariedade social” (Gisele Sampaio), se terceiro inocente for atingido, deverá o agente
indenizá-lo, cabendo ação regressiva contra o verdadeiro culpado. É uma hipótese em que o sujeito
indeniza mesmo tendo havido ato lícito:

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do
perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor
do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

Ex.: o sujeito colide o carro contra um muro para evitar o atropelamento de uma criança que
engatinhava na rua. Ele indenizará o dono da casa que teve o muro afetado e terá ajuizar ação regressiva
contra os pais da criança.
O conceito de legítima defesa pode ser retirado do art. 25 do Código Penal31, in verbis: “entende-se
em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem”
Assim, se atuando em legitima defesa, alguém agride o direito de terceiro, deverá indenizar esse
terceiro, cabendo ação regressiva contra o verdadeiro causador do perigo. O CC/02 é patrimonialista nesse
sentido e as provas de concurso têm considerado a indenização do terceiro como regra.
Um bom exemplo de legítima defesa no direito civil é a legitima defesa da posse (art. 1.210, parágrafo
1º, do CC) no âmbito privado.

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e
segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

§ 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto
que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou

31 A Lei 13.964/19 (pacote anticrime) incluiu o parágrafo único no Art. 25 do CP, com a seguinte redação:

“Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa
o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de
crimes”. Resta aguardar para verificar se essa mudança terá reflexos significantes no âmbito civil.
29
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restituição da posse.

Tema importante referente à legítima defesa são as ofendículas. São artifícios utilizados para tutela
e proteção da posse e da propriedade. Exemplo: cerca elétrica, cacos de vidro no muro etc.
Se houver excesso nas ofendículas, estará caracterizado o abuso de direito no exercício da defesa.
Haverá enquadramento no art. 187 do CC (abuso de direito) gerando responsabilidade objetiva.
Questão de concurso: legítima defesa putativa ou aparente não exclui a responsabilidade civil,
segundo o STJ32. Cuidado: putare quer dizer crer ou imaginar. Assim, na legitima defesa putativa o agente
imagina estar agindo em legítima defesa, mas essa situação não é verdadeira. Exemplo: sujeito pensa estar
sendo seguido e joga o carro contra o outro para impedi-lo, contudo, não estava sendo seguido, portanto,
não há exclusão da responsabilidade civil.
Outro exemplo de responsabilidade civil por ato lícito, que é plenamente possível, como nas
hipóteses de legítima defesa putativa ou aparente, é o estado de necessidade agressivo, entretanto, nesses
casos é permitido ao juiz, por arbitramento, fixar uma indenização moderada, e não aquela
“indenização do prejuízo que sofreram” os lesados conforme já decidiu o STJ33.

4.2. Exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal

Na mesma linha, quem atua no exercício regular de um direito (art. 188, I, 2ª parte), conceito que
compreende a própria noção de estrito cumprimento do dever legal (Frederico Marques), não comete ato
ilícito e, por consequência, não seria responsabilizado civilmente. O exercício regular do direito é o
contraponto do abuso do direito.
Não há na lei uma regra sobre estrito cumprimento do dever legal. No Código Civil, art. 188, I, 1ª
parte, há referência apenas ao exercício regular de um direito reconhecido. O que importa é que aquele
que atua dessas formas está protegido por excludente de ilicitude. Não há dever de indenizar.
Exemplos de exercício regular de direito: guarda-volumes de supermercado, porta giratória do
banco. Apesar de causarem desconforto, são permitidos. Claro que, havendo excesso na abordagem,
poderá haver indenização, pois o exercício do direito deixará de ser regular.
O STJ, julgando o emblemático REsp 164.391/RJ, não acolheu a tese de exercício regular de direito,
reconhecendo excesso, no caso em que empregadores prenderam a empregada doméstica no quarto,
suspeita de furto, que se matou.
O simples ajuizamento de demanda não gera dano moral, na medida em que configura exercício
regular de direito (Ag. Rg. no Ag. 1.030.872/RJ). O mesmo com relação ao sujeito que comparece à
Delegacia para noticiar crime que sabe que ocorreu (exercício regular de direito). Diversas são as hipóteses
do abuso do direito de ação (ex.: mulher ajuíza ação de investigação de paternidade contra o sujeito

32 (REsp 513.891/ RJ, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Terceira Turma, julgado em 20/03/07, DJ
16/04/07).
33 (REsp 1292141, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04/12/2012, DJe 12/12/12).

30
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sabendo que não teve relação sexual com ele) e daquele que noticia crime que sabe não ter ocorrido (nesta
hipótese, será o caso de abuso de direito e crime).
O policial que faz a revista regular, sem excesso, o oficial de justiça que arromba porta com mandado
judicial e o funcionário da INFRAERO, no Raio-X, atuam em exercício regular de direito e estrito
cumprimento de dever legal.
Outro exemplo ilustrativo refere-se à inclusão do nome de devedores no rol dos inadimplentes ou
devedores, em cadastros de natureza privada (Serasa e SPC). Por uma questão lógica, a inscrição nos casos
de inadimplência constitui um exercício regular de direito do credor, conforme entendimento unânime de
nossos Tribunais e dicção do art. 43 do CDC.
Porém, a inscrição indevida em cadastro de inadimplentes é abuso de direito (exercício irregular de
um direito). Com a aplicação do CDC, a responsabilidade é objetiva.
Obs.: Antes da inscrição no cadastro, deve ocorrer a comunicação pelo órgão que o mantém:

Súmula 359 STJ: “Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor
antes de proceder à inscrição”.

Obs.: O prazo máximo de manutenção do nome da pessoa no cadastro é de cinco anos:

Súmula 323, STJ: “A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até
o prazo máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da execução”.

Obs.: Se a pessoa já teve o nome inscrito (ou tem) não pode pleitear indenização por danos morais.

Súmula 385, STJ: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano
moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento” 34.

4.3. Excludentes do nexo de causalidade

4.3.1. Caso fortuito e força maior

4.3.1.1. Noções gerais


Existe acesa divergência doutrinária a respeito dos conceitos de caso fortuito e força maior, como é
possível observar se comparadas as obras de Maria Helena Diniz, Álvaro Villaça Azevedo e Silvio Rodrigues
(Maria Helena Diniz tem uma opinião, Villaça tem opinião contrária e Silvio Rodrigues equipara as
figuras).
Força maior relaciona-se a fatos da natureza. Exemplo de caso fortuito é o do sujeito que falta ao
trabalho por ter sido sequestrado.

34 “O entendimento da Súmula n. 385/STJ é aplicável às ações opostas em face do suposto credor que
efetivou a inscrição irregular” (Jurisprudência em Teses – Ed. n. 59 – Tese n. 8).

31
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O CC/2002 adotou postura de neutralidade jurídica (uma dicção neutra), razão pela qual a
jurisprudência brasileira, em geral, utiliza as expressões indistintamente. O próprio Código Civil, no
parágrafo único do art. 393, apesar de prever as excludentes, não cuida de se intrometer na divergência
doutrinária a respeito dos conceitos:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível
evitar ou impedir.

Em regra, o devedor não responde por caso fortuito ou de força maior, salvo previsão contratual
(como é o caso das seguradoras).
Existem seis correntes que diferenciam as figuras. Todavia, aqui serão tratadas as duas correntes
principais:
1ª corrente (Pontes de Miranda): os conceitos são sinônimos, ou seja, são o evento não
previsto pelas partes.
2ª corrente (Orlando Gomes): esta corrente é seguida por Sérgio Cavalieri, Pablo Stolze,
Rodolfo Pamplona e Flávio Tartuce. Caso fortuito é o evento totalmente imprevisível, ao passo que a
força maior é o evento previsível, mas inevitável.
Para os autores que adotam a segunda corrente, o caso fortuito é mais do que a força maior, pois
evento totalmente imprevisível.
O caso fortuito e a força maior devem ser analisados caso a caso.
Ademais, na lição de Flávio Tartuce, é preciso verificar se o evento correlato tem ou não relação com
o risco do empreendimento ou risco-proveito, ou seja, com a atividade desenvolvida pelo suposto
responsável, de modo a ser imperioso constatar se o fato entra ou não no chamado risco de negócio
(eventos internos e externos), o que remonta à antiga e clássica conceituação feita por Agostinho Alvim35.

4.3.1.2. Fortuito interno e fortuito externo


O que são fortuito interno e fortuito externo? A palavra “fortuito”, aqui, é usada em sentido genérico.
Autores como Carlos Roberto Gonçalves e Cavalieri Filho reconhecem a distinção, especialmente nas
relações de consumo.

4.3.1.2.1. Fortuito interno

O fortuito interno integra a própria elaboração do produto ou execução do serviço, não eximindo a
responsabilidade do fornecedor.
Ex.: um pequeno abalo sísmico ocorrido no Brasil prejudica a elaboração de uma peça automotiva,
causando dano ao consumidor. Neste caso, a responsabilidade da empresa não está afastada, pois esse

35“A força maior, portanto, é o fato externo que não se liga à pessoa ou à empresa por nenhum laço de
conexidade. Enquanto o caso fortuito propriamente traduz a hipótese em que existe aquele nexo de causalidade”.
32
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fortuito integrou a fabricação do produto. É obrigação da indústria ter um controle de qualidade dos bens
que coloca no mercado.
É por conta disso que, na prática, se observam diversos recall’s, mesmo sem culpa da empresa.

4.3.1.2.2. Fortuito externo

O fortuito externo, por sua vez, é alheio à própria atividade do fornecedor, rompendo o nexo causal
e, segundo boa doutrina, a própria responsabilidade civil.
Ex.: a Companhia Aérea não poderá ser responsabilizada pelo atraso no voo decorrente de más
condições climáticas, por se tratar de fortuito externo, que rompe o nexo causal e, por consequência, a
responsabilidade civil.
Há consumeiristas radicais, que não afastam responsabilidade do fornecedor em hipótese alguma.
Pablo não concorda com essa posição.
O STJ já pacificou, por sua Segunda Seção, que o assalto em interior de ônibus é fortuito externo à
atividade da transportadora, de maneira que a sua responsabilidade civil é afastada (Ag. Rg. no REsp
620.259/MG). Alguns tribunais inferiores têm, no entanto, precedentes entendendo que a empresa poderá
ser responsabilizada em determinadas situações, como aquela em que o assalto é tão constante na linha
que se torna quase que previsível (TJRJ). Pablo não concorda com esse julgado, entendendo que, mesmo
havendo habitualidade no assalto, a segurança pública é atribuição do poder público, e a empresa de
ônibus não tem liberdade para cancelar determinada linha.

4.3.1.2.3. Jurisprudência do STJ acerca do tema

A jurisprudência do STJ também tem dividido os eventos em internos e externos. Como dito, os
internos são aqueles que têm relação com o risco do negócio ou risco do empreendido e, portanto, não são
excludentes de responsabilidade. Já os eventos externos são aqueles que não têm relação com o risco do
negócio ou do empreendimento. Sendo assim, são excludentes da responsabilidade. Isso tudo surgiu
porque o CDC não previu o caso fortuito e a força maior como excludentes de responsabilidade do
fornecedor, e o STJ generalizou a questão.
Exemplo 1: como visto, o STJ diz que o assalto a ônibus é um evento externo. Portanto, enquadrável
como caso fortuito ou força maior. A empresa de ônibus não responde, pois o assalto não tem relação com
o risco do negócio (REsp 783.743/RJ). Flávio Tartuce entende que, nesse caso, é o Estado que deve
responder. Todavia, há parte da doutrina administrativista que defende ser essa responsabilidade
subjetiva, ou seja, ser necessária a demonstração de culpa. É uma contradição, pois em estabelecimentos
privados, caso ocorra um assalto, a responsabilidade é objetiva. A esse respeito, ver o Informativo 370 STJ.
Exemplo 2: no caso de assalto a banco, o evento é interno, pois o risco é inerente ao negócio ou
empreendimento, então o banco responde até o estacionamento, conveniado ou não (REsp
1.284.962/MG).

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Exemplo 3: assalto a shopping é um caso complicado, limítrofe. Segundo o STJ, é um evento interno,
de modo que há responsabilidade (REsp 1.269.961/PB). O STJ entende que é dever do estabelecimento
manter a segurança, até o seu estacionamento. Todavia, esse entendimento não é pacífico.
Exemplo 4: ataque de psicopata a shopping (caso Matheus da Costa Meira, que metralhou um
cinema no shopping Morumbi): o STJ (REsp 1164889 / SP), reformando decisão do TJ/SP, entendeu que
se trata de evento externo, ou seja, que a responsabilidade não poderia ser atribuída ao shopping.
Exemplo 5: Súmula 479, STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos
gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações
bancárias”

4.3.2. Culpa exclusiva da vítima

A culpa exclusiva da vítima também pode romper o nexo jurídico de causalidade e, por consequência,
afastar a responsabilidade civil. Trata-se de uma das mais fortes causas excludentes, que deve ser provada
em juízo (REsp 439.408/SP), com aplicação inclusive no direito administrativo e do consumidor.
Essa causa excludente pode, inclusive, afastar a responsabilidade objetiva, a depender do caso. Isso
porque ela não afasta a culpa, propriamente, mas a ilicitude ou o nexo causal, conforme a hipótese.
Além das excludentes de nexo de causalidade, existem fatores atenuantes do nexo que geram redução
do quantum indenizatório:
i) culpa concorrente da vítima:
A culpa (fato ou até mesmo o risco) concorrente da vítima (contribuição causal), enquanto causa que
implica redução da indenização, está prevista no art. 945 do CC:

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada
tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano [aplica-se para
responsabilidade subjetiva e objetiva].

Aqui, a indenização é atenuada porque ambas as partes têm responsabilidade.


ii) desproporção entre a extensão do dano e o grau de culpa do agente:
O art. 944, caput, do CC prevê que a indenização será fixada de acordo com a extensão do dano:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. (...)

Portanto, se o agente agiu com dolo ou culpa grave, aplica-se a reparação integral dos danos. Significa
dizer que todos os prejuízos suportados pela vítima serão indenizados (é a máxima romana de que a culpa
grave equivale ao dolo).
De outro lado, se houver culpa leve ou levíssima do agente, a indenização será reduzida por equidade:

Art. 944 (...) Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá
o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

A diminuição do quantum indenizatório vale apenas para a responsabilidade subjetiva ou vale


também para a responsabilidade objetiva? Ou seja, o art. 945 do CC também se aplica à responsabilidade

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objetiva? O Enunciado 46 da I Jornada de Direito Civil previa na sua redação original que não. Porém, o
Enunciado 380, da IV Jornada de Direito Civil prevê o contrário, afirmando que o art. 945 do CC também
tem aplicação para a hipótese de responsabilidade objetiva:

Enunciado 46 – Art. 944: A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa
do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada
restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano[,] não se aplicando
às hipóteses de responsabilidade objetiva. (Alterado pelo Enunciado 380 – IV Jornada)

Enunciado 380 – Art. 944: Atribui-se nova redação ao Enunciado n. 46 da I Jornada de Direito Civil, pela
supressão da parte final: não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva.

Atenção! A lei, a doutrina e a jurisprudência admitem o fato ou culpa concorrente da vítima como
atenuante da responsabilidade objetiva.
As excludentes de nexo da causalidade são válidas para as duas modalidades de responsabilidade.
Assim, por que a culpa concorrente não valeria para também atenuar a responsabilidade objetiva?
Exemplo: o art. 738, parágrafo único, do CC determina que a responsabilidade no transporte de pessoas é
objetiva. Contudo, poderá o juiz reduzir equitativamente a indenização, caso haja concorrência da vítima
para o dano:

Art. 738 (...) Parágrafo único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de
normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que a
vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

É um caso de atenuação da responsabilidade objetiva do transportador. É o caso envolvendo


“pingente de trem”, pessoa que viaja pendurada do lado de fora do vagão do trem (REsp 226.348/SP):
A jurisprudência do STJ reduz a indenização por culpa concorrente do consumidor. Lembre que no
CDC a responsabilidade é objetiva (Ex.: REsp 287.849/SP, que trata do caso do escorregador da piscina
de hotel que não sinaliza a profundidade).
No caso da concorrência, a indenização é reduzida, podendo as culpas até se compensar. Ex.:
motoqueiro tem danos mais graves em atropelamento, por estar sem capacete. Haverá concorrência de
culpas, ainda que não se compensem.

4.3.3. Fato de terceiro

Rompendo o nexo jurídico de causalidade, o fato de terceiro também poderá afastar a


responsabilidade civil.
Esta é a categoria mais complicada. Venosa entende que não se trata de uma categoria legal.
Normalmente, os juízes até a invocam, mas afastam a responsabilidade por equidade. Ex.: o sujeito, em
peça de teatro, dispara arma contra o outro ator, imaginando tratar-se de bala de festim, sendo que a bala
era normal. O ator, demandado, embora tenha sido o agente físico do dano, não será o agente jurídico
causador do resultado, mas aquele que colocou a bala verdadeira.
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A Empresa Gol, em tese, poderia alegar fato de terceiro, afirmando que estava na rota perfeita dela,
quando o jato Legacy, não se sabe se por culpa dele ou dos agentes de monitoramento aéreo, bate a ponta
da asa, que corta a asa de seu avião. “Em tese”, pois a Súmula 187 do STF impede que o transportador, em
caso de acidente com passageiro, alegue fato de terceiro:

Súmula 187 - A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO TRANSPORTADOR, PELO ACIDENTE COM O


PASSAGEIRO, NÃO É ELIDIDA POR CULPA DE TERCEIRO, CONTRA O QUAL TEM AÇÃO REGRESSIVA.

Vale dizer, a empresa indenizará o passageiro, sem prejuízo de uma eventual ação de regresso contra
causador do dano.
Imagine um engavetamento, em que “C” colide com “B”, que, arremessado para frente, colide com
“A”. “B”, demandado por “A”, alegará fato de terceiro (batida de “C”). Costuma-se chamar essa alegação de
fato de terceiro de “teoria do corpo neutro”. “B” funcionaria como a bola branca no bilhar, um corpo neutro.
Nessa linha de raciocínio, “A” deve demandar “C”, que é o responsável. Pablo já viu autores dizendo que
“A” poderia demandar “B”, que teria ação regressiva contra “C”, mas considera esse entendimento absurdo.
“B” foi vítima, funcionou como corpo neutro, um mero projétil. Não se trata de estado de necessidade ou
legítima defesa, em que o agente indeniza e ajuíza ação de regresso, mas de fato de terceiro (“B” não atua
voluntariamente, desviando o veículo, atingindo o inocente, hipótese em que se trataria de estado de
necessidade). Não é justo que o sujeito, arremessado como uma bola de boliche, tenha de responder pelo
ato involuntário.
O STJ, julgando o REsp 54.444/SP, entendeu justamente que não há responsabilidade, por aplicação
da teoria do fato de terceiro ou do corpo neutro, daquele condutor que, arremessado como um projétil,
involuntariamente atinge outrem.

4.4. Responsabilidade pressuposta

Giselda Hironaka possui obra intitulada “Responsabilidade Pressuposta”, em que defende posição
ousada. Buscando inspiração na obra de Shanks, sustenta que quando alguém realiza um comportamento
que causa dano a outrem, deverá indenizar sempre.
Para a autora, o sistema de responsabilidade deve ser preventivo de danos. Realizando dano injusto,
a vítima deve ser indenizada e o causador se voltar contra o eventual culpado. A tese coloca a vítima em
primeiro plano. Inverte o sistema, dizendo que o dano não autorizado à vitima deverá ser indenizado,
independentemente de excludentes.
Portanto, segundo a tese da professora Giselda Hironaka, estabelecido o nexo de causalidade, sem
que se admitam causas excludentes, se o agente causa um dano não autorizado à vítima, deverá indenizá-
la, cabendo-lhe, apenas, eventual e futura ação de regresso. É como se a responsabilidade de todo agente
causador de dano estivesse já pressuposta no próprio ordenamento jurídico.
Essa tese vai além até da responsabilidade objetiva, que possui pressupostos, como visto. Perceba
que não é uma teoria adotada.

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5. Responsabilidade pelo fato da coisa e do animal


Anteriormente, foi estudado que a responsabilidade civil é oriunda sempre de manifestação humana.
Se um animal causa um dano, sempre haverá uma pessoa causadora do fato. Hoje, as pessoas vivem numa
sociedade em que as coisas e os animais, como nunca, incrementam o risco. Mas sempre haverá um homem
por trás deles.
Quem é o responsável pelo fato da coisa e do animal? Embora o proprietário esteja em primeiro
plano, a responsabilidade não será sempre dele. Com efeito, em regra, a responsabilidade civil pelo fato do
animal ou da coisa é do seu proprietário. Todavia, situações há, na lei brasileira, em que não apenas o
proprietário é responsável. Por isso, sob influência do direito francês, é melhor dizer que a
responsabilidade recai sobre a pessoa que detenha poder de comando sobre a coisa ou o animal (seu
guardião).
O proprietário é o guardião presuntivo, mas há situações em que nem sempre o proprietário será o
responsável. A ideia geral é de que a responsabilidade será do guardião, que é a pessoa que tem poder de
comando da coisa ou do animal.

5.1. Responsabilidade pelo fato do animal

No Código Civil, a responsabilidade pelo fato do animal está prevista no art. 936, e é uma hipótese
de responsabilidade objetiva:

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima
ou força maior.

É de se notar que o Código Civil de 2002 traz somente duas excludentes do dever de indenizar (culpa
exclusiva da vítima e força maior), entretanto, Flávio Tartuce entende ser também excludente o caso
fortuito (evento totalmente imprevisível) que é mais do que a força maior (evento previsível, mas
inevitável), obstando ou rompendo com o nexo de causalidade.
O CC/16 não era assim. Ele abria a possibilidade de discussão de culpa em se tratando de fato do
animal (máximo cuidado na guarda). Deve-se atentar para o fato de que situações ocorridas até janeiro de
2003 serão disciplinadas pela legislação anterior.
No CC/02, não há espaço para a discussão acerca da culpa in vigilando. Não há que se discutir se
teria ou não havido culpa do proprietário ou do detentor na guarda de animal. Ex.: o proprietário transfere
o poder de comando do “Pit Bull” para o responsável pela empresa especializada em adestramento. Se,
naquele período, o animal morde alguém, a responsabilidade passa a ser da empresa, e não do proprietário.
O dono de imóvel com cão de guarda não responderá, em razão da culpa exclusiva da vítima, se ela
ingressa de forma não autorizada em local com muros altos e sinalização e é atacada. Situação diversa é
aquela do proprietário que mantém cachorros agressivos, com muro baixo e sem sinalização. Nesse caso,
responderá objetivamente.

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Leciona Flávio Tartuce ser possível aplicar a responsabilidade objetiva do Código de Defesa do
Consumidor para acidentes causados por animais, em diálogo das fontes com o Código Civil
Nesse sentido, já decidiu o STJ pela responsabilidade subjetiva do Estado de omissão na fiscalização
e sinalização de rodovia federal em caso de acidente causado por animal na pista, (REsp 438.831/RS). Ex.:
local com animais silvestres e/ou muita passagem de gado. Mas, caso a rodovia seja pedagiada
(privatizada), a responsabilidade da concessionária é objetiva, com base no CDC (REsp 647.710/RJ). Como
outra ilustração, o Tribunal Superior desenvolveu o raciocínio de incidência do CDC para responsabilizar
objetiva e solidariamente o shopping center e o circo, pelo trágico acidente ocorrido nas dependências do
último, instaladas no estacionamento do primeiro. No evento danoso, leões do Circo Vostok vitimaram
uma criança, sendo a demanda proposta por seus pais, justamente indenizados na espécie (STJ, REsp
1100571/PE, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 07.04.2011, DJe 18.08.2011).

5.2. Responsabilidade pelo fato da coisa

No Código Civil, a responsabilidade pelo fato da coisa envolve duas modalidades de


responsabilidade: i) pela ruína de edifícios ou construções (art. 937); e ii) por objetos lançados ou caídos
(art. 938).

5.2.1. Responsabilidade pela ruína de edifícios ou construções

Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier
de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

A responsabilidade pela ruína de edifícios ou construções deve ser estudada em conjunto com o art.
618 do CC (responsabilidade dos construtores):

Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de
materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do
trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. (...)

O art. 937 cuida da responsabilidade do dono do edifício pela ruína do edifício; o art. 618 estuda a
responsabilidade da construtora (pois, às vezes, a ruína se dá pela má construção da obra).
Pablo filia-se à corrente doutrinária segundo a qual a responsabilidade pela ruína de edifícios ou
construções é do dono e objetiva. Não cabe provar que ele fez as obras ou reparos necessários. Se o dano
ocorreu, é porque o reparo devido não foi feito. Ainda que haja a responsabilidade do construtor, o dono
deverá indenizar e ajuizar demanda regressiva contra aquele. Note que a responsabilidade é do dono, ainda
que a posse direta seja do locatário ou do comodatário.
Flávio Tartuce leciona que na grande maioria das situações que envolvem a queda de edifício será
aplicada responsabilidade objetiva da Lei 8.078/1990. Os proprietários do edifício podem ser
considerados consumidores diretos; enquanto que moradores e outras vítimas do evento de consumo serão
consumidores indiretos, por equiparação ou bystander (art. 17 do CDC).

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5.2.2. Responsabilidade por objetos lançados ou caídos (defenestramento)

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele
caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

A responsabilidade prevista no art. 938 do CC não é caso de ruína, mas de objeto lançado ou caído
do prédio.
Aqui, não há divergência: a responsabilidade é objetiva diante de um risco criado e não admite
aplicação do CDC. Não se discute culpa (não precisa haver prova da culpa daquele que habita prédio ou
parte dele). A demanda que a vítima ajuíza, neste caso, é chamada de actio de efusis et dejectis.
A responsabilidade pelo projétil lançado ou caído é do dono da unidade autônoma de onde caiu. A
dicção do CC/02 é genérica. É quase uma regra de imputação, não de causalidade. Fala naquele “que
habitar”. Poderá se tratar de proprietário, locatário, comodatário etc. Também não importa quem lançou
o projétil: responde aquele que habita. Mesmo que o convidado lance o projétil, a regra não muda (sem
prejuízo da possibilidade de ação de regresso).
Segundo a teoria da causalidade alternativa, caso não se identifique a unidade de onde partiu o
projétil, a responsabilidade é de todo o condomínio, ressalvadas, logicamente, as fachadas ou os blocos de
onde seria impossível o arremesso. Isso para evitar que a vítima fique irressarcida. Para aquela teoria,
alternativamente, de qualquer das unidades poderia ter partido o projétil.
Em resumo, se a coisa cair de um condomínio edilício, não sendo possível identificar de qual unidade,
responderá todo o condomínio em pulverização dos danos na sociedade nas palavras de Silvio Venosa,
assegurado o direito de regresso contra o culpado36.

6. Responsabilidade por ato de terceiro


6.1. Noções gerais

As hipóteses de responsabilidade por ato de terceiro estão previstas no art. 932 do Código Civil. O
pai tem responsabilidade objetiva por ato culposo do filho; o dono de hotel tem responsabilidade objetiva
em relação aos atos culposos dos hóspedes. Segundo Álvaro Vilaça Azevedo, há aqui uma responsabilidade
objetiva impura, pois a pessoa responde objetivamente pelo ato culposo da outra pessoa. Não é necessário
comprovar a culpa dos primeiros (pais, hotel, escola, empregador), bastando a comprovação da culpa dos
últimos.
Assim, os primeiros elencados respondem objetivamente, desde que comprovadas as culpas
dos segundos
Em virtude do quanto disposto no art. 933, elas consagram a responsabilidade objetiva, afastando
as antigas presunções de culpa. São situações que, no sistema do CC/16, eram baseadas em presunção de

36 Enunciado n. 557 – VI Jornada de Direito Civil e REsp 64682/RJ, Relator Ministro BUENO DE SOUZA,
Quarta Turma, julgado em 10/11/1998, DJ 29/03/1999.
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culpa (in vigilando ou in elegendo, ou seja, culpa presumida na vigilância ou na escolha). Como bem
aponta Alvino Lima, a culpa presumida gerava responsabilidade subjetiva no CC/16 (arts. 1.521 e 1.522).
Ex.: o pai responderia por conta de presunção de que vigiara mal o filho; o empregador por ter
presumidamente escolhido mal o empregado:

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua
parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

Como dito, essas presunções desapareceram com o CC/02. As hipóteses de responsabilidade pelo
fato de terceiro foram objetivadas, nos termos do art. 933, a teor do Enunciado 451, V JDC37.

Ex.: Vitor, motorista particular de “A”, guiando o carro dele, colide com o carro de “B”, vítima, titular
de direito de indenização. “B” pode demandar diretamente Vitor, mas isso não ocorre normalmente, pois
quem tem o dinheiro é o patrão. O empregador responde objetivamente, não podendo se defender
alegando que não teve culpa na escolha do empregado. Todavia, pode o empregador, na contestação, dizer
que o empregado não teve culpa no evento danoso.
Assim, merece revisão crítica a Súmula 341 do STF que estabelece ser presumida a culpa do patrão
ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.
Súmula 341 - É PRESUMIDA A CULPA DO PATRÃO OU COMITENTE PELO ATO CULPOSO DO
EMPREGADO OU PREPOSTO.
A responsabilidade do patrão pelo ato culposo do empregado é objetiva. Conjugando o art. 932, III,
com o art. 933 do CC, essa Súmula deve ser tida como cancelada, apesar de ainda não tê-lo efetivamente
sido pelo STF.
O representante responde objetivamente pelo ato do representado, mas isso não quer dizer que na
relação externa não se possa apurar a ausência de culpa do representado no acidente. O pai pode alegar
que o filho não teve culpa no fato ilícito.
Ademais, paga a dívida pelo empregador, ele tem ação regressiva contra o empregado. Todavia, caso
se trate do pai ressarcindo o dano causado pelo filho, não cabe ação de regresso. O direito de regresso, na
responsabilidade por ato de terceiro, existe, nos termos e nas condições do art. 934:

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem
pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

Em razão do que dispõe o dispositivo, o ascendente não tem direito de regresso contra o descendente
incapaz. Quando o CC/02 foi elaborado, entendia-se que isso seria um absurdo. Atualmente, há uma
tendência de modificação desse entendimento, principalmente com as ações de descendente contra
ascendente por abandono afetivo.
Ressalta-se que os casos do artigo 932, analisados abaixo são de responsabilidade solidária,
em regra, onde há opção de demanda, ou seja, a vítima escolhe contra quem promove a ação. Exceção:

37Enunciado 451, V JDC: “A responsabilidade civil por ato de terceiro funda-se na responsabilidade objetiva
ou independente de culpa, estando superado o modelo de culpa presumida”.
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CC, art. 928, que trata da responsabilidade civil do incapaz, que é subsidiária38 e excepcional, de mod que
ele só responde:
i. Se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo; ou
ii. Se essas pessoas não dispuserem dos meios suficientes.
Frisa-se ainda que eventual a indenização tem que ser equitativa para proteger o patrimônio mínimo
do incapaz e de seus dependentes, conforme Enunciado 39 da I JDC.39

6.2. Hipóteses de responsabilidade objetiva por fato de terceiro


Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que
lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para
fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

6.2.1. Responsabilidade dos pais, tutores e curadores

Nos termos do art. 932, I e II, do CC, os pais respondem pelos filhos menores que estiverem sob sua
autoridade e em sua companhia, assim como o tutor e o curador, pelos atos dos pupilos e curatelados, que
se acharem nas mesmas condições.
Mutatis mutandis, tudo o quanto for dito acerca da hipótese do inciso I servirá para a do inciso II.
Neste ponto, a matéria sofreu uma reviravolta. O CC/16, em seu art. 156, equiparava os menores
relativamente incapazes aos maiores, pelos ilícitos praticados, considerando, por outro lado, o
absolutamente incapaz inimputável, o que levantou críticas da doutrina (Silvio Rodrigues, José de Aguiar
Dias):

Art. 156. O menor, entre dezesseis e vinte e um anos, equipara-se ao maior quanto às obrigações resultantes
de atos ilícitos, em que for culpado.

À luz do CC/16, se o filho com 17 anos causasse acidente, em racha, ele responderia solidariamente
com o pai pelo dano. Se o absolutamente incapaz (que era sinônimo de inimputável) causasse dano vultoso,

38 (REsp 1319626/MG, Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 26/02/2013, DJe
05/03/2013).
39 Enunciado n. 39 – I Jornada de Direito Civil: “A impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista

no art. 928, traduz um dever de indenização equitativa, informado pelo princípio constitucional da proteção à
dignidade da pessoa humana. Como consequência, também os pais, tutores e curadores serão beneficiados pelo limite
humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados
todos os recursos do responsável, mas se reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade.”.
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ele não responderia. Isso gerava situação injusta, pois o filho, aos 15 anos, mesmo que tivesse patrimônio
muito maior que o do pai, não responderia. Somente responderia o responsável, ainda que pobre.
O CC/02, no art. 932, I e II, cumulado com o art. 928, revolucionou o tratamento da matéria, ao
admitir a responsabilidade, ainda que subsidiária, do relativa ou absolutamente incapaz:

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem
obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. (...)

Veja que o fato de se tratar de responsabilidade subsidiária não significa que o sistema anterior, de
responsabilidade solidária, era melhor. A responsabilidade subsidiária nada mais é que uma
responsabilidade solidária com preferência.
Exemplo de hipótese do art. 928, em que os pais não têm obrigação de reparar o dano, é o caso da
medida socioeducativa aplicada pelo juiz consistente na obrigação de reparar o dano. Não faz sentido que
se obrigue os pais a fazê-lo, uma vez que se trata de medida aplicada contra o adolescente.
Nos termos do art. 928, parágrafo único, do CC, não poderá a indenização privar o incapaz do seu
sustento:

Art. 928 (...) Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar
se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Cumpre ressaltar que o art. 932, I, determina que os pais seriam responsáveis somente pelos filhos
menores que estivessem sob sua autoridade e em sua companhia. Assim, segundo Pablo, interpretação
literal do dispositivo conduziria à ideia de afastar a responsabilidade do pai que não detivesse a guarda e,
por consequência, não tivesse a criança ou o adolescente em sua companhia, havendo decisão do STJ nesse
sentido o REsp n. 1.232.011/SC de lavra da 3ª Turma, corrente que encontra guarida na doutrina de José
Fernando Simão e Flávio Tartuce.
Todavia, julgando o REsp n. 1.436.401/MG a 4ª Turma) do STJ entendeu que a responsabilidade
pode ser de ambos, uma vez que o dever de orientação (o dever de educar) recairá tanto no pai como na
mãe.
Conforme determina o art. 1.583, § 3º, do CC, a companhia está umbilicalmente ligada à guarda.
Entretanto, o dispositivo prevê o dever de supervisão do filho, mesmo do pai que não detém a guarda
unilateral:

Art. 1.583 (...) § 3º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses
dos filhos. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

Esse é também o entendimento majoritário da doutrina, conforme Enunciado 450 da V JDC40.

40 Enunciado n. 450, V JDC: “Considerando que a responsabilidade dos pais pelos atos danosos praticados

pelos filhos menores é objetiva, e não por culpa presumida, ambos os genitores, no exercício do poder familiar, são,
em regra, solidariamente responsáveis por tais atos, ainda que estejam separados, ressalvado o direito de regresso
em caso de culpa exclusiva de um dos genitores”.
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Finalmente, ressalta-se que a única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do
menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado voluntariamente, conforme Enunciado n. 41 – I
Jornada de Direito Civil.

6.2.2. Responsabilidade do empregador ou comitente

Nos termos do art. 932, III, do CC, o empregador e o comitente (contrato de comissão) respondem
por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm realizado uma interpretação extensiva do dispositivo,
levando-se em conta a relação de pressuposição. Tem-se ampliado o art. 932, III para muito além de
relação de emprego, abrangendo as relações de confiança.
O dispositivo abarca inclusive a hipótese do empregado que leva o carro da empresa para casa e, no
trajeto para o trabalho, causa um dano. Se, ao invés de ir para o trabalho, o empregado estivesse indo para
o jogo do Palmeiras, pela letra do dispositivo, o empregador não responderia. Todavia, o STJ entende que
o empregador ainda assim responderá, pois o proprietário responde pelo acidente causado pela pessoa a
quem ele permitir a condução do seu automóvel. Ou seja, de um modo ou de outro, o empregador
responderá.
Outros exemplos: o comodante responde pelo comodatário no acidente de veículo, diante da relação
de confiança41, a responsabilidade objetiva do hospital pelo ato culposo praticado pelo médico integrante
do seu corpo clínico (caso o médico não seja integrante do corpo médico, não haverá responsabilidade do
hospital, conforme decidido pelo STJ42). Cuidado, pois essa questão do hospital é pegadinha de concursos
e finalmente interessante observar o teor da Súmula 492 do STF:

Súmula 492 STF: “A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos
danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado”.

6.2.3. Responsabilidade dos donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos

Segundo o que determina o art. 932, IV, do CC, respondem os donos de hotéis, hospedarias, casas
ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,
moradores e educandos.
Embora a norma não seja tão clara, a escola está incluída na regra.
Pela letra do CC/02, o dono do hotel, motel e hospedaria responde pelo ato de seu hóspede. José de
Aguiar Dias, em sua obra, coloca que a responsabilidade do hoteleiro, nesse caso, justifica-se por conta da
existência de uma cláusula geral de segurança (o hotel seria uma extensão da casa das pessoas). Por essa
razão que, quando o hóspede começa a se embriagar no bar do hotel, o barman para de vender bebida a
ele.

41 "(...)O proprietário do veículo que o empresta a terceiros responde solidariamente pelos danos decorrentes

de sua utilização. Precedentes" (STJ, Ag. Rg. no Ag 823.567/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA
TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 01/10/2015).
42 Enunciado n. 191 – III Jornada de Direito Civil e REsp n. 1.145.728/MG.

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Além disso, os donos das escolas respondem pelos atos de seus educandos menores. No momento
em que o pai entrega o filho à direção da escola, ele transfere a ela o poder de comando de seu filho. Se o
filho causa um dano a outra criança (a terceiro), o dono da escola responde. Essa regra não faz sentido em
se tratando de alunos maiores, numa faculdade, por exemplo. A faculdade pode ser responsabilizada em
decorrência das normas do CDC, mas não pelo art. 932, IV.
O dono da escola tem responsabilidade mais aguçada porque ele funciona, naquele momento, como
se fosse pai. Evidentemente que, em se tratando de escola pública, o responsável será o Poder Público.
O bullying traduz uma forma de constrangimento psicológico, físico e moral que tem como principal
vítima o educando, podendo em tese, justificar a responsabilidade civil do dono da escola por omissão
fiscalizatória e, eventualmente, dos próprios pais. Há projeto de lei do Senado incluindo a responsabilidade
das escolas de evitar essa prática.

6.2.4. Responsabilidade daqueles que participam do produto do crime

Segundo o art. 932, V, do CC, respondem os que gratuitamente houverem participado nos produtos
do crime, até a concorrente quantia.
Lembram Barros Monteiro e Rui Stocco que o dispositivo, em verdade, nada mais faz que consagrar
uma regra para a devolução da coisa, evitando o enriquecimento ilícito. Ele não tem a ver com as hipóteses
previstas nos incisos I a IV, que tratam da responsabilidade do representante pelos atos do representado.
O dispositivo não deveria estar no rol de hipóteses de responsabilidade por fato de terceiro, por se tratar
de uma regra geral.

7.Responsabilidade civil do transportador


7.1. Transporte de pessoas (Art. 734, CC)

A responsabilidade do transportador é objetiva e tal fato de da por três razões.


Inicialmente pela aplicação histórica do Decreto n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, que regula a
responsabilidade civil das estradas de ferro.
Ademais, a obrigação assumida pelo transportador é uma obrigação de resultado onde deve ser
observada a cláusula de incolumidade, ou seja, de levar o passageiro de maneira incólume, são e salvo, e a
mercadoria sem avarias, ao seu destino.
A não obtenção desse resultado importa o inadimplemento das obrigações assumidas e a
responsabilidade pelo dano ocasionadotal, sendo que a obrigação mantem-se até o momento em que
um passageiro deixa a condução e atravessa o portão de saída da estação de desembarque.
Finalmente, na grande maioria das hipóteses fáticas é patente a relação de consumo nesses casos
que deve ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pois afinal de contas o transportador presta
um serviço de forma profissional e muitas vezes há um destinatário final, fático e econômico na outra
ponta da relação jurídica (diálogo das fontes entre o CC/2002 e o CDC).

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Nesse sentido, oArt. 734, caput confirma a responsabilidade objetiva, uma vez que prevê que a
cláusula de não indenizar é considerada nula no transporte de pessoas:

CC, art. 734, caput: “O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas
bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”.

Ademais, o art. 735 do atual Código Civil enuncia que havendo acidente com o passageiro não cabe
a excludente da culpa exclusiva de terceiro, contra o qual o transportador tem ação regressiva.
Desse modo, leciona Carlos Roberto Gonçalves que ocorrendo um acidente de transporte, não pode
o transportador, assim, pretender eximir-se da obrigação de indenizar o passageiro, após haver
descumprido a obrigação de resultado tacitamente assumida, atribuindo culpa ao terceiro (ao motorista
do caminhão que colidiu com o ônibus, por exemplo). Deve, primeiramente, indenizar o passageiro,
para depois discutir a culpa pelo acidente, na ação regressiva movida contra o terceiro.

Finalmente, dispõe o art. 736 do CC que não haverá responsabilidade contratual objetiva, mas
sim subjetiva do transportador no caso de transporte gratuito ou benévolo, também denominado
carona. Em casos tais a responsabilidade daquele que dá a carona depende da comprovação de dolo
ou culpa (responsabilidade extracontratual subjetiva, nos termos do art. 186 do CC), no sentido da
Súmula 145 STJ:

Súmula. 145 STJ: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente
responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.

Entretanto, a teor do parágrafo único do Art. 736, se aquele que deu a carona aferir “vantagens
indiretas” terá responsabilidade objetiva, uma vez que essa “carona” equivale ao transporte, como p. ex.
pagamento de combustível, pedágio ou alimentação ou ainda programa de milhagem ou pontos em
companhia aérea43.

7.2. Transporte de coisas (Art. 750, CC)44

O transporte de coisas está disciplinado nos arts. 743 a 756 do Código Civil, aplicando-se, no que
couber e não conflitar com este, o Código de Defesa do Consumidor.
Quando começa a responsabilidade do transportador? A responsabilidade do transportador, que é
presumida e limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus
prepostos, recebe a coisa.
E quando termina? Só termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele
não for encontrado (art. 750, que não prevê tarifação).

43 Enunciado 559, VI JDC: “Observado o Enunciado 369 do CJF, no transporte aéreo, nacional e internacional,

a responsabilidade do transportador em relação aos passageiros gratuitos, que viajarem por cortesia, é objetiva,
devendo atender à integral reparação de danos patrimoniais e extrapatrimoniais”.
44 Retirado de Gonçalves, Carlos Roberto Direito civil 2 : esquematizado® : responsabilidade / coisas / famílias

e sucessões/ Carlos Roberto Gonçalves. – 8. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. P.
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A quem as mercadorias devem ser entregues? Devem ser entregues ao destinatário, ou a quem
apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as
reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos. No caso de perda parcial ou de avaria não
perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie
o dano em dez dias a contar da entrega (art. 754).
E se houver dúvida acerca de quem seja o destinatário? Nesse caso, o transportador deve depositar
a mercadoria em juízo, se não lhe for possível obter instruções do remetente; se a demora puder ocasionar
a deterioração da coisa, o transportador deverá vendê-la, depositando o saldo em juízo (art. 756).
No caso de transporte cumulativo, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano
causado perante o remetente, ressalvada a apuração final da responsabilidade entre eles, de modo que o
ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver
ocorrido o dano (art. 756).
Se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o transportador solicitará,
incontinenti, instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração
responderá, salvo força maior. Perdurando o impedimento, sem motivo imputável ao transportador e sem
manifestação do remetente, poderá aquele depositar a coisa em juízo, ou vendê-la, obedecidos os preceitos
legais e regulamentares, ou os usos locais, depositando o valor (art. 753 e § 1º).

8. Responsabilidade civil na jurisprudência brasileira


8.1. Responsabilidade civil médica45

“Erro médico” é o dano injusto imputável ao profissional da medicina, o qual, nos termos do art. 14,
§ 4º, do CDC, e do art. 951 do CC, tem responsabilidade baseada na culpa profissional:

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que,
no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do
paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Art. 14 (...) § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de
culpa.

Em geral, o serviço prestado pelo médico é enquadrado como relação de consumo. “Em geral”, pois
não estão incluídas aqui as hipóteses de atuação emergencial (ex.: médico no avião). A responsabilidade
do médico é subjetiva, baseada na culpa do profissional liberal. Perceba que, a despeito de o CDC trazer

45 O Informativo do STJ de 9 de novembro de 2008 anota que, nos últimos seis anos, a quantidade de processos
envolvendo erro médico que chegou à Corte aumentou em 200%.

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como regra a responsabilidade objetiva, o profissional liberal, pessoa física que presta serviço técnico ou
científico, tem responsabilidade subjetiva.
No entanto, apesar de a responsabilidade do médico basear-se na culpa profissional, admite-se a
inversão do ônus da prova, nos termos do CDC (REsp 171.988/RS).
No caso do cirurgião estético, há quem diga que ele teria responsabilidade objetiva. Pablo discorda
dessa posição. Para ele, em sendo médico, a responsabilidade será baseada na culpa. Ainda que se trate de
responsabilidade de resultado e não seja alcançado o resultado projetado, haverá uma presunção de culpa,
que não transforma a responsabilidade em objetiva. A matéria, entretanto, não tem pacificidade na
jurisprudência.
Portanto, a situação do cirurgião plástico é mais delicada, na medida em que, se a cirurgia plástica é
estética, assume obrigação de resultado, de maneira que a responsabilização é mais facilitada, havendo
quem sustente ser objetiva.
Hospital é pessoa jurídica que exerce atividade de risco, com contrapartida pecuniária (em geral).
Pablo entende que se o paciente for demandar o médico que integra o quadro do hospital e comete erro
médico, a responsabilidade será baseada na culpa. Agora, se o paciente for demandar o hospital, a
responsabilidade será objetiva, com base no CDC. O hospital demandado, se quiser, ajuíza demanda
regressiva, discutindo a culpa do profissional.
Entretanto, quanto a esta matéria, o STJ está desencontrado (está literalmente se digladiando). Há
um ano e meio, estava se pacificando a tese segundo a qual a responsabilidade do hospital, no que tange
aos seus médicos, seria subjetiva (para demandá-lo, ter-se-ia que demonstrar a culpa), exceto quanto a
atividades secundárias, não médicas, como a cama quebrada ou a comida estragada, hipóteses em que a
responsabilização seria objetiva. Todavia, hoje há decisões reconhecendo a responsabilidade objetiva do
hospital.
Portanto, ainda não foi firmada jurisprudência uníssona no Tribunal quanto à natureza jurídica da
responsabilidade do hospital pelo erro na prestação do serviço médico, havendo decisão que a entende
subjetiva (REsp 258.389/SP), bem como decisão que a entende objetiva (REsp 696.284/RJ).
O STJ tem decisões admitindo a responsabilidade da seguradora pelo erro do médico credenciado
(REsp 328.389/RJ). Academicamente, a responsabilidade da seguradora será objetiva. Não há que se falar
em subjetiva, nesse caso.
O cirurgião-chefe responde pelo erro cometido pela sua equipe. O anestesiologista, todavia, responde
autonomamente (responsabilidade baseada na culpa profissional).
Existe divergência na doutrina quanto à possibilidade de um médico intervir para salvar a vida do
paciente, mesmo contra a sua vontade, em razão da aparente colidência entre o direito à vida e a liberdade
de consciência e crença filosófica e religiosa.

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Termo de consentimento esclarecido ou informado é o documento entregue pelo médico ao paciente


pelo qual, à luz da boa-fé objetiva e do dever de informação, lhe dá conhecimento das consequências e
riscos do procedimento clínico.
Miguel Kfouri Neto lembra que esse termo de conhecimento informado, baseado no art. 15 do CC46,
não é um salvo-conduto ao médico. Ele não blinda o profissional. Se comete erro médico, ele responderá
pelo ato. O termo protege o médico quanto à alegação do paciente de desconhecimento dos riscos e
consequências inerentes ao procedimento médico que será adotado.
Vale acrescentar, finalmente, que a teoria da perda de uma chance, lembra Julio Meirelles, também
pode ser aplicada à atividade médica, justificando indenização, ainda que reduzida. Ex.: sujeito com dores
abdominais poderia ser encaminhado a uma tomografia. O paciente tem um tumor, que piora por conta
do diagnostico tardio, e morre. Não foi o médico que colocou o tumor lá, nem isso significa que o paciente
poderia ser curado, mesmo que diagnosticado em tempo. Todavia, nesse caso é cabível uma indenização,
pela perda da chance de cura, arbitrada equitativamente.
A responsabilidade do cirurgião dentista, por ser um profissional liberal, também se baseia na culpa
profissional, valendo mencionar o texto de Ricardo Zart acerca do tema (www.jus.com.br).

8.2. Responsabilidade do advogado47

O advogado também responde por culpa profissional.

8.3. Responsabilidade das locadoras de veículos

Tecnicamente, quando o locatário recebe da operadora a guarda de um carro, a responsabilidade


acerca dos fatos por ele praticados seria dele. Todavia, a Súmula 492 do STF estabelece ser solidária a
responsabilidade da locadora de veículos com o locatário pelos danos causados no uso do carro locado:

Súmula 492 - A EMPRESA LOCADORA DE VEÍCULOS RESPONDE, CIVIL E SOLIDARIAMENTE COM O


LOCATÁRIO, PELOS DANOS POR ESTE CAUSADOS A TERCEIRO, NO USO DO CARRO LOCADO.

Isso porque a empresa, com sua atividade, cria ou incrementa o risco da produção do resultado.
Ainda que a responsabilidade solidária não se presuma, devendo decorrer da lei, trata-se de hipótese
de presunção. A Súmula seria, portanto, questionável. Mas é válida e aplicável.

8.4. Responsabilidade pelo transporte de mera cortesia (carona)

46 Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a
intervenção cirúrgica.
47 Acerca do tema, Pablo recomenda a obra: “Responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance”,
de Sergio Novaes Dias (LTR).

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Transporte de mera cortesia é o transporte desinteressado (a carona). Quando o transporte é


interessado (ex.: o corretor dá uma carona ao cliente até a corretora, para celebrar com ele um contrato),
a situação é outra.
A pessoa que toma a carona pode demandar o condutor pelo dano causado, em virtude de acidente
automobilístico? A matéria é sumulada no STJ (Súmula 145): admite-se a responsabilidade civil do
transportador (em transporte desinteressado ou carona), somente se tiver havido de sua parte dolo ou
culpa grave:

Súmula 145 - No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente


responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave.

O parágrafo único do art. 944 do CC também traz situação em que o juiz, analisando o grau da culpa,
pode reduzir a indenização a ser paga pelo réu:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
eqüitativamente, a indenização.

Esse redutor, nos termos dos Enunciados 46 e 380 da Jornada de Direito Civil, também poderia ser
aplicado às hipóteses de responsabilidade objetiva:

Enunciado 46 - Art. 944: A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa
do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada
restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano [,] não se aplicando
às hipóteses de responsabilidade objetiva. (Alterado pelo Enunciado 380 – IV Jornada)

Enunciado 380 - Art. 944: Atribui-se nova redação ao Enunciado n. 46 da I Jornada de Direito Civil, pela
supressão da parte final: não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva.

Essa ideia de gradação da culpa não é comum na área cível. Em se tratando de responsabilidade
criminal, o juiz analisa culpa e dolo na fixação da pena base. Para efeito de responsabilidade civil, em
princípio, o grau de culpa não interessa, pois a indenização mede-se pela extensão do dano.
Sucede que, de vez em quando, a gradação aparece, como é o caso desse parágrafo único do art. 944.
Ele diz, em outras palavras, que se o réu teve culpa leve no evento, a defesa pode invocar a regra para
convencer o magistrado a reduzir a indenização devida. Ex.: o sujeito deixa a “bituca” de cigarro acesa na
ponta do cinzeiro da casa do amigo. Ela cai e incendeia o apartamento inteiro.
Vale indagar: o redutor seria constitucional, à luz do princípio da dignidade humana e do princípio
da indenização integral da vítima?
Outra dúvida diz respeito à redução nas demandas de responsabilidade objetiva. Os Enunciados
acima citados dizem que o redutor poderia ser utilizado mesmo nos casos em que não haja discussão de
culpa. Pablo considera esse entendimento equivocado, na medida em que se trará ao processo a discussão
acerca de algo que teria de ser afastado.

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8.5. Responsabilidade civil do transportador aeronáutico

Acerca da responsabilidade civil do transportador aeronáutico, vale conferir o noticiário do STJ de 5


de julho de 2009. Para fins de concursos, serão destacados alguns aspectos a seguir.

8.5.1. extravio de bagagem

Após o advento do CDC, a responsabilidade do transportador acerca do extravio de bagagem


subordina-se ao princípio da ampla reparação, afastando-se indenização tarifada, inclusive da Convenção
de Varsóvia (Ag. Rg. no Ag. 1.230.663/RJ).

8.5.2. responsabilidade das agências de viagem por atrasos em voo

O REsp 797.836 sustentou a tese de que, salvo situações excepcionais, as agências de viagem não
podem ser responsabilizadas por atrasos em voo quando elas vendem as passagens, muito embora o
mesmo tribunal também haja decidido que haverá responsabilidade pelo mau serviço vendido em pacote
turístico com voo fretado (REsp 783.016).

8.5.3. brasileiro barrado no exterior

Alguns brasileiros têm tido o dissabor de serem barrados no exterior. Chegando ao Brasil, ajuízam
ação de reparação de danos morais contra o Estado que o barrou. Os juízes têm julgado extintas essas
demandas, mas o STJ tem mandado citar os Estados (o que não significa que as demandas serão julgadas
procedentes).

8.5.4. overbooking

Quanto ao overbooking, o STJ também já decidiu que se trata de prática ilícita, que só vê a
conveniência da própria companhia aérea, podendo gerar responsabilidade civil (REsp 211.604/SC).
No caso do overbooking (o sistema da companhia emite mais passagens do que assentos), deve-se
registrar ocorrência na ANAC, sem prejuízo da indenização por danos morais e materiais.

8.6. Responsabilidade civil dos condomínios

Acerca da responsabilidade civil dos condomínios, ver o noticiário do STJ de 10 de maio de 2009. O
Tribunal já consolidou o entendimento de que é possível a utilização de área comum em caráter exclusivo
por condômino, desde que haja autorização da assembleia (REsp 281.290).
No que tange a furtos em garagem ou cometimento de atos ilícitos em áreas comuns, entende o STJ
que a responsabilidade do condomínio só existirá se estiver expressamente prevista na Convenção (REsp
268.669 e REsp 618.533). Na prática, isso significa que não haverá responsabilização, pois as Convenções
quase nunca preveem tal responsabilização.

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